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RAPHAEL FERNANDES LOPES FARIAS
A CONSTRUÇÃO DA CRÍTICA DE ARTE NO JORNALISMO
IMPRESSO BRASILEIRO
Santos - SP
2012
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RAPHAEL FERNANDES LOPES FARIAS
A CONSTRUÇÃO DA CRÍTICA DE ARTE NO JORNALISMO IMPRESSO
BRASILEIRO
Trabalho de Conclusão do Curso de Comunicação
Social, habilitação Jornalismo, do Centro de Ciências
Exatas, Artes e Humanidades da Universidade Católica
de Santos. Categoria Monografia, sob a orientação do
Prof. Me. Eduardo Rubi Cavalcanti
Santos – SP
2012
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Agradecimentos
Agradeço a minha mãe, por acreditar, até mais do que eu, no poder e na importância da
imprensa como instituição capaz de combater e denunciar as desigualdades sociais, e no
papel do jornalista como divulgador das artes e da cultura. Isso colaborou muito para que eu
concluísse minha formação como jornalista.
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RESUMO:
A presença da crítica de arte vem desde o princípio da atividade jornalística no Brasil.
Entretanto, com as mudanças industriais sofridas pelo jornalismo e a consolidação de um
modelo empresarial na imprensa, surge a dificuldade para se informar um enorme contingente
de pessoas e, ao mesmo tempo, apresentar conteúdo crítico em linguagem acessível. Alguns
problemas enfrentados pelo jornalismo cultural são as agendas; a promoção de artistas mais
do que de sua obra propriamente dita (jornalismo de celebridades); o crítico visto como mero
artista frustrado, ou dominador de uma verdade universal; e a mistura de gêneros e seções,
juntamente com a crítica. É importante que o jornalista conheça esse cenário e busque
repensar a produção da crítica e a promoção do debate cultural e artístico em um jornalismo
impresso que se mostra em crise.
Palavras-chave: crítica; arte; resenha; jornalismo cultural.
Abstract: The presence of art criticism comes from the beginnings of journalism in Brazil.
However, with the changes undergone by the press and the consolidation of a business model,
became increasingly difficult to inform a large number of people and, at the same time,
present some critical content in an accessible language. Some problems facing journalism are
the cultural agendas; promotion of artists rather than his work itself (celebrity journalism); the
critic seen as merely a frustrated artist or the owner of a universal truth; and the mixture of
genres and sections with criticism. It is important that journalists understand this scenario and
try to rethink the critical debate and the promotion of culture and art in an era where print
journalism faces everlasting crisis.
Keywords: criticism, art; review; cultural journalism.
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Sumário
INTRODUÇÃO.................................................................................................................5
1. A CRÍTICA DE ARTE COMOGÊNERO JORNALÍSTICO.....................................10
2. A CONSTRUÇÃO DA CRÍTICA JORNALÍSTICA.................................................15
2.1 A Crítica no Jornalismo Cultural ..............................................................................15
2.2 Crítica x resenha........................................................................................................19
2.3 A crítica em outros gêneros.......................................................................................23
3. A ANÁLISE CRÍTICA NA GRANDE IMPRENSA E NA IMPRENSA
ESPECIALIZADA..........................................................................................................26
4. CONSIDERAÇÕES ...................................................................................................34
REFERÊNCIAS..............................................................................................................36
ANEXOS.........................................................................................................................39
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INTRODUÇÃO
A crítica é um dos gêneros que se fazem presentes, sobretudo nos veículos impressos,
desde o início da história do jornalismo no Brasil. Conforme o relato da historiadora Isabel
Lustosa (1995, p. 16), é possível afirmar que o jornalismo brasileiro começou com as
observações e juízos de um único homem e somente depois, com o processo industrial, passou
a apresentar o conceito de informativo, com a necessidade de notícias e toda a estrutura que
vemos hoje. O primeiro jornal brasileiro, o Correio Braziliense, era escrito por um homem só
– Hipólito José da Costa escrevia seus pensamentos sobre política e arte, e selecionava e
comentava, a seu próprio critério, as “novidades” da Europa para informar aos habitantes do
Brasil. Esse modelo de jornalismo cederia lugar, ao longo do século XIX até meados do XX,
aos moldes jornalísticos atuais.
O jornalismo informativo surge com as transformações históricas do mundo e a
ascensão do capitalismo, que trouxe a necessidade da informação, do relato e da fidelidade
aos fatos, para que se possam tomar decisões mercadológicas, por exemplo.
Para a crítica aplicada à arte, as noções abrangem as análises e os juízos de valor
emitidos sobre as obras, atribuindo-se ao crítico até o poder de classificar uma obra como
sendo, de fato, arte. A crítica de arte no jornalismo também é produto da revolução de ideias
ocorrida na transição da Idade Moderna – com os ideais iluministas e as revoluções políticas e
sociais – para a contemporaneidade e a industrialização. Essas mudanças originaram uma
dinâmica social diferente, a necessidade do consumo de informações em maior velocidade e
quantidade, além do acesso de classes menos privilegiadas à cultura e à educação. Até então,
a crítica era domínio das academias de arte e de artistas/intelectuais.
Em fins do século XIX, esse gênero era comumente desenvolvido por artistas, e com o
passar do tempo foi se mesclando com o trabalho de jornalistas especializados. Entretanto, o
trabalho de crítico podia e pode ser exercido tanto por artistas quanto por jornalistas. Como
explica Daniel Piza:
Depois da geração fin-de-siècle de Machado de Assis e José Veríssimo, os jornais e
as revistas vão dar mais espaço ao crítico profissional e informativo, que não só
analisa as obras importantes a cada lançamento, mas também reflete a cena literária
e cultural. Dadas as dificuldades de viver de literatura no Brasil (o que persiste até
hoje), muitos escritores passaram primeiro pelo jornalismo e pela crítica. Um dos
mais famosos foi Lima Barreto, que escreveu o ferino As recordações do escrivão
Isaías Caminha para satirizar os blefes e as ignorâncias vigentes numa redação
(PIZA, 2009, p.32)
Conforme Werneck Sodré (1999), a dificuldade de conseguir reconhecimento público
levou muitos artistas, escritores e intelectuais para o jornalismo em busca de prestígio e
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dinheiro. Entretanto, buscam os jornalistas os argumentos e as bases analíticas necessárias
para o desenvolvimento de uma crítica de fato?
A crítica jornalística era exercida com força no início da imprensa brasileira, quando
os periódicos eram lidos por apenas uma parcela da população, que consumia a arte em seus
campos tradicionais, como música, literatura e teatro. Com a industrialização a partir dos anos
1930 e a ampliação do público leitor dos jornais, a crítica se modificou, passando a produzir
textos mais acessíveis, voltados à produção imediata, e se tornando cada vez mais semelhante
à resenha. (ANDRADE, 2011).
De acordo com Melo (2003), o jornalismo brasileiro passou da fase amadorística, na
qual escritores e intelectuais analisavam esteticamente as obras no campo das artes, para a
fase profissional, momento em que a valoração dos produtos culturais passou a ser feita de
forma regular e remunerada (o profissional, no caso, era o jornalista designado para essa
função). Desse modo, a crítica passou a ter mais a função de apreciação ligeira, e menos de
análise estética. O que antes eram textos vindos de pensadores e voltados à esfera
culturalmente elevada da sociedade, se transformou – de modo geral – em resenha, isto é, em
textos de ligeira apreciação e baixo teor analítico, dentro do jornalismo.
A crítica é, na definição de Melo, (2003) fator orientador no consumo de bens
culturais. A falta de espaço nas páginas e de aprofundamento nos textos dos jornais diários
levou este gênero para os veículos especializados. A segmentação do jornalismo trouxe ao
mercado periódicos, principalmente revistas, direcionados a temas espcíficos. Com as artes
não foi diferente. Revistas como Bravo, Concerto, aU, Set e Arte!Brasileiros, por exemplo,
criam espaços para intelectuais, artistas e jornalistas discutirem e criticarem o mercado
cultural.
Uma saída encontrada pelos jornais mais tradicionais foi a criação de suplementos,
como a Folha Ilustrada, da Folha de S. Paulo, e o Caderno 2, de O Estado de S. Paulo, que
proporcionam também espaços similares aos das revistas especializadas para uma análise
mais profunda. A presença de um jornalismo cultural cada vez mais superficial, preso à
publicidade e à vida de celebridades, e com isso, a diminuição do conteúdo crítico,
principalmente nos veículos diários, é motivo de preocupação para autores como Szantó
(2007) e Stycer (2007), que salientam o papel crítica da imprensa, e a diferenciam do trabalho
de relações públicas, ou da mera informação de serviço.
O jornalista e crítico de arte Luiz Camilo Osório (2005) também observou o
“encolhimento” do espaço da crítica jornalística. Ele relaciona a crise deste gênero às
limitações aos julgamentos críticos. “A crise da crítica ressoa na crise da política, de um
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espaço comum, múltiplo e pautado pelas diferenças, onde se negociam expectativas e anseios.
É como se as obras, em nome de uma falsa liberdade, não fossem mais passíveis de ser
julgadas” (OSÓRIO, 2005, p.07, 09).
Artistas que escreveram nos jornais eram também intelectuais, ou engajados em
ideologias estéticas, ou políticas. Seria para eles tarefa difícil escrever uma crítica com
distanciamento ideológico. Por outro lado, questiona-se a capacidade do jornalista de
compreender a obra julgada. Melo questiona quem melhor exerceria o papel de critico:
Quem deve ser crítico no jornalismo, quem deve fazer resenha dos espetáculos e dos
produtos que são lançados nos circuitos culturais? Responder a essa questão é
retomar a tensão entre jornalistas e artistas/escritores. Se de um lado é recusada ao
jornalista sem militância, num dado setor cultural, a legitimidade para exercer a
tarefa de apreciação dos seus produtos; por outro lado, rejeita-se o exercício dessa
atividade por peritos, ou seja, especialistas acadêmicos ou profissionais, pela
simples razão de que lhes falta distanciamento e visão de conjunto para estabelecer a
relação necessária entre os produtos lançados e as expectativas do público. (MELO,
2006, p.136)
Outra questão que ainda compõe esse quadro é o problema dicotômico, sugerido por
Piza (2003, p.53), a respeito dos cadernos semanais dos jornais, que, segundo o autor, ou
partem para o mesmo caminho das seções diárias dessas publicações esquecendo seu papel de
aprofundar a análise, ou seguem o roteiro das encomendas de professores universitários
(intelectuais), trazendo um texto erudito, burocrático, e deixando de lado a função jornalística.
A transformação do jornalismo em produto, como consequência da urbanização e
industrialização, trouxe a necessidade de uma linguagem mais leve, de rápida absorção pela
sociedade. No entanto, a crítica, por natureza, deve ser um texto analítico que leve o leitor à
reflexão e auxilie na compreensão da obra criticada.
No Brasil, convencionou-se chamar todo tipo de texto que se refere a um produto
cultural de crítica, confundindo-se assim a natureza dela com a da resenha. Sendo assim, o
leitor consome um texto convencionalmente chamado de crítica, que, no entanto, diverge do
verdadeiro sentido crítico, podendo ser uma mera resenha maquiada por termos
impressionistas.
Este trabalho busca explicar a construção da crítica de arte no Brasil, com foco no
meio impresso, tendo em vista que nele estão as origens do jornalismo e da crítica, e que as
maiores redações de jornalistas culturais e críticos também pertencem a esse segmento.
Busca-se, também, refletir sobre o papel do jornalista como crítico e discutir o cenário do
jornalismo cultural de hoje.
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Outro ponto importante é diferenciar textos críticos de resenhas, matérias ou textos
jornalísticos que coloquem a análise do autor em segundo plano, fazendo descrições
superficiais ou apenas baseadas em depoimentos de curadores ou artistas, e discutir essas
nomenclaturas, mostrando momentos em que é possível tratar a crítica também como uma
abordagem textual, passível de ser encontrada em outros gêneros, como artigos, colunas e
editoriais.
A construção da crítica de arte no Brasil aparece como objeto de estudo, uma vez que
mobiliza profissionais do jornalismo e da academia, além de artistas e da sociedade
consumidora de bens culturais e simbólicos.
A informação contida na crítica pode determinar a opinião do leitor. “A crítica é a
salvaguarda da desorientação” (Osório, 2005, p. 12). Entretanto, com a modificação do
processo jornalístico e a consolidação do jornal como empresa, o modo de se escrever crítica
foi alterado.
É necessário compreender a estrutura da crítica pensada e construída por jornalistas
culturais e teóricos e o caminho trilhado por esse gênero, para que se entenda o que acontece
hoje no jornalismo cultural. A partir daí, é possível refletir como devemos ver esses textos e
argumentar até que ponto o jornalista e o acadêmico estão preparados.
Ao longo de minha formação no curso de Comunicação Social – Habilitação
Jornalismo identifiquei-me com disciplinas que estudam as teorias da comunicação, as
estruturas textuais e a importância desses conhecimentos para a compreensão da informação,
pensada como algo capaz de elucidar seus receptores acerca de objetos variados. Optei por
cursar duas disciplinas fora de minha grade curricular: História da Arte e Estética da Arte,
ambas no curso de Arquitetura e Urbanismo. Com esses estudos, pude agregar conhecimentos
artísticos à minha formação jornalística, necessários para refletir acerca do processo de análise
da arte, identificar e qualificar textos críticos e até construí-los com base argumentativa
sólida.
Assim, é importante que o jornalista saiba como funciona a estrutura da crítica/resenha
e como tem sido o processo de discussão da arte nos veículos jornalísticos. Também é
fundamental saber a quem esse tipo de texto se destina, bem como analisar a situação dele
hoje e em que contexto está inserido.
O trabalho está dividido da seguinte forma:
1) A crítica de arte como gênero jornalístico: Primeiramente, serão dadas as
definições do que é crítica, do que é arte e do que seria a crítica de arte. Em seguida, serão
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mostrados como esse gênero começou no jornalismo brasileiro e quais as diferenças desse
tipo de texto frente à crítica acadêmica e ensaística.
2) A construção da crítica jornalística: Aqui entra a discussão do cenário no qual
ocorre o debate das artes nos veículos de comunicação e a produção dos textos críticos. São
abordadas as diferenças entre crítica e resenha; a presença da crítica em outros gêneros; os
problemas da redução do espaço e falta de profundidade nos textos; a questão da agenda e da
publicidade; e a importância da imprensa assumir seu papel na cobertura das artes.
3) A análise crítica na grande imprensa e na imprensa especializada: Após discutir
as definições de crítica de arte, o contexto no qual ela está inserida e as possíveis associações
a outros gêneros, procedeu-se à análise de textos de jornais e revistas. A estrutura, a presença
de argumentos, a conclusão de um pensamento, ou apenas a chamada para uma exposição que
serviu de gancho (agenda) são contempladas, entre outros aspectos.
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1. A CRÍTICA DE ARTE COMO GÊNERO JORNALÍSTICO
Para compreender os mecanismos e a estrutura da crítica e como ela se apresenta em
um veículo de comunicação, é preciso observar como se estrutura o jornalismo, em seus
gêneros e funções. O jornalismo é dividido em duas categorias, informativa e opinativa, e é
preciso entender essa divisão antes de se falar em gêneros, tendo em vista que eles são
subdivisões pertencentes a cada uma dessas categorias.
Sobre essa divisão em duas categorias, Melo afirma que “o reconhecimento da
existência de duas categorias fundamentais no jornalismo obtém o consenso dos profissionais
e estudiosos da área, independentemente das concepções ideológicas que assumem ou do
modo de produção econômica que caracteriza a sociedade respectiva” (2003, p.26).1
As categorias informativa e opinativa coexistem no jornalismo atual. O jornalismo é
antes de tudo informação – de fatos atuais e acontecimentos de interesse público –, mas
requer interpretação, orientação e direção (BELTRÃO apud MELO, 2003, p. 26). Segundo
Benitez (apud MELO, 2003), “o jornalismo não é somente a transmissão ou comunicação de
notícias ou informações da atualidade. É também comunicação de ideias, opiniões, juízos
críticos.”
É possível afirmar que o jornalismo começou opinativo e somente depois, com o
processo industrial, passou a apresentar o conceito de informativo, com a necessidade de
notícias e toda a estrutura que vemos hoje. Como propõe Melo (2003), a crítica é um gênero
jornalístico opinativo, pressupondo autoria definida e explicitada, pois este seria o indicador
que orienta a sintonização do receptor. E a opinião traria uma carga ideológica, ou seja, a
crítica levaria ao leitor o julgamento de quem a escreve. “O jornalismo articula-se, portanto,
em função de dois núcleos de interesse: a informação (saber o que passa) e a opinião (saber o
que se pensa sobre o que se passa)” (MELO, 2003, p.63).
Essa divisão em função de dois núcleos leva os veículos de comunicação a estabelecer
fronteiras entre a descrição e a avaliação do fato, uma vez que o leitor dispõe de mecanismos
para captar o sentido que orienta a ordenação das mensagens jornalísticas (Melo, 2003). Daí
1 Há autores que consideram ainda, uma terceira categoria, a do jornalismo interpretativo, e até uma quarta, a do
jornalismo diversional. O jornalismo interpretativo seria “o esforço de determinar o sentido de um fato, através
da rede de forças que atuam nele - e não a atitude de valoração desse fato ou de seu sentido, como se faz em
jornalismo opinativo” (MEDINA E LEANDRO, 1973, apud MELO, 2003, p.31). Quanto ao diversional, trata-se
de uma categoria ainda muito controversa, frequentemente confundida com a do jornalismo interpretativo, ou
associada às seções de lazer, como tirinhas ou cruzadas, além de não ser ainda uma categoria reconhecida
academicamente (MELO, 2003).
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vem a necessidade de os veículos criarem seções, cadernos e suplementos, dividindo a
publicação não só por assunto, mas também por gênero.
A origem etimológica da palavra crítica e seu significado denotativo já sinalizam sua
função. “Crítica” origina-se dos termos gregos kritérion e kríno, que significam separar,
discernir, julgar; e também tem raiz no termo krimien, que pode significar ao mesmo tempo
crise e processo de purificação. Justino (2005) define crítica como “atividade humana voltada
para os julgamentos, em particular, os julgamentos de apreciação (juízo de valor) da obra de
arte”.
A crítica constitui um discurso, uma estrutura. É um tipo de texto que analisa, aprecia
e julga outro texto. Trata-se, portanto, de um discurso que analisa outro. A crítica de arte,
especificamente, é um texto que procura dar sentido a um objeto carregado de sentidos
intrínsecos. Segundo Roland Barthes:
O objeto da crítica é muito diferente; não é “o mundo”, é um discurso, o discurso de
um outro: a crítica é discurso sobre um discurso; é uma linguagem segunda ou
metalinguagem (como diriam os lógicos), que se exerce sobre uma linguagem
primeira (ou linguagem-objeto). Daí decorre que a atividade crítica deve contar com
duas espécies de relações: a relação da linguagem crítica com a linguagem do autor
observado e a relação dessa linguagem-objeto com o mundo. (BARTHES, 2007,
p. 160)
A crítica, portanto, caracteriza-se como um texto opinativo, de autoria necessariamente
definida, e argumentativo. O crítico de arte Clement Greenberg estrutura seu pensamento
crítico em três categorias de argumentos para persuadir e comprovar o raciocínio. Uma das
categorias assume a forma de afirmações universais referentes à psicologia dos juízos
estéticos e à natureza do gosto. A segunda são hipóteses sobre a natureza da continuidade nas
tradições artísticas modernas, afirmando que o artista, para inovar, deve conhecer muito bem
a arte vigente, o objeto que deseja transformar. Os argumentos de uma terceira categoria
seriam os juízos de valor referentes a obras recentes e atuais (GREENBERG, 2002, p.16).
É interessante considerar, ainda, a definição dada por Coutinho sobre a crítica
jornalística em meados do século XX:
“Crítica é aquela atividade que se exerce de maneira sistemática e militante nos
folhetins e rodapés de jornais, semanalmente, na maioria dos casos. Não interessa o
conteúdo. (...) No comum, ela consiste em um longo artigo, em que um livro ou um
autor servem de pretexto para divagações mais ou menos pessoais do 'crítico', a
propósito ou à margem do assunto tratado. Será possível, analisando-se os exemplos
mais típicos, reduzir a técnica a uma fórmula ou nariz-de-cera que se ajusta, mais ou
menos, com algumas variantes, à maioria dos casos". (COUTINHO, 1975, p.59-60
apud JANUÁRIO, 2006)
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Entretanto, a questão do julgamento exercido pelo crítico requer cuidados. Até que
ponto a classificação “opinativo” permite que o texto seja carregado de juízos de valor
arbitrários e ideologias? Osório atenta para esta questão:
Obviamente, para se arrojar na escrita de um texto crítico há que se assumir um
mínimo de autoridade (favor não confundir autoridade e autoritarismo). Deve-se
estar a par do ambiente artístico, da história da arte, ter fluência diante de uma dada
tradição e de um conjunto de “saberes relacionais”. Acima de tudo, deve-se estar
disponível frente às exigências das obras, estar familiarizado com um tipo de
experiência proposta pela linguagem a ser traduzida, ou melhor, deslocada pelo
ajuizamento e escrita da crítica. (OSÓRIO, 2005, p.17)
Definir o que é arte é importante para que se compreenda melhor a natureza da crítica
cultural. A palavra arte vem do latim “ars”, que significa técnica ou habilidade. Para Araújo
(2011), geralmente podemos definir como arte toda manifestação humana de ordem estética,
entendendo por isso a necessidade de ordenar os objetos e ações dentro de um conceito de
plasticidade (daquilo que nos parece belo, organizado e funcional, mesmo que para os olhos
dos outros não o pareça).
Passeti (2008 p. 255) considera que, além da emoção da experiência estética, a arte é
um produto intelectual e fonte de conhecimento, além de criadora de sentidos. “A emoção
estética é produzida pela promoção de um objeto não significativo a um papel de significação,
conduzindo ao estado de significante algo que antes não existia dessa forma”.
Greenberg (1999 p.40) diz que “a arte significa simplesmente – mas não tão
simplesmente assim – uma mudança de atitude perante sua própria consciência e seus
objetos”.
Mário Pedrosa (1996 p. 46) argumenta que o sentido da arte é ser, acima de tudo,
sensação, ou seja, ele aceita a expressão como sentido para a arte, sob qualquer forma que
seja. “A arte, para ser arte, é de início uma questão de emoção e sensação, ou, na forma
lacônica de Braque, ‘sensação e revelação’”.
A arte, então, constitui uma linguagem criadora e transformadora de sentidos por meio
da expressão, da emoção, da vivência estética e que ultrapassa a dimensão do gosto
(OSÓRIO, 2008)
Contudo, a definição de arte é variável, conforme os teóricos e as linhas de
pensamento. Araújo (2011) afirma que a arte se manifesta na cultura como um objeto que a
reflete, e esta cultura é que elege o objeto como arte. Os critérios que definem os objetos
artísticos passariam pela história, pela cultura e por nossa percepção subjetiva e objetiva.
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A maneira de se fazer crítica também muda em função do conceito que se tem de arte,
ou seja, varia de acordo com a época.
Entre a posição de Van Gogh (“Os quadros têm uma vida própria, que provém
inteiramente da alma do pintor”), a de Klee (“O artista é meramente um canal”), a de
Gombrich (“Uma coisa que realmente não existe é aquilo a que se dá o nome de arte.
Existem somente artistas”), a de Formaggio (“Arte é tudo aquilo que os homens
chamam arte”) e o radicalismo de Kaprow (“Artistas do mundo, caiam fora! Nada
têm a perder, senão suas profissões”), sobra espaço para o árduo trabalho da crítica.
A presença do crítico continua essencial no seu papel principal: fazer análise de
linguagem (da obra, do processo ou da ação). (JUSTINO, 2005, p. 32)
Dadas algumas definições de crítica e de arte, há ainda uma questão indispensável a
ser observada. Os textos críticos podem ser de natureza acadêmica/ensaística, ou jornalística.
Os primeiros, de linguagem erudita ou demasiadamente técnica, são oriundos da academia e
mais voltados a um público restrito; os segundos, mais adequados às necessidades do
jornalismo, implicam maior agilidade do texto, dispensam grandes divagações, e têm um
objetivo mais imediato. (OSÓRIO, 2008)
A problemática dessa diferença de linguagem colabora para o conflito entre
superficialidade e excesso de densidade nos textos culturais e críticos. Piza (2003) aborda o
tema, dizendo que “os cadernos diários estão cada vez mais e mais superficiais”. De acordo
com o autor, são textos focados em celebridades ou eventos, ou ainda “reportagens” em que o
jornalista permite que as explicações entre aspas do artista dominem a matéria, como nos
press-releases. Os cadernos semanais ficam presos às resenhas e trazem textos carregados de
tecnicismo e falta de clareza. Para tentar melhorar essa questão, Piza propõe que se dê a esses
temas culturais um tratamento menos pomposo e insosso, e que sejam abordadas outras faixas
do repertório cultural, incluindo até questões de interesse mais popular.
A crítica jornalística, portanto, precisa equilibrar ou adaptar a linguagem mais
rebuscada dos ensaios acadêmicos com a fluidez exigida pelos veículos de comunicação de
massa. “Mas o que se deve exigir de um bom texto crítico? Primeiro, todas as características
de um bom texto jornalístico: clareza, coerência, agilidade” (PIZA, 2003, p.70). O jornalista
que atua como crítico cultural ou de arte não precisa ser um acadêmico, tampouco seu texto
deve ser feito nos moldes científicos, ou ser rebuscado. Entretanto, para formar o leitor, como
propõe Piza (2003), e fazê-lo pensar em coisas que não havia imaginado, ver ângulos
diferentes sobre um tema e não se ater apenas a passar informações (não deixando, contudo,
de passá-las), o crítico deve ter ampla formação cultural, conhecendo bem não apenas o setor
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que cobre, mas também outros. Ele deve conhecer a história das artes, o tema a que as obras
se referem2, e acompanhar a imprensa e críticas nacionais e internacionais.
É fundamental o conhecimento das fontes, a pesquisa, a comparação dos contextos,
para se constituir um fazer crítico, não baseada apenas na impressão ou no
“achismo”. O que também é uma forma de se evitar a crítica prescritiva: o filme é
bom ou é ruim; o livro é bom ou é ruim. Ou a elaboração de listas: dos melhores,
dos mais vendidos. (PIRES p.30)
Autores como Melo (2003), Coutinho (1975) e Coelho (2007), apontam para
mudanças na estrutura da crítica ao longo das últimas décadas e para a redução do espaço para
este texto nos veículos de jornalismo.
Melo (2003) sugere que o jornalista faz, na realidade, resenhas e não críticas. Para ele,
essas duas nomenclaturas se confundem no jornalismo brasileiro, onde o mesmo texto possui
classificações distintas. Coutinho (apud JANUÁRIO, 2006), entende que com o processo de
transformação nos jornais e o predomínio da técnica jornalística informativa, a crítica nos
moldes antigos – científica/erudita – não encontrou mais espaço nos jornais, refugiando-se em
“órgãos especiais”. O que resta para o jornalismo contemporâneo, então? Essa questão será
abordada adiante.
2 Um exemplo citado por Piza é o da necessidade de compreensão sobre o que foi a Guerra do Vietnã, na análise
de filmes que apresentem esse tema.
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2. A CONSTRUÇÃO DA CRÍTICA DE ARTE JORNALÍSTICA
2.1 A crítica no jornalismo cultural
A crítica de arte pertence ao segmento do jornalismo cultural. Normalmente, quem a
faz é, antes de mais nada, um jornalista especializado. Sobre o conceito de jornalismo
cultural, Teixeira Coelho (2007) considera que no Brasil, comumente, se entende por
jornalista cultural o responsável por caderno, ou coluna de serviços segmentados, ou o
repórter do setor. Essa definição, contudo, deixa de lado o sentido crítico do jornalista
cultural, ou seja, daquele que é capaz de contextualizar um fato histórica e criticamente no
campo que está sendo tratado, por ser um especialista na abordagem do assunto. Para Coelho
(2007, p.24), “o jornalista deve ser crítico, ou então será um mero escrevinhador do serviço
cultural”.
Não basta ao jornalista cultural, então, ater-se ao ato de noticiar. Cabe, também, a
crítica. E crítica necessita de opinião, avaliação e, como já foi dito, argumentação. Pires
(2007) afirma que os jornalistas são, ou pelo menos deveriam ser, profissionais especializados
em tradução das relações entre domínios – a promoção de trânsito crítico entre público e obra,
e não apenas quem agenda ou pauta as obras em lançamento. Ele deve contextualizar,
provocar discussões e interpretar a produção cultural seguindo determinada lógica.
O jornalista cultural precisa seguir um quadro de valores definido, que possa orientá-lo
a respeito do que está fazendo e onde quer chegar com sua argumentação, sua crítica. Coelho
considera que:
A questão dos valores em cultura está ligada à da ideologia. Seria preciso notar que
desde o final da ditadura, no Brasil, o panorama cultural mudou muito e aquilo que
hoje são valores em cultura escapam largamente da visão ideológica mais estreita,
que vigorou há 20 ou 40 anos, isto é, no fim e no início da ditadura. Surge agora a
necessidade que o jornalista cultural tem de elaborar por si mesmo e para si mesmo
uma lista de valores que possam orientá-lo no trato da questão cultual
contemporânea (2007, p.25)
É a partir de seu quadro de referências que o jornalista, principalmente aquele que
exerce o papel de crítico de obras artísticas, vai se habilitar a julgar. A formação do gosto se
dá na circulação do espaço público, que é onde se produzem os juízos. Estar disposto a
discutir a “experiência aporética da beleza” (Osório, 2008) proporciona a possibilidade de
uma comunidade com diferentes visões da realidade buscar acordos possíveis, deixando de
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lado o conformismo com a relatividade do gosto e apostando que cada juízo põe em xeque
uma maneira de ser e aparecer no mundo.
É preciso que o jornalista cultural não fique preso aos valores habituais. Ele deve se
sintonizar com as tendências atuais, com o comportamento das pessoas na vida cotidiana.
Aquele que pretende escrever textos que tratem de cultura e arte deve pensar no outro lado
das questões, no que ainda está obscuro em um assunto, ou seja, verificar o lado oposto ao do
hábito cultural. Conforme Coelho (2007): “A cultura pode ser feita de hábitos culturais. O
jornalismo cultural, não”. A crítica tem o papel de abrir outras possibilidades de ressonância,
deslocando e disseminando formas de sentido a serem negociadas com o público e as obras
(Osório, 2008).
Há dois pontos importantes para a formação do gosto e a emissão de juízos, que são a
formação acadêmica e o estudo sobre os assuntos da especialidade do jornalista. Coelho
(2007) atenta para a necessidade do exercício amplo do potencial criativo, algo que as
universidades não conseguem prover. Se o indivíduo não for capaz de encontrar sua voz
pessoal, não será um jornalista cultural no sentido crítico da palavra, ou seja, alguém capaz de
contextualizar um fato cultural numa perspectiva histórica e crítica. Ele deverá ser especialista
no assunto a ser tratado e, principalmente, no modo de abordar o assunto.
Szantó (2007) lembra que muitos jornalistas culturais têm de cobrir diversas áreas das
artes e necessitam de conhecimentos profundos sobre as que estão cobrindo. Muitos
jornalistas de cultura jamais estudaram as técnicas da arte que cobrem, e isso é um problema.
Como pode um crítico de dança, por exemplo, não conhecer as técnicas da dança clássica, ou
contemporânea? Como um crítico de artes visuais pode não ter conhecimento técnico sobre
estética? E assim por diante. Além disso, os jornalistas precisam pensar em seu campo não
apenas em termos abstratos, mas que compreendam as artes como uma grande estrutura. “É
realmente importante cobrir as artes não apenas a partir da estética, mas também como um
sistema sociológico, econômico e político” (SZANTÓ, 2007, p.37).
Ainda de acordo com Szantó (2007), o jornalismo cultural é uma especialidade de
baixo prestígio nas redações, porque as artes não despertam grande interesse das empresas de
comunicação. Isso gera a diminuição do espaço para a crítica cultural. “É muito clara e
precisa a diminuição do espaço para reflexão sobre a cultura. De maneira geral, há uma
presunção tola dos meios de comunicação no Brasil, a de que o brasileiro não se interessa por
esses assuntos, de que não há tempo para leitura e que, portanto, deve-se reduzir os textos”
(COELHO, 2007, p. 27). Osório (2008) também chama a atenção para a crise da crítica
jornalística atual. que leva à diminuição do espaço e da profundidade dos textos.
17
Contudo, autores como Szantó (2007) e Stycer (2007) apontam principalmente a falta
de consistência dos textos, do conteúdo crítico-jornalístico. Szantó (2007) relata a realidade
atual do jornalismo cultural norte-americano, mas que parece bastante pertinente ao Brasil:
Vivemos o melhor e o pior dos momentos no jornalismo de artes americano. Por um
lado, parece que temos um insaciável interesse público pela arte popular, em
especial pela cultura pop. Por outro, existe um relacionamento complicado e
desconfiado em relação à arte exigente e desafiadora. Por um lado, quando se trata
de publicações especializadas em arte (...) temos uma sofisticação tremenda. Por
outro lado, quando se trata de publicações mais gerais (...) enfrentamos problemas
graves e sistêmicos (...). (SZANTÓ, 2007, p.39)
O modelo tradicional de jornalimo cultural, no qual os editores selecionam e publicam
aquilo que acham relevante e os críticos orientam o leitor sobre os motivos da importância de
um determinado evento, ou obra, está sendo suplantado pela ideia de que os jornalistas ou
críticos não mais possuem o conhecimento, nem os leitores são seus beneficiários. Szantó
(2007) explica que emerge um modelo no qual a decisão de onde ir e por que ir cabe ao leitor,
e o papel dos veículos se resume a informá-lo sobre as opções, como nas listas de
programação e nas colunas que detalham exposições. O público recebe menos resenhas-
críticas, sob a presunção de que a crítica está com o leitor. Essa mudança não seria devido à
pressões externas, mas por causa da mudança na tradicional seletividade crítica editorial, que
tem caminhado na direção de um serviço mecânico, automático.
Stycer (2007) enxerga seis principais problemas no jornalismo cultural, atualmente. O
primeiro se refere a algo visto em princípio como positivo por alguns jornalistas e autores,
que é o excesso de espaço. “Não conheço no mundo nenhuma imprensa que dê tanto espaço
para o jornalismo dito cultural quanto a imprensa brasileira. Nenhum dos jornais que conheço
com algum hábito de leitura (...) dedicam à cultura um caderno diário de dez, 12 páginas”
(STYCER, 2007, p.72).
Isso levaria a um segundo problema, que é o excesso de oferta na área cultural. Uma
infinidade de produtos, como livros e CDs, é enviada aos jornalistas toda semana,
concorrendo com tantas outras peças, filmes e exposições. “É uma dificuldade e uma tarefa
enorme para o jornalista cultural lidar com esse volume de informação e selecioná-lo”
(STYCER, 2007, p. 73).
Em terceiro lugar, viria a contaminação do jornalismo pela publicidade. Stycer (2007)
chama a atenção para dois exemplos: as capas da revista Época quando houve o lançamento
do filme Harry Potter, no Brasil, e na ocasião do filme Matrix 2. A Época trouxe como
manchetes “A magia vai começar” e “O novo Matrix”. Foram capas sem a menor informação
18
jornalística, típicas de uma mensagem publicitária. A função do jornalismo cultural é ir bem
além disso.
A falta de cobertura, ou conhecimento, das leis de incentivo cultural e patrocínio
compõe o quarto problema. A produção cultural é feita com apoio de leis e renúncias fiscais.
Portanto, para compreender a produção cultural brasileira de agora, faz-se necessário o
entendimento da legislação e sua influência nas obras.
Um quinto problema é o jornalismo de celebridades. “Hoje, a vida é mais importante
que a obra. E isso é dramático. Não dá para discutir cultura se a vida do artista é mais
importante do que a obra que ele produziu” (STYCER, 2007 P.73).
Complementando esse último ponto, vem o sexto problema reconhecido por Stycer
(2007): a influência das assessorias nas pautas do jornalismo cultural. O autor cita um caso
ocorrido em 2004, quando ele e uma colega repórter quiseram reunir dois artistas, de linhas
distintas, que estavam expondo em São Paulo na mesma época, para debater arte. Feito o
contato por meio das assessorias de imprensa, como de hábito, uma delas respondeu aos
jornalistas:
“Antes mesmo de ligar para o Nelson Leirner [artista] discutimos aqui na galeria a
respeito da proposta de entrevista conjunta com Leiner e Gerchman. Acreditamos
que a linha de trabalho dos dois artistas (...) hoje estão com linhas diferentes,
seguiram trajetórias distintas. (...) não acreditamos que fosse o ideal a entrevista dos
dois juntos. Se fosse possível, gostaria de pedir a vocês que repensassem a ideia
considerando essa colocação nossa e depois falaríamos com o Leiner, pode ser?”
(STYCER, 2007, p. 74).,
Diante desses problemas, Stycer (2007) propõe algumas soluções. O jornalista deve
conseguir articular idéias, e compreender a lógica desse mar de eventos, o que liga uma
estréia a outra, um produto a outro – o que há por trás de modismos e tendências. Tem de
enfrentar assuntos ligados a legislação e leis culturais. “O jornalismo não pode deixar de
discutir profundamente temas como as leis de incentivo, impostos que deixam de ser
recolhidos para serem aplicados em cultura” (STYCER, 2007, p. 75). Descobrir os assuntos
fora da agenda seria, assim, fundamental:
Temos de perguntar: até que ponto a imprensa é um simples mecanismo de relações
públicas para o negócio das artes? (...) O trabalho da imprensa não é o de
simplesmente difundir a mensagem de uma organização cultual. Para isso pode-se
contratar um relações-públicas. O papel da imprensa é algo diferente. (SZANTÓ, p.
39).
Tudo isso é extremamente importante para se discutir a crítica jornalística de arte.
Como entender e avaliar obras, espetáculos e produtos culturais sem compreender o contexto
19
mais amplo no qual a crítica está inserida e os dilemas do jornalismo cultural? Tampouco é
possível solucionar seus problemas sem antes refletir sobre a melhoria do jornalismo cultural.
“Apenas uma distinção deveria ser relevante sobre o jornalismo cultural: é inteligente? Pode-
se escrever sobre ópera e ser estúpido. Pode-se escrever sobre hip hop e ser brilhante. O
jornalismo deve considerar seus assuntos com extrema seriedade e comunicar essa
importância numa linguagem que seja atraente aos leitores” (SZANTÓ, 2007, p.43).
2.2 Crítica x Resenha
Há um conflito entre crítica e resenha. Para autores como Melo (2003), trata-se de dois
tipos de textos distintos. A crítica, mais analítica, profunda e refugiada, atualmente, nos meios
acadêmicos. A resenha seria a apreciação ligeira dos lançamentos do mercado, textos voltados
para orientar o público consumidor, uma tradução da palavra norte-americana “review”.
Por outro lado, autores também afirmam que o jornal não é um espaço para ensaios
críticos, mas ainda assim podem-se fazer textos críticos para esses veículos – nesse caso,
“resenhas críticas” (Szantó, 2007) ou “boas resenhas” (Piza, 2003). Aceita-se que o jornal é
um espaço em crise, diante da especialidade requerida pelos jogos de linguagem da arte
contemporânea, e que é preciso adaptar os textos de crítica. “É fundamental, por um lado,
abrir novos espaços de reflexão, por outro, experimentar uma escrita mais ligeira, mas não por
isto banal, que crie novas interlocuções com o público anônimo e plural que ainda não
substituiu o jornal” (OSÓRIO, 2005, p.13).
A transformação do jornalismo em produto, em consequência da urbanização e da
industrialização, trouxe a necessidade de uma linguagem mais leve, de rápida compreensão.
No entanto, a crítica, por natureza, deve ser um texto analítico que leve o leitor à reflexão e
auxilie na compreensão da obra criticada.
Conforme Sodré (1999, p. 292), “os homens de letras buscavam encontrar no jornal o
que não encontravam no livro: notoriedade, em primeiro lugar; um pouco de dinheiro, se
possível”. A dificuldade de conseguir reconhecimento público levou e ainda leva acadêmicos
e artistas ao jornalismo. Entretanto, já vimos que a presença da crítica no jornal requer um
texto que preze pelo princípio de fluidez e objetividade dos textos jornalísticos sem, todavia,
deixar de lado as bases argumentativas e os conhecimentos necessários da obra criticada e de
seu contexto histórico-social.
20
Melo (2003, p.130, 131) acredita que o que se pratica hoje no jornalismo cultural
brasileiro é, em maior escala, a resenha e não a crítica. O autor afirma que há diferença entre
as duas, sendo a resenha ”uma atividade mais simplificada, culturalmente despojada,
adquirindo um nítido contorno conjuntural”.
No Brasil, convencionou-se chamar todo tipo de texto que se refere a um produto
cultural de crítica, confundindo-se assim a natureza da crítica e da resenha.
O gênero jornalístico que se convencionou chamar de resenha corresponde a uma
apreciação das obras de arte ou dos produtos culturas, com a finalidade de orientar a
ação dos fruidores ou consumidores. Na verdade o termo resenha ainda não se
generalizou no Brasil, persistindo o emprego das palavras crítica para significar as
unidades jornalísticas que cumprem aquelas função e crítico para designar quem as
elabora. (MELO, 2003, p. 129)
Como explica Melo (2003), o jornalismo brasileiro teve uma fase amadorística, na
qual os espaços dos jornais e revistas eram destinados aos intelectuais para o exercício da
análise estética no campo da literatura, música e artes plásticas. Depois passou para uma fase
mais profissional, momento em que a valoração dos produtos culturais passou a ser feita
regularmente e de modo remunerado, adquirindo um caráter popular. A crítica então,
principalmente a de arte, passou a olhar mais para os produtos de massa, com a função de
“orientar o público na escolha dos produtos culturais em circulação no mercado” (MELO,
2003, p. 132). Ela não teria a intenção de fazer julgamento estético, mas de fazer uma
apreciação ligeira, sem entrar na essência do bem cultural
Sendo assim, o leitor consome um texto convencionalmente chamado de crítica, que,
no entanto, diverge do verdadeiro sentido crítico, podendo ser uma mera resenha maquiada
por termos impressionistas. Para a construção de uma crítica são necessários elementos
argumentativos, não basta a emissão da opinião de quem escreve a respeito da obra ou uma
mera descrição apreciativa.
Contextualizar uma obra de arte exige conhecimento e deve ser uma das primeiras
tarefas a serem realizadas numa reflexão crítica. Muitas questões devem vir à tona:
Qual o contexto histórico e sociocultural dessa obra? Que influências apresenta?
Onde essa obra se insere na contemporaneidade? Qual o contexto criativo? Qual a
formação do criador? O que ele diz sobre sua obra? O que se diz sobre obras
anteriores? Quais são as suas molduras filosóficas explícitas e implícitas? Uma
infinidade de perguntas pode ser feita a partir da contextualização e assim dá-se
“chão” à análise. (RODRIGUES SILVA, 2010, p.59)
Sobre a distinção entre crítica e resenha no jornalismo, Aguirre (2008), considera que
a crítica é avessa à produção de massa, contexto no qual, segundo a autora, o jornalismo está
21
inserido. Nesse sentido, a resenha é uma análise dos produtos da indústria cultural para
atender o público de massa, admitindo assim critérios de análises mais flexíveis.
A resenha funciona melhor como prática de análise, inclusive porque orienta o
consumo dos produtos de massa, como filmes e CDs. A crítica não está preocupada
com o consumo, mas com a fruição da obra. O consumo implica apropriação, e a
orientação evita o desperdício. A crítica também tende a falar para seus pares, um
público específico e dono de um repertório bibliográfico considerável. Já a resenha
tende a dirigir-se ao público anônimo da massa e deve fazer-se entender por ele, pois
trata-se de comunicação. E o objeto de análise, sobre o qual a crítica debruça-se,
pertence ao universo da classe erudita, tem aquele "hic et nunc" de que nos fala
Walter Benjamin, e que falta à cultura de reprodução da massa. (AGUIRRE, 2008,
p.01)
Daniel Piza (2003) parece admitir a inserção da crítica no texto de resenha, chamando-
a de “boa resenha”, o que torna o conteúdo e a estrutura textual mais importantes do que a
nomenclatura em si. Piza divide a resenha em tipos diferentes:
- Resenhas “impressionistas”, em que o autor descreve suas impressões imediatas a respeito
da obra e despeja uma grande carga de adjetivos.
- Resenhas “estruturalistas”, que analisam os aspectos estruturais da obra, preocupadas com a
linguagem e com a história do objeto avaliado. São resenhas menos objetivas, que se
preocupam mais com as referências do que com o porquê de o leitor ter acesso àquela obra.
- Resenhas que falam mais da importância do autor, sua personalidade e modos, do que da
obra e sua contribuição artística e intelectual no conjunto. Esse modo de fazer resenha,
segundo Piza, é muito comum no jornalismo brasileiro e aborda temas da moda, sem
necessariamente prezar pela qualidade deles.
- Há ainda, resenhas de “pegada sociológica”, que discutem mais o tema levantado pela obra
do que a obra em si. Valorizam mais a maneira como o tema foi interpretado política e
historicamente do que o valor estético e a estrutura da obra.
A sugestão do autor é que uma “boa resenha” busque a combinação dos elementos
sinceridade, objetividade e preocupação com o tema e autor. “E devem ser em si uma ‘peça
cultural’, um texto que traga novidade e reflexão para o leitor, que seja prazeroso ler por sua
argúcia, humor e/ou beleza” (PIZA, 2003, p.72).
Bond (apud MELO, 2003) aponta quatro modalidades de resenha: clássica, relatorial,
panorâmica e impressionista. A primeira considera com sensatez a nova obra de arte, fazendo
relações com padrões estéticos tradicionais. A relatorial e a panorâmica seriam muito
semelhantes, sendo uma essencialmente descritiva, listando elementos da obra e de uma
opinião mais implícita; e a outra, adotando uma perspectiva histórica que relaciona a obra a
22
outras pertencentes à mesma escola estética. A crítica impressionista – observa-se que o autor
usa tanto a palavra crítica como resenha em suas considerações, como se fossem a mesma
coisa – considera principalmente o efeito que a obra causa no ser humano. Entretanto, Melo
(2003) questiona Bond, por acreditar que só existem dois métodos: o da apreciação histórica,
portanto clássica, segundo a classificação de Bond, e o da apreciação conjuntural, ou seja,
impressionista. As demais seriam apenas processos de exposição dos elementos, que podem
ser de forma restrita (relatorial) ou ampla (interpretativa).
Quanto à estrutura textual, Afrânio Coutinho indica uma crítica tipicamente brasileira,
com a seguinte sequência: a) um nariz de cera introdutório acerca do assunto da obra; b)
comentários sobre o autor e produções anteriores; c) digressões e comentários de humor; e d)
conclusão com um juízo de acordo com os critérios do crítico. (COUTINHO apud MELO,
2003, p. 135).
Coutinho acredita que a crítica é exercida no Brasil por pessoas sem qualificação, não
sendo feita de modo sério, predominando o achismo e não passando de “conversa fiada”.
Surge então a pergunta: quem deve ser crítico no jornalismo? Quem deve fazer as resenhas de
espetáculos e produtos culturais? Segundo Melo (2003), no jornalismo europeu e norte-
americano, as resenhas são produzidas por intelectuais “que combinam a argúcia jornalística
com o conhecimento do setor cultural que criticam”.
Os críticos são, portanto, pessoas medianas que, nem se caracterizam como
ignorantes da área analisada, nem tampouco vivem numa torre de marfim,
desconhecendo a sensibilidade do público e procurando entender as produções
apreciadas num contexto mais amplo. São jornalistas que procuram explicar,
esclarecer, orientar o público no contato com as produções de um segmento da
indústria cultural. (MELO, 2003, p. 137).
O perfil popular de crítico que mais se aplica aos jornalistas brasileiros é o estereótipo
de profissionais que improvisaram e se converteram em juízes, ou artistas frustrados que
buscaram os meios de comunicação para criticar com veemência os que obtiveram sucesso na
produção cultural (MELO, 2003). São imagens caricatas dos críticos que ainda estão em voga.
“A figura social da crítica é acima de tudo a de uma fala pernóstica e ressentida” (OSÓRIO,
2005, p. 15).
Para corrigir essa visão que se tem do crítico e evitar que a crítica seja um texto
reduzido e superado, Osório (2005) propõe:
(...) uma escrita que se perceba criativamente, menos com preocupada com o intuito
de representar o sentido da obra analisada, portanto de ser uma escrita sobre a obra,
para se assumir de modo mais exploratório, participando do processo aberto de
criação de sentido, sendo assim uma escrita com as obras. (OSÓRIO, 2005, p.17)
23
Paulo Francis (1980) declarou que no Brasil é difícil haver “boas resenhas” (em
contrapartida ao termo usado por Piza mais acima). Elas seriam palpites de marketing que
pouco interessam aos artistas, a não ser que influenciem na venda do produto. Os veículos
pagam mal aos resenhadores. Logo, se alguém assina um texto sobre uma obra, é porque teria
algum interesse no produto. Mas o bom leitor sabe distinguir perfeitamente esse interesse.
(FRANCIS apud MELO, 2003).
2.3 A presença da crítica em outros gêneros
Se criticar é emitir juízos, podemos encontrar o ato da crítica em gêneros que não são
admitidos ou rotulados de crítica pelos veículos de comunicação. Opinar pressupõe a emissão
de juízos individuais, e Osório (2005, p. 45) acredita que “julgar é a capacidade propriamente
humana de viver a diferença no meio do comum, em que a multiplicidade de sentidos pode
gerar um mundo compartilhável sem se perder na relativização do cada um com seu sentido”.
O juízo não é necessário para confirmar o que já se sabe, mas sim para potencializar o
desconhecido, procurando sentidos no que está em construção (OSÓRIO, 2005).
O gênero “artigo”, por exemplo, frequentemente se confunde, ou melhor, se mistura
com a crítica. Por um lado, o senso popular chama de artigo qualquer texto publicado em
jornal. Por outro, é a significação peculiar ao jornalismo, que define artigo como um gênero
específico, uma matéria onde alguém (jornalista ou não) desenvolve uma ideia e apresenta
uma opinião, assinando seu texto e diferenciando-o do editorial ou dos juízos institucionais
(MELO, 2003).
Vale lembrar a definição de Coutinho (apud JANUÁRIO, 2006) para a crítica
jornalística, já mencionada nesse trabalho, que relaciona os conceitos de crítica e artigo,
afirmando que crítica é a atividade que se exerce nos folhetins e rodapés de jornais,
consistindo em um longo artigo em que uma obra serve de pretexto para as divagações mais
ou menos pessoais do crítico.
Vivaldi (apud MELO, 2003) vê dois elementos específicos ao artigo jornalístico: a)
atualidade – o articulista escreve com liberdade de conteúdo, mas atendo-se a um fato ou ideia
da atualidade, em harmonia com o espírito do jornal; e b) opinião – ponto de vista de quem
expõe, não podendo ser dissimulada. O texto é assinado e o leitor o procura justamente para
saber o que aquele articulista pensa sobre um assunto. Melo considera, ainda, o chamado
artigo doutrinário, “analisando uma questão da atualidade e sugerindo ao público uma
determinada maneira de vê-la ou de julgá-la” (2003, p. 124). Beltrão (apud MELO, 2003) lista
24
os seguintes elementos estruturais para o artigo: a) títulos; b) introdução; c)
discussão/argumentação; e d) conclusão. Há muita semelhança na estrutura com as já
sugeridas estruturas da crítica/resenha. Uma das grandes diferenças pode ser o foco: a crítica
ou a resenha jornalísticas tem como foco um produto ou evento (livro, CDs, concertos),
enquanto o artigo analisa um assunto, um comportamento.
Essa inexatidão entre textos de crítica, mesclados a outros como os artigos, não é
nova. Conforme Gonçalves (2012), o texto publicado em 1917 por Monteiro Lobato no jornal
O Estado de S. Paulo – mais especificamente, no suplemento Estadinho – a respeito da
exposição da pintora Anita Malfati, é uma conhecida crítica negativa ao nascente modernismo
brasileiro. Foi publicado, porém, em uma coletânea de artigos chamada As ideias de Jeca
Tatu, dois anos mais tarde, com o título de “Paranóia ou mistificação”
O título original do texto publicado no Estadão era “A propósito da exposição
Malfati”. Lobato utilizou-se de estratégias retóricas para atacar o modernismo e as obras da
pintora, evitando dirigir-se à autora em si. Foi mais uma questão estética do que pessoal e,
para isso, não poupou argumentos e adjetivos. “Independente, original, inventiva”. Foram
alguns dos adjetivos usados para ressaltar o talento de Malfati e fazer o crítico passar-se mais
por defensor da arte do que cruel juiz. No início do texto, ele expõe o que pensa sobre essa
nova estética, diferenciando o que acredita serem os bons dos maus artistas, aproveitando o
gancho da exposição da pintora.
O artigo começa por distinguir duas espécies de artistas: os que ‘veem naturalmente
as coisas e os que ‘veem anormalmente a natureza e a interpretam à luz de teorias
efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes’. Estes últimos seriam típicos
de períodos de decadência, ‘frutos de fim de estação, bichados ao nascedoiro’. (...).
Desenhos comparáveis aos que ornam as paredes dos manicômios, produtos de
‘cérebros transtornados pelas mais estranhas psicoses’. Com a diferença de que nos
manicômios a expressão é sincera, enquanto fora deles, ‘nas exposições públicas
zabumbadas pela imprensa’ não há ‘sinceridade nenhuma, nem nenhuma lógica,
sendo mistificação pura’” (GONÇALVES, 2012, p. 107)
Para justificar sua posição, Lobato expõe suas concepções de arte e o que acredita
fazer sentido para a pintura, exigindo uma correspondência dessa arte com seu conceito de
beleza.
O procedimento é inaceitável na grande arte, regida ‘por princípios imutáveis’ e por
‘leis fundamentais que não dependem do tempo nem da latitude. A verdadeira
pintura há que seguir as ‘medidas de proporção’ e buscar o equilíbrio na forma e na
cor. “(...) “futurismo, cubismo, impressionismo e tutti quantt, não passavam de
ramos da arte caricatural. (GONÇALVES, 2012, p. 107)
25
É possível afirmar que esse texto é um artigo, mas também é uma crítica. Artigo sobre
a arte que surgia na época, e crítica sobre a exposição de Anita Malfati. Monteiro Lobato não
era um jornalista – não nos moldes que reconhecemos hoje o profissional das redações.
Lobato faz parte da geração já citada de escritores e artistas que também exerciam funções ou
colaboravam para veículos de comunicação no período pré-industrial da imprensa brasileira.
Mas, nesse caso, isso não interfere nesse contexto de crítica x outros gêneros. Melo (2003)
considera que os articulistas escrevem sem a pressão do tempo, descompromissados com a
rotina da produção industrial.
Quem escreve os artigos no jornalismo brasileiro? Tanto pode ser um jornalista,
pertencente aos quadros regulares da instituição noticiosa quanto pode ser um
colaborador – escritor, professor, pesquisador, político (...) – convidado a escrever
sobre um assunto de sua competência. (MELO, 2003, p.126)
As resenhas aparecem com frequência nas publicações, uma vez que inúmeros
produtos são lançados semanalmente, e o público busca orientação para o consumo dessa
produção nos veículos de comunicação. O artigo, sem compromisso com o imediato e com a
produção, assemelha-se mais ao conceito da crítica que analisa esteticamente, com a
preocupação voltada para a obra em si, assim como o artigo se volta para a análise do tema,
funcionando com um aprofundamento do conteúdo noticioso.
Szantó (2007) enxerga uma tendência no jornalismo cultural norte-americano, que é a
de enfatizar mais as reportagens do que as críticas. Isso porque as artes e a cultura são
percebidas como parte do cotidiano das pessoas, e não mais como atividades de fim de
semana. Logo, a cobertura é feita num sentido mais amplo, no qual a crítica seria um texto
voltado para algo que um grupo restrito de pessoas viu.
Salvar a cobertura da alta arte, entretanto, muitas vezes envolve uma espécie de
pacto faustiano. A cobertura de teatros, museus ou música clássica está cada vez
mais frequentemente empacotada em artigos sobre estilo de vida (...). A cultura está
cada vez mais embutida dentro de seções engraçadas e estilosas, nas quais se supõe
que os leitores tenham mais interesse. (SZANTÓ, 2007, p.43)
Essa junção, ou inclusão mútua, de gêneros é uma tentativa de fazer com que os
leitores aproveitem o máximo possível do veículo, evitando situações como, por exemplo, o
descarte das seções do jornal que não interessam, e a leitura de parte, apenas, das publicações.
É uma tática para tentar, ao mesmo tempo, salvar a crítica – que não deixa de ser lida, de uma
forma ou de outra – e o impresso como veículo jornalístico, dando a ele mais versatilidade e
abrangência.
26
3. A ANÁLISE CRÍTICA NA GRANDE IMPRENSA E NA IMPRENSA
ESPECIALIZADA
Os textos a seguir foram retirados de veículos de jornalismo impresso - as Revistas
Arte!Brasileiros, RollingStone, Bavo! e Florense; e os jornais Folha de S. Paulo e Jornal do
Brasil3. Todos circulam nas principais cidades brasileiras. Além da abrangência, esses
veículos foram selecionados por sua relevância, no jornalismo diário no caso dos jornais e no
jornalismo especializado – cultural -, no caso das revistas. Os jornais mencionados
apresentam seções voltadas para a cultura, e as revistas publicam quase que unicamente
conteúdo de jornalismo cultural.
Em todos os textos, o jornalista/crítico precisou do contato direto com a obra. As
análises mostram que, para a elaboração de uma crítica, o contato é imprescindível. As
impressões e os argumentos são embasados na própria obra e o impacto que ela causou no
crítico durante a apreciação. A experiência estética, portanto, se revela indispensável.
“Energia contra sintonia” – Clóvis Marques. Jornal do Brasil, 30 de abril de 1998.
Logo na abertura, lê-se a exposição de um juízo negativo do espetáculo. “Cristina
Ortiz deixou-se trair por suas melhores qualidades no recital de retorno à Sala Cecília
Meireles” (MARQUES, 2010, p.65)
Em seguida, atribuição de qualidades à pianista que justificariam o porquê do termo
“trair”.
Vigor, motricidade e reações rápidas fazem dela uma das pianistas com
personalidade de longe reconhecíveis e estimável, telúrica e eletrizante (...). Mas na
terça-feira essas virtudes, em vez de lhe atapetarem o caminha para uma decantação
de maturidade, acabaram por engolfar a elocução, a expressão e a própria vontade. (MARQUES, 2010, p.65)
As escolhas feitas pela pianista aparecem como fator importante para o autor do texto,
que apresenta suas impressões. “Sua própria escolha já era uma declaração de intenções, e
pode ter sido um equívoco. A Sonata em fá de Brahms (...) começou sem majestade e a
gravitas esperadas, sem fôlego épico, estranhamente sem concentração no ímpeto”.
(MARQUES, 2010, p.65)
3 O Jornal do Brasil encerrou sua versão impressa em agosto de 2010, passando a ser apenas digital.
27
O uso de uma certa ironia aparece em dois trechos. Um ainda referindo-se à mesma
Sonata de Brahms, e outro sobre a execução da Sonata em si menor, de Chopin.
Ficou registrado um défict filosófico e temperamental: os contrastes e aspirações da
Sonata, feitos para queimar a alma e inflamar o espírito, haviam chamuscado os
dedos.“(...). [Cristina Ortiz] mergulhou de cabeça num vórtice de memorável
antichopinismo. (...). Nem fluxo lírico nem envolvimento mágico e, quando o piano
cantava as teclas não pareciam acreditar mais do que nós outros. (MARQUES, 2010,
p.65-66)
Essa crítica traz uma conclusão que ressalta o talento da intérprete e busca “perdoá-la”.
“Numa artista de sua musicalidade, só pode ser um turning point” (MARQUES, 2010, p.66).
Ela é predominantemente impressionista, ou seja, as impressões do autor aparecem a todo
instante e são as maiores referências usadas por ele.
“Roteiro fraco conta com a falta de opções do público infantil” – Ricardo Calil.
Folha de S. Paulo, 22 de agosto de 2012.
Essa crítica expõe desde o título a impressão do autor. Ele já começa com um toque de
humor para atacar o filme e criticar a falta de critério do público. “Crianças entediadas, pais
desesperados. Não, esse não é um título para um livro de autoajuda, e sim o grupo de
espectadores menos criteriosos do cinema. Para eles é concebida a animação “Outback – Uma
galera Animal”.
O texto faz uma breve contextualização comparando o filme com outras referências
cinematográficas e exemplos de produções na mesma linha que, ao contrário dessa, foram
boas.
Eles [os produtores] acreditam que não precisam caprichar muito (...) Outback é
mais uma versão zoormorfica de Os Sete Samurais (1954), de Akira Kurosawa (...).
Não há nada de errado em tentar reciclar o clássico de Kurosawa. Vida de Inseto
(1998) e Rango (2011) fizeram o mesmo com resultados bastante satisfatórios.
(CALIL. 2012)
Para concluir sua crítica negativa, o autor usa de figuras de linguagem e condena o
filme naquilo em que ele deveria ter de melhor: divertir, já que é voltado para crianças.
O problema de Outback é o roteiro, que lembra uma peça escrita por alunos do
primário. Falta carisma aos personagens e graça às piadas. Filmes como Outback
podem não possuir valor cinematográfico, mas deveriam ter função social:
incentivar os pais a buscar opções de entretenimento – pode ser um parque ou um
museu - a seus enfastiados filhos. (CALIL. 2012)
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Apesar da contextualização feita no meio do texto, essa é uma crítica apoiada na
opinião explícita do autor.
“Giacometti: o estrangeiro”. Francisco Alambert. Revista Brasileiros!, nº 13
(março/abril de 2012) .
O texto inicia de modo bastante descritivo e contextualizante, apresentando o artista a
um público que talvez o desconheça. Conta onde Giacometti nasceu e associa suas
experiências de vida às características de sua arte e suas influências.
Desenvolveu uma forma marcada pela escultura cubista de Alexander Archipenko e
de Jacques Lipchitz. Ao mesmo tempo, seu trabalho de juventude (...) sofreu o
impacto da descoberta modernista, do valor da arte africana e da arte da Oceania.
(...). Nos anos 30, Giacometti fez experimentos com a abstração e causou furor entre
os surrealistas, iniciando uma série de objetos de forte carga erótica. Mas o foco de
seu trabalho seria mesmo a busca em reposicionar o senso de realidade no trabalho
plástico. (...) Já na década de 1940, que ele se consolida como um artista maior entre
os maiores, desenvolvendo o estilo pelo qual é facilmente reconhecido (...) por meio
da criação de finas e esqueléticas esculturas em temas solitários e inquietantes.
(ALAMBERT, 2012)
Já no possível gancho para a elaboração da crítica - a exposição de obras desse artista
na Pinacoteca de São Paulo - o autor do texto apresenta suas visões sobre a obra geral de
Giacometti, embora não abandone o tom descritivo.
É mais celebrado por suas esculturas do que por suas telas, gravuras, objetos
decorativos e desenhos. Suas esculturas produzem simultaneamente a sensação de
tempo e de movimento, mas de uma maneira particular, cuja marca é uma superfície
‘áspera’ e incrivelmente austera. Ele retém a forma original da matéria, sua
expressividade, permitindo que ela crie não a ilusão da representação, mas seu
reconhecimento. (ALAMBERT, 2012)
A opinião crítica aprece cautelosa no trecho final do texto.
Em Giacometti, temos uma arte verdadeiramente singular, uma poética que lida com
essa distância em termos de vazios, asperezas, silêncios, carências e faltas. Em seus
retratos configura-se uma obsessiva atenção com a erosão provocada pelo tempo,
onde a vida só se revela em traços e vestígios. (ALEMBERT, 2012)
Nesse texto, o autor se vale de declarações de autoridades no assunto ou pessoas
célebres para reforçar as próprias opiniões. Alambert cita Jean-Paul Sartre, que teria dito que
Giacometti “foi o primeiro que soube esculpir o homem tal como o vemos, isto é, à distância”.
E cita Barnett Newman: “As figuras de Giacometti parecem ser feitas de cuspe, coisas novas
sem forma, sem textura, mas, de algum modo, repletas”. (ALAMBERT, 2012).
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Nota-se que o texto girou em torno do autor das obras, Giacometti, e pouco falou da
exposição da Pinacoteca. O autor critica o artista, sua obra e seu estilo, mas não analisa a
exposição, como se não a tivesse visitado, e deixa para o leitor decidir ir ou não à mostra.
“Ballet Kirov deslumbra e desaponta” – Peter Rosenwald (tradução de Diana Ricci).
Revista Bravo! Nº 170 (outubro de 2011)
No título desta crítica já se observam juízos do autor: “deslumbra e desaponta”. Há uma
aparente contradição nessas palavras. Entretanto, o crítico se explica, após uma curta
descrição da consagrada companhia russa de balé e sua turnê no Brasil. O espetáculo assistido
e abordado nesse texto foi o célebre Lago dos Cisnes.
A graça dos bailarinos, especialmente no movimento dos braços, e o alinhamento
característico não deixam de ser um exemplo do melhor do estilo clássico, ainda que
o grupo, uma companhia itinerante bastante jovem, não mostre o Kirov em seu
melhor esplendor. A falta de personalidade da companhia como um todo foi o que
mais decepcionou (...). Na coreografia, a primeira bailarina deve retratar a perfeição
romântica do cisne branco e, em contraste, feroz poder sedutor do cisne negro, o que
desafia até a artista mais talentosa. Yekaterina Kondaurova, uma das três bailarinas
que interpretaram esses papeis no Brasil, trouxe um fogo considerável e uma técnica
brilhante para seu cisne negro, mas menos autoridade para o branco. Seu príncipe
Siegfried, interpretado por Danila Koruntsev, um dos bnailarinos principais do
Kirov, foi elegantemente correto, mas não tinha o poder de personalidade que
caracterizou estrelas do Kirov (...). (ROSENWALD, 2011)
É possível que o título queira dizer que o Ballet Kirov deslumbrou pelo seu nome
consagrado, mas desapontou quando subiram as cortinas. O crítico, todavia, encerra
descontente com aspectos da produção e elogiando, brevemente e por fim, a última peça
apresentada pelos bailarinos. “Pareciam cansados a encenação, a iluminação, os trajes e a
produção geral (...). Uma mudança bem-vinda foi Simple Things, única peça moderna do
programa, coreografada por Emnil Faski e apresentada com muito entusiasmo pelos jovens
bailarinos.” (ROSENWALD, 2011).
O cérebro eletrônico de Gal Costa. Luis Antonio Giron. Revista Florense (2012)
O crítico inicia salientando a qualidade da cantora, expondo que ela já é artista
consagrada e não precisa de novidades para se afirmar. Seu novo disco seria uma nova
experiência válida, agregando mais importância ainda a sua história.
Gal Costa (...) não precisava se aventurar como se aventurou em um disco quase que
totalmente eletrônico. (...) Revela-se impreciso denominar o álbum de Gal de
emepebista, mas, na falta de termo melhor, fica assim chamado, como poderia ser
apelidado de neotropicalista eletrônico. Trata-se de um gesto tardio de atrevimento
(...). A cantora não deve novidade nem originalidade a ninguém, crítica nem público.
Afinal, ela já gravou mais de 30 discos (...) foi a cantora favorita de Antonio Carlos
Jobim (...). (GIRON, 2012)
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Após um histórico breve sobre Gal Costa, a relação dela com Caetano (que por sinal
produziu o novo álbum da cantora) e o tropicalismo, vem um pouco da descrição das faixas,
para que o leitor saiba o que vai encontrar de novidade.
A única faixa acústica é a composição Segunda, uma referência a Domingo, o
primeiro disco dos dois [Gal e Caetano Veloso]. (...) Ela converteu a Canção Tudo
dói, a mais ousada em termos melódicos e harmônicos, em uma bossa, joão-
gilbertiana, sem abdicar da eletrônica. Uma das canções mais agitadas é Miami
maculelê, um maracatu pós-moderno que remete às primeiras vertentes tropicalistas.
(GIRON, 2012).
Fechando a crítica, o autor comenta a mudança na voz de Gal, o que achou do disco e
alfineta a mídia geral e o público em seu último comentário, reforçando que o novo trabalho
da artista é de fato mais interessante do que muita coisa que tem ganhado holofotes. Dessa
forma, chama o público para que ouça o trabalho, após ter contextualizado o trabalho de Gal
Costa, mostrado a importância dela para a MPB e valorizado a tentativa de inovar, após
décadas de carreira.
Gal Costa está com a voz mas grave e dramática, sem com isso perder a leveza. Sua
volta a criatividade é um alívio para aqueles que pensavam que a música popular
brasileira estava fadada a ser esquecida. Recanto figura entre os melhores discos de
MPB da temporada, apesar da fria recepção da crítica e a indiferença do público –
crítica e público narcotizados pelas ondas eletrônicas do sertanejo. (GIRON, 2012).
Esse texto conseguiu unir características estruturalistas, uma vez que se preocupou
com a história da cantora; informativas, porque falou sobre o lançamento do CD; e
impressionistas, pois o autor não deixou de expor sua opinião sobre o trabalho.
Depois do Hype – Murilo Basso. Revista Rolling Stone. Nº 65, fevereiro de 2012.
Sobre o lançamento do primeiro CD da cantora Lana Del Rey, o crítico inicia expondo a
expectativa que se tinha de sua estréia na indústria fonográfica, já que a cantora era um
sucesso na internet. Por não ter essa expectativa atendida, de pronto já mostra o que
desagradou no álbum.
Lana surgiu no ano passado, causando muito furor na internet com vídeos
produzidos por ela própria. Agora, a nova-iorquina lança seu primeiro disco oficial
(...). Born to Die, apesar de trazer os bons sigles e mostrar que Lana não está no haal
das piores cantoras, trabalha clichês desnecessários com sua produção carregada. O
álbum se perde em meio à indecisão entre ser cool ou apenas mais um álbum pop
convencional. (BASSO, 2012).
Em seguida, expõe suas impressões sobre as faixas do disco, formando seus argumentos e
porquês da ideia que formará no final do texto.
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“Dark Paradise e Carmen são tão semelhantes que acabam soando como a mesma
canção. Já This is Waht Makes Us Girls é uma esécie de hino (desnecessário) para
garotas sentimentais, enquanto SummertimeSadness se confunde em meio as suas
referencias, refletindo bem o clima inseguro que marca a estréia oficial da cantora.
(...) E, quanto a Born to Die, o novo single e faixa-título, bem, prefira o remixe de
Damon Albarn”. (BASSO, 2012)
Enfim, o autor tece sua consideração final sobre o CD inaugural de Lana, explicando o que
pode melhorar. “Embora especialista em autopromoção, Lana erra o passo ao tentar
comportar inúmeras referências, mostrando que poderia ter de saído melhor caso optasse por
um trabalho mais compacto e menos maçante”. (BASSO, 2012)
Shoot your self ou Vale a pena ver de novo. Leonor Amarante. Revista Arte!Brasileiros.
Nº 14, maio/junho de 2012
Esse texto abre chamando a atenção do leitor para que ele assista ao documentário, explicando
do que se trata, ou seja, mostrando o tema, na mesma introdução.
Raramente temos a oportunidade de ver uma obra como Shoot Your Self, que tem o
desafio de concentrar o olhar sobre trabalhos que aparentemente não têm regras. O
documentário(...) reflete sobre as performances e a ação fotográfica nos trabalhos de
artistas europeus, norte-americanos e brasileiros. Um elenco expressivo de
performers foi entrevistado por Paula, com força, delicadeza e discrição. (...) A
coletiva ainda discute o artista e a câmera, e retoma a questão do autor filmar a si
mesmo. (AMARANTE, 2012)
Depois de expor o tema, o texto traz nomes que constam nas filmagens - pessoas que a
autora considera importantes para contextualizar o leitor ainda mais quanto ao tema do
documentário e levar o leitor a ver a obra.
O trabalho de Paula Alzugary e Ricadro van Stenn [autores] é uma obra de arte em
si mesma e transforma os documentaristas em performers. Outro bom momento do
documentário fica por conta da iraniana Ghazel, que vive em Paris (...)
(AMARANTE, 2012)
As impressões da crítica sobre a obra aparecem com expressões descritivas e adjetivos
leves, conduzindo ao julgamento positivo da autora, mas não impondo.
A luz e a fotografia tratadas pelos documentaristas nas imagens de Ghazer, quase
chegam a uma superfície pictórica. Em um momento de precipitação das poéticas, o
documentário que trabalha o duplo sentido em inglês do verbo shoot – filmar ou
matar – não foi uma tentativa efêmera de juntar performances. (AMARANTE,
2012)
Finalizando, uma conclusão favorável sobre o documentário, novamente com
adjetivos sutis, mas que deixam a entender o que a autora sentiu. “Shoot Your Self chega em
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boa hora ao mercado brasileiro de arte, tão carente de trabalhos diferenciados e coerentes
como este”. (AMARANTE, 2012).
Esse texto, apensar de trazer as opiniões da autora, não foi tão impressionista. A
maneira descritiva predominou e as impressões foram colocadas ao longo da descrição que
tendia ao positivo, aproximando-se, portanto, de um modelo mais relatorial.
De um modo geral, percebe-se que o texto impressionista, ou seja, baseado
principalmente naquilo que o autor sentiu ao entrar em contato com a obra, predomina nas
críticas. Há textos em que a descrição da obra toma a frente dos comentários opinativos,
ficando a critério do leitor o julgamento. A revista Arte!Brasileiros, por exemplo mostrou-se
mais adepta dessa linha, sendo comedida na exposição de suas avaliações, mais preocupada
em noticiar, tanto que não reserva em seu conteúdo uma seção denominada “crítica”.
Apesar disso, cada texto da revista difere em gênero e estrutura, sendo encontrados
textos mais próximos de críticas em meio a entrevistas e matérias. As revistas Bravo!,
RollingStone e Florense, determinam uma parte para a crítica, separando-a do restante do
conteúdo. Na revista Bravo! as críticas apresentam um padrão de tamanho, mas diferem em
estilo, já na RollingStone, as impressões do crítico são predominantes. O jornalismo
especializado procura apresentar textos críticos, ainda que existam diferenças no estilo de um
veículo para o outro e entre os textos do mesmo veículo. Não há um padrão, portanto, nos
veículos segmentados.
Nos jornais diários, a crítica de arte não tem periodicidade nem presença garantida. O
tamanho dos textos também varia bastante. Contudo, a predominância é de textos
impressionistas e curtos.
Provavelmente por uma questão de espaço, os veículos especializados publicam maior
número de críticas e as que trazem avaliações sobre a programação cultural em voga, como a
Bravo e a RollingStone, explicam o porquê das notas que atribuíram. O jornal diário não se
presta a muitas explicações, atribui nota ao evento – como a Folha de S. Paulo faz com suas
estrelas – e apresenta uma sinopse ou do gênero. Entretanto, o jornal consegue publicar um
número maior de eventos que estão ocorrendo do que as revistas, mas trata-se de um conteúdo
puramente informativo.
Em relação à estrutura dos textos, embora variem quanto ao estilo, apresentam
semelhanças. Todos possuem uma introdução em que a obra é apresentada e normalmente
junto com a impressão do crítico a seu respeito – comumente essa impressão já aparece no
título do texto. O meio do texto é usado para comentar da produção, detalhar o desempenho e
33
argumentar os porquês da crítica. Há sempre uma conclusão, que reforça as impressões do
crítico e traz alguma observação, seja um convite ao público, uma proposta de solução para
melhorar a obra ou uma crítica ao cenário cultural no qual a obra está inserida.
34
4. CONSIDERAÇÕES
Crítica e resenha no jornalismo contemporâneo se confundem tanto na prática quanto
no nome, tanto que muitos autores fazem uso dos dois termos dentro do mesmo assunto,
referindo-se ao mesmo texto. Há diferença entre esses textos, se for levado em conta o
conceito de crítica usado por Coutinho (apud JANUÁRIO, 2006), Aguirre (2008) e Melo
(2003), de um texto que aprofunda, analisa, contextualiza, compara. De fato, essa concepção
está mais próxima dos conceitos etimológicos e históricos de crítica. Melo, todavia, admite
que na prática jornalística de hoje, chama-se resenha de crítica.
Levando em conta essas diferenças, a resenha predomina no jornalismo atual, uma vez
que os textos que se propõe a analisar obras de arte e produtos culturais o fazem sob o gancho
de lançamentos e eventos do momento, principalmente aqueles em que há mais mídia girando
em torno. Notas, estrelas, adjetivos como “bom, ruim ou regular” e etc, seguidos de um
“serviço” que mostra onde e como comprar/visitar/assistir, mostram a preocupação com o
mercado consumidor, coisa que não deveria importar tanto para a crítica. Tampouco a crítica
poderia se resumir praticamente às impressões do autor.
Os veículos especializados, como as revistas culturais, trazem textos mais próximos do
conceito de crítica. Ainda que haja diferenças quando ao estilo das críticas nesse veículos –
ora textos impressionistas, ora descritivos/estruturalistas, ora mais voltados ao tema ou artista
– o espaço normalmente é maior do que nos jornais e a preocupação comercial é menor. Ou
ainda, há, pelo menos, explicações das notas atribuídas aos produtos e obras, fato que muitas
vezes não ocorre no jornal. Januário (2006) cita Coutinho, considerando que:
Coutinho não pregava, como o acusavam os opositores, a destruição da crítica de
jornal, que considerava útil e necessária como notícia jornalística. Era para atender a
essa natureza noticiosa do jornalismo moderno que os comentaristas deveriam se
adaptar às novas necessidades de um público leitor cada vez mais volumoso.
Atacava sim a autoridade com que os críticos-jornalistas revestiam sua atividade na
nova conjunção, os rodapés que ‘não merecem o respeito e a veneração de que são
cercados, o prestígio que se lhes empresta’, já que o que fazem são meros registros
de livros, ‘sem nenhum valor de julgamento, nem para o bem nem para o mal’
(JANUÁRIO, 2006).
Nesse sentido, o jornalismo impresso perdeu boa parte de sua função de criticar arte.
Entretanto, a função informativa sobre o que está em voga no mercado ou no cenário artístico
não deixa de ser útil. Tanto no informativo quanto no opinativo o jornalismo impresso trava
uma disputa com o digital. Szantó (2007) explica que há uma ótima mudança tecnológica e
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excelentes blogueiros, mas esse cenário ainda coloca em xeque os padrões do jornalismo
cultural, já consolidados no impresso – e por isso de maior credibilidade do público. O autor
atenta para uma enxurrada de opiniões vazias via internet, que fogem a ética e
profissionalismo da prática jornalística, mas acredita que a tendência é que esse padrões do
jornalismo cultural seja transferidos aos poucos para a internet.
O que se pode constatar é que a crítica é um gênero do jornalismo opinativo, pois
pressupõe a emissão de julgamentos e a participação direta do pensamento que quem a
escreve. A crítica de arte cumpre essa tarefa aplicada às artes e prescinde de profissionais que
saibam unir a técnica jornalística a um conhecimento específico na área que pretendem cobrir
e criticar. Os textos acadêmicos não encontram espaço nos jornais e afins, não em seu formato
habitual, portanto, é preciso a intermediação da linguagem jornalística entre a crítica, o
público e as obras. Para isso, o jornalismo cultural precisa rever alguns pontos e lembrar,
sempre, de seu papel enquanto imprensa, da essência do jornalismo e não se comportar como
relações públicas ou ficar a mercê de assessorias e agendas.
Para o crítico, fica a tarefa de promover a discussão pública acerca do mercado
cultural e das artes, estando atento a questões burocráticas que envolvem leis de patrocínio,
incentivo e produção, e não deixando de lado seu pensamento, mas não impondo sua verdade
como única e não querendo ser um juiz. “(...) o crítico é, em certo sentido, um educador. Mas
também é importante lembrar que um jornal não é uma instituição educacional (...). Deve
haver uma parceria mais equitativa entre o jornalista e o público” (SZANTÓ, 2007, p.45).
36
REFERÊNCIAS
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Professores de Jornalismo, 11, 2008, Universidade Presbiteriana Macknzie. Relato. São Paulo.
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38
ROSENWALD. Peter. Ballet Kirov deslumbra e desaponta. Tradução de Diana Ricci.
BRAVO!, São Paulo, nº170, out. de 2011.
39
ANEXO A-
40
ANEXO B –
41
ANEXO C –
42
43
ANEXO D –
44
ANEXO E –
45
ANEXO F-
46
ANEXO G –
47