A EJA E A FORMAÇÃO PARA O MUNDO DO TRABALHO1
Sandra Cristina Pereira de Lima2 Vanderlei Carbonara3
Resumo Este trabalho traz uma abordagem da Escolarização de Jovens e Adultos e sua trajetória na história da educação no Brasil. Caracteriza-se por uma análise teórica sobre o movimento desta modalidade de ensino e as políticas púbicas que a regem fazendo uma análise sobre a concepção de formação escolar contida em documentos educacionais que norteiam a organização do ensino nas escolas brasileiras – o Relatório da Comissão Internacional da UNESCO – Relatório Jacques Delors – e os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs. Mediante esta análise, busca identificar as sintonias ou divergências entre as proposta de formação presentes nestes dois documentos e as demandas da produção capitalista em seu atual estágio de desenvolvimento, bem como refletir sobre os limites de uma prática pedagógica que se organiza com base nessas orientações. São apresentadas reflexões em torno dos conceitos de trabalho e educação integral, na perspectiva marxiana de educação colocando em discussão as necessidades formativas do ser humano em especial da classe trabalhadora que compõe o público de EJA (Educação de Jovens e adultos). Por último apresenta as possibilidades de uma teoria crítica de educação baseada na dialética marxista contribuir para criar e fundamentar pressupostos que sirvam de esboço para a elaboração e definição de futuras políticas públicas para a EJA comprometidas com a emancipação da classe trabalhadora. Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. Políticas Educacionais. Trabalho como princípio educativo. Teoria crítica de educação e emancipação.
INTRODUÇÃO
Este artigo tem por objetivo problematizar e refletir sobre a forma como as
políticas educacionais, praticadas a partir de 1990, estão repercutindo na formação
dos trabalhadores. Busca apontar a concepção de formação escolar presente em
documentos educacionais que norteiam a organização do ensino nas escolas
brasileiras (Relatório da Comissão Internacional da UNESCO – Relatório Jacques
Delors4 e os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs5), identificar as sintonias ou
1 Artigo apresentado, a título de pesquisa desenvolvida no curso de pós-graduação em educação –
Observatório de educação: Projeto ler e escrever o mundo: A EJA no contexto da educação contemporânea – curso de especialização em EJA. Turma 2 – Universidade de Caxias do Sul – RS. 2 Professora da rede Municipal de Ensino na Cidade de Caxias do Sul, pós- graduanda no curso de
especialização em EJA, graduada em Licenciatura Plena em História pela Universidade de Caxias do Sul. Atua como regente de classe na EJA (Educação de Jovens e Adultos), totalidades finais do Ensino Fundamental e com os anos finais do Ensino Fundamental ministrando aulas de história e geografia. 3 Professor orientador da pesquisa, Doutor em Educação.
4 O relatório da UNESCO ficou conhecido como relatório Jacques Delors por ter sido organizado por
esse político francês. Nesse documento estão sintetizados os resultados dos trabalhos realizados pela Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI. 5 Os PCN’s foram elaborados por vários educadores que tiveram a assessoria do educador espanhol
César Coll. Sua elaboração atendeu ao artigo da constituição que prevê o estabelecimento de conteúdos mínimos para a educação. Após impresso, foram distribuídos em diferentes estados e
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divergências entre as proposta de formação presentes nos documentos e as
demandas da produção capitalista em seu atual estágio de desenvolvimento, bem
como refletir sobre os limites de uma prática pedagógica que se organiza com base
em tais orientações.
A pesquisa desenvolvida analisou em quais aspectos as políticas públicas
aplicadas à EJA estão atendendo as dimensões educativas e formativas do ser
humano, uma vez que os pressupostos do modelo de competência e
empregabilidade norteiam as reformas educacionais conduzidas pelo MEC nas
últimas décadas, implantando práticas educativas frágeis, marcadas pelo
aligeiramento, uniformidade e reducionismo. Os currículos, orientados por esse
paradigma, passaram a se basear no desenvolvimento de habilidades e
competências, e vêm se sobrepondo aos sustentados na busca e socialização de
conhecimento subordinando a educação às necessidades do setor produtivo, o que
implica numa compreensão menos ampliada da realidade. As habilidades e os
conhecimentos passaram a ser colocados num mesmo patamar de importância
representando uma banalização do saber minimizando importância da escola como
espaço de socialização do conhecimento historicamente produzido.
Nesse sentido, as políticas públicas aplicadas à EJA (Educação de Jovens e
Adultos) não tem permitido o desenvolvimento pleno dos educandos, visto que,
apresentam-se como inclusivas, mas na verdade mascaram uma cruel exclusão na
medida em que não preparam os indivíduos para enfrentar, com autonomia, a
competitividade que o mundo do trabalho impõe.
A pesquisa foi desenvolvida a partir da metodologia teórica, com uma
abordagem qualitativa e enfoque sócio-histórico. As análises aconteceram a partir da
descrição das mudanças ocorridas no mundo do trabalho desde a década de 1970 e
que vem ainda acontecendo buscando identificar quais os nexos existentes entre
essas mudanças e as políticas adotadas para a formação da EJA. Tiveram o aporte
teórico de dois autores principais: Gaudêncio Frigotto, na obra Fundamentos da
Educação Escolar do Brasil Contemporâneo e Demerval Saviani, na obra Marxismo
e Educação, debates contemporâneos. As questões que norteadoras foram: como a
ciência, a técnica e a tecnologia poderão tornar-se instrumentos de emancipação e
criatividade uma vez que estas, na sociedade capitalista, são manipuladas
municípios brasileiros para orientar, subsidiar e fundamentar as propostas Político-Pedagógicas locais.
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ideologicamente a fim de atender às exigências do capital? Como a educação
poderá buscar alternativas de projeto para a superação da lógica vigente – formar
para a emancipação humana e não para o mercado de trabalho? É possível, nesse
cenário político e econômico de desregulamentação da economia e reestruturação
produtiva, em que o capital influencia inclusive os marcos regulatórios das políticas
nacionais, existir uma educação de qualidade, que busque a emancipação das
classes trabalhadoras? As reflexões se deram em torno dos seguintes conceitos: a)
Educação de Jovens e Adultos (EJA); b) trabalho como princípio educativo; c)
educação integral na perspectiva marxiana de educação; e) emancipação.
O texto segue organizado em quatro capítulos. O primeiro apresenta o
conceito de Educação de Jovens e adultos, o perfil do seu público e quais as
necessidades desse público. O segundo recupera a história da EJA no Brasil com
foco em algumas políticas públicas adotadas, procurando apontar quais propostas
curriculares nortearam sua implantação, o contexto histórico em que aconteceram e
quais concepções de educação e de trabalhador embasaram a implantação de tais
políticas. O terceiro procura apontar as contradições presentes entre as propostas
da UNESCO de educação para o século XXI e os PCNs e por fim, são apresentadas
reflexões em torno dos conceitos de formação integral, a partir de uma matriz
pedagógica histórico-crítica baseada na dialética marxista e as possibilidades de
esse referencial teórico contribuir para criar e fundamentar pressupostos que sirvam
de esboço para a elaboração e definição de futuras políticas públicas para a EJA,
comprometidas com a emancipação da classe trabalhadora.
1 O público que frequenta a EJA
Ao falarmos de jovens e adultos, estamos falando de uma parcela da
população excluída socialmente, inclusive da escola. Referimo-nos a jovens e
adultos das camadas populares cujos traços comuns realçam a vulnerabilidade
inerente à exclusão: marginalizados, desempregados, oprimidos e sem horizontes
de sucesso profissional ou melhoria na qualidade de vida. (OLIVEIRA, 2002).
Cada vez mais, adolescentes que recém completaram 15 anos estão
também buscando a EJA. Muitos desses jovens ainda não conhecem a experiência
de empregabilidade, ou seja, uma experiência de vínculo empregatício com carteira
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assinada. Assim, engrossam as filas do emprego informal ou subemprego com
salários precários. Têm aqueles envolvidos com o tráfico de drogas, os que
cometeram algum delito e cumprem pena em regime de semi-liberdade. A
juvenilização da EJA, como um fenômeno recente, mostra que o problema da
expulsão do ensino fundamental ainda existe e as políticas públicas atuais ainda não
deram conta de atuar nesse sentido de forma a reverter o quadro de exclusão
escolar.
Para esse público, composto por jovens e adultos que trazem consigo uma
história de exclusão e fracasso, faz-se necessário pensar em propostas curriculares
que atendam suas especificidades. Um currículo que considere suas experiências
de vida e de trabalho e as condições em que exercem esse trabalho, sua forma de
ver o mundo, as razões pelas quais não frequentaram ou deixaram de frequentar a
escola, as razões que os motivaram a iniciar ou a retornar o processo de
escolarização. Um currículo que se preocupe em despertar a consciência do seu
lugar e papel na história, para que assim possam atuar em suas realidades
contribuindo com mudanças significativas.
Gentili coloca que é importante acreditar na libertação que se intercomunica,
que reconhece as estruturas onde está inserida para superá-las e que “se imbui da
mística transformadora de um projeto militante e amoroso de resistência criativa, em
todos os espaços e das mais variadas formas possíveis, inclusive nos ambientes
escolares” (GENTILLI, 2001, p.21). Como o autor, acredito que é necessário
construir outros mundos. E a construção de outro mundo se dará pela luta e por
ações conscientes dos grupos organizados, ou seja, por aqueles que desejam a
mudança.
Na EJA, o sujeito principal do processo educativo é o jovem e o adulto das
camadas populares, afetados diretamente por uma realidade sócio-política-
econômica excludente. Pensar numa proposta curricular para essa população
implica pensar em possibilidades de oferecer-lhes uma educação que os despertem
para a sua realidade como possibilidade histórica de mudança. No desvelar de uma
consciência ingênua para uma consciência crítica, o sujeito passa a olhar para a
realidade com o olhar crítico necessário para questionar sua estrutura. “Mudar é
difícil, mas é possível” (FREIRE, 2004, p.79). Essa afirmação remete à possibilidade
de transformação social. Essa transformação só será possível a partir do momento
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em que a educação, especialmente a EJA, se preocupar com a formação integral
dos educandos, não os limitando ao mínimo necessário exigido pelo capital para que
se insiram no mercado de trabalho, como pressupõe a pedagogia das competências,
mas possibilitando os conhecimentos necessários para que possam alçar voos. É
preciso construir uma estratégia de educação de adultos que contribua para a
transformação da sociedade que aí está, em outra que seja melhor e “que
represente os interesses daqueles que estão numa condição de subordinação em
relação à estrutura de poder”. (MAYO, 2004, p. 53).
2 Histórico da Educação de Jovens e Adultos no Brasil
Segundo Paiva (1973), a história da EJA (Educação de Jovens e adultos) no
Brasil se inicia com a catequização dos indígenas, a alfabetização e a transmissão
da língua portuguesa servindo como elemento de aculturação dos nativos, mas é no
final dos anos 40 e início dos 50, no entanto, que começa a ter notoriedade e
consolida-se como uma política pública.
De 1951, com o governo de Juscelino Kubitscheck de Oliveira até a década
de 1960 as políticas educacionais estavam voltadas ao público que não tinha acesso
à escola, inúmeras campanhas de alfabetização foram realizadas, todas com o
intuito assistencial e compensatório. Nos anos 60, na tentativa de superar a lógica
massificadora, essa prática sob a influência de Paulo Freire, passa por
modificações. Adota-se uma pedagogia crítica com perspectivas de formação
integral dos sujeitos, buscando o desenvolvimento de uma consciência crítica. Toda
essa intenção, no entanto, foi rompida com o golpe militar.
Em 1967, o governo militar cria Movimento Brasileiro de Alfabetização
(MOBRAL) e a Cruzada ABC, que se constituíram em movimentos concebidos com
o fim básico de controle político da população, por meio da centralização das ações
e orientações, supervisão pedagógica e produção de materiais didáticos. (DI
PIERRO, 2001). Foi uma política de prerrogativa massificadora que recebeu
influências dos ideais econômicos de desenvolvimento nacional com recursos
externos. Foi uma ação de mobilização nacional com diretrizes únicas para todo o
território nacional.
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Em 1971 a Lei nº 5.692 regulamenta o Ensino Supletivo que, para a época
constituindo-se num marco importante na história da EJA, pois apresentava um
capítulo exclusivo para o público jovem e adulto. O currículo prescrito para o
supletivo, numa perspectiva inicial tinha o objetivo de ensinar a ler, escrever, a
contar, além de objetivar a iniciação profissional. Essa abordagem política de
atendimento se direcionava ao desenvolvimento econômico da industrialização
nacional, com capital internacional, por meio das instalações das multinacionais, que
previa uma intensificação na produção e necessitava de mão de obra.
A década de 80 foi marcada por importantes transformações
socioeconômicas e políticas com o fim do regime militar e o início do processo de
redemocratização. Em 1985, o MOBRAL foi extinto e substituído pela Fundação
EDUCAR. Esse contexto possibilitou a ampliação das atividades da EJA.
Estudantes, educadores e políticos organizaram-se em defesa da escola pública e
gratuita para todos. Uma nova constituição foi elaborada, trazendo importantes
avanços para a EJA: o ensino fundamental, obrigatório e gratuito, passou a ser
garantia constitucional também para os que a ele não tiveram acesso na idade
apropriada. No entanto, a partir dos anos 90, a EJA começou a perder espaço nas
ações governamentais. Em março de 1990, com o início do governo Collor, a
Fundação EDUCAR foi extinta. Em nome do enxugamento da máquina
administrativa, a União foi se afastando das atividades da EJA e transferindo a
responsabilidade para os Estados e Municípios.
Essa transferência do financiamento da EJA para os estados e municípios
gerou uma crise, todos os órgãos conveniados tiveram que garantir sozinhos o custo
das atividades de educação, antes afiançado pela fundação. Desse momento em
diante, com o governo de Fernando Collor de Mello, iniciou-se o processo de
descentralização federal que foi consagrado no governo de Fernando Henrique
Cardoso.
A articulação em torno da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
reafirmou a institucionalização da modalidade EJA substituindo a denominação de
Ensino Supletivo por EJA. A Lei nº 9.394 em seu artigo 38 faz referência aos cursos
e exames supletivos e, assim, segundo Rummert (2007), continua a ideia da
suplência, de compensação e de correção de escolaridade. Acontece a redução das
idades mínimas de 18 para 15 anos para o ensino fundamental e de 21 para 18 anos
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para o ensino médio. Essa redução vem corroborar com a desqualificação dessa
modalidade de ensino, privilegiando certificação em detrimento dos processos
pedagógicos. Ainda para Rummert, a legislação, dessa forma, ratificou o
condicionamento da educação dos trabalhadores aos interesses do capital assim
como passou a transferir a responsabilidade da educação para diferentes iniciativas
de esferas públicas não estatais e privadas por meio de práticas de parcerias e/ou
filantropia com “ênfase nas Organizações não Governamentais, sempre marcadas
pelo caráter compensatório”. (RUMMERT, 2007, p. 39).
Em 1997, contrapondo-se a esse discurso, a Declaração de Hamburgo sobre
a Educação de Adultos, resultado da V Conferência Internacional para a Educação
de Adultos - CONFINTEA enfatiza que a Educação de Jovens e Adultos é a chave
para o século XXI e resgata a importância dessa modalidade de ensino, no entanto,
as propostas que chegam ao congresso para a elaboração de um novo Plano
nacional de Educação, não contemplam as orientações da UNESCO pelo relatório
de Delors. A Lei nº 10.172/2001, que aprovava o PNE, no capítulo dedicado à EJA,
reconheceu a extensão do analfabetismo absoluto e funcional e sua desigual
distribuição entre as zonas rural e urbana do território brasileiro, mas segundo DI
PIERRO (2010, p. 942) “os documentos limitavam-se a desenhar estratégias de
elevação das taxas de alfabetização e níveis de escolaridade da população,
ocupando-se da reposição de estudos não realizados na infância ou adolescência, o
que os situa nos marcos da concepção compensatória da EJA”.
A vigência da lei nº 10.172/2001 foi de 10 anos, dos quais oito foram
presididos por Luís Inácio Lula da Silva. Durante o seu mandato, a EJA tornou-se
objeto de um número mais significativo de iniciativas do que nos períodos
governamentais anteriores. Entretanto, tais iniciativas estabelecem ações no sentido
da profissionalização, mas reforçam a ideia de fragmentação de programas, em que
a certificação é meta na busca da universalização da educação e erradicação do
analfabetismo. Apresentam-se como claras explicitações de “ações focais para
minimizar efeitos da desigualdade estrutural” (RUMMERT, 2007, p. 39). São ações
que se preocuparam com a mera ampliação de indicadores de elevação de
escolaridade da classe trabalhadora e distanciam o acesso democrático as bases
dos conhecimentos científicos e tecnológicos.
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Entre essas iniciativas, podem ser destacados: o Programa Brasil
Alfabetizado, coordenado pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade do Ministério da Educação (MEC). A escola de fábrica, o Programa
Nacional de Inclusão de Jovens – PROJOVEM, gerido pela Secretaria Nacional de
Juventude; o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a
Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos, mantido pela
Secretaria de Educa Agrária, coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento
Agrário; e o Exame Nacional de Certificação de Competências - ENCCEJA realizado
pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP). Para Gentilli
(1998), essas iniciativas remetem ao conceito de capital humano6, assinalando a
força do trabalho tomada como mercadoria na produção de capital econômico, o que
configura um caráter de certificação vazia aos programas.
Frigotto respalda essa análise afirmando que a educação, na primeira
década do século XXI, continuou com um caráter secundário. “Não só algo
secundário, mas desnecessário para o projeto modernizador e de capitalismo
dependente aqui viabilizado” (FRIGOTTO 2010, p.242). Saviani7 complementa:
Nós chegamos ao final do século XX sem resolver um problema que os principais países, inclusive nossos vizinhos Argentina e Uruguai, resolveram na virada do século XIX para o XX: a universalização do ensino fundamental, com a consequente erradicação do analfabetismo. (SAVIANI, 2007, p. 3).
No plano do financiamento, porém, houve um significativo avanço com a
criação do FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – que ao incorporar a
educação infantil e o ensino médio, contemplou também a Educação de Jovens e
Adultos. Ainda que em termos muitíssimo baixos, outro aspecto importante que vale
a pena ressaltar foi a fixação do piso nacional para o magistério da educação básica.
Uma conquista histórica do magistério nacional. (FRIGOTTO, 2010).
Também a CONAE (Conferência Nacional de Educação) que mobilizou, em
âmbito nacional, diferentes segmentos da sociedade em torno da discussão de
diretrizes e estratégias com vistas a consolidar os marcos para a construção de um
novo Plano Nacional de Educação se apresenta como uma perspectiva de avanço.
6 Capital Humano: conhecimentos que aumentam a capacidade de trabalho (SHULTZ, 1962).
7 SAVIANI, Demerval. Entrevista concedida por e-mail à repórter Juliana Monachesi. Folha de São Paulo, 26 de
abril de 2007.
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O novo Plano Nacional de Educação (PNE – PL 8035/10) foi elaborado a
partir das propostas aprovadas e sistematizadas no Documento Final da CONAE
2010, para vigorar no período de 2011-2020. Uma das principais metas é a
universalização do ensino para toda a população de 4 a 17 anos. As paginas 147,
148 e 149, tratam da EJA e afirmam que deve ser ampliado o apoio técnico às
secretarias estaduais e municipais de educação, movimentos sociais e populares
que atuam com EJA, visando a melhoria da qualidade da educação oferecida a
jovens e adultos (CONAE, 2010).
As propostas apresentadas ao PNE, pela CONAE, abrem a possibilidade de
evolução para uma formação de qualidade para a classe trabalhadora. A referência
se dá quando esse documento aponta a ideia de Ensino Médio Integrado, na
concepção de escola unitária e de escola politécnica, no Decreto nº 5.154, de 2004,
como alternativa inicial, e a instituição plena da escola unitária, como meta (...).
(CONAE, 2010a, p. 13, Item 8; CONAE, 2010b, p.12).
No entanto, já fica explícita a disputa em torno de distintos projetos
societários e, em particular, educacionais. No item “f” do Eixo III, algumas
contradições são perceptíveis e o documento apresenta um caráter ambíguo.
f) A expansão de uma educação pública profissional de qualidade, entendida na perspectiva do trabalho como princípio educativo, com financiamento público permanente que atenda às demandas produtivas e sociais locais, regionais e nacionais, em consonância com a sustentabilidade socioambiental e com a inclusão social. É preciso que a educação profissional no País atenda de modo qualificado às demandas crescentes por formação de recursos humanos e difusão de conhecimentos científicos, e dê suporte aos arranjos produtivos locais e regionais, contribuindo com o desenvolvimento econômico-social (...). (Idem, ibid.; destaques do original).
Neste item, vêm à luz contradições importantes quando o texto inicia com
“expansão de uma educação pública profissional de qualidade, entendida na
perspectiva do trabalho como princípio educativo”, mas um pouco depois se afirma:
É preciso que a educação profissional no País atenda de modo qualificado às demandas crescentes por formação de recursos humanos e difusão de conhecimentos científicos, e dê suporte aos arranjos produtivos locais e regionais, contribuindo com o desenvolvimento econômico-social (...). (Idem, ibid.; destaques do original).
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Num primeiro momento, o texto refere-se à EP (Educação profissional)
fundada no trabalho como princípio educativo. Logo após, a veicula às demandas
por formação de recursos humanos para dar suporte aos arranjos produtivos locais e
regionais. São ideias antagônicas, “formação de recursos humanos” remete às
noções da teoria do capital humano, totalmente incompatível com a concepção de
trabalho como princípio educativo. “A formação humana baseada no trabalho como
princípio educativo não pode ser confundida com a formação de recursos humanos
para atender às demandas do mercado de trabalho” (MOURA, 2010, p. 885).
Moura, ao analisar o texto da CONAE, enfatiza que este, para ser
incorporado ao PNE, por conter termos polissêmicos, “têm seus significados
dependentes da concepção de ser humano, de sociedade, de ciência, de tecnologia,
de cultura, enfim, de mundo que o sustente” (MOURA, 2010, p. 887). Essas
concepções estão muito próximas ao pensamento neoliberal e, portanto, submetidas
à lógica da adaptação à realidade hegemônica, que tem centralidade na dimensão
econômica e, no mercado, o instrumento para fortalecê-la. Dessa forma, afasta-se
da perspectiva transformadora da realidade, com centralidade no ser humano e em
suas relações com a natureza, por meio do trabalho.
3 A educação para a EJA no relatório de Delors e nos PCN’s
As análises acima realizadas permitem afirmar que todas as políticas
destinadas à educação de Jovens e adultos até aqui remetem à lógica mercantil de
adaptabilidade ao capital. São políticas embasadas nas orientações dos organismos
internacionais que incentivam ações focalizadas para mitigar tensões sociais
decorrentes da pobreza e suas consequências. Observa-se o aporte teórico para
pedagogias instrumentais e adaptativas por meio da naturalização das
desigualdades sociais. A ideia de constante adaptação a um mundo que passa por
rápidas mudanças é central no Relatório Delors. Dessa forma, tomando a realidade
social como algo dado, a educação passa a expressar o novo paradigma político,
centrado na busca do consenso e da harmonia social, sem qualquer questionamento
sobre as contradições que, por meio das relações sociais, produzem a realidade.
A proposta central é: adaptar-se constantemente às mudanças por um
contínuo “educar-se”: o “Direito a Aprender por toda vida é, mais do que nunca, uma
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necessidade.” (UNESCO, 2004, P,54). Nesse sentido, o relatório de Delors sintetiza
a educação necessária ao século XXI:
Para poder dar respostas ao conjunto de suas missões, a educação deve organizar-se em torno de quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo de toda a vida, serão de algum modo para cada indivíduo, os pilares do conhecimento: aprender a conhecer, isto é adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas; finalmente aprender a ser, via essencial que integra as três precedentes. É claro que estas quatro vias do saber constituem apenas uma, dado que existem entre elas múltiplos pontos de contato, de relacionamento e de permuta. (DELORS, 1998, p. 31)
O Brasil incorporou essa ideia de educação ao longo da vida,
especificamente para a EJA, na última década. É uma proposta que partiu das
agências internacionais, advindos principalmente das parcerias com a UNESCO, e
se materializou em documentos oficiais. A consideração do tema “educação
continuada ao longo de toda a vida” como um novo paradigma da EJA tem sua
origem em documentos como a Declaração de Hamburgo (proveniente da V
CONFITEA, realizada em 1997), e é referendada, em documentos legais como o
Parecer nº 11/2000 do Conselho Nacional de Educação, que institui a função
qualificadora, atribuindo à EJA a função de “atualização de conhecimentos por toda
a vida”. Um discurso que não é novo, nasceu em 1972 quando a Comissão
Internacional para o Desenvolvimento da Educação, criada pela UNESCO,
apresentou o Relatório Aprender a Ser (Relatório Faure). O Relatório Faure
enfatizava o conceito de educação permanente. No ano de 1996, num contexto
totalmente novo se apresenta com a proposta de educação ao longo da vida. O que
não significa continuidade daquela proposta ou atualização do conceito, mas uma
reconceitualização com uma mudança total de sentido, articulado diretamente às
necessidades do setor produtivo. Segundo Canário (2013) uma política de formação
como resposta às políticas de emprego.
A ideia de educação ao longo da vida aparece como política educativa no
novo Estado Neoliberal e é incorporada às políticas de EJA sob um viés de política
avançada, democratizante e de inclusão. No entanto, tal proposta, materializada no
Relatório de Delors, na Declaração de Hamburgo e incorporada nos PCNs, segundo
Ventura, se apresenta como:
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Uma contribuição fundamental para tecer e manter a hegemonia através do controle ou amenização das insatisfações, ao prometer e proclamar a educação como única via possível para mudanças sociais, percebidas exclusivamente como ascensão individual nos limites do sistema; e, ao mesmo tempo, ocultar e/ou negar as possibilidades de transformações estruturais da sociedade capitalista, as contradições e os conflitos de classes e a exploração da força de trabalho, ao adotar a renda e o consumo como os fundamentos da hierarquização social. (VENTURA, 2013, p. 41).
Aqui se apresenta o primeiro limite de formação integral das políticas
públicas adotadas para a EJA conforme esta pesquisa se propôs a analisar. Para
atender as orientações dos Organismos Internacionais, além de adotar os
pressupostos do modelo de competência e empregabilidade que minimizam a
importância dos conhecimentos em prol do desenvolvimento de habilidades e
competências necessárias a desenvolver algumas atividades solicitadas pelo
mercado, as reformas educacionais conduzidas pelo MEC mascaram uma situação
de desigualdade ao oferecer apenas rudimentos de ensino estreitamente
relacionados ao desenvolvimento de atividades no setor informal ou no subemprego.
Cria-se, assim, um apartheid educacional cumprindo o papel de regulador, uma vez
que, sob o imperativo de manutenção da ordem ou da status quo, os programas
educacionais se inscrevem na lógica de propiciar aos mais pobres alguma forma de
“pretensa inclusão social” de ensino mínimo sob uma política de suposta inclusão.
Os currículos baseados no desenvolvimento de habilidades e competências
passam a se sobrepor aos sustentados na busca e socialização de conhecimento. A
educação se condiciona, assim, a cada vez mais atender às necessidades do setor
produtivo, o que implica numa compreensão menos ampliada da realidade. As
habilidades e os conhecimentos passam a ser colocados num mesmo patamar de
importância, representando uma banalização do saber. Essa abordagem minimiza a
importância da escola como espaço de socialização do conhecimento historicamente
produzido, e prioriza-se o desenvolvimento de competências e habilidades que, na
maioria das vezes representam meramente um conjunto de mudanças
comportamentais sem implicar num entendimento mais elaborado da realidade.
Entretanto, necessárias para que os alunos se insiram no mundo contemporâneo do
trabalho.
Fica evidente que tais propostas não tem como horizonte a emancipação do
público da EJA, cumprem o objetivo de dar respostas à atual fase de acumulação
flexível do sistema capitalista. Faz-se necessário, então, buscar outras propostas de
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formação para a classe trabalhadora. Talvez resgatar a proposta de educação
integral, na qual os conceitos estruturantes sejam trabalho, ciência e cultura, numa
perspectiva de formação como sujeitos coletivos e históricos, plenos, capazes de
agir sobre as suas realidades, opondo-se à lógica de exploração a que estão
submetidos. Uma educação pela qual o trabalho passe a ser definido como o meio
em que o homem transforma a natureza e se relaciona com outros homens para
desenvolver sua própria existência (trabalho como práxis humana fundamental, no
sentido ontológico do conceito). Diferente do trabalho assalariado, alienante,
assumido no modo de produção capitalista (práxis produtiva, sentido histórico).
4 Educação integral, trabalho como princípio educativo e emancipação: uma
articulação possível
O conceito de educação numa perspectiva de emancipação para a classe
trabalhadora deve conceber o trabalho como princípio educativo. Essa afirmação
remete à relação entre trabalho e educação afirmando o caráter formativo destes
como ação humanizadora por meio do desenvolvimento de todas as potencialidades
do ser humano. Seu campo específico de discussão teórica é o materialismo
histórico em que se parte do trabalho como produtor dos meios de vida, tanto nos
aspectos materiais, como nos culturais, ou seja, de conhecimento, de criação
material e simbólica, e de formas de sociabilidade.
Para Saviani, trabalho e educação têm uma relação de identidade, “os
homens aprenderam a produzir sua existência no próprio ato de produzi-la”.
(SAVIANI, 2007, p. 54). Porém, o que demarca a dimensão mais profunda da
concepção de trabalho como princípio educativo é de ordem ontológica (inerente ao
ser humano) e, consequentemente, ético-política (trabalho como direito e como
dever). Através desta dimensão ontocriativa, o ser humano cria e recria, pelo
trabalho, pela cultura e pela linguagem, sua própria existência. É pela ação vital do
trabalho que os seres humanos transformam a natureza em meios de vida.
Se essa é uma condição imperativa, socializar o princípio do trabalho como
produtor de valores de uso, para manter e reproduzir a vida, é crucial e “educativo”.
14
(FRIGOTTO, 2005)8. Aqui entra a dimensão político-pedagógico. O trabalho é o
primeiro fundamento da educação enquanto prática social. Para trabalhadores
jovens e adultos, além do sentido ontológico do trabalho, o sentido histórico é de
especial importância, pois possibilita a compreensão das relações existentes entre
fundamentos científicos e tecnológicos com a atividade produtiva; como o saber
científico se relaciona com a prática. Essa compreensão lhes possibilita expandir a
consciência sobre a sua condição de trabalhador explorado. Nessa concepção de
trabalho, associa-se a concepção de ciência: conhecimentos produzidos e
legitimados socialmente ao longo da história, como resultados de um processo
empreendido pela humanidade na busca da compreensão e transformação dos
fenômenos naturais e sociais.
Uma proposta de educação, visando a emancipação, necessariamente deve
educar adolescentes, jovens e adultos para uma leitura crítica do mundo. Eles
precisam entender e responder qual a especificidade que assume o trabalho
humano, a propriedade e a tecnologia em nossa sociedade e o que nos trouxe até a
crise estrutural do emprego. Deve possibilitar que os alunos se apropriem
solidamente dos conhecimentos científicos fundamentais para analisar as
manifestações da vida e tenham a compreensão das relações sociais subjacentes a
todos os fenômenos através de conteúdos elaborados e não a fragmentos de
conhecimentos.
Assim, a realidade passa a ser compreendida em sua totalidade e o trabalho
compreendido em sua perspectiva ontológica. FRIGOTTO complementa a ideia:
o trabalho deve ser compreendido não como mera adaptação à organização produtiva, mas como princípio educativo no sentido da politecnia ou da educação tecnológica, em que os conceitos estruturantes sejam trabalho, ciência e cultura; em que o trabalho seja o primeiro fundamento da educação como prática social, princípio que organize a base unitária do ensino médio. A ciência deve apresentar conhecimentos que, produzidos e legitimados socialmente ao longo da história, fundamentam as técnicas. À cultura cabe a síntese da formação geral e da formação específica por meio das diferentes formas de criação existentes na sociedade, com seus símbolos, representações e significados. (FRIGOTTO, 2004, p. 21).
8 In: COSTA, Hélio da; CONCEIÇÃO, Martinho. Educação Integral e Sistema de Reconhecimento e
certificação educacional e profissional. São Paulo: Secretaria Nacional de Formação – CUT, 2005. p. 63-71.
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Construir essa proposta político-pedagógica é um desafio colocado para a
classe trabalhadora e para os educadores comprometidos com uma educação
libertadora ou emancipadora para os trabalhadores.
SAVIANI apresenta a possibilidade de implementação dessa proposta
através da teoria histórico-crítica. Essa teoria propõe a compreensão da questão
educacional com base no desenvolvimento histórico objetivo, ou seja, a
compreensão da história a partir do desenvolvimento material, da determinação das
condições materiais da existência humana. A tarefa a que se propõe em relação à
educação escolar implica:
a) “identificação das formas mais desenvolvidas em que se expressa o saber objetivo produzido historicamente, reconhecendo as condições de sua produção e compreendendo as suas principais manifestações, bem como, as tendências atuais de transformação;
b) conversão do saber objetivo em saber escolar, de modo que se torne assimilável pelos alunos no espaço e tempos escolares;
c) provimento dos meios necessários para que os alunos não apenas assimilem o saber objetivo enquanto resultado, mas aprendam o processo da sua produção, bem como, as tendências de sua transformação”. (SAVIANI, 2005, p. 09).
É uma proposta de educação que se propõe a resgatar o trabalho como
princípio educativo visando a formação humana plena. O trabalho compreendido
nessa perspectiva deixa de ser apenas uma atividade laborativa ou um emprego e
passa a ter um sentido mais amplo. O trabalho passa a ser compreendido como
práxis que possibilita criar e recriar, no plano econômico, cultural, artístico, da
linguagem e dos símbolos. O trabalho como criação do mundo humano. Assim ele é
um direito e um dever e engendra um princípio formativo.
Nesse sentido, a ideia de politecnia compreendida, numa abordagem
marxiana, como a união da instrução intelectual e o trabalho produtivo, se apresenta
como um princípio norteador de um currículo emancipatório. Representaria a
superação da fase de minimização de conhecimento que prevalece atualmente
sobre as políticas educacionais (SAVIANI, 2007, p. 164). A politecnia como proposta
de currículo significaria o acesso sistematizado à apropriação dos conteúdos dos
quais os trabalhadores necessitam para potencializar sua luta em defesa de seus
interesses contra a dominação burguesa. Nesse processo, a escola desempenha o
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papel de, além de alfabetizar ensinando a ler o mundo, possibilitar a construção de
saberes elaborado através do desenvolvimento do conhecimento científico.
Portanto, os educadores que se colocam no campo do marxismo deverão ter clareza de que, se a burguesia se serve do saber elaborado para reforçar sua dominação, isso se deve ao fato de que ela busca se apropriar com exclusividade dessa forma de saber, excluindo dela os trabalhadores. Segue-se, pois, que o saber elaborado é colocado a serviço da burguesia, o que lhe dá a aparência de que se trata do próprio saber burguês. Na medida, porém, em que, pela análise do desenvolvimento histórico propiciado pela teoria marxista, nos damos conta de que o saber elaborado não é inerentemente burguês, mas é produzido pelo conjunto dos homens ao longo da história, nos defrontamos com a seguinte tarefa: desarticular da ideologia burguesa o saber elaborado e rearticulá-lo em torno dos interesses dos trabalhadores. É esse o trabalho que nos cabe. (SAVIANI, 2009, p. 114)
Tanto Saviani quanto Frigotto, em diferentes obras, concordam que a
concepção de educação escolar unitária e politécnica ou tecnológica – cujos eixos
centrais são o não-dualismo e a fragmentação e a união entre formação intelectual e
produção material, articulando teoria e prática no desenvolvimento dos fundamentos
ou bases científicas gerais de todos os processos de produção – poderá se constituir
como uma possibilidade de projeto societário e de educação escolar e formação
científico-técnica contra hegemônica, superando a tradição de adestramento. É uma
proposta que articula conhecimento científico, filosofia e trabalho, cultura e vida.
Articula a formação científica e sócio-histórica à formação tecnológica, tendo por
referência não somente as demandas do setor produtivo, mas os objetivos da
formação humana. Para isso é importante um trabalho pedagógico que tenha a
teoria como elemento central capaz de favorecer a possibilidade da reflexão sobre o
real. Um trabalho pedagógico que leve o jovem e o adulto das calasses populares
muito mais do que a dominar conteúdos, mas a aprender a se relacionar com o
conhecimento de forma ativa construtiva e criadora.
Com essas considerações, esses autores demonstram como que a
compreensão da dimensão ontológica da filosofia marxiana – do trabalho como
categoria fundante do ser social – pode contribuir para que, de posse desse
referencial teórico, possamos nos desafiar a construir um projeto de educação
básica e profissional que leve em conta a necessidade histórica de emancipação da
classe trabalhadora. Concordo com Frigotto quando ele diz:
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Esse é um desafio concreto a ser enfrentado no espaço contraditório da escola, instituição responsável pela formação dos quadros que o sistema capitalista necessita para reprodução de sua lógica, mas que deve trabalhar na perspectiva da emancipação humana para uma vida cheia de sentido. (FRIGOTTO, 2006, p. 275).
Cabe aos educadores de modo geral, mas principalmente àqueles que
atuam com a modalidade de educação de jovens e adultos, a assumir uma postura
crítica diante dos limites das políticas educacionais impostas à EJA para que,
conscientes do seu papel, lutem por uma educação de qualidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As atuais iniciativas referentes à Educação de Jovens e Adultos no Brasil
refletem o quadro de distribuição profundamente desigual dos bens materiais e
simbólicos, bem como a negação dos direitos fundamentais – entre os quais o direito
pleno à educação – para a maioria da classe trabalhadora. O país chega a meados
da segunda década do século XXI sem ter resolvido o problema do analfabetismo
funcional, principalmente entre os jovens e adultos. Tal fato decorre de opção de
ordem política e econômica e do projeto societário escolhido para o Brasil que,
segundo Frigotto, é pela cópia da tecnologia e não para a produção dela. Essa
escolha define a nossa posição em relação à Divisão Internacional do Trabalho, de
país semiperiférico, com fraco investimento em ciência e tecnologia e com atividades
dominantemente neuromusculares e, como consequência,
As políticas educacionais adotadas no Brasil a partir da década de 1990 se
consolidaram sob a hegemonia do capitalismo neoliberal. Por meio da pedagogia
das competências e empregabilidade, buscaram produzir as qualificações
necessárias em setores restritos que exigem conhecimento técnico e científico para
o desempenho de trabalhos complexos a uma parcela mínima da população. À
maioria da classe trabalhadora, alargou-se a formação para o trabalho simples
através de iniciativas focais com possibilidades de elevação da escolaridade com
caráter precário, aligeirado e certificativos, visando desenvolver as habilidades
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necessárias ao cidadão produtivo, ajustado técnica e socialmente às demandas do
capital. “ Um cidadão que não acredite ser sujeito político”. (FRIGOTTO, 2006)
Nesse sentido, as hipóteses apresentadas neste trabalho são corroboradas,
pois as análises até aqui apresentadas nos permitem afirmar que o Brasil chega ao
século XXI com políticas vazias para a EJA. São propostas com vistas a atender,
prioritariamente as necessidades do setor produtivo. Apresentam um caráter de
amenização das tensões sociais e remetem à lógica de adaptabilidade ao capital, e
não atendem as dimensões formativas e instrutivas necessárias ao cidadão de modo
a desenvolver a autonomia necessária para que se constituam sujeitos no mundo do
trabalho. As concepções de formação contidas nos documentos oficiais são
reducionistas e remetem à formação para o trabalho simples. Reforçam a máxima de
Adam Smith (1983) “instrução para os trabalhadores, porem em doses
homeopáticas”.
As forças dominantes e as características do atual estágio da produção
capitalista não requerem, efetivamente, que a totalidade da população tenha
assegurado o direito à escolaridade básica de qualidade (RUMMERT, 2007). Por
outro lado, se difunde a crença de que a educação constitui a chave do ingresso
exitoso no mercado de trabalho. Ou seja, são oferecidos à população rudimentos de
educação para dar-lhe a impressão de estar sendo assistida pelo Estado.
Implantam-se ações de distribuição de certificados de conclusão de cursos de nível
fundamental, médio e de formação profissional, a fim de “construir o consentimento
ativo dos governados” (GRAMSCI, 1978) A EJA, regulamentada como modalidade
de ensino, tem se mostrado uma educação para as frações da classe cujos papéis a
serem desempenhados no cenário produtivo não requerem maiores investimentos.
Essa marca foi até aqui assumida nos documentos oficiais regulatórios da EJA. No
entanto, a partir do novo PNE, vislumbram-se novos horizontes para a EJA. A
CONAE apresentou pontos importantes para a construção da educação democrática
com mais qualidade na tentativa de amenizar o histórico déficit educacional que
assola o país. O documento pode ser um instrumento consistente para a formulação
da política educacional a curto e médio prazo, pois mobilizou, e mantêm
mobilizados, representantes de diferentes seguimentos da sociedade, com o intuito
de pressionar o congresso para a efetivação das propostas apontadas no sentido de
se construir uma educação de qualidade. É mister lutar por uma educação de
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qualidade, não apenas como estratégia para potencializar o setor produtivo no
sentido de inserir os jovens e trabalhadores no mercado formal de trabalho com
possibilidades de melhorar suas condições de vida mas também com a finalidade de
favorecer, a um número crescente de brasileiros, o acesso aos elementos teóricos
que lhes permitam compreender e questionar a ordem vigente.
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