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A FUNÇÃO SOCIAL DA USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL
Nome do autor(a)
RESUMO
O presente artigo busca discutir a função social da usucapião extrajudicial, analisando o
objetivo legiferante ao introduzir tal procedimento no ordenamento jurídico brasileiro. A
pesquisa é pautada na análise da função social dos sistemas notarias e registrais; na função
social da propriedade; e na efetividade das normas constitucionais. A partir dessas três
premissas, busca-se identificar o papel da usucapião extrajudicial dentro da sociedade. A
usucapião, que é apresentada de forma conceitual e com suas modalides, tem por objetivo
precípuo a titulação da propriedade registral, sobre a qual são analisados os efeitos sob o
prisma do procedimento extrajudicial. Por fim, discorre-se sobre a aplicabilidade prática do
procedimento no contexto social brasileiro.
Palavras-chave: Usucapião extrajudicial; função social; propriedade; moradia; sistemas
notarias e registrais; efetividade.
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1–INTRODUÇÃO..............................................................................................................................3
2-AUSUCAPIÃO..............................................................................................................................42.1–Modalidadesdeusucapião...........................................................................................................52.1.1–Usucapiãoextraordinária.......................................................................................................................52.1.2–Usucapiãoextraordinária–habitacionalouprolabore...........................................................62.1.3–Usucapiãoordinária.................................................................................................................................62.1.4–Usucapiãoordinária–habitacionalouprolabore......................................................................62.1.5–Usucapiãoespecialrural.........................................................................................................................62.1.6–Usucapiãoespecialurbana....................................................................................................................62.1.7–Usucapiãoespecialurbanacoletiva...................................................................................................72.1.8–Usucapiãofamiliar.....................................................................................................................................72.1.9–Usucapiãoindígena...................................................................................................................................72.1.10–Usucapiãotabular...................................................................................................................................7
3–AUSUCAPIÃOEXTRAJUDICIAL.............................................................................................84–AFUNÇÃOSOCIALDAUSUCAPIÃOEXTRAJUDICIAL......................................................94.1–Osefeitosdatitulaçãodapropriedade.................................................................................144.2.Oalcancedausucapiãoextrajudicial.......................................................................................18
5–CONCLUSÃO..............................................................................................................................196–REFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS........................................................................................19
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1 – INTRODUÇÃO
O presente artigo tem o objetivo de analisar a função social do procedimento da
usucapião extrajudicial, dissertar sobre como é colocado em nosso plano jurídico-social, quais
as mudanças que os legisladores almejaram ao introduzi-lo em nosso ordenamento, e se tem
condições de efetivar/cumprir a função social para o qual foi proposto.
O mecanismo da usucapião extrajudicial foi positivado em nosso ordenamento
jurídico pelo Código de Processo Civil de 2015 e regulamentada pelo CNJ através da edição
do Provimento 65. Em que pese a atualidade do tema, as poucas obras presentes na atualidade
se destinam precipuamente a explicar o procedimento por si só, explicar as suas etapas, desde
a ata notarial elaborada por algum dos Cartórios de Notas responsáveis na circunscrição
territorial até as demais etapas que são realizadas no Cartório de Registro de Imóveis.
Vale a menção a tais obras, que, sem dúvidas, permeiam, servem de base e convergem
com o presente estudo em todos seus aspectos, podendo-se citar a obra de COUTO1,
MARQUESI2, NOBRE3 e BOCZAR e ASSUMPÇÃO4.
Contudo, o objetivo principal desse estudo é um pouco diferente dos autores
mencionados, uma vez que busca-se discorrer sobre o papel deste novo dispositivo dentro da
sociedade - analisar os impactos que a sua concretização teria em âmbito social e econômico.
Aristóteles sustentava em histórica obra, “Política”, que o homem é um animal
político, dotado de logos, que seria a palavra, e, por isso, inclinado a viver na pólis, que era a
cidade, ou seja, o homem somente seria completo enquanto vivesse em sociedade. Todos os
institutos criados pelo homem, desde os mais simples até os mais complexos, tem um papel
dentro da sociedade, uma função social, que podem ser as mais variadas possíveis, de
manutenção social, transformação social, regulação social, dentre outras.
1 COUTO, Marcelo de Rezende Campos Marinho. Usucapião extrajudicial. – Salvador. Editora JusPodivm, 2018. 2 MARQUESI, Roberto Wagner. Usucapião extrajudicial. 2a Edição – Curitiba: Editora Juruá, 2018. 3 NOBRE, Francisco José Barbosa. Manual da usucapião extrajudicial. Curitiba – Editora Autores Paranaenses, 2018. 4 BOZAR, Ana Clara Amaral Arantes; ASSUMPÇÃO, Leticia Franco Maculan. Usucapão extrajudicial: questões notariais e tributárias. Leme/SP: Editora JH Mizuno, 2018.
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Isso não seria diferente com a usucapião extrajudicial, que tem, sem quaisquer dúvidas,
o seu papel dentro da sociedade, o qual analisaremos durante o artigo.
2 - A USUCAPIÃO
A usucapião, em termos simples, é a aquisição do direito real de propriedade e de
outros direitos reais pela posse prolongada da coisa. A consumação da usucapião ocorre pelo
preenchimento dos seus requisitos, podendo ser declarada por sentença ou decisão
administrativa, as quais tem efeitos meramente declaratórios. (BOCZAR e ASSUMPÇÃO,
2018, p. 55).
Para a doutrina majoritária, a usucapião é uma forma de aquisição originária da
propriedade, e é nessa linha que asseveram Cristiano Chaves de Faria e Nelson Rosenvald, os
quais postulam que as aquisições originárias não são assim chamadas pelo fato da titularidade
surgir pela primeira vez com o proprietário, mas sim por que o novo proprietário não mantém
qualquer relação de direito real ou obrigacional com o seu antecessor, dado que não obtém o
bem do antigo proprietário, mas contra ele. 5
Na mesma linha, os autores continuam:
O fundamento do messe modelo jurídico é dúplice: representa um prêmio
àquele que por um período significativo imprimiu ao bem uma aparente
destinação de proprietário; mas também uma sanção ao proprietário
desidioso e inerte que não tutelou o seu direito em face da posse exercida
por outrem. 6
Contudo, parte da doutrina entende que a usucapião seria na realidade um modo de
aquisição derivada da propriedade, “sob o fundamento de que a coisa já era titularizada por
outra pessoa e, por isso, haverá apenas modificação subjetiva na relação jurídica” (GAMA,
2016. P. 373). Entre os defensores da corrente se encontram Caio Mário da Silva Pereira,
Washington de Barros Monteiro, Silvio Rodrigues, dentre outros.
5 FARIAS, Cristino Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: direitos reais. 12. Ed. Rev., ampl. e atual. – Salvador: Ed. JusPodivm. 2016. P. 390 6 ____________________________ , P. 390-391.
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O doutrinador Marcelo de Rezende Campos Marinho Couto (2016, p.126-146)
defende que a usucapião pode ser originária ou derivada, na medida em que essa modalidade
se dá nas hipóteses em que existe vínculo jurídico entre o usucapiente e o proprietário
registral, sendo, portanto, importante verificar se a posse teve origem em alguma relação
negocial ou sucessória.
Em que pese pese a não extinção de direitos e encargos preexistentes trazida pela
usucapião extrajudicial7, uma das principais novidades apresentadas no procedimento, a
doutrina moderna vem defendendo que a usucapião ser um modo de aquisição originário nada
a tem a ver com a extinção de ônus preexistentes sobre o bem. Segundo Leonardo Brandelli
(2016), a aquisição originária somente extinguiria os direitos incompatíveis com o novo
direito adquirido.
Outrossim, COUTO 8 também defende que:
Desvincular da originalidade da aquisição por usucapião o efeito
liberatório que cancela todos os ônus e gravames incidentes sobre o bem é
de suma importância para possibilidade que o instituto seja aplicado em
conformidade com os valores éticos, econômicos, sociais e ambientais, e
não se torne instrumento de fraude e simulações.
2.1 – Modalidades de usucapião
Tendo em vista que tal explanação não constitui finalidade principal do presente
trabalho mas que tal discussão se faz necessária, mesmo que resumidamente, inicia-se agora
uma concisa digressão a respeito das modalidades de usucapião, sendo apresentados os
requisitos de cada uma e o fundamento jurídico-legal, sem adentrar em discussões acerca do
que representam tais requisitos, etc.
2.1.1 – Usucapião extraordinária
A usucapião extraordinária exige posse mansa, pacífica, ininterrupta, com animus
domini, não exigindo justo título ou boa-fé do possuidor. Exige o prazo de 15 anos, e pode
incidir sobre imóvel urbano ou rural. Tem previsão legal no Código Civil, em seu artigo 1.238.
7 Art. 21 – Provimento 65/CNJ: “O reconhecimento extrajudicial da usucapião de imóvel matriculado não extinguirá eventuais restrições administrativas nem gravames judiciais regularmente inscritos”. (grifos nosso) 8 COUTO, Marcelo de Rezende Campos Marinho. Usucapião como forma derivada de aquisição da propriedade imobiliária. Belo Horizonte. Editora D’ Plácido, 2016.
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2.1.2 – Usucapião extraordinária – habitacional ou pro labore
Tal modalidade de usucapião exige os mesmos requisitos da usucapião extraordinária,
com a diferença principal de que o possuidor tenha estabelecido moradia no imóvel ou obras
ou serviços de caráter produtivo. Exige o prazo de 10 anos, e está prevista no Código Civil, no
artigo 1.238, parágrafo único.
2.1.3 – Usucapião ordinária
A usucapião ordinária exige posse mansa, pacífica, ininterrupta, com animus domini,
com justo título de boa fé do possuidor. Exige o prazo de 10 anos, e pode incidir sobre imóvel
urbano ou rural. Tem previsão legal no Código Civil, no artigo 1.242.
2.1.4 – Usucapião ordinária – habitacional ou pro labore
Tal modalidade de usucapião exige os mesmos requisitos da usucapião ordinária, mas
o lapso temporal exigido é menor, de 5 anos. Tal prazo é reduzido desde que o imóvel tenha
sido adquirido onerosamente, que tenha tido registro cancelado posteriormente e que o
possuidor tenha fixado moradia ou realizado investimentos de interesse social ou econômico.
2.1.5 – Usucapião especial rural
Essa modalidade de usucapião, também conhecida como constitucional rural, exige
posse mansa, pacífica, contínua, prescinde de justo título e boa fé do possuidor. Deve incidir
apenas sobre imóveis rurais, de até 50 hectares de área, sendo que o usucapiente não pode ter
outro imóvel e deve ter estabelecido moradia e tornado a terra produtiva. O prazo exigido é de
5 anos e está prevista na Constituição Federal, no artigo 191, e no Código Civil, no artigo
1.239.
2.1.6 – Usucapião especial urbana
A presente categoria de usucapião, também conhecida como constitucional urbana ou
pro moradia, exige posse mansa, pacífica, contínua e prescinde de justo título e boa fé do
possuidor. Deve incidir apenas sobre imóveis urbanos de até 250 m². Estabelece que o
usucapiente deva ter estabelecido moradia no imóvel e não seja proprietário de qualquer outro.
O lapso temporal é de 5 anos e está previsto na Constituição Federal, no artigo 183, no
Código Civil, no artigo 1.240, e no Estatuto das Cidades (Lei 10.257/01), no artigo 9º.
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2.1.7 – Usucapião especial urbana coletiva
Tal modalidade exige que um coletivo de pessoas ocupem um núcleo informal
consolidado, com posse mansa, pacífica, por 5 anos de forma contínua. Com a atual redação
dada ao artigo 10 da Lei 10.257/01, dada pela Lei 13.465/17, depreende-se que a exigência é
de que área total ocupada pelo núcleo informal divida pelo número de possuidores seja
inferior a 250 m², e que os usucapientes não sejam proprietários de qualquer outro imóvel
rural ou urbano.
Essa categoria de usucapião exigia os mesmos requisitos da usucapião ordinária,
porém era destinada a um coletivo de pessoas. Porém, a nova redação do art. 10 do Estatuto
da Cidade nos mostra que tal modalidade não é mais uma faceta coletiva do art. 183 da CF,
mostrando-se como tipo autônomo de usucapião, que é coletivo, mas não adstrito a imóvel
residencial, por não exigir moradia.9
2.1.8 – Usucapião familiar
Essa forma de usucapião é prevista nos casos em que o ex-cônjuge ou ex-companheiro
daquele que abandonou o lar tenha a possibilidade de tornar-se proprietário do imóvel, a partir
do momento em que tenha exercido posse mansa, pacífica, por 2 anos, de forma ininterrupta,
com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250 m². O usucapiente não pode ser
proprietário de outro imóvel urbano ou rural e deve estar se utilizando do imóvel para sua
moradia e/ou de sua família. Encontra-se previsto no Código Civil, no artigo 1.240-A.
2.1.9 – Usucapião indígena
A seguinte espécie de usucapião contem dispositivo a favor dos indígenas, prevista no
Estatuto do Índio (Lei 6.001/73), artigo 33, em que todo índio, integrado ou não, pode
usucapir área rural de até 50 hectares, desde que tenha exercido posse com animus domini, de
forma mansa, pacífica, ininterrupta, por período de 10 anos. Não se exige justo título e boa fé.
2.1.10 – Usucapião tabular
A usucapião tabular representada modalidade que visa convalescer registro eivado de
qualquer tipo de nulidade/invalidade, garantindo a segurança jurídica e a continuidade do
titular registral. COUTO (2018, p.90) é claro ao dizer que “a usucapião tabular é, na verdade ,
9 COUTO, Marcelo de Rezende Campos Marinho. Usucapião extrajudicial. – Salvador. Editora JusPodivm, 2018, p. 84.
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uma forma de validade a inscrição possivelmente viciada, podendo ser conjugada com
qualquer tipo de usucapião, salvo a administrativa, em razão de suas peculiaridades”. Está
prevista na Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73), em seu artigo 214, §5º.
3 – A USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL
Passada a discussão acerca das espécies de usucapião, vamos explorar o instituto da
usucapião extrajudicial por si só. Vale destacar que se trata de um novo procedimento de
usucapião, e não de nova categoria, como algumas vezes se confunde, ou seja, é uma nova
forma de se processar qualquer das modalidades citadas anteriormente.
Anteriormente ao Código de Processo Civil de 2015, a usucapião somente se
processava por via judicial, o que, na imensa maioria dos casos, representavam processos
demasiadamente longos e que não atendiam, pois, a função precípua do Processo Civil, que é
a efetiva prestação jurisdicional, de forma célere e justa.
Seguindo a tendência de desjudicialização presente no ordenamento brasileiro, com
incentivo a técnicas alternativas de resolução de conflitos e com as serventias extrajudiciais
recebendo cada vez mais atribuições, podendo-se destacar, por exemplo, a consolidação da
realização de inventários e divórcios, o CPC/2015 trouxe em seu bojo, no artigo 1.071, a
alteração do artigo 216-A da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73), que contempla a
possibilidade de realizar-se o usucapião extrajudicialmente.
Nessa linha, assevera a jurisprudência que esse mecanismo de desjudicialização é
altamente salutar, porque produz dois importantes e desejados efeitos. Primeiro, alivia a carga
de questões submetidas ao Judiciário, possibilitando ao magistrado dedicar maior tempo na
solução de causas mais complexas; segundo, e mais importante, propicia ao cidadão uma
solução mais rápida e barata.10
Trata-se, portanto, de faculdade dada ao cidadão, que pode optar pela via jurisdicional
ou não. Apesar de transparecer a obviedade da opção pela via extrajudicial, por ser mais
célere e efetiva, existem discussões sobre a inclusividade do instituto, ou seja, até que ponto
10 TJSP – 14a Câm. Dir. Púb. 0026449-35.2012.8.26.0564 – Rel. Des. José Germano – j. Em 27.08.2015
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ele é acessível para a grande maioria da população em situação de informalidade da
propriedade.
Tal discussão existe porque tal procedimento apresenta gastos – os emolumentos
pagos, o advogado que é obrigatório ao procedimento, tributos incidentes – e que,
hipoteticamente, tais gastos poderiam levar grande parte das pessoas a optar pela via
jurisdicional.
É a partir dessa controvérsia que será analisada, primeiramente, a função social da
usucapião extrajudicial - o objetivo a que se prestou o legislador ao introduzir o instituto
dentro do contexto jurídico-social - para, em seguida, analisarmos os argumentos contrários
ao tema, e, por fim, chegar-se a alguma conclusão sobre o tema.
4 – A FUNÇÃO SOCIAL DA USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL
Para analisarmos a função social do procedimento da usucapião extrajudicial, o
presente o artigo parte da concatenação de três premissas básicas, que serão analisadas a partir
do marco teórico adotado para cada uma delas. Tais premissas são: a função social da
propriedade, a efetividade dessa norma constitucional fundamental e a função social dos
sistemas notarias e registrais.
Primeiramente, é imprescindível que se entenda o papel do sistema notarial e registral
em nossa ordem jurídico-social, ou seja, que se entenda a sua função social. Para tratar deste
tema, o marco teórico adotado foi a célebre obra “Função social do notariado: eficiência,
confiança e imparcialidade”, de Celso Fernandes Campilongo11, que apesar de se referir no
título apenas ao notariado, pode e é aplicada, sem quaisquer dúvidas, ao sistema registral.
Tal como o título do livro mesmo já sugere, o sistema notariado latino, segundo o
autor, parte de três aspectos relevantes: a criação de ambiente propício à produção de
“eficiência econômica”; a estabilização da “confiança” como mecanismo de redução de
complexidade; e acesso à informação como garantia de legalidade, transparência e,
principalmente, “imparcialidade”.
11 CAMPILONGO, Celso Fernandes. A função social do notariado: eficiência, confiança e imparcialidade – São Paulo. Editora Saraiva, 2014.
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Tais premissas seriam reunidas a fim de garantir um cenário de menos litigiosidade,
em que as relações não seriam pautadas por uma liberdade total das partes, mas sim de
equilíbrio, equidistância e mediação da legalidade por terceiro imparcial.12 Em frase de
Carnelutti, fica bem claro o papel do notário: “quanto mais notário, menos juiz”13.
Nas palavras de CAMPILONGO (2014, p.22):
A tutela inibitória ganha claros contornos de maior aderência à
realidade brasileira. Além das garantias em termos de segurança
jurídica, ou justamente em razão delas, a atuação notarial preventiva –
“antiprocessual” – evita a sobrecarga ainda maior de Judiciário atolado
nos problemas da falta de celeridade e eficiência. O modelo de atuação
do notariado latino procura instaurar e proteger a situação de
normalidade. [...] No lugar da doença e da patologia dos negócios, a
legalidade e a previsibilidade dos pactos contratuais lavrados em
escrituras públicas. (grifos nossos)
Sendo assim, a função social do sistema notarial e registral seria a redução da
litigiosidade, a estabilização das relações sociais, através de um terceiro imparcial e que
consiga construir uma relação de confiança nas partes, e que, portanto, leve a um
desenvolvimento pleno da sociedade, em que as pessoas teriam cada vez menos litígios e
grande segurança nos negócios intersubjetivos, o que, sem dúvidas, fomenta o crescimento
social-econômico.
LUHMANN14 resume com fineza o papel do notariado latino: “o notariado auxilia a
forjar confiança a partir da desconfiança; a construir consenso, apesar do dissenso; a
promover comunicação jurídica, em que pese sua improbabilidade”.
Passado isso, vamos a análise da função social da propriedade, tema no qual se adotou
como marco teórico as brilhantes obras “Direito à moradia adequada: o que é, para quem
serve, como defender e efetivar” 15 e “Direito à moradia e segurança da posse no Estatuto da
12 CAMPILONGO, Celso Fernandes. A função social do notariado: eficiência, confiança e imparcialidade – São Paulo. Editora Saraiva, 2014, p.21-22 13 CARNELUTTI, Francesco. La figura giuridica del notaro, in Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, ano IV, 1950, p. 927-928. 14 LUHMAAN, Niklas. A improbabilidade da comunicação. Veja-Passagens, 1999. 15 FERNANDES, Edésio; ALFONSIN, Betânia – Coordenadores. Direito à moradia adequada: o que é, para quem serve, como defender e efetivar. Belo Horizonte. Editora Fórum, 2014.
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Cidade: diretrizes, instrumentos e processos de gestão”16, de Edésio Fenrnandes e Betância
Alfonsin.
Logo quando se fala em função social da propriedade, o primeiro conceito que se faz
necessário é positivado da Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, que dispõe que “a
propriedade atenderá a sua função social”. Mas o que seria essa função social?
De forma bem explicativa, a função social da propriedade seria o uso para moradia ou
alguma forma de exploração econômica, na medida em que que esteja interferindo
positivamente de alguma forma para a sociedade, no convívio social. De forma elucidativa,
um terreno baldio que não tem qualquer utilização não cumpre a sua função social, bem como
uma grande porção de terras em que não se realiza agricultura/pecuária.
Nas palavras da doutrinadora Maria Tereza Fonseca Dias17,
A função social da propriedade representa a garantia de que o uso da
propriedade seja socialmente útil e adequado. A propriedade só se
justifica na medida em que concorre para o bem comum e cria
utilidade e riqueza. Desse modo, o mesmo proprietário que não pode
perder a coisa sem indenização, tem de usá-la de forma compatível
como os princípios reitores do sistema normativa, pois a propriedade
não é um fim em si mesmo, e sim, um instrumento que deve cumprir
sua função social na busca do bem-estar geral. (grifos nossos)
Sendo assim, o que se pretende evitar é que a propriedade tenha uma utilização que se
volte apenas ao egoísmo do proprietária, devendo haver uma destinação econômica e social.18
Outrossim, a função social da propriedade deve ser lida e interpretada em conjunto com o
direito social à moradia, positivado no artigo 6º da Constituição Federal de 1988, tendo em
vista que o objetivo mais importante da propriedade, do ponto de vista social – que é o
adotado neste artigo – é a moradia.
Segundo Ebert Chamoun, a propriedade, em nossa organização constitucional atual,
seria considerada um múnus, um poder que se exprime de forma simultânea entre direito e
16 FERNANDES, Edésio; ALFONSIN, Betânia – Coordenadores. Direito à moradia e segurança da posse no Estatuto da Cidade: diretrizes, instrumentos e processos de gestão. Belo Horizonte. Editora Fórum. 2004. 17 DIAS, Maria Tereza Fonseca Dias. Políticas públicas para a eficácia do direito fundamental à moradia adequada da população em situação de rua. In: Direitos Fundamentais das pessoas em situação de rua. Editora D’Plácido. 2a edição. 2016. 18 VIANA, Marco Aurélio da Silva. Comentários ao novo código civil: dos direitos reais. Rio de Janeiro. Editora Forense, 2007, p.34
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dever, sendo, pois, imprescindível a coexistência do interesse do proprietário e o interesse
social.19
Visto isso, resta claro que o ordenamento jurídico brasileiro positivou a
obrigatoriedade de que a propriedade atenda a sua função social, que é precipuamente a
moradia. Contudo, um dos graves problemas que enfrentamos em nossa ordem jurídica bras é
o falta de efetividade das normas constitucionais, que muitas vezes se encontram positivadas
mas não tem aplicabilidade prática alguma. Vejamos.
Para tratar do tema da efetividade das normas fundamentais constitucionais, o marco
teórico adotado foi a obra “A constitucionalização simbólica”, do autor Marcelo Neves20.
Segundo o autor, a Constituição (1988) é exemplo claro do que ele denomina de constituição
simbólica, que seria aquela que se presta a legitimar simbolicamente os valores positivados,
de maneira que não encontram aparato normativo-jurídico para que sejam efetivados, ou seja,
existem os valores fundamentais, mas eles são vazios, sem concretização prática.
Segundo NEVES (2011, p.42), a Constituição moderna, enquanto subsistema do
direito positivo, passa a ser simbólica quando pretende responder às exigências do seu
ambiente por desenvolvimento econômico e social e, a partir, dessa pretensão ocorre a
positivação de direitos fundamentais com efeito latente. O que seria esse efeito latente? É a
não aplicabilidade jurídico-prática das normas.
Na mesma linha, o autor assevera
Legislação simbólica seria o predomínio, no que se refere ao sistema
jurídico, da função simbólica da atividade legiferante e a do seu produto,
lei, sobretudo em detrimento da função jurídico-instrumental, ou seja, o
objetivo principal da produção legislativa seria o simbolismo das
normas, e não a aplicação prática de tais dispositivos legais.21 (grifo
nosso)
Essa forma de produção legislativa simbólica poderia, segundo NEVES (2011, p.30-
31), ter três objetivos principais: a confirmação de valores sociais, o que significaria a
tentativa de introdução de valores necessários à sociedade por meio da legislação; funcionar
19 CHAMOUN, Ebert. Arquivos do Ministério da Justiça. Rio de Janeiro, ano 32, p. 134, abr./jun. 1975, p.1 20 NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. 3a Edição – São Paulo. Editora WMF Martins Fontes, 2011. 21 _____________________, P. 31.
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como álibi para os legisladores, fortalecendo a confiança dos cidadãos no respectivo governo
ou, de um modo geral, no Estado; e um viés dilatório, a fim de adiar a solução de conflitos
sociais.
O que imperaria, na realidade, seria a referência político-valorativa ou “político-
ideológica” no ato de produção legislativa. Os valores fundamentais estaria sujeitos somente a
uma prestação política, que é a relação específica do direito constitucional com o sistema
político. O cerne de problema estaria, portanto, na escassa normatividade jurídica do texto
constitucional, onde os próprios aparatos disponíveis na legislação por muitas vezes não são
suficientes para terminar se é capaz de se concretizar juridicamente ou não.22
Nessa mesma linha, NEVES (2011, p.183-189) que a Constituição (1988) transfere a
realização, a concretização das normas para um futuro remoto e incerto, dado que não há
suficiente concretização normativa do texto constitucional. Muitas vezes acaba por transferir-
se para a o texto constitucional a culpa de muitos problemas, como se não houvesse a
positivação adequada de preceitos fundamentais, quando na verdade a causa dos problemas é
a falta de aparatos para concretização.
O escritor alemão Muller é claro ao dizer que o programa normativo para a
concretização da norma não seria apenas o texto normativo, mas também o conjunto de dados
reais normativamente relevantes para a concretização individual.23 Sendo assim, resta claro
que o problema da Constituição (1988) brasileira é a falta de aparatos que permitem a
concretização das normas fundamentais, e não a falta dessas em si só, tal como já explicitados
pelos autores acima.
Com a análise dessas três premissas, chega-se a conclusão de que a usucapião
extrajudicial vem como um procedimento a fim de efetivar, de dar concretização prática a
função social da propriedade. Não basta garantir a moradia como direito social, não basta
dispor sobre a obrigatoriedade da propriedade seguir a sua função social, são necessários
meios, instrumentos de garantir que o titular se valha da substância de tais normas, a fim de
que deixem de ser simplesmente simbólicas.
Pode-se pensar, então: mas veja bem, a usucapião já existia, esse instrumento já existia
em nosso ordenamento, não houve nada de novo em termos práticos. Errado. Veja bem. Antes
22 NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. 3a Edição – São Paulo. Editora WMF Martins Fontes, 2011., p.185 23 MULLER, Friedrich. Strukturierede Rechtslehre. 2a Ed. Berlim. 1994. Duncker & Humblot
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existia o procedimento da usucapião em via judicial, moroso, com bastantes minúcias e que
por muitas vezes legitimava a posse dos herdeiros do autor, e não do de cujus. A partir da
usucapião extrajudicial, tal como já dito acima, tal processo se tornou mais célere, mais eficaz,
possibilitando que o titular se valha da substância do ato, que se torne proprietário do imóvel
em tempo hábil para usufruir de tal resultado.
Não há como dizer que as normas relacionadas a função social da propriedade e o
direito à moradia passam efetivamente a se tornar concretas e não mais simbólicas, tendo em
vista que não há um espaço amostral suficiente para saber como o instituto da usucapião
extrajudicial aconteceu na prática. Contudo, sem sombra de dúvidas, a intenção legiferante ao
introduzir tal instituto em nosso ordenamento foi essa: criar um instrumento que viabilizasse a
concretização célere e efetiva da usucapião, que é um meio pela qual os cidadãos adquirem a
moradia e tornam a propriedade plena – cumprindo a sua função social.
Outrossim, por que tal processo ocorre nos sistemas notariais e registrais e não em
qualquer outra forma de realização extrajudicial? Isso acontece porque, partindo do
pressuposto que o sistema notariado latino é sinônimo de eficiência, confiança e
imparcialidade, o cartorário, como burocratizado pelo Estado, atua na proteção e promoção de
direitos de propriedade – controlando os procedimentos e os conteúdos e certificando sua
existência, extensão e transmissão. Basicamente, o que se pretende dizer é que o notariado
está extremamente ligado à promoção de segurança dos direitos de propriedade, e a sua
retirada representaria um abalo e grave na estrutura econômico-social do Estado.24
4.1 – Os efeitos da titulação da propriedade
Passada toda essa análise, entendeu-se que a usucapião extrajudicial vem como uma
forma de efetivar a função social da propriedade, que seria a moradia. Mas poderia
questionar-se: a moradia já era garantida na situação de informalidade, o que não havia
ocorrido era a titulação da propriedade, correto? Sim, sem sombra de dúvidas. Contudo, a
titulação da propriedade representa o cerne do direito social à moradia. Vejamos.
O título individual de propriedade é, sem dúvidas, uma forma de efetivação do direito
à moradia, sendo uma forma de garantir a segurança na posse, que é elemento intrínseco a
esse direito social. A segurança da posse é requisito de extrema relevância para garantir o
24 CAMPILONGO, Celso Fernandes. A função social do notariado: eficiência, confiança e imparcialidade – São Paulo. Editora Saraiva, 2014, p.68-72
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mínimo de tranquilidade para o morador: para garantir a dignidade da pessoa é cediço que ela
deve possuir um abrigo pelo tempo que precise, sem temer despejos forçados ou a retirada
compulsória (sem indenização prévia ou o devido processo).25
Nas palavras de ROSENFIELD26,
Não é suficiente a posse precária de um ativo, a propriedade no seu
sentido defectivo, embora possa cumprir uma função, como a de
moradia nas favelas. É necessário que se ela torne propriedade
plena, integrável a uma processo legal de compra e venda [...] Não
basta a legalidade da propriedade, mas o direito ao direito de
propriedade” (grifos nosso)
Sendo assim, embora revestida de um caráter de legalidade, tendo em vista que se
encontra perdurando por anos, e cumprindo a função de garantir a moradia, a posse não é
suficiente para garantir tal direito social em sua plenitude. Os registros não são tratam de
apenas documentos, são representações econômicas do que possuímos – a coisa em si é o
corpo, o registro é a alma.27
A propriedade traz consigo uma noção profunda de obrigação e compromisso que não
está presente em uma cultura da posse. Cuidar do que é seu – e do ambiente à volta – em uma
sociedade que valoriza a propriedade, torna-se tão importante quanto cuidar da vida de
alguém. É por isso que consideramos nossas titularidades como extensão de nós mesmos28
Quando se fala de uma sociedade que valoriza a propriedade, estamos falamos de uma
sociedade em que a imensa maioria dos domicílios tem a condição jurídica de moradia
baseada na propriedade, realidade presente não só no Brasil, mas em toda a América Latina. É
importante mencionar que a maior parte da população que não se encontra nem em relação de
inquilinato e nem é proprietária é a parcela residente nos assentamentos populacionais
25 CALIXSTO, Juliano dos Santos; DIAS, Maria Tereza Fonseca Dias. A efetividade do direito à moradia adequada a partir da segurança na posse no direito internacional e no direito brasileiro. Revista de Direito Urbanístico, Cidade e Alteridade. 2015, v.1., p.293-312 26 ROSENFIELD, Dennis Lerrer. Reflexões sobre o direito à propriedade. Rio de Janeiro. Editora Elsevier, 2008, p.96-97 27 FARIAS, Cristino Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: direitos reais – Salvador: Ed. JusPodivm. 2014. P. 230, v.5 28 BRANDELLI, Leonardo. A função econômica e social do registro de imóveis. P.193
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informais 29
Além das questões acima abordadas, a questão da informalidade da propriedade é, sem
dúvidas, um fator impeditivo do desenvolvimento individual e coletivo do país. Os fatores
econômicos envolvidos na titulação da propriedade tem os efeitos relacionados ao viés do
indivíduo e ao da coletividade, que estão intimamente interligados.
No que tange aos efeitos da coletividade, Campilongo30 é claro que ao dizer que a
existência, extensão, estabilidade e segurança de direitos da propriedade interferem de forma
crucial na eficácia das relações econômicas, na medida em que titularidade e possibilidade de
transação dos direitos de propriedade mudam totalmente a dinâmica do mercado.
O autor continua dizendo que o crescimento econômico não acontecerá a menos que a
economia se organiza em torno desse objetivo31, e que tal organização econômica está
intimamente ligada aos direitos de propriedade. Outrossim, a teoria dos sistemas argumenta
29 CALIXSTO, Juliano dos Santos; DIAS, Maria Tereza Fonseca Dias. A efetividade do direito à moradia adequada a partir da segurança na posse no direito internacional e no direito brasileiro. Revista de Direito Urbanístico, Cidade e Alteridade. 2015, v.1. p.304. 30 CAMPILONGO, Celso Fernandes. A função social do notariado: eficiência, confiança e imparcialidade – São Paulo. Editora Saraiva, 2014, p. 66 31 ____________________________________, p. 66, cit. 62: Timothy Frie, Credible Commitment and Property Rights: Evidence from Russia, in American Political Science Review, v. 98., n3, agosto 2004., p.453
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que a definição e organização dos direitos de propriedade por meio de escrituras e registros
públicos reduz a complexidade das relações jurídicas.32
Desta vista, o que se infere desses estudos é que a titulação da propriedade é
extremamente importante para a economia de um modo coletivo, na medida em que fomenta
a realização de negócios jurídicos envolvendo o agora proprietário, aumentando a circulação
monetária, o que consequentemente fomenta o crescimento econômico .
Um estudo empírico sobre o tema se mostra bastante complicado, em virtude da
dificuldade de realização de um processo regularização fundiária, seja por meio da usucapião
extrajudicial, seja pelos demais instrumentos. Contudo, um estudo bastante interessante foi o
realizado pelos pesquisadores GALINI e SCHARGRODSKY33 que foi feito da seguinte
forma:
Neste trabalho exploraremos um experimento natural em uma área pobre
do subúrbio de Buenos Aires, Argentina, onde ocorreu uma política de
titulação de propriedade entre os posseiros ali residentes. Nós
acreditamos que a estratégia adotada tem credibilidade para identificar os
efeitos da titulação de propriedade, tendo em vista que os moradores
titulados e os não titulados eram extremamente iguais antes da titulação -
as casas que habitavam eram idênticas, por exemplo. Além disso, a
titulação foi aleatória, não teve como base características específicas dos
posseiros. (tradução nossa)
Essa análise ocorreu, então, de 3 em 3 anos, começando em 2004, até 2010, quando o artigo
foi publicado. Os resultados obtidos foram os seguintes:
Houve aumento considerável no investimento nas casas. A superfície
construída aumentou e as casas onde havia titulação eram maiores que as
dos posseiros. O que mais alterou foi o investimento em qualidade da
casa. Quanto ao crédito, houve um modesto mas positivo aumento na
facilidade ao acesso do crédito amortizado/hipotecário, não havendo
qualquer impacto no acesso a outras formas de crédito. Não houve
qualquer mudança na forma de trabalho. Nas casas em que houve
titulação de propriedade, a fertilidade diminuiu e, consequentemente, o
32 CAMPILONGO, Celso Fernandes. A função social do notariado: eficiência, confiança e imparcialidade – São Paulo. Editora Saraiva, 2014, p. 68 33 GALIANI, Sebastian; SCHARGRODSKY, Ernesto; Property Rights for the Poor: Effects of Land Titling. 2010. Disponível em: Acesso em 30 de Agosto de 2018.
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tamanho das famílias também diminuiu. De forma correlata, houve um
maior investimento na educação das crianças.
4.2. O alcance da usucapião extrajudicial
Essa análise dos impactos econômicos da titulação da propriedade se fez muito importante,
dado que tem total conexão com a discussão mencionada no início do artigo sobre a inclusividade do
procedimento da usucapião extrajudicial, visto que os argumentos associados ao tema tem todos
caráter financista.
Seria o procedimento da usucapião extrajudicial um procedimento inclusivo: que conseguisse
atingir a grande maioria da população? Vejamos.
Os argumentos que defendem que o procedimento da usucapião extrajudicial não é um
procedimento acessível a grande parte da sociedade que dele necessita – a população que vive em
situação irregular – se pautam nos custos inerentes aos desenrolar extrajudicial. No caso de Minas
Gerais, a tabela atual34 prevê que a ata notarial para fins de usucapião extrajudicial pode variar
R$123,00 e R$6.025,00, de acordo com o valor do imóvel usucapido, enquanto o processamento do
usucapião no Cartório de Registro de Imóveis tem valor R$1.748,00, com o registro podendo variar
entre R$123,00 e R$6.025,00. Esses valores somados, em seu máximo, o que representa que o imóvel
usucapido ocuparia a última faixa de avaliação (acima de R$3.200.000,00) – situação bastante
incomum – não totalizam o valor de R$14.000,00.
Somado ao valor despedindo nas serventias extrajudiciais, teriam os honorários devidos ao
advogado que é indispensável ao procedimento no Registro de Imóveis. A única base de cálculo
disponível para a cobrança de honorários advocatícios é a tabela da OAB, que no caso de Minas
Gerais, determina que nos casos de advocacia extrajudicial “o estudo ou organização de
documentação imobiliária deve ter cobrança de 4% do valor do negócio, observando o mínimo de
R$2.000,00”35.
A realização de todos os cálculos nos levar a crer que todos os custos ficam em
aproximadamente 5% do valor do imóvel, o que é de longe totalmente razoável e justo dadas as
vantagens já explicitadas nos tópicos anteriores. A titularidade do imóvel represente um leque enorme
de possibilidades econômicas ao proprietário, que compensarão, de longe, os gastos supracitados.
34 Acesso em 30 de Agosto de 2018. 35 https://www.oabmg.org.br/areas/tesouraria/doc/tabela_honorarios/manual_flipping/assets/basic-html/index.html#37> Acesso em 30 de Agosto de 2018
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5 – CONCLUSÃO
Passadas todas essas breves considerações, levando-se em conta a amplitude do tema e
a espaço exíguo do presente artigo, chega-se a conclusão de que a função social da usucapião
extrajudicial é a de ser um procedimento que venha a garantir de forma efetiva, retirando o
simbolismo da norma fundamental, o direito social à moradia, garantindo, consequentemente,
que a propriedade cumpra a sua função social.
Vimos que a titulação da propriedade, situação que é garantida através da
procedimento da usucapião extrajudicial, tem grande importância social – sendo o cerne, o
elemento central do direito à moradia em sua plenitude – e econômica – tendo em vista que
altera a dinâmica da sociedade como um tudo, propiciando a maior circulação de bens e
conseguinte desenvolvimento da economia local, e para o indivíduo, que passa a ter um maior
acesso ao crédito, tem um leque gigante de possibilidades econômicas para usufruir do imóvel
e acaba por adquirir hábitos desenvolvimentistas (ex: investimento na educação do filhos, tal
como visto acima).
Quanto ao alcance da usucapião extrajudicial, acredito que os custos inerentes ao
procedimento não irão afastar a população do procedimento, tendo em vista que representam
um valor bastante pequeno se comparado ao valor do imóvel e aos grandes avanços
econômicos-sociais que propiciaria ao usucapiente. Contudo, o instituto é bastante novo, não
há um espaço amostral em que se consiga saber ao certo se ele consegue cumprir a sua função
social, se ele é acessível a maioria da população ou não. Fica o convite para que os
pesquisadores do Direito, no qual eu me incluo, analisem o tema mais a fundo, com pesquisas
teórico- empíricas de longo prazo a fim de compreender o tema em sua plenitude.
6 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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DIAS, Maria Tereza Fonseca Dias. Políticas públicas para a eficácia do direito fundamental à
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____________________. Direito à moradia e segurança da posse no Estatuto da Cidade:
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NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. 3a Edição – São Paulo. Editora WMF Martins
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