A Guerra Hispano-Americana em movimento: as narrativas imagéticas dos
Estados Unidos durante a década de 1890.
GABRIEL CARNEIRO NUNES 1
Resumo: Pensando a partir da guerra Hispano-Americana, podemos notar as
fortes relações imperialistas estadunidenses com a América Latina a partir de uma extensa
produção visual encontrada na última década do século XIX. Ao relacionarmos o conflito
à formação de uma sociedade estadunidense na sua formação imperialista em meio ao
período moderno de sua história, encontramos uma postura agressiva que busca domínios
extra territoriais ao estimular conquistas ideológicas e sensoriais através do visual,
ajudando o primeiro cinema a encontrar em narrativas visuais publicadas em periódicos
e revistas semanais propriedades de caráter nacionalista. As relações entre as demandas
visuais proporcionadas pela guerra Hispano-Americana formam neste trabalho um
paralelo entre as litografias do autor Louis Darlrymple e as produções de algumas
películas registradas pela Edison Company e pela Biograph Company entre os anos de
1898 até 1901, todos disponíveis na Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos.
Palavras-chave: Guerra Hispano-Americana, Primeiro Cinema, Modernidade.
Abstract: Thinking from the Hispano-American War, we can note the strong US
imperialist relations with Latin America from an extensive visual production found in the
last decade of the nineteenth century. When we relate the conflict to the formation of an
American society in its imperialist formation in the middle of the modern period of its
history, we find an aggressive stance that seeks extra territorial domains by stimulating
ideological and sensorial conquests through the visual, helping the first cinema to find in
narratives visuals published in periodicals and magazines weekly nationalistic properties.
The relations between the visual demands provided by the Hispano-American War form
in this work a parallel between the lithographs of the author Louis Darlrymple and the
productions of some films registered by the Edison Company and the Biograph Company
* Mestrando em História Social pela Universidade Estadual Paulista de Júlio Mesquita Filho (UNESP)
Campus Assis. Agencia Financiadora: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CAPES.
between the years of 1898 until 1901, all available in the Library of the United States
Congress
Key words: Spanish American war, Early Cinema, Modernity
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Introdução
A afirmação do imperialismo norte-americano transcorreu durante um processo
de intervenções e expansões marcadas por uma postura hostil perante à América Latina
dando início a uma era de domínio global. A artimanha de controle utilizada pelos Estados
Unidos ultrapassa as atividades bélicas para uma espécie de domínio ideológico,
globalizando sua atividade cultural para pacificar a opinião pública em relação as suas
práticas imperialistas e belicosas, gerando com isso inúmeros produtos culturais no setor
da narrativa visual. O segmento cinematográfico de cunho propagandístico apresenta
através de seu uso recreativo, ou seja através do entretenimento, inúmeras passagens
históricas onde a utilização do audiovisual foi fundamental para se criar uma esfera
ideológica a favor das posturas imperialistas estadunidenses, como por exemplo durante
a Guerra do Vietnam (1955 – 1975) e a Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945). O
seguinte trabalho visa encontrar na gênesis deste processo fílmico, as associações entre a
cultura visual que se manifestava durante o período chamado de modernidade e o
surgimento do cinema como um entretenimento inédito ao final do século XIX.
O conflito bélico entre a Espanha, Cuba, Filipinas e os Estados Unidos ocorreu na
passagem do século XIX para o século XX, um período marcado pelas transformações
tecnológicas e sociais vividas dentro da modernidade. A Guerra Hispano-Americana se
tornou um conflito de destaque por marcar o início das atividades imperialistas norte-
americanas diante um contexto interno cuja presença do cinema como novo meio de
comunicação e entretenimento era recente. A presença da câmera no conflito apresenta
na historiografia uma nova era de predominação das imagens (COSTA: 2005: p 18),
sendo este o primeiro conflito bélico a ser registrado e reproduzido contemporaneamente
em película. O encontro da câmera com a movimentação imperialista estadunidense em
relação a Cuba possibilitou uma análise capaz de relacionar os preceitos da modernidade
recém desenvolvida nos Estados Unidos, onde vamos encontrar narrativas visuais
ocupando um espaço de informação inédito na história, com a adaptação de meios de
comunicação como os jornais impressos e a linguagem fílmica recém criada e em plena
fase de desenvolvimento. As revistas norte americanas Punch, Puck e Judge Magazine,
compõem um conjunto de periódicos ilustrativos ativos durante o período da guerra, onde
o caráter sensacionalista é evidente nas imagens publicadas a favor da participação da
nação no conflito. As publicações que percorrem a década de 1890 compõem
propagandas visuais para a formação da opinião pública sobre as atitudes tomadas pelos
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Estados Unidos, demonstrando como a narrativa visual era de extrema importância para
a criação de uma visão nacionalista e imperialista que vinha a surgir. Além dela, os
principais periódicos de informações se adiantaram em publicar diariamente os detalhes
que aconteciam nas regiões de conflito, como a descrição das vestimentas dos soldados,
das batalhas navais, das condecorações que os almirantes e generais recebiam após os
feitos contra os insurgentes cubanos e filipinos e dos processos políticos entre Espanha e
Estados Unidos.
A partir da análise de algumas litografias do cartunista Louis Darlrymple, formado
pela Academia das Belas Artes da Pensilvânia, podemos encontrar paralelos entre as
narrativas cinematográficas no campo do Primeiro Cinema e nas imagens impressas em
revistas e periódicos ao buscarmos os preceitos políticos e ideológicos que a linguagem
visual é capaz de promover. O cartunista tornou-se o principal ilustrador para fazer
representações da guerra nas revistas de maior circulação do período, seus desenhos
deixam claras as propostas imperialistas e nacionalistas expressas em caricaturas. A
produção das ilustrações em litografia possuem uma participação importante na formação
da opinião pública, pois encontramos no visual uma importante proposta e demanda de
comunicação presente no período da modernidade. As litografias sátiras compõem um
dos pilares relacionados a propaganda nacionalista da década de 1890, trazendo em sua
linguagem escarnada os interesses imperialistas norte-americanos juntamente com uma
trágica presença de supremacia racial com fundamentos eugênicos que visam consolidar
e justificar suas ações bélicas.
Enquanto a produção cinematográfica, o trabalho selecionará algumas películas
da coleção digital Spanish-American War in Motion Pictures, que se encontra no acervo
American Memory, digitalizado e disponibilizado à livre acesso pela Biblioteca do
Congresso dos Estados Unidos. Nela podemos encontrar um extenso conteúdo de
películas, artigos, documentos e ensaios baseados na descoberta de registros fílmicos em
rolos de papeis (paper print) que tinham como utilidade a proteção autoral dos filmes
devido a carência de leis de patentes para as películas em nitrato. A chamada paper print
collection foi encontrada em 1940 armazenada em um cofre lacrado na Biblioteca do
Congresso, nele foram encontrados cerca de cinco mil rolos de papeis que as companhias
cinematográficas utilizaram para registrar as copyrights dos fotogramas individuais de
seus filmes durante os anos de 1894 até 1912, procurando com esta estratégia um amparo
legal para suas criações e evitando a pirataria. Diante destes rolos de papeis encontrou-se
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uma coleção de filmes sobre a Guerra Hispano-Americana, que nos fornece sessenta e
oito motion pictures2 produzidos pela Edison Manufacturing Company e pela American
Mutoscope & Biograph Company durante os anos de 1898 a 1901. As películas
apresentam encenações, recriações históricas, registros de personagens importantes
durante o conflito, cenas de navios e batalhões, comemorações em marchas militares e
uma exaltação de figuras heroicas que se destacaram durante o conflito. Estas produções
evidenciam e reproduziam alguns preceitos encontrados nas narrativas nacionalista dos
materiais impressos de Loius Darlrymple.
O paralelo entre as produções do cartunista em periódicos, onde encontramos a
presença de um forte estimulo visual causado pelas transformações dos meios de
comunicações modernas, com a produção dos filmes encontrados na Biblioteca do
Congresso, podemos analisar os eventos ocorridos e compreender a necessidade do visual
como nova forma de desenvolver relações políticas estimulando o nacionalismo e
inclinando a opinião pública sob o olhar cinematográfico. A linguagem fílmica pode ter
encontrado sua gênese propagandística no primeiro conflito bélico filmado onde através
da imagem em movimento o estático publicado em periódicos e jornais ganha o ritmo da
cidade, do bonde, do trem e do telégrafo, adaptando-se desta forma a comunicação ao
centro do período moderno e ao seu movimento.
Modernidade
O período referente a modernidade pode ser pensado a partir de Nicolau Sevcenko
através do conceito revolução técnico-científico (SEVCENKO, 2001: 15), representando
mudanças tecnológicas que ultrapassaram os limites do ambiente urbano penetrando nas
percepções dos indivíduos que se viam imersos ao novo ritmo das fábricas, dos novos
meios de transporte e comunicação em massa. A revolução técnico-científica apresenta
em sua estrutura; industrialização acelerada, urbanização massificada, crescimento
populacional até então não conhecido e a vasta difusão de tecnologias nos meios de
transporte e de comunicação. A explosão da cultura de consumo de massa emerge neste
meio urbano que vive uma nova era do consumo e de propaganda.
2Motion Pictures é o termo utilizado para as películas relacionadas ao início do cinema, sua tradução nos traz “imagens em movimento”.
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Outro acréscimo importante ao debate acerca da modernidade se faz a partir da ideia
em nível histórico que reflete os produtos e as causas das mudanças da sociedade para os
meios de comunicação pública. Analisando os movimentos artísticos que se auto
intitulavam de moderno (futurismo, por exemplo) sob a ótica da comunicação em larga
escala, a modernidade se direciona como um investimento em novas expressões que
surgiam nas novas cidades metropolitanas, centros também de um novo imperialismo
(ALBERA: 2012, p 12). As mudanças nessas comunicações se explicam nas
consequências ideológicas e tecnológicas que no final do século XIX proporcionaram
mudanças radicais nas produções culturais: a fotografia, o cinema o rádio, a televisão; a
produção e a gravação são marcos de avanços em sequência decisivos durante o período
modernista (WILLIAMS: 2011), neste seguimento teórico, o autor britânico Raymond
Willians trabalha a importância do cinema como revolução tecnológica para as
transformações no âmbito das comunicações em massa. Outra inserção do cinema ao
mundo moderno nos traz o paradigma das invenções cinematográficas como um novo
advento que redefine o conjunto de práticas sociais ligadas a era moderna, voltadas a
indústria e a tecnologia. O autor François Albera, em seu livro Modernidade e Vanguarda
do Cinema (ALBERA, 2012), congrega o sentido de moderno a malha e a sincronia do
século XIX, onde a velocidade, a ubiquidade e a massificação generalizada são presentes
no cotidiano da nova vida moderna, colocando o cinema como veículo central criado a
partir desde núcleo.
Vanessa R. Schwartz e Leo Charney, em O cinema e a invenção da vida moderna
(CHARNEY, SCHWARTZ, 2004) coletaram artigos que trabalham na contextualização
de uma modernidade visualmente revolucionaria e sensorialmente transtornadora.
Utilizado como centralidade nos debates propostos pelo livro, o cinema é pensado através
de seu nascimento ao traçar-se um paralelo à sociedade de finais do século XIX. A
participação da linguagem visual em propagandas que poluem os principais centro
urbanos dos Estados Unidos, além do sensacionalismo presente nas pictografias
publicadas em periódicos de maior circulação, como por exemplo o New York Journal
ou o The Standard que utilizavam-se de representações visuais para abordar os fatos mais
comentados na política ou até no cotidiano da cidade, sempre com um extremo
sensacionalismo ou figuras estereotipadas.
O moderno é capaz de mesclar as sensações proporcionadas através de um
hiperestímulo (SINGER, 2004: 95.) presente no cotidiano das cidades superpopulosas
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que experimentavam choques físicos e perceptivos na sociedade do movimento. Quebras
sensoriais nas percepções de tempo e espaço perante as inovações tecnológicas
impunham uma revolução neurológica no que conhecemos como modernidade. Podemos
pensar também na divisão moderna em aspectos socioculturais, voltados a circulação e
ao desejo do consumidor que em uma nova era de compras se relaciona diretamente com
ao olhar através de formas propagandistas invasivas à percepção visual do indivíduo.
Narrativas nacionalistas
Aproximando-se da guerra Hispano-Americana através das tendências modernas
entendemos a importância do período para a compreensão do aparato fílmico como viés
de análise do conflito. Também utilizamos as formas ideológicas reproduzidas nos meios
de comunicação impresso para traçar o paralelo entre a narrativa fílmica e a litografia
impressa de Darlrymple presente na década de 1890, ocasião fundamental para os meios
de comunicação sensacionalistas nos Estados Unidos. A chamada imprensa marrom:
Veio ganhar sua reputação de exagero e sensacionalismo através de
reportagens sobre a cruel opressão espanhola sobre os cubanos amantes da
liberdade. Levou apenas uns poucos meses para Pulitzer, Hearst e um monte
de concorrentes converterem a rebelião cubana numa moderna peça de
moralidade, com relatos detalhados de batalhas encarniçadas, fictícias e
reais, frequentemente suplementadas por narrativas em primeira pessoa de
autenticidade questionável, com o foco sempre sobre os atos particularmente
pusilânimes dos espanhóis. Todos os artigos traziam um apelo implícito ou
explícito aos funcionários em Washington para protegerem a honra da nação
diante das indignidades espanholas. (SCHOUTZ, 2010: 156)
O grupo midiático que ajudou a criar esse estado de espirito no público para uma
postura nacionalista perante a postura externa dos Estados Unidos era composto de
editores e diretores de jornais e revistas da nação. Nomes como Willian Hearst e Joseph
Pulitzer aderiram estratégias sensacionalistas para difundir informações duvidosas:
No final da década de 1890, Hearst estava apenas começando a desenvolver
seu talento para transitar dentro e fora da área cinzenta entre verdade e
fantasia, apenas começando a demonstrar que não havia baixeza jornalística
diante da qual ele recuaria; para proteger seu mercado, Pulitzer também
tornou-se ágil em transitar e não recuar. Procurando material para excitar
seus leitores, repórteres de ambos os diários logo fixaram seus olhares na
guerra de independência de Cuba. Desde o início eles foram ajudados em
grande escala pela junta em Nova York. (SCHOUTZ, 2010: 156)
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Esta atividade afetou a opinião pública, podemos notar este fato ao compararmos
os dados que mostram os índices de leitores quando iniciaram as publicações sobre as
atrocidades espanholas em Cuba. Segundo Lars Schoutz, Hearst vendia de forma
acelerada e crescente seus jornais em Nova York, a circulação do Journal subiu de 30.000
em 1895 para 400.000 em 1897, depois do naufrágio do encouraçado norte-americano
Maine no porto de havana, considerado o estopim da guerra, o periódico dedicava uma
média de 8 páginas por semana à tragédia, tornando-se o primeiro a vender um milhão de
cópias em um só dia. (SCHOUTZ, 2000: 148) A ideia de uma política dominante nas
notícias percorre a história dos Estados Unidos, onde um determinado assunto estratégico
dominava as páginas principais dos jornais. A consolidação desta prática acontece durante
a década de 1890 onde a atividade sensacionalista foi constante na esfera política norte-
americana. O domínio imperialista por territórios externos estava em ascensão nos
Estados Unidos, o que levou a um aumento subsequente do narcisismo nacional e também
da arrogância presente nos jornais que retratavam suas atitudes em relação aos domínios
desejados sob a forma de caricaturas políticas. Os desenhos publicados representavam os
líderes políticos ou personagens de assuntos estrangeiros específicos pintados em um
sentido mais literal e muitas vezes jocoso, sendo em sua grande maioria propagandas que
promoviam o nacionalismo e o patriotismo. Esses desenhos fizeram um excelente
trabalho para representar a natureza pomposa do governo dos Estados Unidos e trabalhar
sua supremacia racial no formato visual.
As imagens publicadas por Loius Darlrymple representam todo este contexto
visual que promovia um nacionalismo e uma aceitação das posturas imperialistas norte-
americanas. Podemos encontrar em sua pictografia intitulada “fora da frigideira”
publicado no dia primeiro de maio de 1898 pela revista Puck Magazine, um exemplo de
como a tensão entre a Espanha e os Estados Unidos cresciam sobre a posse de Cuba, tornando
esta imagem um grande exemplo de propaganda pró guerra. O desenho mostra Cuba
como uma mulher vulnerável à procura de ajuda, enquanto ela é mantida em uma
frigideira onde encontramos a seguinte frase talhada; “desgoverno espanhol”. Abaixo
dela estão as chamas da anarquia, ameaçando a soberania de Cuba, que sob a
representação feminina parece muito frágil e desamparada envolta da bandeira cubana e
ao que indica sua falta de orientação e assistência. A frigideira, por outro lado, está sendo
segurada por uma mão branca, indicando que a intervenção americana é uma
necessidade. Há uma citação na parte inferior da litografia, que diz: "O dever da hora de
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salvá-la não só da Espanha, mas de um destino pior". Ao acrescentar essa citação ao
desenho animado, Dalrymple insinuou que esse aparente “Desgoverno Espanhol” não era
apenas anarquia em que se referiam ao processo de independência cubana, mas algo que
exigia a intervenção americana. Este cartum definitivamente inspirou muitos americanos
à postura pró guerra que levou a intervenção norte-americana à guerra trazendo como
consequência a uma queda do estado espanhol e o pagamento generoso aos EUA por sua
ajuda, eles receberam novos territórios como Filipinas, Guam e Porto Rico.
Imagem 1 – Fora da Frigideira
A produção de imagens nacionalistas durante este período é extensa e a partir
destas produções visuais que se desenvolveram durante a modernidade podemos
encontrar nas produções fílmicas disponíveis na Biblioteca do Congresso elementos
nacionalistas que muitas vezes reproduziam as principais manchetes, os principais fatos
descritos nos periódicos e muitas vezes irrigados com uma caracterização estereotipada
do exército norte-americano aos moldes do que podemos encontrar nas publicações
visuais da época. No ano de 1898, a partir do início da guerra, o cinema ganha
propriedade de uma espécie de cine jornal, se tornando um dos maiores responsáveis por
levar as informações para o público estadunidense. O cinema terá a função de projetar
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imagens em movimento que representam uma ascensão imperialista impulsionada pela
guerra e com conteúdo irrigado das propagandas visuais já disponíveis pelos periódicos.
A película “Correspondentes de guerra” gravada pelo operador de câmera
Willian Paley em 21 de abril de 1898, nos traz um relatório completo da forte presença
do corpo jornalístico presente em Key West, Florida, mostrando uma profunda euforia
em um grupo de correspondentes de guerra dos diferentes jornais de Nova York que se
encontram subindo a rua para chegar ao escritório de cabo para obter sua cópia dos
cabogramas para serem transmitidos para os diferentes jornais. Na películas os
correspondentes correm diretamente para a câmera, viram uma esquina no primeiro plano
e desaparecem em uma rua lateral. Uma disputa ocorre para ver quem fará a curva
primeiro para obter as notícias inéditas da guerra, cidadãos curiosos assistem a cena
incomum e podemos notar em um cavalo e sua carruagem que aparecem em segundo
plano seu ritmo aparentemente lento, mostrando comparativamente que uma rápida
corrida a pé foi presenciada pelo espectador.
Imagem 2 – Correspondentes de guerra
O cinema traz consigo a capacidade de despertar sentimentos no espectador
através da impressão de realidade (MACHADO, 1997: 13), nesse sentido a cobertura da
guerra Hispano-Americana traz consigo uma junção entre as propagandas nacionalistas
visuais da década de 1890 e a participação propagandística a favor da guerra nos jornais,
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criando uma realidade visual capaz de comover a população e a conduzir sua opinião
enaltecendo figuras nacionalistas durante as primeiras vitórias contra a Espanha.
A película “Burial of the "Maine" victims”, gravada em 27 de março de 1898 pela
Edison Company, apresenta uma reconstrução visual do enterro das vítimas do
encouraçado Maine. Nela os registros da Biblioteca do Congresso indicam que tenham
sido uma reprodução fidedigna do fato original que por algum motivo não conseguiu ser
capturado, a data da filmagem realmente indica uma reconstrução do fato, pois ocorreu
cerca de um mês após o naufrágio. Tomada em Key West, Florida, a película se inicia
com um destacamento de marinheiros em primeiro plano, ao fundo encontramos alguns
meninos provavelmente acompanhando a gravação, dando um ar muito fidedigno as
posições militares públicas. Após este destacamento iniciam-se no plano algumas
carroças ornamentadas carregando os supostos caixões das vítimas do Maine, cobertos
provavelmente pela bandeira norte-americana, ao lado dos caixões encontram-se
marinheiros cabisbaixos indicando seu sofrimento pela perda de seus compatriotas no
naufrágio.
Ao recriar o acontecimento, a película não deixa de transparecer a tristeza dos
soldados que naufragaram na polêmica explosão do navio, além de demonstrar a
dedicação e o comprometimento do estado americano com os marinheiros que padeceram
em uma suposta missão de apaziguamento.
Imagem 3 – Enterro das vítimas do Maine
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Flavia Cesarino Costa nos aponta que no caso das películas reconstruídas o “filme
trabalha com uma artificialidade, construindo desta forma um momento mais
emblemático do que propriamente narrativo, trazendo para o formato fílmico do primeiro
cinema uma característica propagandística onde:
“No contexto sócio-cultural do primeiro cinema, o termo atualidade designa
uma forma particular de realismo, eu não é nem exclusivamente ficcional, nem
exclusivamente documentária, nem exclusivamente cinematográfica. É uma
forma de representação que lida com um repertório de referências culturais
amplas – compartilhado por mídias como os jornais, as revistas ilustradas, os
folhetins, o teatro, o circo, o museu de cera, a feira e a própria fotografia -
dramatizando o real de maneira espetacular” (CESARINO, 2008: 203)
As informações cinematográficas apresentam desta forma uma adesão a outras
narrativas complexas que surgem em uma sociedade moderna em crescimento, nos
trazendo uma forma aos primeiros filmes capazes de apresentar uma postura ligada as
litografias impressas nos principais periódicos que correspondiam o conflito. Também
encontramos informações sensacionalistas dos jornais ligadas à um espectro nacionalista
e imperialista que dava início a era de dominação imperial e cultural norte-americana para
além de suas fronteiras já estabelecidas. A guerra Hispano-Americana apresenta-se como
o primeiro conflito filmado que se encontra em um período nacionalista que já
apresentava novas formas de linguagem visual presentes na década de 1890. A
compreensão de uma modernidade norte-americana juntamente a criação de uma nova
tecnologia capaz de reproduzir imagens em movimento altamente difundidas entre a
população estadunidense e a apresentação de uma linguagem burlesca e nacionalista nos
levam a propor que os elementos visuais iniciaram seus usos imperialistas a partir de uma
ótica modernista perante ao imagético, difundindo-se ao cinema e o descobrindo como
um meio altamente capaz de difundir preceitos políticos e ideológicos.
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em [https://www.loc.gov/item/2012647469/] Acesso em: [21/02/2018]