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A INTERDEPENDÊNCIA NAS RELAÇÕES SINTÁTICAS: A CORRELAÇÃO
NO CONTINUUM ENTRE A DEPENDÊNCIA E A INDEPENDÊNCIA1
José Marcos de FRANÇA (PROLING/UFPB/CAPES)
“Defender a classificação de
orações como correlatas implica
considerar a correlação um
procedimento sintático diferente, e
não simplesmente uma variante da
coordenação e da subordinação.”
(RODRIGUES, 2008, p. 231)
RESUMO: Neste artigo, temos por objetivo discutir e apresentar a correlação como um
processo sintático que deveria figurar junto à coordenação e à subordinação, dentro de um
continuum entre a independência e a dependência, que se caracteriza pela
interdependência e que a classificação das orações vão além daquela apresentada pelas
gramáticas normativas. Sob os aportes de estudos funcionalistas, mais precisamente a
partir do princípio da marcação (CUNHA; COSTA; CEZARIO, 2003), após defender a
correlação como um processo sintático independente, procuramos mostrar que as orações
correlativas se mostram mais marcadas no contexto semântico-pragmático que as
coordenadas e as subordinadas e essa marcação lhes confere um maior poder
argumentativo. Nosso trabalho se sustenta em Módolo (2009; 2005), Rodrigues (2008),
Castilho (2010) e outros.
Palavras-chave: Correlação; Interdependência; Princípio da marcação; Argumentação
1Artigo apresentado à disciplina Tópicos em Sintaxe, do Programa de Pós-Graduação em
Linguística, da Universidade Federal da Paraíba, ministrada pelo Prof. Dr. Camilo Rosa Silva, no período 2011.2, como pré-requisito parcial de avaliação. Doutorando em Linguística pela Universidade Federal da Paraíba com projeto de pesquisa voltado para a formação do professor de língua materna no curso Letras português da UFS. E-mail: [email protected].
Introdução
Neste artigo, discutiremos a legitimidade da correlação como um outro
processo sintático, com base em estudos de bases funcionalistas, que se encontra em um
continuum entre a coordenação e a subordinação. Esse tipo de oração, no entanto, não foi
agraciada pela NGB2 como um processo sintático pertinente aos períodos compostos. Em
geral, as gramáticas normativas, tradicionalmente, tratam apenas da coordenação e da
subordinação como os únicos processos sintáticos da língua ligados à oração. Contudo,
defenderemos aqui que a correlação figura como um processo sintático que se caracteriza
por ser interdependente, embora, quando mencionada, nas gramáticas, é em relação à
coordenação ou à subordinação, como um subtipo desses processos.
Na literatura linguística, o termo figura, inclusive, como verbete de
dicionários especializados de linguística, o que comprova a sua existência como um
termo linguístico, embora, ainda, ligado aos outros dois processos. Segundo Rodrigues
(2008) e Macambira (1999) esse reconhecimento da existência da correlação já estava
presente nas discussões de importantes gramáticos como José Oiticica e Rocha Lima, dois
dos grandes gramáticos da Língua Portuguesa e notórias autoridades do estudo da língua
portuguesa. Já Mattoso Camara Jr. apesar de reconhecer a existência das relações
correlativas não as aceita como um processo distinto da coordenação e da subordinação,
alegando não haver necessidade desta classificação já que elas apresentam características
de uma e de outra, assim elas seriam subtipos daquelas.
É justamente a partir desses autores que o tema é retomado pelos estudos da
sintaxe pelo viés da Linguística. Castilho (2010) traz a correlação, assim como Rodrigues
(2008) e Módolo (2005, 2009), como um processo que se distingue da coordenação e da
subordinação. A coordenação se caracteriza por ser independente; a subordinação, por ser
dependente; e a correlação, por ser interdependente.
Nesse passo, também defenderemos que as orações correlativas, em
comparação com as orações coordenadas e as subordinadas correspondentes, são
marcadas naquilo que o princípio da marcação aponta como características próprias de
2 Assim como as correlativas, alguns autores apontam que as justapostas também ficaram de
fora. Ambas foram incorporadas às coordenadas e às subordinadas.
uma estrutura marcada. Além disso, o fato de serem marcadas, faz com que elas sejam
usadas em contextos bem marcados de uso formal implicando um maior poder de
argumentação que as suas correspondentes, ou seja, os aspectos argumentativos e
semântico-pragmáticos aí implicados vão além de uma equivalência sintática e semântica
como pregam as gramáticas normativas.
Em nossa discussão, num primeiro momento, apresentamos os termos
correlação e correlativo como verbetes de dicionário. Em seguida, discutiremos o
fenômeno da correlação como um processo sintático intermediário entre a coordenação e
a subordinação dentro de um continuum. Por fim, discutiremos a correlação à luz do
princípio da marcação, procurando mostrar que as orações correlativas são marcadas e
argumentativamente mais fortes que as suas correlatas coordenadas e subordinadas.
Os Verbetes Correlação/Correlativo
Comecemos este tópico com a seguinte afirmação de Rosário (2012, p. 2)
É marcante, em nossos compêndios, a polêmica quanto à
existência e à caracterização da correlação, entendida como
processo sintático distinto da coordenação e da
subordinação. A maioria dos gramáticos tradicionais, por
influência da Nomenclatura Gramatical Brasileira, não incluiu
em suas obras a correlação, apesar de esta apresentar
especificidades bem particulares em relação aos processos mais
canônicos de estruturação sintática.
Neste tópico, apresentamos os termos correlação/correlativo como verbetes
de dois dicionários especializados e os seus sentidos em um dicionário comum. Com isso
queremos mostrar que tais termos tem entrada nos dicionários especializados de
linguística, portanto, são termos que adquirem certa autonomia na terminologia da ciência
da linguagem.
Nesse sentido, veremos como no Dicionário de Lingüística e Gramática, de
Mattoso Camara Jr., o verbete correlação é definido como:
Construção sintática de duas partes relacionadas entre si, de tal
sorte que a enunciação de uma, dita prótase, prepara a
enunciação de outra, dita apódose. A correlação se estabelece –
a) por coordenação, ou b) por subordinação, conforme o
conectivo utilizado e a noção de seqüência ou de sintagma,
respectivamente, que daí decorre; a construção condicional, em
português, é uma correlação de subordinação; da mesma sorte o
é a comparação e o símile.
Na estruturação das formas lingüísticas, dentro da língua
(paradigma), considera-se como correlação a associação das
formas por semelhança ao lado da oposição por seus contrastes.
(CAMARA JR., 1988, p. 87)
Na definição de Mattoso Camara há uma relação com a coordenação e a
subordinação, o que nos diz que o autor não reconhece a correlação como um processo ao
lado dos outros dois, mas sim como uma construção que se dá ou pode ocorrer em ambos
os processos, em casos específicos, como os mencionados. Diferentemente de Mattoso
Camara, vimos a correlação como um processo que se situa num continuum entre a
coordenação e a subordinação, em vista disso, defendemos que ela apresenta
características de ambas, mas não se confundem com elas.
Contudo, é pertinente observar que o autor recorre a aspectos semântico-
pragmáticos e morfossintáticos para definir a correlação. Ao definir prótase e apódose
entra no campo semântico-discursivo desses termos. Ao dizer que “a enunciação de uma,
dita prótase, prepara a enunciação de outra, dita apódose” ele remete ao sentido e à
relação estabelecida entre as duas orações, que não é nem de dependência nem de
independência e sim de interdependência. Isso a caracterizaria como um processo que
apresenta características de ambas, mas não se confundiria com elas.
Já no dicionário de Jean Dubois, o verbete correlativo é assim definido: “1.
Diz-se que dois termos são correlativos quando indicam uma relação de dependência
entre a oração principal (ou matriz) e a oração subordinada” (DUBOIS, 2006, p. 160).
Vemos em Dubois uma certa divergência com relação ao definido por Mattoso Camara.
Aqui não encontramos uma referência à relação de interdependência, mas sim de
dependência, o que remete à subordinação e nenhuma ligação com a coordenação. Por
inferência, podemos afirmar que para Dubois não há relação de correlação no processo
sintático da coordenação nem tampouco reconhece como um processo sintático, seja em
um continuum seja à parte dos dois outros processos.
Em um dicionário comum, ou seja, não especializado, de sinônimos, como o
Novo Dicionário da Língua Portuguesa, o verbete correlação apresenta os seguintes
significados: “1. Relação mútua entre dois termos. 2. Qualidade de correlativo. 3.
Correspondência” (FERREIRA, 1986, p. 483). Aqui o sentido de correlação na entrada 1
fala em relação entre dois termos de forma mútua, esse sentido é o que temos de mais
próximo com o sentido apresentado por Mattoso Camara, pois a relação de mutualidade
implica uma relação de “correspondência”, como está na entrada 3.
Macambira (1999) ressalta para as conjunções subordinativas consecutivas e
comparativas como sendo as únicas que resistem à inversão, pois, diz o autor, que a
possibilidade de inversão na ordem das orações é uma característica que marca e
diferencia a oração coordenada, que não admite tal inversão, da subordinada. Sendo
assim, o autor expõe alguns pontos de vista sobre a questão em tela e apresenta em
seguida a sua posição assumida:
Por esta e outras causas, escreve Carreter (19) que às vezes as
consecutivas e as comparativas são incluídas entre as
coordenativas (1962, 92). José Oiticica (64) e Rocha Lima (50)
vão mais avante, e criam, a par das coordenativas e das
subordinativas, a categoria das conjunções correlativas.
“Introduzem uma frase em que se exprime um pensamento preso,
não à ação principal com que apenas se coordena, mas a um
termo intensivo, claro ou oculto. São: que e às vezes como:
a) Subi tanto, que perdi o fôlego;
b) Esforçou-se de maneira tal, que adoeceu.” (OITICICA, 64, p.
66)
“Não há interdependência das orações componentes, como na
coordenação, nem subdependência como na subordinação. Existe,
a rigor, paradependência.” (ROCHA LIMA, 50, p. 69)
Não negamos a natureza um tanto híbrida que ressumbra [se
revela, deixa transparecer] das consecutivas e comparativas,
mormente [principalmente, sobretudo] como; parece-nos
entretanto mais simples incluí-las entre as subordinativas, do que
abrir a subclasse das correlativas, categoria mista – nem
coordenativa, nem subordinativa. (MACAMBIRA, 1999, p. 71)
Sobre a posição assumida por Oiticica, Rosário (2012, p. 5) faz a seguinte
ponderação:
O estudo do autor, contido na célebre Teoria da
Correlação (1952), advoga a existência da correlação como um
mecanismo de estruturação sintática ou procedimento sintático
em que uma sentença estabelece uma relação de interdependência
com a outra no nível estrutural. Assim, a distinção entre a
correlação e os outros processos de estruturação poderia ser
atestada por meio do critério da dependência sintática.
Rosário cita ainda o posicionamento de Gladstone Chaves de Melo que é em
favor de uma classificação que inclua a correlação como um terceiro processo sintático.
Segundo Rosário, Melo (1978) “também considera a correlação como um terceiro
processo de estruturação sintática, distinto da subordinação e da coordenação” (2012, 6).
Citando Melo, afirma o referido autor:
(A correlação) é um processo sintático irredutível a qualquer dos
outros dois (subordinação ou coordenação), um processo mais
complexo, em que há, de certo modo, interdependência. Nele, dá-
se a intensificação de um dos membros da frase, ou de toda a frase,
intensificação que pede um termo. (MELO, 1978, p. 152 apud
ROSÁRIO, 2012, p. 6)
O termo aparece nas gramáticas normativas sempre associado ou à
coordenação ou à subordinação. Mesmo em autor de assumida postura linguística como
Azeredo (2000), fala-se apenas em coordenação correlativa. Diz o autor que ela
Realiza-se por meio dos pares ‘ou…ou’, ‘ora…ora’,
‘quer…quer’, ‘não…nem’ – exprimem disjunção – ‘não só…mas
também’, ‘não só…senão também’, ‘não apenas…mas ainda’,
‘tanto…como’ – que exprimem união – ‘senão…ao menos’,
‘não…mas’, ‘mas…não’, – que exprimem
preferência/compensação. (AZEREDO, 2000, p. 118)
Em Kury (2006) aparece o termo “correlatas” quando o autor aborda as
orações subordinadas consecutivas em que ele classifica-as como “orações consecutivas
correlatas” da seguinte forma: “mais comuns são as orações consecutivas encabeçadas
pela conjunção que em correlação com um termo intensivo (tão, tanto, cada, tamanho,
etc.) da oração principal” (KURY, 2006, p. 98); e quando se refere às proporcionais, em
que as correlatas figuram como um tipo dessas, assim exposto: “correlatas, em que o
termo intensivo que introduz a oração subordinada (quanto mais, quanto menos, quanto
melhor, quanto pior) se acha em correlação com outro que introduz a chamada oração
principal (mais, menos, tanto mais, tanto menos, etc.)” (KURY, 2006, p. 104).
Vimos até aqui que os autores preferem colocar a correlação como um
subtipo das orações coordenadas e das subordinadas, quando isso acontece, pois a maioria
dos gramáticos desconsidera ou simplesmente ignoram-na como um processo sintático
independente.
A Correlação como Processo Sintático numa Proposta Funcionalista: entremeio
Em Rodrigues (2008) encontra-se a seguinte explanação: “a correlação é o
mecanismo sintático diferente da coordenação e da subordinação, embora normalmente
seja considerada ora um subtipo da subordinação, ora um outro procedimento sintático,
ou sequer seja mencionado” (p. 225) para em seguida dar a definição: “entende-se por
correlação o mecanismo de estruturação sintática ou o procedimento sintático em que
uma sentença estabelece uma relação de interdependência com a outra no nível
estrutural” (idem). Diz ainda a autora que “na correlação, nenhuma das orações subsiste
sem a outra, porque, na verdade, elas são interdependentes” (idem).
O que caracteriza a correlação principalmente é o fato de que ela “tem sua
conexão estabelecida por elementos formais, expressões que compõem um par
correlativo, estando cada um de seus componentes em orações diferentes”
(RODRIGUES, 2008, p. 225). A partir desse estabelecimento marcado pela característica
estrutural, é que se pode falar das possibilidades de correlação dentre a classificação
tradicional das orações coordenadas e subordinadas: correlação aditiva, correlação
alternativa, correlação comparativa, correlação proporcional e correlação consecutiva.
Saliente-se que aqui não se fala em oração principal ou coordenada sindética, mas,
apenas, em orações correlativas.
A autora traz a lume a discussão sobre parataxe e hipotaxe, em que a
primeira inclui todos os tipos de justaposição e a segunda, todos os tipos de dependência,
e a subordinação. Diante disso, Rodrigues (2008, p. 227) faz a seguinte consideração
distintiva:
Parataxe implicaria independência relativa, ou seja, o vínculo entre orações
depende apenas do sentido e da relevância da relação entre elas.
Hipotaxe implicaria dependência entre um núcleo e margens, mas não
encaixamento da margem em um constituinte do núcleo.
Subordinação implicaria dependência completa entre núcleo e margem(ns) e,
portanto, encaixamento de toda a margem em um constituinte do núcleo.
Para esta última, diz a autora que ela se divide em três tipos:
1. aquelas que funcionam como sintagmas nominais – completivas;
2. aquelas que funcionam como modificadores de nomes – adjetivas;
3. aquelas que funcionam como modificadores de sintagmas verbais ou de orações
inteiras – adverbiais.
A autora apresenta as seguintes características das orações correlatas, no
sentido de deixar claro o porquê da distinção entre aquelas e as coordenadas e
subordinadas: a) a correlação apresenta conjunções que vêm aos pares, cada elemento do
par em uma oração; b) no período composto por correlação, as orações não podem ter sua
ordem invertida, isto é, não apresentam a mobilidade posicional típica das subordinadas
adverbiais; c) as correlatas não podem ser consideradas parte constituinte de outra, como
ocorre com as substantivas, as adverbiais e as adjetivas.
Citando Oiticica, Rodrigues (2008, p. 231) diz que ele “[…] propõe uma
tipologia para as orações, em que distingue quatro processos sintáticos: coordenação,
subordinação, correlação e justaposição.” Rodrigues acrescenta ainda que para o referido
gramático “[…] nem todas as orações subordinadas adverbiais funcionam como adjuntos;
para ele, consecutivas e comparativas são correlatas” (idem). Vemos que Oiticica propõe
uma classificação que coloca a correlação e a justaposição como processos sintáticos
distintos da coordenação e da subordinação, no entanto, como sabemos, a NGB não
considerou a correlação como um dos processos sintáticos e a justaposição foi incluída na
coordenação como orações coordenadas assindéticas (aquelas que vêm sem a presença
de conjunção, justapostas por meio de sinal de pontuação).
Em Castilho (2010) encontramos a seguinte afirmação:
A criação das conjunções correlatas é, portanto, mais uma
consequência do processo de redobramento.
O arranjo sintático que daí resultou recebeu o nome de
correlação, que significa “relacionamento simultâneo”.
Aparentemente, Oiticica (1952: 22-40) foi o primeiro a destacar
que as relações de coordenação e de subordinação não captam
todas as possibilidades de relacionamento intra ou intersentencial.
Castilho nos coloca, fazendo referência também a Oiticica, que os processos
sintáticos da coordenação e da subordinação não são suficientes para explicar todos os
casos de relações sintáticas que impliquem duas orações. A correlação viria preencher o
vazio deixado pela insuficiência das outras duas relações, posto que não haveria,
necessariamente, uma relação de coordenação ou de subordinação em toda e qualquer
situação.
É pertinente para esta discussão o que observa Módolo:
Uma proposta mais coerente é substituir a dicotomia
coordenação e subordinação por um continuum, assim como já
o propuseram Susumu Kuno (1973) e Talmy Givón (1990),
entre outros. Nesse sentido, a correlação é entendida como uma
etapa intermediária recortando esse continuum e dividindo
propriedades ora com as coordenadas, ora com as subordinadas.
(MÓDOLO, 2005, p. 171)
É seguindo nessa esteira, junto com Módolo, que defendemos a
correlação como um processo intermediário, de entremeio num continuum entre a
coordenação e a subordinação. Módolo (2009) apresenta pelo menos oito tipos de
correlação: aditiva, alternativa, comparativa, consecutiva, proporcional (já citadas pelas
gramáticas), equiparativa, hipotética e diferençativa (estas últimas são novidades, até
então).
Em seguida o autor aponta que há duas formas de se construir, numa
perspectiva funcionalista, os pares correlativos:
Correlatas espelhadas: correlação formada pela repetição do mesmo elemento
conjuntivo.
Correlatas não-espelhadas: correlação formada pela repetição de elementos
conjuntivos distintos.
O autor diz que as correlativas estão em uma posição intermediária entre
coordenação e subordinação, seguindo um continuum, pois “a correlação é entendida
como uma etapa intermediária recortando esse continuum e dividindo propriedades ora
com as coordenadas, ora com as subordinadas” (MÓDOLO, 2009, p. 3). A proposta de
um contínuo é fruto dos estudos funcionalistas que apontam para uma relação que não é
de independência ou de dependência, mas sim, de interdependência, ou seja, “a estrutura
das duas orações que se correlacionam está estreitamente vinculada por expressões
conectivas” (MÓDOLO, 2009, p. 6).
A Correlação e o Princípio da Marcação: Implicações Semântico-Pragmáticas
Neste tópico discutiremos a correlação a partir do princípio da marcação,
em relação à coordenação e à subordinação, defendendo que aquela se mostra mais
marcada que estas. Aqui seguiremos o que nos diz Cunha, Costa e Cezario (2003, p. 34):
O princípio de marcação, herdado da lingüística estrutural
desenvolvida pela Escola de Praga, estabelece três critérios
principais para a distinção entre categorias marcadas e
categorias não-marcadas, em um contraste gramatical binário:
a) complexidade estrutural: a estrutura marcada tende a ser
mais complexa (ou maior) que a estrutura não-marcada
correspondente;
b) distribuição de freqüência: a estrutura marcada tende a ser
menos freqüente do que a estrutura não-marcada
correspondente;
c) complexidade cognitiva: a estrutura marcada tende a ser
cognitivamente mais complexa do que a estrutura não-
marcada correspondente. Incluem-se, aqui, fatores como
esforço mental, demanda de atenção e tempo de
processamento.
É a partir dessas características que colocamos em confronto as seguintes
estruturas:
a) O bom aluno estuda e cumpre o que é necessário.
b) O bom aluno não só estuda mas também cumpre o que é necessário.
De acordo com a gramática normativa, essas duas sentenças são sintática e
semanticamente equivalentes. Confrontando as duas estruturas, verificamos, no entanto,
que a sentença b apresenta uma estrutura mais complexa, maior que a sentença a; que é
menos frequente na fala/uso dos falantes do que a sentença a; que é mais complexa
cognitivamente, pois requer um esforço mental, atenção e tempo maiores para o
processamento, ou seja, o processo da compreensão é mais complexo.
No entanto, como observa Givón (apud CUNHA; COSTA; CEZARIO,
2003), é preciso admitir que a marcação é dependente do contexto, por isso, uma estrutura
marcada em um contexto pode não ser em outro, portanto, deve “[…] ser explicada com
base em fatores comunicativos, socioculturais, cognitivos ou biológicos” (p. 34). Isso
implica dizer, necessariamente, no caso das orações correlatas, que se deve levar em
conta o contexto em que foram empregadas porque isso implica a relação de sentido
estabelecida, ou seja, o aspecto semântico-pragmático é fundamental no estabelecimento
de um sentido. Nos exemplos acima, não é possível afirmar que ambas as sentenças
dizem a mesma coisa, têm o mesmo sentido. A estrutura marcada, a nosso ver, apresenta-
se com um poder argumentativo bem mais forte que a estrutura não marcada. O falante
que usa a estrutura b, quer dizer, transmitir bem mais que uma simples enumeração de
atos atribuídos ao bom aluno.
Esses mesmos aspectos podem ser observados em relação às sentenças a
seguir:
c) Esta menina é bonita como a mãe.
d) Esta menina é tão bonita quanto a mãe.
e) Esta menina é mais bonita (do) que a mãe.
Essas sentenças não apresentam do ponto de vista semântico-argumentativo
a mesma implicação de sentido. A sentença d é mais enfática que a sentença c, embora
ambas apresentem uma relação semântica de comparação, mas a presença do elemento
intensificador do par “tão…quanto” faz com que a ênfase a essa beleza seja dada com
maior intensidade, como a dizer que não se trata de uma simples beleza e que a beleza da
menina em nada fica devendo a da mãe. E na sentença e o par “mais…(do)que” do ponto
de vista argumentativo e da marcação se mostra mais forte enfaticamente que a relação
estabelecida pelo o como.
Neste ponto, cabe o que nos diz Módolo sobre a relação de correlação
conjuncional e o seu emprego quando se quer estabelecer ‘uma coesão forte’ em textos
enfáticos:
Assim, a correlação conjuncional pode ser caracterizada como
um tipo de conexão sintática de uso relativamente freqüente,
particularmente útil para emprestar vigor a um raciocínio,
estabelecendo uma coesão forte entre sentenças ou sintagmas, e
aparecendo principalmente nos textos apologéticos e enfáticos. A
correlação exerce aí um papel importante, pois concorre para que
se destaquem as opiniões expressas, a defesa de posições, a busca
de apoio, mais do que apenas informar com objetividade os
acontecimentos. (MÓDOLO, 2005, p. 174)
A pertinência dessa colocação está no fato de o autor apontar a relevância da
correlação conjuncional em contextos/textos semântico-pragmaticamente marcados pelos
gêneros discursivos argumentativos.
Considerações Finais
Diante do que expomos acima, é necessário uma revisão na NGB que inclua
a correlação como um processo que não se confunde com a coordenação ou a
subordinação. Não concordamos com os argumentos apresentados pelos autores que
defendem a atual classificação ou que colocam a correlação como um subtipo das
coordenadas e das subordinadas, pois, defendemos, assim, como Rodrigues e Módolo,
que elas apresentam características que, apesar de ora se aproximarem de uma e de outra,
não se confundem com elas, assim, preferimos colocar as orações correlatas num
continuum entre as orações coordenadas e as orações subordinadas. Ou seja, a relação de
interdependência é o que marca as orações correlatas.
Além disso, elas são marcadas em relação às suas equivalentes coordenadas e
subordinadas. Isto é, são mais complexas sintática e cognitivamente e de menos
frequência, porém, do ponto de vista semântico-pragmático e argumentativo são mais
fortes e enfáticas, dependendo do contexto em que foram empregadas.
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