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Corpo-sujeito, rotinas espao-temporais e danas-do-lugarDavid Seamon
Geografcidade | v.3, n.2, Inverno 2013
CORPO-SUJEITO, ROTINAS ESPAO-TEMPORAIS E DANAS-DO-LUGAR1
Body-subjects, time-space routines, and place-ballets
David Seamon2
1 Texto originalmente publicado em ingls em BUTTIMER, Anne; SEAMON, David. (eds.)The human experience of space and place. Londres: Croom Helm, 1980. p. 148-165. Traduode Paulo Mauricio Rangel Gonalves.
2 Professor de Arquitetura na Universidade Estadual de Kansas. [email protected]. Architecture Department, Kansas State University, 211 Seaton Hall, Manhattan, KS. 66506-2901 EUA.
RESUMO
O ambiente vivido pelos indivduos portador de magias, mistrios
e simbioses. Os seres humanos, sob esta lgica, podem se imbricar
com seus lugares, alicerados por fortes elos de pertencimento. Neste
sentido, as trajetrias e movimentos implementados por estas pessoas
revelam faces e nuances deste pertencimento, em coreograas
muitas vezes no percebidas pelas pessoas que as efetuam, mas que
podem perfazer caractersticas fortes de determinado ambiente, as
chamadas danas-do-lugar. A geograa, que estuda a Terra como o
lugar de morada do homem, se preocupa com estas movimentaes epertencimentos. Por intermdio da fenomenologia, so analisados os
movimentos cotidianos de indivduos em seus lugares de signicado,
dentro de reluzentes mundos vividos, esboando assim um dos alicerces
da geograa fenomenolgica. Nesta perspectiva, a atitude natural dos
indivduos mostrada como um grande manancial para os gegrafos,
que buscam, praticando a reduo fenomenolgica, chegar essncia
dos fenmenos e identicar danas-do-lugar. Em sntese, esta dana-
do-lugar, uma sinergia ambiental na qual homens e partes materiais
involuntariamente promovem um todo maior, com seu prprio ritmo
e carter especiais, pode servir no apenas para revelar a magncadinmica dos mundos vividos, mas para regenerar e proteger lugares.
Palavras-chave: Fenomenologia. Movimentos Cotidianos. Lugar.
ABSTRACT
The lived environment bears magic, mystery and symbiosis. By this logic,
human beings can interconnect with their places, grounded on strong
bonds of belonging. Thus, trajectories and movements performed
by these people disclose facets and nuances of belonging through
choreographies that are not perceived by its performers. However
they can ascribe strong characteristics of a certain environment
the so called place-ballets. Geography, that studies Earth as mans
home, is concerned with these movements and belongings. Throughphenomenology, everyday movements of individuals in their place
of signicance are analyzed, within sparkling lived worlds, outlining
one of the foundations of phenomenological geography. In this
perspective, individuals natural attitudes are shown as a great source
for geographers that see, the essence of phenomena and to identify
place-ballets, practicing phenomenological reduction. In synthesis this
place-ballet an environmental synergy in which men and material
parts unintentionally create a greater whole may be suited not only to
reveal the magnicent dynamic of lived worlds but also to regenerateand protect places with its own special rhythm and character.
Keywords: Phenomenology. Everyday movement. Place.
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A fenomenologia se empenha para uma efetivao de contato.
Como uma forma de estudo, ela procura encontrar as coisas do mundo
como elas so nelas mesmas e ento descrev-las. A geograa estuda
a Terra como o lugar de morada do homem. Como uma de suas metas,
ela procura entender como as pessoas vivem em relao aos seus
lugares, espaos e ambientes cotidianos. A geograa fenomenolgica
pega emprestado as preocupaes de ambos os campos de saber
e direciona a sua ateno para a natureza essencial da morada do
homem na Terra. O fato de todas as pessoas estarem localizadas em
um mundo que em parte geogrco uma irredutvel caracterstica
da existncia humana. Seja pequeno como um apartamento ou vasto
como um oceano circundando seus navios no mar, seja um lugar-
comum tal qual a vizinhana ou estranho como uma cidade distante,
o homem alojado em um mundo geogrco no qual ele pode mudar
as especicidades, mas que o circunda de uma forma que ele no pode
evitar. A geograa fenomenolgica indaga o sentido da inescapvel
imerso das pessoas no mundo geogrco. O que so as pessoas como
seres em um mundo geogrco? Qual a natureza da experincia
humana no contexto desse mundo?3
Este texto se esfora para demonstrar o valor da geograa
fenomenolgica explorando o fenmeno do movimento cotidiano no
espao, entendido comoqualquer deslocamento espacial do corpo
ou corporalmente em parte iniciado pela prpria pessoa. Caminhar
at a caixa de correio, dirigir para a casa, ir de casa para a garagem,
alcanar uma tesoura em uma gaveta todos estes comportamentos
so exemplos de movimento.4
3 Sobre fenomenologia, sua histria e mtodo, ver Natanson (1962); Wilde (1963); Spiel-berg (1965). Exemplos de fenomenologia emprica podem ser encontrados em Giorgiet al. (1971; 1975).
4 Na prtica, esta denio ignora movimentos reexivos tais como piscar, respirar, etc.
Este texto explora a essncia do carter experiencial do movimento.
Primeiro, esboa as noes de atitude natural, mundo vivido e
epoch todas noes essenciais na fenomenologia. Segundo, o
ensaio aborda as duas convencionais abordagens para os movimentos
cotidianos a teoria comportamental e a teoria cognitiva. Terceiro, o
texto introduz uma alternativa fenomenolgica e indaga o seu valor
para teorias ambientais e de planejamento.
A , epoch
A fenomenologia busca as estruturas essenciais da experincia
humana (WILDE, 1963, p. 20). A partir da variedade de formas nas
quais homem e mulher se comportam e experienciam seus mundos
cotidianos, a fenomenologia interroga se existem padres particulares
que transcendem contextos empricos especcos e apontam para
uma condio humana essencial o irredutvel ponto crucial das
situaes de vida das pessoas que permanecem quando so no
essenciais contexto cultural, perodo histrico, idiossincrasias
pessoais so desvendados atravs de processos fenomenolgicos.
Embora perceba que cultura, histria e personalidade, sem dvida,
ltram e condicionam padres de vivncia, a fenomenologia sustenta
uma certa indubitabilidade quanto a experincia humana, que se
estende alm de uma pessoa particular, lugar ou movimento. A tarefa
da fenomenologia desenterrar e descrever esta indubitabilidade, a
qual as pessoas costumam perder de vista por conta da mundanidade
e das certezas de suas situaes de vida cotidianas.
Na existncia diria normal, as pessoas se encontram em um
estado de coisas que o fenomenlogo chama de atitude natural a
despercebida e inquestionvel aceitao das coisas e das experincias
da vida diria (GIORGI, 1970). O mundo da atitude natural denominado
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mundo vivido os padres garantidos e contexto da vida cotidiana,
no qual as pessoas rotineiramente conduzem suas existncias dirias,
sem ter que fazer disto constantemente um objeto de consciente
ateno (GIORGI, 1970). Imersas na atitude natural, as pessoas
normalmente no examinam o mundo vivido ou mesmo reconhecem
a sua existncia; isto ocultado como um fenmeno:
Na atitude natural ns estamos muito absorvidos pelas nossasatividades mundanas, tanto prticas como tericas; ns estamosmuito absorvidos pelas nossas metas, atividades e projetos, paraprestar ateno para a maneiraque o mundo se apresenta parans. Os atos de conscincia atravs do qual o mundo e tudoque ele contm se tornam acessveis para ns so vividos, maseles permanecem reservados, inconjugveis, e neste sentido,ocultados (GIORGI, 1970, p. 148).
Atravs de uma mudana na perspectiva a reduo
fenomenolgica, como geralmente chamada o fenomenlogo
faz do mundo vivido um foco de ateno: os atos os quais na atitude
natural so simplesmente vividos so agora tematizados e feitos
tpicos de anlise reexiva (GIORGI, 1970. p. 148). A ferramenta chave
para este processo de reduo a epoch a suspenso na crena na
experincia ou objeto experienciado (SPIELBERG, 1965, p.691). Ao
praticar a epoch, o fenomenlogo se esfora para se desengatar do
mundo vivido e reexaminar sua natureza outra vez. Epochno signicaque o estudante rejeita o mundo ou a sua experincia sobre ele. Ao
invs disto, ele comea a questionar estas coisas, assim como todos
os conceitos, modelos, e teorias que visavam descrever ou explic-
las. Se ele conduzir a epoch propriamente, ele pode descobrir que
muitos eventos e padres que ele previamente conhecia se tornam
questionveis, enquanto fatos que ele havia previamente ignorado ou
pareciam insignicantes emergem claramente e demandam exame
e descrio (ZEITLIN, 1973, p. 147). Fenomenologia , portanto,
uma exploratria e descritiva disciplina. Primeiramente, ela tenta
questionar radicalmente o mundo vivido e todas as teorias concebidas
para represent-lo. Segundo, ela se esfora para retornar ao mundovivido diretamente e descrever seus aspectos o mais cuidadosamente
possvel em suas prpriascondies.
Uma geograa fenomenolgica reexamina as pores geogrcas
do mundo vivido. Qual , por exemplo, o tipo da morada do homem na
natureza? Quais os signicados da experincia que os lugares possuem
para as pessoas? Como pessoas diferentes experienciam a natureza e
o meio fsico? De que maneiras as pessoas reconhecem ou falham em
reconhecer seus mundos geogrcos?
A presente meta explorar os movimentos cotidianosfenomenologicamente. Duas etapas so necessrias: em primeiro
lugar, deixar de lado as teorias convencionais de movimento; em
segundo lugar, examinar os movimentos cotidianos assim como eles
ocorrem em sua prpria forma no mundo vivido.
Ab
Na convencional cincia social e psicologia ambiental, os
movimentos cotidianos tem geralmente sido discutidos em termos
de comportamento espacial os movimentos das pessoas em um
espao geogrco de grande escala e considerados de duas maneiras
principais. A abordagem comportamental, ligada tradio losca
do empiricismo, v os movimentos cotidianos em termos de um modelo
estmulo-resposta um particular estmulo de um meio externo (por
exemplo, o tocar de um telefone) causa um movimento de resposta na
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pessoa (o ouvinte levanta para responder)5. Na tentativa de imitar os
mtodos das cincias naturais, comportamentalistas tem geralmente
restringido suas pesquisas para comportamentos visveis que podem
ser vericados atravs de algum tipo de mensurao emprica.
Comportamentalistas rigorosos desconsideram todos os processos de
experincia (por exemplo, cognio, emoes, inteligncia corporal)
porque estes fenmenos so vistos como imprecisos e s conhecidos
pela pessoa que os reporta. Ento, os comportamentalistas geralmente
estudam o que um animal ou pessoa faz, ao invs do que ele, ou ela
experiencia. Na prtica, comportamentalistas trabalham discutindo
o comportamento espacial como um tema explcito tendo estudado
geralmente ratos aprendendo a se mover em labirintos; pesquisas
com sujeitos humanos tm sido muito menos frequentes (HULL, 1952;
BLAUT; STEA, 1973; GETIS; BOOTS, 1971). Talvez porque isso seja
melhor conduzido em um contexto experimental e por sua vez no
facilmente aplicveis para contextos no mundo real como as ruas e a
vizinhana, teorias de comportamentalistas estritos tiveram somente
um impacto mnimo nas pesquisas sobre o comportamento espacial
na escala do meio geogrco (GETIS; BOOTS, 1971).
Em contraste, teorias de cognio espacialso associadas tradio
losca do racionalismo e tem tido maior impacto na geograa
comportamental (LYNCH, 1961; STEA; DOWNS, 1973; MOORE;
GOLLEDGE, 1976; LEFF, 1977). Em suas vrias formas, argumentam
que o comportamento espacial dependente de alguns tipos de
processos cognitivos como o pensar, descobrir e decidir. Na prtica, a
maior parte desta pesquisa estudou representao cognitiva do espao
de um indivduo ou de um grupo em particular, que provocada por
5 Sobre comportamentalismo, ver Taylor (1967); Merleau-Ponty (1962, 1963); Koch(1964). No h uma teoria comportamentalista, mas v rias. Alguns comportamentalis-tas reconhecem a cognio como um signicante processo de interveno na sequn-cia de estmulo-r esposta. Ver, por exemplo, Tolman (1973).
dispositivos como desenhos de mapas ou questionrios. O pressuposto
que um estudo desses mapas cognitivos, como a maioria dos
gegrafos passaram a cham-los, vai levar a uma compreenso do
comportamento do indivduo ou do grupo no espao. Sublinhando
a nossa denio de cognio espacial, diz Downs; Stea (1973, p. 9),
uma viso do comportamento que, embora expressada de maneira
variada, pode ser reduzida para a armao de que o comportamento
espacial humano dependente do mapa cognitivo do indivduo do
ambiente espacial.
A maior fraqueza, fenomenologicamente, de ambas as abordagens,
cognitiva e comportamental a sua insistncia na explicao do
comportamento espacial por meio de uma teoria imposta a priori.
Os tericos cognitivos assumem que o mapa cognitivo a chave
para o comportamento espacial, enquanto os comportamentalistas
se direcionam para as sequncias de estmulo-resposta. Ao praticar
epoch, o fenomenlogo rompe com essas duas vises opostas e
retorna aos movimentos cotidianos como um fenmeno do mundo
vivido. Por um lado, ele coloca entre parntesis as premissas de que
o movimento depende do mapa cognitivo, por outro lado, que o
movimento um processo de estmulo-resposta.
Para realizar este processo de escalonamento de maneira prtica,
o fenomenlogo precisa retornar aos movimentos cotidianos
como experincia como eles ocorrem no seu prprio modo, com
sua prpria estrutura e dinmica. Para fazer isto, ele tem vrias
abordagens abertas. Por exemplo, ele pode cuidadosamente reetir
sobre os movimentos e como ele os experiencia em sua prpria vida.
Alternativamente, ele pode reunir relatos de movimentos descritos
por outros atravs de entrevistas, conversas abertas ou relatos da
literatura imaginativa. A atual fenomenologia do movimento faz uso
de uma coleo de relatrios descritivos recolhidos de um grupo de
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pessoas que so sucientemente interessadas nos seus contatos
dirios com o mundo geogrco para se encontrar semanalmente
durante vrios meses e dividir com o grupo suas experincias pessoais
relacionadas aos movimentos cotidianos e outros temas relacionados6.
Fora destes grupos de experincia ambiental, surgiram gradualmente
vrias caractersticas destes movimentos cotidianos das quais trs
sero discutidas aqui: (1) A natureza habitual do movimento cotidiano;
(2) A importncia do corpo; (3) Coreograas de corpo e lugar. Cada
assunto considerado individualmente, e ento comparado com a
convencional teoria comportamental e cognitiva.
A z b
Quando eu estava saindo de casa e indo para o colgio, no
conseguia dirigir diretamente para l tinha que dar uma volta de
uma maneira ou de outra. E uma vez lembro-me, vividamente, de
estar consciente do fato de que eu sempre ia por uma rota e voltava
por outra eu sempre fazia isso. E o engraado era que no tinha que
me dizer para ir para l por uma rota e voltar por outra. Alguma coisa
em mim fazia isso automaticamente eu realmente no tinha muita
escolha nessa situao. claro que existiram alguns dias em que eu tive
que ir para algum lugar antes da escola, e ento eu tomava uma rota
diferente, mas, por outro lado, gostaria de ir e voltar pelas mesmasruas membro do grupo de experincia ambiental.
Um hbito qualquer comportamento adquirido que se torna
mais ou menos involuntrio. Uma das primeiras caractersticas dos
movimentos cotidianos para os quais o grupo de experincia ambiental
se atentou foi a sua a natureza habitual. Considere a observao
6 A histria completa deste grupo est em Seamon (1979).
acima. O membro do grupo faz automaticamente o uso da mesma
sequncia de rotas nos seus padres de direo dirios. Seus grupos
de movimentos ocorrem por eles mesmos, isto , sem a necessria
interveno de sua ateno consciente: Alguma coisa em mim fazia
isto automaticamente eu realmente no tinha muita escolha nessa
situao. Frases de outro grupo de observao que relata essa mesma
caracterstica de atividade prpria: Voc prossegue e voc nem mesmo
sabe disto; Eu z a viagem to sem esforo e inconscientemente; E
sempre quero ir pelo mesmo velho caminho 7.
Os movimentos habituais se estendem por todas as escalas de
ambientes de dirigir e caminhar at alcanar e movimentar os dedos.
Um membro do grupo descreveu como ele de vez em quando vai para
a escola e se pergunta como chegou ali, simplesmente porque no
se recorda da experincia da caminhada: Voc no se lembra de tercaminhado at aqui faz isso automaticamente. Outro membro do
grupo explicou que ele tinha recentemente trocado quartos no seu
apartamento com um companheiro, e que ele ainda ocasionalmente
se achava indo para o velho quarto em vez de ir para o novo: Eu no
registrei comigo mesmo que havia ido para o lugar errado. Um
terceiro membro do grupo relatou que s vezes se esquece de colocar
uma toalha limpa embaixo da pia depois de ter levado a toalha suja
para a lavanderia. Quando lava pratos, acha-se procurando pela toalha,
mesmo tendo visto h alguns minutos que a toalha no estava l. Um
quarto membro do grupo contou que quando faz ligaes telefnicas,
surpreende-se vrias vezes digitando o telefone de sua casa ao invs
do nmero para o qual planejava ligar: meus pensamentos esto em
algum lugar e meus dedos digitam automaticamente os nmeros que
eles sabem melhor.
7 Frases completas destes e as seguintes descries esto em Seamon (1979).
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Indiferente escala particular na qual eles costumam ocorrer,
estas observaes sugerem que muitos movimentos so conduzidos
por algum processo pr-consciente que guia comportamentos sem
a pessoa necessitar estar consciente do que est acontecendo. Cujo
processo um membro do grupo sucintamente descreveu: voc acordae vai sem pensar muito, exatamente onde tem que ir, e chega l, mas
realmente no pensa sobre chegar l enquanto est no caminho. A
redao desta frase de uma forma quase potica aponta para o tipo de
desdobramento automtico do movimento com o qual o membro do
grupo tem pouco ou nenhum contato consciente. A pessoa no tem
lembrana do grande nmero de passos, voltas, paradas, e comeos
que compem a soma do movimento. Ela se encontra no seu destino
sem ter prestado ao menos um pouco de ateno ao movimento,
como aconteceu naquele momento.Tradicionalmente, tericos comportamentalistas e cognitivos tm
lidado com o movimento habitual de duas formas contrastantes.
Os ltimos argumentam que os comportamentos habituais no
so realmente habituais, que se a pessoa pudesse realmente ver os
processos internos que dirigem o movimento, ela descobriria que est
conscientemente avaliando a situao e fazendo uso constante de seu
mapa cognitivo:
verdade, muito do comportamento habitual repetitivo erotineiro Nas viagens, voc tem aquele sentimento que poderiafazer a viagem de olhos vendados ou faz-la com os olhosfechados. Mas mesmo essa aparente sequncia estmulo-resposta no to simples: voc precisa estar preparadoparasugesto que diz para parar agora ou avaliaro trfego da horado rush que te diz para tomar o outro caminho para casa estanoite. Mesmo nessas situaes voc est pensando frente(em ambos sentidos: literal e metafrico) e usando o seu mapacognitivo (DOWNS; STEA, 1973, p. 10).
Em contraste, comportamentalistas rigorosos rejeitam qualquer
processo cognitivo intervindo entre ambiente e comportamento8.
Eles tm constantemente enfatizado a natureza automtica dos
movimentos cotidianos, os quais, eles denem em termos de reforo
qualquer evento ou ocorrncia que aumente a probabilidade de
um estmulo, em ocasies subsequentes, evocar uma resposta
(HILDEGARD et al., 1971, p. 188-207). Aplicado ao comportamento
espacial, este princpio argumenta que uma bem-sucedida passagem
sobre uma rota particular fortalece as chances dessa rota ser usada
na prxima vez que o organismo precisar transpassar aquele espao.
Cada vez que o movimento repetido, as respostas evocam aquela
rota particular que reforada, e no momento necessrio o padro se
torna habitual e ento involuntrio.
Procedendo fenomenologicamente, o pesquisador precisa colocar
entre parntesis estas duas interpretaes contrastantes e indagar
qual movimento habitual est na sua prpria forma. Por meio deste
procedimento de escalonamento, se v o papel sensvel que o corpo
desempenha em muitos dos movimentos cotidianos.
A -j
Observaes adicionais do grupo de experincia ambiental sugerem
que a natureza habitual dos movimentos surge do corpo, que abriga
seu prprio tipo de sensibilidade proposital. Um membro do grupo
descreveu a sua ida ao dentista. Em um cruzamento do caminho, ele
de repente se viu virando para a esquerda, em vez de continuar em
frente como deveria ter feito. Ele explicou que geralmente vira direita
8 Novamente, importante saber que muitos comportamentalistas interpretam a cog-nio como um importante processo de interveno entre estmulo e resposta. Ver aquarta nota.
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porque ele tem amigos no alto da rua os quais visita frequentemente.
Ao descrever a virada no intencional, ele explica que alguma coisa
nele atuou antes que pudesse cognitivamente agir e que isso uma
ao dirigida nos braos: meus braos estavam virando a roda... eles
estavam fazendo isso por eles mesmos, completamente alheios para
onde eu estava indo. O carro estava na metade da curva antes que eu
tomasse conscincia e percebesse o meu erro.
Outra pessoa salientou o mesmo tipo de movimento corporal
direcionado quando ele descreveu o ato de puxar a corda do interruptor
de luz: minha mo alcana a corda, puxa, e a luz est acesa. A mo
sabe exatamente para onde ir.
O papel do corpo em movimento indicado por outras observaes.
Um membro do grupo fez referncia a uma fora inteligente em suas
pernas: voc deixa suas pernas fazerem isto e no presta nenhuma
ateno para onde voc est indo. Outro membro do grupo informou
que estando sentado na cadeira, suas mos automaticamente
alcanam um envelope requerido, tesouras, ou outros objetos sem
que ele as tenha direcionado conscientemente. Um terceiro membro
do grupo descreveu este mesmo processo corporal em sua habilidade
de colocar as cartas em suas prprias caixas de correio, quando ele
trabalhou no correio. Tomados em conjunto, esses relatos indicam
que sublinhar e guiar muitos movimentos cotidianos uma fora
corporal intencional que se manifesta automaticamente e tambm
sensivelmente: um brao alcana a corda ou os envelopes, mos giram
o volante ou colocam cartas nas suas prprias caixas de correio, ps
direcionam a pessoa automaticamente para o seu destino. Pegando de
emprstimo o termo do fenomenlogo francs Merleau-Ponty (1962),
chamo esta intencionalidade corporal de corpo-sujeito. Corpo-sujeito
a inerente capacidade do corpo de direcionar comportamentos das
pessoas inteligentemente, e ento funciona como um tipo especial de
sujeito que se expressa de uma maneira pr-consciente, usualmente
descrita por palavras como automtico, habitual, involuntrio,
mecnico (SEAMON, 1979).
A possibilidade de o corpo ser um sujeito inteligente manifestado
em suas prprias formas estranha para ambas as teorias:
comportamentalista e cognitiva. Ambas as teorias veem o corpo como
passivo como uma coisa inerte que responde tanto a um modo de
conscincia cognitiva ou a estmulos do ambiente externo. Estudos
da cognio espacial tm direcionado a sua ateno para os mapas
cognitivos, pois um registro do conhecimento cognitivo da pessoa
no espao. Esta pesquisa tem prestado pouca ateno aos reais
movimentos corporais que constituem o comportamento espacial.
Ao invs disto, ela tem enfatizado o processo cognitivo que adotado
para coordenar as relaes entre ambiente e comportamento.Por outro lado, comportamentalistas tem enfatizado a importncia
do corpo em suas discusses sobre o comportamento espacial, mas na
sua nfase eles o veem como uma coleo de reaes aos estmulos
externos. Se os comportamentalistas fossem perguntados, por
exemplo, para descrever o comportamento de dirigir de casa para o
trabalho, eles diriam que isso envolve uma srie de reaes s mudanas
nas visualizaes, sons, e presses que incidem sobre os rgos de
sentido externos dos motoristas, acrescidos aos estmulos internos
provenientes das vsceras e msculos esquelticos (TOLMAN, 1973).
Esses vrios estmulos chamados movimentos particulares de ps e
braos do motorista so reforados a cada vez como uma resposta da
direo que com sucesso deixam o motorista a salvo em seu destino.
Eventualmente, estas sries de estmulo-resposta so integradas em
uma suave progresso passo-a-passo que fcil e automaticamente
levam a pessoa de casa para o trabalho a cada dia.
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de suciente escopo ou qualidade... [E]xceto para poucos estudos
de comportamento de mercado e migrao interurbana, ns temos
poucos dados sobre a relao entre cognio ambiental e o subsequente
comportamento urbano.
Consideraes sobre as dimenses corporais do comportamento
ambiental indicam que a perspectiva cognitiva incompleta e
necessita de uma reformulao completa. Imagens, impresses
subjetivas, sistemas de categorias e mapas cognitivos podem ter um
papel parcial no comportamento ambiental, mas ns precisamos de
um maior entendimento de sua importncia relativa. Mais do que
provavelmente, h algum tipo de reciprocidade entre corpo e mente,
hbito ou desejo por mudana, passado e futuro. Se a geograa
comportamental tem que ter uma teoria comportamental precisa
prestar mais ateno a essa reciprocidade (SEAMON, 1979, p. 61-62).
Cf
O corpo-sujeito assegura que gestos e movimentos aprendidos
no passado vo, prontamente, continuar no futuro. Ele guia os
comportamentos bsicos da vida diria. O corpo-sujeito uma fora
estabilizadora, e atravs dele as pessoas ganham liberdade e estendem
seus horizontes no mundo.
Relatos do grupo de experincia ambiental apontam para
a versatilidade do corpo-sujeito. Ele tambm abriga mais
comportamentos complexos que se estendem ao longo do tempo
assim como no espao. Tal comportamento o que eu chamo de
dana-do-corpo um conjunto de comportamentos integrados
que sustentam uma particular tarefa ou meta, como por exemplo,
lavar pratos, arar, construir casas, envazar ou caar. Danas-do-corpo
so frequentemente parte integrante de uma habilidade manual ou
sensibilidade artstica; o seu somatrio pode constituir meios de vida
de uma pessoa. Seus movimentos eram incrveis eles uam juntos,
disse uma integrante do grupo ao descrever um ferreiro, a quem ele
chamou de artista. Ambas as mos estavam trabalhando de uma
vez... fazendo exatamente o que tinham que fazer perfeitamente.
Outro membro do grupo descreveu a operao de uma carrocinha
de sorvetes durante o vero. Ao mesmo tempo que trabalhava,
ele podia entrar no ritmo de entregar o sorvete e dar o troco. Ele
automaticamente alcanava o pote certo, fazia o que o consumidor
queria e pegava o seu dinheiro. Geralmente, o trabalho necessitava
de pouca ateno consciente: maior parte do tempo eu nem tenho
que pensar no que estou fazendo tudo se tornou rotina.
Estas observaes sugerem que atravs de treino e prtica,
movimentos bsicos do corpo-sujeito fundem-se em padres corporais
mais amplos que proporcionam um determinado m ou necessidade.
Simples movimentos de brao, perna ou tronco sintonizam-se com uma
linha especial de trabalho ou de ao e dirigem-se espontaneamente
para satisfazer as necessidades iminentes. Ao usar as palavras
suave, uir, e ritmo, as observaes indicam que o bal do corpo
orgnico e integrado, em vez de gradativo e fragmentado. Uma vez
tendo dominado as operaes bsicas de uma atividade, o corpo-
sujeito pode variar seus comportamentos criativamente para atender
rapidamente a demanda particular impendente.
Similar dana-do-corpo, a rotina espao-temporal um conjunto
de comportamentos corporais habituais que se estendem ao longo
de considervel poro de tempo. Relatos do grupo de experincia
ambiental indicam que grandes partes do dia de uma pessoa podem
ser organizadas em torno de algumas rotinas. Um membro do grupo
descreveu uma rotina matinal que ele segue, exceto aos domingos.
Ele est de p s sete e trinta, arruma sua cama, vai ao banheiro e
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sai de casa s oito. Ele ento caminha at a cafeteria na esquina, que
ca no alto da rua, pega o jornal (que temque ser o New York Times),
ordena qual ser a sua alimentao (um ovo mexido, torrada e caf),
e ca l at aproximadamente nove horas quando ele vai caminhando
para o seu escritrio, que prximo. Um segundo membro do grupo
descreveu a rotina de tempo-espao que a sua av seguia: ela sempre
estava em um lugar especco, em um horrio especco e geralmente
fazendo algo especco l. Entre seis e nove, por exemplo, a av estaria
trabalhando na cozinha; entre nove e doze, costurando na varanda.
Estes depoimentos indicam que estas sries de comportamentos
que so neles mesmos danas-do-corpo (a rotina do banheiro ou de
costurar) fundem-se em padres maiores, tambm dirigidos pelo
corpo-sujeito. Como o primeiro membro explicou, ele no descobre a
sua rotina de cada dia; em vez disso, ela se desdobra e eu a sigo. A
mudana da rotina pode causar irritao: eu realmente gosto desta
rotina e eu tenho notado como eu me sinto incomodado quando parte
dela me chateia por exemplo, se o Timesestiver esgotado, ou se as
mesas estiverem tomadas e eu tiver que sentar no balco.
A rotina espao-temporal possui um certo padro holstico no qual,
como o prprio movimento, bem descrita pela palavra desenrolar.
Quando uma pessoa estabelece uma srie de rotinas espao-
temporais, no seu dia comum ou agenda semanal, grandes partes do
seu dia podem proceder com o mnimo de planejamento e deciso.
A pessoa pode se tornar atrelada a estas rotinas; interferncias,
como a descrita acima, indicou que podem gerar estresse. As rotinas
espao-temporais so componentes essenciais da vida diria porque
elas se apropriam de atividades automaticamente durante o tempo.
Elas mantm uma continuidade na vida das pessoas, permitindo s
mesmas fazerem automaticamente no momento presente o que elas
aprenderam no passado. Ao administrar a rotina, aspectos repetitivos
da vida diria, ela liberta as pessoas da ateno cognitiva para eventos
e necessidades mais signicantes. Por outro lado, estas rotinas espao-
temporais podem ser difceis de quebrar ou mudar. Neste sentido, elas
so uma fora conservativa que podem ser um considervel obstculo
a progressos teis ou mudana.
Em um ambiente fsico que concede suporte, as rotinas espao-
temporais e as danas-do-corpo dos indivduos podem se fundir em um
todo maior, criando um espao-ambiente dinmico chamado dana-
do-lugar9. A dana-do-lugar uma fuso de muitas rotinas espao-
temporais e danas-do-corpo em termos de lugar. Seu resultado
pode ser a vitalidade ambiental como as que so vistas em North End,
em Boston ou em Greenwich Village, em Nova York. Ele gera um forte
sentido de lugar por conta da contnua e regular atividade humana.
A familiaridade decorrente da rotina um dos ingredientes da
dana-do-lugar. Um membro do grupo descreveu o seu trabalho em
uma loja de balas. Ela conhecia os fregueses pelo rosto, porque muitos
vinham para l regularmente durante as suas horas de trabalho. Ela
apreciava esta interao, pois isso ajuda o tempo a passar mais rpido
e me traz pessoas para conversar. De forma similar, ao descrever a sua
rotina matinal um membro do grupo explicou que l existem outros
clientes regulares como ele a cada manh. Suas presenas em cada
dia geram um sentido de amizade e familiaridade no qual ele sente
que no estariam l se eles fossem novos rostos a cada dia. Nestes
exemplos, as rotinas individuais se encontram em termos de lugar. A
regularidade gerada pode tambm produzir um clima de familiaridade
9 A expresso original (em ingls) criada por David Seamon chamada de Place-ballet.Na traduo literal do termo chegamos expresso bal do lugar, bastante utilizadae consagrada em textos acadmicos na rea de Geograa e Humanidades. Entretan -to, cremos que o uso que Seamon faz da expresso mais amplo do que se referir aum estilo de dana, referindo-se ao movimento dos corpos, como uma coreograa dedana. Neste sentido, acreditamos que Dana-do-lugar talvez expresse de forma maisampliada e imediata o sentido original do termo (N. da T.).
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o qual os participantes apreciam e para o qual crescem ligados. Esta
regularidade no intencional e s ocorre com o decorrer do tempo e
muitos encontros acidentais repetidos. No seu alicerce est a fora
habitual do corpo-sujeito, que sustenta uma continuidade pautada em
padres corporais do passado.
C
Para a geograa e outras disciplinas que se preocupam com o
ambiente e o lugar, as noes de dana-do-corpo, rotina espao-
temporal e dana-do-lugar possuem valor porque elas unem as
pessoas com espao, lugar e tempo. Embora os exemplos acima
sejam limitados e vinculados cultura, seus subjacentes padres de
experincia transcendem determinados contextos sociais e temporais,
e podem ser encontrados em todas as situaes humanas, passadas
e presentes, ocidentais e no ocidentais. Hockett (1973, p. 13-14),
por exemplo, retratou a rotina diria tpica dos Menomini, uma tribo
indgena que viveu na costa norte-ocidental do Lago Michigan, no
sculo XVII. As mulheres levantavam na madrugada para buscar gua,
atear fogo e preparar o caf da manh, que uma das duas refeies
dirias. Aps o caf da manh, os homens e os meninos vo para os
campos de caa e pesca, enquanto as mulheres cuidam da colheita,
processam o alimento, colhem plantas comestveis, tecem e cuidam
das crianas.
Rotinas espao-temporais e danas-do-corpo so a base deste tpico
padro dirio. As atividades seguem uma sequncia que largamente
habitual e no premeditada. As atividades das mulheres so rotinas
espao-temporais estendidas incorporando muitas danas-do-corpo
individuais buscar gua, acender o fogo, cuidar da colheita e tecer.
Cada atividade necessita de uma combinao particular de gestos e
movimentos que manipulam corretamente materiais com as mos
e produzem o desejado artefato ou meta. A habilidade de tecer,
por exemplo, um conhecimento das mos, que h muito tempo
aprenderam a sequncia prpria e ritmo, e podem agora conduzir seus
trabalhos rpida e automaticamente.
Pode-se tambm visualizar na cena acima uma srie de danas-
do-lugar se desenrolando durante todo o dia dos Menomini. Ele pode
imaginar, por exemplo, a reunio das mulheres no crrego para buscar
gua e a participao em conversas. Este lugar no apenas uma
fonte de gua, mas uma cena de interao da comunidade e de uma
comunicao que se repete a cada manh, por conta da regularidade
em se buscar gua. A estrutura subjacente desta dana-do-lugar
no diferente das contemporneas cenas urbanas que Jane Jacobs
descreve na quadra onde um dia ela viveu em Greenwich Village (Nova
York):
O trecho da rua Hudson, onde eu vivo, a cada dia uma cenade um intricado bal nas caladas. Eu fao a minha entradanisto um pouco aps as oito, quando eu coloco o lixo para fora,seguramente uma ocupao prosaica, mas eu aprecio a minhaparte, meu pequeno som estridente, enquanto as multides deestudantes ginasiais caminham pelo centro da rua, deixando cairembalagens de doces... Enquanto eu varro as embalagens, euobservo os outros rituais da manh: Sr. Halpart desenganchandoo carrinho de mo da lavanderia de sua amarrao a uma
porta do poro. O alhado do Joe Cornacchia empilhando ascaixas vazias da delicatessen, o barbeiro trazendo a sua cadeiradobrvel para a calada, Sr. Goldstein organizando os rolos dearame que indicam que a loja de ferragens est aberta, a mulherdo superintendente dos apartamentos deixando a sua crianade trs anos com um bandolim de brinquedo na varanda, sob oponto de vista que ele est aprendendo o ingls que a me nosabe falar. Agora as crianas do primrio, indo para St. Luke,partem para oeste, e as crianas da P.S. 41, indo em direo doleste (JACOBS, 1961, p. 52-3).
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A essncia experiencial dos processos que ocorrem na rua Hudson,
na vila Menomini, e na cafeteria da esquina so os mesmos, embora
na aparncia cada lugar consideravelmente diferente dos outros.
Pessoas chegam juntas no tempo e espao como cada indivduo est
envolvido em sua prpria rotina espao-temporal e dana-do-lugar.
Eles reconhecem uns aos outros e s vezes participam de conversas.
Fora destas cotidianidades, as dinmicas interpessoais garantidas,
estes espaos de atividade desenvolvem um sentido de lugar onde
cada pessoa faz sua pequena parte em criar e manter.
Estes lugares so mais do que localidades e espaos para serem
transpassados. Cada um abriga um dinamismo que aora naturalmente
sem interveno direta. Estes espaos assumem a qualidade que Relph
(1976, p. 55) chamou de interioridade existencial uma situao
em que um lugar experienciado sem deliberada e autoconsciente
reexo e ainda pleno de signicados. Relph prossegue ao dizer
que a interioridade existencial o grande alicerce da experincia do
lugar, e este apontamento ecoado na dana-do-lugar. Por meio de
padres habituais de encontro no tempo e espao, uma rea pode
se tornar um lugar, dividido pelas pessoas que l entram em contato
espao-temporal. O dinamismo deste lugar largamente proporcional
ao nmero de pessoas que dividem este espao e, deste modo,
compartilham seu tempo e vitalidade.
I
Se um gegrafo ir estudar os espaos, lugares e ambientes
que a pessoa tipicamente vive e habita seu espao vivido, como
fenomenlogos s vezes falam (BOLLNOW, 1967) ele necessita
reconhecer que este espao primeiramente fundamentado no corpo.
Por meio do corpo-sujeito, a pessoa sabe onde ela est em relao a
objetos familiares, lugares e ambientes, os quais constituem seu mundo
geogrco de todos os dias. No importa o contexto histrico e cultural,
a pedra fundamental de sua experincia geogrca o pr-reexivo
estrato corporal de sua vida seu espao vivido corporeamente.
Bem como os movimentos habituais em grande ambientes, seu
espao vivido corporeamente incorpora os menores gestos, como
pisar, voltar, chegar, e os padres estendidos da dana-do-corpo e da
rotina espao-temporal. Pela explorao das pores corporeamente
vividas, o gegrafo ganha um quadro de estabilidade, foras habituais
de um particular mundo vivido. Ele pode melhor entender o quanto
inconscientes padres dentro de um lugar em especco continuam
a fazer do lugar o que ele era no passado. Ademais, ele pode estar
melhor preparado para prever o efeito de mudanas ambientais e
sociais nesta estabilidade.Um forte padro nesta sociedade moderna a fragmentao
do espao e do tempo: a casa separada do mercado, vizinhanas
so separadas por vias expressas, o trabalho separado do lazer.
Ao mesmo tempo, crticos sociais falam da alienao crescente e
do gradual colapso da comunidade, que Slater (1970, p. 5) deniu
como o desejo de viver em conante e fraterna cooperao com um
membro em total e visvel entidade coletiva. Se a comunidade um
importante componente na satisfao da existncia humana, e se a
comunidade est se erodindo atualmente, o gegrafo pode indagaro que a comunidade em termos de experincia e como ela pode ser
reforada. A dana-do-lugar pode ter papel considervel na conduo
desta questo porque traz as pessoas regularmente para o face a face,
que de outra maneira provavelmente no se conheceriam. Neste
sentido, ao dana-do-lugar gera uma cooperao interpessoal e a
conana que Slater aponta.
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A dana-do-lugar tem uma particular importncia na natureza da
vizinhana, que a economista Barbara Ward uma vez deniu como um
lugar onde
Crianas crescem sem serem atropeladas, onde amigos podem
se encontrar, onde aquele recurso profundamente rejeitado,duas pernas humanas, podem ser recuperadas e usadas, ondea sociabilidade e as trocas da existncia humana podem ocorrerde forma civilizada (WARD apud HORSLEY, 1978, p. 1-2).
Em um sentido, esta denio de sociedade encontrada na dana-
do-lugar. Ward sugere uma comunidade em um lugar fundamentada
em uma escala corprea e continuidade interpessoal. Em parte, este
lugar deve ser baseado na familiaridade: pessoas se conhecendo bem
o suciente para que elas possam confortavelmente interagir. Uma
parte desta familiaridade pode muito bem ser o resultado de uma
regularidade inconsciente. A base habitual, contudo, no signica
precisamente a dinmica de uma vizinhana previsvel, composta por
humanos-robs continuamente repetindo os mesmos conjuntos de
comportamento. Em vez disto, a regularidade pr-cognitiva da dana-
do-lugar proporciona uma base, a partir da qual pode surgir a surpresa, a
novidade, o inesperado: a espontaneidade da brincadeira das crianas,
vizinhos se esbarrando, um grupo da comunidade rapidamente se
organizando para se opor a uma proposta de alargamento da rua.A estabilidade e a continuidade do lugar, portanto, so, ao menos
parcialmente, responsveis pela civilizada rede de interaes que Ward
apontou em sua denio sobre vizinhana. Ao mesmo momento, esta
ordem em termos de lugar estabelece um padro de regularidades em
torno do qual a progresso de eventos mutveis e episdios podem
ocorrer. Lugares, em outras palavras, precisam de regularidade e
variedade, ordem e mudana. A dana-do-lugar um dos meios pelo
qual um lugar pode passar a ter estas qualidades.
A vizinhana apenas um exemplo de dana-do-lugar. Qualquer
situao em que ao menos alguns usurios vm juntos regularmente
por exemplo, sala de estar, cafeteria, prdio de negcios, mercado
podem promover a base para uma dana-do-lugar. Ao mesmo
tempo, contudo, muitas danas-do-lugar parecem estar se erodindo
e desaparecendo. A tendncia, como Relph (1976, p. 117) nos lembra,
para um ambiente com poucos espaos signicantes em direo
a uma geograa do deslugar10, de paisagens comuns e padres de
prdios sem sentido.
Neste sentido, a noo de dana-do-lugar tem importantes
implicaes tericas e prticas. Primeiro, ela une pessoas, tempo e lugar
em um todo orgnico e retrata o lugar como uma distinta e autntica
entidade. No passado, muitas abordagens sobre o relacionamento
pessoa-ambiente tm sido fragmentadas e mecanicistas: o lugar
somente a soma dos comportamentos de seus indivduos. Em contraste,
a dana-do-lugar retrata um todo maior que os seus elementos: o
lugar uma dinmica entidade com uma identidade to distinta como
os indivduos e elementos ambientais que abrangem aquele lugar. A
dana-do-lugar, em outras palavras, uma sinergia ambiental na qual
homens e partes materiais involuntariamente promovem um todo
maior, com seu prprio ritmo e carter especiais. Um mercado ao ar
livre, por exemplo, pode ser pautado em transaes econmicas, mas
consideravelmente mais do que apenas estas transaes (NORDIN,
1976). O mercado assume uma atmosfera de vitalidade, camaradagem,
10 Relph utiliza a expresso placelessness para se referir ausncia da capacidade deconstituio do lugar (lugaridade), o que poderia ser entendido tambm como lugar--sem-lugaridade, que se constitui em outra traduo possvel para placelessness. (N.da T.).
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excitao at mesmo alegria. Encontrar amigos e conhecidos se
torna to importante quanto comprar (SEAMON; NORDIN, 1980).
Para o planejamento ambiental, portanto, a dana-do-lugar
fornece conceitos em torno da construo de polticas e modelos. Que
lugares possuem quais tipos de danas-do-lugar? Seria o lugar um
melhor ambiente humano se tiver danas-do-lugar? Para residentes
destes lugares, a noo de dana-do-lugar especialmente valiosa.
As pessoas reconhecem, inconscientemente, o signicado da dana-
do-lugar, mas geralmente por conta da atitude natural no possuem
meios renados para articular a entidade em termos claros. A dana-
do-lugar faz uma implcita dimenso do mundo vivido explcita. Ele
proporciona um articulado conceito que pode ser valioso para criar,
regenerar e proteger lugares11.
Rf
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Submetido em Novembro de 2012.
Aceito em Janeiro 2013.de 2013.