Download - A Crítica Literária de Friedrich Schlegel
-
7/23/2019 A Crtica Literria de Friedrich Schlegel
1/241
UNIVERSIDADE DE SO PAULOFACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE TEORIA LITERRIA E LITERATURA COMPARADAPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM TEORIA LITERRIA E LITERATURA
COMPARADA
CONSTANTINO LUZ DE MEDEIROS
A CRTICA LITERRIA DE FRIEDRICHSCHLEGEL
(Verso Corrigida)
So Paulo
2015
-
7/23/2019 A Crtica Literria de Friedrich Schlegel
2/241
UNIVERSIDADE DE SO PAULOFACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE TEORIA LITERRIA E LITERATURA COMPARADAPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM TEORIA LITERRIA E LITERATURACOMPARADA
A CRTICA LITERRIA DE FRIEDRICHSCHLEGEL
Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduaoem Teoria Literria e Literatura Comparada daFaculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanasda Universidade de So Paulo, como requisito paraa obteno do ttulo de Doutor em Teoria Literriae Literatura Comparada.
rea de concentrao: Teoria Literria e LiteraturaComparada.
Orientadora: Prof. Dr. Regina Lcia Pontieri
(Verso Corrigida)
So Paulo2015
-
7/23/2019 A Crtica Literria de Friedrich Schlegel
3/241
Autorizo, exclusivamente para fins acadmicos e cientficos, a reproduototal ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou
eletrnico, desde que seja citada a fonte.
Catalogao da publicaoPreparada pelo Servio de Biblioteca e Documentao da Faculdade de
Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo.
Nota: A verso original se encontra disponvel no Centro de Apoio Pesquisa emHistria (CAPH) da FFLCH-USP.
Medeiros, Constantino Luz de.A crtica literria de Friedrich Schlegel/ Constantino Luz de Medeiros; Orientadora: ReginaLcia Pontieri.So Paulo, 2015.405 f.:il.
Tese (Doutorado)Faculdade de Filosofia, letras e Cincias Humanas daUniversidade de So Paulo. Departamento de Teoria Literria e LiteraturaComparada.rea de concentrao: Teoria Literria e Literatura Comparada.
1. Teoria Literria. 2. Primeiro Romantismo Alemo. 3. Friedrich Schlegel. 4.Crtica Literria. 5. Historiografia Literria. 6. Histria da Crtica Literria. 7.Esttica. 8. Filosofia da Arte.
-
7/23/2019 A Crtica Literria de Friedrich Schlegel
4/241
Folha de Aprovao
Nome: Constantino Luz de Medeiros.
Ttulo:A crtica literria de Friedrich Schlegel.
Tese apresentada Faculdade de Filosofia, Letras eCincias Humanas, da Universidade de So Paulo,como requisito parcial para a obteno do ttulo deDoutor em Teoria Literria e Literatura Comparada.rea de concentrao: Teoria Literria e LiteraturaComparada.
Aprovado em:_______/________/_________
Banca examinadora
Profa. Dra. Regina Lcia PontieriOrientadoraUSP.
Prof. Dr. Mrcio SuzukiUSP.
Profa. Dra. Marta KawanoUSP.
Profa. Dra. Karin VolobuefUNESP.
Profa. Dra. Renata PhilippovUNIFESP.
-
7/23/2019 A Crtica Literria de Friedrich Schlegel
5/241
Esta tese dedicada ao encontro, sntese de amor absoluto e amizadefilosfica: eu, Rejane e Ceci, comoFabiano, Sinh Vitria e Baleia natravessia desse serto.
-
7/23/2019 A Crtica Literria de Friedrich Schlegel
6/241
AGRADECIMENTOS
de Marco Tlio Ccero (10646 a. C.), orador, filsofo, escritor e poltico romano, aautoria de uma das mais expressivas definies sobre o agradecimento: No h nada
que eu possa estimar mais do que ser e parecer agradecido, pois, essa no apenas amaior virtude, mas a me de todas as outras.(Ccero, Oratio pro Plancio-XXXIII,80).Gratido se diz em alemo Dankbarkeit, palavra simples, mas que expressa nossaateno e cuidado. Exterioriza o respeito que se deve ter com as pessoas e com ahistria de nossa prpria vida, e nos recorda de todos aqueles que acreditaram em nosso
potencial. Este momento de agradecimento dedicado aos que nos auxiliaram, guiando-nos ao que hoje somos:
Professora Doutora Regina Lcia Pontieri, orientadora e amiga, pela cuidadosa leiturados textos preliminares, pela sabedoria, pacincia e os ensinamentos valorosos sobre aTeoria Literria e a vida.
Aos Professores Doutores Mrcio Suzuki, Cilaine Alves Cunha, Karin Volobuef, MartaKawano e Renata Philippov pelas arguies e as sugestes ao trabalho.
memria da professora e pesquisadora Izabela Maria Furtado Kestler (1959-2009),pela simpoesia e sinfilosofia que seus escritos transmitem, provas de que o esprito quetem sentido para as pocas capaz de atravessar o limite inexorvel da vida e do tempoatravs da arte.
Aos funcionrios da Biblioteca Florestan Fernandes, Marins Mendes, Zelinda Martins,Roseli Gomes, Brianda de Oliveira, Alessandra Garcia, Alexandre Moreira, AnaCludia, Ana Cristina, Antonio Carlos, Augusto Ges, Charles Campos, Ellen Pereira,Izabel Romualdo, Luiz C, Cardoso, Marcos Abramo, Maria Aparecida Reis, MarianaQueiroz, Milton Fbio, Patrcia Carla, Renata Daniel, Sergio Ricardo Gaspar, SilviaMartini, Carlos Alberto, Dorcas Incio, Deidson Rafael, Deuslrio Costa, Maria Lcia,Eliana Mara, Marli Ruggeri, Marta Glria, Edson Alves, Graa Ribeiro, Mara Beatriz,Rita Joly, Rosemary Ortega, Gilda Virglio, Juraci Dias, Maria Celisa, Olga de Melo,Stefano de Carvalho, Tnia Maria, Vernica de Miranda, Maria Aparecida Laet. Sem acolaborao dessa equipe a pesquisa da Faculdade de Filosofia, letras e CinciasHumanas da Universidade de So Paulo certamente no alcanaria o nvel de excelncia
que almeja.
Aos funcionrios do Departamento de Teoria Literria e Literatura Comparada, SuelyMaria Regazzo, Zilda Ferraz, Maria ngela Aiello Bressan Schmidt, e em especial aoLuiz de Mattos Alves, pelas indicaes e conselhos e a grande pacincia.
memria de meu pai, Constantino Bezerra de Medeiros (19461995).
minha me, Isabel Luz de Medeiros Onou, pela compreenso e o afeto.
Ao padrasto Oswaldo Takeo Onou.
-
7/23/2019 A Crtica Literria de Friedrich Schlegel
7/241
Aos meus irmos, Antonio de Medeiros Lima Neto, Andreia Luz de Medeiros e MariaMadalena Luz Bezerra de Medeiros.
minha sogra, Eliene Rodrigues de Almeida, pelo exemplo de mulher estudiosa.
Ao meu sogro Joaquim Cardoso.
Aos meus cunhados Antonio Ronieres de Almeida, Robson Rodrigues de Almeida eRicardo Rodrigues de Almeida, Iara Xavier de Almeida, Alessandra Gorgonha e SelmaPontes.
memria de Antonio Francisco de Almeida (1958-2000), pai de minha esposa, o qualno conheci, mas que teve a coragem herica de mover sozinho uma montanha de terrae pedra, para erguer um abrigo onde seus filhos puderam se proteger da iniquidade deuma sociedade desigual, e se tornar grandes pessoas.
Aos colegas da Graduao e da Ps-Graduao da Universidade de So Paulo.
Ao Brutus, co amoroso, que nos escolheu como companhia.
FAPESP, que financiou essa pesquisa e ao parecerista que a acompanhou.
-
7/23/2019 A Crtica Literria de Friedrich Schlegel
8/241
Mesmo o maior sistema apenas um fragmento.Friedrich Schlegel1
1SCHLEGEL, Friedrich.Fragmente zur Poesie und Literatur.[V]. In: KA-XVI, p. 163, fragmento [930].
-
7/23/2019 A Crtica Literria de Friedrich Schlegel
9/241
RESUMO
A presente tese investiga e discute o conceito de crtica literria de Friedrich Schlegel,
com o intuito de esclarecer como o crtico, filsofo e fillogo alemo contribuiu para a
alterao nos estudos de literatura de sua poca ao postular a necessidade de
aproximao entre a anlise esttica e histrica do fenmeno literrio, antecipando
muitos problemas da crtica contempornea. Ao utilizar os paradigmas da filosofia da
histria e da esttica para o entendimento dos diversos perodos ou pocas da literatura,
e ao reconhecer e aplicar a perspectiva histrica como categoria crtica, Schlegel
colaborou para o aparecimento de uma nova era da crtica literria. O contato com a
herana do Iluminismo, e com os escritos de Johann Gottlieb Fichte, Friedrich Schiller,
Immanuel Kant, Johann Gottfried Herder, Johann Joachim Winckelmann e Johann
Wolfgang Goethe, entre outros, influenciou o crtico a desenvolver um novo modusde
crtica literria, que levaria em considerao a atividade reflexionante e criativa do
esprito crtico. A atividade de Schlegel enquanto crtico e historiador da literatura se
caracteriza pela busca constante de aperfeioamento infinito, ou utilizando uma de
suas expresses favoritas como uma nsia de infinito [Sehnsuch nach dem
Unendlichen], isto , o mpeto pela complementao [Diaskeuase] da obra literria
atravs da reflexo crtica e filosfica. As contribuies de Friedrich Schlegel para a
alterao do modo como a literatura deve ser compreendida, assim como seu esforo em
estabelecer princpios universais para a crtica literria colocam seu nome entre os
precursores da crtica literria moderna.
-
7/23/2019 A Crtica Literria de Friedrich Schlegel
10/241
ABSTRACT
The present thesis investigates and discusses Friedrich Schlegels concept of literary
criticism in order to demonstrate how the German critic, philosopher and philologist
contributed to a change in the studies of literature of his age and anticipated many
problems of contemporary criticism by postulating the necessity of an approximation
between the aesthetic and the historical visions of the literary phenomena. Schlegels
contribution to the emergence of a new era of literary criticism lies in his usage of both
paradigms of the philosophy of history as well as aesthetics for the understanding of
different periods of literature and in his recognition and application of history as a
critical category. Schlegels contact with the heritage of the Enlightenment, as well as
with the writings of Johann Gottlieb Fichte, Friedrich Schiller, Immanuel Kant, Johann
Gottfried Herder, Johann Joachim Winckelmann and Johann Wolfgang Goethe, among
others, influenced the critic to develop a new modusof literary criticism that takes into
consideration both the reflexive and the creative activity of the critical spirit. Inserted in
this new scientific paradigm, Schlegels activity as a critic and historian of literature is
characterized by his constant search for the infinite perfectibility, or to use one of his
favorite expressions a longing for the infinite [Sehnsuch nach dem Unendlichen],
and is thus the impetus for the complementation [Diaskeuase] of the literary opuswith
the philosophical reflection. Friedrich Schlegels contributions to the alterations into
the way in which literature is to be understood, as well as his effort to establish
universal principles for literary criticism places his name in the ranks of the forerunners
of modern literary criticism.
-
7/23/2019 A Crtica Literria de Friedrich Schlegel
11/241
ZUSAMMENFASSUNG
Die vorliegende Doktorarbeit befasst sich mit Friedrich Schlegels Begriff derLiteraturkritik, um erklrt wie der deutsche Kritiker, Philosoph und Philolog durch das
Postulieren der Notwendigkeit einer Annherung zwischen der sthetischen und der
historischen Perspektiven der literarischen Phnomene fr eine Wendung in den Studien
der Literatur seiner Zeit beitrug und viele Probleme zeitgenssischer Kritik vorhersah.
Schlegel leitete eine neue ra in literarischer Kritik als er die Paradigmen der
Philosophie der Geschichte und der sthetik fr das Verstndnis der verschiedenen
Epochen der Literatur benutzte, und die historische Perspektive als eine kritischeKategorie annerkannte und anwendete. Der Umgang mit dem Erbe der Aufklrung und
den Schriften von Johann Gottlieb Fichte, Friedrich Schiller, Immanuel Kant, Johann
Gottfried Herder, Johann Joachim Winckelmann und Johann Wolfgang Goethe, u. a. ,
beeinflussten Schlegel in der Entwicklung eines neuen Modus der Literaturkritik der
sowohl die reflektierende als auch die kreative Aktivitt eines kritischen Geistes in
Erwgung zieht. Schlegels Ttigkeit als Kritiker und Literaturhistoriker ist
charakterisiert durch die fortlaufende Suche nach der unendlichen
Vervollkommungsfhigkeit, oder um einen seiner Lieblingsausdrcke zu benutzen
die Sehnsucht nach dem Unendlichen, also einem ununterbrochenem Antrieb nach
der Ergnzung [Diaskeuase] des literarischen Opus durch die kritische und
philosophische Betrachtung. Friedrich Schlegels Beitrge zu den nderungen in der Art
und Weise wie Literatur soll verstanden werden, und seine Anstrengungen um die
Entwicklung von allgemeinen Prinzipien in literarischer Kritik sichern seinen Namen
unter den Vorlufer der modernen Literaturkritik.
-
7/23/2019 A Crtica Literria de Friedrich Schlegel
12/241
Sumrio
Introduo
1. Tema e objetivo do trabalho..................................................................................................142. A estrutura da tese.................................................................................................................223. A situao da pesquisa sobre Friedrich Schlegel..................................................................31
Captulo 1
Os anos de aprendizado crtico-literrios................................................................................501.1. A formao crtico-literria de Friedrich Schlegel............................................................511.2. O Winckelmann da poesia.................................................................................................581.3. Friedrich Schlegel e a constelao romntica....................................................................64
Captulo 2
O antigo e o moderno na crtica literria de Friedrich Schlegel...............................................712.1. Os escritos sobre a Antiguidade clssica...........................................................................722.2. F. Schlegel e F. Schiller: a aproximao infinita entre o real e o ideal..............................782.3. A distino entre o clssico e o romntico na teoria dos irmos Schlegel.........................85
Captulo 3
Crtica literria e perfectibilidade infinita.................................................................................903.1. A especulao crtico-literria e a formao do homem:Bildungcomo misso..............913.2. Johann Gottlieb Fichte e a crtica literria enquanto aperfeioamento infinito................983.3.Diaskeuase: a tarefa infinita de reposio da obra de arte literria..................................103
Captulo 4
A ironia romntica de Friedrich Schlegel..............................................................................108
4.1. A ironia romntica de Friedrich Schlegel.......................................................................1094.2. Ironia socrtica e ironia romntica..................................................................................1134.3. Ironia parbase permanente..........................................................................................1214.4. Ironia romntica, hermenutica e ininteligibilidade........................................................125
-
7/23/2019 A Crtica Literria de Friedrich Schlegel
13/241
Captulo 5
A poesia romntica, universal e progressiva..........................................................................1295.1. A abrangncia do conceito de romntico no final do sculo XVIII............................1305.2. A poesia romntica de Friedrich Schlegel.......................................................................133
5.3. Poesia romntica, universal progressiva..........................................................................1375.4. Poesia transcendental e reflexo crtico-literria............................................................142
Captulo 6
A teoria do romance de Friedrich Schlegel.............................................................................1466.1. A situao do romance no sculo XVIII alemo.............................................................1476.2. Carta sobre o romance eLucinde: teoria e prtica do romance......................................1576.3. O romance absoluto.........................................................................................................167
Captulo 7As conferncias sobre histria da literatura de Friedrich Schlegel.........................................1717.1. Friedrich Schlegel e o surgimento da historiografia literria moderna............................1727.2. As conferncias sobre a literatura europeia de Friedrich Schlegel..................................176
Captulo 8
Caracterizao: a obra de arte crtico-literria........................................................................1848.1. A filosofia da caracterizao............................................................................................1858.2. Tendncia, impresso absoluta e ideal individual da obra..............................................1898.3. A caracterizao doWilhelm Meister, de Johann Wolfgang Goethe...............................1978.4. A caracterizao de Georg Forster...................................................................................2048.5. A caracterizao das obras poticas de Giovanni Boccaccio...........................................2088.6. A caracterizao de Gotthold Ephraim Lessing...............................................................212
Consideraes finais...............................................................................................................219
Referncias Bibliogrficas.....................................................................................................223
-
7/23/2019 A Crtica Literria de Friedrich Schlegel
14/241
14
Introduo
1. Tema e objetivo do trabalho.
Nada mais difcil do que poderreconstruir, distinguir e caracterizar opensamento de algum at o mais ntimodetalhe [...] S possvel dizer que seconhece uma obra, um esprito, quando se capaz de reconstruir sua estrutura, seumovimento. Essa compreenso profunda,que pode ser denominada de caracterizar, a verdadeira ocupao e a essncia da
crtica (...).Friedrich Schlegel1.
A crtica literria de Karl Wilhelm Friedrich Schlegel (1772-1829) insere-se no
paradigma de alteraes sociais, econmicas, polticas e culturais ocorridas durante o sculo
XVIII, na Europa. O sculo da crtica, como foi definido por Immanuel Kant (1724-1804),
onde o homem ousou sair de sua minoridade intelectual2, teve como uma de suas
consequncias a busca pela liberdade e autonomia em todos os mbitos do conhecimentohumano, influenciando igualmente a maneira de conceber a criao e a crtica literria. Em
sintonia com seu tempo, a teorizao crtico-literria de Schlegel almejava concretizar uma
revoluo esttica no campo literrio3. A ruptura com a potica normativa, dogmtica e
atemporal faz com que o juiz de arte, o Kunstrichter,seja substitudo pelo crtico de arte, o
Kunstkritiker. A partir de ento, essa crtica literria herdeira dos estudos fundadores de
1SCHLEGEL, Friedrich.Lessings Gedanken und Meinungen.In: SCHLEGEL, Friedrich. Kritische Friedrich-Schlegel-Ausgabe.Paderborn: Ferdinand Schningh, 1975, p. 60. Trata-se da edio crtica da obra de Schlegel,realizada por Ernst Behler e colaboradores, doravante citada como KA, seguido do volume e da pgina.2 Iluminismo [Aufklrung] a sada do homem de sua minoridade, pela qual ele prprio responsvel. A
minoridade a incapacidade de se servir de seu prprio entendimento sem a tutela de um outro [...]Sapere aude!Tenha a coragem de se servir de seu prprio entendimento, tal , portanto, a divisa do Iluminismo. KANT,Immanuel.Beantwortung der Frage: Was ist Aufklrung?Hamburg: Felix Meiner Verlag, 1999, p. 20. QuandoKant decide dar o nome de crtica investigao do alcance e dos limites da razo, sabe muito bem que no estempregando uma palavra nova. Sempre atencioso da terminologia consagrada, embora tambm sempreconsciente das novas significaes que introduz, sua escolha recai desta vez sobre uma palavra de uso corrente,que serve para identificar uma tendnciaprpria ao sculo XVIII: a de submeter dogmas e opinies aceitas aoescrutnio do pensamento livre e esclarecido. SUZUKI, Mrcio. O gnio romntico. Crtica e histria dafilosofia em Friedrich Schlegel.So Paulo: Iluminuras, 1998, p. 19.3
Para encontrar a correta direo da poesia moderna preciso buscar uma revoluo esttica. SCHLEGEL,Friedrich.ber das Studium der griechischen Poesie. In: KA-I, p. 270.
-
7/23/2019 A Crtica Literria de Friedrich Schlegel
15/241
15
Johann Joachim Winckelmann (1717-1768) e Johann Gottfried Herder (1744-1803), com os
quais comea o processo de historicizao da potica dos gneros e das pesquisas no mbito
da artepassa a observar a obra de arte literria de acordo com uma concepo histrica, ou
seja, compreendendo os fenmenos literrios tambm atravs da anlise dos fatores sociais,
histricos, polticos, antropolgicos, entre outros aspectos. Por outro lado, alguns conceitos
introduzidos por Schlegel em sua crtica de literatura so influncias da filosofia fichteana,
como a concepo da exegese literria enquanto aperfeioamento infinito, a noo de
aproximao recproca entre as pocas da poesia, ou mesmo a teorizao sobre a poesia
transcendental. Assim como Fichte descobrira a liberdade interna da reflexo4, Schlegel
postula que a crtica literria deve auxiliar a obra de arte a proporcionar a possibilidade de
reflexo, de autocrtica, de crescimento e aperfeioamento espirituais, pois, de acordo com ofilsofo da doutrina-da-cincia, a liberdade no significava nada mais do que tornar-se
consciente de si mesmo5. Atravs dos ensinamentos de Fichte sobre a atividade do sujeito
pensante em seu processo reflexivo, os romnticos incorporam s suas teorias o conceito de
arte enquanto reflexo potenciada. Esse movimento foi captado mais tarde por Walter
Benjamin (1892-1940) ao considerar a arte romntica um medium-de-reflexo. Em sua nsia
pela experincia totalizadora, o primeiro romantismo considera a arte como um instrumento
essencial na busca pela perfectibilidade infinita da formao humana, pois ela favorece acontemplao da aproximao singular entre o Absoluto e o condicionado. O desejo de intuir
o Absoluto e de compreender a totalidade da existncia e da experincia esttica foi
denominado por Friedrich Schlegel como uma Sehnsucht nach dem Unendlichen [nsia de
infinito]6.
Essa crtica literria, que observa a literatura em sua dimenso histrica e esttica,
busca fundamentar a atividade do crtico de literatura a partir de critrios universais,
indicando a necessidade de se encontrar trs elementos na obra de arte literria: a tendncia, aimpresso absoluta, e o ideal individual da obra. Atravs desses aspectos, o crtico busca
4Kant descobriu ofim da metafsicanas trs Ideias, Deus, liberdade, imortalidade, mas Fichte o incio, no,porm, no eu e no no-eu, mas na liberdade interna da reflexo. SCHLEGEL, Friedrich. PhilosophischeLehrjahre. In: KA-XVIII, p. 280 apud SUZUKI, Mrcio. O gnio romntico. Crtica e histria da filosofia emFriedrich Schlegel.So Paulo: Iluminuras, 1998, p. 16.5YOON, Tae Won.Der Symbolcharakter der neuen Mythologie im Zusammenhang mit der kritischen Funktionder romantischen Ironie bei Friedrich Schlegel.Frankfurt am Main: Peter Lang Verlag, 1996, p. 21. 6Behler, Ernst.Friedrich Schlegel mit Selbstzeugnissen und Bilddokumenten.Hamburg: Rowohlt, 1966. p. 24.
Em carta escrita a August Wilhelm, Schlegel descreve a atividade de crtico-literrio como uma nsia de
infinito.SCHLEGEL. Friedrich.Bis zur Begrndung der Romantischen Schule. (1788-1797).KA-XXIII, p. 24.Carta de 4 de outubro de 1791.
-
7/23/2019 A Crtica Literria de Friedrich Schlegel
16/241
16
transcender a questo advinda de Kant sobre a impossibilidade de um juzo de gosto universal
sobre a arte7. Para o autor de Lucinde, se no era mais possvel ajuizar sobre o valor esttico
da obra de arte, o crtico devia ento estabelecer se a obra alcanou ou no seu ideal
individual, e qual era ento sua tendncia, ou seja, para onde essa obra ou escrito apontava.
Antecipando discusses sobre a recepo da obra literria, as quais somente so levantadas
quase um sculo e meio mais tarde, Schlegel descreve a impresso absoluta da obra de arte
literria como algo que o leitor em qualquer lugar ou poca pode experimentar. Esses
aspectos foram concretizados, sobretudo, em suas caracterizaes crtico-literrias, as
Charakteristiken. Obras de arte crtico-literrias, como eram denominadas pelo autor do
Studium-Aufsatz8, as caracterizaes so exemplos de crtica histrica, esttica, filolgica,
filosfica, divinatria e genial. Atravs desse modus faciendi de crtica literria possvelobservar como se complementam reciprocamente os aspectos intrnsecos e os extrnsecos na
obra de arte.
Grande parte dos estudiosos divide a produo de Schlegel em trs fases. A primeira
fase compreende os escritos de Dresden, entre os anos de 1794 e 1796, nos quais o crtico
dedicou-se ao estudo das obras da Antiguidade clssica9. A segunda fase concomitante ao
primeiro romantismo alemo, estendendo-se desde 1797, ano da primeira estadia de Schlegel
em Jena, at 1801, quando Friedrich von Hardenberg vem a falecer, e seu irmo AugustWilhelm separa-se da esposa Caroline Bhmer (que casa-se com Schelling), e parte para
Berlim. Essa fase caracterizada, sobretudo, pelo estabelecimento da distino entre o
clssico e o romntico pelos irmos Schlegel10. A terceira fase composta pelas conferncias
sobre histria da literatura, entre as quais encontram-se as prelees de Paris e Colnia sobre
a Cincia da Literatura Europeia (1803-1804), e as conferncias sobre a Histria da
literatura antiga e moderna,proferidas em Viena (1812). Essa fase abrange os anos que vo
7A questo sobre a impossibilidade de um ajuizamento objetivo da arte, tambm conhecida como antinomia dogosto, surge aps as Crticasde Immanuel Kant. Cf. LACOSTE, Jean. A Filosofia da Arte. Rio de Janeiro:Jorge Zahar Editor, 1986, p. 30.8 Uma caracterizao uma obra de arte da crtica. SCHLEGEL, Friedrich.O dialeto dos fragmentos.SoPaulo: Iluminuras, 1997, p. 140, fragmento [439]Athenum.Traduo de Mrcio Suzuki.9Entre os escritos dessa poca destacam-se: Do estudo da poesia grega, [ber das Studium der griechischenPoesie], a Histria da poesia dos gregos e romanos [Geschichte der Poesie der Griechen und Rmer], assimcomo outros textos importantes, comoDas escolas da poesia grega [Von den Schulen der griechischen Poesie];Do valor esttico da comdia grega [Vom sthetischen Werte der griechischen Komdie];Dos limites do belo[ber die Grenzen des Schnen];Da Diotima[ber die Diotima];Da poesia homrica [ber die HomerischePoesie], entre outros. Essas obras se encontram no KA-I.10As principais obras dessa poca so: os Fragmentos do Lyceum (1797); osFragmentos do Athenum (1798),
as Ideias (1799); os Fragmentos sobre poesia e literatura (1797-1801),Lucinde(1799), e a Conversa sobre aPoesia(1800). Obras inseridas no KA-II, KA-XVI e KA-XVII.
-
7/23/2019 A Crtica Literria de Friedrich Schlegel
17/241
17
desde a converso de Schlegel, em 1808, at as conferncias sobre a Filosofia da Lngua e da
Palavra[Philosophie der Sprache und des Wortes]no ano de seu falecimento, em 1829.
O presente trabalho apresenta e discute os aspectos centrais da teorizao crtico-
literria de Friedrich Schlegel, abrangendo igualmente sua atuao enquanto historiador da
literatura, assim como a aplicao prtica desses princpios em suas obras crtico-literrias. A
pesquisa se concentra na poca que vai desde os primeiros escritos sobre a Antiguidade
clssica (1794-1796), o surgimento do primeiro romantismo alemo, a chegada de Schlegel a
Jena (1796), a partida e a estadia em Berlim (1797), as publicaes nas revistas Lyceum e
Athenum (1797-1800), at as conferncias sobre a histria da literatura europeia de Paris
(1802-1803) e de Viena (1812). O recorte justifica-se pelo fato de que sobretudo nessa
poca que Schlegel desenvolve sua teorizao crtico-literria. Ainda assim, quandonecessrio, a tese utiliza textos e fragmentos da fase tardia de Schlegel.
-
7/23/2019 A Crtica Literria de Friedrich Schlegel
18/241
18
2. A estrutura da tese
O primeiro captulo, Os anos de aprendizado crtico-literrios, aborda os anos de
formao de Friedrich Schlegel, nos quais o pensador desenvolveu os fundamentos de sua
crtica. Aps uma breve apresentao do ambiente em que o estudioso foi criado, de sua
trajetria estudantil, e das principais influncias que contriburam para sua formao, o
captulo trata da busca do crtico em realizar no mbito da arte literria o que Johann Joachim
Winckelmann havia feito para as artes plsticas da Antiguidade: um estudo abrangente de sua
histria. Por fim, o captulo discute a poca do primeiro romantismo alemo, relacionando a
busca comum do grupo pela compreenso totalizadora da experincia humana com odesenvolvimento crtico-literrio de Schlegel.
O segundo captulo, O antigo e o moderno na crtica literria de Friedrich Schlegel,
trata inicialmente da questo do mtodo utilizado pelo crtico para harmonizar o
essencialmente antigo e o essencialmente moderno, discutindo igualmente como Schlegel
conseguiu resolver o conflito entre as pocas da poesia e os sistemas circular e progressivo.
Depois disso, o captulo busca compreender as dicotomias ingnuo/sentimental,
clssico/romntico, bem como o conceito de interessante, no contexto dos escritos sobre aAntiguidade clssica de Schlegel e a obraPoesia ingnua e sentimental,de Friedrich Schiller.
Por fim, o captulo versa sobre a distino entre o clssico e o romntico estabelecida pelos
irmos Schlegel, enquanto analisa de que modo essa diferenciao contribuiu para a
conscincia literria moderna e o nascimento dos estudos literrios.
O terceiro captulo, Crtica literria e a perfectibilidade infinita, aborda a
importncia da arte para a concretizao da ideia de aperfeioamento infinito e demonstra
como a crtica literria torna-se para Schlegel sinnimo de criao em segunda potncia.Posteriormente, o captulo investiga o papel dos escritos de Johann Gottlieb Fichte no
desenvolvimento da concepo schlegeliana de perfectibilidade infinita no mbito da crtica
literria. Em sua concluso o captulo trata do conceito de diaskeuase, isto , o trabalho de
exegese, reposio, reestabelecimento do texto literrio, que foi deduzido pelo crtico da
atividade dos antigos crticos de Alexandria, os diaskeuastas, e inserido em sua teorizao
crtico-literria, onde passa a ter o significado de tarefa contnua de critica e complementao
da obra.
-
7/23/2019 A Crtica Literria de Friedrich Schlegel
19/241
19
O quarto captulo,Aironia romntica de Friedrich Schlegel, discorre sobre a origem
histrica do termo e os significados que o conceito assume na teorizao schlegeliana,
investigando igualmente a relao entre a ironia socrtica e a ironia romntica, assim como o
tema da transposio realizada por Schlegel de elementos da tradio literria e da filosofia,
como o bufo comum, o bufo transcendental e a parabase. Aps isso, o captulo aborda a
recepo negativa que a ironia romntica de Schlegel recebe por parte de Hegel e dos
hegelianos, e os desdobramentos dessa recepo. Por fim, o captulo analisa a relao entre a
ininteligibilidade e a ironia romntica, buscando demonstrar como a crtica literria de
Schlegel leva em considerao o fato de que inerente a toda comunicao humana algum
resqucio de ininteligibilidade.
O quinto captulo, A poesia romntica, universal e progressiva, comenta e discuteprimeiramente a abrangncia do termo romntico no final do sculo XVIII, procurando
demonstrar toda a riqueza semntica que envolve a palavra. A seguir, o captulo aborda as
diversas acepes do conceito de poesia romntica, seja enquanto elemento potico, gnero
literrio ou mesmo como uma forma futura de expresso literria. Alm disso, o captulo
investiga a aproximao entre a poesia romntica e o gnero do romance, bem como a
teorizao de Schlegel sobre a universalidade e a progressividade da poesia romntica. Ao
final, o captulo trata da poesia transcendental enquanto arte que reflete sobre a prpriacondio, o que aproxima esse tipo de literatura do conceito de ironia romntica.
O sexto captulo, Ateoria do romance de Friedrich Schlegel,aborda inicialmente a
situao do romance no sculo XVIII alemo, tecendo um breve panorama a respeito da
teorizao sobre o gnero, desde as primeiras influncias de crticos franceses no comeo do
sculo, at a crtica literria de Schlegel, no alvorecer do sculo XIX. Aps isso, o captulo
reflete sobre as obrasLucindee Conversa sobre a poesia,buscando compreender seu papel na
teoria e napraxis do romance de Schlegel. Por fim, o captulo aborda a questo do romanceabsoluto, descrevendo cada um de seus elementos integrantes, o fantstico o sentimental e o
mmico, bem como a relao que esse gnero (ou mistura de gneros) tem com o conceito de
literatura em devirassumido pela poesia romntica, universal e progressiva.
O stimo captulo, As conferncias sobre histria da literatura de Friedrich
Schlegel, principia com a discusso sobre a importncia do contexto histrico no
estabelecimento dos estudos sobre literatura de Schlegel, e o papel do crtico no surgimento
da historiografia literria moderna. Em sequncia, o captulo analisa as duas sries de
-
7/23/2019 A Crtica Literria de Friedrich Schlegel
20/241
20
conferncias sobre literatura europeia, realizadas em Paris (1803-1804) e Viena (1812), na
tentativa de definir as aproximaes e diferenas entre as prelees, e demonstrar de que
modo, entre a primeira e a segunda srie de conferncias, Schlegel desloca o fundamento de
sua histria da poesia europeia da Grcia antiga para a Idade Mdia europeia.
O oitavo captulo, Caracterizao: a obra de arte crtico-literria, analisa
primeiramente como esse tipo de ensaio crtico-literrio se diferencia de outras formas de
exegese. Aps isso, o captulo investiga e discute como Schlegel desenvolveu, em seus
Fragmentos sobre poesia e literatura, uma filosofia da caracterizao e quais so os
elementos que a estruturam. O captulo discorre ainda sobre os procedimentos e os objetivos
da caracterizao, tais como a tendncia, a impresso absoluta e o ideal individual da obra de
arte literria. Por fim, o captulo faz uma breve analise de quatro caracterizaes de Schlegel.
-
7/23/2019 A Crtica Literria de Friedrich Schlegel
21/241
21
3. A situao da pesquisa sobre a crtica literria de Friedrich Schlegel
H muito que se fazer em relao a
Friedrich Schlegel, pois nenhum dosgrandes autores de nosso apogeu literriofoi to mal entendido.Ernst Robert Curtius11.
Decorridos mais de dois sculos de recepo crtica de suas obras, cujo incio pode
ser datado j nas conferncias de seu irmo August Wilhelm, realizadas na primeira dcada de
1800, a pertinncia das teorizaes crtico-literrias de Friedrich Schlegel continua a despertar
o interesse de pesquisadores. Esse fato, assim como a multiplicidade de objetos de estudo
sobre os quais o crtico se debruou, faz com que seja possvel encontrar as mais diversasabordagens em sua fortuna crtica. Alm disso, a aproximao recproca entre a poesia e a
filosofia ocorrida no primeiro romantismo alemo, e a insero de diversos aspectos advindos
da tradio filosfica e da filosofia de Fichte em sua crtica literria, levou muitos estudiosos
a concentrar seus esforos na compreenso dos fundamentos filosficos que embasam as
teorizaes de Schlegel. Assim, a recepo de sua obra abrange escritos e pesquisas cujo tema
vai desde a crtica literria, a hermenutica, a filosofia da histria, a sociologia da arte, a
historiografia literria, a teoria do conhecimento, a filosofia da arte, a histria da religio, a
histria da filosofia, a esttica, os estudos de literatura comparada, entre outros. Como foi
dito, o primeiro leitor e crtico atento da obra schlegeliana foi seu irmo, August Wilhelm
Schlegel. Atravs de sua Doutrina da arte [Die Kunstlehre] 12, tambm chamadas de
Conferncias sobre a literatura bela e arte, realizadas em Berlim entre os anos de 1801 e
1803, e as Conferncias sobre arte dramtica e literatura [Vorlesungen ber dramatische
Kunst und Literatur]13, apresentadas em Viena, no ano de 1806, August Wilhelm auxilia a
tornar conhecidos diversos aspectos da teoria de literatura desenvolvida pelos romnticos.
Entre essas concepes, encontra-se a famosa distino entre o clssico e o
romntico, que, segundo Goethe, teria sido levantada pela primeira vez por ele e Schiller, mas
11CURTIUS, Ernst Robert.Friedrich Schlegel und Frankreich. In: CURTIUS, E.R.Kritische Essays zurEuropischen Literatur. Bern: Francke Verlag, 1954, p. 86.12SCHLEGEL, August Wilhelm.Die Kunstlehre.Stuttgart: W. Kohlhammer Verlag, 1963.13
SCHLEGEL, August Wilhelm.Vorlesungen ber dramatische Kunst und Literatur.Stuttgart: W. KohlhammerVerlag, 1967.
-
7/23/2019 A Crtica Literria de Friedrich Schlegel
22/241
22
tornada mundialmente conhecida pelos irmos Schlegel14. Nas conferncias de August
Wilhelm encontram-se outros aspectos da concepo crtico-literria de Schlegel, como a
meno necessria unificao entre histria, teoria e crtica em um estudo sistemtico da
literatura, ou o estabelecimento do ponto de vista histrico na compreenso da arte. De acordo
com Edgar Lohner, as conferncias de August Wilhelm muitas vezes ecoaram os escritos de
Schlegel15. Desse modo, a partir das conferncias de August Wilhelm, as concepes crtico-
literrias de Friedrich Schlegel tornam-se acessveis a um pblico mais abrangente. Os
primeiros anos da recepo crtica das obras de Schlegel tambm contaram com o apoio de
uma das figuras mais controversas e interessantes desse perodo, a filsofa Anne Louise
Germaine Necker, Baronesa de Stel-Holstein, tambm conhecida como Madame de Stel
(1766-1817). Enquanto crtica e estudiosa da obra dos irmos Schlegel, a baronesa contribuipara o conhecimento de suas teorias na Frana e Inglaterra, principalmente aps a publicao
de sua obraDe lAllemagne,cuja primeira edio, de 1810, fora completamente destruda pela
represso napolenica, sendo republicada em 181416. A obra de Madame de Stel dedica um
captulo inteiro aos estudos literrios dos irmos Schlegel, denominado Des richesses
littraires de LAllemagne et de ss critiques le plus renomms, August Wilhelm et Friedrich
Schlegel17.Ao se referir s conferncias sobre arte dramtica e literatura que August Wilhelm
havia proferido em Viena, as quais presenciara, a famosa baronesa afirma considerava AugustWilhelm o primeiro crtico de literatura da Alemanha18.
Durante o final do sculo XVIII e os primeiros anos do sculo XIX, a pesquisa sobre
Schlegel se limita, sobretudo, recepo negativa de seu romance Lucinde (1799).
Considerado extremamente pernicioso e imoral pela sociedade de sua poca, a obra foi
refutada pela grande maioria dos crticos, com exceo de Friedrich Daniel Ernst
Schleiermacher (1768-1834), o qual publica uma defesa da obra, de forma annima, em 1800:
as Cartas confidenciais sobre o Lucinde, de Friedrich Schlegel [Vertraute Briefe ber
14GOETHE, J. W. apud SZONDI, Peter.Das Naive ist das sentimentalische. Zur Begriffsdialektik in SchillersAbhandlung.In: SZONDI, Peter.Schriften-II.Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1978, p. 68. Sobre esse assunto,ver o subitem 2.3. da presente tese:A distino entre o clssico e o romntico na teoria dos irmos Schlegel.15 LOHNER, Edgar. Vorwort. In: SCHLEGEL, August Wilhelm. Vorlesungen ber dramatische Kunst undLiteratur.Stuttgart: W. Kohlhammer Verlag, 1967. Volume I, p. 5.16Cf. STEL, Madame de.De lAllemagne.Paris : Garnier-Flammarion, 1968.17STEL, Madame de.De lAllemagne.Paris : Garnier-Flammarion, 1968, p. 67.18Jtais Vienne quand W. Schlegel y donna son cours public [...] Wilhelm Schlegel, que je cite ici comme le
premier critique littraire de l Allemagne. STEL, Madame de.De lAllemagne.Paris: Garnier-Flammarion,1968, p. 71, e p. 72, nota 1.
-
7/23/2019 A Crtica Literria de Friedrich Schlegel
23/241
23
Friedrich Schlegels Lucinde] 19. Ao se ocupar meramente com o ajuizamento moral da obra, a
maioria dos crticos parece no haver percebido que Lucinde era uma obra de arte literria
inovadora em muitos aspectos. As rupturas formais e estruturais da obra, o entrecruzar de
formas literrias so fatores to inovadores quanto a viso de uma nova forma de relao entre
o homem e a mulher que a obra desperta. Considerada por Schleiermacher como um
Evangelho do amor, no sentido do mais puro e belo sentimento possvel entre seres humanos,
a obra antecipa muitas discusses da modernidade. Entre os pesquisadores que se ocuparam
com o romance de Schlegel no final do sculo XVIII e comeo do XIX, encontram-se
Bernhard J. Vermehren (1800), Karl Gutzkow (1835), Arnold Ruge (1839), Kudwig
Wienbarg (1834) 20. Outro crtico que se debrua sobre a obra de Schlegel ainda nas primeiras
dcadas de 1800 Christian Johann Heinrich Heine (1797-1856). Em sua obra A escolaRomntica [Die romantische Schule], escrita em Paris em 1835, Heine expressa uma viso
extremamente negativa da atuao crtica dos irmos Schlegel, sobretudo, de August
Wilhelm, de quem afirma ter sido um discpulo 21. Para o autor da Escola Romntica,
Friedrich era um terico superior a August Wilhelm, o qual tem o mrito de tornar mais
compreensveis e acessveis as ideais do irmo. O crtico tambm postula que a viso de
mundo e a teorizao literria de Schlegel eram fundamentadas pelo Catolicismo. nesse
sentido que deve ser compreendida a famosa afirmao de Heine de que a viso superiordeSchlegel em suas conferncias sobre literatura construda completamente a partir do
campanrio de uma igreja catlica 22. A mesma crtica direcionada de forma irnica ao
romance Lucinde.Heine afirma que a obra foi considerada por muitos crticos como uma
obra de arte representante do que de melhor foi produzido em lngua alem, mas que, graas
proteo dos deuses, agora estava completamente esquecida 23. Em compensao, o autor da
Escola Romnticademonstra grande admirao pelos escritos de Schlegel sobre a lngua e a
19 SCHLEIERMACHER, Friedrich Daniel Ernst. Vertraute Briefe ber Friedrich Schlegels Lucinde. In;SCHLEGEL, Friedrich.Lucinde.Berlin: Goldmann Verlag, 1985, p. 93.20VERMEHREN, Bernhard J.Briefe ber Friedrich Schlegels Lucinde zur richtigen Wrdigung derselben. Jena1800; GUTZKOW, Karl. Vorrede zur Neuausgabe von Schleiermachers Vertraute Briefe. Hamburg, 1835;RUGE, Arnold. Lucinde. Romantik der Liebe und des Lebens. Halle, 1839; WEINBARG, Ludwig. Lucinde,Schleiermacher und Gutzkow.(1834). apud. SCHLEGEL, Friedrich.Lucinde. Berlin: Goldmann Verlag, 1985, p.229.21HEINE, Heinrich.Die romantische Schule. In: Werke in drei Bnden. Band III. Schriften zu Literatur undPolitik. Gtersloh: Betelsmann, 1985, p. 305.22HEINE, Heinrich.Die romantische Schule. In: Werke in drei Bnden. Band III. Schriften zu Literatur undPolitik. Gtersloh: Betelsmann, 1985, p. 308.23
HEINE, Heinrich.Die romantische Schule. In: Werke in drei Bnden. Band III. Schriften zu Literatur undPolitik. Gtersloh: Betelsmann, 1985, p. 305.
-
7/23/2019 A Crtica Literria de Friedrich Schlegel
24/241
24
cultura dos hindus, afirmando ser notvel o fato de o estudioso ter aprendido snscrito com
tanta facilidade e rapidez 24.
A compreenso de Heine sobre as obras dos primeiros romnticos como sendo
principalmente o resultado de uma esttica crist influencia o modo como o romantismo
alemo foi estudado posteriormente. No esforo em compreender esse Zeitgeist, a crtica do
primeiro romantismo alemo tem operado com a categoria do esprito do cristianismo,
quando se relaciona s obras, teorizao e mesmo viso de mundo dos romnticos. Outro
aspecto importante da recepo dos escritos de Schlegel em Heine tem relao com a prpria
denominao de sua obra. De acordo com Ernst Behler, na poca dos primeiros romnticos, a
expresso utilizada para caracteriz-los era Nova escola, ou ainda, A escola schlegeliana
da poesia25.Desse modo, a denominaoEscola Romntica surge apenas bem mais tarde,principalmente com a publicao do livro de Heine26. Ainda segundo Behler, a associao do
romantismo ao Catolicismo levantada por Heinrich Heine torna-se um lugar comum nas
prximas dcadas, passando a denotar tambm toda espcie de posio reacionria27. com
esse mesmo sentido que Rudolf Haym (1821-1901) demonstra na introduo de sua Escola
Romntica (1870) a semelhana entre o romntico e o reacionrio: O reacionrio era o
romntico, ento, todo aquele que apesar da modernidade da poca se apegasse a aspectos
culturais do passado, buscando reaviv-los era um romntico28
. Haym considerava quehavia existido uma campanha antirromantismo, e que em sua poca (1870) felizmente essa
campanha j era coisa do passado, devendo ser tarefa da crtica substituir essa viso do
romantismo29. A obra de Rudolf Haym realmente estuda e discute de um modo aprofundado
a teoria de Friedrich Schlegel e de outros componentes do movimento, como Novalis e Tieck,
contribuindo para a especificaoque acontece apenas nas primeiras dcadas do sculo XX
do primeiro romantismo alemo enquanto um movimento diferenciado do romantismo em
geral.
24HEINE, Heinrich.Die romantische Schule. In: Werke in drei Bnden. Band III. Schriften zu Literatur undPolitik. Gtersloh: Betelsmann, 1985, p. 307.25BEHLER, Ernst.Frhromantik.Berlin: Walter de Gruyter, 1992, p. 21.
26BEHLER, Ernst.Frhromantik.Berlin: Walter de Gruyter, 1992, p. 22. Sobre a histria da introduo dostermos romntico e Escola romntica, ver: WELLEK, Ren.Concepts of Criticism.New haven and London:Yale University Press, 1963, p. 128-198.27BEHLER, Ernst.Frhromantik.Berlin: Walter de Gruyter, 1992, p. 24.
28 HAYM, Rudolf. Die Romantische Schule. Ein Beitrag zur Geschichte des Deutschen Geistes. New
York/Hildesheim: Georg Olms Verlag, 1977, p. 3. [Reproduo da primeira edio de 1870].29
HAYM, Rudolf. Die Romantische Schule. Ein Beitrag zur Geschichte des Deutschen Geistes. NewYork/Hildesheim: Georg Olms Verlag, 1977, p. 4. [Reproduo da primeira edio de 1870].
-
7/23/2019 A Crtica Literria de Friedrich Schlegel
25/241
25
Nesse sentido, o recorte realizado por Rudolf Haym em sua Escola Romntica foi
decisivo, pois, ao se ocupar exclusivamente com as obras dos primeiros romnticos, o
estudioso contribuiu para a revalorizao do movimento. Atravs de uma longa e extensiva
anlise das obras artsticas e dos escritos tericos de Ludwig Tieck, Friedrich von
Hardenberg, Friedrich Schlegel, Heinrich Wackenroder, August Wilhelm Schlegel, Friedrich
Schelling, a Escola Romntica de Rudolf Haym estabelece um novo fundamento para a
retomada do Frhromantik, o primeiro romantismo. Diversos aspectos da teorizao de
Schlegel so abordados de uma forma mais aprofundada na obra, como a questo da ironia
romntica, a relao ente o antigo e o moderno, a poesia romntica, universal e progressiva,
assim como a teorizao sobre o romance. Ao chamar a ateno para o mtodo utilizado nas
Charakteristiken,as caracterizaes crtico-literrias, o estudioso aponta para a singularidadedo modus faciendide crtica schlegeliana, isto , a fundamentao crtico-literria com base
no entendimento do contexto histrico em que a obra fora produzida, alm de todos os
elementos intrnsecos e o dilogo com a tradio literria 30. Apesar da constante tentativa em
opor a poca de Dresden, quando Schlegel escreveu o Studium-Aufsatz, e a poca do
Athenum, Haym demonstra ter se ocupado profundamente com os escritos literrios de
Schlegel. Ainda que houvesse buscado compreender e discutir a crtica de Schlegel e de
outros membros do movimento romntico, e muitas vezes levado em considerao o ponto devista negativo de outros estudiosos, o mrito de haver colocado a potica primeiro-romntica
como um assunto digno de pesquisa e estudo faz da Escola Romnticaum paradigma tanto
para os opositores quanto para os defensores das ideias do primeiro romantismo alemo31.
Outro autor da mesma poca de Rudolf Haym que se torna importante para a
pesquisa sobre Schlegel Wilhelm Dilthey (1833-1911). Em sua obra A vida de
Schleiermacher [Leben Schleiermachers], publicada em 1870, o autor contribui para o
conhecimento de diversas concepes de Schlegel, ainda que de forma indireta. De acordocom Ernst Behler, Wilhelm Dilthey planejara at mesmo publicar uma histria do primeiro
romantismo a partir do contato que teve com o esplio de Schlegel em Bonn 32. Assim, ao
30 HAYM, Rudolf. Die Romantische Schule. Ein Beitrag zur Geschichte des Deutschen Geistes. NewYork/Hildesheim: Georg Olms Verlag, 1977, p. 240. [Reproduo da primeira edio de 1870].31Para Ernst Behler, o prprio nomeFrhromantik,ou seja, primeiro romantismo, teria surgido desse embate deideias entre os opositores e os defensores do movimento. BEHLER, Ernst. Frhromantik. Berlin: Walter deGruyter, 1992, p. 26.32 DILTHEY, Wilhelm. Leben Schleiermachers. Berlin: Herman Mulert Verlag, 1922(1870). Ver tambm:
BEHLER, Ernst. Friedrich Schlegel mit Selbstzeugnissen und Bilddokumenten. Hamburg: Rowohlt, 1966, p.151.
-
7/23/2019 A Crtica Literria de Friedrich Schlegel
26/241
26
escrever a biografia de Friedrich Daniel Ernst Schleiermacher, o autor colaborou
sensivelmente para a futura recuperao histrica do primeiro romantismo e da obra de
Schlegel. Do mesmo modo, a estudiosa Ricarda Huch (1864-1947), em sua obra Romantik:
Bltezeit, Ausbreitung und Verfall [Romantismo: auge, difuso e declnio], publicada entre
1899 e 1902, abre caminho para a retomada dos estudos sobre Friedrich Schlegel no sculo
XX, ainda que a autora partilhe da opinio negativa de parte da crtica sobre alguns aspectos
da denominada escola romntica 33. Ernst Behler afirma que as obras da dcada de 1870 se
concentrariam decididamente na fase do Athenum, ou seja, os denominados escritos da
juventude de Friedrich Schlegel. Entre as obras que se incluem nessa perspectiva esto a
Escola Romntica, de Rudolf Haym, a Vida de Schleiermacher, de Wilhelm Dilthey, e os
escritos publicados por Jakob Minor, Friedrich Schlegels Prosaischen Jugendschriften [Osescritos em prosa da juventude de Friedrich Schlegel], os quais foram publicados em 188234.
Na primeira dcada do sculo XX, so publicadas algumas monografias que tm em
comum o estudo de aspectos filosficos, polticos e histricos do pensamento schlegeliano.
o caso, por exemplo, da monografia de Samuel Paul Capen sobre a relao entre Schlegel e
Reichardt, onde o autor faz uma longa e detalhada descrio da problemtica que envolveu
Schlegel e Schiller35. Datam tambm desse comeo de sculo, a monografia de Ernst Lewalter
sobre o chiste [Witz] na crtica literria de Schlegel36
, o estudo de J. Rouge sobre o Lucinde,de Schlegel37, a tese sobre a filosofia da histria em Schlegel, de F. Lederbogen38, assim como
os estudos de Jakob Bleyer39e de Richard Volpers40sobre a atuao poltica de Schlegel. Ao
analisar as fontes primrias disponveis a esses estudiosos chega-se concluso de que essas
pesquisas se fundamentaram, sobretudo, na publicao das obras completas de Schlegel
datada ainda dos anos de 1822-182541, assim como nas edies realizadas por C. H.
33HUCH, Ricarda.Romantik: Bltezeite, Ausbreitung und Verfall.Tbingen: Rainer Wunderlich Verlag, 1951.34BEHLER, Ernst.Friedrich Schlegel mit Selbstzeugnissen und Bilddokumenten.Hamburg: Rowohlt, 1966, p.156.35CAPEN, Samuel Paul.Friedrich Schlegels relation with Reichardt and his contributions to Deutschland.Philadelphia: University of Philadelphia, 1903.36LEWALTER, Ernst.Friedrich Schlegel und sein romantischer Witz.Leipzig: August Hoffmann, 1917.37ROUGE, Issac. Erluterung zu Friedrich Schlegels Lucinde. Universit de Lausanne, 1904.38 LEDERBOGEN, Friedrich. Friedrich Schlegels Geschichtsphilosophie: Ein Beitrag zur genesis derhistorischen Weltanschauung.Leipzig: Verlag der Drrschen Buchhandlung, 1908.39 BLEYER, Jakob. Friedrich Schlegel am Bundestag in Frankfurt. Mnchen: Verlag von Duncker undHumblot, 1913.40 VOLPER, Richard. Friedrich Schlegel als politischer Denker und deutscher Patriot. Saale Naumburg:
Verlag und Buchdruckerei Lippert & Co, 1917.41SCHLEGEL, Fredrich.Smmtliche Werke.Wien: Jacob Mayer, 1822-1825. (10 volumes).
-
7/23/2019 A Crtica Literria de Friedrich Schlegel
27/241
27
Windischmann, de 1836-183742, e nos prosaischen Jugendschriften [Escritos prosaicos da
juventude], publicados por Jakob Minor, em 188243. Essas investigaes apoiam-se
igualmente na edio da seleo de obras dos irmos Schlegel realizada em 1890 por Oskar
Walzel, para quem os irmos Schlegel eram os fundadores da crtica literria ocidental 44.
Integra a fortuna crtica schegeliana dessa poca a edio das cartas do casal Schlegel, e o
estudo ber Friedrich und Dorothea Schlegel, [Sobre Friedrich e Dorothea Schlegel],
publicados em 1918 por Heinrich Finke45, assim como a obra Die Weltanschauung der
deutschen Romantik [A concepo de mundo do romantismo alemo], de Maria Joachimi-
Dege (1905) 46, que retrata a relao entre o pensamento dos primeiros romnticos e as
concepes filosficas do Idealismo alemo, e tambm Die Philosophie der Romantik, [A
filosofia do romantismo] de Erwin Kircher (1906) 47. EmDeutsche Romantik,do ano de 1918,Oskar Walzel aborda alguns aspectos da teorizao de Schlegel, como a ironia romntica, a
poesia romntica, a poesia transcendental. Apesar de sua importncia histrica para a pesquisa
sobre Schlegel, a obra no faz referncia s caracterizaes crtico-literrias, as
Charakteristiken, assim como no discute a crtica literria de Schlegel de um modo mais
especfico, ao contrrio, o escrito de Walzel se atm a lugares comuns da recepo crtica,
como a contraposio entre a fase clssica e a romntica de Schlegel48. Ainda da primeira
dcada de 1900, a obraDie Mythologie in der deutschen Literatur von Klopstock bis Wagner[A mitologia na literatura alem, de Klopstock at Wagner], de 1910, de Fritz Strich, se
ocupa de um assunto de especial importncia para a pesquisa sobre o primeiro romantismo
alemo e as obras de Schlegel: a presena do maravilhoso e a representao ou exposio
[Darstellung] simblica na literatura. A importncia do tema se relacionava ao fato de que,
segundo o autor, para os romnticos toda verdadeira poesia era mitologia, ou seja, uma
42A edio de Windischmann foi idealizada por seu irmo August Wilhelm, sobretudo aps a publicao dascartas entre Goethe e Schiller, com a inteno de defender a obra de Schlegel das crticas. Cf.WINDISCHMANN, C. H. J. (Hrsg.). Friedrich Schlegel philosophische Vorlesungen aus den Jahren 1804-1806. Nebst Fragmenten vorzglich philosophisch-theologischen Inhalts.Bonn: Weber, 1836-1837, p. IV.43MINOR, Jakob. (Hrsg.). Friedrich Schlegel. 1794-1802. Seine prosaischen Jugendschriften.Wien: VerlagCarl Konegen, 1882.44Na introduo de sua seleo de obras dos irmos Schlegel, Oskar Walzel afirma: A histria da literaturapode resumir s seguintes palavras o seu julgamento sobre os irmos Schlegel: eles so os fundadores da crticamoderna. Cf. WALZEL, Oskar.August Wilhelm und Friedrich Schlegel. In Auswahl herausgegeben.Stuttgart:Union Deutsche Verlagsgesellschaft, 1892, p. 10.45FINKE, Heinrich.ber Friedrich und Dorothea Schlegel.Kln: J. P. Bachem, 1918.46JOACHIMI-DEGE, Maria.Die Weltanschauung der deutschen Romantik.JenaLeipzig: Eugen Diederichs,1905.47
KIRCHER, Erwin.Die Philosophie der Romantik.JenaLeipzig: Eugen Diederichs, 1906.48WALZEL, Oskar.Deutsche Romantik.LeipzigBerlin: B. G. Teubner, 1918.
-
7/23/2019 A Crtica Literria de Friedrich Schlegel
28/241
28
representao simblica do Absoluto 49. Apesar de realizar uma exposio geral do
tratamento da mitologia em diferentes autores da literatura alem, Fritz Strich aborda apenas
ligeiramente o problema em Schlegel, no se referindo ao modo como a representao
alegrica surge em obras comoLucinde,assim como no trata da teorizao que ocorre sobre
o tema em Conversa sobre a poesia.No ano de 1913, outras obras que tm Schlegel ou os
romnticos como pesquisa vm a pblico, como a biografia do crtico realizada por Carl
Enders (1877-1963)embora o autor afirme explicitamente que sua obra no era e no queria
vir a ser uma biografia que fundamenta diversos estudos posteriores50. Data dessa mesma
poca o artigo de Arthur Lovejoy sobre o significado da palavra romntico no primeiro
romantismo alemo, que mais tarde se torna uma referncia na pesquisa sobre Schlegel51.
No ano de 1920 publicada aquela que pode ser considerada uma das obras maisimportantes para a recepo crtica e a pesquisa sobre Schlegel no sculo XX:Der Begriff der
Kunstkritik in der deutschen Romantik[O conceito de crtica de arte no romantismo alemo],
de Walter Benjamin52. A obra significativa por demonstrar a pertinncia do conceito de
reflexo fichteano para o estabelecimento da crtica de arte romntica, contribuindo, assim,
para a recepo dos escritos e concepes crtico-literrias de Schlegel, Novalis e August
Wilhelm. Alm disso, a partir da obra de Benjamin, o tema da crtica literria passa a ocupar
uma posio privilegiada nas pesquisas sobre Friedrich Schlegel e o movimento primeiroromntico53. Segundo Mrcio Seligmann-Silva, a obra tambm fundamental para a pesquisa
sobre Schlegel porque Benjamin foio primeiro a valorizar a teoria romntica da reflexo 54.
49 STRICH, Fritz. Die Mythologie in der deutschen Literatur von Klopstock bis Wagner.Halle: Verlag MaxNiemeyer, 1910, p. 46.50ENDERS, Carl.Friedrich Schlegel. Die Quellen seines Wesens und Werdens. Leipzig: H. Haessel Verlag,1913.51LOVEJOY, Arthur. On the meaning of Romantic in Early German Romanticism. Modern Language Notes.1916, volume 31, n 7, p. 385-396.52 BENJAMIN, Walter. Der Begriff der Kunstkritik in der deutschen Romantik. In: BENJAMIN, Walter.Gesammelte Schriften. I. Frankfut am Main: Suhrkamp, 1990.53A importncia do autor de Lucindepara Benjamin pode ser constatada logo no incio de sua obra, quando ofilsofo declara que o conceito de crtica utilizado por ele aquele de Schlegel, justificando sua escolha com aafirmao de que o direito de designar essa teoria como a teoria romntica provm de seu carterrepresentativo. BENJAMIN, Walter.Der Begriff der Kunstkritik in der deutschen Romantik.In: BENJAMIN,Walter.Gesammelte Schriften. I. Frankfut am Main: Suhrkamp, 1990, p. 14. Tambm publicada em portugus:BENJAMIN, Walter. O conceito de crtica de arte no romantismo alemo. So Paulo: Iluminuras, 2011,traduo de Mrcio Seligmann-Silva.54SELIGMANN-SILVA, Mrcio.A redescoberta do idealismo mgico.In: BENJAMIN, Walter.O conceito decrtica de arte no romantismo alemo.So Paulo: Iluminuras, 2011, p. 11. Alguns estudiosos, como Willi Bolle,acreditavam que, em sua relao com os romnticos a obra de Walter Benjamin havia sido a base de uma novaconcepo de crtica e de criao artstica, de modo a fundamentar a modernidade. Cf. BOLLE, Willi.Friedrich
Schlegel e a esttica do fragmento. Fundadores da Modernidade na Literatura. Anais da VII Semana deLiteratura Alem. FFLCH-USP, 1994, p. 35.
-
7/23/2019 A Crtica Literria de Friedrich Schlegel
29/241
29
Outra pesquisadora que aponta para a relao entre a obra de Walter Benjamin e o carter
inovador de diversas concepes do primeiro romantismo Jeanne Marie Gagnebin:
(...) O romantismo de Jena marca, pois, segundo vrios comentadores [...] o
nascimento daquilo que se chama at hoje de literatura, e que ele tentou pelaprimeira vez delimitar como produo especfica [...] justamente esse conceito dereflexoque Benjamin destaca na primeira parte do seu livro como sendo o conceitobsico da teoria do conhecimento subjacente concepo crtica (antes de tudoliterria) dos irmos Schlegel (sobretudo de Friedrich) e de Novalis (...)55.
Para Mrcio Seligmann-Silva, o interesse de diversos estudiosos, como Jean-Luc
Nancy, Philippe Lacoue-Labarthe e W. Menninghaus nessa obra de Benjamin deve-se,
sobretudo, ao fato de o filsofo ter sido um dos primeiros a apontar a importncia da alterao
que os romnticos efetuaram, ao substituir o eu fichtiano pela arte enquanto ncleo da
reflexo infinita56. Ainda que a tese de Walter Benjamin no se ocupe com o assuntoespecfico da teorizao crtico-literria e do modus faciendi de exegese realizado por
Schlegel em suas caracterizaes, um de seus propsitos foi a revitalizao da crtica literria
em sua poca. Desse modo, Benjamin propicia uma nova leitura do movimento, reabilitando
as teorizaes dos primeiros romnticos. Identificando na base da teorizao crtico-literria e
da teoria do conhecimento de Schlegel e de Novalis o conceito de reflexo, advindo de Fichte,
Walter Benjamin procura demonstrar como o primeiro romantismo alemo foi tambm um
movimento que se caracterizou pela aplicao da filosofia transcendental fichteana ao mbitoda crtica de arte. Um dos motivos para a ausncia de um estudo mais aprofundado e
especfico da crtica literria schlegeliana na obra de Benjamin pode ter sido a prpria
delimitao do trabalho, j que a tese visava os princpios filosficos da crtica de arte
romntica, e no o modus faciendide crtica literria de Schlegel57. Alm disso, Benjamin
no teve acesso a obras fundamentais sobre a concepo crtico-literria do autor do Studium-
Aufsatz,como osFragmentos sobre poesia e literatura,os quase quatro mil fragmentos sobre
55GAGNEBIN, Jeanne Marie.Nas fontes paradoxais da crtica literria. Walter Benjamin rel os romnticos deIena.In: SELIGMANN-SILVA, Mrcio. (Org.).Leituras de Walter Benjamin.So Paulo: Annablume, 2007, p.66.56Esses autores valorizam o fato de Benjamin acentuar o papel da filosofia cclica de Schlegel, a noo dedesdobramento infinito da reflexo: e da prpria verdade ou do absoluto como reflexo, movimento.SELIGMANN-SILVA, Mrcio.A redescoberta do idealismo mgico.In: BENJAMIN, Walter.O conceito decrtica de arte no romantismo alemo.So Paulo: Iluminuras, 2011, p. 11.57
SELIGMANN-SILVA, Mrcio.A redescoberta do idealismo mgico.In: BENJAMIN, Walter.O conceito decrtica de arte no romantismo alemo.So Paulo: Iluminuras, 2011, p. 13.
-
7/23/2019 A Crtica Literria de Friedrich Schlegel
30/241
30
poesia e literatura, publicados apenas em 1957 por Hans Eichner, um dos colaboradores de
Ernst Behler na edio crtica da obra de Schlegel58.
De acordo com Ernst Behler, esse quadro se altera substancialmente com a
contribuio do estudioso de literatura Josef Krner (1888-1950), cujo trabalho contribuiu de
forma essencial para a redescoberta da obra crtico-literria de Schlegel e sua revalorizao no
sculo XX59. Apesar de seu trabalho incansvel na divulgao da obra de Schlegel, em carta
escrita no ano de 1946, Josef Krner lamenta o fato de no ter publicado o esplio daquele
que considerava um dos maiores tericos da literatura, e umprofundo filsofo da poesia60.
A narrativa do destino do esplio de Schlegel e do esforo de pesquisadores como Josef
Krner e Alois Dempf (1891-1982) para sua recuperao se entrecruza com a prpria histria
da sociedade Grres [Grres-Gesellschaft]. Fundada em 1876 por um grupo de pesquisadorescatlicos, a sociedade recebeu o esplio de Schlegel graas ao contato de seu primeiro diretor,
Leopold Kaufmann (1821-1898) com os herdeiros de Friedrich Schlegel61. Aps a Segunda
Guerra Mundial, os manuscritos que haviam sido entregues Grres-Gesellschaft em 1878, e
se salvaram da destruio e do saque, foram redescobertos por Alois Dempf, que os entregou
a seu aluno Ernst Behler, o responsvel pela edio crtica da obra de Schlegel, a Kritische-
Friedrich Schlegel-Ausgabe,[KA] publicada a partir de 195862.
Como foi exposto acima, embora a literatura sobre Schlegel e o primeiro romantismoalemo seja vasta, a maioria das obras no se ocupou diretamente com a crtica literria, ou
com as consideraes sobre literatura de Schlegel. Enquanto grande parte dos autores se
dedicou a aspectos filosficos da doutrina schlegeliana, alguns estudiosos problematizaram
58Benjamin no pode ter acesso ao conjunto de mais de dois mil fragmentos que F. Schlegel compilou em tornodo tema literatura, publicados por Hans Eichner apenas em 1957. SELIGMANN-SILVA, Mrcio. Aredescoberta do idealismo mgico. In: BENJAMIN, Walter. O conceito de crtica de arte no romantismoalemo.So Paulo: Iluminuras, 2011, p. 136, nota [13].59 Um dos principais mritos do trabalho de Josef Krner reside no fato de Sch legel ser hoje compreendidocomo uma figura central na histria da cultura europeia. BEHLER, Ernst. Friedrich Schlegel mitSelbstzeugnissen und Bilddokumenten.Hamburg: Rowohlt, 1966, p. 159.60 KRNER, Josef. apud. ERLINGHAGEN, Armin. Das Universum der Poesie. Prolegomena zu FriedrichSchlegels Poetik.Paderborn: Ferdinand Schningh, 2012, p. VII.61HELBACH, Ulrich. Der Nachlass Friedrich Schlegels im Historischen Archiv des Erzbistums Kln. In:Athenum. Jahrbuch der Friedrich Schlegel-Gesellschaft, n19, 2009, p. 139-153.62
HELBACH, Ulrich. Der Nachlass Friedrich Schlegels im Historischen Archiv des Erzbistums Kln. In:Athenum. Jahrbuch der Friedrich Schlegel-Gesellschaft,n 19, 2009, p. 139-153.
-
7/23/2019 A Crtica Literria de Friedrich Schlegel
31/241
31
sua converso ao Catolicismo, como o caso da obra de Benno von Wiese63, ou de Jean-
Jacques Anstett64.
A partir da dcada de 1960 so publicadas diversas obras que abordam o primeiro
romantismo alemo65. Um dos estudiosos que tratam especificamente da atividade crtico-
literria de Schlegel Ren Wellek (1903-1995), que, em sua obra monumental sobre a
histria da crtica literria moderna dedica um captulo exclusivo ao estudo da crtica literria
do autor de Lucinde 66. Wellek enftico em afirmar a precedncia dos irmos Schlegel no
desenvolvimento da crtica literria ocidental e no surgimento dos estudos sobre histria da
literatura. Analisando os principais aspectos da teoria schlegeliana, o estudioso aponta para a
importncia dos escritos sobre a Antiguidade clssicaas obras da poca de Dresden, escritas
entre os anos de 1794 e 179667. Ainda de acordo com Ren Wellek, ao fundamentar suacrtica em aspectos extrnsecos e intrnsecos, e ao teorizar sobre uma exegese literria que
levava em considerao a insero da obra em seu tempo histrico, Schlegel antecipa um
63WIESE, Benno von.Friedrich Schlegel. Ein Beitrag zur Geschichte der romantischen Konversionen . Berlin:J. Springer, 1927.64ANSTETT, Jean-Jacques.La pense religieuse de Friedrich Schlegel.Paris : Les Belles lettres, 1942.65Entre as obras que abordam o primeiro romantismo alemo e a obra de Schlegel a partir de 1950, encontram-se: KOHRS-SCHNEIDER, Ingrid.Die romantische Ironie in Theorie und Gestaltung.Tbingen: Max NiemeyerVerlag, 2002; AYRAULT, Roger.La Gense du Romantisme Allemand. Paris: Aubier, 1976. [Dois volumes];KLUCKHOHN, Paul. Das Ideengut der deutschen Romantik. Tbingen: Max Niemeyer Verlag, 1966;NIVELLE, Armand.Frhromantische Dichtungstheorie.Berlin: Walter de Gruyter, 1970; BEHRENS, Klaus.Friedrich Schlegels Geschichtesphilosophie (1794-1808).Tbingen: Max Niemeyer verlag, 1984; BRAUERS,Claudia.Perspektiven des Unendlichen. Friedrich Schlegels sthetische Vermittlungstheorie: Die Freie Religionder Kunst und ihre Umformung in eine Traditionsgeschichte der Kirche. Berlin: Erich Schmidt Verlag, 1996;HEINE, Roland.Transzendentalpoesie. Studien zu Friedrich Schlegel, Novalis und E. T. A. Hoffmann. Bonn:Bouvier Verlag, 1974; PRANG, Helmut. Die romantische Ironie. Darmstadt: WissenschaftlicheBuchgesellschaft, 1972; FRISCHMANN, Brbel.Vom Transzendentalen zum Frromantischen Idealismus. J. G.Fichte und Fr. Schlegel. Paderborn: Ferdinand Schningh, 2005; BOHRER, Karl Heinz. Die Kritik derRomantik. Der Verdacht der Philosophie gegen die literarische Moderne.Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1989;PIKULIK, Lothar. Romantik als Ungengen an der Normalitt. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1979;HOHENDAHL, Peter Uwe (Hrsg.) Geschichte der deutschen Literaturkritik (1730-1980). Stuttgart: J. B.Metzlersche Verlag, 1985; FRANK, Manfred.The Philosophical Foundations of Early German Romanticism. New York: State University of New York Press, 2004; FRANK, Manfred.Einfhrung in die frhromantischesthetik. Vorlesungen. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1989; ABRAMS, M. H. The Mirror and the Lamp:Romantic theory and the critical tradition.Oxford: Oxford University Press, 1976; RICHARDS, Robert J.TheRomantic Conception of Life.Chicago: The University of Chicago Press, 1992; KREMER, Detlev. Romantik.Weimar: Verlag J. B. Metzler, 2007; PRANG, Helmut. (Hrsg.)Begriffbestimmung der Romantik. Darmstadt:Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1968; MAN, Paul de.Alegorie des lesens.Frankfurt am Main: Suhrkamp,1979; ALLEMAN, Beda. Ironie und Dichtung.Pfullingen: Neske, 1955; BGUIN, A. (org).Le RomantismeAllemand.Paris: Les Cahiers du Sud, 1949; CIANCIO, C.Friedrich Schlegel. Crisi della filosofia e rivelazione. Milo : Mursia, 1984.66WELLEK, Ren.Histria da crtica moderna. II. Romantismo.So Paulo: Herder, 1967, p. 5.67WELLEK, Ren.Histria da crtica moderna. II. Romantismo.So Paulo: Herder, 1967, p. 6.
-
7/23/2019 A Crtica Literria de Friedrich Schlegel
32/241
32
modus faciendide crtica literria explorado apenas na modernidade68. O professor de Yale
foi um dos primeiros crticos a salientar a importncia do Studium-Aufsatz,o Ensaio sobre o
estudo da poesia grega,como o germe da teoria que seria desenvolvida plenamente na poca
do Athenume do primeiro romantismo alemo. Outro aspecto da recepo crtica de Ren
Wellek sobre a crtica schlegeliana sua viso sobre a diferena entre as concepes de
Winckelmann e de Schlegel. Para Wellek, o autor deLucindeconcebe sua poca no como a
mera imitao dos antigos, mas como o renascimento de uma filosofia objetiva da arte 69.
Embora considere a Carta sobre o romance um programa de defesa do gnero, o crtico
classifica a obraLucindecomo uma empresa desastrosaonde Schlegel no concretizou sua
teoria da poesia romntica e do romance tal qual estipulara 70. Ainda que elogie
entusiasmadamente as caracterizaes de Schlegelo que o torna um dos primeiros crticos ateorizar sobre esses ensaios crtico-literriosRen Wellek acredita que preciso ter cuidado
para no recair na crtica impressionista ou na leitura psicolgica, to comuns no sculo XIX.
Ainda assim, o crtico postula que Schlegel foi um dos primeiros estudiosos de literatura a
descobrir esse gnero ou forma literria, utilizando-a para a crtica de literatura71. Entre os
grandes divulgadores do pensamento de Schlegel aps a dcada de 1950 esto os responsveis
pela publicao daKritische-Friedrich Schlegel-Ausgabe,a edio das obras completas, Ernst
Behler (1928-1997) e Hans Eichner (1921-2009). Estudioso incansvel da obra de Schlegel,alm do trabalho de edio dos volumes da KA,Ernst Behler publicou dezenas de obras e
artigos, os quais abordam diversos aspectos de seu pensamento crtico-literrio e filosfico.
Atravs de escritos como Frhromantik [O primeiro romantismo alemo], o estudioso
procurou estabelecer uma viso abrangente do perodo e das principais conquistas de
pensadores como Schlegel, August Wilhelm, Novalis, Tieck, Wackenroder72. A viso do
conjunto da obra de Schlegel, adquirida aps dcadas de pesquisa, auxilia o estudioso a
fornecer em suas obras um panorama da produo crtico-literria schlegeliana. Nessesescritos, o estudioso almeja demonstrar o lugar especfico do autor de Lucindee do primeiro
romantismo alemo na fundamentao da conscincia crtico-literria da modernidade. Para
Behler, Schlegel teve o mrito de contribuir para a instituio dos estudos de literatura, o
68WELLEK, Ren.Histria da crtica moderna. II. Romantismo.So Paulo: Herder, 1967, p. 7.
69WELLEK, Ren.Histria da crtica moderna. II. Romantismo.So Paulo: Herder, 1967, p. 11.70WELLEK, Ren.Histria da crtica moderna. II. Romantismo.So Paulo: Herder, 1967, p. 17.71A Charakteristik o ensaio crtico sobre um nico autor ou livro no qual Schlegel aplica um vocabulrio decrtica [...] Alm da Charakteristik,Schlegel descobriu o fragmento, o aforismo, como um veculo de crtica.
WELLEK, Ren.Histria da crtica moderna. II. Romantismo.So Paulo: Herder, 1967, p. 31.72BEHLER, Ernst.Frhromantik.BerlinNew York: Walter de Gruyter, 1992.
-
7/23/2019 A Crtica Literria de Friedrich Schlegel
33/241
33
desenvolvimento da crtica literria e da historiografia literria. Alm disso, em sua obra
editorial e crtico-literria, o pesquisador se esfora para que a pesquisa sobre Schlegel leve
em considerao a totalidade da obra do autor de Lucinde, evitando, assim, a diviso de sua
obra em perodos supostamente contraditrios de sua atividade intelectual. Com isso, Ernst
Behler busca demonstrar que at mesmo nas concepes supostamente contraditrias de
Schlegel h sempre uma aproximao recproca. Esse modo de contemplar a teoria
schlegeliana tem relao com o que Walter Benjamin afirmara em sua tese, ainda na dcada
de 1920, a saber, que o pensamento de Schlegel fora muitas vezes paradoxal at mesmo para
seus amigos73. Desse modo, Ernst Behler almejava demonstrar que a crtica literria de
Schlegel seguia o aprendizado da filosofia fichteana, segundo a qual, era necessrio vincular
os extremos (muitas vezes opostos) para alcanar a aproximao recproca. Somente quandose leva em considerao essa caracterstica do pensamento schlegeliano, como aponta Behler,
que se podem compreender diversos aspectos da teorizao crtico-literria do autor de
Conversa sobre a poesia. A referida tentativa de fornecer um panorama [Gesamtbild] da obra
de Schlegel pode ser verificada em diversos escritos de Behler, como, por exemplo, em
Friedrich Schlegel, Schriften und Fragmente, Ein Gesamtbild seines Geistes [Friedrich
Schlegel, escritos e fragmentos, um panorama de seu esprito], publicada ainda em 195674.
Em 1957, Hans Eichner, um dos responsveis pela edio da KA, publica umacoleo de fragmentos sobre literatura e poesiaos quais haviam permanecido desconhecidos
aos pesquisadores at a metade do sculo XX com o ttulo de Literary Notebooks,
contribuindo para o enriquecimento do mbito literrio da pesquisa sobre Schlegel75. O
pesquisador tambm o responsvel pela publicao de alguns volumes da edio crtica de
73 Friedrich Schlegel permaneceu muitas vezes incompreensvel tambm para seus amigos. BENJAMIN,Walter.Der Begriff der Kunstkritik in der deutschen Romantik.In: BENJAMIN, Walter.Gesammelte Schriften.I. Frankfut am Main: Suhrkamp, 1990, p. 14.74BEHLER, Ernst.Friedrich Schlegel. Ein Gesamtbild seines Geistes.Stuttgart: Alfred Krner Verlag, 1956.Outras obras de Ernst Behler que abordam aspectos gerais do pensamento schlegeliano e do primeiroromantismo alemo: BEHLER, Ernst; HRISCH, Jochen. (Hrsg.)Die Aktualitt der Frhromantik.Paderborn:Ferdinand Schningh, 1987; BEHLER, Ernst. Klassische Ironie. Romantische Ironie. Tragische Ironie. ZumUrsprung dieser Begriffe.Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1972; BEHLER, Ernst. (Hrsg.) Dieeuropische Romantik.Frankfurt am Main: Athenum, 1972; BEHLER, Ernst. Studien zur Romantik und zuridealistischen Philosophie. Paderborn: Ferdinand Schningh, 1993; BEHLER, Ernst. Friedrich Schlegel inSelbstzeugnissen und Bilddokumenten.Hamburg: Rowohlt, 1966;BEHLER, Ernst.Friedrich Schlegel.In: VONWIESE, Benno.Deustche Dichter der Romantik.Berlin: Erich Schmidt Verlag, 1971; BEHLER, Ernst. Originsof Romantic Aesthetics in Friedrich Schlegel. Canadian Review of Comparative/ Revue Canadienne Compare.Winter, vol. 7.1. 1980, p. 47-66; BEHLER, Ernst. Unendliche Perfektibilitt. Europische Romantik undFranzsiche Revolution. Paderborn: Ferdinand Schningh, 1989; BEHLER, Ernst. Ironie und literarischeModerne.Paderborn: Ferdinand Schningh, 1997.75
EICHNER, Hans.Friedrich Schlegel. Literary-Notebooks.London: University of London - Athlone Press,1957.
-
7/23/2019 A Crtica Literria de Friedrich Schlegel
34/241
34
Schlegel [KA], inclusive os volumes II e III, onde se encontram os principais textos da poca
doAthenumrelacionados ao conceito de crtica literria de Friedrich, bem como os volumes
XVI e XVII, onde esto osFragmente zur Poesie und Literatur,[Fragmentos sobre poesia e
literatura] que, como foi exposto, o prprio Hans Eichner havia lanado em 1957 com o
nome deLiterary Notebooks.Esses manuscritos publicados na edio crtica contm mais de
4 mil fragmentos sobre o tema literaturae crtica literria, de grande importnciapara a
pesquisa sobre Schlegel76. Assim como Ernst Behler, o pensador contribuiu de modo singular
para o desenvolvimento dos estudos e pesquisas sobre Schlegel e o primeiro romantismo
alemo. As introdues escritas por Hans Eichner para os referidos volumes da KA so
fundamentais para a compreenso e a pesquisa schlegeliana, principalmente por fornecer uma
viso privilegiada do conjunto de sua obra.A contribuio de Eichner para o estabelecimento de diversos aspectos da teorizao
schlegeliana tambm pode ser constatada igualmente em escritos como Friedrich Schlegels
Theory of Romantic Poetry,no qual o estudioso discute o fato de que a poesia romntica e o
romance, em sua opinio, eram sinnimos77; ou ainda, em Friedrich Schlegels Theory of
Literary Criticism,escrito em que indica o papel central que a impresso absoluta ocupa na
teoria literria de Schlegel78. Alm da contribuio de Ernst Behler e Hans Eichner na
valorizao da pesquisa sobre Schlegel, Ernst Robert Curtius (1886-1956) outro intelectualque se ocupou em desfazer os equvocos e as imperfeies na recepo crtica da obra
schlegeliana, sobretudo, em um escrito, ainda da dcada de 1950, intitulado Friedrich
Schlegel und Frankreich[Friedrich Schlegel e a Frana]. A obra importante, na medida em
que aborda a intensa atividade intelectual de Schlegel nos anos em que passou em Paris
(1802-1804), contribuindo para desfazer o mito de que o autor de Lucinde era preguioso,
indolente e dedicado exclusivamente ao cio79. Para Curtius, o autor de Lucinde foi um dos
primeiros crticos alemes a compreender o verdadeiro valor da literatura e do dramafranceses. Ainda de acordo com Ernst Robert Curtius, oferecendo em suas conferncias sobre
a histria da literatura antiga e moderna um verdadeiro panorama da literatura europeia
76SCHLEGEL, Friedrich.Fragmente zur Poesie und Literatur.In: KA-XVI e KA-XVII.77EICHNER, Hans.Friedrich Schlegels Theory of Romantic Poetry. Publications of the Modern languageAssociation of America. Vol. 71. 1956, p. 1018-1041.78EICHNER, Hans.Friedrich Schlegel Theory of Literary Criticism.In: GRIMM, Reinhod; EICHNER, Hanset alii.Romantiscism Today. Friedrich Schlegel, Novalis, E. T. A. Hoffmann, Ludwig Tieck. Bonn BadGodesberg: Inter Nationes, 1973.79
CURTIUS, Ernst Robert. Friedrich Schlegel und Frankreich. In: CURTIUS, E. R. Kritische Essays zurEuropischen Literatur.Bern: A. Francke Verlage, 1950.
-
7/23/2019 A Crtica Literria de Friedrich Schlegel
35/241
35
Schlegel contribuiu decisivamente para o desenvolvimento dos estudos de historiografia
literria no Ocidente80.
Um dos raros trabalhos a se ocupar quase que exclusivamente com a crtica literria
de Schlegel foi Friedrich Schlegels Poesiebegriff dargestellt anhand der Literaturkritischen
Schriften [O conceito de poesia de Friedrich Schlegel exposto de acordo com os escritos
crtico-literrios], publicado em 1971 por Franz Norbert Mennemeier81. O escrito
importante por abordar a questo da ironia romntica de Schlegel como procedimento
literrio, atravs da anlise da caracterizao sobre a obra Wilhelm Meister, de Goethe82.
Mennemeier demonstra a precedncia da intuio crtico-literria de Schlegel ao apontar o
carter eminentemente programtico do Wilhelm Meisterpara a crtica literria. O trabalho de
Mennemeier destaca-se igualmente por discutir o lugar do antigo e do moderno na poticaschlegeliana, demonstrando de que maneira essa problemtica, surgida paralelamente aos
estudos de Friedrich Schiller sobre a poesia ingnua e sentimental, torna-se um instrumento
essencial para a historicizao das pocas da poesia realizada por Schlegel83. Esse tema, que
tem relao com a filosofia da histria na teoria literria tratado de maneira minuciosa por
outro estudioso da obra de Schlegel, Peter Szondi (1929-1971), em obras como: Friedrich
Schlegel und die romantische Ironie[Friedrich Schlegel e a ironia romntica] 84e Friedrich
Schlegels Theorie der Dichtarten, Versuch einer Rekonstruktion auf Grund der Fragmenteaus dem Nachla[A teoria dos gneros de Friedrich Schlegel, Ensaio de uma reconstruo a
partir dos fragmentos do esplio] 85. Ao afirmar que a compreenso histrica de Schlegel
sobre as pocas da poesia de origem dialtica, o estudioso chama a ateno para a
singularidade dessa viso. De acordo com Peter Szondi, a concepo schlegeliana sobre a
filosofia da histria teria trs razes: a experincia da Antiguidade, o sofrimento reflexivo dos
80 CURTIUS, Ernst Robert. Friedrich Schlegel und Frankreich. In: CURTIUS, E. R. Kritische Essays zur
Europischen Literatur.Bern: A. Francke Verlage, 1950, p. 82.81MENNEMEIER, Franz Norbert.Friedrich Schlegels Poesiebegriff dargestellt anhand der LiteraturkritischenSchriften. Die romantische Konzeption einer objektiven Poesie.Mnchen: Wilhelm Fink Verlag, 1971.82MENNEMEIER, Franz Norbert.Friedrich Schlegels Poesiebegriff dargestellt anhand der LiteraturkritischenSchriften. Die romantische Konzeption einer objektiven Poesie.Mnchen: Wilhelm Fink Verlag, 1971, p. 221.83MENNEMEIER, Franz Norbert.Friedrich Schlegels Poesiebegriff dargestellt anhand der LiteraturkritischenSchriften. Die romantische Konzeption einer objektiven Poesie.Mnchen: Wilhelm Fink Verlag, 1971, p. 108.84SZONDI, Peter.Friedrich Schlegel und die romantische Ironie.In: SZONDI, Peter.Schriften II.Frankfurt amMain: Suhrkamp, 1978.85
SZONDI, Peter.Friedrich Schlegels Theorie der Dichtarten. Versuch einer Rekonstruktion auf Grund derFragmente aus dem Nachla. In: SZONDI, Peter.Schriften II.Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1978.
-
7/23/2019 A Crtica Literria de Friedrich Schlegel
36/241
36
modernos, e a esperana no reino vindouro de Deus86. A concepo de uma dimenso trade
do tempo, envolvendo passado, presente e futuro, ainda de acordo com Szondi, antecipa a
dialtica histrica hegeliana, distanciando-se da viso da Antiguidade enquanto um modelo
atemporal a ser seguido, (como Winckelmann concebia), e d prosseguimento historicizao
das formas poticas iniciada por Johann Gottfried Herder87. A singularidade da pesquisa sobre
Schlegel realizada por Peter Szondi reside igualmente em sua leitura atenta das obras e dos
fragmentos do crtico. atravs do estudo detalhado dos fragmentos do autor do Studium-
Aufsatzque Szondi busca fundamentar sua concepo sobre a teoria dos gneros poticos de
Schlegel88. De certo modo, a prpria teoria de literatura de Peter Szondi aproxima-se daquela
concebida por Friedrich Schlegel, principalmente na concepo da insero da histria como
categoria crtica, e da necessria mescla entre os aspectos extrnsecos e os elementosintrnsecos na exegese crtico-literria.
Assim como a tese de Franz Norbert Mennemeier, outro estudo que aborda aspectos
crtico-literrios do pensamento de Schlegel Romantische Poesie - Begriff und Bedeutung
bei Friedrich Schlegel, [Poesia romntica - Conceito e significado em Friedrich Schlegel], de
Raimund Belgardt89. A tese de Belgardt concentra-se no tema da poesia romntica,
procurando discutir como Schlegel compreendeu o conceito em diferentes perodos de sua
produo intelectual90
. Assim, um aspecto positivo do estudo de Raimund Belgard foi oestabelecimento de uma discusso bem fundamentada sobre o desenvolvimento contnuo do
conceito de poesia romntica em Friedrich Schlegel, desde os escritos da juventude at a fase
tardia. Alm disso, o escrito de Belgardt esclarece diversos conceitos da terminologia
schlegeliana, como os aspectos que envolvem o romance absoluto, ou seja, o fantstico, o
sentimental e o mmico.
Outra obra que trata do mbito literrio do pensamento schlegeliano LAbsolut
Littraire,publicada em 1978 pelos estudiosos Philippe Lacoue-Labarthe e Jean-Luc Nancy
91
.
86SZONDI, Peter.Friedrich Schlegel und die romantische Ironie.In: SZONDI, Peter.Schriften II.Frankfurt amMain: Suhrkamp, 1978, p. 11.87SZONDI, Peter.Friedrich Schlegel und die romantische Ironie.In: SZONDI, Peter.Schriften II.Frankfurt amMain: Suhrkamp, 1978, p.11.88SZONDI, Peter.Friedrich Schlegels Theorie der Dichtarten. Versuch einer Rekonstruktion auf Grund derFragmente aus dem Nachla. In: SZONDI, Peter.Schriften II.Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1978, p. 32.89BELGARDT, Raimund.Romantische Poesie. Begriff und Bedeutung bei Friedrich Schlegel. The Hague Paris: Mouton, 1969.90BELGARDT, Raimund.Romantische Poesie. Begriff und Bedeutung bei Friedrich Schlegel. The Hague Paris: Mouton, 1969, p. 111. Sobre a referida equao matemtica do romance absoluto, ver o item 6.4 da
presente tese.91LACOUE-LABARTHE, Philippe; NANCY, Jean-Luc.LAbsolut Littraire.Paris : dition du Seuil, 1978.
-
7/23/2019 A Crtica Literria de Friedrich Schlegel
37/241
37
Definindo o primeiro romantismo alemo como uma poca onde a literatura foi
valorizada de um modo muito singular, o escrito busca compreender a institucionalizao da
literatura e dos estudos sobre histria literria. O denominado absoluto literrio, utilizado
pelos autores como ttulo de sua obra, aponta para o primeiro romantismo alemo como uma
poca onde a literatura elevada ao absoluto, passando a ocupar um lugar privilegiado para a
atividade artstica autorreflexiva, como aquele medium-de-reflexo de que tratou Walter
Benjamin92. O escrito de Lacoue-Labarthe e Nancy se destaca igualmente pela discusso
detalhada sobre o papel do fragmento na exposio artstica e crtico-literria dos primeiros
romnticos. Em seu captulo, intitulado O fragmento: a exigncia fragmentria, os
estudiosos demonstram um conhecimento muito apropriado da obra de Schlegel, inclusive
sobre as sries dos Fragmentos sobre poesia e literatura. Uma das teses centrais do escrito que o fragmento representa tanto uma ruptura com o modo tradicional de exposio de
conceitos, quanto uma forma de abarcar o todo, assim como a certeza da impossibilidade de
exposio da originalidade do sujeito na forma de discursos longos 93. Alm de discutir a
abrangncia da utilizao do fragmento no primeiro romantismo, definindo esse gnero ou
forma literria como romntica por excelncia, os autores tambm abordam a originalidade
das concepes de simpoesia e sinfilosofia e sua relao com a exigncia fragmentria. A
anlise da funo dialgica da exposio em fragmentos leva os autores a conclurem que essaforma ou gnero literrio tambm concretizava a busca idealista primeiro-romntica de fundir
indivduos ou obras de arte em um todo orgnico.
A compreenso da atividade crtico-literria e da hermenutica de Schlegel enquanto
crtica produtiva e autorreflexiva tambm partilhada por Denis Thouard em