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DIREITO COMERCIAL I
PROF. MENEZES CORDEIRO
Faculdade de Direito de Lisboa
DISCLAIMER
Estes apontamentos não dispensam o estudo dos manuais recomendados pelo Professor Regente e Assistente.
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CAPÍTULO I: COMÉRCIO E COMERCIANTES
§1: SENTIDO OBJECTIVO. Os actos de comércio em sentido objectivo são
aqueles que se encontram especialmente regulados no Código [art. 2º, 1ª parte].
Esta primeira noção denota a relação de especialidade entre o direito comercial,
especial, e o direito civil, geral e de aplicação subsidiária. Desta primeira
abordagem podemos concluir:
Nem todos os actos regulados no Código são actos comerciais
Nem apenas os actos regulados no Código são actos comerciais.
A fórmula legal recorre a um enunciado implícito que cumpre determinar
com maior clareza.
Actos comerciais em sentido objectivo são também aqueles que
historicamente haviam sido consagrados no Código, embora hoje pertençam a
legislação extravagante: o trespasse, “arrendamento comercial” [art. 1112º CC],
vg.
Reformulando o disposto no art. 2º, conclui-se: os actos de comércio em
sentido objectivo são aqueles que se encontram, ou se encontraram outrora,
“especialmente” regulados no Código e na lei comercial geral, considerando o
objecto e os interesses em questão. Nestes termos, o contrato de trabalho não é
objectivamente comercial. Para OLIVEIRA ASCENSÃO, só são comerciais os actos
regulados no Código e nos quais aflore a característica da especialidade, em
relação à lei civil.
§2: ANALOGIA. Dado o teor de tipicidade fechada do art. 2º, aliado a razões
de segurança jurídica, poder-se-ia dizer que a qualificação de actos comerciais por
analogia seria proibida [OLIVEIRA ASCENSÃO].
Todavia, cumpre recordar que as normas comerciais são especiais e não
excepcionais, susceptíveis, por isso, de aplicação analógica nos termos gerais do
art. 10º CC: as normas comerciais não contrariam os princípios gerais do direito,
nem constituem qualquer ius singulare. Mas nem por isso se diga que a aplicação
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analógica das mesmas deva ser automática: MENEZES CORDEIRO impõe alguma
cautela nesse raciocínio. A especialidade deveria ser constatada em cada regra [a
relação de especialidade só poderia ser relativizada, enfim, entre uma norma
“geral” e uma norma “especial”].
Mas, na verdade, grande parte do direito das sociedades comerciais e direito
da concorrência não é especial em relação a norma nenhuma, já que não lhes
assiste corresponde a norma “geral” no direito civil português. Não obstante, o
direito comercial é certamente mais restrito e particularizado que o direito civil.
Nestes termos, e com as limitações apontadas, a natureza especial do direito
comercial deve ser ponderada caso a caso.
Face a esta polémica, alguma doutrina desenvolveu a denominada teoria do
acessório, uma fórmula de analogia, na verdade: seriam comerciais os actos
acessórios de outros, objectivamente comerciais, encontrando-se numa relação de
instrumentalidade [vg depósito, penhor ou mútuo/empréstimo, se não estivessem já
consagrados no Código]. Nestes termos, o mesmo poderia ser qualificado como
acto comercial em sentido objectivo, mediante analogia iuris [BARBOSA DE
MAGALHÃES].
Contrariando esta teoria, a doutrina respondeu negativamente à questão: a
aplicação analógica de normas comerciais contraria a intenção de taxatividade
patente no art. 2º: OLIVEIRA ASCENSÃO, GUILHERME MOREIRA, PINTO
COELHO, REMÉDIO MARQUES e COUTINHO DE ABREU.
Ainda que a teoria da acessoriedade se considere hoje abandonada, a
apreciação casuística do preenchimento de lacunas comerciais é possível [caso a
caso, norma a norma]: MENEZES CORDEIRO sustenta, assim, a aplicação
analógica das obrigações resultantes da culpa in contrahendo aquando da
preparação de um contrato comercial. O acto será comercial se o regime for
comercial e especial.
§3: SENTIDO SUBJECTIVO. São actos comerciais em sentido subjectivo os
contratos e obrigações dos comerciantes, com capacidade para tal, que façam do
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comércio profissão. A natureza dos mesmos não pode, todavia, ser exclusivamente
civil, e o contrário não pode resultar do próprio acto [art. 2º, 2ª parte]. Explicitemos.
Duas linhas de interpretação desenvolveram-se em torno do disposto no art.
230º:
Entendimento de empresa enquanto actividade [objectivismo] –
GUILHERME MOREIRA e COUTINHO DE ABREU.
Entendimento de empresa enquanto organização de meios
[subjectivismo] – BARBOSA DE MAGALHÃES.
Opiniões conciliadoras – OLIVEIRA ASCENSÃO.
Afastaremos quaisquer propostas de interpretação actualista que
reconduzam o disposto no art. 230º a actos subjectivamente comerciais [leia-se
“pessoas, singulares ou colectivas”]: o legislador originário [1888] não conhecia o
conceito de pessoa colectiva, introduzido em 1907 por GUILHERME MOREIRA,
pelo que ao elencar “empresas comerciais” referia-se, tão-só, a actos
objectivamente comerciais [“actuações/empreendimentos” e não organização de
meios, tipo “sujeito”]. MENEZES CORDEIRO exemplifica-o: uma associação
académica não é comerciante por organizar um espectáculo por ano; se o fizer, o
acto é objectivamente comercial, tão-só.
A capacidade comercial dos comerciantes [art. 13º] coincide com a
capacidade civil, pelo que o art. 7º deve ser remetido para as regras gerais da
capacidade de gozo e de exercício.
Por outro lado, pratica, de facto, o comércio, o comerciante que celebre
contratos e actos elencados nos arts 463º e 464º.
A natureza do acto não pode ser exclusivamente civil: para MENEZES
CORDEIRO serão actos exclusivamente civis aqueles que, no momento
considerado, não sejam regulados pela lei comercial geral [fórmula mais
abrangente e actualista, caso a caso]. OLIVEIRA ASCENSÃO vai mais longe: será
exclusivamente civil o acto que o direito comercial geral, pela sua natureza, não
possa regular [inclua-se os actos relativos ao direito da família e sucessões e as
doações comerciais, vg]. COUTINHO DE ABREU, BARBOSA DE MAGALHÃES e
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FERRER CORREIA assumem uma interpretação mais extensiva, nos termos
seguintes: é exclusivamente civil o acto que não tenha qualquer conexão com o
exercício do comércio em geral [assim, a doação já seria considerada um acto
comercial]. MENEZES CORDEIRO discorda: uma doação feita a clientes não tem
qualquer regime comercial, não se tratando de acto de comércio.
A comercialidade deve ser afastada quando o contrário resulte do acto: de
circunstâncias que o acompanhem, em nada relacionadas com o giro comercial,
enfim.
Eis o esquema a reter:
Contratos e obrigações dos comerciantes [art. 13º]:
o Capacidade: art. 7º e regras gerais do CC.
o Pratique, de facto, o comércio: arts 463º e 464º.
Natureza não exclusivamente civil [vg contrato de trabalho, que
pretende proteger a parte mais fraca, o trabalhador].
O contrário não resulta do acto
Conclusão:
A distinção entre actos comerciais em sentido objectivo e subjectivo não é,
hoje, decisiva: já não depende do foro competente, como historicamente já se
admitiu [até 1932, com a unificação o foro, os actos comerciais eram julgados em
tribunais comerciais e os actos civis pelos tribunais comuns]. Não obstante, a
relevância desta discussão reside na aplicação do regime comercial, maxime
daquele que ainda vigora no nosso país: os poucos arts que restam do Código
Comercial.
§4: COMERCIANTES. Nem todos os que praticam actos de comércio devem
ser considerados comerciantes. Nestes termos, é comerciante [art. 13º] quem:
Tenha capacidade para tal [art. 7º, que remete globalmente para a lei
civil]
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o A maioria doutrinária defende que o comerciante carece de
capacidade de exercício. Já FERRER CORREIA, por seu lado,
admite bastar a simples capacidade de gozo. MENEZES
CORDEIRO entende que, já que as pessoas singulares têm
capacidade de gozo pleno [art. 67º CC], e as pessoas
colectivas têm capacidade de gozo necessária ou conveniente
à prossecução dos seus fins [art. 160º CC], o referido art.
remete globalmente para a lei civil: capacidade de gozo e de
exercício. Sublinhe-se que certos actos de comércio são
acessíveis a menores, mesmo não representados [relembre-se
que a incapacidade de exercício dos menores é meramente
aparente, segundo GOMES DA SILVA, já que as excepções
consagradas no art. 127º CC são mais extensas do que a
regra, e os actos só são susceptíveis de anulabilidade].
Pratique, de facto, o comércio: arts 463º e 464º
Faça do comércio profissão, com indícios de profissionalidade
[vectores que classificam a prática comercial de actos comerciais]:
o Prática reiterada e habitual [não necessariamente contínua –
actos não ocasionais nem isolados]
o Intenção lucrativa [visa angariar meios]
o Actividade juridicamente autónoma [em nome próprio e por
sua conta, ao contrário do trabalhador subordinado, que é
abrangido pelo regime do contrato de trabalho]
o Actividade tendencialmente exclusiva [pode exercer outras
profissões, embora haja limites práticos: não se exige
exclusividade, mas sim dedicação tendencialmente exclusiva,
mediante total afectação do seu património de comerciante ao
seu comércio] - OLIVEIRA ASCENSÃO considera que este
não é um verdadeiro indício.
o Organização de meios e de recursos [para alguns autores]
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MENEZES CORDEIRO considera que esses elementos não constituem
verdadeiros requisitos e que o sistema é móvel: poder-se-á dispensar um indício,
desde que os outros sejam inequívocos.
Conclui-se: ser-se comerciante é fazer profissão do comércio, desde que se
tenha capacidade para tal. Excluem-se, deste âmbito, as sociedades.
São pessoas semelhantes a comerciantes, ainda que não o sejam para
efeitos do art. 13º: todas as entidades autónomas que pratiquem actos com fins
lucrativos e que para tal disponham de uma organização de meios mínima. Caso a
caso cumpre determinar se o mandatário comercial, com ou sem representação
[mero comissário], ou se profissionais liberais de grandes sociedades de advogados,
vg, possam ser reconduzidos à categoria geral de comerciante. MENEZES
CORDEIRO pronuncia-se afirmativamente, embora exclua os trabalhadores nos
termos de um contrato de trabalho e os profissionais liberais em geral.
§5: ACTOS UNILATERAIS. Quando concluirmos por um acto objectivamente
comercial o direito a aplicar é o direito comercial. Será unilateral o acto de comércio
só com relação a uma das partes [art. 99º]:
Quando objectivamente comercial para uma parte apenas: regime
comercial
Quando subjectivamente comercial para uma parte apenas: regime
comercial
A ressalva “salvo as que só forem aplicáveis…” respeita às obrigações
específicas dos comerciantes [art. 18º]: firma, registo comercial, etc.
A lei comercial rege quanto a todas as partes, enfim. Salvo se o contrário
resultar da própria lei.
§6: SOLIDARIEDADE. As obrigações comerciais podem ser:
Singulares
Plurais [co-obrigados]:
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o Parciárias [art. 513º CC]: regra geral - cada um deve
responder pela dívida na sua quota-parte e o
cumprimento da obrigação, por um dos devedores, não
exonera os restantes perante o mesmo credor.
o Solidárias [art. 100º]: regra especial, quando resulte da
lei ou da vontade das partes – o cumprimento da
obrigação, por um dos devedores, exonera os restantes
perante o mesmo credor.
Os co-obrigados são solidários:
Salvo estipulação em contrário
§u.: disposições não extensivas aos não
comerciantes quanto aos contratos que não
constituírem actos comerciais
Conclui-se: aferir da solidariedade das obrigações comerciais equivale a
analisar a comercialidade dos actos praticados, enfim.
§7: RESPONSABILIDADE DO CASAL. A responsabilidade dos bens comuns
do casal não equivale a solidariedade nas obrigações. As dívidas conjugais podem,
assim, ser:
Comunicáveis [art. 1691º-1d) e 1695º CC e art. 15º]:
responsabilização de ambos os cônjuges se as dívidas foram
contraídas em proveito comum [bastando para o facto a intenção,
lato sensu, e não o proveito em termos patrimoniais] ou se não
vigorar o regime de separação de bens.
o Respondem os bens comuns do casal e, na falta ou
insuficiência destes, os bens próprios de cada um,
solidariamente.
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Incomunicáveis [art. 1692º e 1696º CC]: responsabilização do
cônjuge a que respeitam se as dívidas foram contraídas em
proveito próprio ou se vigorar o regime de separação de bens.
o Respondem os seus bens próprios e, subsidiariamente, a
sua meação nos bens comuns.
Regra especial [art. 15º]: as dívidas do cônjuge comerciante presumem-se
contraídas no exercício do seu comércio. Requisitos cumulativos para que esta
presunção se verifique:
Cônjuge comerciante [aferida a profissionalidade da sua
actividade]
Dívida comercial [proveniente de acto de comércio]
Exemplo: dívida contraída no casino – a exploração dos casinos deriva de
contratos administrativos de concessão celebrados por sociedades comerciais que,
ao abrigo do art. 1º CSC, têm por objecto a prática de actos de comércio.
Considera-se que as obrigações contraídas nos casinos não são naturais porque
delas cabe recurso para os tribunais [art. 1245º CC]. Se um comerciante contrair
uma dívida deste cariz, o “contrário resulta do próprio acto”: contrai as dívidas no
casino não enquanto comerciante, mas sim enquanto cidadão comum. Não é por
ser comerciante que todas as actividades por ele praticadas sejam comerciais.
Os argumentos que apontam no sentido da profissionalidade de uma
determinada actividade não equivalem à determinação da prática de actos
comerciais em sentido objectivo ou subjectivo, como já analisado supra.
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CAPÍTULO II: ESTABELECIMENTO COMERCIAL
§1: ESTABELECIMENTO. O estabelecimento comercial é, para MENEZES
CORDEIRO, o conjunto de coisas corpóreas e incorpóreas [art. 425º] devidamente
organizadas para a prática de comércio. Nestes termos, corresponde à unidade
funcional cujo objectivo é a obtenção de lucro através da conquista de clientela.
Corresponde, grosso modo, a uma ideia de empresa sem o elemento humano e de
direcção.
§2: ELEMENTOS. Desta primeira noção podemos concluir pelos seguintes
elementos caracterizadores do estabelecimento comercial:
Elementos activos: conjunto de direitos e de outras posições
equiparáveis afectas ao exercício do comércio.
o Coisas corpóreas:
Bens materiais relativos a imóveis e móveis
[mercadorias, mobília, instrumentos de trabalho… - a
existência de um imóvel não é condição sine qua non
para o estabelecimento: vendedor ambulante, vg]
Direitos reais e pessoais de gozo relativos a imóveis
o Coisas incorpóreas:
Propriedade industrial [marcas, patentes, know-how,
direito à firma/nome]
Prestações provenientes de posições contratuais
[contratos de trabalho, prestação de serviços,
distribuição, agência, franquia…]
o Clientela: conjunto real ou potencial de pessoas dispostas a
contratar com o estabelecimento.
o Aviamento: A mais valia que resulta da aptidão funcional do
estabelecimento e a soma dos elementos que o componham.
A unificação de todos os elementos, enfim. Para COUTINHO
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DE ABREU trata-se de um “bem jurídico novo”. Critério
decisivo para aferir a existência de um estabelecimento. Há
estabelecimento, na medida em que há aviamento.
A clientela e o aviamento não constituem objecto de direitos subjectivos,
embora correspondam a posições activas e sejam objecto de regras de tutela [vg
indemnização de clientela, no contrato de agência].
Elementos passivos: adstrições ou obrigações contraídas pelo
comerciante, no exercício do comércio. É frequente, em negócios de
transmissão, limitá-los ao activo, não incluindo o passivo no
estabelecimento.
§3: TRANSMISSÃO DO ESTABELECIMENTO. Aferida a existência de um
verdadeiro estabelecimento comercial, o mesmo pode ser transmitido no seu todo
nos termos seguintes:
Transmissão definitiva: trespasse, regime excepcional
Transmissão temporária: cessão de exploração, regime geral
A regra geral é, contrariamente a estas que aqui observamos, a regra da
especialidade: cada uma das situações jurídicas distintas a transmitir exigiria, em
princípio, um negócio autónomo.
§4: TRESPASSE. O trespasse consiste na transmissão definitiva da
titularidade do estabelecimento comercial, no seu todo, sem perda de aptidão
funcional [do aviamento, enfim]: trata-se de um único negócio jurídico, mediante
uma única escritura. Segundo MENEZES CORDEIRO e OLIVEIRA ASCENSÃO, a
transmissão de um “estabelecimento” com perda do aviamento, consiste na
transmissão de um “estabelecimento incompleto”.
Pode ser celebrado mediante qualquer contrato com eficácia translativa da
titularidade do direito [vg compra e venda, doação, troca ou dação em
cumprimento]. O principal efeito resulta da transmissão da propriedade
relativamente a esse estabelecimento, ou do direito pessoal de gozo do
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arrendatário, mais frequentemente. Eis os traços gerais do regime do trespasse, de
natureza excepcional face ao regime geral da cessão de exploração:
Está regulado no CC [art. 1112º CC] mas é considerado legislação
comercial, maxime acto comercial em sentido objectivo, por razões
históricas e pela sua natureza: protecção do interesse e do
desenvolvimento comercial.
Não há qualquer necessidade de consentimento do senhorio [art.
1112º-1a CC], bastando a mera comunicação [art. 1112º-3 CC] pelo
locatário originário, no prazo de quinze dias [art. 1038º g) CC]: facto
que sustenta a sua natureza de protecção do interesse comercial.
Forma: escrita [art. 1112º-3 CC]. Problema da simplificação formal do
trespasse: essa norma aplica-se também ao proprietário do prédio?
COUTINHO DE ABREU considera que se afasta o art. 875º CC e o
art. 80º do Código do Notariado, relativamente à necessidade da
escritura pública na transmissão do direito de propriedade sobre
imóveis em caso de trespasse.
A violação do dever de comunicação constitui fundamento do direito
de resolução do contrato [art. 1083º-2 e) CC] e de indemnização por
responsabilidade obrigacional [art. 798º CC].
O senhorio tem direito de preferência no trespasse por venda ou
dação em cumprimento [art. 1112º-4 CC], permitindo-lhe uma
vantagem potencial. Se preferir, extingue-se o contrato por confusão
de esferas jurídicas: o senhorio não pode ser simultaneamente
senhorio e locatário.
Dever de não concorrência do trespassante com o trespassário: dever
que decorre da boa fé, maxime, do dever de lealdade. Quando
violado, gera responsabilidade pós-contratual nos termos dos
princípios da culpa post pactum finitum, segundo MENEZES
CORDEIRO. Se as partes afastarem o dever de não concorrência,
convencionam, geralmente, uma remuneração proporcional.
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Evidencia a importância da clientela enquanto elemento activo do
estabelecimento. Preconiza a observância de limites:
o Materiais: a nova actividade do trespassante não pode ser
semelhante
o Espaciais: com respeito com a circunscrição geográfica da
actividade
o Temporais: observância do prazo de consolidação do novo
estabelecimento, geralmente de três ou dois anos
[jurisprudência]
Havendo perda do aviamento do estabelecimento, com o trespasse,
aplicar-se-á o regime geral da cessão de exploração infra: o contrato
celebrado transmite meramente o direito pessoal de gozo sobre o
prédio, e não o estabelecimento no seu todo, por desmantelamento,
vg. Nestes termos, há que interpretar restritivamente o disposto no
art. 1112º-2 a) CC, considerando que o limite que traça a distinção
entre trespasse e mera cessão de exploração reside na perda de
aviamento, e não na mera transmissão de utensílios e de
mercadorias. Cabe ao senhorio fundamento de resolução do contrato
pelo exercício, no prédio, de outro ramo de comércio sem o seu
consentimento [art. 1112º-2 b) CC], norma que pretende obstar à
simulação de trespasse, nos casos de transmissão do espaço e não
do estabelecimento.
Se existe verdadeiro trespasse, mas outro destino foi dado ao prédio,
há fundamento do direito de resolução do contrato nos termos dos
arts. 1038º c), 1083º-1c) e 1112º-5 CC e consequente indemnização
por responsabilidade obrigacional [art. 798º CC].
§5: ELEMENTOS TRANSMITIDOS. Caracterizado o trespasse nos seus
traços gerais, cumpre determinar quais os elementos do estabelecimento que
devem considerar-se transmitidos com o trespasse do mesmo.
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OLIVEIRA ASCENSÃO, neste âmbito, estabelece a distinção entre:
Situações jurídicas exploracionais: não fazem sentido sem o
estabelecimento a que respeitam, pelo que se transmitem com este.
Situações jurídicas comuns
Assim, transmitem-se, num plano interno [entre o trespassante e o
trespassário]:
Elementos activos:
Direito de propriedade sobre móveis e imóveis, em princípio [mesmo
sem acordo expresso, por estar implícito na vontade hipotética das
partes que celebram o trespasse].
Direito pessoal de gozo relativo ao arrendamento.
Direito à firma, com consentimento escrito do titular [art. 44º RNPC].
O nome do estabelecimento, logótipo e insígnias [art. 31º-4 Código
de Propriedade Industrial].
Posições contratuais:
o Contrato de trabalho: por mero efeito da lei, com vista à
protecção do trabalhador, a parte mais fraca – as dívidas
transmitem-se à segurança social.
o Contrato de fornecimento: as situações jurídicas
exploracionais transmitem-se tacitamente, segundo OLIVEIRA
ASCENSÃO.
Direitos de crédito, sem consentimento do devedor [art. 577º CC].
Aviamento e clientela: factores que influenciam decisivamente o
valor do estabelecimento e que, sendo este transmitido, vão com ele.
Elementos passivos:
Dívidas, com consentimento do credor [art. 595º CC], excepto quando
se trate de dívidas exploracionais, indissociáveis do estabelecimento
[segundo OLIVEIRA ASCENSÃO transmitem-se tacitamente]. A
solução adoptada deve ser intermédia: nem pela transmissão em
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bloco das mesmas, pela difícil especificação de todas, nem pela
transmissão das dívidas uma a uma, pela exigência que importaria.
Transmitem-se, num plano externo [entre o trespassário e terceiros]:
Elementos activos:
Cessão da posição contratual [art. 424º CC]: com consentimento
Cessão de créditos [art. 577º CC]: sem consentimento
Elementos passivos:
Dívidas [art. 595º CC]:
o Com consentimento do credor: exonera o trespassante, o
devedor originário.
o Sem consentimento do credor: não exonera o trespassante, o
devedor originário, que, pagando a dívida em causa, pode
exercer direito de regresso sobre o trespassário, o novo
devedor.
§6: CESSÃO DE EXPLORAÇÃO. A cessão de exploração do estabelecimento
consiste na transmissão temporária do gozo do estabelecimento como um todo, a
título oneroso [locação de estabelecimento] ou gratuito [“comodato” de
estabelecimento]. Trata-se do regime geral previsto no art. 424º CC, a aplicar
quando se considere afastada a possibilidade de trespasse, a título excepcional, ou
quando este, a existir, resulte em perda do aviamento do estabelecimento: a
cessão de exploração afasta o regime restritivo do arrendamento. Estudaremos a
cessão de exploração a título oneroso, dita locação do estabelecimento, com maior
pormenor. Eis os traços gerais do regime da locação do estabelecimento:
Necessidade de consentimento [art. 424º CC e art. 1059º]. Não existindo
qualquer consentimento, há fundamento de resolução do contrato e indemnização
por responsabilidade obrigacional [arts 1047º e 1083º e 798º CC].
Existência de um estabelecimento comercial [ou tratar-se-á de puro
arrendamento]: a falta de um dos elementos estruturais do
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estabelecimento, aquando da cessão, determina a sua conversão
legal em arrendamento.
Forma: escrita [art. 1112º-3, por remissão do art. 1109º CC].
Observância das obrigações do locatário [art. 1038º CC].
O não consentimento do senhorio e a inobservância das obrigações
do locatário constituem fundamento do direito de resolução do
contrato pelo senhorio: vg pelo exercício, no prédio, de outro ramo do
comércio sem o seu consentimento [art. 1112º-2 b)]: norma que
pretende obstar à simulação de trespasse.
O direito à resolução do contrato e consequente indemnização por
responsabilidade obrigacional encontra-se consagrado nos arts
1047º, 1083º e 798º CC.
Quando o estabelecimento se encontre instalado em local arrendado
a locação não carece de autorização do senhorio, mas deve ser-lhe
comunicada no prazo de um mês [art. 1109º-2 CC].
Quando o locatário não transmita a titularidade do direito pessoal de gozo
sobre o estabelecimento, mas tão-só faculte o seu gozo a um terceiro, deparamo-
nos com a denominada sublocação do estabelecimento, nos termos seguintes [art.
1060º CC]:
Não há cessão da posição contratual do locatário original, a favor do
sublocatário [o locatário mantém o seu direito pessoal de gozo, neste
caso, embora faculte o gozo da coisa ao sublocatário].
O regime da sublocação [art. 1060º] caracteriza-se por:
Dever de comunicação [art. 1038º g) e 1061º CC]
Violação do dever de comunicação constitui causa de resolução do
contrato e de indemnização por responsabilidade obrigacional [arts
1083º e 798º CC].
Quando a sublocação verse sobre imóveis, dispõe o regime do
subarrendamento [art. 1088º CC]:
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Necessidade de autorização do senhorio, por escrito [art. 1038º f) e
1088º CC]
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CAPÍTULO III: REGISTO COMERCIAL E FIRMA
§1: REGISTO COMERCIAL. Os princípios orientadores do registo comercial
são os seguintes:
Legalidade [arts 47º e 48º CR Comercial]
Instância [art. 28º CR Comercial]
Obrigatoriedade [art. 15º-1 CR Comercial]
Competência
O principal efeito do registo comercial é o efeito presuntivo [art. 11º CR
Comercial], ainda que ilidível nos termos gerais do art. 350º-2 CC. Não tem
qualquer efeito constitutivo, nem no caso das sociedades comerciais, para
MENEZES CORDEIRO [vs art. 5º CSC], excepto no registo do penhor, na medida
em que há já personalidade colectiva antes do registo.
Segundo o art. 18º-3, os comerciantes são obrigados a fazer inscrever no
registo comercial os actos a ele sujeitos. Os factos relativos a comerciantes
individuais que estejam sujeitos a registo são elencados no art. 2º CR Comercial,
numa tipicidade fechada. O início da actividade do comerciante individual está
previsto no art. 2º a) CR Comercial. Será, todavia, esse registo obrigatório? Não, na
medida em que essa alínea não se encontra prevista na tipicidade fechada que
consta do art. 15º CR Comercial. Conclui-se: o registo comercial não tem efeito
constitutivo, mas sim meramente presuntivo, dada a função de conferir fé pública
aos actos registados [art. 11º CR Comercial]. Há, todavia, mecanismos de
obrigatoriedade indirecta, como aqueles enunciados no art. 14º CR Comercial.
§2: FIRMA. A firma é o nome do comerciante no comércio. Apesar da
crescente simplificação do seu regime [cfr. “empresa na hora”], a constituição da
firma deve ser conforme com os princípios seguintes:
Unidade [art. 38º RNPC]
Autonomia privada
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Obrigatoriedade e normalização [art. 18º]
Verdade [art. 32º RNPC]
Estabilidade
Novidade e exclusividade [art. 33º RNPC]
A firma, ou o nome do comerciante no comércio, é sempre obrigatória [art.
18º-1º e 38º-1 RNPC]. Se não for adoptada uma firma fica impossibilitada a
inscrição de actos com registo obrigatório.
A transmissão da firma é possível mediante autorização escrita do titular da
mesma [art. 44º e 38º-2 RNPC].
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CAPÍTULO IV: CONTRATOS COMERCIAIS
§1: CONTRATOS COMERCIAIS. Vigora, no âmbito dos contratos
comerciais, a regra geral da autonomia privada [art. 405º CC], em conjugação com
as regras da interpretação negocial, segundo MENEZES CORDEIRO. O numerus
apertus designa que o número de actos mercantis teoricamente possíveis é
ilimitado, com as consequências seguintes:
As descrições legais dos contratos comerciais não são típicas
As descrições legais dos contratos comerciais podem ser aplicadas
analogicamente
O princípio é o da consensualidade, tal como do direito civil [art. 219º CC],
manifestado na liberdade de língua na celebração de contratos comerciais [art.
96º].
Princípios comerciais materiais:
Internacionalidade
Simplicidade e rapidez
Clareza jurídica, publicidade e tutela da confiança
Onerosidade
Como já referimos, MENEZES CORDEIRO defende a aplicação analógica
das regras da culpa in contrahendo aos contratos comerciais [art. 227º CC], pela
violação de deveres específicos de conduta aquando da preparação dos contratos
[civis ou comerciais]. Logo, a responsabilidade é obrigacional, e não aquiliana, pela
violação de um dever genérico de respeito [art. 798º vs 483º CC], com
consequências relevantes: a culpa presume-se [art. 799º CC] e há lugar a
indemnização por todos os danos causados [danos emergentes e lucros cessantes],
e não apenas pelos danos negativos [danos que não haveria se não tivesse ocorrido
a negociação falhada].
Quanto às cláusulas contratuais gerais, remete-se esse estudo para o
capítulo do direito bancário, infra.
Os contratos comerciais podem ser:
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De organização: não originam nenhuma realidade jurídica nova ou
nenhuma entidade autónoma, diversa das partes, e preconizam a
colaboração e cooperação duradouras entre as partes.
o Consórcio [realização de uma actividade ou contribuição, de
forma concertada]
o Associação em participação [apoios ao desenvolvimento do
comércio de um comerciante, em nome e por conta deste]
Natureza jurídica de ambos: para OLIVEIRA ASCENSÃO e
COUTINHO DE ABREU, não se trata de actos de comércio em
sentido objectivo, na medida em que podem não consubstanciar
actos comerciais, mas sim actos meramente económicos. Para mais,
o consorciado ou o associante não têm que ser comerciantes. Se o
forem, já serão considerados os seus actos como comerciais em
sentido subjectivo.
Diferentemente, MENEZES CORDEIRO considera que ambos
consistem em actos de comércio em sentido objectivo, na medida em
que, por razões históricas, já estiveram previstos no Código, embora
hoje pertençam a legislação extravagante. Não perderam a sua
natureza comercial por essa consagração autónoma.
De distribuição: pretendem fazer chegar o produto, do produtor, ao
consumidor final
o Agência
o Concessão
o Franquia ou franchising
§2: ORGANIZAÇÃO – CONSÓRCIO. O consórcio é o contrato pelo qual duas
ou mais pessoas, singulares ou colectivas, exercem uma actividade económica e se
obrigam entre si a, de forma concertada, realizar certa actividade ou efectuar certa
contribuição [art. 1º RJCC]. O seu teor é sempre oneroso, e não gratuito.
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Direito Comercial I - Lara Geraldes @ FDL
A noção legal [art. 1º RJCC] menciona a prossecução de uma actividade
económica, não necessariamente comercial, que pode até ser puramente civil [para
OLIVEIRA ASCENSÃO e COUTINHO DE ABREU] – o contrato de consórcio é um
acto de comércio em sentido subjectivo se as partes forem comerciantes.
A palavra-chave é, aqui, agir de forma “concertada”. A concertação, ou
articulação, se se preferir, difere do exercício comum, em sociedade, vg: postula
uma organização comum. Os dois vectores em jogo é a cooperação e a
concorrência, para uns.
De acordo com o art. 4º-2 RJCC, a contribuição prestada deve consistir em
coisa corpórea e as contribuições em dinheiro só são permitidas se todas as
contribuições dos membros forem dessa espécie.
Eis os traços gerais do regime do consórcio:
O consórcio pode ser interno, sem invocação expressa [art. 5º-1
RJCC], ou externo [art. 5º-2 RJCC]. No primeiro caso, só um dos
consorciados estabelece relações com terceiros, devendo as dívidas
ser repartidas solidariamente. No segundo caso, cada um dos
consorciados relaciona-se com o exterior, alegando-o expressamente:
a solidariedade não se presume [art. 19º-1 RJCC], pelo que equivale a
concluir-se pela não presunção da comercialidade dos actos
celebrados em consórcio. O consórcio, nestes termos, não
comercializa as dívidas: cabe aferir a comercialidade, acto a acto.
Elementos: duas ou mais pessoas, desenvolvimento de uma
actividade económica, contrato e concertação ou organização
comum.
o A actividade económica desenvolvida não tem que ser
comercial: pode ter consequências puramente civis.
o A forma de celebração do contrato deve ser escrita, mediante
escritura pública quando haja transmissão de imóveis [art. 3º
RJCC].
O consórcio não tem personalidade colectiva [vs sociedade].
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Proíbem-se fundos comuns [vs sociedade].
As regras do seu regime jurídico têm natureza supletiva.
O elenco do art. 2º RJCC não é fechado: tipicidade delimitativa, e não
taxativa, para OLIVEIRA ASCENSÃO.
Ampla liberdade de estipulação das partes [art. 4º RJCC].
Proibição de concorrência [art. 8º RJCC].
O contrato cessa perante incumprimento ou exoneração dos
membros [art. 9º RJCC] e há direito de resolução com justa causa
[art. 10º RJCC].
§3: ORGANIZAÇÃO – ASSOCIAÇÃO EM PARTICIPAÇÃO. A associação em
participação consiste na associação de uma pessoa [associado] a uma actividade
económica exercida por outra [associante], ficando a primeira obrigada a participar
nos lucros e perdas que, desse exercício, resultarem para a segunda [art. 21º RJCC].
Historicamente, encontrava-se consagrada no Código de FERREIRA BORGES
enquanto “conta em participação”. A actividade económica exercida pelo
associante pode não ser comercial, tal como o que supra foi mencionado
relativamente ao consórcio. O associado não é visível do exterior: apenas o
associante estabelece relações económicas com terceiros. Da conjugação do art.
24º-1 e 4 RJCC conclui-se que a contribuição do associado, ainda que patrimonial,
pode não ser em dinheiro [vg contribuição de imóvel, com transmissão de
propriedade]. Se a contraprestação consistir numa quantia fixa, considera-se já não
existir qualquer associação em participação.
Desta definição partiremos para a análise do regime jurídico:
A participação nos lucros é essencial. A participação nas perdas pode
ser dispensada, mas, a não sê-lo, carece de prova escrita.
Qualquer participação diversa da supletiva deve resultar de
convenção expressa [art. 25º-2 RJCC].
Forma: consensual [art. 23º RJCC], salvo forma especial exigível: só
podem ser provadas por escrito as cláusulas que excluam a
participação do associado nas perdas do negócio.
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A solidariedade não se presume [art. 22º RJCC e 513º CC].
Obrigação de contribuição patrimonial [art. 24º RJCC] pode ser
dispensada se o associado participar nas perdas. Na falta de fixação
do valor das perdas, cada um responde por 50% [art. 25º RJCC].
O direito de resolução antecipada carece de justa causa [art. 30º
RJCC].
Não tem personalidade colectiva [vs sociedade].
Relativamente à duração dos contratos, para efeitos do art. 30º-1 e 3
RJCC:
o Contratos de duração determinada: resolução
o Contratos de duração indeterminada [critério supletivo]:
Resolução: dispensa de pré-aviso
Denúncia: com pré-aviso, dispensando-se este se
houver justa causa
Deveres do associante [art. 26º-1 RJCC]:
o Informação
o Diligência
o Não concorrência
o Não trespasse ou encerramento do estabelecimento: se A for
associado e B o associante, e se o último trespassar o
estabelecimento a C, sem acordo com o associado, aplica-se o
disposto no art. 26º-1b) RJCC – a associação extingue-se pela
impossibilidade de realização do seu objecto [art. 27º b) RJCC]
e há direito de indemnização por responsabilidade
obrigacional [art. 798º CC].
§4: REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. A representação comercial consiste na
prática de actos que se vão repercutir directamente na esfera jurídica de outrem:
actuação em nome de outrem, por conta dessa pessoa e dispondo de poderes para
tal. Tendo o Código Comercial sido aprovado em 1888, o mesmo adoptou um
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esquema francês de representação e não dissociou o mandato da procuração, que
só foi conseguido com os contributos de JHERING e de LABAND. Para o Código o
mandato é sempre representativo, enfim [art. 231º ss]. Cumpre distinguir três
figuras:
Gerente: corresponde ao mandato geral, com representação [art.
248º]
Auxiliares e caixeiros [art. 256º]
Comissário: corresponde ao mandato sem representação [art. 266º]
§5: DISTRIBUIÇÃO – AGÊNCIA E CONCESSÃO. Contratos de distribuição
devem, aqui, ser entendidos enquanto contratos de distribuição indirecta integrada,
preconizando a coordenação entre a produção e a comercialização: o distribuidor é
integrado em circuitos próprios do produtor, sujeitando-se às suas directrizes.
O contrato de agência celebrado entre o agente e o principal obriga a que o
primeiro promova, por conta do segundo, a celebração de contratos posteriores, de
modo autónomo e estável e mediante retribuição [art. 1º RJCA]. Já a concessão
consiste no contrato mediante o qual um concessionário adquire produtos do
concedente e coloca-os no mercado para revenda. As principais diferenças de
regime são as seguintes:
Agência: o agente promove a celebração de contratos, por conta do
principal, mediante a remuneração segundo comissão [art. 16º RJCA]
– prestação de serviços, maxime mandato. Trata-se de um contrato
oneroso cujo objectivo é a conquista e desenvolvimento do mercado.
Refira-se o anteprojecto de PINTO MONTEIRO, de elevada
importância neste âmbito.
Concessão: o concessionário celebra efectivamente compras para
revendas, em nome e por conta própria, mediante a remuneração
que resulta do lucro. O concessionário é a face mais visível do
contrato, representando a marca em causa para uma determinada
circunscrição geográfica, normalmente.
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Eis as especificidades do regime do contrato de agência:
Agência com representação: agente pode cobrar os créditos do
principal [art. 3º RJCA], sem autorização escrita. Os poderes de
representação são conferidos por escrito [art. 2º-1 RJCA].
Agência sem representação: o agente contrata em nome próprio,
retransmitindo posteriormente a sua posição para o principal. Carece
de ratificação [art. 22º RJCA e 268º CC], considerando-se ratificado se
não houver oposição [o silêncio é, aqui, meio declarativo – art. 218º
CC]. O CC é omisso quanto a terceiros de boa fé, pelo que o art. 22º-2
RJCA admite ratificação tácita, quase presumida, que tutele esses
terceiros.
Forma: na prática, escrita.
Representação aparente [art. 23º RJCA]: figura germânica segundo a
qual o falso representado não tolera ou não conhece da situação de
falsa representação – o “representante” arroga-se procurador de
outrem, sem conhecimento do “representado”, por negligência deste,
que deveria ter observado deveres de cuidado para prevenir a
situação. A tutela [responsabilidade por danos de confiança] não
opera, segundo MENEZES CORDEIRO, quando o “representado”
devesse conhecer a falta de procuração.
o Tem os mesmos efeitos do que a representação se a situação
de facto for suficientemente sólida. Esta figura não colhe em
Portugal, já que não é possível alargar o disposto no art. 266º
CC aos casos em que falte procuração, nem mesmo em
situações de tolerância ou de aparência: fora de qualquer
previsão legal específica, a confiança só é protegida através
da boa fé ou do abuso de direito – o terceiro pode invocar, no
caso em apreço, venire contra factum proprium ou surrectio.
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Direito Comercial I - Lara Geraldes @ FDL
o Por essas razoes, MENEZES CORDEIRO reconduz a epígrafe
desse art. 23º RJCA à representação institucional, pelo autor
preconizada: vg a representação por falso funcionário de uma
caixa de supermercado, produzindo os mesmos efeitos de
uma representação proprio sensu.
Cobrança de créditos: o agente só pode cobrar créditos em nome do
principal se este lhe tiver conferido, por escrito, poderes para tal [art.
3º e 23º RJCA]. À cobrança de créditos aplica-se o art. 23º-1 RJCA e,
não existindo autorização, aplica-se o disposto no art. 770º CC por
remissão do art. 3º-3 RJCA. Já o disposto no art. 22º RJCA não pode
nunca ser aplicado à cobrança de créditos, mas tão-só à celebração
de contratos. Se a cobrança de créditos for ineficaz e o principal pode
exigir o cumprimento ao cliente, que pagará duas vezes. Desta
primeira abordagem conclui-se pelo seguinte raciocínio:
o Devemos preencher os pressupostos do art. 23º RJCA
Requisitos da tutela da confiança, para MENEZES
CORDEIRO:
o Situação de confiança
o Justificação da confiança
o Investimento de confiança
o Imputação da confiança
o Quando esse art. não se aplique, recorrer ao art. 770º CC por
remissão do art. 3º-3 RJCA: segundo o art. 770º b) CC, a
ratificação pode ser expressa ou tácita.
o Recorrer ao art. 22º RJCA, em segundo lugar: considera-se o
negócio ratificado quando o principal não se lhe oponha.
Indemnização de clientela [art. 33º RJCA]: não se considera
verdadeira indemnização porque não torna indemne [sem dano],
consistindo numa mera compensação pela angariação de clientela.
Não há dano, nem sequer ilicitude, pelo que não existe uma
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Direito Comercial I - Lara Geraldes @ FDL
indemnização proprio sensu. Permite, todavia, a restituição do
enriquecimento do principal com a angariação de clientela, pelo
agente: não constitui enriquecimento sem causa porque, na verdade,
há causa, embora a lógica seja semelhante. O contrato de agência
pode, pelo seu funcionamento, acarretar clientes para o principal,
clientes esses que se manterão mesmo após o seu termo: cessando a
agência, é justo que o agente fosse compensado pelo enriquecimento
proporcionado à outra parte. Há ainda uma tutela do agente, além do
restabelecimento do equilíbrio do principal: pretende-se que o último
não “descarte” o primeiro após obter o que pretendia, a clientela. O
agente é considerado, pelo RJCA, a parte mais fraca e carece, por
isso, de especial tutela. É uma indemnização cumulável com outras a
que haja direito [vg indemnização por denúncia ou indemnização por
incumprimento]. Requisitos:
o O agente angariou novos clientes para a outra parte ou
aumentou substancialmente o volume de negócios com a
clientela já existente
o O principal beneficiou consideravelmente, após a cessação do
contrato, da actividade desenvolvida pelo agente
o O agente deixou de receber qualquer retribuição por contratos
negociados ou concluídos, após a cessação da agência, com
os clientes por ele angariados ou cujos negócios tenham sido
aumentados
o O agente não cedeu, por acordo com a outra parte, a sua
posição contratual a um terceiro [art. 33º-3 RJCA]
O agente pode contratar um subagente, regido nos termos do art. 5º-
2 RJCA. A indemnização de clientela também lhe é aplicável,
ressarcida pelo agente e já não pelo principal, desde que verificados
os requisitos do art. 33º RJCA.
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Direito Comercial I - Lara Geraldes @ FDL
Cessação da agência: com pré-aviso, após aprovação de uma
directriz comunitária que obstou à concorrência entre os países do
Norte [maior protecção do agente] e os países do Sul [menores
custos].
O principal, por seu lado, pode pedir a resolução do contrato, quando
o incumprimento seja grave [art. 30º RJCA] e cabe indemnização nos
termos da responsabilidade contratual [art. 798º CC].
Dispõe o art. 27º-2 RJCA que se considera transformado em contrato
de agência por tempo indeterminado aquele cujo conteúdo continue
a ser executado pelas partes, não obstante o decurso do respectivo
prazo. Neste caso, para determinar a antecedência da comunicação
da denúncia, aplica-se o disposto no art. 28º-4 RJCA: o prazo é de três
meses [art. 28º-1 c) RJCA].
Aplicação analógica do RJCA aos contratos de concessão e de
franquia: o RJCA é aplicável a qualquer uma das modalidades de
contratos de distribuição mediante apreciação cautelosa caso a caso,
e aplicação analógica norma a norma.
As especificidades do regime da concessão são as seguintes:
Contrato que corresponde tendencialmente a esquemas destinados a
distribuir produtos de elevado valor [vg automóveis]. O produtor fixa
com um distribuidor [o concessionário] um quadro de distribuição nos
termos do qual o último se insere na rede de distribuição do primeiro,
adquirindo o produto e obrigando-se a vendê-lo, em nome próprio, na
área delimitada pelo contrato.
Não tendo base legal directa [natureza atípica], este contrato assenta
na autonomia privada e na aplicação analógica do RJCA [segundo o
preâmbulo do DL, PINTO MONTEIRO e a maioria da jurisprudência
nacional]. A norma atinente à indemnização de clientela [art. 33º
RJCA], por exemplo, tem segura aplicação neste âmbito.
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Direito Comercial I - Lara Geraldes @ FDL
A exclusividade do agente apenas resulta de acordo, escrito, nos
termos do art. 4º RJCA. Nesse caso, fica o principal proibido de
contratar outro agente, e não concessionário, dir-se-ia mediante
interpretação literal. Todavia, entende-se que o contrato de agência e
o contrato de concessão têm a mesma função, podendo mesmo o
principal sair prejudicado, visto que o concessionário tem maior
margem de manobra do que o agente. Assim, onde se lê “agentes”
deve ler-se, mediante interpretação extensiva, “distribuidores”. A
cláusula de exclusividade verbal é nula, nos termos do art. 220º CC. A
violação da exclusividade acarreta fundamento de resolução do
contrato e consequente indemnização.
A concessão do direito de exclusividade depende de acordo escrito.
Não o tendo sido, aplica-se o disposto no art. 219º CC. O art. 4º RJCA
é uma norma excepcional que, como tal, não comporta aplicação
analógica. Existindo uma violação da obrigação de exclusividade,
aplica-se o art. 30º RJCA, apesar de não existir uma verdadeira
lacuna.
§6: DISTRIBUIÇÃO – FRANQUIA. No contrato de franquia o franqueador
atribui ao franqueado a possibilidade [o direito e a obrigação, enfim] de usar
nomes, insígnias, processos de fabrico e comercialização de uma determinada
marca, definindo os parâmetros através dos quais a distribuição deve ser
processada. Com origem nos EUA, dada a dimensão geográfica do país, este tipo de
contrato de distribuição surge enquanto resposta quando inviáveis os métodos de
distribuição convencionais. O contrato de franquia pode ser:
De serviço [vg Avis]
De produção [vg Coca-cola]
Misto
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Direito Comercial I - Lara Geraldes @ FDL
O franqueador pode fiscalizar o franqueado, obtendo uma percentagem
sobre as vendas [uma “renda”, enfim: royalties]. Cfr o que foi mencionado supra §5,
relativamente à aplicação analógica do RJCA ao contrato de franquia.
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Direito Comercial I - Lara Geraldes @ FDL
Recorde-se que os contratos celebrados por tempo indeterminado, podem
ser denunciados em vez de resolvidos, ainda que sem respeitar o prazo de pré-
aviso, por existir justa causa de denúncia.
Tempo indeterminado – denúncia
Tempo indeterminado e determinado – resolução
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DIREITO BANCÁRIO
CAPÍTULO I: PRINCÍPIOS DE DIREITO BANCÁRIO
§1: DIREITO BANCÁRIO. No seio do direito bancário importa proceder à
seguinte distinção:
Direito bancário institucional: disciplina jurídica do direito financeiro e
das instituições especializadas no tratamento do dinheiro [RGIC] –
autonomia
o Banco de Portugal
o Instituições de crédito
o Sociedades financeiras
Direito bancário material: direito dos actos bancários, das actividades
das instituições de crédito e das sociedades financeiras e o seu
relacionamento com os particulares.
o Submete-se ao direito das obrigações: é um direito contratual.
o Contratos bancários: submetidos a uma regra de numerus
apertus [número teoricamente possível de actos ilimitado] e à
importância das cláusulas contratuais gerais.
o Vinculações extranegociais: deveres de informação e de
lealdade pós-contratuais e pós-eficazes
o Responsabilidade bancária
O nosso estudo incidirá sobre o direito bancário material, maxime os actos
bancários.
§2: PRINCÍPIOS BANCÁRIOS. O direito bancário privado é dominado pelo
princípio da simplicidade, resultante dos seguintes subprincípios:
Desformalização [sem especiais formalidades – consensualismo, art.
219º CC]
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Direito Comercial I - Lara Geraldes @ FDL
Unilateralidade [dispensa a aceitação]
Rapidez [celeridade do giro bancário]
Desmaterialização [informática, valores e representações
desmaterializadas]
Já no âmbito da regulamentação do direito bancário, predomina o princípio
da ponderação bancária, assente nos seguintes vectores:
Prevalência das realidades económicas [e não da regularidade
formal]
Abrangência [gera negócios ou actos em cadeia]
Flexibilidade [adaptação de figuras clássicas, como a locação
financeira]
Primeiro entendimento [tutela da aparência de actos jurídicos
correntes]
Finalmente, o princípio da eficácia permite a superação do incumprimento
de actos bancários com recurso a conversões, esquemas laterais ou garantias.
§3: SITUAÇÃO JURÍDICA BANCÁRIA. Uma situação jurídica é bancária
sempre que seja regulada pelo direito bancário material, nos termos supra [cfr. §1].
Traduz, assim, a realização do direito bancário. Constituem fontes do direito
bancário:
Autonomia privada [liberdade de celebração e de estipulação – art.
405º CC]
o Escolha do tipo legal
o Escolha do tipo social
o Associação, no mesmo contrato, de regras provenientes de
dois tipos
o Inserir, junto de cláusulas típicas, proposições novas
o Engendrar figuras contratuais novas
Usos bancários [juridificados pela autonomia privada, vg estatutos, lei
ou convicção da sua obrigatoriedade - costume]
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Direito Comercial I - Lara Geraldes @ FDL
A situação jurídica bancária caracteriza-se pelos sujeitos e pelo objecto.
Como sujeito surge, necessariamente, uma instituição de crédito, uma
sociedade financeira ou uma “empresa de investimento”, na enumeração do RGIC
[“banqueiros”, segundo a tradição continental]. A prática profissional caracteriza-se
pelos seguintes parâmetros:
Habitual
Lucrativa
Tendencialmente exclusiva
O sujeito que contacta com o banqueiro é o cliente, singular ou colectivo,
desde que capaz de exercício. Na relação que se estabeleça entre ambos
predominam os deveres de informação e de diligência do primeiro [normas
programáticas e de enquadramento, que têm que ser completadas por outras, de
natureza legal ou contratual].
O objecto da situação jurídica, esse, é o complexo de direitos e deveres
emergentes do concreto acto bancário considerado.
§4: SEGREDO E INFORMAÇÃO. O dever de segredo bancário é um dever
acessório, derivado da boa fé. Neste sentido, o sigilo bancário corresponde a uma
concretização da tutela da confiança, embora se assista, hoje, a um
enfraquecimento da sua consagração legal. Coerentemente, prevêem-se excepções
ao segredo bancário: vg branqueamento de capitais [utilização de banqueiros para
dissimular a origem criminosa da obtenção de fundos]. Mais recentemente, a
redução da fuga fiscal, apresentada demagogicamente como causadora do défice
das contas públicas, segundo MENEZES CORDEIRO, justificou propostas de
limitação deste dever acessório.
A informação bancária, por seu lado, ou a comunicação permanente entre
todos os intervenientes do giro bancário, é o vector que possibilita a regularidade
das operações monetárias. A relação bancária estabelecida entre o banqueiro e o
seu cliente é uma relação duradoura que se encontra assente na permanente
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Direito Comercial I - Lara Geraldes @ FDL
informação trocada pelas partes: informação sobre o passado, o presente e o
futuro. Conclui-se: o direito bancário é um direito de informações.
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Direito Comercial I - Lara Geraldes @ FDL
CAPÍTULO II: DOUTRINA BANCÁRIA
§1: DOUTRINA GERAL. A complexa relação bancária constituída entre o
banqueiro e o seu cliente pauta-se pela celebração de negócios jurídicos que se
sucedem no tempo, e não de apenas um.
Para MENEZES CORDEIRO estabelece-se, entre essas partes, uma relação
social e económica aquando do momento da conclusão de um primeiro negócio
significativo [normalmente, a abertura de conta]. Essa relação tende, por isso, a ter
continuidade: ambas as partes têm uma clara intenção de prosseguir o negócio já
iniciado.
Desta relação bancária não resulta, todavia, o dever de celebrar novos
contratos para nenhuma das partes: qualquer um pode terminar a relação e
qualquer novo negócio proposto pode ser objecto de livre rejeição.
As regras bancárias são susceptíveis de aplicação analógica, mesmo quando
especialmente previstas para um determinado tipo. Os actos bancários são, por
isso, actos comerciais:
Objectivamente: especialmente regulados na Lei comercial, em geral
Subjectivamente: praticados por um comerciante [banqueiro], no
exercício da sua actividade comercial, salvo se não puder ter
natureza comercial ou se o contrário resultar do próprio acto.
Recorde-se, aqui, o esquema já estudado:
Objectivamente [art. 2º. 1ª parte]:
Actos especialmente regulados no Código: arts. 463º e
464º.
Subjectivamente [art. 2º, 2ª parte]:
Contratos e obrigações dos comerciantes [art. 13º]:
o Capacidade: art. 7º e regras gerais do CC.
o Faz do comércio profissão: arts. 463º e 464º.
Natureza não exclusivamente civil
O contrário não resulta do acto
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Direito Comercial I - Lara Geraldes @ FDL
Conclui-se: os actos bancários são, em princípio, objectiva e subjectivamente
comerciais. Nestes termos, perante actos mistos [actos comerciais em relação a
uma das partes e não comerciais em relação à outra] aplica-se o regime dos actos
comerciais, do mesmo modo que os actos unilaterais [art. 99º].
Relativamente à solidariedade das dívidas, o art. 100º consagra a regra
supletiva da solidariedade, nas obrigações comerciais, especial face ao regime
comum do art. 513º CC. Neste âmbito, a fiança comercial [art. 101º] é solidária
relativamente ao fiador de obrigação mercantil e será comercial quando a
obrigação principal o seja [acessoriedade]: afasta-se, assim, o benefício da
excussão previsto no art. 638º CC.
Cumpre reter o esquema seguinte:
As obrigações comerciais podem ser:
Singulares
Plurais [co-obrigados]:
o Parciárias [art. 513º CC]: regra geral
o Solidárias [art. 100º]: regra especial, quando resulte da
lei ou da vontade das partes – o cumprimento da
obrigação, por um dos devedores, exonera os restantes
perante o mesmo credor.
Os co-obrigados são solidários:
Salvo estipulação em contrário
§u.: disposições não extensivas aos não
comerciantes quanto aos contratos que não
constituírem actos comerciais
Conclui-se: aferir da solidariedade das obrigações comerciais equivale a
analisar a comercialidade dos actos praticados, enfim.
A responsabilidade dos bens comuns do casal não equivale a solidariedade
nas obrigações. As dívidas conjugais podem, assim, ser:
Comunicáveis [art. 1691º-1d) e 1695º CC e art. 15º]:
responsabilização de ambos os cônjuges se as dívidas foram
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Direito Comercial I - Lara Geraldes @ FDL
contraídas em proveito comum ou se não vigorar o regime de
separação de bens.
o Respondem os bens comuns do casal e, na falta ou
insuficiência destes, os bens próprios de cada um,
solidariamente.
Incomunicáveis [art. 1692º e 1696º CC]: responsabilização do
cônjuge a que respeitam se as dívidas foram contraídas em
proveito próprio ou se vigorar o regime de separação de bens.
o Respondem os seus bens próprios e, subsidiariamente, a
sua meação nos bens comuns.
Regra especial [art. 15º]: as dívidas do cônjuge comerciante presumem-se
contraídas no exercício do seu comércio. Requisitos cumulativos para que esta
presunção se verifique:
Cônjuge comerciante [aferida a profissionalidade da sua
actividade]
Dívida comercial [proveniente de acto de comércio]
§2: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA. O banqueiro pode, no decurso da sua
actividade profissional, perpetrar factos ilícitos: responsabilidade profissional do
banqueiro. Da concessão de crédito, vg, estão associados inúmeros prejuízos
potenciais [maxime falência].
No nosso ordenamento é de afastar a existência de uma responsabilidade
pública dos bancos pela concessão de crédito: movem-se no seio do direito privado.
Nestes termos, o esquema legal adoptado aproxima-se do modelo alemão
[responsabilização do banqueiro pelos danos causados a terceiros, quer tenha
atentado contra os bons costumes ou ordem pública], e não do modelo francês
[falta do banqueiro, num misto de culpa e de ilicitude].
Aqui, o processo tradicional de tutela dos credores reside na denominada
impugnação pauliana, visando a subsistência de certos negócios e não a
indemnização dos prejuízos [art. 610º CC].
38
Direito Comercial I - Lara Geraldes @ FDL
Em suma, quando assuma um compromisso, ainda que indirecto, deve o
banqueiro cumpri-lo, nos termos da responsabilidade contratual [art. 798º ss CC].
Nestes termos, a violação de deveres de diligência e de informação que redunde
em responsabilidade obrigacional facilita o funcionamento do instituto. A
responsabilidade do banqueiro não dispensa, todavia, a verificação dos requisitos
gerais da responsabilidade civil: facto, ilicitude, imputação, dano e nexo de
causalidade.
§3: CULPA IN CONTRAHENDO. A jurisprudência alemã configura a culpa in
contrahendo [art. 227º CC] quando, na fase preparatória de um contrato, as partes
não acatem deveres de actuação que sobre elas impendem, no âmbito da boa fé.
Recorde-se, a este respeito, os deveres seguintes:
Deveres de protecção
Deveres de informação
Deveres de lealdade
Podemos apontar como exemplo a ruptura injustificada das negociações,
maxime das negociações que antecedem um contrato bancário. A violação dos
deveres supra [deveres específicos de conduta] redunda em responsabilidade
obrigacional [e não aquiliana, fundada na violação de um dever genérico], com
consequências relevantes: a culpa presume-se [art. 799º CC] e deve o responsável
ressarcir todos os danos [danos emergentes e lucros cessantes].
§4: CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS. As cláusulas contratuais gerais
assumem um importante papel no direito bancário material: estão, desde já,
historicamente associadas à actividade ora estudada. São o conjunto de
proposições pré-elaboradas, que proponentes ou destinatários indeterminados se
limitam a propor ou aceitar. Caracterizam-se por:
Generalidade
Rigidez
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Desigualdade entre as partes
Complexidade
Natureza formularia
Associadas às necessidades de rapidez e de normalização já supra
mencionadas, as cláusulas contratuais gerais encontram-se consagradas no DL
446/85 [doravante LCCG] e o seu regime legal caracteriza-se por:
Excluir as cláusulas sobre as quais não tenha havido acordo de
vontades [art. 4º LCCG].
Fazer depender a efectiva inclusão de cláusulas da comunicação, na
íntegra e atempadamente, e da informação [art. 5º e 6º LCCG,
concretizações do art. 227º CC].
Ónus da prova do efectivo cumprimento desses deveres [art. 5º-3
LCCG], que, quando desrespeitados, envolvem responsabilidade
obrigacional e correspondente presunção de culpa [art. 799º CC].
Quando as cláusulas inseridas sejam nulas, o aderente pode escolher
entre o regime geral [nulidade com hipótese de redução, art. 292º
CC] ou a manutenção do contrato, arts 13º e 14º LCCG].
As cláusulas absolutamente proibidas não podem, a qualquer título,
ser incluídas em contratos através do mecanismo de adesão [arts 18º
e 21º LCCG].
As cláusulas relativamente proibidas não podem ser incluídas em
contratos desde que, sobre elas, incida um juízo de valor suplementar
que a tanto conduza, formulado pela entidade aplicadora [art. 19º e
22º LCCG].
São regras legais específicas de direito bancário aquelas que constam
dos arts 22º-1 c), d) e 2, em derrogação da alínea c), 22º-3, em
derrogação das alíneas c) e d), e 4, também em derrogação, da
LCCG: a normalização do tráfego bancário e a rapidez requerida pelos
actos em causa justificam que, para o efeito, se possa recorrer a este
tipo de cláusulas contratuais.
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O contrato pré-formulado é aquele que uma das partes propõe à outra, sem
admitir contrapropostas ou negociações. Aproxima-se das cláusulas contratuais
gerais pela rigidez, mas distingue-se das mesmas pela falta de generalidade.
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CAPÍTULO III: ACTOS E CONTRATOS BANCÁRIOS
§1: ABERTURA DE CONTA. Contrato celebrado entre o banqueiro e o seu
cliente, pelo qual ambos assumem deveres recíprocos relativos a diversas práticas
bancárias. Marca o início de uma relação bancária, complexa e duradoura, e fixa o
regime essencial em que essa relação se irá processar. Opera como um acto
nuclear, e não um mero contrato bancário, constituindo o tronco comum dos
diversos actos subsequentes. Aplicam-se as regras do mandato, supletivamente.
Cumpre distinguir:
Abertura de conta: contrato nuclear do direito bancário, que origina
uma relação bancária duradoura e complexa
o Elementos necessários: conta-corrente bancária – contrato de
conta-corrente celebrado entre um banqueiro e o cliente [art.
344º]
o Elementos eventuais: depósito bancário – depósito especial,
celebrado com um banqueiro
A abertura de conta não dispõe de qualquer regime legal [é um tipo social,
enfim], assentando somente nas cláusulas contratuais gerais dos bancos
[“condições gerais”, diz-se] e nos usos e legislação bancária. As cláusulas
contratuais admitem estipulação em contrário, desde que acordadas por escrito, ou
alteração unilateral, pelo banqueiro, desde que devidamente comunicada, que se
considera aceite se não houver oposição verificado um determinado prazo. A
abertura de conta conclui-se pelo preenchimento de uma ficha, com aposição de
assinatura que será válida para cheques, vg. As cláusulas gerais prevêem três
negócios subsequentes:
Convenção de cheque: na disponibilidade do banqueiro
Emissão de cartões [débito, crédito]: depende de acordo ulterior
Concessão de crédito por descobertos em conta [pela admissão de
um saldo favorável ao banqueiro e não ao cliente]: depende de
decisão do banqueiro – saldo negativo.
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Podem reconhecer, ao banqueiro, o direito de compensar, com o saldo
favorável ao cliente, quaisquer outros créditos que sobre ele detenha: “debitar tais
créditos na conta” – saldo positivo. No caso de o banqueiro ser titular de um crédito
sobre o cliente, pode compensá-lo com o saldo que este detenha numa das suas
contas. A questão é relevante: tratando-se de conta conjunta, o banqueiro apenas
pode, quando a créditos que detenha em relação a um dos contitulares, operar a
compensação até ao limite da quota de que este disponha sobre o saldo [não se
presume a solidariedade, enfim]. Não é possível, neste caso, a compensação com
dívidas de apenas um dos contitulares. A quota, essa, presume-se igualitária.
Ressalve-se que a compensação é possível se as cláusulas gerais o permitirem: não
se encontrando prevista, não haverá compensação, já que o saldo não seria algo de
“disponível”. O saldo só pode ser movimentado nos termos pactuados, enfim.
A conta pode ser:
Solidária: qualquer dos titulares pode movimentar sozinho livremente
a conta, sendo que o banqueiro se exonera se entregar a totalidade
do depósito a um único dos titulares [art. 528ºCC - sem interpretação
literal, ou o banqueiro, credor de um dos contitulares, poderia
compensar o seu direito com o saldo, até que este se esgotasse; o
art. refere-se ao devedor, que poderá liberar-se escolhendo o credor
mais acessível, tão-só].
o Presumem-se percentagens igualitárias sobre o saldo [art.
516º CC] – presunção ilidível [art. 350º-2 CC]
Conjunta: só pode ser movimentada por todos os seus titulares, em
simultâneo [art. 534º e 1403º-2 CC].
Mista: alguns dos titulares só podem movimentar a conta em
conjunto com outros.
Formalidades:
Bilhete de identidade [para obstar ao branqueamento de capitais]
Número fiscal
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Demonstrações fiscais e contabilísticas [quando se trate de
concessão de crédito]
As contas dos cônjuges gozam do regime do art. 1680º CC: cada um dos
cônjuges pode fazer depósitos bancários em seu nome exclusivo, qualquer que seja
o regime de bens.
Segundo CANARIS, a abertura de conta desempenha as seguintes funções:
Simplificação e unificação
Segurança
Crédito: as partes poderão ficar, reciprocamente, na situação de
credor e de devedor
Implica, desde já, a manutenção de uma relação de negócios sob a forma
contabilística de uma conta-corrente: destinada à satisfação de certos débitos.
Nestes termos, o credor de parcelas incluídas em conta-corrente, através do
mecanismo da compensação, vai ser preferencialmente satisfeito pelo
desaparecimento dos seus próprios débitos para com o devedor. Não há concurso
de credores, neste âmbito.
Cessação de conta bancária:
Caducam as convenções de cheque, os contratos de depósito, os
acordos relativos a cartões e outros acordos acessórios
O livre cancelamento, pelo banqueiro, das contas à ordem, depende
de um pré-aviso com 8, 15 ou 30 dias de antecedência [denúncia com
pré-aviso, cessação unilateral, discricionária e não retroactiva].
O cliente pode, a todo o tempo, denunciar a conta, por aplicação
directa ou analógica dos arts 349º e 777º CC.
Por acordo das partes: revogação ou distrate
§2: CONTA-CORRENTE. A conta-corrente bancária é um elemento
necessário da abertura de conta, e constitui um contrato celebrado entre o
banqueiro e o seu cliente [art. 344º]. Nestes termos, postula a prestação de
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diversos serviços bancários, com relevo para o serviço de caixa. Eis os traços
gerais:
Reporta-se a movimentos em dinheiro
Inclui-se num negócio mais vasto [normalmente, a abertura de conta]
Postula uma emissão contínua de saldos/remessas
O banqueiro não surge como credor: o saldo deve ser favorável ao
cliente ou, no máximo, igual a zero; o saldo é um elemento vital da
conta-corrente: só o saldo é disponível, só o saldo é penhorável e só o
saldo representa o valor social e económico de uma conta bancária
O cliente pode dispor permanentemente do seu saldo
Pressupõe um dever a cargo do banqueiro: organização e apresentação
da conta
Dá lugar a extractos, a emitir pelo banqueiro e cuja aprovação, pelo
cliente, é em regra tácita e consolida os movimentos que deles constem
A redução dos efeitos da conta-corrente em elementos próprios de diversos
contratos deve ser entendida, contudo, em termos unitários.
Efeitos do contrato de conta-corrente [art. 346º]:
Transferência de propriedade: pelo acto subjacente à remessa, e não
pela conta-corrente em si
Novação entre o creditado e o debitado da obrigação anterior:
conversão em dinheiro dos bens levados à conta-corrente, resultante
dos negócios subjacentes à conta e não à própria conta em si
Compensação recíproca entre os contraentes: extinção dos créditos e
dos débitos recíprocos, restando somente o saldo.
Exigibilidade do saldo resultante: decorrência da compensação, já
que tudo o mais se extinguiu
Vencimento de juros: concretização da regra geral do art. 102º
§ único: os bens levados à conta devem ter uma expressão
monetária, sendo a cobrança a condição resolutiva do lançamento
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Direito Comercial I - Lara Geraldes @ FDL
Conclui-se: a conta-corrente é uma forma de extinção de obrigações
sucessivas, por compensação, não facultando per se outras extinções. Cumpre,
pois, estabelecer a seguinte distinção:
Encerramento ou fecho da conta: facto e efeito de actuar a
compensação prevista pela conta, com vencimento do saldo –
desaparecem os créditos e débitos recíprocos, até ao limite da sua
concorrência, sobejando eventualmente um saldo, a exigir [art. 348º
e 350º].
Termo do contrato: extingue o próprio relacionamento em termos de
conta-corrente, acarretando o fecho da conta e impedindo a retoma
de novo ciclo, salva celebração de novo contrato [art 349º e 777º CC]
– contrato intuito personae.
o Havendo prazo estipulado para o encerramento da conta:
nenhuma das partes pode pôr termo ao contrato
o O termo imediato da conta-corrente, que prejudique a outra
parte e a sua confiança legítima, é contrário à boa fé e requer
um pré-aviso razoável.
§3: DEPÓSITO BANCÁRIO. O contrato de depósito [art. 1185º CC] é o
contrato pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel,
para que a guarde e restitua quando for exigida: contrato real quoad constitutionem
[só produz efeitos pela entrega da coisa], embora já se admita o depósito
consensual. O art. 1186º CC, por remissão para o mandato, presume a gratuidade
do depósito. Ao depósito irregular [“depósito” através do qual o depositário, em vez
de restituir a coisa depositada, tem que devolver o equivalente, art. 1206º CC] são
aplicáveis as regras do mútuo [arts 1143º, 1144º e 1149º CC]. Coerentemente, são
inaplicáveis as regras relativas ao mútuo oneroso [arts 1145º ss CC].
O depósito mercantil [arts. 403º ss] é um acto objectivamente comercial,
originando um dever de remuneração, ao contrário do depósito comum [art. 404º] –
teoria da acessoriedade [vg penhor, fiança e mútuo]. Se a celebração de um
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Direito Comercial I - Lara Geraldes @ FDL
depósito mercantil for acompanhada de permissão expressa para o depositário se
servir da coisa, para si próprio ou recomendado pelo depositante, aplicam-se,
respectivamente, as regras do empréstimo mercantil ou da comissão [art. 406º]. No
omisso, aplicam-se as regras do depósito comum.
Uma primeira alusão ao depósito bancário encontra-se consagrada no art.
407º: os depósitos feitos em bancos regem-se pelos respectivos estatutos [usos] –
trata-se de um tipo social, enfim. Nestes termos, trata-se de um contrato de
depósito feito, em dinheiro, por um cliente [o depositante] junto de um banqueiro [o
depositário]. Trata-se de uma operação que surge sempre associada a uma
abertura de conta. A forma dos depósitos bancários é ad substantiam e não ad
probationem: observada a forma, o acto é válido. O risco do que possa suceder na
conta do cliente, quando não haja culpa deste, cabe ao banqueiro. Não é um
depósito proprio sensu, já que não tem autonomia.
O regime geral das contas de depósito é aquele que consta do art. 1º DL
430/91:
Depósitos à ordem: exigíveis, a todo o tempo, pelo cliente
o Uma única convenção de depósito, anexa à abertura de
conta
o Considerado, pela doutrina e jurisprudência, como um
depósito irregular [“depósito” através do qual o depositário,
em vez de restituir a coisa depositada, tem que devolver o
equivalente, art. 1206º CC – o banqueiro adquire a
titularidade do dinheiro que lhe é entregue, sendo o cliente
um simples credor, dado que o saldo está permanentemente
na sua disposição].
Depósitos com pré-aviso: exigíveis apenas após um pré-aviso escrito
Depósitos a prazo/de poupança: exigíveis no fim do prazo para que
forem acordados. As instituições de crédito podem conceder uma
mobilização antecipada ou o seu resgate, ainda que com perda de
juros para o cliente.
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Direito Comercial I - Lara Geraldes @ FDL
o Dão azo a um título nominativo [art. 3º DL 430/91]
o Natureza jurídica: mútuo [falta a ideia de restituição e de
disponibilidade do saldo]
Depósitos a prazo não mobilizáveis: não admitem a concessão de
mobilização antecipada, pela instituição de crédito
o Dão azo a um título nominativo [art. 3º DL 430/91]
Depósitos em regime especial: todos os outros, de livre criação,
desde que dando a conhecer ao BP no prazo de 30 dias [art. 2º DL
430/91].
Ressalve-se que, apesar das distinções supra, trata-se de uma figura
unitária, próxima do depósito irregular, segundo MENEZES CORDEIRO.
Já os depósitos constituídos em instituições de crédito dão azo a certificados
de depósito nominativos que são transmissíveis por endosso: transmitem-se todos
os direitos relativos aos depósitos que representem [DL 372/91].
Depósito regular [coisa infungível], art. 1185º CC
Depósito irregular [coisa fungível, art. 217º CC - substituibilidade],
mútuo art. 1206º e 1142º CC [depósito bancário stricto sensu].
Quando depositamos dinheiro num banco, este dá-nos um valor
equivalente, e não exactamente as notas depositadas.
§4: CONVENÇÃO DE CHEQUE. O cheque é o documento do qual consta
uma ordem, dada por um cliente [sacador] ao seu banqueiro [sacado], de efectuar
um determinado pagamento a terceiro, ao portador ou ao próprio mandante
[beneficiário]. São partes na convenção em cheque o cliente e o banqueiro,
devendo este ter fundos à disposição do primeiro. A convenção pode ser expressa
ou tácita, e atribui ao sacador o direito de dispor dos fundos do cheque.
§5: GIRO BANCÁRIO. O contrato de giro bancário designa o conjunto de
operações escriturais de transmissão de fundos, realizadas por um banqueiro, a
pedido do seu cliente ou a favor dele. Funciona como um contrato-quadro no
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Direito Comercial I - Lara Geraldes @ FDL
âmbito do qual serão concluídos diversos contratos simples ou praticados múltiplos
actos bancários. Pressupõe, já o sabemos, a prévia celebração de uma abertura de
conta, com uma inerente conta-corrente bancária. Pode facultar as operações
seguintes:
Transferências bancárias simples [no mesmo país]
Transferências internacionais [para um banco, no estrangeiro]
Pagamentos por conta bancária [solvência de dívidas]
Cobranças por conta bancária [satisfação de créditos]
Outras operações de transferências de fundos
As ordens concretas de transferência são actos de execução do contrato de
giro bancário. Verificados os pressupostos [maxime disponibilidade de fundos na
conta], o banqueiro não deve recusar a ordem de transferência do cliente, salvo
justa causa [vg proibição administrativa].
A doutrina reconhece, no contrato de giro bancário, uma variedade de
mandato sem representação: o banqueiro adstringe-se a praticar determinados
actos jurídicos, por conta do seu cliente.
§6: MÚTUO BANCÁRIO. O mútuo é o contrato pelo qual uma das partes
empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a
restituir outro tanto do mesmo género e qualidade [art. 1142º CC]. Pode ser um
contrato gratuito ou oneroso, consoante haja ou não retribuição, embora a
onerosidade se presuma [art. 1145º CC, solução inversa àquela do Código de
Seabra: presume-se gratuito]. A presunção de onerosidade contraria o hábito social
do mútuo e faz sentido nas relações comerciais [art. 395º], e não nas relações civis,
para MENEZES CORDEIRO. Se o mútuo for oneroso, qualquer das partes pode
denunciá-lo, com 30 dias de antecedência [art. 1148º CC]. A concepção do mútuo
enquanto negócio real quoad constitutionem, que só produziria os seus efeitos pela
entrega da coisa mutuada, encontra-se em clara regressão: admitem-se mútuos
meramente consensuais. É um negócio consensual ou formal, consoante o seu
valor: se superior a 20.000 € deve ser celebrado mediante escritura pública, ou
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Direito Comercial I - Lara Geraldes @ FDL
documento assinado pelo mutuário, se superior a 2000 € [art. 1143º CC]. Celebrado
o contrato e entregue a coisa ao mutuário, este torna-se proprietário da mesma
[art. 1144º CC], ao inverso do comodato: a propriedade nunca deixa a esfera do
comodante.
O “empréstimo” mercantil surge quando a coisa cedida seja destinada a
qualquer acto mercantil [art. 394º]: acto comercial, por via da teoria do acessório
[vg penhor, fiança e depósito]. Apesar do disposto no art. 395º, MENEZES
CORDEIRO considera que a retribuição “automática” não faz sentido, já que
mesmo entre comerciantes podem ser celebrados mútuos gratuitos. Já a liberdade
de prova [art. 396º] deve ser entendida como liberdade de forma [art. 219º CC].
O mútuo bancário é celebrado por um banqueiro, como mutuante, agindo no
exercício da sua profissão. Podem provar-se por escrito particular, seja qual for o
seu valor, ainda que a outra parte não seja comerciante. A taxa de juros, essa, deve
ser sempre fixada por escrito [art. 102º §1]. A compra e venda com mútuo,
referente a prédio urbano, pode ser celebrada por documento particular, com
reconhecimento de assinaturas, e fica sujeita a registo: dispensa-se a escritura
pública.
Finalmente, o mútuo bancário é também um mútuo de escopo, na medida
em que fica o mutuário adstrito a dar um determinado destino à importância
recebida: razões públicas [dirigismo bancário] e privadas [utilização racional das
importâncias mutuadas].
* Decreto 32:765 de 1943
§7: CONTRATOS ESPECIAIS DE CRÉDITO.
A abertura de crédito é referida no art. 362º [não taxativo] como uma
operação de banco: contrato consensual, sem necessidade de qualquer entrega
monetária, legalmente atípico e correspondente a um tipo social. Quanto à forma,
aplicam-se as regras do mútuo bancário: forma escrita. Poderá, todavia, ser
requerida escritura pública se a abertura de crédito incluir negócios que o exijam
[vg garantia hipotecária]. A cessão de uma abertura de crédito, quando não
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Direito Comercial I - Lara Geraldes @ FDL
regulamentada pelas partes, será regulada pelas regras da conta-corrente em
geral, do mandato [quanto à disponibilidade] e do mútuo [quanto ao saldo].
Modalidades:
Simples: crédito disponibilizado pode ser usado uma vez
Conta-corrente: o cliente pode sacar diversas vezes sobre o crédito,
solvendo as parcelas de que não necessite
exemplo:
Banco dispõe um crédito até um determinado valor que pode ser usado de
uma só vez ou por partes, como o cliente preferir. O banco terá o direito a uma
comissão de imobilização se disponibilizar o dinheiro e este não seja gasto.
Garantida: acompanhada de uma garantia pessoal [fiança] ou real
[penhor]
o Na gíria bancária, “conta-corrente caucionada”
A descoberto: não acompanhada de qualquer garantia
O descoberto em conta [facilidades de caixa] é a situação que se gera
quando, numa conta-corrente subjacente a uma abertura de conta, o banqueiro
admita um saldo a seu favor: um saldo negativo para o cliente, enfim. Pode advir do
pagamento de cheques sem provisão, vg. É geralmente tolerado pelo banqueiro,
por curto período de tempo. Aplicam-se as regras do mútuo bancário, por analogia
[tipo social].
exemplo:
Possibilidade de fazer levantamentos até um determinado valor, ainda que a
conta não disponha de saldo suficiente.
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Direito Comercial I - Lara Geraldes @ FDL
A antecipação bancária é um contrato pelo qual um banqueiro concede, ao
seu cliente, um crédito, mediante um penhor equivalente de títulos, dinheiro ou
outros bens. O banqueiro antecipa o preço dos bens, dando-lhe um crédito e
recebendo-os como garantia. Associa um penhor [de títulos, normalmente] e a
entrega de uma quantia em dinheiro de valor proporcional ao da garantia
constituída. Distingue-se do mútuo dado o consensualismo. Devem-se combinar os
regimes do mútuo e do penhor de títulos, com preponderância para o último.
O desconto bancário é o contrato pelo qual o banqueiro entrega, ao seu
cliente, uma determinada quantia, em troca de um crédito, ainda não vencido,
sobre um terceiro. Funciona normalmente sobre títulos de crédito [letras], cedendo
o cliente ao banqueiro um título que incorpora o débito do terceiro [art. 362º, não
taxativo]. Forma: exigência comum da forma escrita, nos empréstimos bancários.
No desconto há um mútuo garantido, e não uma venda a crédito. Quando o
banqueiro receba o desconto para se pagar/restituir pro solvendo, deparamo-nos
com um mútuo proprio sensu. Não haverá qualquer desconto quando o banco
“adiantar” importâncias à subscritora, tratando-se de um simples mútuo: se a
liberação do cliente só operar com boa cobrança. No caso inverso, tratar-se-á de
mera venda/cessão de créditos.
exemplo:
A tem a letra de B, ainda não vencida; necessitando de obter imediatamente
o valor correspondente à mesma, dirige-se a um Banco e endossa-lhe a letra; em
contrapartida, este antecipa-lhe o valor titulado, deduzindo-lhe uma comissão e um
juro.
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Direito Comercial I - Lara Geraldes @ FDL
A abertura de crédito documentário, ou confirmado, é a operação pela qual
um banqueiro, a pedido de um cliente, abre um crédito a favor de terceiro
[beneficiário vendedor], crédito esse que poderá mobilizar mediante a entrega, ao
banqueiro, de determinados documentos [cash against documents, vg documento
que comprova a remessa de mercadorias: guia ou conhecimento de carga, no
direito marítimo]. Originalmente visava facilitar pagamentos à distância. O
comprador [ordenante], cliente do banqueiro [emitente], constitui-se devedor da
importância em causa, suportando todas as taxas e encargos. Quando irrevogável,
funciona como uma verdadeira garantia, assentando em dois contratos distintos:
entre o ordenante e o banqueiro [abertura de crédito e mandato sem
representação] e entre o ordenante e terceiro beneficiário.
exemplo:
A encomendou a B um carregamento de café do Brasil mas, como não
queria pagar o preço antes de receber o carregamento, dirigiu-se a um Banco e
solicitou a abertura de um crédito a favor de B, entregando documentos que
comprovassem a remessa de mercadorias.
O crédito ao consumo, na origem do fenómeno da popularização da banca,
permite o acesso das camadas da população economicamente mais débeis a
múltiplos bens de equipamento e de consumo. As consequências podem redundar
na sobre-exploração dessas camadas, levadas a assumir débitos superiores às suas
possibilidades de pagamento. Diversas normas pretendem moderar este
mecanismo: informação da taxa anual efectiva global [TAEG] e “período de
reflexão”, vg.
§8: LOCAÇÃO FINANCEIRA. O contrato de leasing ou locação financeira é o
contrato oneroso, temporário e originador de relações duradouras, pelo qual uma
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Direito Comercial I - Lara Geraldes @ FDL
entidade [locador financeiro, as sociedades de leasing] concede a outra [locatário
financeiro] o gozo temporário de uma coisa corpórea adquirida pelo próprio locador
a terceiro [fornecedor, por contrato de compra e venda], por indicação do locatário.
O locatário adquire o bem pelo valor residual, transmitindo-se a propriedade,
sendo nula a cláusula contratual que o obrigue a adquirir esse bem [opção de
compra, tão-só]. Até essa aquisição, dispõe o locador financeiro da titularidade do
bem [garantia por excelência], permitindo-lhe, através da celebração deste
contrato, diluir os custos das aquisições e obter vantagens fiscais. Para efeitos de
defesa da posse é este o possuidor da coisa, ainda que exerça essa posse através
do locatário financeiro.
O risco, esse, é por conta do locatário, já que beneficia da fruição do bem
[art. 15º DL 149/95, ubi commoda, ibi incommoda].
Os efeitos do incumprimento do contrato dependem da opção de resolução
ou manutenção do mesmo:
Resolução: prazo suplementar que pode ser precludido pelo locatário
com o pagamento do devido; volvido esse prazo, a mora no
cumprimento transfere-se em incumprimento culposo definitivo [art.
801º-2 CC]; permite colocar o locador na posição em que estaria não
fosse a violação [art. 798º e 562º CC].
o Restituição da coisa: providência cautelar adaptada –
presunção inilidível de periculum in mora [efeito útil].
o Rendas vencidas e juros de mora, à taxa legal
o Percentagem das rendas vincendas e percentagem do preço
residual [cláusula penal, jurisprudência: 20% do valor residual
e juros vencidos desde a resolução até ao pagamento
definitivo]; a mera restituição não é ressarcitória [não está a
ser indemnizado – bem usado inútil para uma instituição
financeira], e, no outro extremo, admitir o pagamento das
rendas vincendas em simultâneo seria abusivo.
Manutenção:
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Direito Comercial I - Lara Geraldes @ FDL
o Sem restituição da coisa
o Acção de condenação de cumprimento ou acção executiva,
com título executivo
o Rendas vencidas e juros de mora, à taxa legal
o Rendas vincendas, tratando-se de contrato de execução
duradoura [sanção preventiva]
§9: CESSÃO FINANCEIRA. O contrato de cessão financeira [ou factoring, do
latim facere/fazer] é o contrato pelo qual uma entidade [cliente ou aderente] cede a
outra [cessionário financeiro ou factor] os seus créditos sobre um terceiro [o
devedor ou debitor] mediante uma remuneração. É uma forma de financiamento, a
curto prazo, do aderente ou cedente financeiro, conferindo maior liquidez à
empresa, incrementando a sua rentabilidade, impulsionando a sua expansão,
limitando o endividamento, favorecendo o balanço e aumentando o fundo de
maneio. Implica a transferência do risco para o factor, diminuindo os riscos do
aderente. A cessão financeira está crescentemente implicada na prestação de
serviços, com traços do regime desta. É celebrada em regime de exclusivo, pelo
que o aderente só pode ter um único factor: adstrito a não celebrar novos contratos
do tipo e a oferecer todos os seus créditos ao factor [princípio da globalidade].
O DL 171/95, relativo às sociedades de cessão financeira, dispõe que este
contrato deve ser celebrado por escrito, acompanhado pelas correspondentes
facturas ou suporte documental equivalente [art. 7º DL 171/95 – parece ter acolhido
a estrutura dualista do factoring].
Apresenta-se como um contrato-quadro, organizatório, que conduz a uma
colaboração duradoura entre as partes: contrato oneroso, consensual e de conteúdo
atípico misto [promessa de venda de créditos futuros, assunção de risco e
prestação de serviços, art. 1156º CC – aplica-se o regime do mandato, com
atribuição de uma comissão ad valorem, cobrada em função do valor dos créditos].
MENEZES CORDEIRO sugere a aplicação analógica do art. 28º DL 178/86,
relativamente à denúncia.
55
Direito Comercial I - Lara Geraldes @ FDL
Cumpre reter aqui o regime da cessão [transmissibilidade das obrigações]:
art. 577º CC, independentemente de consentimento do devedor, exigindo-se
notificação [art. 583º CC]. É um modo de transmissão de obrigações,
nomeadamente quanto à transmissão de um crédito mediante um contrato entre o
antigo credor e o novo credor [contrato-base e contrato-fonte]. No CC não releva o
compromisso e a profissionalização que subjaz à cessão financeira.
exemplo:
FactorTudo celebrou com A um contrato nos termos do qual se obrigava a
transmitir-lhe a totalidade dos seus créditos, presentes e futuros, por um período de
tempo indeterminado. Teria direito a receber um juro pela antecipação, para além
da comissão devida pela gestão e cobrança de créditos. Ficava obrigada a prestar
assessoria comercial a A, mediante remuneração.
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CAPÍTULO IV: GARANTIAS BANCÁRIAS
§1: GARANTIAS. A garantia geral das obrigações é o património do devedor:
todo o património e apenas o património [art. 601º CC].
As garantias pessoais juntam um novo património à dívida garante; as
garantias reais afectam uma coisa ao pagamento de uma dívida – proibição de
pactos comissórios, por enriquecimento sem causa, aplica-se ao penhor e à
hipoteca e não às garantias pessoais.
§2: PENHOR DE CONTA BANCÁRIA. O penhor de conta bancária é um tipo
social através do qual depósitos bancários ficam afectos ao pagamento de certas
dívidas. O depositante obriga-se a não os movimentar, enquanto subsistirem as
dívidas garantidas, autorizando o Banco a debitar, na conta dos depósitos, as
dívidas garantidas vencidas. O dinheiro, esse, é propriedade do Banco. Distingue-se
do penhor comum:
Não recai sobre uma coisa corpórea
A garantia é debitada numa conta bancária
Garantia pessoal, e não real [art. 665º e 694º CC]
Obriga o garante a manter a conta provisionada
Reporta-se ao saldo da conta, tão-só: limitação da responsabilidade do
garante
Cláusula de principal-pagador [art. 640º a) CC]
Tratando-se de uma quantia monetária, não há motivo para proibição
de pactos comissórios
exemplo:
A obriga-se a não mobilizar a sua conta bancária e, em caso de
incumprimento, fica o Banco autorizado a debitar na conta os valores em dívida e
juros correspondentes.
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§3: PENHOR BANCÁRIO. O penhor civil afecta uma coisa móvel ao
pagamento de uma dívida [arts. 666º ss CC]. Quando a dívida garantida proceda de
acto comercial, o penhor diz-se mercantil ou comercial [acto comercial por
acessoriedade]. Os arts. 397º e 398º prevêem tradição simbólica da coisa. Quando,
todavia, respeite a garantias de créditos a favor de estabelecimentos bancários
autorizados, o penhor diz-se bancário: a entrega dos bens garante [rectius, o
desapossamento, no penhor civil] é dispensada, produzindo efeitos externamente
[perante terceiros] com documento particular bastante. A outra parte não pode ser
privada do bem em causa.
* Decreto 29:833 de 1939
* Decreto 32:032 de 1942
exemplo:
A constitui penhor sobre as máquinas de uma fábrica mas, como estas são
indispensáveis à produção, não as entrega ao Banco.
§4: CARTA DE CONFORTO. A carta de conforto [comfort letter] é a missiva
dirigida a uma instituição de crédito por uma entidade [entidade-mãe] que detém
interesses dominantes ou significantes numa terceira entidade [entidade-filha], a
fim de dar a conhecer o cumprimento assumido, confortando ou tranquilizando a
instituição de crédito quanto à seriedade ou cumprimento dos deveres assumidos.
Apenas implica prestações, e não quaisquer garantias reais [garantia imprópria
combinada].
As vantagens são de duas ordens: assumir uma obrigação sem garantias
formais [vg imposto] e manter boas relações comerciais. Modalidades:
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Fraco: concessão de informação, dever genérico de diligência [policy
da empresa]
Médio: concessão de informação, dever genérico de diligência [policy
da empresa] + declaração negocial vinculando-se a actuações de
meios, acautelando os interesses do Banco e promovendo o efectivo
cumprimento da obrigação
Forte
É um negócio unilateral fonte de obrigações [cumulativamente]:
Cumprimento integral dos deveres
Ajustamento do capital aos montantes “confortados”
Uso de completa diligência
exemplo:
A, sociedade detentora de 51% do capital de B, enviou uma carta ao Banco
nos termos da qual declarava ter conhecimento de…, fornecer apoio e…, conceder
esforços para o cumprimento de…
§5: GARANTIA AUTÓNOMA BANCÁRIA. Garantia que não é afectada pelas
vicissitudes da relação principal [vs garantia acessória, vg fiança], através do qual o
Banco se compromete a pagar à primeira interpelação/solicitação [on first demand],
assegurando o pagamento de uma quantia pré-determinada [garantia causal]. Se
não existisse essa cláusula de primeira solicitação, tratar-se-ia de mera fiança. É
celebrada entre o interessado [mandante, conferindo-lhe credibilidade] e o garante,
a favor de terceiro [garantido ou beneficiário], permitindo uma liquidez quase total
[como se fosse dinheiro]. Forma: escrita.
Para GALVÃO TELLES, trata-se de um sucedâneo de um depósito em
dinheiro.
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exemplo:
A pretende adquirir um imóvel, sendo-lhe exigida a prestação de uma
garantia; contra o pagamento de uma comissão, o Banco obriga-se, irrevogavel e
incondicionalmente, a pagar ao garantido, mediante mera interpelação, valor esse
correspondente à obrigação contraída por A.
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