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A categoria de espaço geográfico enquanto possibilidade na construção
de uma educação ambiental crítica na geografia escolar
Ana Carolina Brasil de Oliveira Graduada em Geografia pela Faculdade de Formação de Professores – UERJ/ FFP, Especialista em
Organização curricular e prática docente na educação básica pela Faculdade de Educação da Baixada
Fluminense – UERJ/ FEBF Mestra em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro,
Doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - programa de pós-graduação em
educação (PPGE), Membro do Grupo de Pesquisa Laboratório de Investigações em Educação, Ambiente
e Sociedade (LIEAS-FE/ UFRJ), professora substituta do departamento de Geografia da Faculdade de
Educação da Baixada Fluminense. Endereço eletrônico: [email protected]
Carlos Frederico Bernardo Loureiro Professor associado da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ,
professor do programa de pós-graduação em educação (PPGE) e em psicossociologia de comunidades e
ecologia social Eicos – UFRJ, Líder do Laboratório de investigações em Educação, Ambiente e
Sociedade (LIEAS/ UFRJ). Endereço eletrônico: [email protected]
Resumo: O presente trabalho tem por objetivo apontar possíveis caminhos teórico-
metodológicos para a construção de uma educação ambiental crítica inserida no
contexto da geografia escolar a partir da categoria de espaço geográfico. Nesse sentido,
objetivou-se inserir no debate do ensino de geografia a questão ambiental numa
perspectiva crítica, que seja capaz de se construir a partir dos processos e relações
intrínsecos às questões ambientais superando abordagens conservadoras que buscam
apenas alternativas dentro do sistema capitalista de produção. Para tornar o texto
inteligível, o mesmo foi dividido em três partes. Sendo assim, inicialmente será
apresentado um breve panorama do ensino de geografia e do seu movimento de
renovação, posteriormente as noções de Espaço Geográfico enquanto categoria
fundadora da Geografia, bem como as potencialidades do espaço na construção de uma
educação ambiental crítica.
Palavras-chave: Ensino de geografia, espaço geográfico, educação ambiental crítica,
geografia crítica.
Abstract: The present work has as objective to point out possible theoretical-
methodological paths for the construction of a critical environmental education inserted
in the context of the school geography from the category of geographic space. In this
sense, the objective was to insert in the debate of geography teaching the environmental
issue in a critical perspective, that is capable of building from the processes and
relations intrinsic to environmental issues, overcoming conservative approaches that
seek only alternatives within the capitalist system of production. To make the text
intelligible, it was divided into three parts. Thus, initially a brief overview of the
teaching of geography and its movement of renewal will be presented, later the notions
of Geographic Space as a founding category of Geography, as well as the space
potentialities in the construction of a critical environmental education.
Keywords: Geography teaching, geographic space, critical environmental education,
critical geography.
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Introdução O presente artigo tem por finalidade oferecer algumas contribuições teórico-
metodológicas para o desenvolvimento de uma educação ambiental critica no ensino de
geografia a partir da categoria de espaço geográfico. Para alcançarmos o objetivo
proposto, utilizaremos a referida categoria a partir de algumas aproximações com a
educação ambiental crítica.
Nesse sentido, o maior esforço do presente trabalho consiste em inserir na
geografia escolar a questão ambiental numa perspectiva crítica, ou seja, transformadora,
histórica, relacional e que seja capaz de se construir a partir dos processos e relações
intrínsecos às questões ambientais e não apenas enquanto temas, tratados muitas vezes
no ensino de geografia de forma catastrófica, conservacionista que na maioria das vezes
busca apenas oferecer soluções paliativas sem romper com o modelo vigente.
De acordo com Boff (2012), há poucas palavras mais usadas hoje do que o
substantivo sustentabilidade e o adjetivo sustentável. Atualmente podemos notar uma
apropriação exacerbada das questões ambientais seja pelas grandes corporações, seja
pelos governos ou ainda pela mídia. Tal apropriação deve ser vista por dois diferentes
prismas. O primeiro se refere ao discurso do medo produzido pela mídia hegemônica no
que diz respeito às questões ambientais, que em geral responsabiliza os sujeitos pela
problemática ambiental e não os verdadeiros agentes causadores da destruição do
planeta. O segundo como um ponto de partida para problemas de fato existentes
herdados da idade da razão, da racionalidade técnica e ampliado a partir do modelo
neoliberal nos últimos 40 anos.
Nesse sentido, sendo a Geografia uma ciência que tem como princípios basilares
a leitura e interpretação do mundo, a mesma, numa perspectiva crítica, deve ter como
compromisso um ensino voltado para a transformação da realidade contribuindo na
formação de sujeitos críticos. Cabe ao ensino desta ciência uma formação voltada para a
cidadania, que revele as contradições do modo de produção capitalista, que faça frente à
lógica consumista, que questione o papel e veracidade do discurso dominante
amplamente difundido pela mídia.
A discussão ambiental se faz cada vez mais presente no ensino da Geografia,
uma vez que esta ciência, por se instrumentalizar em outras áreas do conhecimento e a
partir do seu método de análise, pode oferecer importantes contribuições ao debate
ambiental. Entretanto, a prática pedagógica desenvolvida nas escolas ainda revela o
hiato entre a teoria e a prática e no que se refere à Educação ambiental numa perspectiva
crítica não é diferente.
A distância entre a teoria e a prática resulta dos conteúdos teóricos que são
dissociados da materialidade dos processos sociais, o que gera essa noção de um
distanciamento teórico prático. Loureiro (2003) destaca que a disciplinarização da
ciência, intrínsecas à atual divisão do trabalho, são responsáveis pela compreensão
fragmentada da realidade e são estas responsáveis pela alienação no capitalismo.
Adiante, o mesmo mostra como se dá a construção do entendimento da realidade a
partir da dialética. Nenhuma categoria é fixa e imutável, mas se dá na História,
constituindo-se em elementos de explicação das transformações.
Como é um método historicizado, na dialética os conceitos não são
utilizados abstratamente na explicação dos atos e fenômenos sociais.
(LOUREIRO, 2003, p. 72)
Silva & Auzani (2010) destacam que o trabalho do educador deve estar
compromissado com a responsabilidade política e social, mas na prática, o cenário
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educacional denuncia que não raro a prática educativa se afasta dos objetivos mais
amplos da Educação para a transformação do sujeito consciente. De acordo com
Vesentini (2003) o ensino (entendido como sistema escolar) revela-se simultaneamente
enquanto instrumento de dominação e libertação. Para o autor, o papel do sistema
escolar enquanto espaço de reprodução já é algo bem estudado e demonstrado. Nesse
sentido, o que o autor nos coloca é que as instituições escolares surgem inicialmente
com o propósito de servir aos interesses capitalistas, adaptando os sujeitos para servirem
ao mercado e se manterem de forma passiva não questionando o sistema que tem a
exploração enquanto algo intrínseco no seu modo de funcionamento.
Entretanto, o mesmo vai afirmar que a escola não deve ser pensada somente
enquanto espaço privilegiado na manutenção do Status quo, mas pode ser também um
instrumento de libertação. Nas palavras do autor: Mas a escola não é apenas uma instituição indispensável para a
reprodução do sistema. Ela é também um instrumento de libertação.
Ela contribui – em maior ou menor escala, dependendo de suas
especificidades – para aprimorar ou expandir a cidadania, dependendo
de suas especificidades – para aprimorar ou expandir a cidadania, para
desenvolver o raciocínio, a criatividade e o pensamento crítico das
pessoas, sem os quais não se constrói qualquer projeto de libertação,
individual ou coletivo. (VESENTINI, 2003, p. 16)
No que se refere ao papel da escola, e acrescento o papel do ensino de Geografia
e da educação ambiental crítica, Mészáros (2008) se posiciona na mesma direção e
destaca que poucos negariam hoje que os processos educacionais e os processos sociais
mais abrangentes de reprodução estão intimamente ligados. Nesse sentido, ambos os
autores entendem que uma transformação do quadro educacional exige uma ruptura
com a lógica do capital.
Para facilitar o entendimento do texto, inicialmente será apresentado um breve
panorama do ensino de geografia e do seu movimento de renovação, posteriormente as
noções de Espaço Geográfico enquanto categoria fundadora da Geografia, bem como as
potencialidades do espaço na construção de uma educação ambiental crítica.
Ensino de Geografia
A geografia é a ciência que se ocupa em compreender a espacialização dos
fenômenos no espaço geográfico. A ideia de investigar a espacialização dos fenômenos
no espaço, ainda remete fortemente a uma noção simplória de mapeamento e descrição
dos fenômenos apoiada à produção de mapas e a uma forte postura pragmática.
Entretanto, cabe advertir, a geografia busca compreender de que forma ocorre a
produção e transformação do espaço geográfico, analisando de forma dialética os
fenômenos geográficos na sua totalidade.
Numa perspectiva crítica, a construção dos conceitos geográficos necessários à
leitura espacial se constrói na materialidade da vida dos sujeitos. Para Pontuschka et al
(2007), método dialético é inquietante e agitador, pondo em xeque como será esta
realidade no futuro e refletindo sobre qual será o futuro que queremos. Através desse
método não se transmite o conceito ao aluno, mas a partir da realidade concreta de sua
vida, o conceito vai sendo construindo.
Cavalcanti (2005) oferece importantes contribuições ao ensino de geografia uma
vez que a autora reconhece a importância da construção dos conceitos a partir da vida,
do lugar dos educandos. A mesma dialoga com Vygotsky e concebe a construção da
educação espacial numa perspectiva dialética considerando os saberes prévios dos
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alunos e a partir da mediação fazer com que os alunos sejam capazes de desenvolverem
abstrações que resultarão na construção dos conceitos necessários ao entendimento da
realidade.
Com relação à construção de conceitos proposta por Cavalcanti (2005), cabe
sinalizar que atualmente é possível notar que muitas práticas pedagógicas da geografia
se apóiam no conceito de Lugar para abordar as questões ambientais. Entretanto, é
necessário advertir que o Lugar não pode ser confundido com o local, ou seja, com a
escala em que os fenômenos ocorrem, mas sim, ser um ponto de partida para a
compreensão dos fenômenos enquanto sistema-mundo.
Embora o pensamento geográfico brasileiro tenha passado por um momento de
renovação na década de 80, movimento influenciado por teóricos de orientação
marxista, Pontuska op. cit., afirma que as décadas de 80 e 90 mantiveram embates
teórico-metodológicos entre as grandes frentes: A nova geografia, a Geografia
tradicional, a Geografia crítica e a Geografia comportamental. No que se refere à
Geografia crítica, sua adesão no ensino foi ainda dificultada pelos resquícios da ditadura
militar, embora muitos pensadores estivessem questionando os rumos do ensino da
Geografia, principalmente por entender que tais perspectivas outrora utilizadas, não
davam mais conta de explicar a realidade, tampouco de apreender seu objeto de estudo.
Como resultado das diversas perspectivas teóricas no ensino da Geografia
apresentadas anteriormente nas décadas de 80 e 90, e ainda pelos resquícios da
Geografia tradicional, ainda hoje é possível evidenciar um ensino de Geografia que
apresenta fragilidades epistemológicas que, consequentemente, constrói a produção do
conhecimento espacial de forma fragmentada, com conceitos sendo desenvolvidos de
forma estanque, atomizados numa forte dicotomia na relação homem-natureza e a
separação da chamada Geografia física e Geografia humana. Essa compartimentação da
geografia escolar é resultado da herança positivista que marcou a construção da
geografia enquanto ciência, da formação de professores, bem como da perspectiva
curricular.
De acordo com Pontuschka (2007), apesar da relevância da profissão docente, os
cursos de licenciatura têm demonstrado historicamente sua falta de êxito, onde muitas
vezes, os professores são vistos como profissionais despreparados. No Brasil, de acordo
com a autora, o sistema de formação de professores, remonta da década de 30 sendo
marcado pelo modelo 3+1, ou seja, três anos de bacharelado e mais um ano de formação
pedagógica que embora tenha sido superado, ainda deixa marcas nas licenciaturas.
Exemplo disso é a dificuldade nas reformas curriculares no que diz respeito às práticas
pedagógicas como componentes curriculares.
Essa estrutura de ensino nas licenciaturas acabou por resultar na formação de
profissionais que passaram anos dentro da universidade sem compreender como o
conteúdo é atravessado pela prática e reforçando a crença de que o ensino para ser
significativo, resulta do domínio de um rol de conteúdos a serem aplicados na sala de
aula. Em geral, as licenciaturas eram estruturadas a partir das diferentes áreas como
geomorfologia, climatologia, geologia, geografia agrária, geografia da indústria, etc, e
no final do curso os licenciandos estudariam as diferentes disciplinas pedagógicas, sem
nenhuma articulação das mesmas com o ensino. Além da falta de articulação entre as
disciplinas e o ensino, é possível identificar também o distanciamento entre a chamada
geografia física e humana.
A própria produção acadêmica da geografia evidencia essa dicotomia, onde
predomina a pouca articulação dos elementos naturais com fenômenos sociais, como se
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fosse possível, por exemplo, compreender as questões climáticas de forma descolada
com as questões econômicas, ou ainda entender a formação do território brasileiro sem
levar em conta os aspectos naturais. Essa lógica de ensino aparece no tratamento das
questões ambientais no ensino de Geografia, que em geral são vistos numa perspectiva
de causa e efeito.
Como resultado dessa fragilidade na formação de professores, o ensino de
geografia, ainda hoje, encontra-se esvaziado de sentido, fragmentado, o que resulta na
apreensão parcial da realidade, uma vez que os alunos não conseguem articular os
fatores naturais e sociais enquanto parte da totalidade do espaço. Pior, os conteúdos são
desenvolvidos sem levar em conta a realidade concreta da vida dos educandos, o que
diverge radicalmente de uma perspectiva crítica de ensino, e consequentemente torna
impossível a construção de uma educação ambiental crítica.
No que tange à educação ambiental na geografia escolar, a produção de livros
didáticos evidencia certa negligência em relação ao tema. Obviamente que não estamos
reduzindo a geografia escolar ao conteúdo do material didático, entretanto, pesquisas na
área já evidenciaram que por fatores como a precarização docente, falta de autonomia,
dentre outros motivos, faz com que grande parte dos professores construa suas práticas
fortemente ancoradas nos conteúdos ali inseridos.
Espaço Geográfico e Educação ambiental crítica: algumas aproximações
A Geografia é a ciência que investiga a produção e transformação do Espaço
Geográfico. Para o geógrafo, não basta apenas identificar as diferentes morfologias da
paisagem, tampouco as relações sociais, mas sim compreender a espacialização dos
fenômenos no Espaço Geográfico dentro de uma relação dialética de forma a apreender
a Totalidade e não apenas os fenômenos de forma isolada, como se a soma das partes
fossem capazes de apreender o real.
Como já foi dito anteriormente, as questões ambientais estão fortemente presente
no ensino da geografia, entretanto a prática docente revela a presença de perspectivas
conservadoras de educação ambiental. Como exemplo é possível observar no chão da
escola projetos voltados para a reciclagem, mas que não problematizam a lógica do
capital que estimula o consumo. A presença de concepções acríticas na geografia
escolar assinala sua fragilidade epistemológica, uma vez que práticas conservadoras da
educação ambiental e o entendimento do espaço geográfico de forma crítica são
incompatíveis.
Antes de darmos início ao debate acerca do espaço geográfico enquanto
categoria potencializadora na construção de uma educação ambiental crítica, cabe o
esclarecimento de algumas noções fundamentais, a partir do pensamento de Moreira
(2012), que vão marcar o posicionamento adotado na construção dos argumentos. Em
primeiro lugar, deve-se compreender que ao longo da história as noções conceituais de
espaço foram sendo alteradas, já que a construção conceitual, na abordagem aqui
adotada, não se desloca da materialidade dos fenômenos num determinado tempo
histórico. Em segundo lugar, reafirmar no diálogo com a educação ambiental crítica,
que a acepção de espaço deve ser compreendida de forma igualmente crítica.
Moreira (2012) retoma a discussão ontológica do espaço entendendo que a
renovação em curso do conceito chave da geografia não se diferencia das fases de
renovação passadas. Em seu entendimento, o discurso geográfico deve contemporizar à
realidade do presente, inserido no contexto histórico atual. Afirma então, que o
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problema do espaço é um tema predominante no debate geográfico. A aproximação do
espaço e da relação sociedade-natureza ainda orienta investigações no campo.
Numa concepção crítica de espaço geográfico, Moreira (ibidem) concebe o
espaço a partir da dialética entendendo a constituição espacial enquanto resultado das
relações sociais na história. O espaço é então a totalidade estruturada das relações, dialeticamente
complexa e historicamente determinada, na forma do qual reside o
amálgama do entrecruzamento entre a primeira e a segunda natureza,
porque é por seu meio que o homem e natureza em sua relação
recíproca se separam e se reaglutinam, a cada momento do movimento
da reprodução cíclica da sociedade. (ibidem, p. 25-26) Cabe ainda ressaltar um aspecto relevante na compreensão do espaço no diálogo
com a questão ambiental que diz respeito à unidade sociedade-natureza, no sentido de
que, de acordo com Moreira (ibidem), frequentemente nos esquecemos que os objetos
(seja uma cadeira, mesa, aparelho doméstico e os sujeitos), são na verdade formas
socializadas da natureza. Essa relação deve ser entendida numa relação dialética onde o
homem humaniza a natureza e a natureza naturiza o homem.
Ainda numa concepção dialética, Santos (2006) afirma que o espaço geográfico
se apresenta enquanto um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de
sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a
história se dá. O mesmo autor nos informa ainda que copiando de forma simplória o que
Marx escreveu, teríamos de um lado um sistema de objetos, que seriam o conjunto das
forças produtivas e um sistema de ações, que nos dariam um conjunto das relações
sociais de produção.
Cabe destacar que o sistema de objetos não deve ser compreendido apenas
enquanto elementos naturais, mas sim produto do trabalho, ou seja, uma elaboração
social. Para Santos, toda criação de objetos responde a condições sociais e técnicas
presentes em um dado momento histórico. Já as ações seriam para o autor o próprio
homem. Só o homem tem ação porque ele tem objetivo, finalidade. Nas palavras do
autor: As ações resultam de necessidades, naturais ou criadas. Essas
necessidades: materiais, imateriais, econômicas, sociais, culturais,
morais, afetivas, é que conduzem os homens a agir e levam a funções.
Essas funções, de uma forma ou de outra, vão desembocar nos
objetos. Realizadas através de formas sociais, elas próprias conduzem
à criação e ao uso de objetos, formas geográficas. (SANTOS, 2006,
p.82) Santos (2006) ao desenvolver a ontologia do espaço, realizou um debate acerca
das técnicas enquanto noção fundadora do espaço. Nesse sentido, as técnicas são vistas
como o resultado do trabalho humano, em suas palavras, as técnicas seriam um conjunto
de meios instrumentais e sociais, com os quais o homem realiza a sua vida, produz, e ao
mesmo tempo, cria espaço (ibidem, p. 29). Ainda com relação ao desenvolvimento das
técnicas, o autor afirma que: No começo era a natureza selvagem, formada por objetos naturais, que
ao longo da história vão sendo substituídos por objetos fabricados,
objetos técnicos, mecanizados e, depois, cibernéticos, fazendo com
que a natureza artificial tenda a funcionar como uma máquina”
(ibidem, p. 63).
O que o autor nos mostra é que o estágio de desenvolvimento das forças
produtivas resulta da combinação dos principais fatores de produção: terra, capital e
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trabalho. As forças produtivas denotam o desenvolvimento de uma dada sociedade
sendo a combinação desses fatores. Ou seja, não é possível apreender o espaço
geográfico sem compreender o papel do trabalho no desenvolvimento das sociedades.
As relações de produção permitem compreender a forma pela qual os homens se
relacionam entre si no momento da associação dos fatores de produção que
desenvolvem os estágios da força produtiva.
Tozoni-Reis (2007) afirma que as categorias essenciais para a compreensão e
para a ação educativa são a totalidade, concreticidade, historicidade e contraditoriedade,
uma vez que entende que essas categorias são responsáveis na apreensão da realidade. A
autora entende que somente a partir do entendimento dessas categorias é possível
superar a alienação resultante da divisão do trabalho para a construção de uma educação
ambiental crítica. Na análise espacial, onde tempo e espaço coexistem, a noção de
totalidade deve ser compreendida enquanto sistema conforme o fragmento abaixo: Cada coisa nada mais é que a parte da unidade, do todo, mas a
totalidade não é uma simples soma das partes. As partes que formam a
Totalidade não bastam para explicá-la. Ao contrário, é a Totalidade
que explica as partes. A Totalidade B, ou seja o resultado do
movimento de transformações da Totalidade A, divide-se novamente
em partes. As partes correspondendentes à Totalidade B já não são as
mesmas partes correspondentes à Totalidade A. São diferentes. As
partes de A (a¹ a² a³... ) deixam de existir na totalidade B; é a
Totalidade B, e apenas ela, que explica suas próprias partes, as partes
de B (b¹ b² b³... ). E não são as partes a¹ a² a³... que se transformam
em b¹ b² b³..., mas a totalidade A que se transforma em totalidade B.
(SANTOS, 2006, p. 115-116).
Diante do exposto, fica claro que a compreensão do Espaço geográfico a partir
do método dialético deve orientar a construção do debate ambiental na geografia escolar
de forma a superar práticas conservadoras. Loureiro (2003) corrobora com tal
proposição ao afirmar que somente o método dialético é capaz de construir uma
educação ambiental crítica. O autor nos oferece ainda um exemplo da contribuição do
método para o desenvolvimento de práticas transformadoras da educação ambiental
conforme destaca no fragmento abaixo: A reciclagem tem que ser pensada como qualquer outra categoria,
como relação. Ou seja, para ser efetiva segundo os interesses
ambientalistas democráticos, é preciso ser problematizada, articulada
com aquilo que a define (estilos de vida, padrão de consumo e de
produção, quem se apropria dos benefícios da reciclagem etc.) e
realizada para a transformação das relações e, portanto da realidade.
(Ibidem, p. 75)
Por último, e não menos importante, muito pelo contrário, evidenciaremos a
relação espaço geográfico e ambiente. O ambiente é por definição a síntese espaço-
temporal da relação sociedade-natureza mediada pelo trabalho. Para Moreira (2012),
compreender a dimensão ambiental a partir da geografia significa perceber a relação
espacial de forma dialética, uma vez que tanto o ambiente não existe de forma
descolada do espaço geográfico, bem como o espaço não existe desligado das práticas
de reprodução da vida dos homens.
Moreira (2012) afirma que a própria dimensão biológica da vida interage por
reciprocidade (tem no seu centro a relação metabólica do trabalho) com a dimensão
social. Segundo o autor, é elementar compreender que nem a natureza faz sentido
enquanto natureza, tampouco o social faz sentido pelo social. Nesse sentido, natural e
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social são determinações da existência que só podem ser compreendidos enquanto
processo metabólico, onde natureza e sociedade só se materializam a partir da
necessidade de reprodução da sociedade. O mesmo vai ainda falar de socialização da
natureza e naturização da sociedade para se referir a este processo, em suas palavras: Sucede que essa interação metabólica homem-natureza se realiza a
partir das relações que os homens estabelecem dentro da interação
entre si mesmos, o caráter do conteúdo social da relação homem-
homem orientando o da relação homem-natureza e todo o seu curso. É
esse conteúdo que passa a impregnar seja a dimensão natural e seja a
dimensão social da sociedade, de modo que não é mais a lei social ou
a lei natural em estado puro que daí para diante existe, mas as duas
fusionadas como processo ecológico, imbicadas. É onde entra o
espaço enquanto um híbrido social-natural, que, depois de surgir como
uma resultante, a seguir entrelaça e traz para com ele confundir-se o
todo da dinâmica global do metabolismo. (ibidem, p. 103)
Evidencia-se, portanto, a importância da compreensão da categoria trabalho,
ontologicamente formadora do ser social, na apreensão da produção espacial no
entendimento da relação ambiental, uma vez que é na materialidade do espaço
geográfico, enquanto expressão da natureza e da sociedade na relação metabólica do
trabalho, que a realidade é construída. O fato é que somos natureza do ponto de vista da reprodução
orgânica, em nossas necessidades reiteradas de nos alimentarmos,
vestirmos e habitarmos. O que só obtemos mediante o ato reiterado do
intercâmbio metabólico do trabalho (ibidem, p. 103).
Na mesma direção, Loureiro (2015) compreende que dentro da lógica do capital,
é o trabalho que constrói a interdependência social dentro do capitalismo. O que se
pretende elucidar aqui, é que por meio do entendimento da categoria de trabalho que se
torna possível compreender o metabolismo sociedade-natureza, neste caso, dentro da
lógica do capital. Ou seja, é no entendimento da mediação do trabalho (metabolismo
sociedade-natureza), que se constrói a compreensão das formas de alienação e
expropriação dentro do sistema capitalista. Loureiro (2015) aponta que dentro do
capitalismo a compreensão de trabalho é central no entendimento das formas de
exploração e expropriação das relações sociais para a obtenção de mais valor.
É por meio dessa argumentação que se torna possível compreender os problemas
ambientais que afetam o planeta. O homem sempre retirou da natureza os elementos
necessários à sua existência por meio do trabalho. Acontece que as relações de
reprodução se dão na materialidade do espaço historicamente construído e com o
desenvolvimento das técnicas, inseridos no sistema capitalista, as formas de exploração
passam a ser intensificadas uma vez que o objetivo passa a ser a reprodução do mais
valor. Ademais, Loureiro (2015) afirma que no capitalismo, o trabalho passa a ser
mercadoria, com a finalidade do mais valor e a reprodução social torna-se a riqueza
material obtida a partir da exploração do trabalho. A produção material de existência
passa a ser a produção do mais valor. Por isso há a necessidade da divisão social do
trabalho e das técnicas, o que promove consequentemente a alienação do trabalho por
meio de sua divisão social, além de relações de trabalho precarizadas.
Para Moreira (2012), o meio ambiente em geografia é compreendido enquanto
fluxo da relação mercantil que se sobrepõe e orienta a rede das interações espaciais
naturais na sociedade moderna. É preciso compreender as formas de produção bem
como as transformações espaciais dentro da lógica capitalista. É nesse movimento dos
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fenômenos (arranjo dinâmico) que a geografia apreende a questão ambiental na
perspectiva do autor. A questão que deve orientar o debate ambiental na geografia
escolar diz respeito à qual concepção é capaz de fazer frente à atual relação sociedade-
natureza inserida no sistema capitalista.
Por meio da abordagem aqui apresentada, torna-se possível promover a
construção de uma educação ambiental no ensino da geografia capaz de fazer frente às
práticas que conservadoras, que há tempos têm dado demonstrações de serem
insuficientes na superação do desafio ambiental, como projetos de reciclagem que não
problematizam o consumo, trabalhos que romantizam a natureza ou ainda posturas
liberais marcadas por discursos que estimulam a adoção de posturas individuais como
fechar torneiras, reaproveitar materiais, dentre tantas outras ainda fortemente presentes
nas escolas.
Considerações finais
Objetivamos, no presente artigo, estabelecer algumas aproximações entre a
categoria de espaço geográfico na educação ambiental crítica inserida na geografia
escolar. Fica evidente, a partir da argumentação travada no texto, que a categoria de
espaço numa perspectiva crítica, concebida pelo método dialético, se apresenta
enquanto uma importante abordagem no desenvolvimento da educação ambiental crítica
na geografia escolar. A partir do espaço geográfico é possível levar os educandos a
compreenderem as questões ambientais enquanto resultado das relações de produção
que se inserem na coexistência tempo-espaço superando perspectivas fragmentadas
acerca das questões ambientais.
Sendo o meio ambiente o resultado da relação sociedade-natureza materializada
no tempo-espaço, a partir da categoria de espaço, é possível compreender não só as
formas de alienação em relação à natureza, bem como de que forma opera o capital no
contexto da globalização, ou seja, em seu momento mais feroz, uma vez que por meio
do desenvolvimento das técnicas e consequente contração tempo-espaço, o capital se
desloca espacialmente na necessidade de produzir mais valor. Além disso, o processo de
globalização permitiu a financeirização da economia, o que aprofunda as contradições
do capital, sendo questões fundamentais na compreensão dos problemas ambientais.
O diálogo entre diferentes autores sugere que ainda existem, cristalizadas nas
práticas escolares, concepções simplistas da educação ambiental no contexto da
geografia escolar. Tais práticas devem-se, sobretudo, à herança de uma geografia
positivista, marcada pela incapacidade de articulação dos diferentes fenômenos que
produzem a realidade em sua materialidade, além de fragilidades epistemológicas.
Nesse sentido, o presente trabalho aponta para a necessidade de ruptura da
amálgama herdada de um pensamento acrítico, que caminhe no esforço de uma
compreensão ontológica do espaço geográfico, uma vez que esta categoria permite a
apreensão da realidade a partir das suas múltiplas determinações sendo o único caminho
para a construção de uma educação ambiental crítica no ensino de geografia.
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Juiz de Fora - MG 13 a 16 de agosto de 2017 Universidadre Federal de Juiz de Fora
IX EPEA -Encontro Pesquisa em Educação Ambiental