INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6 Edição número 26, Outubro/2017 a Março/2018 - p
1
A DANÇA DA RAÇA: LITERATURA E RACISMO CIENTÍFICO NO BRASIL.
Raul Azevedo de Andrade Ferreira*
RESUMO: O presente trabalho analisa um topos literário surgido nas narrativas e nas representações
poéticas da literatura pós-1870: a descrição de danças e cantos populares. Utilizando uma linha de
reflexão fundamentada em pressupostos da análise do discurso francesa, a pesquisa assume a presença
desse lugar comum como um fenômeno discursivo indicativo de transformações significativas do
interdiscurso literário. As passagens descritivas que aparecem em romances como os de Aluízio de Azevedo
e de Graça Aranha, assim como em um poema de Cruz e Sousa, atestam a interferência de um discurso
cientificista no campo literário daquele contexto. Este discurso, que postulava teses racistas para o
entendimento do caráter nacional brasileiro, passa a ser representado pelos elementos da linguagem
literária que, desse modo, participa de um amplo debate referente à questão nacional e ao destino da
civilização brasileira.
ABSTRACT: This paper analyzes a literary topos emerged in the narratives and in the poetic
representations of the post-1870 literature: the description of popular dances and songs. Using a train of
thought based on assumptions of the French discourse analysis, the research assumes the presence of this
common place as a discursive phenomenon that indicates significant transformations of the literary
interdiscourse. The descriptive passages that appear in novels written by Aluízio de Azevedo and Graça
Aranha, as well as in a poem by Cruz and Sousa, attest the interference of a scientific discourse in the
literary field of that context. The Statements of this discourse, which postulated racist theses for the
understanding of Brazilian national character, are represented by the procedures of literary language. In
doing so, the literature becomes a fundamental discursive device in the debate concerning the national
question and the destiny of the Brazilian civilization.
KEYWORDS: naturalist novel; scientific racism; literary discourse
PALAVRAS-CHAVE: romance naturalista; racismo científico; discurso literário
INTRODUÇÃO: LITERATURA E DISCURSO LITERÁRIO
Uma das possibilidades geradas pela consideração dos pressupostos da análise do
discurso na historiografia literária diz respeito à recuperação dos efeitos de sentido
produzidos pelos textos em diferentes conjunturas históricas, inclusive aquelas que
produziram os textos em questão. Se a produção de sentido depende de relações
metafóricas e parafrásticas que se estabelecem entre as unidades linguísticas dentro de
discursividades historicamente caracterizáveis (cf. POSSENTI, 2004, p.372), então a
abordagem discursiva da literatura deve ser capaz de situar as formulações de sentido dos
textos literários no interdiscurso responsável pela estruturação do campo que abriga o
discurso literário de uma determinada época. Fazendo assim, torna-se possível recompor
o regime de literatura que preside a produção literária de um período. Esta operação
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6 Edição número 26, Outubro/2017 a Março/2018 - p
2
elimina a ambiguidade do termo discurso literário e permite que ele seja considerado
uma noção útil aos estudos literários (cf. MAINGUENEAU, 2016, p.09). Por meio dela,
pode-se falar em discurso literário unicamente quando ele estiver relacionado a uma
conjuntura interdiscursiva específica. No caso do presente estudo, falaremos em discurso
literário tendo em mente o interdiscurso atuante no campo literário brasileiro entre os
anos de 1870 e 1920i.
Quando se parte do princípio de que os textos literários compõem uma formação
discursiva própria, que a literatura constitui um discurso, deve-se ter em mente que o
discurso literário possui suas singularidades. Uma das mais salientes é que suas fronteiras
são extremamente porosas, o que torna a dependência com o interdiscurso a primeira
propriedade do discurso literário que deve ser observada pelo analista. A história da
literatura revela que os textos dotados de propriedades estéticas são elaborados a partir de
uma relação de intimidade fundamental com outras instâncias discursivas. Exemplos
podem ser encontrados na relação do dolce stil novo com o discurso filosófico corrente,
do barroco com o cristianismo católico, do neoclassicismo com o pensamento ilustrado,
do romantismo com os discursos nacionalistas etc. Os exemplos são apenas
generalizações simplificadoras, pois a relação que se dá entre o discurso literário nunca é
apenas com uma outra instância discursiva, mas com uma série de formações discursivas
que são agenciadas pela dominância do interdiscurso, i.e.: com o discurso que exerce mais
poder dentro de uma conjuntura.
Por conta disso, não é incomum que em determinados contextos a literatura seja
instrumentalizada por determinados grupos sociais de modo que ela sirva como uma arma
de propaganda ideológica, efeito normalmente mascarado pela atribuição de um caráter
pedagógico, denunciativo ou de crítica social aos textos literários. Os discursos
dominantes cooptam outras formações discursivas alinhadas ao posicionamento que eles
pressupõem e as agencia na elaboração de uma linguagem capaz de conferir uma feição
estética a uma matriz de sentido. A literatura, neste caso, reforça os sentidos presentes
nas formações discursivas que lhe servem de "bateria", i.e.: que lhe alimentam de sentidos
que passam a receber uma formulação artística a partir dos procedimentos disponíveis à
linguagem literária naquele momento.
A modalidade instrumentalizada, porém, não é o único modo de inserção da literatura no
interdiscurso de um contexto social. Esta seria a maneira correspondente ao do bom
sujeito de que nos fala Pêcheux (2009, p.199). Há também exemplos de autores que
assumiriam a postura contrária, de maus sujeitos, responsáveis pela atribuição de uma
função subversiva à literatura. Neste caso, os textos literários atuariam como
desarticuladores das redes de sentido inerentes aos discursos dominantes. Este é um
fenômeno que começa a se tornar comum com a literatura produzida pós-Baudelaire e
agravada ao longo da modernidade artísticaii.
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6 Edição número 26, Outubro/2017 a Março/2018 - p
3
A contaminação do discurso literário com sentidos estruturantes de outros discursos pode
ser observada a partir da análise da regularidade de certos efeitos de sentido veiculados
pelos procedimentos literários. A noção de regularidade de enunciados, de repetição de
sentidos, é fundamental para o conceito de formação discursiva, uma vez que já Foucault
a definia como uma regularidade entre enunciados (FOUCAULT, 2010, p.42)
responsáveis pelo aparecimento dos objetos. Pêcheux desenvolverá esta ideia ao afirmar
que a estabilização do sentido das palavras decorre da ativação de implícitos presentes
em uma memória discursiva (PÊCHEUX, 2009)iii. A memória “prende” os termos
linguísticos a certos implícitos e desse modo os enunciados podem se articular dentro de
um padrão regular.
Podemos considerar, portanto, que as imagens, metáforas, a retórica, a composição das
personagens, os topoi literários, enredos e demais procedimentos da linguagem artística
que se encontram dispersos nos vários gêneros literários ativam certos implícitos
presentes no interdiscurso. Isto, por um lado, confere uma condição de legibilidade aos
textos literários, por outro faz com que os textos se configurem como vetores naquilo que
Pêcheux denominou de "jogo de força na memória" (PÊCHEUX, 2007 p.53), de maneira
que os textos literários ora podem atuar corroborando a regularidade semântica inerente
às discursividades hegemônicas, ora podem desregulá-las, atuando como um
"acontecimento discursivo novo" (PÊCHEUX, 2007 p.52). Este pode ser um critério para
se definir um autor como inovador ou reacionário.
As considerações acima podem ser utilizadas para se compreender um aspecto da
literatura brasileira: a sua dificuldade em se desvincular dos discursos que promoviam
uma representação institucionalizada da realidade nacional. Este aspecto foi mais
proeminente sobretudo na literatura produzida durante os oitocentos e ele já foi
apresentado por alguns historiadores das letras brasileiras. Luiz Costa Lima (1989, p.146)
associa a precária reflexividade do nosso romantismo ao cunho institucional da literatura
produzida sob sua égide. Antônio Candido (1981, p.26) identifica um caráter
programático que tolheu a liberdade criativa dos escritores. João Alexandre Barbosa, por
sua vez, parece perceber um fenômeno semelhante quando indica que a crítica literária
nacional sempre buscou “interpretar os produtos culturais em função de uma ideia geral
do país” (BARBOSA, 1990, p.63). Este caráter institucionalizado da literatura brasileira
revela um fenômeno discursivo recorrente: a subordinação da literatura a determinadas
representações do país que, por sua vez, se ligam aos projetos políticos das classes sociais
que conseguiam assumir postos na administração pública.
A fim de testar a validade das hipóteses levantadas, a investigação que aqui é empreendida
opera um recorte na literatura produzida nos 50 anos que preenchem o último quartel do
século XIX e o primeiro do século XX. O objeto do recorte em questão será um topos
literário da época: a descrição da música e da dança realizada pelos personagens em
alguns momentos do enredo de suas narrativas ou representada pela poesia lírica. Mais
especificamente, a dança que se realiza assim que algum personagem começa a tocar o
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6 Edição número 26, Outubro/2017 a Março/2018 - p
4
chorado. A análise deste topos permitirá reconhecer a subordinação dos procedimentos
literários a uma matriz de sentido responsável pela elaboração de uma representação
racial e racista da brasilidade.
1. PASSOS FURIOSOS, MENTES TRANSTORNADAS
O episódio no qual uma personagem começa a dançar de maneira extravagante passa a
ser recorrente na literatura produzida nas últimas décadas do século XIX. Este fenômeno
liga-se à transformação ocorrida nas condições discursivas nas quais o discurso literário
se elabora e a uma memória discursiva referente ao estado do campo literário daquela
conjuntura. Tal ligação vincula o texto literário a determinantes que se fazem presentes
no plano histórico, social e ideológico. Exemplos podem ser colhidos em romances de
Aluízio de Azevedo, Graça Aranha, assim como na poesia de Cruz e Sousa. Um primeiro
exemplo pode ser retirado de O Cortiço, de Aluízio de Azevedo, na antológica cena da
dança realizada por Rita Baiana:
Ela saltou em meio da roda, com os braços na cintura, rebolando as ilhargas e
bamboleando a cabeça, ora para a esquerda, ora para a direita, como numa
sofreguidão de gozo carnal, num requebrado luxurioso que a punha ofegante;
já correndo de barriga empinada; já recuando de braços estendidos, a tremer
toda, como se fosse afundando num prazer grosso que nem azeite, em que se
não toma pé e nunca se encontra fundo. Depois, como se voltasse à vida soltava
um gemido prolongado, estalando os dedos no ar e vergando as pernas,
descendo, subindo, sem nunca parar com os quadris, e em seguida sapateava,
miúdo e cerrado, freneticamente, erguendo e abaixando os braços, que
dobrava, ora um, ora outro, sobre a nuca, enquanto a carne lhe fervia toda, fibra
por fibra, tilitando. (AZEVEDO, 1997, p.72)
A passagem descreve, em sua maior parte, os movimentos empregados pela personagem.
São movimentos exagerados, enérgicos, frenéticos e estranhos. Rita salta, rebola,
bamboleia, treme, desce e sobe. Balança os quadris, empina a barriga, recua os braços e
estala os dedos. A descrição, contudo, não se resume aos movimentos realizados durante
a performance, mas também incide sobre certos efeitos fisiológicos e psicológicos que a
dança acaba por manifestar. O narrador parece descrever tanto um transe, no qual Rita
ora desfalece, ora ressuscita, como uma doença, na qual a dançarina ofega, geme e tem
febre. Seu estado mental parece ser tão estranho quanto os movimentos que emprega na
dança, uma vez que ela tanto sofre quanto goza. O componente erótico também é um
elemento importante na caracterização da dança realizada por Rita. Sua condição contagia
aqueles que a assistem e que escutam a mesma música, todos então entram em uma
espécie de transe coletivo: "E as palmas insistiam, cadentes, certas, num ritmo nervoso,
numa persistência de loucura" (AZEVEDO, 1997, p.72) e outros iniciam uma dança
igualmente maluca:
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6 Edição número 26, Outubro/2017 a Março/2018 - p
5
E, arrastado por ela, pulou à arena o Firmo, ágil, de borracha, a fazer coisas
fantásticas com as pernas, a derreter-se todo, a sumir-se no chão, a ressurgir
por inteiro com um pulo, os pés no espaço, batendo os calcanhares, os braços
a querer fugirem-lhe dos ombros, a cabeça a querer saltar-lhe." (AZEVEDO,
1997, p.73).
Na descrição dos passos realizados por Firmo, o narrador caracteriza os movimentos que
compõem sua dança como não naturais, pois vão contra as leis da física e da anatomia do
corpo humano. No caso de Rita, ainda que os movimentos não sejam tão fantásticos, é
também indicado que sua performance desafia a fisiologia habitual do organismo
humano, haja vista a condição emocional que lhe acomete enquanto dança ser indicada
como patológica e irracional. Este caráter não natural, doentio e exótico dos movimentos
e dos estados emocionais são também indicados pelas ideias de loucura e de embriaguez
que acompanham as descrições das coreografias. Por meio delas, a dança aparece como
uma expressão espontânea de um estado psicológico anormal no qual entram as
personagens assim que começam a ouvir a música crioula. A dança exótica não seria,
portanto, fruto do ensaio, do domínio de uma técnica ou arte, ela é apresentada como o
efeito colateral da música tocada pelo cavaquinho do Porfiro e pelo violão do Firmo que,
para usar um termo empregado pelo próprio narrador, possui um efeito despótico sobre
as pessoas. A música provoca o transe e leva todos aqueles que a escutam a uma espécie
de transtorno mental: "e aquela música de fogo doidejava no ar como um aroma quente
de plantas brasileiras, em torno das quais se nutrem, girando, moscardos sensuais e
desouros venenosos, freneticamente, bêbedos do delicioso perfume que os mata de
volúpia" (AZEVEDO, 1997, p.71).
Não é em O cortiço que a cena da dança exótica aparece pela primeira vez na obra de
Aluízio de Azevedo. Uma cena semelhante ocorre em O Mulato durante uma festa de São
João realizada no sítio de uma das personagens, Dona Bárbara. Os convidados iniciam
dançando a polca, que não recebe nenhuma descrição detalhada, até que alguns dos
convidados, aos gritos e batendo palmas, pediam que tocassem o chorado. Neste
momento o narrador passa a descrever os passos dos dançarinos:
E a música, sem se fazer de rogada, gemeu a lânguida e sensual dança
brasileira.
De pronto, Casusa e Sebastião pularam no meio da sala e puseram-se a sapatear
agilmente, com barulho, estalando os dedos e requebrando todo o corpo. Em
breve arrastaram o Serra, o Faísca e o Freitas: e as moças, chamadas por
aqueles, entraram na irresistível brincadeira. Elas rodavam na pontinha dos
pés, o passo miudinho e ligeiro, os braços dobrados e a cabeça inclinada, ora
para um lado, ora para outro, estalando a língua contra o céu da boca, numa
volúpia original e graciosa.
Os velhos babavam-se.
Quebra! Berrava o Casusa entusiasmado. Quebra, meu bem! E regamboleava
furiosamente a perna.
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6 Edição número 26, Outubro/2017 a Março/2018 - p
6
O Chorado atingira afinal a sua fase de loucura. Os que não podiam dançar
espectavam, acompanhando a música com movimentos de corpo inteiro e
palmas cadenciadas e espontâneas. (AZEVEDO, p. 67, 2003)
Apesar de um tanto mais tímida que a cena da dança de Rita Baiana, esta descrição já
contém muitos elementos que aparecem na cena presente no romance publicado em 1890.
Nos dois casos, as personagens executam movimentos rápidos, frenéticos e exagerados.
A ideia de fúria chega a ser associada aos movimentos das pernas. Todos estalam os
dedos, rebolam, dobram os braços, pulam, saltam, mexem a cabeça para vários lados. Em
ambas danças, um dos elementos que mais chamam atenção é o seu componente erótico.
A dança executada na festa de Dona Bárbara é sensual e seus dançarinos, ao realizarem
os movimentos, são acometidos por uma "volúpia graciosa". No caso da dança realizada
por Rita, este componente aparece de forma ainda mais intensa e exagerada, pois ao
dançar a personagem parece entrar num transe orgástico. Assim como a luxúria e a fúria
dos movimentos, a loucura momentânea dos dançarinos é mais um denominador comum
das duas descrições.
As duas descrições são bastante parecidas, mas não exatamente iguais. A que aparece em
O Mulato é mais tímida se comparada à presente em O Cortiço. Nesta, há a presença da
ideia de sofrimento, de uma dor que acompanha o prazer erótico presente na dança. Há
também maiores ousadias vocabulares e uma maior carga metafórica nas imagens
utilizadas. O prazer de Rita é como um azeite grosso; os membros de Firmo quase se
descolam de seu corpo; a música doideja no ar "como um aroma quente de plantas
brasileiras". A presença do calor, indicado por uma sinestesia com o aroma das plantas
que, por sua vez, metaforiza a qualidade da música tocada, também aparece na febre que
acomete Rita enquanto ela dança. Tais diferenças, porém, não impedem que as duas
caracterizações das danças estejam alinhadas em uma mesma rede parafrástica, uma vez
que uma quantidade considerável componentes semânticos aparecem nas duas descrições.
A recorrência deste topos não diz respeito apenas à obra de Aluízio de Azevedo, não é
um traço que singulariza um estilo individual, ela se relaciona com um fenômeno
discursivo mais amplo que impõe certas regularidades semânticas ao discurso literário.
Mais um exemplo pode ser encontrado em uma descrição presente no romance Canaã.
Em um episódio muito parecido com o que pode ser verificada em O Mulato, um dos
brasileiros presentes em uma festa promovida pelos alemães, o agrimensor Felicíssimo,
insiste para que a banda interrompa as músicas alemãs e toque o chorado. O brasileiro,
por estar muito bêbado, realiza passos ridículos e não conclui a dança. É neste momento
que aparece Joca, que inicia uma dança tão esdrúxula quanto as realizadas pelas
personagens de Aluízio de Azevedo:
Mas, de repente, como um fauno antigo, Joca pulou na sala e principiou a
dançar. A sua alma nativa esquecia por um momento essa dolorosa expatriação
na própria terra, entre gente de outros mundos. Arrebatado pela música que lhe
falava às mais remotas e imorredouras essências da vida, o mulato
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6 Edição número 26, Outubro/2017 a Março/2018 - p
7
transportava-se para longe de si mesmo e transfigurava-se numa altiva e
extraordinária alegria. Todo o seu corpo se agitava num só ritmo; a cabeça
erguida tomava uma expressão de prazer ilimitado, a boca entreaberta, com os
dentes em serra, sorria; os cabelos animavam-se livremente, ou empinados e
eriçados, ou moles caindo sobre a fronte; os pés voavam no assoalho e, às
vezes, paravam, sacudindo-se os membros numa dança desenfrada; as mãos,
ora baixas, estalando castanholas, ora unidas, saindo dos braços retesados, era
espalmadas no ar, e nesse gesto, ébrio de música, perfilado na ponta dos pés,
ele parecia, com os braços abertos, querer voar. Umas vezes, corria pela sala
saracoteando o corpo, com os pés juntos num passo miúdo e repinicado; outras,
obedecendo ao compasso da música, vinha lânguido, requebrando, de cabeça
inclinada e olhos compridos, e achegava-se a alguma mulher, quase de rastos,
suspenso, querendo arrebatá-la numa volúpia contida, mas que se adivinhava
febril, vertiginosa. Depois, erguia-se num salto de tigre, retomava a sua
doidice, como num grande ataque satânico, agitava-se todo, convulso, trêmulo,
quase pairando no ar, numa vibração de todos os nervos, rápido, imperceptível,
que dava a ilusão de um instantâneo repouso em pleno espaço, como a dança
de um beija-flor. Nesse momento a orquestra podia parar, fazer um silêncio
que desequilibrasse tudo, Joca não perceberia a falta de instrumentos, pois todo
ele, no seu corpo triunfal, na sua alegria rara, no impulso da sua alma, vivendo,
espraiando-se na velha dança da raça, todo ele era movimento, era vibração,
era música. (ARANHA, 2013, p.128)
Nas três passagens consideradas, o narrador evita a descrição de cantos e danças de outras
nacionalidades para se demorar na descrição de danças brasileiras. Ao proceder deste
modo, ele faz da representação da dança um elemento do discurso nacionalista importante
para a caracterização da brasilidade. Além disso, há, na descrição acima, a repetição dos
mesmos clichês presentes na prosa do autor de O Cortiço. Os movimentos exagerados da
cabeça, dos braços e das pernas; os saltos, os dedos em castanholas, os passos frenéticos
etc. Repete-se também a associação da dança a uma anomalia psicológica repentina e
temporária, a uma espécie de embriaguez e de loucura. Reincide também a componente
erótica da dança, assim como os efeitos fisiológicos, uma vez que Joca arrepia os cabelos,
sente febre, convulsão e treme ao ponto de o narrador compará-lo a um beija flor. A
análise das três descrições indica que o episódio da dança sempre aparece representado
por traços semânticos que indicam quatro aspectos deste topos: a) aspecto performático,
que diz respeito aos passos, saltos e movimentos exagerados executados pelos dançarinos;
b) aspecto fisiológico, que diz respeito às alterações físicas nos organismos das
personagens, como febre, convulsão, dor, gemido etc.; c) aspecto psicológico, que diz
respeito às alterações no humor das personagens, às sensações de loucura, de embriaguez,
gozo erótico; d) aspecto racial-nacional, que serve para associar os aspectos anteriores a
uma condição racial e nacional, uma vez que as danças são apresentadas enquanto
brasileiras e crioulas. Todos esses quatro aspectos possuem um denominador comum, um
traço semântico que atravessa todos eles: a ideia de anomalia, de estranheza. Anormais
são os passos, os efeitos, os estados emocionais envolvidos na dança, de maneira que a
associação de tais danças à identidade nacional acaba por representar a brasilidade
enquanto extravagante.
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6 Edição número 26, Outubro/2017 a Março/2018 - p
8
Ao que tudo indica, a combinação de tais elementos produziu a ritualização de
procedimentos descritivos que adquiriram valor estético dentro do estado do campo
literário daquele período. Tanto é que a representação da dança transcende o gênero
romanesco ou as agremiações de autores que nos anos finais do século XIX reuniam-se
em torno de ideais específicos de literatura e de poesia. Prova disso pode ser encontrada
no poema dança do ventre, presente no livro Broquéis, do escritor simbolista Cruz e
Sousa.iv Nele predominam elementos descritivos, ficando reservado ao eu-lírico apenas a
admiração espantada que pode ser verificada no segundo quarteto e as caracterizações da
dança no último terceto. Os principais elementos presentes nas descrições romanescas
antes comentados também se apresentam aqui, exceto o aspecto racial-nacional. Há a
febre, os movimentos esdrúxulos, não naturais, a dor casada ao prazer, o sensualismo
associado a um frenesi furioso. A indicação da qualidade da dança e da música, no
entanto, não é a mesma. Não é mais o chorado que se dança, e sim uma dança do ventre.
A diferença na indicação do estilo de dança seria relevante apenas se a descrição presente
no poema apresentasse elementos diferentes daqueles que se podem constatados nos
romances, mas não é isso o que acontece. Há aqui os mesmos movimentos estranhos e
anômalos, as mesmas febres e convulsões, o mesmo aspecto erótico e patológico que pode
ser constatado nas danças tanto de Rita como de Joca. Há, também, a mesma associação
da dança e de seu erotismo às ideias de maldade, de veneno de serpente que também é
utilizada na caracterização da dança realizada por Rita Baiana: "Mas, ninguém como a
Rita; só ela, só aquele demônio, tinha o mágico segredo daqueles movimentos de cobra
amaldiçoada;" (AZEVEDO, 1997 p.73).
2. LITERATURA E DSICURSO CIENTÍFICO
Encarado como um fenômeno discursivo, um topos literário pode ser analisado como um
indicador do estado do interdiscurso literário de um contexto histórico. No caso em
questão, as descrições do chorado e das danças relacionam-se a um processo de
cientificização da linguagem literária. Por meio dele, as teses de um nacionalismo de
cunho racista foram metaforizadas pelos procedimentos inerentes à linguagem literária
(personagens, enredos, imagens, descrições etc...). A descrição das danças reitera uma
matriz de sentido que se estrutura a partir do momento em que o discurso científico passa
adquirir dominância no interdiscurso referente ao campo semântico onde o discurso
literário encontra-se alocado. Considerando que a promoção deste discurso se deu em
consonância com a abertura das “possibilidades de mobilização política” (ALONSO,
2002, p.97) ocorrida nas últimas décadas do século XIX, o que permitiu que grupos
sociais antes marginalizados pela tradição imperial adquirissem condições de
manifestação pública de opiniões e de atuação dentro de instituições públicas, deve-se
reconhecer que a literatura passava a servir à promoção da visão de mundo de novos
atores sociais que utilizavam a ideia de ciência como instrumento do debate público.
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6 Edição número 26, Outubro/2017 a Março/2018 - p
9
A dominância do discurso científico, no entanto, não explica, sozinha, o estado do
discurso literário nas últimas décadas do século XIX. Há que se considerar também um
efeito de memória discursiva presente no campo literário. Parte considerável desta
memória foi elaborada em torno do debate sobre a questão do caráter nacional, iniciado
pelos românticos e continuado pelos intelectuais ligados à literatura, seja sob a condição
de artistas, seja desempenhado sua atividade no terreno da crítica ou da historiografia
literária. Assim, a partir da década de 1870, devido às novas condições de produção que
se apresentam, surgidas em função da conjuntura de crise do Segundo Império, uma
memória discursiva romântica combina-se com o discurso científico, resultando numa
dinamização do interdiscurso literário.
A questão do caráter nacional não se desenvolve exclusivamente na literatura, encontra-
se dispersa nos discursos mais variados. Ela surge dentro do campo político no contexto
de legitimação da independência política do país. A fim de fazer valer a tese de que o
Brasil deveria emancipar-se de Portugal, cria-se a ideia de que o termo Brasil refere-se
não apenas a uma unidade territorial (que poderia ser considerada parte de uma unidade
política maior, como o Império Português), mas também a uma unidade nacional. Os
primeiros ideólogos nacionalistas argumentaram que esta unidade estava fundamentada
na singularidade de um sentimento íntimo inerente a todos os brasileiros. O brasileiro,
desse modo, possuiria uma formatação psicológica específica, e este fato garantiria a
existência da ideia de brasilidade, neste momento entendida como um sentimento e como
uma disposição psicológica. A literatura, no contexto desta questão, é colocada de
maneira um tanto ambígua: ora ela é assumida como uma consequência direta da
psicologia nacional, ora ela é normatizada de modo que sirva à reiteração da
caracterização da identidade nacional.
O primeiro proponente da tese do caráter nacional foi Ferdinand Denis. Em seu Resumé
de l'histoire litteráire du Brésil, espécie de manifesto literário romântico, o francês exorta
os brasileiros a conferirem uma feição nacional à literatura produzida por eles. Dentre os
vários argumentos que são utilizados, como as impressões que a natureza provoca no
homem ou o aspecto fantástico das tradições primitivas, há um que discorre sobre as
predisposições naturais do brasileiro para a música e para o canto:
Qu'il descende de l'Européen, qu'il se soit allié au noir ou à l'habitant primitif
de l'Amérique, le Brésilien est naturellement disposé à recevoir des
impressions profondes; et pour se livrer à la poésie, il n'est pas nécessaire qu'il
ait reçu l'éducation des villes; il semble que le génie particulier de tant de races
différentes se montre chez lui: tour à tour ardent comme l'African,
chevaleresque comme le guerrier des bords du Tage, rêveur comme
l'Américain, soit qu'il cultive les terres les plues fertiles du monde, soit qu'il
garde ses troupeaux dans d'immenses pâturages, il est poète.v (DENIS, 1826,
p.520-521)
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6 Edição número 26, Outubro/2017 a Março/2018 - p
10
Para Denis, a habilidade do brasileiro no canto, na poesia, está relacionada a disposições
naturais consequentes de sua condição mestiça. Sua tese fundamenta-se na ideia de que
cada raça possuiria características particulares. A poesia, sendo produto das disposições
anímicas dos indivíduos, não precisaria de educação ou aprendizado, pois entende-se que
ela seria a expressão espontânea da psicologia do indivíduo. Por conta disso, ela
carregaria traços referentes à condição racial de seu autor e esta condição, por sua vez, é
assumida enquanto determinante da condição nacional de cada povo. O brasileiro, desse
modo, condicionado pelo aspecto imaginativo do negro, sonhador do índio e nobre do
branco, não só teria um caráter nacional próprio e singular, produzido pela combinação
da diversidade dos traços psicológicos das diferentes raças que compõem sua população,
mas também uma produção cultural profícua e estuante. Cria-se, assim, uma rede de
implicações diretas e laterais entre as ideias de raça, psicologia, caráter nacional e
expressão artística. É no contexto destas implicações que a condição nacional é
caracterizada, desta vez a partir de encaixes verticais:
Raça → Psicologia → Caráter Nacional → Expressão Artística
Ardente Brasileira
Cavalheiresco
Sonhador
Preencheu-se, no esquema acima, apenas as posições que levarão ao desdobramento do
argumento que aqui se desenvolve. Longe ele está de apresentar todos os efeitos de
discurso-transverso e de pré-construídos presentes no nacionalismo literário romântico.
Faltam, por exemplo, os encaixes caracterizadores da psicologia de cada raça, assim como
os elementos definidores da condição brasileira da expressão artística. Ainda assim, o
esquema já serve para apresentar os fundamentos de um discurso que se inicia com Denis
e que terá vida longa dentro da tradição intelectual brasileira. Por meio dele, a ideia de
caráter nacional encontra-se vinculada à ideia de psicologia e esta, por sua vez, é definida
em termos raciais. Tais implicações estabelecem uma reflexão que se desenvolve a partir
de um determinismo racial. Ela pode ser encontrada nas teses que Gonçalves de
Magalhães apresenta em seu Ensaio sobre a história da literatura no Brasil, publicado
na revista Nitheroy em 1836: "Mas existe no homem um instinto oculto, que, em despeito
dos cálculos da educação, o dirige; e de tal modo este instinto aguilhoa o homem, que em
seus atos imprime um certo caráter de necessidade, a que nós chamamos ordem, ou
natureza das coisas." (MAGALHÃES, 1836, p.148).
A partir de uma argumentação racial e racista, a ideologia nacionalista mobilizou
elementos de uma certa psicologia para produzir avaliações de ordem estética, uma vez
que a produção cultural é vista como um ato que ocorre dentro das necessidades ditadas
pela condição nacional. Conclui-se, assim, que as artes, como a literatura e a música,
seriam uma expressão direta e espontânea da brasilidade. A rede de implicações e
encaixes que sustenta este raciocínio ainda se encontra sólida em 1888. Este é o ano no
qual Sílvio Romero publica a sua História da Literatura Brasileira, livro no qual se
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6 Edição número 26, Outubro/2017 a Março/2018 - p
11
defende a ideia de uma literatura nacional caracterizada pela condição mestiça da
população brasileira. É o ano também no qual Araripe Júnior publica artigos sobre a obra
de Aluízio de Azevedo. Nele, o crítico cearense vincula a avaliação das obras à índole de
seu autor: “(...) creio poder considerar o dia da publicação do Mulato no Maranhão, como
um dia propício às letras nacionais, não tanto pelo valor do livro, que saiu da forja cheio
de grandes defeitos, mas pela espontaneidade do talento que o produziu” (ARARIPE,
1978, p.118). Mais adiante, ele argumenta que Aluísio de Azevedo seria um “observador
de raça” e que isso faria com que O Cortiço se consolidasse como “um romance nacional,
na verdadeira acepção da palavra” (cf. ARARIPE, 1978 p. 119). Raça, psicologia,
nacionalidade e literatura são termos que ainda são assumidos e trabalhados dentro da
rede parafrástica estabelecida pelo nacionalismo determinista apresentado por Denis.
A partir desses encaixes fundamentais, novos elementos semânticos podem se acumular
e expandir a área de cobertura desta formação discursiva. Isto normalmente era feito de
modo que a literatura possuísse implicações políticas. Já em Denis pode-se observar a
articulação entre os termos literatura e governo, operada pela ideia de liberdade. Assim,
fomentava-se a ideia de que um governo livre – entendido aqui como um governo
emancipado de Portugal – deveria possuir uma literatura livre, i.e.: produzida sem a
importação de modelos literários portugueses. Realiza-se, assim, um processo de
legitimação recíproca, onde uma forma de governo legitima um modelo de literatura
nacional e vice-versa.:
"dans ces belles contrées si favorisées de la nature, la pensée doit s'agrandir
comme le spectacle qui lui est offert; majesteuse, grâce aux anciens chefs-
d'oeuvre, elle doit rester indépendante, et ne chercher son guide que dans
l'observation. L'Amérique enfin doit être libre dans sa poésie comme dans son
gouvernement”vi (DENIS, 1823, p.516).
O discurso literário cientificista praticado pelos críticos finisseculares continua a reflexão
iniciada na primeira metade daquele século, mas isto não significa que ele mantenha o
discurso romântico cristalizado. Uma primeira diferença sensível diz respeito à
substituição do termo operadorvii liberdade pelo termo progresso, que se encontrava
articulado com as ideias de evolução e modernidade, oriundos da orientação cientificista
que o discurso literário passa a assumir. Deste modo, vincula-se uma renovação estética
nas letras nacionais à necessidade de modificações estruturais do estado brasileiro.
Consolidado o projeto de independência nacional, a preocupação dos intelectuais passa a
ser dirigida à equiparação do país aos padrões civilizatórios das metrópoles europeias.
Realiza-se, assim, uma reformulação do nacionalismo mediante a postulação do atraso
do país na marcha evolutiva das nações. Isso destitui o nacionalismo de seu caráter
sublimador, entendido pelos enunciadores cientificistas como decorrentes das ilusões e
fantasias do discurso romântico, e o substitui por uma caracterização pessimista.
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6 Edição número 26, Outubro/2017 a Março/2018 - p
12
Um dos elementos mais significativos da reformulação do nacionalismo oitocentista
realizada pelo movimento de 1870 foi a consolidação da definição do caráter nacional e
da cultura brasileira pela ideia de mestiçagem. Deve-se ter em mente que a primeira
definição do Brasil nestes termos realizada por Denis é desvirtuada pelos românticos, que
ignoraram os elementos negro e branco na composição da psicologia nacional. O primeiro
devido ao estigma da escravidão, o segundo por conta do sentimento antilusitano
decorrente do contexto das guerras da independência. O cientificismo finissecular, por
sua vez, procurou fazer valer a tese da mistura racial, e ao fazê-lo produziu um
nacionalismo desencantado, pois ao mesmo tempo em que a mestiçagem servia para
explicar a psicologia nacional, serviu também para explicar o atraso da sociedade
brasileira.
Esta reconfiguração diz respeito a um discurso que continua a ideologia nacionalista, mas
agora dentro de novas condições de produção. Alguns elementos dessas novas condições
podem ser enumerados rapidamente, como a decadência do modelo colonial e o
deslocamento dos centros produtores de cultura e pensamento para as cidades, o
desenvolvimento da economia interna devido à abolição do tráfico negreiro, o surgimento
de novas bandeiras políticas (abolicionismo e republicanismo) e de novas instituições de
ensino e ciência. O segundo Império, em seus momentos de crise, permitiu, como já foi
apontado mais acima, o surgimento de uma nova estrutura de oportunidades políticas por
meio da qual novos agentes políticos puderam contestar a ordem estabelecida pela
tradição imperial (c.f. ALONSO, 2002). A postulação de uma brasilidade mestiça deve
ser vista como um elemento estratégico deste contexto de contestação, e a ciência foi
utilizada como uma arma para deslegitimar os discursos dos setores mais tradicionais da
sociedade brasileira, pois a caracterização de um argumento enquanto científico foi o
principal meio para fazer valer as teses da nova geração.
Com o argumento de que o espírito nacional deveria ser considerado de maneira objetiva,
imparcial e científica, Sílvio Romero, um dos principais críticos literários da época, inclui
o negro no esquema que ele elabora para explicar o caráter nacional. Ele entende o sangue
africano como o fator diferenciador da composição racial da população brasileira.
Segundo sua leitura, o espírito nacional seria o resultado da transformação do elemento
branco - colocado como a matriz de onde deriva o espírito nacional - em um tipo novo
mediante o cruzamento com outras raças, dentre as quais a negra se apresentaria como o
principal agente. Desse modo, a brasilidade deixa de ser projetada em um tipo racial em
detrimento de outros. Ao invés disso, o caráter nacional é visto a partir da miscigenação
que ocorreu em condições geográficas específicas. Neste processo, o negro teria tido um
papel mais importante que o índio, pois ele teria promovido a aclimatação do branco ao
calor dos trópicos, ao passo que o aborígene americano seguiria desaparecendo por não
ter condições de se adaptar à vida civilizada. Desse modo, a brasilidade genuína - que
desde os românticos era assumida como composta pelas propriedades que nos
singularizaria frente aos estrangeiros - somente poderia ser encontrada no produto deste
processo, no mestiço. É dentro desta lógica que Romero produz sua clássica declaração:
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6 Edição número 26, Outubro/2017 a Março/2018 - p
13
"Todo brasileiro é um mestiço, quando não no sangue, nas ideias" (ROMERO, 1882,
p.07).
O mestiço, porém, não seria o tipo racial brasileiro acabado, algo que dependeria de um
processo evolutivo composto por uma série de cruzamentos que progressivamente
eliminaria as raças tidas como inferiores, mas naquele momento o mestiço seria o
principal fator racial da brasilidade.
O mestiço é o produto fisiológico, étnico e histórico do Brasil. É a forma nova
de nossa diferenciação nacional.
Nossa psicologia popular é um produto desse estado inicial. Não quer dizer
que formaremos uma nação de mulatos; pois que a forma branca prevalecerá;
quer dizer apenas que o europeu aliou-se aqui a outras raças, e desta união saiu
o genuíno brasileiro, aquele que não se confunde mais com o português e sobre
quem repousa o nosso futuro. (ROMERO, 1882 p.45)
O mestiço seria o brasileiro genuíno porque ele é um tipo racial distinto, único e típico
das condições nacionais. Esta lógica, que remete às teses racistas lançadas por Arthur de
Gobineau (1967), produz um nacionalismo pessimista em relação ao presente e otimista
em relação ao futuro, pois a mistura racial era vista de maneira um tanto ambígua, já que
ao mesmo tempo em que a miscigenação melhoraria as raças inferiores, ela também
degeneraria as superiores. O maior problema do mestiço, porém, seria o fato dele ser um
desequilibrado. No cientificismo racista praticado àquela época, a condição racial era
interpretada a partir de duas balizas conceituais dicotômicas, a primeira em torno das
noções de superioridade/inferioridade e a segunda em torno das noções de
estabilidade/instabilidade. As raças matrizes, ainda que se encontrassem em estágios
evolutivos distintos, correspondentes a formas hierarquicamente distintas de sociedade,
seriam estáveis, possibilitando uma configuração psicológica adequada a um padrão
civilizatório correspondente ao estágio em que cada uma se encontrava na escala
evolutiva. Os mestiços, por outro lado, ainda que possam apresentar um ganho de
inteligência em relação às raças inferiores, degradam-se moralmente devido ao conflito
de disposições psíquicas distintas. Esta interpretação encontrou sua mais acabada
formulação na obra do médico e sanitarista baiano Raimundo Nina Rodrigues:
O que os mestiços ganham em inteligência perdem em energia e em
moralidade. O desequilíbrio entre as faculdades intelectuais e as afetivas dos
degenerados, o desenvolvimento exagerado de umas em detrimento das outras
tem perfeito símile nesta melhoria da inteligência dos mestiços com uma
imperfeição tão sensível das qualidades morais, afetivas, que deles exigia a
civilização que lhes foi imposta. E esta observação estreita ainda mais as
analogias que descubro entre o estado mental dos degenerados superiores e
certas manifestações espirituais dos mestiços. Nestes casos como que se revela
em toda a sua plenitude, em toda a sua brutalidade, o conflito que se trava entre
qualidades psíquicas, entre condições físicas e psicológicas muito desiguais de
duas raças tão dessemelhates, e que a transmissão hereditária fundiu em
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6 Edição número 26, Outubro/2017 a Março/2018 - p
14
produto mestiço resultante da união ou cruzamento delas. (RODRIGUES,
1984, p.153)
O mestiço é colocado como degenerado, desequilibrado, equivalente a um portador de
um transtorno mental. Ele então passa a ser representado mediante uma série de
caracterizações negativas: híbrido, estéril, imoral, imprevidente, fraco, degenerado,
anormal, incapaz de adaptar-se a qualquer padrão de vida civilizada: "A julgar por certos
fatos, a mistura entre raças de homens muito dessemelhantes parece produzir um tipo
mental sem valor, que não serve para o modo de viver da raça superior, nem para o da
raça inferior, que não presta para gênero algum de vida" (RODRIGUES, 1984, p.133).
Este discurso fará com que qualquer comportamento que fuja ao padrão, ao que é
considerado normal e aceitável, como o crime e a loucura, seja considerado como uma
anomalia causada por uma configuração racial instável. A obra criminalista de Nina
Rodrigues é dedicada a defender a tese de que os crimes cometidos por mestiços deveriam
ter sua pena atenuada, pois seu desequilíbrio mental deveria ser encarado como um
atenuante de sua responsabilidade penal.
A nacionalidade mestiça adquiriu valor de verdade devido à sua caracterização enquanto
científica. Tal caracterização permitia que vários outros elementos semânticos
legitimadores fossem acumulados verticalmente sobre os enunciados (uma enunciação
científica é exprime algo objetivo, factual, verdadeiro, imparcial etc.), mas ela também,
por um efeito de implicação lateral, destruía o otimismo romântico, levando ao
reconhecimento de que nosso caráter nacional seria doente, degenerado, anormal... O
sistema de encaixes e articulações parafrásticas dessa matriz de sentido pode ser
parcialmente indicado pelo seguinte esquema:
(encaixe caracterizador) CIENTÍFICO ← NACIONALIDADE MESTIÇA → PESSIMISMO
↓ objetivo Atraso
Atribui um valor a uma factual Degeneração
matriz de sentido verdadeiro Doença
imparcial Desvio
Anormalidade
Diante de uma avaliação tão negativa do caráter nacional, os intelectuais reagiram de
maneiras diversas. Nina Rodrigues foi partidário de um pessimismo irremediável,
afirmando que a degeneração da nação seria um fenômeno insuperável. Romero projetou
no futuro essa superação mediante a tese de que a população brasileira embranqueceria
ao longo dos anos, sobretudo depois do influxo de imigrantes europeus que substituíam
o trabalho escravo. Mas a saída mais pragmática talvez tenha sido a de Araripe Júnior,
que resolveu não lamentar nossa condição, e ao invés disso celebrar a condição mestiça
das nações tropicais. Segundo seu modo de pensar, a incorreção, a anormalidade, o desvio
da norma, derivada de nossa condição racial e de nosso clima, deveriam, nas condições
nacionais, ser consideradas qualidades (cf. ARARIPE JÚNIOR 1978b, p.124). Porém,
ainda que celebrada, nossa condição nacional será referida pelo crítico cearense a partir
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6 Edição número 26, Outubro/2017 a Março/2018 - p
15
de termos negativos, como embriaguez, envenenamento, delírio, insensatez etc., o que
faz com que ele não escape ao tom pessimista do discurso cientificista finissecular.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nos anos finais do século XIX, o entusiasmo com o desenvolvimento das teorias
científicas foi um importante acontecimento discursivo capaz de interferir nos discursos
empregados em diferentes planos semânticos. A literatura não atravessou incólume esta
conjuntura. Ao invés disso, passou-se a entender que ela deveria subordinar seus
procedimentos aos sentidos rotulados como verdades científicas. Realiza-se, assim, uma
tentativa de equiparação das narrativas literárias com as narrativas científicas. O principal
articulador desta tese foi Émile Zola, idealizador da escola naturalista. Em seu ensaio O
romance experimental (1982), ele entende que a ascensão da ciência deveria fazer com
que a literatura assumisse os seus métodos.
No caso brasileiro, tão forte quanto foi o cientificismo nas décadas finais do século XIX
foi o nacionalismo. A combinação dessas duas orientações ideológicas e discursivas
resultou numa literatura que procurou dar conta da questão nacional dentro dos padrões
de objetividade científica da época. Desse modo, a literatura converteu-se numa forma de
conferir qualidade estética às verdades científicas que buscavam reformar a interpretação
do país que vinha sendo elaborada desde o período romântico. Como se pode verificar na
exposição acima, a questão da identidade nacional era debatida a partir de categorias
oriundas de uma psicologia determinista que recorria a argumentos raciais e geográficos.
A onda cientificista acrescentou argumentos oriundos do evolucionismo social e assim
quis construir teses que simultaneamente explicassem tanto o caráter nacional como o
atraso do país em relação à Europa.
Este nacionalismo científico substitui o índio pelo mestiço na posição de tipo racial-
psicológico característico da identidade nacional. Ao mesmo tempo em que essa reforma
representa um ganho na medida em permitiu que as atenções dos estudiosos da época
fossem dirigidas às contribuições da cultura negra e popular na formação cultural do
Brasil, ela também atuou na legitimação de valores eurocêntricos e de preconceitos
arraigados na sociedade brasileira. No plano literário, esta modificação fará com que
surjam novos procedimentos literários que tinham a função de representar esteticamente
os sentidos formulados no discurso do nacionalismo científico. As narrativas literárias
então se voltam para a representação do atraso do país e da condição mestiça da
brasilidade. Exemplo de tratamento estético das verdades científicas pode ser verificado
na forma como Euclides da Cunha representa o sertanejo. Ao afirmá-lo enquanto um
“Hércules-Quasímodo” (CUNHA, 1998, p.113), ele reitera a compreensão do mestiço
enquanto um ser desequilibrado devido à convivência de orientações psíquicas díspares,
antagônicas. Todo e qualquer ato dos mestiços são lidos como índices de um desequilíbrio
mental, de uma instabilidade psicológica que o torna um ser degenerado e exótico. Assim,
o seu caminhar “não traça trajetória retilínea e firme”, o seu repouso é dotado de um
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6 Edição número 26, Outubro/2017 a Março/2018 - p
16
“equilíbrio instável”. (CUNHA, 1998, p.113), a sua religiosidade é composta por um
“misticismo extravagante” (CUNHA, 1998, p.124) e etc..
As representações das danças e do chorado devem ser lidas dentro deste contexto
ideológico e discursivo. Elas servem para conferir uma forma sensível à ideia de
degeneração do mestiço que foi formulada teoricamente pelos intelectuais que
participaram do movimento da Geração de 1870. As danças são uma expressão direta de
uma psicologia desequilibrada devido a uma condição racial primitiva e instável. Isso é
dito expressamente na passagem presente no romance de Graça Aranha. Quando Joca
começa a dançar, o narrador indica que o faz a partir dos impulsos que lhe vem de sua
“alma nativa”, e que a dança que ele realiza é a “velha dança da raça” (cf. ARANHA,
2013, p.128). Descrever as danças populares enquanto extravagantes, exageradas e
anormais era uma forma de representar a psicologia mestiça e esta representação, por sua
vez, implicava uma caracterização da brasilidade, que então era definida em termos de
um conflito racial que impedia a efetiva modernização do país, sua ordem e seu progresso.
REFERÊNCIAS
ALONSO, Angela. Ideias em movimento: a geração de 1870 na crise do Brasil-Império.
São Paulo: Paz e Terra 2002.
ARANHA, Graça. Canaã. São Paulo: Martin Claret, 2013.
ARARIPE JÚNIOR, Tristão de Alencar. Aluísio de Azevedo. O romance no Brasil. In.
Araripe Júnior: teoria crítica e história literária. São Paulo: Editora da Universidade de
São Paulo, 1978a.
_____. Estilo tropical: a fórmula do naturalismo brasileiro. In. Araripe Júnior: teoria
crítica e história literária. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1978a.
AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço. São Paulo: Ática, 1997.
_____. O Mulato. São Paulo: Ática, 2003.
BARBOSA, João Alexandra. Forma e história da crítica brasileira de 1870-1950. In: A
leitura do intervalo. São Paulo: Iluminuras, 1990.
CANDIDO, Antonio. Formação da litertura brasileira: momentos decisivos. Belo
Horizonte: Itatiaia, 1981.
CANDIDO, Antonio; CASTELO, José Aderaldo. Presença da literatura brasileira:
história e antologia. Rio de Janeiro: Betrand brasil, 1997.
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6 Edição número 26, Outubro/2017 a Março/2018 - p
17
CRUZ E SOUSA, João da. Cruz e Sousa: obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar,
1995.
CUNHA, Euclides da. Os Sertões: campanha de Canudos. Rio de Janeiro: Ediouro, 1998.
_____. Resumé de l'histoire littéraire du Portugal, suivi du resumé de l'histoire
litteráire du Brésil. Paris: Lecointe et Durey, 1826.
FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2010.
FRIEDRICH, Hugo. Estrutura da lírica moderna: da metade do século XIX a meados
do século XX. São Paulo: Duas Cidades, 1991.
GOBINEAU, Arthur de. Essai sur l’inegalité des races humaines. Paris: Éditions Pierre
Belfond, 1967.
JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria literária.
São Paulo: Ática, 1994.
LIMA, Luiz Costa. Mímesis e modernidade: formas das sombras. São Paulo: Paz e
Terra, 2003.
_____. O controle do imaginário: razão e imaginação nos tempos modernos. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1989.
PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas:
Editora da Unicamp, 2009.
_____. Papel da memória.in: ACHARD, Pierre [et al.]. Papel da memória. Campinas:
Pontes editores, 2007.
PEREIRA, Lúcia Miguel. História da literatura brasileira: prosa de ficção: de 1870 a
1920. Belo Horizonte: Itatiaia, 1998.
POSSENTI, Sírio. Teoria do discurso: um caso de múltiplas rupturas. In: MUSSALIM,
Fernanda; BENTES, Anna Christina (orgs). Introdução à linguística: fundamentos
epistemológicos, vol.3. São Paulo: Cortez, 2007.
MAGALHÃES, Domingos José Gonçalves de. Ensaio sobre a história da literatura do
Brasil. In: Nitheroy: revista brasiliense. Paris, n.01, pp.132 - 159,1836.
MAINGUENEAU, Dominique. Gênese dos discursos. São Paulo: Parábola editorial,
2008.
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6 Edição número 26, Outubro/2017 a Março/2018 - p
18
_____. Discurso literário. São Paulo: Contexto, 2016.
RODRIGUES, Nina. As raças humanas e a responsabilidade penal no Brazil. 1ª ed.
Rio de Janeiro: Editora Guanabara (biblioteca de cultura scientifica), 1894.
ROMERO, Sílvio. Introdução à história da literatura brasileira. Rio de Janeiro:
Typographia Nacional, 1882
ZOLA, Émile. O romance experimental e o naturalismo no teatro. Perspectiva, São
Paulo: 1982.
i O recorte cronológico visa compreender um contexto literário marcado sobretudo pela ascenção de uma
produção literária bastante heterogênea, mas que tinha no sentimento antirromântico seu denominador
comum. É o mesmo recorte já utilizado por Lúcia Miguel Pereira (1988) e Antonio Candido, que refere-se
ao período como sendo “o primeiro, em nossa literatura, que apresenta um panorama completo da vida
literária” (1997, p.281). ii A dissonância da lírica moderna identificada por Hugo Friedrich (1991) ou a reconfiguração da mímesis
literária durante a modernidade (LIMA 2003) devem ser assumidas como fenômenos discursivos referentes
a esta nova função social que as representações literárias adquirem durante a passagem do século XIX para
o século XX. Desobrigadas de reiterar valores ou ideias estabelecidas em outras instâncias discursivas, a
linguagem literária envereda por uma vertente experimentalista que tende a subverter as tradicionais
formulações linguísticas pelas quais o homem entende o mundo. iii Não se deve confundir estabilização com cristalização. A estabilização de sentido é uma operação
desenvolvida dentro da matriz de sentido de uma discursividade, mas ela encontra-se constantemente
ameaçada pelos efeitos da divisão social no plano semântico da língua. A noção de regularidade, acima
referida, também não deve ser confundida com a noção de univocidade. Toda regularidade estabelecida
entre sentidos ocorre dentro da heterogeneidade constitutiva dos discursos (cf. MAINGUENEAU, 2008,
p.31). iv DANÇA DO VENTRE: Torva, febril, torcicolosamente,/ Numa espiral de elétricos volteios,/ Na cabeça,
nos olhos e nos seios/ Fluíam-lhe os venenos da serpente.// Ah! Que agonia tenebrosa e ardente!/ Que
convulsões, que lúbricos anseios,/ Quanta volúpia e quantos bamboleios,/ Que brusco e horrível
sensualismo quente.// O ventre, em pinchos, empinava todo/ Como reptil abjecto sobre o lodo,/
Espolinhando e retorcido em fúria./// Era a dança macabra e multiforme/ De um verme estranho, colossal,
enorme,/ Do demônio sangrento da luxúria. (CRUZ E SOUSA, 1995, p.81) v Quer descenda do europeu, quer esteja ligado ao negro ou ao primitivo habitante da América, o brasileiro
tem disposições naturais para receber impressões profundas; e para se abandonar à poesia não precisa da
educação citadina; afigura-se que o gênio peculiar de tantas raças diversas nele se patenteia: sucessivamente
arrebatado, como o africano; cavalheiresco, como o guerreiro das margens do Tejo; sonhador, como o
americano, quer percorra as florestas primitivas, quer cultive as terras mais férteis do mundo, quer apascente
seus rebanhos nas vastas pastagens, é poeta. vi Nessas belas paragens, tão favorecidas pela natureza, o pensamento deve alargar-se como o espetáculo
que se lhe oferece; majestoso, graças às obras primas do passado, tal pensamento deve permanecer
independente, não procurando outro guia que a observação. Enfim, a América deve ser livre tanto na sua
poesia como no seu governo. vii Entendo, aqui, por termo operador um signo que, a pretexto de informar algo novo sobre a realidade
recoberta pelo discurso no qual ele é empregado, realiza uma articulação entre dois outros signos,
normalmente oriundos de campos semânticos distintos, de modo que entre eles se produza o efeito de
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6 Edição número 26, Outubro/2017 a Março/2018 - p
19
discurso transverso descrito por Pêcheux. Tal processo discursivo geralmente ocorre quando se busca a
legitimação de um argumento mediante a incorporação de uma discursividade heterogênea. No caso em
questão, o termo liberdade, assim como seus derivados, estabelece um plano semântico comum no qual
dois outros termos passam a se ligar por meio de uma articulação lateral. Com a modificação das condições
de produção, ditadas agora pela conjuntura de crise do segundo império, o termo operador se modifica de
modo a manter a coerência das relações parafrásticas do discurso literário nacionalista.
* Universidade Regional do Cariri - URCA