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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
ESCOLA DE ENFERMAGEM DE RIBEIRO PRETO
DANIELA FRANA BARROS PESSOA
A formao crtico-reflexiva em enfermagem no contexto do
fortalecimento do SUS: o que falam os professores e alunos.
Ribeiro Preto - SP 2011
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Tese apresentada Escola de Enfermagem de
Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo,
para obteno do ttulo de Doutor em Cincias,
Programa de Ps-Graduao em Enfermagem
em Sade Pblica.
Linha de Pesquisa: Prticas, Saberes e Polticas
de Sade.
Orientadora: Profa. Dra. Silvana Martins Mishima.
A formao crtico-reflexiva em enfermagem no contexto do
fortalecimento do SUS: o que falam os professores e alunos.
DANIELA FRANA BARROS PESSOA
Ribeiro Preto
2011
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Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a
fonte.
Pessoa, Daniela Frana Barros
A formao crtico-reflexiva em enfermagem no contexto
do fortalecimento do SUS: o que falam os professores e
alunos / Daniela Frana Barros Pessoa; orientador Silvana
Martins Mishima - Ribeiro Preto, 2011.
181 p.: il.; 30 cm
Tese (Doutorado) Universidade de So Paulo
1. Enfermagem. 2. Formao de recursos humanos. 3.
Polticas pblicas. 4. Ensino. 5. Sistema nico de sade
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FOLHA DE APROVAO
PESSOA, D.F.B. A formao crtico-reflexiva em enfermagem no contexto do
fortalecimento do SUS: o que falam os professores e alunos. Tese Apresentada
Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo para
obteno do ttulo de Doutor em Cincias
Aprovado em:
Banca Examinadora
Prof. Dr. _______________________________ Instituio:____________________
Julgamento: ____________________________ Assinatura: ___________________
Prof. Dr. _______________________________ Instituio:____________________
Julgamento: ____________________________ Assinatura: ___________________
Prof. Dr. _______________________________ Instituio:____________________
Julgamento: ____________________________ Assinatura: ___________________
Prof. Dr. _______________________________ Instituio:____________________
Julgamento: ____________________________ Assinatura: ___________________
Prof. Dr. _______________________________ Instituio:____________________
Julgamento: ____________________________ Assinatura: ___________________
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Obrigada, Meu Deus!
Por me fortalecer quando tudo parecia impossvel. O Senhor segurou firmemente
minhas mos. Recebi sua graa, capacidade e sabedoria. E, por tudo isso, cheguei ao trmino desta
etapa to importante na minha vida. A ti entrego essa vitria.
Daniela Barros
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AGRADECIMENTOS
grande enfermeira, professora e cientista Dra. SILVANA MARTINS MISHIMA, por
sua receptividade e amorosidade ao compartilhar ricos ensinamentos, por ter contribudo de
forma to valorosa na coconstruo desta tese, especialmente por me ensinar o sentido de ser
uma educadora amorosa.
Profa. Dra. ANA MARIA DE ALMEIDA, que respeitosamente me acolheu no
Programa de Ps-Graduao de Doutorado em Sade Pblica da EERP-USP e me apoiou
de forma incondicional, com carinho.
Profa. Dra.MARIA JOS BISTAFA, pela sua contribuio singular ao me encaminhar
EERP-USP e me apoiar na concluso desta etapa desafiadora, mas to sonhada na minha
vida.
s Profas. Dras. ADRIANA KTIA COREIA e Dra. MARIA JOS CLAPPIS, pela
valiosa contribuio no exame de qualificao.
Aos COLEGAS do Departamento de Enfermagem da UnB, pelo respeito que manifestaram
durante essa etapa da minha formao, especialmente aos professores Dra. Dirce Guilhem e
Dr. Pedro Sadi Monteiro, pelo apreo e contribuio dispensada durante o doutorado.
Aos queridos ALUNOS da Universidade de Braslia, pelo carinho e respeito.
Aos COLEGAS da EERP-USP, pelo aconchego e apoio.
IES da Regio Centro-Oeste do pas, pelo apoio e ateno, permitindo a realizao do
trabalho de campo.
Ao meu esposo, ARISTIDES por tantos anos de caminhada juntos, apoio, carinho e
cumplicidade nos projetos de vida.
Aos meus pequenos filhos, JOO PEDRO e DANIEL, fora da minha caminhada, sentido
maior das minhas conquistas. Amo vocs!
Aos meus pais, EVILSIO e CARMELITA; e minha segunda me, NORMA SUELI,
pelos ensinamentos ao longo da vida, incentivando-me sempre a seguir, marcando minha vida
com um amor, impossvel de verbalizar. Amor sublime de pai e me!
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Aos meus 11 irmos FRANA BARROS, que acreditaram e me apoiaram
incondicionalmente neste projeto to audacioso. Vencemos juntos!
Aos AMIGOS e IRMO em Cristo, que oraram por mim e me amaram sem medidas.
GISLENE BARRAL, por sua preciosa colaborao neste trabalho.
A todos, obrigada!
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RESUMO
PESSOA, D. F. B. A formao crtico-reflexiva em enfermagem no contexto do fortalecimento do SUS: o que falam os professores e alunos. 2011. 181 f. Tese de doutorado. Escola de Enfermagem de Ribeiro. Universidade de So Paulo, Ribeiro Preto, So Paulo, 2011. A educao universitria em Enfermagem, no Brasil, enfrenta desafios postos pela necessidade de formao de profissionais generalistas, crticos e reflexivos que contribuam, no s para a melhoria da ateno prestada pelo enfermeiro e pela equipe de sade, mas, tambm, para o fortalecimento da identidade profissional, para que se efetive o compromisso na implementao dos princpios e diretrizes do Sistema nico de Sade. Baseando-se no movimento macroestrutural de implementao das polticas pblicas rumo a essa priorizao, este trabalho objetiva apreender, junto aos docentes e discentes de uma instituio federal de ensino superior da Regio Centro-Oeste do Brasil, a compreenso sobre a formao crtico-reflexiva, assim como as estratgias para essa formao no contexto da enfermagem. O percurso metodolgico adotado foi baseado na abordagem qualitativa, amparada pelo referencial terico da educao de Paulo Freire, sendo o emprico captado mediante a realizao de entrevistas semiestruturadas com docentes e discentes da IES cenrio da pesquisa, alm de fontes secundrias sobre a proposta do curso de enfermagem. Procedeu-se anlise de contedo em sua vertente temtica, identificando-se trs categorias empricas: o docente da IES - dimenso pessoal e profissional; formao crtico-reflexiva do enfermeiro - componentes e sujeitos fundamentais do processo educativo; o olhar dos docentes e alunos sobre a formao crtico-reflexiva do enfermeiro. Destaca-se, na primeira categoria, a construo do processo identitrio do professor, formado por aspectos histricos, sociais, organizacionais, vivenciados antes e depois do ingresso na carreira docente. Na segunda categoria, ressalta-se a importncia da construo coletiva da proposta pedaggica, a aproximao gradativa dos alunos aos cenrios de prtica na graduao, a integrao ensino, pesquisa e extenso e a importncia do saber conviver por meio do trabalho em equipe, proporcionando a integralidade da ateno. Na ltima categoria, foram construdas as compreenses do ser crtico-reflexivo, destacando-se a formao tica e poltica para alm da tcnica, a preocupao com o papel social e a postura profissional, a valorizao dos sujeitos e vivncias subjetivas, o alcance das relaes emancipatrias. Conclui-se que a formao crtico-reflexiva constituda por sujeitos coletivos que percebem a totalidade das questes que permeiam o processo educativo, pois, consideram o processo de conhecimento como um processo de trabalho que valoriza a realidade da sade, procurando responder as necessidades sociais. Os sujeitos da pesquisa identificam as polticas pblicas de formao de recursos humanos, na atualidade, primando pelo aprimoramento das prticas nos servios de sade, coconstruo da autonomia dos sujeitos e valorizao da vida. Assim como, tambm identificam a dinmica organizacional da instituio de ensino no qual esto inseridos, aproximando-as das necessidades concretas da populao brasileira rumo ao fortalecimento do SUS. PALAVRAS-CHAVE: Enfermagem. Formao de recursos humanos. Polticas pblicas. Ensino. Sistema nico de Sade
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ABSTRACT
PESSOA, D. F. B. The critical-reflexive formation in nursing in the context of the SUS strengthening: what the professors and the students say. 2011. 181 f. Tese de doutorado. Escola de Enfermagem de Ribeiro. Universidade de So Paulo, Ribeiro Preto, So Paulo, 2011. The university education in nursing in Brazil faces challenges placed by the necessity of formation of generalist, critical and reflective professionals who contribute not only for the improvement of the attention given to the nurse and the health staff, but for the strengthening of the professional identity so that if it accomplishes the commitment in the implementation of the principles and lines of direction of the Unified Health System. Based on the macrostructural movement of implementation of the public politics towards to this priorization, this work has as objective to apprehend, close to the professors and students of a federal institution of superior education of the region Center-West of Brazil the understanding on the critical-reflexive formation, as well as the strategies for this formation in the context of the nursing.The methodological way adopted was based on the qualitative boarding supported by the education theoretical referential by Paulo Freire, being the empiricist caught by means of the accomplishment of half-structuralized interviews with professors and students of the IES scene of the research, beyond secondary sources on the proposal of the nursing course. A content analysis in its thematic source was done, being identified three empirical categories: the professor of the IES: the personal and professional dimension; critical-reflexive formation of the nurse: components and basic subjects of the educative process; the look of the professors and students on the critical-reflexive formation of the nurse. The construction of the professor identity process, formed by historical, social, organizational aspects is distinguished in the first category, experienced before and after the ingression in the teaching career. In the second category, the importance of the collective construction of the pedagogical proposal is pointed out it. Also the gradual approach of the students to the sceneries of the practical in the graduation, the integration education- research-extension, and the importance of knowing to coexist by means of the work in team are distinguished, providing the completeness of the attention. In the last category, the understandings of the critical-reflexive being were constructed, and the ethical and politics formation beyond the technique, the concern with social paper and professional position, the valorization of the subjects and subjective experiences, the reach of the emancipator relations were distinguished. We can conclude that the critical-reflexive formation is constituted by collective subjects that perceive the totality of the questions that permeate the educative process, therefore, we consider the discovery process as a work process that valorizes the reality of the health that it looks to answer the social necessities. The subjects of the research identify the public politics of human resources formation in the present time searching for the improvement of the practices in the services of health, co-construction of the autonomy of the citizens and valorization of life. As well as, also they identify the organizational dynamics of the education institution in which they are inserted, approaching them of the concrete needs of Brazilian population towards the SUS strengthening. Keywords: Nursing Human Resources Public Formation. Politics. Education. Unified Health System
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RESUMEN
PESSOA, D. F. B. La formacin crtico-reflexiva en Enfermera en el contexto del fortalecimiento del SUS: lo que hablan los profesores y alumnos. 2011. 181f, Ribeiro Preto, So Paulo, 2011.
La educacin universitaria en Enfermera en Brasil enfrenta desafos puestos por la necesidad de formacin de profesionales generalistas, crticos y reflexivos que contribuyan no slo para la mejora de la atencin prestada por el enfermero y por el equipo de salud, pero tambin para el fortalecimiento de la identidad profesional, para que se efective el compromiso en la implementacin de los principios y directrices del Sistema nico de Salud. Basndose en el movimiento macroestrutural de implementacin de las polticas pblicas rumbo a esa priorizacin, este trabajo objetiva aprehender junto a los docentes y discentes de una institucin federal de enseanza superior de la regin Centro-Oeste del Brasil la comprensin sobre la formacin crtico-reflexiva, as como las estrategias para esta formacin en el contexto de la enfermera. El recorrido metodolgico adoptado fue basado en el abordaje cualitativo amparado por el referencial terico de la educacin de Paulo Freire, siendo el emprico captado mediante la realizacin de entrevistas semiestruturadas con docentes y discentes de la IES escenario de la investigacin, adems de fuentes secundarias sobre la propuesta del curso de enfermera. Se procedi al anlisis de contenido en su en su vertiente temtica, identificndose tres categoras empricas: el docente de la IES: dimensin personal y profesional; formacin crtico-reflexiva del enfermero: componentes y sujetos fundamentales del proceso educativo; el mirar de los docentes y alumnos sobre la formacin crtico-reflexiva del enfermero. Se destaca en la primera categora la construccin del proceso identitrio del profesor, formado por aspectos histricos, sociales, organizacionales vividos dos antes y tras el ingreso en la en la carrera docente. En la segunda categora, se resalta la importancia de la construccin colectiva de la propuesta pedaggica, la aproximacin gradativa de los alumnos a los escenarios de prctica en la graduacin, la integracin enseanza, investigacin y extensin y la importancia del saber convivir por medio del trabajo en equipo, proporcionando la integralidad de la atencin. En la ltima categora fueron construidas las comprensiones del ser crtico-reflexivo destacndose la formacin tica y poltica ms all de la tcnica, la preocupacin con el papel social y la postura profesional, la valorizacin de los sujetos y vivencias subjetivas, el alcance de las relaciones emancipadoras. Se concluye que la formacin crtico-reflexiva es constituida por sujetos colectivos que perciben la totalidad de las cuestiones que permean el proceso educativo, pues consideran el proceso de conocimiento como un proceso de trabajo que valora la realidad de la salud que busca responder las necesidades sociales. Los sujetos de la investigacin identifican las polticas pblicas de formacin de recursos humanos en la actualidad primando por el mejoramiento de las prcticas en los servicios de salud, co-construccin de la autonoma de los sujetos y valorizacin de la vida. As como, tambin identifican la dinmica organizacional de la institucin de enseanza en el cual estn insertados, aproximndolas de las necesidades concretas de la poblacin brasilea rumbo al fortalecimiento del SUS.
PALABRAS-LLAVE: Enfermera. Formacin de recursos humanos. Polticas pblicas. Enseanza. Sistema nico de Salud.
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LISTA DE TABELA
Tabela 1 Numero de IES segundo o estado da Regio Centro-Oeste e
categoria administrativa, 2010 ..................................................
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LISTA DE FIGURA
FIGURA 1 Trajetria metodolgica para anlise de material
emprico.....................................................................................
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LISTA DE QUADRO
Quadro 1 - Professores, sujeitos da pesquisa, segundo as variveis:
idade, sexo, ano de formatura, tempo na instituio, tempo na
funo, faculdade de origem, ps-graduao. 2011.................
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LISTA DE SIGLAS
ABEn Associao Brasileira de Enfermagem
ANEPS Associao de Ensinos das Profisses de Sade
FNEPAS Frum Nacional de Educao das Profissionais da rea da Sade
CAPS Centro de Apoio Psicossocial
CNE Conselho Nacional de Educao
CES Conselho de Educao Superior
DCN Diretrizes Curriculares Nacionais
DST/AIDS Doenas Sexualmente Transmisses/ Acquired Immune Deficiency Syndrome
EP Educao Permanente
EUA Estados Unidos da Amrica
FUNRURAL Fundao de Amparo ao Homem do Campo
Hib Haemophilus influenza tipo b
INPS Instituto Nacional de Previdncia Social
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional
PACS Programa Agente Comunitrio de Sade
PET Programa de Educao Tutorial
PET-Sade Programa de Educao pelo Trabalho para a Sade
PREMEM Escola Tcnica Ministro Petrnio Portela
PROFAE Projeto de Profissionalizao dos Trabalhadores da rea da Enfermagem
PR-SADE Programa Nacional de Reorientao da Formao Profissional em Sade
PSF Programa Sade da Famlia
SAS Secretaria de Ateno Sade
SENADEn Seminrios Nacional de Diretrizes para a Educao em Enfermagem no Brasil
SESU Secretaria de Educao Superior
SGTES Secretaria de Gesto da Formao e do trabalho na Sade
SVS Secretaria de Vigilncia em Sade
SUS Sistema nico de Sade
VER-SUS Vivncia e Estgio na Realidade do SUS
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SUMRIO
1. Introduo.....................................................................................................
1.1 Expondo a questo a ser trabalhada..........................................................
22
23
2. Objetivos.......................................................................................................
2.1 Objetivo geral..............................................................................................
2.2 Objetivos especficos..................................................................................
30
31
31
3. Uma perspectiva para construo de caminhos possveis formao
crtico-reflexiva em enfermagem...................................................................
3.1 Concepes de sade e educao no ensino de enfermagem..................
3.2 O ensino na rea da sade: da Nova Repblica ao Brasil ps-
constituinte..................................................................................................
3.3 A enfermagem e o SUS como ordenador da formao em sade.............
3.4 O sujeito crtico-reflexivo em enfermagem................................................
32
33
41
52
64
4. Percurso metodolgico.................................................................................
4.1 O campo de investigao...........................................................................
4.2 Definindo o cenrio de investigao...........................................................
4.2.1 Configurao da IES cenrio da pesquisa...............................................
4.3 Os participantes da pesquisa......................................................................
4.4 A entrada no cenrio de investigao e as questes ticas da pesquisa..
4.5 A entrevista semiestruturada e os documentos sobre a IES......................
4.6 A anlise dos resultados.............................................................................
69
71
74
74
77
77
78
80
5. Docentes e discentes: a construo da formao crtico-reflexiva em
enfermagem................................................................................................
5.1 O docente da IES: dimenso pessoal e profissional..................................
5.1.1 Quem esse professor?.........................................................................
5.1.2 Trajetrias anteriores docncia.............................................................
5.1.3 Trajetrias percorridas na docncia.........................................................
5.1.4 Qual o papel do professor na formao crtico-reflexiva?.......................
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86
87
88
94
110
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5.2 Formao crtico-reflexiva do enfermeiro: componentes e sujeitos
fundamentais do processo........................................................................
5.2.1 A IES cenrio do estudo..........................................................................
5.2.2 Componentes para a formao crtico reflexiva......................................
5.2.3 A prtica nos servios de sade viabilizando os aprenderes..................
5.2.4 As atividades complementares, as metodologias e estratgias
adotadas co-adjuvantes para o aprendizado crtico-reflexivo...............
5.3 O olhar dos docentes e alunos sobre a formao crtico-reflexiva do
enfermeiro.................................................................................................
5.3.1.O ser enfermeiro crtico-reflexivo segundo os docentes da IES..............
5.3.2. O significado de enfermeiro crtico-reflexivo para os discentes..............
115
115
123
134
139
147
147
154
6. Pontuando esta etapa, pensando no (re)comeo... ....................................
159
Referncias.......................................................................................................
165
Apndices.........................................................................................................
176
Anexo ...............................................................................................................
180
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APRESENTAO: BUSCANDO CONTEXTUALIZAR DE ONDE SE FALA
Todas as nossas aes constituem a biografia de nosso trabalho. E todo nosso trabalho constitui a nossa biografia.
Aukar
Apresentando a pesquisadora e a aproximao temtica da pesquisa
Sou a 12 filha da famlia Frana Barros, originria dos rinces do
Nordeste do Brasil. Filha de Evilsio, grande homem, operrio de uma fbrica de
produtos vegetais, que se preocupava em defender o direito humano, vindo a
organizar um movimento sindical em prol dos trabalhadores da indstria do Estado
do Piau, na dcada de 1960. E de Carmelita, excelente costureira que sonhava se
tornar um dia normalista, mas que a vida no lhe permitiu frequentar uma escola
formal para alm da alfabetizao.
Aprendi desde cedo com meus pais o sentido do cuidar. Uma atitude que
transcende um momento, mas que se ocupa de se responsabilizar e cooperar com o
desenvolvimento do outro. E foi nessa busca do cuidar como compromisso pela vida
e com a vida, que busquei a enfermagem como profisso. Vi na docncia, tantas
vezes almejada por minha me, que defender essa experincia de cuidar do outro,
no como ato, mas como projeto de vida, primar pela liberdade e autonomia dos
sujeitos.
Iniciei minha formao acadmica na Universidade Federal do Cear,
Brasil, em 1993, vindo no 6 semestre cursar a disciplina de Enfermagem em Sade
Pblica. Nesse momento, experimentei o cuidado to defendido pelos meus pais,
por meio da Profa. Dra. Maria Josefina da Silva, que, mais do que definir conceitos,
me ensinou a valorizar o outro e cooperar para o crescimento das pessoas, levando-
me a atuar em projetos de extenso em uma comunidade carente de Fortaleza. Mais
uma vez, pude refletir sobre o sentido da vida, meu papel na vida de outros e minha
constituio como sujeito do cuidado. A partir dessas vivncias, fiz a opo pelo
campo da sade pblica e iniciei minha atividade em pesquisa, desenvolvendo
alguns trabalhos de investigao nesse campo de conhecimento.
Dentro das atividades acadmicas, surgiu o interesse em aprofundar
algumas questes marcantes, vivenciadas nos campos de prtica. Assim, tive a
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oportunidade de ser iniciada na pesquisa cientfica e desenvolver estudos que
pudessem me aproximar de possveis respostas s questes formuladas durante os
estgios. Dessa forma, pude desenvolver o estudo Senilidade: o direito de uma vida
digna, com idoso institucionalizado. Procurei conhecer um pouco da histria desses
sujeitos, suas expectativas e como se sentiam ao estar longe dos familiares em
ambiente solitrio. Outro aspecto refletido foi quanto humanizao do cuidado da
enfermagem para alm de uma prtica tecnicista.
A proposta e concretizao de outro estudo que desenvolvi Dependncia
qumica: o difcil retorno do drogadito surgiu no momento em que cursava a disciplina
Psiquiatria em Enfermagem, na qual o Desafio Jovem do Cear1 e o Instituto de
Psiquiatria foram campos de prtica. Nesse perodo, tive interesse em conhecer o perfil
dos usurios de drogas, atendidos nas instituies acima citadas, as drogas mais usadas,
os aspectos individuais e os familiares envolvidos nessa questo.
Por fim, fui realizar o estgio interdisciplinar em Quixad, CE, onde
chamou minha ateno o grande nmero de mulheres casadas apresentando
DST/AIDS. Busquei conhecer sobre a temtica da Poltica Nacional de DST/AIDS e
como os municpios estavam organizados para resolver esse problema. Com essas
preocupaes sob foco, desenvolvi o estudo Sentimentos e mudanas
comportamentais e de atitudes em mulheres socialmente aceitas frente AIDS,
que tambm revelava os conhecimentos das mulheres entrevistadas sobre AIDS e
preveno, assim como os sentimentos como portadoras dessa sndrome.
Ainda nesse perodo, fiz estgio extracurricular no Centro de Apoio
Psicossocial (CAPS) e em uma unidade de funcionamento do Programa Sade da
Famlia (PSF), onde pude aprofundar meu conhecimento sobre a forma como as
pessoas eram atendidas e tinham seu tratamento processado, ou seja, como se
retratavam efetivamente as polticas no cotidiano de um servio de sade.
Aps a concluso da graduao, em maro de 1999, retornei minha
cidade natal, Parnaba, no Piau, para trabalhar na gerncia de um hospital
particular. Iniciei, naquele momento, um curso de ps-graduao lato sensu em
Administrao Hospitalar, em Fortaleza, em parceria com a Universidade de
Ribeiro Preto (UNAERP), concludo em maro de 2000. O trabalho no hospital e a
realizao do curso trouxeram a possibilidade de refletir sobre a prtica que eu vinha
1Instituio de recuperao de jovens dependentes qumicos que ainda existe no Estado do Cear.
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desenvolvendo, com pouca autonomia e centrada apenas na realizao de tarefas,
sem chances de conhecer o outro a quem eu cuidava. Isso no me possibilitava o
crescimento de outros, mas executar um ato isolado e pontual a algum que, muitas
vezes, no tive tempo de conhecer sua histria e sua vida, vindo, muitas vezes, a
cham-lo de paciente do leito tal.
Todavia, nesse perodo, retornei ao trabalho na comunidade, no Programa
Agente Comunitrio de Sade (PACS) e na Gerncia do Pronto Socorro Municipal
de Parnaba, onde tambm funcionavam aes bsicas de sade. Certamente, esse
foi um momento importante da minha profisso, quando conheci as carncias dos
servios de sade no Nordeste do pas, e tinha como desafio a implementao das
polticas pblicas de sade na ateno bsica.
Concomitante a essa atividade, ingressei como docente do curso tcnico
em enfermagem da Escola Tcnica Ministro Petrnio Portela (PREMEM), em
Parnaba, e tambm na Universidade Estadual do Piau, no curso de graduao em
enfermagem, como colaboradora. Essa foi uma das oportunidades de trabalhar os
conhecimentos pari passu com a prtica.
Em 2000, mudei-me para Braslia e fui trabalhar como coordenadora da
equipe de Sade da Famlia, na Vila Estrutural do Guar. Essa comunidade
caracterizava-se por situao de extrema pobreza, precrias condies sanitrias e
alto ndice de violncia. Desenvolvi trabalhos com adolescentes: preveno do uso
de drogas e doenas sexualmente transmissveis, incentivo formao profissional,
entre outras aes intrnsecas ao PSF.
Mais, tarde, em 2002, participei do processo seletivo simplificado na
Secretaria de Investimento do Ministrio da Sade para trabalhar no Projeto de
Profissionalizao dos Trabalhadores da rea da Enfermagem (PROFAE). Atuei na
coordenao e assessoria, na formulao e implementao de aes para
aprimoramento dos cursos de Complementao do Ensino Fundamental para
Jovens e Adultos, da Qualificao Profissional de Auxiliar de Enfermagem e
Complementao da Qualificao Profissional de Auxiliar de Enfermagem para
Tcnico em Enfermagem, na Regio Centro-Oeste e Nordeste, onde foram
realizadas as atividades mostradas abaixo:
1. Desenvolvimento de estudos sobre Educao de Jovens e Adultos.
2. Elaborao de projeto no PROFAE.
3. Implementao de projetos especficos.
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4. Caracterizao da clientela identificada pela anlise de relatrios (anlise de
demanda para o curso).
5. Assistncia tcnica s Agncias Regionais (instituies de apoio tcnico e
pedaggico s instituies formadoras nos estados).
6. Elaborao de roteiros de superviso.
7. Realizao de superviso s Agncias Regionais.
8. Monitoramento das atividades nas instituies formadoras.
9. Realizao de capacitaes nas Agncias Regionais/Operadoras.
10. Elaborao de relatrios de avaliao.
11. Acompanhamento dos resultados do processo de formao (egressos,
desistncias, evaso).
12. Elaborao e divulgao de informes sobre o PROFAE.
13. Realizao de oficinas, workshops, seminrios.
Fui referncia2, em 2003/2004, nos Estados da Regio Centro-Oeste e
Nordeste para a implantao do Polo de Educao Permanente em Sade, proposto
pelo Ministrio da Sade. Essa experincia me trouxe grandes inquietaes, rumo
construo de conhecimentos, sendo que, em dezembro de 2004, fui selecionada
para o curso de aperfeioamento em Gesto em Sade na ENSP/Fiocruz. Meu
objetivo principal era buscar subsdios para discusso em gesto de recursos
humanos junto aos Estados em que atuava como consultora do Ministrio da Sade.
De 2005 a 2008, acompanhei a implantao e implementao do Projeto
de Formao do Tcnico Agente Comunitrio de Sade no Brasil, onde tambm
pude realizar a pesquisa intitulada Avaliao da Formao do Agente
Comunitrio de Sade no Brasil (BARROS, 2006), objeto de estudo do mestrado
em Cincias da Sade, realizado na Universidade de Braslia, no perodo de maro
de 2005 a dezembro de 2006.
No perodo de 2007 a 2008, desenvolvi aes relativas Poltica de
Formao de Recursos Humanos para o SUS do Ministrio da Sade,
implementando o Mestrado Profissional em Gesto do Trabalho e da Educao na
Sade junto aos Gerentes de RH, das Secretarias Estaduais de Sade e Docentes e
Gestores das Escolas Tcnicas do SUS.
2Agente de interlocuo entre o Ministrio da Sade e os Estados e Municpios.
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Nesse momento, pude perceber a necessidade de aprofundar minha
prpria formao, trilhar a busca da realizao da ps-graduao em nvel
doutorado e me lanar tarefa da docncia.
Sou docente da Universidade de Braslia, atualmente, na Faculdade de
Cincias da Sade, Departamento de Enfermagem, ministrando a disciplina
Administrao Aplicada Enfermagem. Tenho como meta contribuir na docncia,
extenso e pesquisa nas reas de formao de recursos humanos na enfermagem,
polticas pblicas e educao em sade.
Assim, o interesse pelas questes da formao em enfermagem surgiu
nesse movimento, a partir da necessidade de aprofundar questes levantadas no
mestrado. Contudo, esse interesse adveio especialmente ao observar lacunas em
minha experincia profissional como consultora do Ministrio da Sade, na
formulao, monitoramento e avaliao de polticas de qualificao dos
trabalhadores no Sistema nico de Sade (SUS), tarefa nova colocada para essa
esfera do sistema de sade, e na experincia em docncia mais recente.
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1. INTRODUO
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Introduo 23
1.1 EXPONDO A QUESTO A SER TRABALHADA
No no silncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho e na ao-reflexo.
Paulo Freire
O Artigo 200 da Constituio Federal de 1988 anuncia, como preceito
constitucional, a formulao de polticas pblicas voltadas formao de recursos
humanos na rea da sade. Todavia, passados mais de 20 anos depois de institudo
o Sistema nico de Sade (SUS) no Brasil, mantm-se modelos conservadores e
prticas profissionais distantes das reais necessidades apontadas no sistema de
sade, baseadas nos preceitos da Reforma Sanitria Brasileira.
As questes referentes aos desafios de consolidar e estruturar o sistema
pblico de sade, frequentemente, tm sido realadas como problemas concretos
para efetivao do SUS: desafios da universalidade, do financiamento, da reverso
do modelo de ateno sade, da Gesto do Trabalho, entendido como
composio e distribuio da fora de trabalho, organizao do trabalho, regulao
do exerccio da profisso, relao do trabalho e Gesto da Educao, que envolve a
formao e desenvolvimento dos trabalhadores do setor (BRASIL, 2004).
Cabe-nos, todavia, tambm ressaltar os avanos ocorridos no mbito das
polticas pblicas de sade nesses ltimos anos (BRASIL, 2006a):
Implantao de 26 mil equipes de sade; 215 mil agentes comunitrios de sade e
13 mil equipes de sade bucal, prestando servios de ateno primria em mais
de 5 mil municpios brasileiros.
Programa Nacional de Imunizao: no Brasil, j foram criados mais de 26 mil
postos de vacinao e, em muitos casos, superou os patamares de imunizao
dos pases desenvolvidos. Erradicou-se a febre amarela e a varola. H mais de
uma dcada e meia, no se registra nenhum caso novo de poliomielite. Em 1999,
foi implantada, em carter de rotina, a vacina contra a bactria Haemophilus
influenzae tipo b (Hib), uma das principais causadoras da meningite infantil.
Tambm foi alcanado o controle das doenas que afligiam milhares de crianas
brasileiras, como as formas graves de tuberculose, o ttano, a coqueluche, a
difteria, a rubola, a caxumba, entre outras. H trs anos no registrado nenhum
caso de sarampo, doena considerada em processo de erradicao no Brasil. Foi
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Introduo 24
implantada a vacinao de adultos, principalmente em mulheres em idade frtil e
idosos a partir de 60 anos.
Reconhecimento internacional do Programa de Controle do HIVAids.
Ressalta-se, nesse movimento macroestrutural, presente no pas, com a
busca da implementao efetiva do SUS, a criao, em 2004, da Secretaria de
Gesto do Trabalho e da Educao na Sade, que formalizou a integrao entre o
Ministrio da Sade e o da Educao, para cooperao tcnica na formao e
desenvolvimento de recursos humanos na sade, nos nveis tcnico, de graduao
e de ps-graduao (BRASIL, 2007). Isso viabilizou a implantao, divulgao e
implementao da Poltica Nacional de Educao Permanente (EP) em Sade
(BRASIL, 2004; 2007). Essa poltica coloca como central a questo da
aprendizagem no trabalho, em que o aprender e o ensinar se incorporam ao
cotidiano das organizaes e ao trabalho, sendo pautada em uma aprendizagem
significativa, capaz de promover e produzir sentido aos trabalhadores de sade e
transformar as prticas profissionais, por meio de uma reflexo crtica permanente
(BRASIL, 2004, p.48).
Ceccim e Feuerwerker (2004) apontam que a reformulao de todos os
nveis de ensino, inclusive o do ensino superior, parte integrante do processo de
reforma sanitria e de criao do SUS. Mas, para alcanar a construo da poltica
nacional de formao e desenvolvimento para o conjunto dos profissionais de sade,
iniciativas inovadoras e articuladoras devem se dar no apenas no campo da
educao, mas na induo das transformaes das prticas de sade e na
integrao de distintos atores locais, na formulao de abordagens e estratgias de
articulao entre as vrias esferas do sistema de sade: gesto, ensino, ateno e
controle social, o que Ceccim e Feuerwerker (2004) caracterizam como quadriltero
da formao para a rea da sade.
Ainda, no que se refere a esses aspectos, Feuerwerker (2003, p.24)
arremata:
H necessidades de redefinir referncias e relaes com diferentes segmentos da sociedade no sentido da universidade construir um novo lugar social, mais relevante e comprometido com a superao das desigualdades. No campo da sade, indispensvel que a produo de conhecimento, formao profissional, e prestao de servios sejam
tomadas como indissociveis de uma nova prtica.
Essa perspectiva de reformas na educao dos profissionais de sade, no
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Introduo 25
nvel superior, tambm tem sido apontada na Lei de Diretrizes e Bases da Educao
Nacional (LDB), Lei 9394/96, que caracteriza a estruturao do ensino superior no
que diz respeito aos aspectos conceituais e administrativos, assim tambm, as
Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de graduao, da rea da sade (DCN),
expressas no Parecer no1.133, orientam a elaborao dos projetos pedaggicos e
currculos por curso.
No que tange ao Parecer supracitado, destacam-se como objetivos das
Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduao da rea da sade
(DCN):
Levar os alunos dos cursos de graduao em sade a aprender a aprender que engloba aprender a ser, aprender a fazer, aprender a viver junto e aprender a conhecer, garantindo a capacitao de profissionais com autonomia e discernimento para assegurar a integralidade da ateno e a qualidade e humanizao do atendimento prestado aos indivduos, famlias e comunidade [grifos do autor] (BRASIL, 2001a).
Colocados os parmetros dos processos de reformas curriculares dos
cursos de graduao na rea da sade, cabe, ainda, destacar as Diretrizes
Curriculares dos Cursos de Graduao em Enfermagem, expressas no Parecer
no03/2001, que incorporam as proposies: perfil acadmico e profissional, as
competncias, as habilidades gerais e especficas e os contedos curriculares
essenciais para o referido curso (BRASIL, 2001b).
Quanto ao perfil acadmico/profissional, expresso no Artigo 3, constitui-se
como prioridade formar enfermeiro generalista crtico e reflexivo. No que se refere s
competncias e habilidades gerais do enfermeiro, destacam-se, no Artigo 4:
ateno sade, tomada de deciso, comunicao, liderana, administrao e
gerenciamento, educao permanente. Segundo o Artigo 6, so contedos
essenciais para o Curso de Graduao em Enfermagem: Cincias Biolgicas e da
Sade, Cincias Humanas e Sociais, e Cincias da Enfermagem.
No que concerne aos aspectos supracitados, corrobora as caractersticas
apresentadas para implantao dessa estrutura no currculo do Curso de Graduao
em Enfermagem, objetivando alcanar formao que articule o ensino, a pesquisa e
extenso/assistncia, de modo a garantir ensino crtico, reflexivo e criativo (Artigo
14).
Ainda, no tocante anlise das necessidades de reformular, a educao
superior em sade/enfermagem rumo consolidao do SUS, pondera-se que um
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Introduo 26
novo modelo pedaggico deve ter como perspectiva o equilbrio entre a excelncia
tcnica e a relevncia social (FERNANDES; OTENIO; OTENIO, 2010, p.1).
Pode-se ainda, destacar que h carncia de reflexes nos planos
epistemolgico e prtico que embasem a formao dos profissionais de sade e de
enfermagem rumo perspectiva crtico-reflexiva (TACLA, 2002). E no tocante
definio dos aspectos peculiares ao plano epistemolgico e prtico de
aprendizagem, Batista (2006, p.43) esclarece:
No plano epistemolgico, identifica-se que aprender articula cognio, afeto, e cultura numa perspectiva histrico-social, trazendo a questo da mediao e da intersubjetividade. Mediar a aprendizagem do cuidado implica sair da nfase na doena, da abordagem biologicista das condies de vida e das relaes de causalidade linear entre sade e doena. No plano prtico (experiencial), a aprendizagem do aluno se vincula prtica e ao cotidiano, evidenciando que aprender e fazer apresentam dinmicas de conexo, complementaridade e atribuio de significados.
Diante do exposto, fica evidente a necessidade de se refletir sobre as
abordagens pedaggicas que orientam o processo ensino/aprendizagem.
Culturalmente, o sistema educacional brasileiro ainda privilegia as prticas
educativas do modelo tradicional, embora se percebam movimentos isolados em
algumas Instituies de Ensino Superior em Enfermagem rumo a propostas
inovadoras. Sordi e Bagnato (1998, p.85) apontam subsdios para a formao
crtico-reflexiva na rea da sade.
preciso revisitar as velhas questes e as velhas prticas, buscando renov-las. Porm superando a nova aparncia de mudana, os pequenos retoques, que apenas disfaram as marcas de um tempo, que teoricamente, dizemos querer negar.
Freire (2005, p.65-67), expressando seu entendimento a respeito da
concepo tradicional ou, tambm denominada, bancria, esclarece:
Na viso bancria da educao, o saber uma doao dos que se julgam sbios aos que julgam nada saber (p.67). A tnica da educao preponderantemente narrar, que implica um sujeito narrador e objetos pacientes ouvintes os educandos (p.65), conduzindo-os memorizao mecnica dos contedos (p.66). E, sendo levados a falar da realidade como algo parado, esttico, compartimentado e bem-comportado (p.65). Deste modo, entendem que os contedos so retalhos da realidade desconectados da totalidade em que se engendram e em cuja viso ganhariam significao (p.65).
Paulo Freire (2005), contrapondo-se a essa concepo, defende a
Pedagogia Problematizadora e Libertadora, que, neste estudo, denomina-se
tambm, como crtica, caracterizada pela autogesto e pelo antiautoritarismo,
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Introduo 27
pautada numa relao interpessoal educador e educando, na perspectiva dialgica,
ambos caminhando para a mudana da realidade, por meio de conscincia crtica,
na prxis. Educador passa a ser um facilitador que tambm aprende no processo
enquanto educa. E os contedos passam a ter significado, pois emergem das
necessidades levantadas na vida social.
Corroborando com essa perspectiva de formao, delineia-se neste
estudo, algumas contribuies do pensamento e da obra de Freire, no somente por
ter sido um dos primeiros a instituir a reflexo e a pedagogia crtica, como elementos
essenciais para a prtica pedaggica acima descrita, mas, sobretudo, pelo lugar que
ocupa. Trata-se de um grande educador, que traz, na sua bagagem, incurses
polticas dos princpios norteadores da prtica educativa que se pauta na
dialogicidade e no amor; na autonomia dos sujeitos, na articulao teoria e prtica e
no compromisso com a transformao social, por meio da prtica pedaggica
libertadora.
Localizando o campo terico e o objeto desta pesquisa, a saber, a
formao crtico-reflexiva em enfermagem, identificam-se nas contribuies de Freire
e Nogueira (1993, p.40) o que caracteriza a reflexo: Quando a prtica tomada
como curiosidade, ento essa prtica vai despertar horizontes de possibilidades. [...]
Esse procedimento faz com que a prtica se d a uma reflexo e crtica. Ou seja, a
prtica pedaggica que mover essas transformaes precisa de criticidade que se
manifeste como experincia vital, presente no nosso dia-a-dia (FREIRE, 1996).
A referncia aos conceitos de crtico e reflexivo remete, tambm, aos
primrdios do movimento da Teoria Crtica, inspirado pela Escola de Frankfurt e
caracterizado por abordagem crtica ao princpio meritocrtico da educao.
Da Escola de Frankfurt, importantes figuras, como Theodor Adorno, Max
Horkheimer, Herbert Marcuse, Walter Benjamin, Erich Fromm e outros
representantes, contriburam para a construo dessa filosofia no desenvolvimento
de teorias educacionais.
Mais recentemente, o potencial revolucionrio da Teoria Crtica tambm teve
sua importncia para a pedagogia crtica de Giroux, Peter McLaren e Paulo Freire.
Segundo Giroux (1983, p.19; 159), a Teoria Crtica uma fora transcendental na qual
o pensamento crtico se torna uma precondio para a liberdade humana, isso porque
concebe ao sujeito humano como autnomo e aberto superao da crtica das
manipulaes ideolgicas que limitam seus horizontes.
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Introduo 28
Na concepo de McLaren (1997, p.192), a teoria educacional crtica
examina a escola em seu contexto histrico, social e poltico, acrescentando que a
pedagogia crtica ressoa com a sensibilidade do smbolo hebraico tikkun, que
significa curar, consertar e transformar o mundo. Ao fazer novas incurses em sua
obra A vida nas escolas, o autor deixa claro o objetivo dessa pedagogia que
consiste na possibilidade de fortalecer as pessoas sem poder e transformar as
desigualdades e injustias sociais. Ainda, no que concerne a essa teoria no mbito
da poltica, McLaren esclarece que a tarefa da pedagogia crtica tem sido desafiar o
papel que as escolas representam em nossa vida poltica e cultural (McLAREN,
1997, p.192).
Nessa direo, entende-se que a concepo de Paulo Freire se aproxima
dos autores acima mencionados pelos aspectos democrticos de superao da
opresso. Segundo McLaren, apesar de a teoria crtica vincular-se obra de
educadores ingleses e americanos, contudo, a influncia da Pedagogia Libertadora
de Paulo Freire constitui uma importante contribuio para a pedagogia crtica, no
somente por seu refinamento terico, mas por causa do sucesso de Freire em
colocar a teoria na prtica (1997, p.328).
A premncia por mudanas no campo da formao em sade e em
enfermagem, leva-se a avanar na elucidao de estratgias que favoream a
resoluo dos problemas acima mencionados. Assim, assume-se como premissa,
para este estudo a necessidade de conhecer e analisar a organizao do trabalho
que possibilite a formao crtico-reflexiva.
Ante a necessidade de formar enfermeiros crtico-reflexivos, props-se
como questo central desta pesquisa apreender, junto aos docentes e discentes de
uma instituio de ensino superior federal de enfermagem, da Regio Centro-Oeste
do Brasil, sua compreenso sobre a formao crtico-reflexiva, assim como as
estratgias para essa formao, no contexto da enfermagem.
Neste estudo, assumem-se os seguintes pressupostos:
a educao crtico-reflexiva constitui-se como processo educativo
libertador/transformador, mediado pela relao respeitosa e amvel
entre educador-educando, na qual se busca formao integral do
aluno, por meio do dilogo, sendo que educador e educando so
educados no processo;
a educao crtico-reflexiva em enfermagem constitui-se em prxis
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Introduo 29
educativa, onde educador/educando se comprometem com a oferta
de ateno integral e integrada, atendendo os princpios e diretrizes
do Sistema nico de Sade, caracterizando-se nessa direo como
prtica transformadora.
Diante desses aspectos, e propiciando alcanar o objeto da pesquisa,
chegou-se aos seguintes questionamentos:
o que formao crtico-reflexiva no contexto da enfermagem?
como a prtica pedaggica cotidiana vem se organizando para possibilitar a
constituio da formao crtico-reflexiva na formao em enfermagem?
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2. OBJETIVOS
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Objetivos 31
2.1 Objetivo geral
Considerando esse contexto, teve-se, nesta investigao, como objetivo
geral, apreender, junto aos docentes e discentes de uma instituio federal de
ensino superior, da Regio Centro-Oeste do Brasil, a compreenso sobre a
formao crtico-reflexiva, assim como as estratgias para essa formao no
contexto da enfermagem.
2.2 Objetivos especficos
Os objetivos especficos que se colocam para a investigao so:
identificar e analisar, na proposta pedaggica da Escola de Enfermagem de
uma instituio de ensino superior do pas, os elementos textuais que indicam
o desenvolvimento da formao crtico-reflexiva no ensino de enfermagem
universitrio;
analisar a compreenso dos docentes e discentes de enfermagem sobre o
significado da formao crtico-reflexiva e transformadora do enfermeiro;
verificar, junto aos docentes e discentes, indicativos da existncia de
aspectos diferenciais, vivenciados por esses sujeitos, que contriburam para a
reflexo e transformao profissional em direo ao enfermeiro crtico e
reflexivo.
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3. UMA PERSPECTIVA PARA CONSTRUO DE CAMINHOS POSSVEIS FORMAO CRTICO-
REFLEXIVA EM ENFERMAGEM
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Uma perspectiva para construo de caminhos possveis formao crtico-reflexiva em Enfermagem 33
No h transio que no implique um ponto de partida, um ponto de chegada. Todo amanh se cria num ontem, atravs de um hoje. De modo que o nosso baseia-se no passado e se corporifica no presente. Temos de saber o que fomos, para saber o que seremos.
Paulo Freire
3.1 CONCEPES DE SADE E EDUCAO NO ENSINO DE
ENFERMAGEM
A Enfermagem, entendida como trabalho, constitui-se em prtica social, ou
seja, estruturada social e historicamente e se conforma no conjunto das relaes
sociais que se estabelecem, em momentos e sociedades especficas. Por outro lado,
a enfermagem ainda pode ser considerada profisso que possui estatuto
socialmente reconhecido e formalmente legalizado. Como profisso, constitui-se a
partir de critrios como universalidade, racionalidade, autoridade e competncia.
Essas diferentes concepes se fazem presentes na sociedade atual e aqui se
compreende que h um ponto de aproximao entre as duas abordagens, pois, ao
consider-la como trabalho qualificado que assiste necessidades sociais, estar
demarcada tambm por critrios de racionalidade, autoridade e competncia
(ALMEIDA; ROCHA, 1989).
A enfermagem possui a funo peculiar de atender as necessidades dos
seres humanos em suas dimenses biolgicas, psicolgicas e sociais. Para isso,
presta assistncia ao indivduo sadio ou doente, famlia e comunidade, no
desempenho de atividades para promover, manter ou recuperar a sade. S foi
instituda no final do sculo XIX, quando o hospital passou a ser considerado espao
de cura (ALMEIDA; ROCHA, 1997; FOUCAULT, 1979).
O objeto da Enfermagem, como prtica social, o homem como ser social e
histrico. Para a interveno sobre esse objeto, o saber que caracteriza essa prtica,
no mbito interno de sua estrutura, permite a definio dos seus campos de trabalho.
E, por meio da educao em enfermagem, prepara-se e se legitimam os sujeitos para
atuarem nessa profisso (ALMEIDA; ROCHA, 1989), constituindo-se atividade que
integra as demais das diversas da rea da sade, objetivando a produo de sade e
construo de capacidades de reflexo e ao autnoma para os sujeitos envolvidos
nesses processos: trabalhadores e usurrios (CAMPOS; CAMPOS, 2006, p.669).
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Uma perspectiva para construo de caminhos possveis formao crtico-reflexiva em Enfermagem 34
Na busca por caminhos que despertem nos alunos seu potencial de
interveno na realidade assistir o outro em suas necessidades , iniciando-se
pelo cuidado do discente no momento de sua formao, estabelecendo relao tica
com a vida, faz-se necessrio avanar na superao do biologicismo e do modelo
clnico hegemnico na formao. Isso implica em superar a viso restrita do conceito
de sade como ausncia de doena na tradicional maneira de se pensar e de se
agir, resultando numa coconstituio dos sujeitos e da prpria vida social, em busca
de qualidade de vida, resultante da satisfao de necessidades vitais de indivduos e
coletividades, dentro de uma viso holstica.
Concernente viso holstica na formao em enfermagem, neste estudo
entende-se que esse processo se d a partir da articulao da formao universitria,
pautada no rigor cientfico e intelectual, acrescida das necessidades reais do SUS.
Ainda, se realiza, da articulao do ensino/servio/comunidade, na formao integral do
profissional de sade (MORETTI-PIRES; BUENO, 2009), assim como da articulao de
todas as dimenses do indivduo: fsica, emocional e espiritual, objetivando construir
uma proposta de cuidar sensvel aos sentidos, ao outro, profisso, aprendizagem e
principalmente a si mesmo (ESPERIDIO; MUNARI, 2004).
Outro aspecto terico que cabe, aqui, abordar simultaneamente o
conceito de educao.
Um fenmeno plurifacetado, ocorrendo em muitos lugares, institucionalizados ou no, sob vrias modalidades. [...] Uma prtica social que atua na configurao da existncia humana individual e grupal, para realizar nos sujeitos humanos as caractersticas de ser humano (LIBNEO, 2008, p.26; 30).
Corroborando os aspectos supracitados, Demo (1996, p.16) ressalta que
[...] educao no s ensinar, instruir, treinar, domesticar, sobretudo formar a autonomia do sujeito histrico competente, uma vez que o educando no o objetivo do ensino, mas sim sujeito do processo, parceiro
de trabalho, trabalho este entre individualidade e solidariedade.
Ainda, no que tange s concepes acima apontadas, Sacristn (2003,
p.15-18) traz contribuies ao afirmar que a educao pode ser considerada como
um amlgama complexo e um quebra-cabea pedaggico que no se pode
esgotar simplesmente ao se citar conceitos e autores. Isso resultaria apenas em
memria sinttica, condensada demais para que se perceba facilmente as
alternativas ou as maneiras de entender e fazer a educao. J que se compe de
um processo complexo, ningum dispe de todo esse acmulo de informao
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Uma perspectiva para construo de caminhos possveis formao crtico-reflexiva em Enfermagem 35
existente a terica, o pensado, e o saber prtico , que constitui a cultura da
educao (SACRISTN, 2003, p.17).
Reconhea-se que a viso de educao embasa o processo de formao
profissional e se vincula s teorias pedaggicas contemporneas. Com base nessa
perspectiva, a concepo de sociedade, de indivduo, de organizao do trabalho
pedaggico compreendida como papel da escola, a relao professor/aluno, a
concepo de aprendizagem, as metodologias de ensino/aprendizagem, entre
outros aspectos, precisam ser coerentes com a tendncia pedaggica que se
assume e se propaga no interior da instituio na qual se est inserido.
No que se refere s concepes tericas, abordadas no Brasil, na dcada
de 1970 e incio dos anos 1980, perodo de efervescncia ideolgica e poltica do
Estado brasileiro, no campo da sade e da educao, observa-se a adeso s
tendncias progressistas, que partem de anlise crtica das realidades sociais,
articuladas com os interesses concretos da realidade (TACLA, 2002).
Na sade, buscava-se superar as crises de um sistema catico, organizar
os servios e a assistncia oferecida. No campo educacional, romper com a lei do
silncio no interior das universidades, garantir solues para problemas
educacionais agudos e primar por uma educao libertadora. Dessa forma, a busca
de um novo paradigma se contrape tendncia liberal instalada, aspecto o qual
ainda ser destacado neste estudo.
Lanando mo das referncias bibliogrficas que contribuem para o
suporte desta investigao, identifica-se em Libneo (1990; 2008), Gadotti (1995) e
Saviani (2008) as incurses necessrias s definies das tendncias liberais e
progressistas.
Antes de prosseguir na aproximao dessas ideias pedaggicas, Libneo
(1990, p.4) traz informaes pertinentes ao afirmar que necessrio esclarecer que as
tendncias no aparecem em sua forma pura, nem sempre, so mutuamente
exclusivas, nem conseguem captar toda a riqueza da prtica escolar.
Nessa perspectiva, as tendncias pedaggicas foram classificas em
liberais e progressistas, mostradas a seguir.
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Uma perspectiva para construo de caminhos possveis formao crtico-reflexiva em Enfermagem 36
A Pedagogia liberal
1 Tradicional
2 Renovada progressista
3 Renovada no/diretiva
4 Tecnicista
B Pedagogia progressista
1 Libertadora
2 Libertria
3 Crtico-social dos contedos
Segundo Libneo (1990), a Pedagogia Liberal, tambm denominada
Teoria No-Crtica, no coaduna com o sentido de avanado, democrtico,
aberto, mas mantm o status quo na justificativa do sistema capitalista. Ele enfatiza
que os indivduos so iguais perante as leis, no entanto, essas ideias de liberdade,
de respeito aos interesses individuais na sociedade e ao aspecto cultural so
estratgias para mascarar as diferenas de classes e as desigualdades de
condies. Isso devido ao fato de a sociedade dominante centrar seus esforos em
uma forma de organizao social, com base na propriedade privada dos meios de
produo, tambm denominada sociedade de classes.
Na teoria pedaggica tradicional, a escola assume a funo primordial de
romper com a ignorncia, identificada como principal causa da marginalidade. Desse
modo, forma o aluno com o intuito de inseri-lo na sociedade, por meio de uma
profisso valorizada, embora a mesma no possa prepar-lo para a anlise
histrico-crtica do contexto social no qual est inserido. Assim, as aes do ensino
esto centradas no professor, autoridade mxima ou mestre-escolar, que tem como
papel primordial difundir instruo e transmitir conhecimentos acumulados pela
humanidade e sistematizados (SAVIANI, 2008, p.6). O aluno dever atingir, pelo
prprio esforo, sua plena realizao como pessoa. Os mtodos, baseados em
modelos e exposio verbal (aula), so utilizados para apreenso dos
conhecimentos, tidos como valores absolutos, caracterizando aprendizagem
receptiva e mecnica.
A pedagogia nova, tambm denominada escolanovismo, partiu da crtica
s idias da escola tradicional e mantinha a crena no poder da escola e em sua
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Uma perspectiva para construo de caminhos possveis formao crtico-reflexiva em Enfermagem 37
funo de equalizao social (SAVIANI, 2008, p.7). Nessa concepo, a ignorncia
no a principal forma de marginalizao, mas a rejeio aos anormais, ou seja,
os desajustados e inadaptados de todos os matizes (IDEM, p.8). Deste modo,
Saviani (p.8-9) acrescenta que
[...] a educao ser um instrumento de correo da marginalidade na medida em que contribuir para a constituio de uma sociedade cujos membros, no importa as diferenas de quaisquer tipos, aceitem-se mutuamente e respeitem-se na sua individualidade especfica.
Ainda, no que tange s verses renovadas do liberalismo na educao,
Libneo (1990) destaca duas verses distintas; e Gadotti (1995) complementa,
traando as principais caractersticas das mesmas:
Renovada progressista tambm denominada Escola Nova Diretiva,
difundida pelos pioneiros da educao nova, entre os quais se
destacam: John Dewey, Maria Montessori, Decroly, Piaget e Ansio
Teixeira (no Brasil). O papel da escola adequar as necessidades
individuais ao meio social. Os contedos passam a ser estabelecidos
com base nas experincias vividas pelos alunos frente s situaes-
problemas. Adota-se o mtodo de resoluo de problemas, por meio
de experincias, pesquisas e mtodos. Aprender atividade de
descoberta que depende da motivao do aluno e dos estmulos
recebidos no meio, portanto, esse passa a ser o centro do processo
ensino/aprendizagem, e o professor apenas um facilitador.
Escola Nova No-Diretiva representada especialmente pelo psiclogo
norte-americano Carl Rogers. A escola dever cooperar na formao
de atitudes, visando preparar o indivduo para desempenhar papis
sociais. Portanto, h o enfoque na formao individual e, desse modo,
priorizam-se os problemas psicolgicos em detrimento dos
pedaggicos, Os contedos tambm so selecionados a partir dos
interesses e experincias vividas pelos alunos e reconstrudas pelos
mesmos. Utilizam-se como tcnicas de ensino os trabalhos em grupos,
jogos criativos, experincias e dinmicas de grupo. O professor deve
exercer o papel de especialista em relaes humanas, portanto, deve
ser confivel, receptivo e intervir minimamente na aprendizagem do
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Uma perspectiva para construo de caminhos possveis formao crtico-reflexiva em Enfermagem 38
aluno, que, por sua vez, o centro do processo ensino/aprendizagem.
Considera-se importante salientar aqui, em virtude do objeto de pesquisa
estudado, embora no coadune com a definio assumida, que a concepo de
pensamento reflexivo foi construda por John Dewey (1859-1952), filsofo
pragmtico, psiclogo e um dos maiores pedagogos norte-americanos, defensores
dos princpios da Escola Nova, que se contrapunha ao carter especulativo e
metafsico da pedagogia tradicional (LIBNEO, 2008). Defendia o intercmbio entre o
sujeito e a natureza, afirmando que h de haver relao ntima e necessria entre os
processos de nossa experincia real e educao (DEWEY, 1976, p.8).
Segundo Dewey (1959, p.13), pensamento reflexivo a espcie de
pensamento que consiste em examinar mentalmente o assunto e dar-lhe
considerao sria e consecutiva. uma capacidade que nos emancipa da ao
unicamente impulsiva e rotineira (p.26). uma cadeia, pois em qualquer
pensamento reflexivo, h unidades definidas, ligadas entre si de tal arte que o
resultado um momento continuado para um fim comum (DEWEY, 1959, p.13).
Uma indagao e uma concluso, pois examinar at que ponto uma coisa pode ser
considerada garantia para acreditarmos em outra, , por conseguinte, o fator central
de todo o ato de pensar reflexivo ou nitidamente intelectual (DEWEY, 1959, p.20).
Assim, na construo deweyniana de reflexo, evidencia-se uma clara
distino entre o pensar como rotina e o pensar reflexivo, a valorizao dos saberes da
experincia vivida, enfatizando que o estgio inicial do ato de pensar a experincia
(DEWEY, 1979, p.158). Acrescenta ainda trs tipos de atitudes necessrias ao
desenvolvimento do pensamento reflexivo (DEWEY, 1959, p.39-40) a seguir.
Mentalidade aberta: [...] a ausncia de preconceitos, de
parcialidade e de qualquer hbito que limite a mente e a impea de considerar novos problemas e de assumir novas ideias e que integra um desejo ativo de escutar mais do que um lado, de acolher os fatos independente da sua fonte, de prestar ateno sem melindres a todas as alternativas, de reconhecer a possibilidade do erro mesmo relativamente quilo em que mais acreditamos.
Responsabilidade: ser intelectualmente responsvel quer dizer
considerar as conseqncias de um passo projetado, significa ter vontade de adotar essas conseqncias quando decorrer de qualquer posio previamente assumida. A responsabilidade intelectual assegura a integridade, isto , a coerncia e a harmonia daquilo que se defende.
Atitude de corao: que esteja absolutamente interessado em
determinado objeto, em determinada causa, atira-se-lhe, como
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Uma perspectiva para construo de caminhos possveis formao crtico-reflexiva em Enfermagem 39
dizemos de corao ou de todo corao. A importncia dessa atitude ou disposio geralmente reconhecida em questes prticas e morais. No desenvolvimento intelectual, , entretanto, igualmente grande. No h maior inimigo do pensamento eficiente que o interesse dividido.
A Tendncia Tecnicista surge das frustraes com a escolanovista e,
segundo Saviani (2008, p.12),
[...] a partir do pressuposto de neutralidade cientfica inspirada nos princpios da racionalidade, de eficincia e produtividade, essa pedagogia advoga a reordenao do processo educativo de maneira a torn-lo objetivo e operacional.
Com efeito, surgiu a fragmentao do ensino em disciplinas e prticas
pedaggicas. A aprendizagem passa a ser baseada no desempenho. Desse modo,
situa-se na marginalidade quem no competente, ou seja, o improdutivo e
ineficiente. O elemento principal do processo ensino/aprendizagem a organizao
racional dos meios e o professor e o aluno passam a ser elementos secundrios.
Assim, a educao cumpre o papel de equalizao social e, segundo Saviani (2008,
p.15), acabou por contribuir para aumentar o caos no campo educativo, gerando tal
nvel de descontinuidade, de heterogeneidade e de fragmentao, que praticamente
inviabiliza o trabalho pedaggico. Cabe educao escolar competente organizar o
processo de aquisio de habilidades, atitudes e conhecimentos especficos, teis e
necessrios para que os indivduos se integrem mquina do sistema social global
(LIBNEO, 1990, p.16).
Outro grupo de teorias pedaggicas, apontadas por Libneo (1990), so
as ideias pedaggicas crticas.
A pedagogia histrico-social ou crtico-social a qual Libneo (2008)
denominou pedagogia crtico-social dos contedos e concebe educao como
produto do desenvolvimento social, determinada pelas relaes sociais de uma dada
sociedade pe-se como crtica radical educao individualista (LIBNEO,
2008, p.790).
Assume, nessa tendncia, que a prtica pedaggica resultante de
interao entre contedo e realidade concreta, e, desse modo, objetiva a
transformao da prtica, ou seja, a concepo dialtica histrica que compreende
movimento e transformao das prticas. O contedo considerado produo
histrico-social de todos os seres humanos. Sendo assim, aluno e professor so
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Uma perspectiva para construo de caminhos possveis formao crtico-reflexiva em Enfermagem 40
sujeitos ativos, social e historicamente construdos.
Sobre a pedagogia libertria, Libneo (1990) assegura que pretende ser
uma forma de resistncia contra a burocracia dominadora do Estado, que retira a
autonomia. Abrange as tendncias antiautoritrias em educao, como a anarquista,
a psicanaltica, a sociolgica, e tambm a dos professores progressistas. As
matrias so colocadas disposio do aluno, sem exigncias, pois o importante
o conhecimento que resulta das experincias vividas pelo grupo. A relao
professor/aluno considera a no/diretividade. Assim, o professor se mistura ao grupo
para uma reflexo em comum, sendo to livre quanto os alunos, favorecendo a
aprendizagem informal.
Segue tambm, nessa viso progressista, a Pedagogia Libertadora,
apontada na perspectiva de emancipao humana, fundada na dialogicidade, onde
educador e educando caminham juntos numa relao de troca. Nessa concepo,
Freire conceitua a educao como um processo inerente ao ser humano, que, por
sua vez, deve ser o sujeito de sua prpria educao. Considera que professores e
alunos devem buscar seu prprio conhecimento por meio da autonomia, alcanada
quando se tem conscincia poltica e compreenso do mundo em que vivem.
Exigindo, nessa relao dialgica, segurana, competncia profissional,
generosidade, compromisso, tomada consciente de decises, saber escutar,
disponibilidade para o dilogo e querer bem aos educandos (FREIRE, 1996, p.8).
A Educao Libertadora, problematizadora, de Paulo Freire (2005)
contrape-se educao bancria ou burguesa, pautada na ideologia opressora,
que cultiva a cultura do silncio, caracterizando-a como uma doao dos que
julgam ter conhecimento. Reduz o aluno a mero depositrio de ensinamentos, e o
educador o dono do saber, portanto, o seu trabalho consiste justamente em passar
conhecimento ao aluno.
Ao final dessas anlises, assume-se neste estudo, a tendncia libertadora,
de Paulo Freire, como quadro terico de sustentao formao crtico-reflexiva em
enfermagem. Considera-se que os aspectos supracitados coadunam com a
educao que possibilita a compreenso da realidade histrico-social. Acredita-se
que essa viso nortear a organizao da gesto do trabalho e da educao de
profissionais crticos e reflexivos, que lutam pelo SUS democrtico e efetivo.
Todavia, para se compreender o processo de constituio desse novo
sistema de sade implantado no Brasil, que sinaliza para mudanas no campo da
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Uma perspectiva para construo de caminhos possveis formao crtico-reflexiva em Enfermagem 41
educao e da sade, faz-se necessrio breve relato desse perodo de transio,
ocorrido ao final da dcada de 1980.
3.2 O ENSINO NA REA DA SADE: DA NOVA REPBLICA AO
BRASIL PS-CONSTITUINTE
Na dcada de 1980, no campo da sade, o pas enfrentava, alm de todos
os seus histricos problemas no campo econmico, social e poltico3, uma nova
epidemia mundial a AIDS. O sistema de sade brasileiro tinha como marca a
dicotomia entre a sade pblica e a assistncia mdico-hospitalar. A tenso em
torno da discusso entre estatizao e privatizao da assistncia sade levou
problematizao e politizao das questes de sade, num projeto poltico-
ideolgico a favor da constituio da democracia e luta pelos direitos sociais, que
tinha como eixo a idia do fortalecimento da ateno bsica, instituda na
Conferncia Internacional sobre Cuidados Primrios de Sade, promovida em Alma-
Ata, em 1979 (NUNES, 2007; BARROS, 2006).
Um diagnstico realizado, poca, pelo Conselho Consultivo de
Administrao da Sade Previdenciria (CONASP), indicava distores no modelo
de sade, com servios inadequados e desintegrados e insuficincia de recursos
financeiros. Tais distores foram causadas por fatores diversos, entre eles uma
administrao inadequada, que fraudava e desviava os recursos (BAPTISTA, 2005;
NUNES, 2007).
Ainda, no que tange a esse aspecto, Mendes (2001) afirma que a crise no
setor da sade de mbito universal. No se trata de um caso apenas do Brasil,
onde se manifesta nas seguintes dimenses: a) iniquidade, caracterizada pela
desigualdade de acesso aos servios de sade; b) ineficincia na alocao e
redistribuio dos recursos, resultando em gastos excessivos, desnecessrios e
desiguais; c) ineficcia na conduo das aes de sade, deixando sem
resolutividade os problemas de sade da populao, pela inadequao dos servios
s necessidades e d) insatisfao do atendimento pelos usurios dos servios.
Quanto reestruturao do modelo de sade, em 1981, inicia-se um
3Ver: SCHMIDT, M. F. Nova Histria crtica. So Paulo: Nova Gerao, 2002.
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intenso processo de municipalizao dos servios de sade, ao serem institudas as
Aes Integradas de Sade (AIS). Posteriormente, essa estratgia cooperou para
a consolidao e o desenvolvimento qualitativo do Sistema Unificado e
Descentralizado de Sade (SUDS). Institudo em 1987, o SUDS propunha a
programao da oferta, com nfase na ateno primria, por meio dos distritos
sanitrios, das unidades de sade e municpios, com base na territorializao,
integralidade e impacto epidemiolgico (PAIM, 2003; NUNES, 2007).
Consoante ao cenrio poltico, econmico e social apresentado, nesse
perodo eclodiu, com maior intensidade, a insatisfao social e a organizao de
movimentos, representados por intelectuais, professores, pesquisadores,
intensificando as crticas ao modelo de sade e almejando a construo de poltica
de sade efetivamente, democrtica Movimento de Reforma Sanitria (BARROS,
2006).
Nesse contexto, o Ministrio da Sade, convocou a 8 Conferncia
Nacional de Sade (CNS), realizada em 1986. Em pauta, a sade como direito a ser
garantido pelo Estado, mediante aes que propiciassem condies de vida e
acesso aos servios e aes de sade, com base nos seguintes princpios:
universalidade, equidade, integralidade e democratizao, centrados na
conformao de um sistema nico de sade SUS (BAPTISTA, 2005; BRASIL,
1987; BARROS, 2006).
Desse modo, o movimento rumo democratizao da sade alcanou
avanos significativos, quais sejam: a reforma sanitria, a institucionalizao do SUS
e a inscrio da sade como direito de todos, na Constituio de 1988.
Aqui, cabe ressaltar o potencial transformador da Reforma Sanitria
Brasileira, que no se reduz ao SUS e no se limita ao tpico das polticas de
sade, considerando poltica como um conjunto de teorias e prticas que se
materializam no processo de trabalho, mas sua concepo e formulao
transcendem s polticas estatais (PAIM, 2008). um projeto ideolgico-social que
procura superar o modelo hegemnico. SUS uma ampla aliana entre usurios,
trabalhadores/profissionais e gestores/prestadores de servio; cuidado centrado na
defesa da vida; obra coletiva, na qual o usurio tambm faz parte do protagonismo,
rumo restaurao de sua autonomia e construo de relaes emancipatrias
(MATTA; LIMA, 2008).
Trata-se, como aponta Nunes (2007), de tomar partido pela vida e pela
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Uma perspectiva para construo de caminhos possveis formao crtico-reflexiva em Enfermagem 43
emancipao das pessoas diante dos modos de vida, do Estado e dos modos de
produo econmica. um compromisso com a vida e a sade da coletividade.
Na busca por dar continuidade aos resultados da 8 CNS, foi constitudo
um Grupo Nacional de Recursos Humanos da Comisso Nacional de Reforma
Sanitria, que, por meio de um levantamento, caracterizou as principais questes a
serem discutidas sobre recursos humanos (RH) do setor da sade, entre elas
(BRASIL, 1993a). A seguir.
Distribuio de RH: os profissionais concentram-se geograficamente nas grandes
cidades e regies metropolitanas.
Preparao e formao: a formao de RH est pautada em alguns problemas,
como inadequao do perfil s demandas da populao. As seguintes proposies
so indicadas como maneira para equacionar esses problemas, quais sejam: a)
integrao ensino/servio como forma de promover a integrao teoria e prtica,
compatibilizando a formao s necessidades do novo servio; b) desenvolvimento
de estruturas integrais para formar o pessoal tcnico e c) o reconhecimento e
fortalecimento dos Centros Formadores de Recursos Humanos para a Sade.
Composio da equipe de sade: observa-se inadequao da composio das
equipes de sade (mdicos e atendentes), sendo necessrio formar uma equipe
multiprofissional (enfermeiros, psiclogos, dentistas e outros).
Outra proposio gerada com a 8 CNS foi a 1 Conferncia Nacional de
Recursos Humanos para a Sade, que trazia como tema central Recursos
Humanos Rumo Reforma Sanitria Brasileira. Nesse evento, foram discutidos: a)
o perfil do egresso e a articulao interministerial sade/educao/trabalho, para
definir as habilitaes tcnicas em sade; b) o fortalecimento dos espaos de
formao (centros formadores e escolas tcnicas) e c) a extino do exame de
suplncia, naquele momento tido como mecanismo de habilitao profissional para a
sade, conforme Lei n 5.692/71 (BRASIL, 1993a; NUNES, 2007).
Foi realizada, posteriormente, a 2 Conferncia Nacional de Recursos
Humanos para a Sade, em 1993, trazendo como tema central: Os Desafios ticos
nas Polticas de Recursos Humanos frente s Necessidades de Sade. Teve como
questes, debatidas em grupos de discusso de RH: a) a criao e ampliao de
espaos de formao e a descentralizao dos processos de formao; b) a
discusso de planos de cargos, carreiras e salrios e c) a necessidade de elevao da
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Uma perspectiva para construo de caminhos possveis formao crtico-reflexiva em Enfermagem 44
escolaridade dos trabalhadores, por meio de uma articulao dos setores da
educao e da sade (BRASIL, 1993b; BARROS, 2006).
Ainda na sequncia dos fatos, outro aspecto relevante para fortalecimento
da estrutura jurdica do SUS, foi a promulgao das Leis Orgnicas da Sade Lei
n 8.080 e 8.142, ambas de 1990, que estabelecem: a) um novo conceito de sade;
b) definio de competncia nas trs esferas de governo; c) transferncia de
recursos financeiros entre as trs esferas de governo e d) participao das
comunidades por intermdio das conferncias e dos conselhos locais, municipais e
estaduais de sade, bem como do nacional (PAIM, 2003; BARROS, 2006).
Frente ao exposto, corrobora a afirmao seguinte: o SUS o maior sistema de
sade do mundo (PAIM, 2008, p.96). Todavia,
[...] apesar da base jurdico-normativa disponvel, ainda se mantm vises distintas sobre o SUS. O SUS para pobres, um produto ideolgico resultante do modelo institucionalizado de sade pblica, de polticas focalizadas influenciadas por organismos internacionais e de restries expanso do financiamento pblico. O SUS real, moldado pelas polticas econmicas monetaristas e de ajuste marco estrutural, pelo clientelismo, patrimonialismo e partidarizao na sade. O SUS formal, estabelecido pela Constituio, Lei Orgnica da Sade e portarias pactuadas, tambm conhecido como aquele que est s no papel. E h o SUS democrtico que integra, organicamente, o projeto da RSB na dimenso institucional: universal, igualitrio, humanizado e de qualidade (PAIM, 2008, p.111).
Se ainda se est diante de diferentes projetos em disputa e acredita-se
que sade uma conquista, que o movimento em defesa da reforma sanitria ainda
no acabou, que preciso mobilizao para fazer crescer o protagonismo rumo
democratizao e outros avanos polticos qual o processo civilizatrio que se
pretende desenvolver, nas instituies de ensino superior na rea da sade, para se
alcanar as propostas do SUS democrtico?
Ainda, analisando o contexto, sob o ngulo poltico, em 1990 houve a
conquista do Estado pela burguesia e seus aliados ao lograrem xito elegendo
Fernando Collor de Melo, por pleito direto, Presidncia. Essa conquista dos
partidos da direta representou retrocesso do processo de Reforma Sanitria
Brasileira (RSB) e do SUS, pois lanaram estratgias polticas de restries de
direitos adquiridos na constituio cidad, implementaram polticas neoliberais,
desconstruindo o que havamos conquistado no Estado Democrtico de Direito
(PAIM, 2008).
Geovanini (2010, p.45) faz uma anlise desses aspectos e reala que
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O novo governo, instalado em 15 de maro de 1990 com o discurso de combate inflao e construo de um Brasil moderno, privilegiou o modelo poltico neoliberal, denotando uma srie de medidas econmicas recessivas, polticas fiscais e monetrias ortodoxas que levaram o pas pior crise social da histria, deteriorando de vez as condies de vida e sade da populao brasileira.
Agrava-se essa situao de ataque aos direitos sociais ao elegerem outro
candidato, tambm de direita, sucesso presidencial, Fernando Henrique Cardoso
(1995-2002). Ele marcou seu mandato pelo ajuste macroeconmico, polticas de
privatizao das maiores empresas pblicas, imploso da seguridade social e
desfinanciamento da sade, como estratgia de suporte desregulamentao e
diminuio de interveno estatal. Teve incio a comercializao dos planos privados
de sade que surgem como emanaes benficas do mercado (PAIM, 2008).
Em 1 de janeiro de 2003, chega ao poder Lus Incio Lula da Silva,
operrio do ABC paulista, ex-sindicalista que lutou pelas causas operrias, filiado ao
Partido dos Trabalhadores. No que concerne s polticas pblicas do atual governo,
Paim (2008, p.113) ressalta que o continusmo dos governos Lula, particularmente
na conduo da economia, confirma a hegemonia da burguesia financeira, industrial
e ligada ao agronegcio.
No se tem a pretenso, aqui, de esgotar a anlise das polticas desse
governo, mas realar propostas concernentes sade e s estratgias polticas de
implantao do sistema de sade vigente. E, ao se analisar sob a perspectiva de
implantao do SUS, observa-se que um dos grandes desafios a formao de
recursos humanos, pois h necessidade de se buscar a coerncia entre a formao
de profissionais com os processos de trabalho no SUS e demandas emergentes nos
servios.
Aponta-se como preceito constitucional, em 1988, no Artigo 200, a
formulao de Polticas Pblicas de formao de recursos humanos na rea da
sade. Outras bases legais reafirmam essa atribuio: a Lei Orgnica da Sade, nos
Artigos 13, 14, 15 e 27, aponta que essa atribuio das diversas esferas de
governo. E, ainda, faz-se necessrio articular as polticas e os programas, criando-
se comisses permanentes de integrao entre servios de sade e as instituies
de ensino, mediante normas especficas, elaboradas junto com o sistema
educacional. Tem-se em vista que os servios pblicos que integram o SUS so
campos de prtica, ensino e pesquisa.
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No tocante legislao educacional, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educao Nacional (LDB), Lei 9394/96, define ser atribuio do sistema educacional
nacional a garantia dos padres mnimos de qualidade do ensino, a vinculao entre
formao, o trabalho e as prticas sociais. E, ainda, a integrao das aes do
poder pblico que conduzam melhoria da qualidade do ensino, formao para o
trabalho e promoo humanstica, cientfica e tecnolgica do pas (LDB, Artigos 1,
2, 3 e 43).
No campo da formulao de propostas de formao para os profissionais
da rea da sade no Brasil, aps a instituio da Lei de Diretrizes e Bases da
Educao Nacional (LDB) em 1996, outro grande avano foi a aprovao das
Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de graduao da rea de sade (DCN),
expressa no Parecer CNE/CES n1.133/2001. Esse Parecer orienta a elaborao
dos projetos pedaggicos e os currculos por curso, incorporando as proposies:
perfil acadmico e profissional, as competncias, as habilidades e os contedos
(BRASIL, 2001a).
Analisando essas bases legais, observa-se que cabe ao Ministrio da
Educao a gesto e regulao da educao, no o eximindo do ordenamento da
formao em sade e da integrao ensino/servio. Ao Ministrio da Sade,
compete implementar as diretrizes constitucionais que apontem, tambm, para a
formao na rea da sade, sem sobreposio de tarefas, mas contribuindo para
que a educao se vincule ao mundo do trabalho e s prticas sociais em sade.
Embora tenha havido avanos na constituio dos princpios e das
diretrizes do SUS, assim como na instituio da LDB, e com as Diretrizes
Curriculares Nacionais que apontam caminhos para formao dos profissionais de
sade, ainda sobressai o modelo pedaggico hegemnico de ensino. Centrado em
contedos, tecnicista, organizado de maneira fragmentada e isolada, esse modelo
dissocia os conhecimentos das reas bsicas e profissionalizantes, prioriza a
avaliao cognitiva, dando nfase s prticas centradas no hospital e incentivando
precocemente a formao em especialidades (CARVALHO; CECCIM, 2006).
Nesse cenrio em mudana, destaca-se a necessidade da formao do
docente, a integralidade da ateno, e as prticas profissionais, como questes
emergentes para a consolidao dos princpios da Reforma Sanitria Brasileira.
Frente a esses desafios, tem-se buscado, como soluo primeira, a articulao entre
as instituies formadoras e os servios de sade. Como resultado dessa
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integrao, foi formalizada, por meio da Portaria Interministerial n2.118, datada de 3
de novembro de 2005, a parceria entre os dois Ministrios, o da Sade e o da
Educao. O objetivo a cooperao tcnica na formao e desenvolvimento de
recursos humanos na sade, nos nveis tcnico, de graduao e de ps-graduao
(BRASIL, 2005a).
Observam-se novos paradigmas que tm sido abordados, a partir de
2003, com a criao da Secretaria de Gesto do Trabalho e da Educao na Sade,
que aprova a Poltica de Formao e Desenvolvimento para o SUS: Caminhos para
a Educao Permanente em Sade, em que se destaca a Gesto da Educao em
Sade como componente estratgico do SUS (BRASIL, 2004).
A Poltica de Educao em Sade, em curso no pas, prioriza a formao
e o desenvolvimento para o SUS, tendo a educao permanente como uma das
estratgias. A gesto da educao no enfoca apenas as transformaes dos
processos educativos, mas as prticas profissionais e de sade para a prpria
organizao dos servios.
O iderio proposto na educao permanente baseia-se na aprendizagem
no trabalho, em que o aprender e o ensinar se incorporam ao cotidiano das
organizaes e ao trabalho. Ele pautado em aprendizagem significativa, capaz
de promover e produzir sentido aos trabalhadores de sade e transformar as
prticas profissionais por meio de reflexo crtica permanente. Utilizando-se
metodologias ativas, centradas na resoluo de problemas, a educao permanente
destinada a pblicos multiprofissionais. Seu objetivo principal promover o
encontro do mundo da formao e o mundo do trabalho, possibilitando romper o
distanciamento entre os que pensam o trabalho e a sade (BRASIL, 2004).
Sobre a formao dos profissionais da sade, orientada para o SUS, foi
apontado que o maior desafio de compromisso da formao com as necessidades de
sade est na orientao de todos os cursos de graduao do grupo de profisses da
sade para a compreenso do sistema de sade vigente no pas. Sendo assim,
ressalta-se que a esse desafio integra-se a indispensvel formao, em massa, de
professores para o novo processo (BRASIL, 2005a, p.48).
Nesse sentido, constitui-se como prioridade para o alcance dessa
proposio, o Programa Nacional de Reorientao da Formao Profissional em
Sade (PR-SADE), institudo pelo Ministrio da Sade, em parceria com o
Ministrio da Educao, em novembro de 2005. Seu objetivo incentivar
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Uma perspectiva para construo de caminhos possveis formao crtico-reflexiva em Enfermagem 48
transformaes do processo de formao, gerao de conhecimentos e prestao
de servios populao para a abordagem integral do processo sade-doena
(BRASIL, 2005b, p.17).
Essa estratgia deriva-se de algumas questes apontadas em estudos
pelo Ministrio da Sade (BRASIL, 2005b): a instituio de ensino superior prioriza a
considerao de determinantes biolgicos da doena, enfatizando a abordagem de
carter curativo orientado ao indivduo; no possui produo sistemtica em ateno
bsica, tendo em vista que o enfoque dado rea da ateno hospitalar e de alta
tecnologia; prioriza a ofe