Domício Proença Filho
Doutor em Letras e livre-docente em Literatura Brasileira
pela Universidade Federal de Santa Catarina
Professor titular e emérito da Universidade Federal fluminense
A linguagem literária
Edição revista e atualizada
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© Domício Proença FilhoDiretor editorial Fernando Paixão Editor Carlos S. Mendes Rosa Editor assistente Frank de Oliveira Preparador de texto Eliel Silveira Cunha Coordenadora de revisão Ivany Picasso Batista Revisão Lumi Casa de Edição Estagiário Roberto Moregola
ARTE
Editora Cintia Maria da SilvaCapa e projeto gráfico Homem de Mello & Tróia DesignEditoração eletrônica Studio 3
EDIÇÃO ANTERIOR
Diretores Benjamin Abdala Júnior e Samira Youssef Campedelli Preparador de texto Pedro Cunha Júnior Coordenador de arte Antônio do Amaral Rocha
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.
P9531.8ª.ed.Proença Filho, Domício, 1936-
A linguagem literária / Domício Proença Filho. — 8.ed. — São Paulo : Ática, 2007. 95p. — (Princípios; 49)
Inclui bibliografia comentada ISBN 978-85-08-10943-2
1. Análise do discurso literário. I. Título. II. Série.07-0594.
CDD 401.41CDU 81'42
ISBN 978 85 08 10943-2 (aluno) ISBN 978 85 08 10944-9 (professor)
20078ª edição1ª impressãoImpressão e acabamento: Yangraf Gáfica e Editora Ltda.Todos os direitos reservados pela Editora Ática, 2007Av. Otaviano Alves de Lima, 4400 — São Paulo, SP — CEP 02909-900Tel..:(11)3990-2100-Fax: (11)3990-1784Internet: www.atica.com.br - www.aticaeducacional.com.br
SumárioSumário
1. Introdução 5
Texto literário, texto não-literário 5
Literatura: conceitos 8
2. Literatura e linguagem 12
Mais um texto no percurso 12
Literatura e conhecimento 15
3. A linguagem 18
Conceitos 18
Sistema, comunicação e signo 20
Fatores do processo linguístico da comunicação e
funções da linguagem 21
Linguagem, língua e discurso 23
Discurso e estilo 25
Dimensões da linguagem 27
4. Arte literária, língua e cultura 30
Literatura, mímese e universalidade 30
Abertura e conotação 33
Cultura e arte literária 36
5. Características do discurso literário 40
Literatura e especificidade 40
Complexidade 41
Multissignificação 43
Predomínio da conotação 45
Liberdade na criação 46
Ênfase no significante 47
Variabilidade 49
Modos de realização 50
Manifestações em prosa 50
As visões da narrativa, 51; Os personagens, 55; A ação, 56; O
tratamento do tempo, 57; O ambiente, 58; O estilo, 59
Manifestações em verso 62
O metro, 63; A rima, 67; As formas fixas, 69
Verso, prosa, gêneros literários 69
Questões em aberto 74
A questão do referente 74
Intertextualidade 75
Fechamento 78
6. Vocabulário crítico 80
7. Bibliografia comentada 85
Pág. 05
1 1
IntroduçãoIntrodução
Texto literário, texto não-literárioTexto literário, texto não-literário
Imaginemos que, na comunicação cotidiana, alguém nos diga a seguinte
frase:
— Uma flor nasceu no chão da minha rua!
Conforme as circunstâncias em que é dita, isto é, de acordo com a
situação de fala, entendemos que se refere a algo que realmente ocorreu,
corresponde a um fato anterior ao seu enunciado e de fácil comprovação.
Mesmo diante de sua transcrição escrita, o que nela se comunica basicamente
permanece.
Num ou noutro caso, para veicular essa informação, o nosso interlocutor
selecionou uma série de palavras do idioma que nos é comum e, de acordo
com as regras que presidem o seu funcionamento e que todos conhecemos, as
dispôs numa sequência. A seleção feita e a sucessão estabelecida conferem à
frase uma significação que pode ser submetida à prova da verdade em relação
à realidade imediata. Como é fácil concluir, é isso que acontece ao nos
comunicarmos no dia-a-dia do nosso convívio social.
Retomemos a nossa frase inicial, agora ligeiramente modificada e
combinada com outros elementos:
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Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros,
É feia. Mas é realmente uma flor.
Percebemos, desde logo, que estamos diante de uma utilização especial
da língua que falamos. O ritmo que caracteriza o texto, a natureza do que se
comunica e, ao chegar até nós por escrito, a distribuição das palavras no
espaço do papel justificam essa conclusão. A nossa frase-exemplo depende
também, como ato linguístico que é, da gesticulação e da entoação que a
acompanharem ao ser enunciada; por força, entretanto, de sua situação nesse
conjunto e da associação com as demais afirmações que a ela se vinculam,
abre-se para um sentido múltiplo, ganha marcas de ambiguidade: no contexto
do fragmento transcrito e da totalidade do poema de que faz parte "A flor e a
náusea", de Carlos Drummond de Andrade1, podemos entender essa flor como
esperança de mudança, por exemplo. Mas esse sentido que o texto a ela
confere não reproduz nenhuma realidade imediata; nasce tão-somente do
próprio texto. A flor dessa rua deixa de ser um elemento vegetal para alçar-se à
condição de símbolo, ganha uma significação que vai além do real concreto e
que passa a existir em função do conjunto em que a palavra se
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encontra. É claro que os versos remetem a uma realidade dos homens e do
mundo, mas para além da realidade imediatamente perceptível e traduzida no
discurso comum das pessoas, li o que acontece com essa modalidade de
linguagem, a linguagem da literatura, tanto na prosa como nas manifestações
em verso.
Na prosa, por exemplo, podemos encontrar a palavra flor em outro
contexto linguístico e com outro sentido, que lhe c conferido exatamente por
essa nova circunstância: trata-se do romance Memórias póstumas de Brás
Cubas, em que o termo aparece numa afirmação vinculada a um famoso
personagem criado pelo escritor: "Uma flor, o Quincas Borba"2.
1 ANDRADE, Carlos Drummond de. A rosa do povo. In:______. Nova reunião: 19 livros de poesia. Rio de Janeiro/Brasília: J. Olympio/INL, 1983. v. 1, p. 112-3.2 MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. Memórias póstumas de Brás Cubas. In: ______. Obra completa. Rio de Janeiro: J. Aguilar, 1959. v. 1, p. 433.
Aí está um conteúdo inteiramente distinto do que se configura no poema
drummondiano e que só pode ser percebido de maneira plena quando a frase é
considerada na totalidade do romance em que se insere. É possível perceber a
estreita relação entre a dimensão linguística e a dimensão literária que envolve
a significação das palavras quando estas integram o sistema semiótico que é o
texto literário.
Os três exemplos que acabamos de examinar permitem algumas
conclusões.
A fala ou discurso é, no uso cotidiano, um instrumento da informação e da
ação. A significação das palavras, nesse caso, tem por base o jogo de relações
configuradoras do idioma que falamos. Vincula-se a uma verdade de
correspondência.
O mesmo não acontece com o discurso literário. Este se encontra a
serviço da criação artística. O texto da literatura é um objeto de linguagem ao
qual se associa uma representação de realidades físicas, sociais e emocionais
mediatizadas pelas palavras da língua na configuração de um objeto estético.
O texto repercute em nós na medida em que revele marcas profundas de
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psiquismo, coincidentes com as que em nós se abriguem como seres sociais.
O artista da palavra, co-partícipe da nossa humanidade, incorpora elementos
dessa dimensão que nos são culturalmente comuns. Nosso entendimento do
que nele se comunica passa a ser proporcional ao nosso repertório cultural,
enquanto receptores e usuários de um saber comum.
O discurso literário traz, em certa medida, a marca da opacidade: abre-se
a um tipo específico de descodificação ligado à capacidade e ao universo
cultural do receptor.
Já se percebe o alto índice de multissignificação dessa modalidade de
linguagem que, de antemão, quando com ela travamos contato, sabemos ser
especial e distinta da modalidade própria do uso cotidiano. Quem se aproxima
do texto literário sabe a priori que está diante de manifestação da literatura.
Literatura: conceitosLiteratura: conceitos
A literatura é tradicionalmente entendida como uma arte verbal. A arte da
palavra, segundo Aristóteles. Mas isso diz pouco. Mesmo porque, durante
longo tempo, limitava-se às composições poéticas.
Considerado o termo, em sentido restrito, a partir de uma perspectiva
estética, isto é, como o equivalente à criação estética, o conceito de literatura,
como acontece com outros fatos culturais, não é matéria pacífica entre os
estudiosos que a ela se dedicam. Resiste ao rigor de uma conceituação. Assim
situado, tem vivido, ao longo da história, variações significativas. Foge ao
propósito deste volume rastrear tal percurso; indicam-se, entretanto, na
bibliografia do final do volume, algumas obras ampliadoras de esclarecimentos
nessa direção.
Tais circunstâncias não impedem, porém, que sejam deslocadas
concepções que a têm identificado, com maior relevo,
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no âmbito da cultura ocidental, em que pese a crise vivida, há algum tempo,
pela teoria da literatura.
Há os que entendem que a obra literária envolve uma representação e
uma visão do mundo, além de uma tomada de posição diante dele. Tal
posicionamento centraliza, assim, suas atenções no criador de literatura e na
imitação da natureza, compreendida como cópia ou reprodução. A linguagem é
vista como mero veículo de comunicação, e, como assinala Maurice-Jean
Lefebve, "a 'beleza' da obra resulta, então, de um lado, da originalidade da
visão, e, de outro, da adequação de sua linguagem às coisas expressas"3. E a
chamada concepção clássica da literatura.
No século XIX, os românticos acrescentam algo a esse conceito: à luz da
ideologia que os norteia, entendem que ao artista cabe a visão das coisas
como ainda não foram vistas e como são profunda e autenticamente em si
mesmas. Associa-se ao texto literário, desse modo, a valorização da
subjetividade. O que não impede que teorizadores como Mme. de Staël, no seu
3 LEFEBVE, Maurice-Jean. Structure du discours de la poésie et du récit. Montreux: Éditions de La Baconnière, 1971. p. 14.
De la Lit-térature considerée dans ses rapports avec les institutions sociales,
livro de 1800, ainda entendam que, em sentido amplo, como assinala Luiz
Costa Lima, a literatura englobe "todos os escritos filosóficos e as obras de
imaginação, 'tudo o que, enfim, concerne ao exercício do pensamento nos
escritos, com exceção das ciências físicas'"4.
A segunda metade da mesma centúria assiste a uma mudança
significativa: o núcleo da conceituação se desloca para o como a literatura se
realiza. Sua especificidade, segundo essa nova visão, nasce do uso da
linguagem que nela se configura.
Pág. 10
Em texto de 1972, Algirdas-Julien Greimas acentua a relatividade do
conceito, ao vincular a interpretação da "literariedade", ou seja, das
características que tornam "literário" um texto, "a uma conotação sociocultural e
sua consequente variação no tempo e no espaço humanos"5.
E, no ano seguinte, Michel Arrivé, reitera o posicionamento, ao afirmar
que "a literatura é o conjunto dos textos recebidos como literários numa
sincronia sociocultural dada"6.
Paralelamente, o caráter ficcional que, durante largo tempo, foi
considerado uma das características básicas do texto de literatura, entendida a
ficção como fingimento, resultante do ato de fingir, tem sido posto em questão.
Para alguns especialistas contemporâneos, o ficcional não se confunde com o
falso: nele se abriga alguma coisa captada da realidade.7
A conceituação da literatura, assim, permanece em aberto, na medida em
que acompanha o dinamismo da cultura em que se insere.
A questão fundamental, e que continua desafiando os especialistas, é a
4 Cf. LIMA, Luiz Costa. História. Ficção. Literatura. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 326-27. V. STAËL-HOLSTEIN, L. G. de Necker. De la littérature considerée dans ses rapports avec les institutions sociales. G. Gengembre e J. Goldxink (eds.). Paris: Flammarion, 1991.5 GREIMAS, Algirdas-Julien et al. Essais de sémiotique poétique. Paris: Larousse, 1972. p. 6.6 ARRIVÉ . Michel. La sémiotique littéraire. In. POTTIER, Bernard (Dir.). Le langage. (Les dictionnaires du savoir moderne). Paris: Bibliothèque du CEPL, 1973. p. 271.7 Cf. pro domo nostra, LIMA, Luiz Costa, op. cit., texto de Sérgio Alcides na orelha da 1ª capa e palavras do autor, na p. 21. Observe-se que o livro estabelece limites en-tre história, ficção e literatura, data de 2006 e foi escrito entre 2002 e 2005.
caracterização da natureza das propriedades estéticas do texto literário e quais
as ligações entre ambas.
Se é difícil, entretanto, conceituar ou definir, por meio de palavras, certas
realidades do mundo, isso não significa que deixem de existir os elementos que
as singularizem.
É consenso ainda, na atualidade, que os aspectos estéticos da obra
literária podem ser alcançados por meio do texto e que todos eles têm uma
base linguística (sintática, semântica ou estrutural).
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Acredito que, se não podemos, até o momento, caracterizar plenamente a
especificidade da literatura, temos possibilidade, graças ao desenvolvimento
dos estudos e das pesquisas na área, de indicar traços peculiares e
identificadores do discurso literário enquanto tal. Sem a menor pretensão ou a
veleidade de decifrar o mistério da esfinge.
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2 2
Literatura e linguagemLiteratura e linguagem
Mais um texto no percursoMais um texto no percurso
Vejamos agora um breve poema de Manuel Bandeira:
Irene no céu
Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor.
Imagino Irene entrando no Céu:
— Licença, meu branco! E São Pedro bonachão:
— Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.8
O texto centraliza-se na exaltação da humildade e da simplicidade, à luz
do cristianismo. Remete também a uma realidade social brasileira, não apenas
na vinculação a tal dimensão de religiosidade mas ainda a uma atitude
paternalista em relação
Pág. 13
ao negro, revelada na caracterização de Irene, no comportamento a ela
atribuído diante de São Pedro bonachão e na reação do santo porteiro do Céu
à sua atitude.
O poema mobiliza elementos de nossa emoção relacionados com a
formação cristã e com certos comportamentos sociais que, como brasileiros,
nos são peculiares.
8 LBERTINAGEM. In: ______. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1946. p. 125.
Observe-se que a humildade e a simplicidade depreendidas dos versos
não se configuram apenas na parte de sentido de cada palavra que
corresponde à representação do mundo, mas sobretudo na parcela de
significação que nelas corresponde à capacidade de manifestar estados de
alma e exercer uma atuação sobre o próximo. O sentido do texto emerge do
ambiente linguístico em que os termos se inserem. Estes, como ocorre com os
citados versos drummondianos, também não reenviam necessariamente a uma
realidade passível de ser comprovada de forma imediata. A "verdade" que
neles se consubstancia funda-se na coerência.
O poema, ainda que capte algo da realidade, é o que é porque foi feito
como foi feito. Irene, essa Irene, passa a "viver" a partir de sua presença nesse
texto, por força da linguagem de que este último se faz, onde alguns
procedimentos se destacam em relação ao uso da língua portuguesa. O autor
valeu-se de termos do falar cotidiano; reproduziu formas da fala coloquial
despreocupada: ao atribuir ao santo o emprego da forma entra, em lugar de
entre, exigida pelo tratamento você, afastou-se da norma culta da língua, em
nome do efeito expressivo. Por norma, nesse sentido, entenda-se, como
registra o Dicionário de filologia e gramática de Joaquim Mattoso Câmara Jr., "o
conjunto de hábitos linguísticos vigentes no lugar ou na classe social mais
prestigiosa do país". De forma mais ampla, a norma pode ser caracterizada, de
acordo com Eugenio Coseriu, como "um sistema de realizações obrigatórias
consagradas do ponto de vista social e culturalmente: não corresponde ao que
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se pode dizer, mas ao que já se disse e tradicionalmente se diz na comunidade
considerada".9
Em se tratando de Bandeira, o aparente "erro" ajuda a traduzir a
naturalidade e a afetividade que marcam as palavras de São Pedro. O adjetivo
"bonachão" e a simplicidade da expressão "— Licença, meu branco!" —
popular, típica, coloquial — como que autorizam a forma "entra". Por outro
lado, para dar maior autenticidade ao que revela, o poeta recorreu ao diálogo;
dividiu a composição em duas estrofes: a primeira centrada na caracterização
9 COSERIU, Eugênio. Sincronia, diacronia e história: o problema da mudança linguística. Tradução de Carlos Alberto da Fonseca e Mário Ferreira. Rio de Janeiro: Presença; São Paulo: Edusp, 1979. p. 50.
da figuração de Irene; a segunda, feita de elipses e entoação, vinculada à
caracterização de São Pedro e à ação de ambos, exigindo maior participação
do leitor para melhor captar o que no poema se comunica. Os versos se fazem
de emoção subjetiva, trazem elementos narrativos e até traços típicos da
linguagem dramática. Na sua feitura, nota-se, além disso, o aproveitamento do
falar simples da gente simples do Brasil, que ganha condição de linguagem
literária.
No texto de Bandeira, literário que é, inter-relacionam-se, interdependem-
se elementos fônicos, ópticos, sintáticos, morfológicos, semânticos, formando
um conjunto de relações internas, por meio das quais se revela uma realidade
que não preexiste ao poema, a não ser como potencialidade. Caracteriza-se
uma perspectiva existencial relacionada com o complexo cultural de que essa
manifestação literária é representativa, a partir das vivências de um escritor
brasileiro. Configura-se um posicionamento ideológico na visão de mundo do
autor.
Na abertura para a descodificação, essa matéria cultural, veiculada por
meio das palavras da língua aproveitadas no código literário, pode ser
apreendida pelo leitor ou ouvinte do poema,
Pág. 15
com maior ou menor grau de informação estética, na dependência, reitero, do
seu universo cultural.
No percurso dessa apreensão, situa-se a dimensão conotativa, chave da
plurissignificação do texto literário, como se explicitará adiante.
Literatura e conhecimentoLiteratura e conhecimento
Longe estamos de penetrar totalmente no mistério do processo criador da
poesia. As considerações feitas sobre o texto de Bandeira limitaram-se a
alguns aspectos da manifestação literária em verso. Elas permitem, entretanto,
algumas deduções e conclusões.
Para revelar o que se consubstancia no poema, o autor, como é óbvio, se
valeu da língua portuguesa do Brasil e, a partir dela, buscou caracterizar uma
realidade apoiada em vivências humanas. O que depreendemos de suas
palavras, porém, ultrapassa os limites da mera reprodução ou referência, para
nos atingir com um tipo de informação que não conseguimos mensurar ou
traduzir plenamente, vai além dos limites individuais do codificador e atinge
espaços totalizantes. A linguagem literária — concretização de uma arte, a
literatura — é marcada por uma organização peculiar.
A arte é um dos meios de que se vale o homem para conhecer a
realidade.
Esta última se efetiva na constante relação entre homem e mundo, vale
dizer, entre sujeito e objeto, como costumam lembrar os filósofos.
Nesse jogo dialético, o homem busca aceder à interioridade da sua
essência, para melhor saber de si e situar-se. E, no seu percurso existencial,
tem procurado conhecer a si mesmo, o mundo, a sua relação com os outros, a
sua relação com o mundo.
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Todo conhecimento se caracteriza como uma representação, como um
tornar de novo presente a realidade em que vivemos, para que dela tenhamos
uma visão mais clara e profunda, que escapa à nossa percepção imediata.
Toda representação, nesse sentido, configura uma interpretação. "O homem é
a presença de todas as determinações de uma interpretação. Rejeitá-las seria
negar a própria existência. Portanto, o homem é um arranjo existencial
definido, articulado, situado. É uma circunstância, dizia Ortega y Gasset", e
lembra Arcângelo Buzzi, na sua Introdução ao pensar.10
Esse interpretar se clarifica por meio de uma linguagem.
A linguagem converte-se, desse modo, como destaca Eduardo Portella,
na "fonte de toda e qualquer realidade; é precisamente a realidade mais livre, a
mais aberta".11 Claro está que a natureza do compromisso entre a literatura e a
cidadania reveste-se de traços ideológicos. Mas a reflexão que propicia abre-se
ao necessário questionamento. O oxigênio da arte é a liberdade. E isso vale
10 BUZZI, Arcângelo R. Introdução ao pensar. 3. ed. Petrópolis. Vozes. 1973. p. 51. 11 PORTELLA, Eduardo. Fundamento da investigação literana. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1981. p. 74.
tanto para o escritor como para o leitor.
O texto literário repercute em nós, na condição de leitores ou ouvintes, na
medida em que revele traços profundos do nosso psiquismo, coincidentes com
o que em nós se abrigue como seres sociais. O artista da palavra, co-partícipe
de nossa humanidade, incorpora elementos dessa dimensão que nos são
culturalmente comuns. Nosso entendimento do que no texto se comunica
passa a ser proporcional ao nosso repertório cultural.
O texto literário como tal pode ser lido, criticamente, no nível de superfície
ou de profundidade, considerada a polissemia que o caracteriza, com base em
três enfoques: em função de sua relação com aspectos existenciais,
destacados processos
Pág. 17
cognitivos e éticos, e motivações nele configurados; podemos centrar a leitura
nas dimensões sociais ou psicossociais que nele se fazem presentes,
privilegiadas a relação entre a literatura e o social, a literatura e a história, a
literatura e a cultura; podemos nuclearizá-la no diálogo intertextual, que
privilegia influências. Alfredo Bosi, em livro de 2006 em que trata das Memórias
póstumas de Brás Cubas, aponta tais linhas de abordagem e assinala que
destacam respectivamente aspectos expressivos, miméticos e construtivos.12
Uma leitura como a que o crítico propõe para a compreensão do olhar
machadiano resiste à limitação da perspectiva centrada num determinado perfil
do narrador, pautada numa autonomia compacta. Ela exige, como melhor
resposta, "uma combinação peculiar de vetores formais, existenciais e
miméticos, sem que uma instância monocausal tudo regule e
sobredetermine".13 O crítico defende, desse modo, uma visão múltipla e
integradora, que exige uma perspectiva hermenêutica, vale dizer, interpretativa,
perspectiva que tem se revelado das mais promissoras nos espaços da crítica
literária, o que não invalida outras focalizações, desde que assumidas como
setorizadas.
O texto de literatura pode ainda ser considerado como pretexto para a 12 Cf. Bosi, Alfredo. Brás Cubas em três versões: estudos machadianos. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.13 BOSI, Alfredo. Op. cit. p. 50-1.
compreensão da língua, seu ponto de partida, procedimento bastante comum
na realidade pedagógica brasileira. Costuma também ser associado ao estudo
de outras manifestações culturais.
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3 3
A linguagemA linguagem
ConceitosConceitos
Apesar do ceticismo com que alguns estudiosos encaram a
caracterização da linguagem, creio útil destacar, por pertinentes ao nosso
objeto de estudo, alguns conceitos com que se tem tentado configurá-la:
• A linguagem é uma das formas de apreensão do real. O ser humano
vive em permanente e complexa interação com a realidade e a apreende de
várias maneiras, por exemplo, através dos sentidos. Mas, como lembra o
linguista Iouri Lotman, as informações que o envolvem, os sinais que a vida lhe
envia exigem, para um melhor desempenho na luta pela sobrevivência, que ele
os decifre e os transforme em signos capazes de permitir-lhe comunicar-se.14
Vale dizer, ele precisa transformar essas informações e esses sinais em
elementos de uma linguagem para assegurar-lhes a perfeita compreensão de
que decorre o pleno aproveitamento de importantes oportunidades no seu
percurso de vida.
Para certos teóricos, acrescento, a linguagem, ao converter a realidade
em signos, ultrapassa as limitações da apreensão
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sensorial para permitir um desvelamento (um "retirar de véus") do real em
relação ao sujeito. É, por outro lado, uma forma de organizar o mundo que nos
cerca.
• A linguagem é a faculdade que o homem tem de expressar seus estados
mentais através de um conjunto de sons vocais chamado língua, que é ao
mesmo tempo representativo do mundo interior e do mundo exterior, propõe a
clássica lição de Ernst Cassirer que pode ser lida nas páginas 91 e 92 da sua
14 Cf. LOTMAN, Iouri. La structure du texte artistique. Paris: Gallimard, 1973. p. 29.
obra lançada na tradução espanhola com o título Psicologia del lenguaje, pela
Paidós, em Buenos Aires.
Sob essa visão, centrada de maneira óbvia no sujeito, a linguagem é
entendida como uma atividade que apresenta um aspecto psíquico (linguagem
virtual) e um aspecto propriamente linguístico (linguagem realizada) que
compreende, por sua vez, o ato linguístico (realidade imediata) e o repertório
dos atos linguísticos (material linguístico). No âmbito desse posicionamento, a
língua é uma abstração, um conjunto organizado de aspectos comuns aos atos
linguísticos, vale dizer, em termos técnicos, um sistema de isoglossas.15
Cabe esclarecer que a linguística tem como objeto o estudo da linguagem
falada e articulada, ou seja, aquela que se concretiza nas línguas naturais. Os
demais sistemas são objeto de interesse da semiótica ou semiologia, entre eles
o sistema de comunicação usado pelos animais (zoossemiótica), as
comunicações táteis, os sinais olfativos, os códigos do gosto, os códigos
musicais, o sonho, a pintura, a literatura e outros.
• A linguagem, como acentua Tatiana Slama-Casacu, na página 20 de
seu Langage et contexte (Haia, 1961), é um conjunto complexo de processos
— resultado de uma certa atividade psíquica profundamente determinada pela
vida social — que
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torna possível a aquisição e o emprego concreto de uma língua qualquer. Eis-
nos de novo ante um conceito restrito. Essa dimensão se amplia, ainda na
palavra de Lotman, quando afirma que "por linguagem entendemos todo
sistema de comunicação que utiliza signos organizados de modo particular".16
Sistema, comunicação e signoSistema, comunicação e signo
Esse último conceito de linguagem nos conduz didaticamente à
explicitação de sistema, comunicação e signo.
Sistema é um conjunto organizado. Dizer "organizado" pressupõe
15 Cf. COSERIU, E. Teoía del lenguaje y linguística general. 2. ed. Madri: Gredos, 1969. p. 91-2.16 LOTMAN, Iouri. Op. cit. Paris: Gallimard, 1973. p. 34-5.
princípios organizatórios que conferem singularidade ao conjunto. Diante das
múltiplas modalidades de linguagem, cumpre, pois, conhecer esses princípios,
se desejarmos dela nos assenhorear e assegurar a eficácia da comunicação
que por seu intermédio se processa.
Por comunicação compreende-se, ainda em sentido restrito, a troca de
mensagens ou informações entre seres humanos. Se se pensa na etimologia
da palavra, pode ser entendida como a faculdade que o homem tem de tornar
comum a outrem seus pensamentos, sentimentos e desejos e as coisas do
mundo que o cercam. Em sentido amplo, envolve também a realidade técnica
da relação entre o homem e as máquinas (por exemplo, os computadores) e
das máquinas entre si, além de estender-se ao mundo animal e aos sistemas
próprios do interior do indivíduo, como, por exemplo, os sinais transmitidos
pelos feixes de nervos do organismo.
Claro está que, quando alguém "fala consigo mesmo", está representando
simultaneamente dois falantes.
Signo é outro termo de conceituação ampla e complexa, mas, de maneira
geral, e em sentido lato, pode ser entendido, se-
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gundo Charles Sanders Peirce, como qualquer elemento que, sob certos
aspectos e em certa medida, representa outro.
À luz das posições do mesmo estudioso, podemos identificar três
modalidades de signo, em relação àquilo que designam: o signo índice ou
índex, que mantém relação direta com o que representa (é o caso de uma
impressão digital, por exemplo); o signo ícone, que tem analogia ou
semelhança com o que representa (uma fotografia, uma estátua, um esquema);
o signo símbolo, que se baseia numa convenção (as palavras de uma língua,
as bandeirolas usadas na comunicação marinheira, os sinais de trânsito etc).
Essas modalidades admitem superposições: a cruz, por exemplo, enquanto
instrumento de flagelação, é um ícone; enquanto representação do
cristianismo, é um símbolo; a impressão digital pode envolver dimensões de
ícone e de índice, e ganha caráter simbólico quando, por exemplo, passa a
representar uma entidade ou uma empresa; as palavras onomatopaicas são
símbolos-ícones: farfalhar (de sedas), cacarejar (de galinhas) etc.17
Fatores do processo linguístico da comunicação e funções da linguagemFatores do processo linguístico da comunicação e funções da linguagem
O processo da comunicação implica fatores e funções que têm sido objeto
de preocupação de vários estudiosos, entre eles Roman Jakobson, para
ficarmos apenas numa perspectiva linguística. Para esse especialista, cada ato
de comunicação verbal envolve, na linguagem comum, um remetente que
envia uma mensagem por meio de um código a um destinatário, estabelecido
entre os interlocutores um contato que envolve um canal físico e a necessária
conexão psicológica. A mensagem enviada é compreendida por-
Pág. 22
que se refere a um contexto extra verbal e a uma situação efetivamente
existente anteriores e exteriores ao ato da fala.
Remetente ou emissor, mensagem, código, destinatário ou receptor,
contato e contexto são, portanto, os seis fatores do processo linguístico da
comunicação.
A partir deles, o citado linguista aponta as conhecidas seis funções da
linguagem:
a) função referencial ou denotativa — pela linguagem nós nos referimos
às coisas do mundo que nos cerca e às do nosso mundo interior; a linguagem
denota, representa o mundo;
b) função expressiva ou emotiva — a linguagem é um meio de
exteriorização psíquica; as interjeições são um exemplo marcante dessa
função;
c) função conativa (de conação, que significa tendência consciente para
atuar) ou apelativa — quando falamos ou escrevemos, exercemos maior ou
menor influência sobre o nosso interlocutor. A linguagem funciona como
atuação social ou como apelo. Os verbos no imperativo acentuam bem a
presença dessa função, e, sob esse aspecto, é significativa a sua utilização tão
17 Cf. PIGNATARI, Décio. Informação. Linguagem. Comunicação. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 1970. p. 28-9.
frequente nas mensagens da propaganda e da publicidade;
d) função fática — caracteriza-se quando a mensagem busca estabelecer
ou interromper o que se está comunicando. São exemplos frases como "Alô!",
"Estão me entendendo?", "Certo?", "Está tudo claro?";
e) função metalinguística — ocorre quando o emissor e o destinatário
verificam se estão usando o mesmo código, quando explicitamos termos da
própria linguagem usada: Literatura é a arte da palavra;
f) função poética ou fantástica — evidencia-se quando, através dos
signos, se "cria" intencionalmente uma realidade, configurada sobretudo numa
obra de arte literária.18
Pág. 23
As três primeiras funções apontadas por Jakobson — a representativa, a
emotiva e a conativa — foram anteriormente caracterizadas por Karl Buhler, à
luz da psicologia. Para esse estudioso alemão, a linguagem é um meio
precípuo de exteriorização de estados de alma (manifestação psíquica), exerce
uma atuação sobre o próximo na vida comum (atuação social ou apelo) e
estrutura a nossa experiência mentada (função representativa).
Nos atos de linguagem, várias dessas funções se apresentam
concomitantemente e estabelece-se entre elas uma certa hierarquia.
Linguagem, língua e discursoLinguagem, língua e discurso
Linguagem nos faz voltar ao conceito de língua, tal a relação que as
vincula.
A língua é um sistema de signos, ou seja, é um conjunto organizado de
elementos representativos. Como tal, é regida por princípios organizatórios
específicos e marcados por alto índice de complexidade: envolve dimensões
fônicas, morfológicas, sintáticas e semânticas que, além das relações
intrínsecas peculiares a cada uma, são também caracterizadas por um
significativo inter-relacionamento. A rigor, mais do que um sistema, a língua é
um conjunto de subsistemas que se integram.
18 Cf. JAKOBSON, Roman. Essais de linguistique générale. Paris: Minuit, 1966. V. também______. Linguística e comunicação. 2. ed. rev. São Paulo: Cultrix, 1979.
Tomemos, por exemplo, a palavra rua: o seu significado tem a ver com o
jogo de oposições que marca o sistema fônico da língua portuguesa, o que se
aclara quando a comparamos com termos como lua, nua ou sua e lembramos
que o fonema se caracteriza por marcar a distinção de significado entre as
palavras de uma língua. A forma nasceu, no jogo morfológico dos verbos,
termina por um fonema que nos indica pessoa, tempo, aspecto e modo da ação
nela expressa; é a terceira pessoa do singular do pretérito perfeito do
indicativo, diz a gramática: nasceu, por oposição a nasceram, nascemos,
nascem, nascesse, indicadores
Pág. 24
de outras pessoas, outros tempos, modos, aspectos, no sistema morfológico da
língua portuguesa; os aspectos sintáticos se fazem presentes na combinação
de umas palavras com as outras na frase de que fazem parte. A significação
global emerge, portanto, das relações fono-morfo-sintático-semânticas que
estão na base da organização desse complexo sistema.
Já que estamos tratando de significação, vale lembrar que, em termos de
palavra, esta resulta fundamentalmente, na sua condição de signo, da relação
entre o significante e o significado, dois aspectos que o identificam: o primeiro,
perceptível, audível; o segundo, produto dele, nele contido. E isso é ponto
pacífico, desde os estudos pioneiros de Ferdinand de Saussure.
Não nos esqueçamos também de que a língua, além de ser um conjunto
organizado de valores, é, simultaneamente, uma instituição social, é a
linguagem de urna sociedade. É constituída de elementos que têm um valor em
si e um valor em relação aos demais; o signo linguístico, como explicita Barthes
nos seus Elementos de semiologia, é como uma moeda: cada peça vale pelo
seu poder aquisitivo, mas vale também em relação às outras moedas de valor
maior ou menor.
A língua pode ser entendida ainda como a realização de uma linguagem,
um sistema de signos que permite configurar e traduzir a multiplicidade de
vivências caracterizadoras do ser de cada um no mundo.
Em sentido restrito, alguns linguistas a consideram um sistema de sons
vocais peculiares ao uso da linguagem pelo ser humano.
Outros, como Celso Cunha, por exemplo, em sua Gramática do português
contemporâneo, a definem como "um sistema gramatical pertencente a um
grupo de indivíduos" e, como expressão da consciência de uma coletividade,
como o meio pelo qual esta concebe o mundo que a cerca e age sobre ele.19
Pág. 25
Podemos, ainda mais, entender saussurianamente com o citado Barthes
que a língua (langue) é "a linguagem menos a fala (parole), é, ao mesmo
tempo, uma instituição social e um sistema de valores. Como instituição social,
ela não é absolutamente um ato; escapa a qualquer premeditação: é a parte
social da linguagem"20. Língua e fala, diz ainda o semiólogo francês, "retiram
sua definição do processo dialético que as une: não existe língua sem fala, não
há fala fora da língua".21
Criação social, a língua vive em permanente mutação, acompanha as
mudanças da sociedade que a elege como instrumento primeiro de
comunicação.
Nesse processo, o exercício da linguagem produz uma espécie de
depósito sedimentário que ganha valor de instituição e se impõe ao falar
individual por meio do dicionário e da gramática.
Discurso e estiloDiscurso e estilo
Se a língua envolve uma dimensão social e se caracteriza por ser
sistemática, a utilização individual que dela fazemos, ou seja, a fala ou
discurso, é um conglomerado de fatos assistemáticos e, em relação a ela, "um
ato individual de seleção e atualização", para ficarmos com as palavras do
mesmo Barthes. Em outra perspectiva, entende-se o discurso como um
enunciado ou um conjunto de enunciados ditos e escritos por alguém na
direção de um destinatário. Enunciado, segundo alguns linguistas, é, em
função da significação, a unidade elementar da comunicação verbal, uma
19 CUNHA, Celso. Gramática do português contemporâneo. Belo Horizonte: Bernardo Álvares, 1970. p. 15.20 BARTHES, Roland. Le degré zero de l'écriture suivi de éléments de sémiologie. Paris: Gonthier, 1964. p. 85-6.21 Id., ibid.
palavra ou sequência de palavras dotadas de sentido.22
Pág. 26
Cada pessoa tem o seu ideal linguístico. A língua coloca à disposição de
cada um, um múltiplo repertório de possibilidades. Ao assumir o discurso, o
indivíduo busca escolher os meios de expressão que melhor configurem suas
idéias, pensamentos e desejos. Essa escolha é que caracteriza o estilo.
Explicitando um pouco mais, podemos entender o estilo, em sua
dimensão individual, e a partir de conceito de Helmut Hatzfeld 23, como o
aspecto particular que caracteriza a utilização individual da língua e que se
revela no conjunto de traços situados na escolha do vocabulário, na ênfase nos
termos concretos ou abstratos, na preferência por formas verbais ou nominais,
na propensão para determinadas figuras de linguagem, tudo isso estreitamente
vinculado à organização do que se diz ou escreve e a um intento de
expressividade.
O estilo admite também uma dimensão coletiva, vinculada aos
denominados estilos de época, vale dizer, ainda adaptando definição do
mesmo Hatzfeld, à atitude de uma cultura que surge com tendências análogas
nas manifestações artísticas, na religião, na psicologia, na sociologia, nas
formas de polidez, nos costumes, vestuários, gestos etc.
No que diz respeito à literatura, essa modalidade só pode ser avaliada
"pelas contribuições dos estilos individuais, ambíguas em si mesmas,
constituindo uma constelação que aparece em diferentes obras e autores da
mesma era e parece informada pelos mesmos princípios perceptíveis nas artes
vizinhas".24 São esses traços que aproximam os textos examinados de Manuel
Bandeira e Carlos Drummond de Andrade e os situam
Pág. 27
22 Os conceitos de discurso e enunciado variam em função do enfoque.23 Apud COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: São José, 1966. p. 24.24 HATZFELD, Helmut. In: COUTINHO, Afrânio. Op. cit, p. 211. A dinâmica do processo cultural, a diluição das fronteiras da literatura, tem tornado complexa, ao longo do século XX e do atual, a configuração dos estilos epocais.
como representativos do Modernismo na literatura brasileira, o que não impede
que se diferenciem por força dos caracteres próprios do estilo individual de
cada um, entre outros aspectos. Vale ressaltar: ambos os textos se valem da
língua portuguesa do Brasil; a partir dela, criam-se realidades, num uso
especial da linguagem, a arte literária; ao fazê-lo, os autores evidenciam
atitudes individuais que singularizam os seus textos e, ao mesmo tempo,
apresentam traços comuns que os aproximam como representativos de um
determinado momento da cultura e da arte literária do Brasil.
Dimensões da linguagemDimensões da linguagem
O texto literário, como se percebe, envolve dimensões universais,
individuais, sociais e históricas, mas de forma peculiar. Já a propósito da
linguagem em si, cabe a significativa afirmação de Coseriu: "A linguagem é
uma atividade humana universal, que se realiza individualmente, mas sempre
segundo técnicas historicamente determinadas (línguas)".25
Exemplificando: se nos referimos à linguagem como uma atividade,
quando, por exemplo, se diz de uma criança que ela ainda não fala, ou seja,
não utiliza a linguagem como meio de comunicação, estamos no âmbito do
nível universal; se sabemos que alguém, ao falar, está usando o português, o
italiano, o espanhol, o inglês etc, referimo-nos ao nível histórico; se
conseguimos identificar quem fala, estamos no âmbito do nível individual.
Podemos também considerar a linguagem, em cada um desses níveis,
como atividade criadora (ou simplesmente atividade), como saber (ou fato de
técnica) ou como produto.
Pág. 28
Desses critérios, resulta a caracterização de nove seções na estrutura
geral da linguagem. Vejamo-las num quadro resumidor da lição de Coseriu:
25 Lições de linguística geral. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1980. p. 91.
Atividade Saber Produto
Universal A linguagem é "o falar (em geral) não determinado historicamente".
A linguagem é "o saber falar em geral".
A linguagem é "o 'falado', a totalidade do que se disse ou ainda do que se pode dizer, sempre que se considere coisa feita".
Individual A linguagem é o discurso, "o ato linguístico (ou a série de atos linguísticos conexos) de um determinado indivíduo numa dada situação".
A linguagem é "o saber relativo à elaboração dos 'discursos'".
A linguagem "é um texto (falado ou escrito)".
Histórico A linguagem "é a língua concreta, tal qual se manifesta no falar, como determinação histórica deste".
A linguagem é o saber "idiomático", "a língua enquanto saber tradicional de uma comunidade".
A linguagem "não se apresenta nunca de modo concreto, uma vez que tudo o que nesse nível se 'produz' (se cria) 'ou redunda numa expressão dita uma única vez' ou se adota e se fixa historicamente, passa a fazer parte do saber tradicional".
Níveis
Pontos de vista
Pág. 29
Aos três níveis citados correspondem três tipos de "conteúdo" linguístico
que se apresentam simultaneamente nos textos: a designação, o significado e
o sentido.
A designação é a referência à "realidade", isto é, a relação cada vez
determinada entre o signo e a "coisa" designada.
O significado, nosso velho conhecido, é, ainda na palavra do linguista, "o
conteúdo de um signo ou de uma expressão enquanto dado numa determinada
língua e exclusivamente por intermédio dessa mesma língua".
Por sentido, Coseriu entende "o conteúdo próprio de um texto, o que o
texto exprime além e através da designação e do significado". Um exemplo
clarificador: o sentido que, por força do ludismo, as palavras adquirem no texto
de uma anedota.
O plano de sentido e o plano do significado diferem, mas tanto o
significado pode coincidir com a designação como o sentido pode coincidir com
o significado; esta última coincidência se dá na linguagem comum informativa,
o que não acontece com o sentido no texto literário.
Pág. 30
4 4
Arte literária, língua e culturaArte literária, língua e cultura
Literatura, mímese e universalidadeLiteratura, mímese e universalidade
Toda criação artística exige um suporte material. Como, entre outros, a
tinta e a tela, na pintura; o mármore, a pedra, a madeira, o metal, na escultura.
Trata-se, no caso, de produtos naturais. A literatura tem como suporte uma
língua, um produto cultural.
A realidade imediata não se diz em plenitude.
A língua, na sua condição de concretização da linguagem da comunidade,
restringe-se à simples representação de fatos ou situações particulares,
observados ou inventados. A literatura se configura, tradicionalmente, quando,
ao tratar desses fatos ou situações, dimensiona-lhes elementos universais.
Se a linguagem verbal caracteriza uma "desrealização" da realidade ao
transformá-la em signos-símbolos, a mímese poética leva ainda mais longe
esse desrealizar-se, quando, a partir do fingimento do particular, atinge
espaços da universalidade.
O texto literário veicula uma forma específica de comunicação que
evidencia um uso especial do discurso, colocado a serviço da criação artística
reveladora.
Por revelação compreenda-se a configuração mimética do real. Tal
afirmação leva a um dos mais importantes conceitos ligados à arte literária:
mímese.
Pág. 31
O conceito, importante para a compreensão do fato literário, também não
é pacífico, e tem sido objeto da preocupação e do questionamento de inúmeros
estudiosos, desde a sua caracterização pelos gregos. Notadamente por Platão
e Aristóteles. Entendido como "imitação", levou, nesse sentido, a várias
interpretações. Para os pitagóricos, por exemplo, correspondia à expressão ou
representação de estados de alma, e o produto dela resultante teria função
terapêutica, pois possibilitaria ao artista ou ao consumidor a liberação de suas
próprias emoções. Para Platão, a arte envolveria a representação do mundo
das aparências e das opiniões; a mímese, na concepção platônica,
corresponde à imitação da aparência da realidade. Para ele, a realidade é
"imagem" ("fantasma") de idéias eternas; a obra de arte seria "imagem de
imagem", simulacro da realidade, e não caracterizaria conhecimento do real. Já
para Aristóteles, a mímese corresponde à imitação das "essências"; imitar não
é duplicar o referente; implica conhecimento da natureza profunda do ser
humano e do mundo. O produto artístico que se concretiza a partir dela conduz
ao efeito de "purgação" liberadora (catarse).
Inicialmente mal descodificado com o sentido de "fotografia" ou "espelho"
da realidade, o conceito atravessa os séculos e, com essa acepção, domina,
não sem alguma controvérsia, a literatura clássica ocidental. A verdadeira
natureza da teoria aristotélica sobre a arte em geral e a literatura em particular
só começa a ser compreendida depois de Kant, de Hegel e de Croce, nos fins
do século XIX, e, sobretudo, após os estudos de Hölderlin e a tradução e
interpretação que da Arte poética de Aristóteles fez o escritor britânico S. H.
Butcher. A partir de então, a mímese passou a ser entendida como revelação
da plenitude do real.
Se a linguagem verbal caracteriza uma "desrealização" da realidade ao
transformá-la em símbolos que a essencializam, a arte literária amplia
radicalmente essa "desrealização". A mímese poética, acentua Merquior,
atinge, por meio da representação
Pág. 32
de particulares, os espaços do universal.26 Como lembra Eduardo Portella,
"devemos ao poeta Hölderlin a moderna revitalização do conceito de mímesis.
Ele faz ver que imitar não é copiar; é descer ao plano de articulação das
possibilidades subjacentes na coisa. A arte supre a natureza e, desse modo, se
26 Cf. MERQUIOR, J. Guilherme. A astúcia da mímese. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1972. p. 8.
relacionam sem se confundirem".27 Em síntese, mímese implica imitação da
natureza (physis para os gregos), no que esta tem de capacidade criadora.
Ao conceito de mímese vincula-se imediatamente a noção de catarse.
Aristóteles não deixou muito claro o sentido do termo. Como esclarece a
"Introdução" da Arte poética na edição de que me valho, emprega-o "na Política
(1341, livro VIII, cap. VII, 4) anteriormente à composição da Arte poética" e o
entende como "purificação", "purgação"; "uma expulsão provocada de um
humor incômodo por sua superabundância. Do mesmo modo que a música
apaixonada, a tragédia bem concebida deve determinar no auditório, que se
deixou empolgar pelas paixões expressas, um gozo que, no final do
espetáculo, dá impressão de libertação e de calma, de apaziguamento, como
se a obra tivesse dado ocasião para o escoamento do excesso de emoções".28
Ao lado da tradição como imitação das essências, a mímese envolve
ainda, na estética do Ocidente, conforme assinala Stefan Morawski, uma
tradição platônica (imitação das aparências) e uma tradição democrítica
(imitação das ações da natureza).29
Pág. 33
Como quer que seja, é consenso, entretanto, que, no texto literário, se
configura uma situação que passa a "existir" a partir dele como tal e que
caracteriza uma apreensão profunda do ser humano e do mundo, a partir de
tensões de caráter individual, como ocorre, por exemplo, em A paixão segundo
G. H., romance de Clarice Lispector, ou coletivo, como em O cortiço, de Aluísio
Azevedo, e que podem ainda configurar-se juntamente num mesmo texto, com
prevalência de uma ou de outra, ou de equilíbrio entre ambas.
Isso se dá num processo de constante diferenciamento, que permite
perceber dimensões de visões de mundo e a presença de ideologias. O
fenômeno literário se efetiva na inter-relação autor/texto/leitor. Já se percebe
por que a obra literária sempre admite diferentes interpretações. A linguagem
27 PORTELLA, Eduardo. Teoria da comunicação literária. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1973. p. 34.28 ARISTÓTELES. Arte retórica e arte poética [Art rhétorique et art poétique]. São Paulo: Difel, 1964. p. 258-59. Cf., para o conceito de mímese, PROENÇA FILHO, DOmício. Estilos de época na literatura. 15. ed. 5ª reimpressão. São Paulo: Ática, 2002, p. 23-4.29 Cf. Mimesis. Semiótica, Ncuchâtel, 2(1); 36, 1970.
que a caracteriza é necessariamente ambígua e em permanente atualização e
abertura, vinculadas estreitamente ao caráter conotativo que a singulariza.
Abertura e conotaçãoAbertura e conotação
A conotação, à luz do processo linguístico da comunicação e das funções
da linguagem, é, como registra Mattoso Câmara Jr., "a parte do sentido de uma
palavra que corresponde à sua capacidade de funcionar para uma
manifestação psíquica ou um apelo".30 Em outros termos, a conotação se
centraliza na parte do sentido das palavras ligadas às funções emotiva e
conativa.
Assim entendida, ainda de acordo com o mesmo linguista, a conotação
depende de fatores vários:
a) de aspectos fônicos do vocábulo, que podem "impressionar pela
harmonia ou pela cacofonia";
Pág. 34
b) "da associação com outras palavras, num dado campo semântico ou
em frases usuais e frequentes";
c) da própria denotação, que evoca sensações agradáveis ou
desagradáveis;
d) "de pertencer a palavra a uma dada língua especial, como uma língua
profissional, a língua literária ou a gíria";
e) "de se situar entre os arcaísmos ou os regionalismos";
f) "de impressões emocionais coletivas ou mesmo individuais,
caracterizando o estilo individual, como as coletivas caracterizam o estilo
coletivo de uma dada época".31
Numa forma linguística, a conotação se distingue da denotação, com a
qual se combina para dar a significação integral da referida forma.
30 CÂMARA Jr., J. Mattoso. Dicionário de filologia e gramática referente à língua portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: J. Ozon, 1964. p. 88.31 Id., ibid
Por denotação compreende-se a parte da significação linguística ligada à
função representativa ou referencial da linguagem.
Esclarecedoras, a propósito, são as palavras de Georges Kassai:
Uma importante distinção do ponto de vista do sentido é a feita entre a função referencial e a função emocional dos signos. Ela está na base das pesquisas estilísticas recentes e se vincula à oposição denotação/conotação já empregada pela lógica escolástica, mas admitida desde algum tempo na terminologia da Linguística moderna. Designada como "valor suplementar", a conotação seria "a definição em compreensão" ou "definição intensiva", enquanto a denotação é uma definição em extensão.32
Se considerarmos, em termos de estrutura, que, em todo sistema de
significação, esta resulta da relação entre um plano de expressão e um plano
de conteúdo, teremos, nesse nível, a
Pág. 35
denotação. Já na conotação, o plano de expressão é constituído de um sistema
de significação já dado. Explicito melhor, à luz de Hjelmslev e Roland Barthes,
que, a partir dessa terminologia, ampliam as noções saussurianas de
significante e significado. Para tanto, volto ao nosso exemplo inicial: "Uma flor
nasceu no chão da minha rua". Observe-se, ainda uma vez, que o que se
informa nesse enunciado se centraliza basicamente no referente, numa
orientação para a representação mental ligada aos signos que o constituem, ou
seja, para a denotação. Não nos esqueçamos de que consideramos o exemplo
no espaço da comunicação cotidiana.
Se nessa mesma frase a palavra "flor" deixasse, por força da situação de
fala e do contexto verbal, de corresponder a um elemento vegetal, para indicar,
por exemplo, um estabelecimento de ensino, uma sede de sindicato, já algo se
acrescentaria à relação plano de expressão/plano de conteúdo. O novo sentido
da palavra flor corresponderia, então, à relação significação 1 (nascida da
relação plano de expressão/plano de conteúdo no discurso comum) / plano de
conteúdo (que já não conduz simplesmente à idéia de elemento vegetal). O
32 Le sens. In: MARTINET, André (Dir). La linguistique. Paris: Denoël, 1969. p. 342.
algo mais que se acrescentou ao signo situa-se, como já observamos, no
âmbito da conotação. No caso, esta se vincula à criação de uma metáfora, uma
figura de linguagem que, como tal, torna mais expressivo o uso da língua,
mesmo no discurso cotidiano. As figuras assim utilizadas se aproximam da
linguagem literária, mas, se não integram um texto literário, não ganham a
especificidade de representantes plenas desse tipo de linguagem que marca,
por exemplo, a frase quando no texto drummondiano ou no romance de
Machado de Assis.
A conotação implica um universo cultural. A propósito, José Guilherme
Merquior lembra que "Martinet considera conotativos os elementos do sentido
que não pertencem a toda a comunidade utilizadora de determinada língua", e
acrescenta:
Pág. 36
"a conotação das palavras, mais do que a sua denotação, varia entre os
grupos etariais, as classes sociais etc; ela é uma função das múltiplas
estratificações da comunidade linguística".33
Por via da conotação, pode-se, pois, partir do texto para o social, uma vez
que a literatura é, antes de tudo, um objeto de linguagem. E não nos
esqueçamos de que o texto literário envolve dimensões históricas e
ideológicas. E, portanto, sobretudo por força de sua dimensão conotativa que a
obra literária se abre às mais variadas interpretações.
Cultura e arte literáriaCultura e arte literária
A literatura é, pois, um sistema semântico em que se destaca a
conotação, e esta é estreitamente vinculada às diferenças sociais.
É preciso considerar ainda que só há literatura onde existe um povo e,
consequentemente, o desenvolvimento de uma cultura.
A matéria literária c cultural. O artista da palavra retira do mundo
33 Cf. MERQUIOR, J. Guilherme. Do signo ao sintoma. In:______. Formalismo e tradição moderna: o problema da arte na crise da cultura. Rio de Janeiro/São Paulo: Forense/Edusp, 1974. p. 129.
elementos que, convenientemente organizados, podem representar totalidades
e constituir uma afirmação cuja força e coesão não se encontram ao alcance
dos profanos. Em outros termos, de acordo com Edward T. Hall, uma das mais
relevantes funções do artista é ajudar o leigo a estruturar o seu universo
cultural.34
Cultura é outro vocábulo multissignificativo; envolve cerca de duzentos e
cinquenta conceitos ditados pelas diferentes posições dos estudiosos; destaco
três deles:
Pág. 37
Uma cultura constitui um corpo complexo de normas, símbolos, mitos e
imagens que penetram o indivíduo em sua intimidade, estruturam os instintos,
orientam as emoções.35
À luz do pensamento católico,
pela palavra "cultura" em sentido geral, indicam-se todas as coisas com as quais o homem aperfeiçoa e desenvolve as variadas qualidades da alma e do corpo; procura submeter a seu poder pelo conhecimento e pelo trabalho o próprio orbe terrestre; torna a vida social mais humana, tanto na família como na comunidade civil, pelo progresso dos costumes e das instituições; enfim, exprime, comunica e conserva, em suas obras, no decurso dos tempos, as grandes experiências espirituais e as aspirações, para que sirvam ao proveito de muitos e ainda de todo o gênero humano.36
Finalmente, à luz da antropologia, podemos também entender cultura
como
o conjunto e a integração dos modos de pensar, sentir e fazer adotados por uma comunidade, na busca de soluções para os problemas da vida humana associativa.
Cultura, como se depreende dessas acepções, implica sociedade.
Em função dessa circunstância, cabe considerar, em sentido restrito, a
34 Cf. HALL, Edward. La dimension cachée. Paris: Seuil, 1966. p. 105.35 MORIN, Edgar. Cultura de massa no século XX. o espírito do tempo. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Universitária, 1977. p. 15.36 A Igreja no mundo de hoje. In: Concilio Vaticano II. Gaudium et spes. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1966.
cultura "já feita", isto é, as maneiras de pensar, de sentir e de fazer que o
consenso comunitário referendou como
Pág. 38
tal e como representativas do modo de ser da comunidade; em sentido amplo e
aberto, há que se ter em conta a cultura que se está fazendo, a cada momento,
no cotidiano do homem, sobretudo na atualidade, quando o mundo se constitui
numa imensa aldeia global e os meios de comunicação de massa se
convertem em eficientíssimos agentes culturais.
A caracterização cultural, em termos sociais, admite ampliações e
setorizações que permitem tratar, entre outras, de cultura ocidental, cultura
européia, cultura grega, cultura romana, cultura brasileira etc.
Consequentemente, de literatura ocidental, literatura européia, literatura grega,
literatura romana, literatura brasileira etc.
Obviamente, como fato cultural que é, a literatura acompanha o
desenvolvimento da cultura de que é parte integrante.
Cada ser humano encontra, desde que nasce, um mundo de
conhecimentos que lhe vão sendo transmitidos pela sociedade, por sua vez
herdeira de conhecimentos anteriores e aberta e novas interpretações. "A vida
é um constante fluir. Ninguém se banha duas vezes nas mesmas águas do rio",
disse Heráclito, filósofo grego. Ao que podemos acrescentar: sai impregnado
das águas em que se vai molhando.
Tais conhecimentos veiculam-se por meio de linguagens, entre a língua
que falamos e que pode ser entendida como um conjunto organizado de
valores e que é, simultaneamente, uma instituição social e linguagem de uma
sociedade.
A literatura se vale da língua e revela dimensões culturais. Cultura, língua
e literatura estão, portanto, estreitamente vinculadas.
Reiterando noções e ampliando a explicitação: a linguagem literária é
eminentemente conotativa. A conotação se pluraliza em função do universo
cultural dos falantes; prende-se, portanto, às diferenças de camadas
socioculturais e ao processo de desenvolvimento da cultura. Fácil é concluir
que a literatura,
Pág. 39
apoiada num sistema de signos linguísticos que representam o mundo e
revelam dimensões profundas do ser humano, traduz o grau de cultura de uma
sociedade. E mais: por força de sua natureza criadora e fundadora, pode
configurar-se como espelho ou como denúncia, como conservadora ou como
transformadora.
Essas dimensões têm marcado a história da arte literária ocidental, em
que se desenvolvem movimentos ora assinalados por atitudes regressivas, ora
por procedimentos de vanguarda.
Sendo a obra de arte literária matéria ficcional, claro está que a realidade
nela revelada não se confunde com a realidade socialmente dada. A linguagem
literária, lembra Lefebvre, abre-se sobre o mundo e coloca diante dele "uma
questão que não é daquelas que podem ser respondidas pela ciência, pela
moral ou pela sociologia [...] Ela interroga o mundo sobre sua realidade e a
linguagem sobre sua obsessão de uma adequação perfeita ao ser do mundo.
Não é uma solução, uma fuga para fora da linguagem e do humano: ela
encarna uma nostalgia".37
37 LEFEBVE, Maurice-Jean. Structure du discours de la poésie et du récit. Neuchâtel: La Baconnière, 1971. p. 28-9.
Pág. 40
5 5
Características do discurso literárioCaracterísticas do discurso literário
Literatura e especificidadeLiteratura e especificidade
Se a literatura é uma arte, nessa condição ela é um meio de comunicação
de tipo especial e envolve uma linguagem também especial. Esta última, como
já foi visto, apóia-se numa língua e se configura em textos em que se
caracteriza uma determinada modalidade de discurso.
O código em que se pauta o discurso literário guarda íntima relação com
o código do discurso comum, mas apresenta, em relação a este, diferenças
singularizadoras.
Diante do mistério do fenômeno literário, o grande desafio dos estudiosos
e pesquisadores tem sido caracterizar plenamente essa especificidade.
Identificar, entretanto, certos traços peculiares do discurso literário tem
sido possível; o que ainda não se conseguiu definir, mesmo à luz desses
traços, é o índice da chamada literariedade, busca mobilizadora sobretudo da
crítica formalista e estruturalista.
Essas limitações não impedem que assinalemos uma série de caracteres
distintivos do discurso literário em relação ao discurso comum. Vamos a eles.
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ComplexidadeComplexidade
O discurso da literatura se caracteriza por sua complexidade. No discurso
não-literário, há um relacionamento imediato com o referente; caracteriza-se,
na maioria dos casos, a significação singular dos signos, como vimos na frase-
exemplo "Uma flor nasceu no chão da minha rua". Já o que depreendemos do
texto literário ultrapassa, como já foi assinalado, os limites da simples
reprodução. A natureza das informações que, por seu intermédio, são
transmitidas, vai além do nível meramente semântico para se converter em
algo tal que sua comunicação se torna impossível por meio das estruturas
elementares do discurso cotidiano.
No dispositivo verbal configurador da obra de arte literária, revelam-se
realidades que, mesmo vinculadas a elementos de natureza individual ou de
época, atingem espaços de universalidade.
O texto literário realmente significativo ultrapassa os limites do codificador
para nos atingir, por força ainda do mistério da criação em literatura, com
mensagens capazes de revelar muito da condição humana. Caracteriza um
mergulho na direção do ser individual, do ser social, do ser humano.
Dom Casmurro, para destacar um exemplo, romance de Machado de
Assis, é, sob tais aspectos, obra exemplar. Diante do que nela se revela e do
modo de realização que nela se configura, reveste-se de atualidade e abre-se,
na sua polissemia, a inúmeras e variadas leituras. Que nos permitem
depreender, entre outros, aspectos individuais metonimizados nos
personagens; multiplicidade de temas, como o ciúme; o adultério; a dúvida; o
ressentimento; a fratura do resgate; o fazer do romance; a dissimulação do
erotismo feminino; o desvendamento da prática jurídica; projeções do social,
também metonimizados no microcosmo familiar dos Santiago e dos Pádua;
visões de mundo; visões da vida no Rio de Janeiro do Segundo Reinado,
configurações da complexidade da vida humana.
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A condição de habitante de uma cidade apresenta-se exemplarmente nas
Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida, que nos
leva "ao tempo do rei", e o rei era Dom João VI. Pode ainda ser lida em Feliz
Ano Novo, livro de contos de Rubem Fonseca, feito de metonímias hiperreais
da violência urbana na Cidade Maravilhosa.
A cidadania associa-se à nacionalidade na síntese que é Macunaíma, de
Mário de Andrade, centrada nas aventuras e desventuras de um anti-herói feito
da fusão de características do brasileiro, seus defeitos, suas virtudes, suas
aspirações. Um texto-paródia da história do Brasil.
Dimensões psicológicas, geográficas, sociais, históricas, religiosas,
míticas, metafísicas integram-se na linguagem singularíssima do Grande
sertão: veredas.
Em certo sentido, a linguagem literária produz; a não-literária reproduz.
O fato literário caracteriza-se, entre inúmeras outras marcas, por uma
dupla dimensão articulada: a dimensão semiótica, ligada aos signos de que se
faz o texto, e a dimensão transfiguradora do real. Uma e outra, integradas,
estão, por seu turno, na base da dimensão estética que o caracteriza. O texto
literário é, ao mesmo tempo, um objeto linguístico e um objeto estético.
Nessa situação, configura-se um sistema de signos secundário em
relação à língua de que se vale, esta funcionando, no caso, como o sistema 1.
Entenda-se o adjetivo secundário vinculado sobretudo à natureza complexa
que está sendo assinalada e não somente ao fato de que o sistema 1 é uma
língua natural.
A obra de arte literária, valho-me ainda uma vez de Lefebve, é sempre "O
lugar e como a intersecção de dois movimentos de sentidos opostos que
envolvem, por um lado, um dobrar-se da literatura sobre si mesma num puro
objeto de linguagem e, por outro lado, um abrir-se "ao mundo interrogado na
sua realidade e na sua presença essencial [...] movimentos contraditórios
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e entretanto solidários, pólos ao mesmo tempo complementares e
antagonistas, criadores de um campo dinâmico que só ele permite
compreender os diversos aspectos do fenômeno literário"38.
MultissignificaçãoMultissignificação
Ao caracterizar-se no texto literário um uso específico e complexo da
língua, os signos linguísticos, as frases, as sequências assumem, em função
do contexto em que se integram, significado variado e múltiplo. Assim, afastam-
se, por exemplo, da monossignificação típica do discurso científico, para só
citar um caso.
38 LEFEBVE, Maurice-Jean. Op. cit. p. 29.
É nesse sentido que alguns estudiosos situam o distanciamento que a
linguagem literária assume em relação ao que chamam grau zero da escritura.
Entenda-se, a princípio, grau zero como o discurso preocupado sobretudo
com a plena clareza da comunicação nele veiculada e com a obediência às
normas usuais da língua. (Para uma visão mais minuciosa do conceito, pode-
se ver o livro de Roland Barthes Novos ensaios críticos seguidos de O grau
zero da escritura, edição da Cultrix de 1974.)
A multissignificação ou polissemia não é marca exclusiva do texto de
literatura. Pode configurar-se em qualquer outra manifestação verbal. As
diferentes interpretações das leis, por exemplo, que frequentam o discurso
jurídico o evidenciam. No texto não-literário a ambiguidade dela decorrente
prende-se necessariamente "a uma preocupação de imediata e utilitária
funcionalidade".39 O texto de literatura, em função do contexto que o
caracteriza, repele qualquer imposição coercitiva. Esse preocupar-se nele não
se faz presente. O que o leva a possibilitar ao destinatário, leitor ou
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ouvinte, a depreensão de uma multiplicidade de sentidos. Tal depreensão
vincula-se ao seu universo cultural e ao seu saber linguístico, na medida em
que, como assinala Umberto Eco, "o estimula a interrogar a flexibilidade e a
potencialidade do texto que interpreta, tal como a do código a que se refere".40
A literatura, na verdade, cria significantes e funda significados. Apresenta
seus próprios meios de expressão, ainda que se valendo da língua, ponto de
partida. Superposto ao da língua, o código literário, em certa medida,
caracteriza alterações e mesmo oposições em relação àquele. É um desvio
mais ou menos acentuado em relação ao uso linguístico comum. Em termos
literários, por exemplo, assegurada a coerência do conjunto em que
inseríssemos a afirmação, teriam sentido frases como "a flor de nossa rua
comeu todos os medos" ou "a flor expulsou todos os monstros" e, fora desse
âmbito sintático-vocabular, lembro versos como "Um supremíssimo
39 REIS, Carlos. O conhecimento da literatura: introdução aos estudos literários. Coimbra: Almedina, 1995. p. 126.40 Eco, Umberto. Trattato di semiótica generale. 6. ed. Milão: Bompiani, 1978. p. 380. V., a propósito, REIS, Carlos. Op. cit. p. 126 e EMPSON, W. Seven types of ambiguity. Nova York: New Directions, 1966.
cansaço/íssimo, íssimo, íssimo,/cansaço", de Fernando Pessoa, em que, como
se vê, se fere, em nome da expressividade poética, a norma morfológica do
idioma no seu uso cotidiano.
E mais: para a plurissignificação do texto contribuem, como acentua Paul
Ricoeur, fatores de ordem sincrônica e de ordem diacrônica. Vale dizer, os
primeiros se vinculam à carga significativa ligada às relações entre as palavras
no conjunto do texto de que fazem parte; já o plano da diacronia envolve tudo o
que de significação e evocação o tempo agregou aos vocábulos, no decurso de
sua história, incluídas nessa totalidade as dimensões resultantes do uso das
palavras na tradição literária.
Num ou noutro caso, a plurissignificação pode associar-se ao âmbito
sociocultural, como quer, por exemplo, Delia Volpe,
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ou a espaços míticos e arquetípicos, como pretende Northrop Frye; situo-me,
no caso, entre os que acreditam que tais dimensões não se excluem, antes se
complementam.
A multissignificação é, pois, uma das marcas do texto literário como tal. É
o traço que permite, entre outras, as múltiplas leituras existentes da obra de
João Cabral de Melo Neto, de Carlos Drummond de Andrade, de Guimarães
Rosa; que possibilita a Roland Barthes a sua apreciação da obra de Racine e
que nos autoriza ler, em Iracema, de José de Alencar, uma síntese simbólica
do processo civilizatório da América, entre outras interpretações. A
permanência de determinadas obras se prende ao seu alto índice de
polissemia, que as abre às mais variadas incursões e possibilita a sua
atemporalidade.
Predomínio da conotaçãoPredomínio da conotação
A linguagem literária é eminentemente conotativa. O texto literário resulta
de uma criação, feita de palavras. E do arranjo especial das palavras nessa
modalidade de discurso que emerge o sentido múltiplo que a caracteriza.
Os signos verbais, no texto de literatura, por força do processo criador a
que são submetidos, à luz da arte do escritor, revelam-se carregados de traços
significativos que a eles se agregam a partir do processo sociocultural
complexo a que a língua se vincula. O texto literário pode abrigar a presença
de elementos identificadores de um real concreto, quase sempre garantidor de
verossimilhança, como costuma também, nessa mesma dimensão, apresentar
uma imagem desse real ligada estreitamente a outros elementos que fazem o
texto. Essa presença, que pode trair uma dimensão denotativa, não é,
entretanto, seu traço dominante. Este reside na conotação, conceito
fundamental para os estudos de literatura, e de tal maneira que especialistas
como André Martinet, Georges Mounin e, entre nós, José Guilherme
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Merquior chegam a admitir que nas conotações reside "o segredo do valor
poético de um texto".41
Liberdade na criaçãoLiberdade na criação
As manifestações literárias podem envolver adesão, transformação ou
ruptura em relação à tradição linguística, à tradição retórico-estilística, à
tradição técnico-literária ou à tradição temático-literária às quais
necessariamente está vinculado o trabalho do escritor. A literatura se abre,
então, plenamente, à criatividade do artista. Em seu percurso, ela envolve a
constante invenção de novos meios de expressão ou uma nova utilização dos
recursos vigentes em determinada época. Mesmo nos momentos em que a
obediência a determinados princípios pareceu regular os procedimentos
literários, a literatura, por sua própria natureza, levou à abertura de caminhos
renovadores.
Não existe uma "gramática normativa" para o texto literário. Seu único
espaço de criação é o da liberdade.
Se a norma, em alguns instantes, regulou a "arte", o "engenho" sempre foi
além, com maior ou menor evidência. E os movimentos de vanguarda, a
constante exigência e busca do novo continuam sendo suas marcas mais
41 Cf. MERQUIOR, J. Guilherme. Do signo ao sintoma. In: Formalismo e tradição moderna: o problema da arte na crise da cultura. Rio de Janeiro/São Paulo: Forense/ lidusp, 1974. p. 129.
patentes, num curso que segue paralelo à dinâmica do processo cultural em
que se integra. Nesse processo, ora o acompanha, ora se antecipa,
transformadora, porta-voz do devir. Veja-se o Ulisses, de Joyce, por exemplo.
O artista da palavra tem uma sensibilidade mais apurada do que a do comum
das gentes, e essa acuidade mobiliza-lhe a criação progressora.
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Na maioria dos casos, é a própria obra que traz em si suas próprias
regras. A obra de arte literária se faz, fazendo-se.
Observe-se que as normas reguladoras do texto não-literário, aquelas que
se impõem ao indivíduo por corresponderem àquilo que habitualmente se diz,
precisam ser obedecidas, sob pena de sérios ruídos na comunicação e, em
certas circunstâncias, até de total obliteração do que se pretende comunicar.
No texto literário a criação estética autoriza qualquer transgressão nesse
sentido. E em termos de história literária, múltiplos e vários têm sido os
percursos nessa direção, seja em termos individuais, seja em termos de
movimentos de época.
Ênfase no significanteÊnfase no significante
Enquanto o texto não-literário confere destaque ao significado, ou seja, ao
plano de conteúdo, o texto literário tem o seu sentido apoiado no significado e
no significante, com especial relevo concedido a este último. A questão,
entretanto, não é pacífica. Sobretudo quando pensamos que, ao situar
significante e significado no âmbito da semiótica, estes ganham dimensões
que, embora relacionadas com a visão da linguística, adquirem matizes
diferentes e contribuem efetivamente para o sentido do texto, principalmente
em termos da informação estética que nele se configura. Num poema como o
"Soneto de separação", de Vinícius de Moraes, por exemplo, os fonemas
bilabiais de certos vocábulos parecem contribuir para o sentido dominante no
texto, centrado na separação entre dois seres:
Soneto de separaçãoSoneto de separação
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
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De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.42
Textos há em que o significante sobressai de maneira ainda mais
acentuada, como neste poema concreto de Ronaldo Azeredo43:
42 In:______. Livro de sonetos. 3. ed. Rio de Janeiro: Sabiá, 1967. p. 30-1.43 Apud CAMPOS, Augusto de; PIGNATARI, Décio; CAMPOS, Haroldo de. Teoria da poesia concreta: textos e manifestos críticos — 1950-1960. São Paulo: Duas Cidades, 1975. p. 92.
V V V V V V V V V V
V V V V V V V V V E
V V V V V V V V E L
V V V V V V V E L O
V V V V V V E L O C
V V V V V E L O C I
V V V V E L O C I D
V V V E L O C I D A
V V E L O C I D A D
V E L O C I D A D E
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A questão é facilmente compreensível: basta substituir os vocábulos de
um texto por sinônimos, para aquilatar a relevância do significante. Pensemos
na fala famosa do Hamlet, de Shakespeare:
To be or not to be: that is the question
(Ser ou não ser: eis a questão)
Veja-se o efeito de substituições:
Am I or am I not: that is the question
(Sou ou não sou: eis a questão)
ou
To be or not to be: that is what worries me
(Ser ou não ser: é isso que me preocupa)
Evidentemente, perde-se muito do efeito estético com as expressões
substitutas, levando-se em conta, obviamente, o contexto em que as palavras
do teatrólogo se inserem.
No "Soneto de separação", de Vinicius de Moraes, é bastante trocar
algumas palavras para verificar a força do significante, colocando, por exemplo,
"repentinamente" em lugar de "de repente"; "juntas", onde está "unidas", ou
"tranquilidade" onde se encontra "calma".
VariabilidadeVariabilidade
O texto literário se vincula, como foi assinalado, a um universo
sociocultural e a dimensões ideológicas; sua natureza envolve mutações no
tempo e no espaço; ele tem uma língua como
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ponto de partida e de chegada; as línguas acompanham as mudanças
culturais; mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, mudam as pessoas,
os povos, a linguagem: a literatura, manifestação cultural, acompanha as
mudanças da cultura de que é parte, integrante e altamente representativa. A
literatura traz a marca de uma variabilidade específica, seja em relação aos
discursos individuais, seja em termos de representatividade cultural. E não nos
esqueçamos de que, na base da literatura, está a permanente invenção.
Modos de realizaçãoModos de realização
O texto literário — eis um traço óbvio e imediatamente comprovável — se
faz de manifestações em prosa e de manifestações em verso.
Manifestações em prosaManifestações em prosa
As manifestações em prosa envolvem as modalidades da narrativa de
ficção.
Ficção — do latim fictionem, cognato do verbo fingere, "dar forma a
qualquer substância plástica e, por extensão, representar, imaginar, inventar",
que em português deu "fingir" — significa invenção, construção da imaginação,
fingimento, simulação, imaginação. A narrativa de ficção se caracteriza por
fazer-se de histórias fictícias ou simuladas, nascidas da imaginação.
As principais modalidades desse tipo de narrativa são o conto, o romance
e a novela.
Tarefa das mais complexas tem sido determinar os limites de tais formas.
As definições mais usuais as caracterizam como a seguir:
O conto oferece uma amostra da vida, por meio de um episódio, um
flagrante ou instantâneo, um momento singular e representativo. Constitui-se
de uma história curta, simples, com
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economia de meios, concentração da ação, do tempo e do espaço. Ex.: "Noite
de almirante", de Machado de Assis.
O romance prende-se a uma vasta área de vivência, faz-se geralmente de
uma história longa e apresenta uma estrutura complexa. Ex.: Dom Casmurro,
do mesmo Machado de Assis; São Bernardo, de Graciliano Ramos; Grande
sertão: veredas, de Guimarães Rosa, A república dos sonhos, de Nélida Pinou.
A novela se situa como forma intermediária entre o romance e o conto.
Ex.: Léguas da promissão, de Adonias Filho.
Essas variedades envolvem certa visão do mundo e uma determinada
maneira de captar as questões que nos textos se apresentam, caracterizando
um sistema que se faz de vários elementos integrados: uma narração vinculada
a personagens em ação (ou não) num tempo e num espaço em torno de um ou
mais temas, traduzindo-se num estilo e por meio de determinados ângulos de
visão.
As visões da narrativaAs visões da narrativa
Segundo os moldes consagrados pela tradição, a narração pode ser
conduzida por um narrador não participante ou por um personagem que
convive com os outros na história narrada. Isso nos leva ao modo como esta
última se apresenta e se constrói: o ângulo de visão, ponto de vista, foco ou
enfoque narrativo, também conhecidos como visão da narrativa.
Em princípio admitem-se, entre outras possibilidades, a história contada
em primeira pessoa por um dos personagens que toma parte nos
acontecimentos ou a história contada em terceira pessoa por um narrador que
se situa fora dos acontecimentos e pode: a) saber tudo a respeito de tudo
(visão totalizadora); b) conhecer plenamente apenas um dos personagens
(visão limitada); c) conhecer superficialmente os personagens (visão restrita).
Essas modalidades de visão são bastante encontradiças na literatura
ocidental. Acrescente-se a elas o monólogo interior, téc-
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nica inventada pelo escritor francês Edouard Dujardin (1861-1949), que a
utilizou no seu romance Les lauriers sont coupés (1887). Esse procedimento
difere do monólogo tradicional, pois reproduz pensamentos íntimos como vão
surgindo do inconsciente sem nenhuma preocupação com um encadeamento
lógico: deixando fluir livremente as idéias e sentimentos em frases diretas, com
a sintaxe reduzida a um mínimo de recursos. Um excelente exemplo se
encontra num dos mais famosos textos da moderna literatura do Ocidente, o
citado Ulisses, de James Joyce; transcrevo uma passagem, na primorosa
tradução de Antônio Houaiss:
Sim porque ele nunca fez uma coisa como essa antes como pedir pra ter seu desjejum na cama com um par de ovos desde o hotel City Arms quando ele costumava fingir que estava de cama com voz doente fazendo fita para se fazer interessante para aquela velha bisca da senhora Riordan que ele pensava que tinha ela no bolso e que nunca deixou pra nós nem um vintém tudo pra missas para ela e para alma dela grande miserável que era com medo até de soltar 4x. para seu espírito metilado me contando todos os achaques dela com aquela velha de falação dela sobre política e tremores de terra e o fim do mundo que a gente tenha um pouco de distração pelo menos antes Deus ajude o mundo se todas as mulheres fossem como ela contra roupa de banho e decotes é claro que ninguém queria ver ela com isso eu creio que ela era piedosa porque nenhum homem havia de olhar para ela duas vezes eu espero que não vou ser nunca como ela não admirava se ela quisesse que a gente escondesse a cara mas ela era uma mulher bem educada e sua fala tagarela sobre o senhor Riordan praqui e o senhor Riordan pralá eu penso que ele ficou contente de se ver livre dela e do cachorro dela que cheirava meu casaco de pele e se metia sempre debaixo de minhas saias.44
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Outro bom exemplo está no conto "Monólogo de Tuquinha Batista", de
Aníbal Machado:
Não Mundinha pra Zona Sul eu não vou já disso que não vou pra lá
44 JOYCE, James. Ulisses. Trad. de Antônio Houaiss. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966. p. 792-3.
não Betsy que não quero me perder e cá no meu subúrbio eu sou Tuquinha Tuquinha Batista T.B. meu nome em toda parte que eu quase choro agradecida T.B. nos muros T.B. no tronco das árvores no mamoeiro na porta da igreja como largar minha gente ficar longe das letras de meu nome não não Mundinha não me tentes mais estou quase noiva isto é não estou mas meu noivo vem vindo já apareceu na bola de cristal a cartomante disse que por enquanto ele aparece só pra ela todo dourado nadando num fundo azul e que é parecido com Clark Gable mas eu queria que ele parecesse com aquele que viajou no pingente uma vez na véspera do Ano-Bom ele me olhava de fora pela vidraça e o trem dava cada solavanco e ele se equilibrava a cara bonita atrás rindo tentando a gente rindo e cantando parecia até um demônio eu de repente fiquei apaixonada e até hoje quando vejo vidraça olha aquele findo me tentando querendo se apossar da gente nunca mais apareceu só a lembrança do rosto dele sorrindo sempre vai ver é um pilantra feito aquele "fala-macio" que levou Raimunda pra Copacabana dizendo que lá sabiam apreciar uma morena feito ela que ela ia virar girl e arranjava um bom contrato que o subúrbio era triste...45
A diferença entre o monólogo interior e o monólogo tradicional é flagrante:
este último admite a participação do narrador e até comentários sobre o que o
personagem está pensando, sentindo ou fazendo, o que não acontece com o
primeiro.
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O crítico francês Jean Pouillon, no seu O tempo no romance, ao tratar dos
"modos de compreensão" em relação ao romance, admite três modalidades
básicas de visão: a visão "com" (vision "avec"), a visão "por trás" (vision "par
derrière ") e a visão "de fora" (vision "du dehors").
Na visão "com", tudo se centraliza num personagem e é a partir dele que
nós vemos e "vivemos" os acontecimentos narrados e percebemos também o
que com ele se passa no âmbito da ação do romance. Memórias póstumas de
Brás Cubas e Dom Casmurro, de Machado de Assis, estão nesse caso.
Na visão "por trás", o autor não se situa no interior de um personagem,
mas procura afastar-se dele para considerar objetiva e diretamente sua vida
psíquica.
45 MACHADO, Aníbal. A morte da porta-estandarte e outras histórias. Rio de Janeiro: José Olympio, 1965. p. 106.
A diferença entre a visão "com" e a visão "por trás" é a que se verifica
entre a pura e simples consciência e o conhecimento à luz da reflexão. Num
romance de visão "com", esta tem por centro, do qual se irradia, um foyer que
faz parte do próprio romance; é na obra que encontramos a fonte de luz que a
ilumina. No romance de visão "por trás", a fonte não está no romance, mas no
romancista, melhor dito, no narrador não nomeado, na medida em que ele
sustenta a sua obra sem coincidir com um de seus personagens. Observe-se
que, nesse caso, o leitor faz sua a visão do narrador.
A visão "de fora" envolve a observação material da conduta do
personagem, seu aspecto físico e o meio em que vive. Claro está que a
exterioridade assim caracterizada é situada pelo autor e captada pelo leitor
como reveladora de interioridade. O "dehors" dos personagens nos é
apresentado de tal modo que ele nos revela progressivamente seu caráter.
Essas divisões e classificações não esgotam a matéria, e as visões
admitem os mais variados arranjos e combinações. Nem se pense na
exclusividade necessária desse ou daquele enfoque. Há narrativas em que
convivem harmonicamente várias visões, como, por exemplo, em Corpo vivo,
romance de Adonias Filho,
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caracterizado por um especialíssimo tratamento do ponto de vista. Por outro
lado, em muitos romances contemporâneos, no-tadamente no nouveau roman
francês, o expositor se converte em cameraman e apenas apresenta
personagens e ações, como se a narrativa fosse uma película cinematográfica.
Como exemplo, pode-se ler Le voyeur (A espreita), de Alain Robbe-Grillet.
Os personagensOs personagens
Os personagens dão condição de existência ao enredo e "vivem" nele
como participantes da história.
As múltiplas classificações, nascidas das mais variadas posições críticas,
se apóiam no que os personagens "são", no que "representam" ou no que
"fazem", privilegiando, assim, dimensões aspectuais. Daí a variada tipologia
que os considera:
a) por sua natureza — quando podem ser: seres humanos (exs.: Paulo
Honório, do romance São Bernardo, de Graciliano Ramos; Augusto Matraga,
do conto "A hora e vez de Augusto Matraga", de Guimarães Rosa); coisas (ex.:
a propriedade, no mesmo São Bernardo); animais (exs.: a cachorra Baleia, em
Vidas secas, romance de Graciliano Ramos; Quincas Borba, o cão, no
romance do mesmo nome, de Machado de Assis; o burrinho pedrês, no conto
do mesmo nome, de Guimarães Rosa) e, por extensão, elementos da natureza
(ex.: o vento, no conto "O iniciado do vento", de Aníbal Machado);
b) pela variedade — quando podem ser: individuais, ao se identificarem
com seres nitidamente caracterizados em sua personalidade (exs.: Capitu, em
Dom Casmurro, romance de Machado de Assis; o citado Augusto Matraga);
típicos, quando trazem características que os identificam com um grupo social,
nacional, regional, profissional etc. (ex.: Fabiano, no referido Vidas secas);
caricaturais, quando têm exageradamente acentuadas certas características
marcantes e definidoras, como a comadre,
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de Memórias de um sargento de milícias, romance de Manuel Antônio de
Almeida. Certos personagens típicos acabaram tornando-se universais, como o
usurário, o soldado fanfarrão, o criado hábil, o agregado, entre muitos,
encontrados a cada passo na literatura de ficção;
c) pela função que desempenham — quando podem ser: protagonistas,
as figuras principais da história (ex.: Cajango, em Corpo vivo, romance de
Adonias Filho); antagonistas, os que se opõem à figura principal, ou seja, com
ela entram em tensão direta no desenvolvimento da trama (ex.: Manuel
Pescada, no romance O mulato, de Aluísio Azevedo). Nessa área funcional há
que considerar ainda o narrador, caracterizado como tal.
A tendência estruturalista é centrar a classificação na participação dos
personagens em suas inter-relações.
A caracterização dos personagens pode apoiar-se também no nome que
levam, em certos tiques, no tipo físico e no tipo antropológico.
A açãoA ação
A narrativa, que integra ação e narração, caracteriza uma sequência,
simples ou complexa, de conflitos ou tensões que se resolvem ou não. A ação
se situa, assim, no nível da trama, intriga ou enredo, que envolve o que ocorre
com os personagens, o conjunto de seus atos ou reações, os acontecimentos
ligados entre si, tudo isso comunicado pela narrativa.
O desenvolver-se da trama leva ou ao desaparecimento das situações
conflituais ou à criação de novos conflitos.
Por narração compreende-se a sucessão de fatos, imagens ou
acontecimentos que, numa sequência ordenada, se configura num texto
literário; é o modo como a narrativa se organiza.
É na articulação da ação com a narração que se instaura o processo da
ambiguidade peculiar ao texto literário.
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O tratamento do tempoO tratamento do tempo
O homem é um ser temporal. O tempo, como quer Percy B. Shelley, "é a
nossa consciência da sucessão das idéias em nossa mente".46
O tempo cronológico, isto é, o tempo convencional das horas, dos dias,
dos meses, das estações e dos anos é a medida exterior da duração. Admite
padrões fixos de medida, vinculados ao movimento de rotação e translação da
Terra. É um tempo objetivo, que se opõe à subjetividade do tempo psicológico,
interior e relativo, situado no âmbito da experiência individual, que avalia a
partir de padrões variáveis.
Remonta a Bergson a concepção do tempo psicológico. Como explicita
Dirce Riedel, "a realidade está na relatividade subjetiva da durée (duração), no
que permanece no fluir do tempo, apesar de toda a sua irreversibilidade, e não
46 Queen Mab. Apud MENDILOW, A. A. O tempo e o romance. Porto Alegre: Globo, 1972. p. 135.
no conceito objetivo da física que falsifica a natureza essencial do tempo"47.
A duração (durée) é anacrônica.
O pensamento bergsoniano, notadamente a teoria da durée, está na base
de uma nova concepção de personagem, em grande parte da ficção moderna,
especialmente no romance que se faz de fluxo de consciência. Abandona-se,
por falso, o fixar da personalidade por meio da descrição externa, por
intermédio de rótulos, definições e listas de características: a personalidade
passa a ser caracterizada à luz de sua renovação momento a momento, com o
passado sempre presente, variável de acordo com a ampliação do seu campo
temporal em movimento.
A mesma teoria conduziu a uma nova concepção da trama e da estrutura,
à limitação progressiva da duração ficcional do
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romance, à ampliação da duração psicológica dos personagens: "toda a vida
num dia, toda a vida num momento", como lembra Mendilow na página 167 da
obra citada, passa a ser o objetivo dos romancistas. Os citados Ulisses, de
Joyce, e A Paixão segundo G. H., de Clarice Lispector, são excelentes
exemplos da adoção dessa técnica.
A duração se identifica com a vida interior.
A literatura moderna busca exprimir não apenas a irreversibilidade do
tempo que se escoa mas ainda uma distância interior, um tempo subjetivo,
como resume Dirce Riedel na obra citada, em que acrescenta: "A memória
poética funde passado e presente, numa sucessão psicológica, já que a
realidade não é um estado estável; o presente é constante transição, perpétuo
vir-a-ser [...] Enquanto a narrativa linear exprime a continuidade do tempo
exterior, a associação dinâmica pode revelar a continuidade emocional, numa
literatura que quer surpreender o processo do subconsciente".
Esse posicionamento envolve necessariamente as relações da narrativa,
instalando-se no âmbito da consecução e da consequência, substituindo na
ordem de apresentação ficcional a sequência cronológica pela sequência
47 RIEDEI., Dirce. O tempo no romance machadiano. Rio de Janeiro: São José, 1958. p. 15.
psicológica.
O moderno tempo ficcional se faz da sucessão psicológica, mede-se pela
distância interior, variável segundo a melodia do mundo interior de cada
indivíduo. Caracteriza-se uma duração aberta. Se o comparamos com o tempo
da história, vemos que este se faz de uma perspectiva exterior, mede-se
cronologicamente e apresenta unidade de ação.
O ambienteO ambiente
Também chamado meio, localização, envolve as condições materiais ou
espirituais em que se movimentam os personagens e se desenrolam os
acontecimentos. Por meio dele podem-se
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configurar traços dos personagens e mesmo a própria história. Ex.: O mulato e
O cortiço, de Aluísio Azevedo; Eurico, o presbítero, de Alexandre Herculano;
Senhora, de José de Alencar.
O estiloO estilo
Apesar de já termos tratado desse traço da linguagem, cabem ainda
algumas observações. Os estudos relacionados com o estilo envolvem, em
síntese, dois posicionamentos: há aqueles que o consideram como resultante
de um conjunto de escolhas em relação à língua; outros entendem que se trata
de um desvio em relação à norma gramatical. Entre os primeiros, encontra-se,
por exemplo, Charles Bally, o criador da estilística como disciplina cuja tarefa
consiste na busca dos elementos expressivos que, num dado momento,
servem para produzir os movimentos do sentimento e da razão. É a chamada
corrente saussuriana ou positivista. Ao segundo grupo, pertencem estudiosos
da chamada corrente da escola alemã de Karl Vossler, como os críticos Leo
Spitzer, Dámaso Alonso, Helmut Hatzfeld e outros, que, embora aceitando
inicialmente as teses de Ferdinand de Saussu-re, mestre de Bally, se
preocupam com depreender da fala o que nela existe de individual, de criação
pessoal, que, na busca da expressão adequada à situação de fala, foge da
automatização na formulação linguística. Vossler compara a forma que usamos
ao falar com a forma que vestimos: segundo ele, o modelo nos é imposto pela
vida prática, mas a decisão sobre o corte e a cor depende do gosto de cada
um.
As duas correntes, a saussuriana e a idealista de Vossler, fundamentam a
crítica literária de base estilística, que vê o estilo a serviço da criação artística.
Cabe lembrar que a tese de Vossler se inspira nas teorias de Benedetto
Croce, filósofo italiano para quem o objetivo dos estudos de estética é a função
expressiva que caracteriza o ser humano, sobretudo aqueles que possuem
uma psique mais apta,
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mais rica, e que são chamados artistas, porque expressam plenamente
estados de alma. Quando tais expressões conseguem manifestar-se com
excelência, são chamadas obras de arte.
Mais uma vez, estamos diante de uma questão longe de ser tranquila.
Aline Lévavasseur, por exemplo, nota que os adeptos do primeiro grupo
correm o risco de confundir estilo com fala ou discurso, uma vez que, na
linguagem, tudo é consequência de uma escolha, consciente ou não, por parte
do falante. Acrescenta ainda que, para aumentar a confusão na área, o termo
estilo aparece para designar "certos tipos de formulação rigorosamente ditados
pela tradição", como estilo telegráfico, estilo administrativo, estilo jurídico, estilo
judiciário, estilo diplomático etc. Lembra que o estilo se situa no lado oposto
desse extremo, pois, hoje em dia, todo o esforço do escritor consiste
justamente em buscar a originalidade a qualquer preço e em quebrar os
moldes da expressão tradicional ou mesmo apenas um pouco mais usuais.48
O estilo, ainda de acordo com tal posicionamento, tende a se confundir
com o idioleto, ou seja, com aquilo que o próprio Bally definiu como "o sistema
de expressões de um indivíduo isolado" ou, como esclarece Mattoso Câmara,
no seu Dicionário de filologia e gramática, "o nome dado pelos linguistas
48 LÉVAVASSEUR, Aline. Style et stylistique. In: MARTINET, A. (Org.). La linguistique. Paris: Denoël, 1969. p. 359.
americanos à língua tal como é observada no uso de um indivíduo".
Como se percebe, o conflito entre estilo, idioleto e discurso não prima
pela solução mais simples.
A conceituação adotada pelo segundo grupo também é passível de
restrições. Desvio em relação à norma implica que esta última seja definida e
estabelecida. E aí é que enfrentamos um dilema, pois a norma é entendida
como uma soma de abstrações, como se depreende da citada definição de
Coseriu.
Pág. 61
Um último conceito nos leva à teoria que entende o estilo como
"fenômeno de elaboração, que consiste em substituir a natural linearidade da
linguagem por uma certa profundidade, em razão de um objetivo mais ou
menos intuitivo ou inconsciente do enunciado global que deve resultar das
escolhas sucessivas", conforme as palavras de Aline Lévavasseur.
Eis um ponto de vista que ainda uma vez se centraliza na intenção do
falante, que deve transformar sua fala em fato estilístico.
Cabe, a este passo, trazer à apreciação, por oportuna, a relação entre
estilo e escritura (écriture). Deixemos a palavra com Roland Barthes, que,
preliminarmente, diz:
[...] a língua está aquém da literatura. O estilo está quase além: imagens, uma elocução, um léxico, nascem do corpo e do passado do escritor e se tornam pouco a pouco os próprios automatismos de sua arte. Assim, sob o nome de estilo, se forma uma linguagem autárquica, que não mergulha senão na mitologia pessoal e secreta do autor, nessa hipofísica da fala, onde se forma o primeiro par das palavras e das coisas, onde se instalam de uma vez por todas os grandes temas verbais da existência.
E esclarece a seguir:
[...] entre a língua e o estilo, há lugar para uma outra realidade formal: a escritura. [...] Língua e estilo são forças cegas; a escritura é um ato de solidariedade histórica. Língua e estilo são objetos; a escritura é uma função: ela é a relação entre a criação e a sociedade, é a linguagem literária transformada por sua destinação social, ela tem sua forma apreendida na sua intenção humana e
ligada assim às grandes crises da História.49
Pág. 62
Como quer que seja, para efeito operacional, entenda-se o estilo na
definição adaptada de Hatzfeld, apresentada na página 25, a partir da qual se
percebe que, no caso do texto literário, se vincula a uma organização
específica: o estilo, no caso, passa a integrar um objeto estético e assume
dimensão relevante nesse âmbito.
O mais se situa no espaço de muitos problemas ainda não resolvidos
plenamente na área dos estudos da linguagem e da literatura.
Manifestações em versoManifestações em verso
Por verso entende-se, tradicionalmente, como registra Mattoso Câmara,
"a frase ou o segmento frasal em que há um ritmo nítido e sistemático".50
Se nos limitarmos apenas à área fônica, podemos dizer, como Todorov,
que um verso é formado por uma sequência métrica de sílabas.
Na língua portuguesa, por exemplo, a métrica ou medida do verso é
constituída da combinação da regularidade do número de sílabas e da
disposição dos acentos tônicos. O ritmo do verso é consequência dessa
regularidade (ritmo silábico) e dessa disposição (ritmo intensivo).
O final do século XIX assiste ao aparecimento de um novo tipo de verso,
o verso livre, que deixa de ter na sílaba a sua unidade; caracteriza-se pela
sucessão de grupos fônicos valorizados pela entoação, pelas pausas e pela
maior ou menor rapidez da enunciação: tem, pois, seu ritmo apoiado na
combinação da entoação e das pausas. Vejamos o exemplo:
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Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
49 Le degré zéro de l'écriture suivi des éléments de semiologie. Paris: Gauthier [s.d.]. p. 14, 16 e 17.50 CÂMARA JR., J. Mattoso. Dicionário de filologia e gramática referente à língua portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1964. p. 349.
no espaço.
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?51
Por entoação entende-se a linha melódica que caracteriza o enunciado: é
a escala de elevação da voz com que se enuncia uma frase.
Três elementos interdependentes costumam ser apontados como
relevantes na caracterização tradicional do verso: o metro, a rima e as formas
fixas. Na base deles, um ponto comum fundamental para a distinção entre
verso e prosa: a repetição (ou ritmo, ou periodicidade, ou paralelismo, ou
simetria). Por outro lado, essa interdependência também está presente nas
relações que vinculam o verso a outros traços linguísticos de um enunciado: a
versificação caminha junto com a significação.
O metroO metro
O metro apóia-se na repetição de três fatos linguísticos: a sílaba, o
acento, a quantidade.
A sílaba se constitui de um fonema-núcleo, chamado silábico,
acompanhado ou não de outros fonemas, chamados não-silábicos. Em termos
de verso, a sílaba só se converte em realidade linguística na leitura particular
que se chama metrificação ou escansão, como se vê no exemplo da página
seguinte.
Pág. 64
A / mor / é / fo / go / que ar / de / sem / se / ver /;
É / fe / ri /da / que / dói / e / não / se / sen / te
(Camões)
51 ANDRADE, Carlos Drummond de. A rosa do povo. In: Reunião. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1969. p. 77.
Já há algum tempo, têm surgido colocações mais amplas: além dos
procedimentos firmados pela tradição, procura-se utilizar as sílabas no verso
em função de aspectos visuais que envolvem cortes, desintegração e
duplicação de palavras etc. As vanguardas brasileiras dos anos 50 e 60
oferecem bom exemplo dessa técnica.
Escandir ou metrificar o verso é destacar as sílabas métricas de que ele
se compõe. Essa escansão envolve algumas normas que apresentam
pequenas alterações de idioma para idioma. Em português, a divisão silábica
do verso é semelhante à divisão silábica da prosa, com as seguintes
especificidades:
1ª) contam-se as sílabas somente até a última tônica, como nesse verso
de Cecília Meireles:
Ai / pa / la /vras / ai / pa / la / vras (sete sílabas métricas)
2ª) o encontro de duas vogais idênticas obriga o uso da crase, como
nesse outro verso de Cecília Meireles, sequência do exemplo anterior:
Que‡es / tra / nha / po / tên / cia‡a / vos /sa! (crases: e + e = e; a + a = a)
3ª) o encontro de vogai átona com vogai átona ou de vogal átona com
vogai tônica entre vocábulos leva a uma única sílaba métrica, numa relação
que se chama sinalefa; o exemplo a seguir é do mesmo poema de Cecília
Meireles, "O romance LIII"
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— Das palavras aéreas, do Romanceiro da Inconfidência, que cito pela
edição da Livros de Portugal:
O / mel / do‡a / mor / cris / ta / li / za (sinalefa: do‡a) seu / per / fu / me em
/ vos / sa / ro / sa
4ª) também se considera uma só sílaba a elisão, ou seja, no encontro de
vogais átonas ou de vogai átona com vogai tônica entre vocábulos, a primeira
deixa de ser pronunciada:
sois / o / so / nho‡e / sois / a au / dá / cia (elide-se o final de sonho e lê-se
sonhe sois)
5ª) em alguns casos, no encontro de uma vogai nasal com uma vogai oral
entre vocábulos, desnasaliza-se a primeira, para efeito de metrificação. É o que
ocorre, por exemplo, no verso de Antônio de Castro Alves:
Eu quero marchar com os ventos,
Com os mundos... co'os firmamentos!!! (co'os = com os)
E Deus responde: — "Marchar!"
De acordo com o Dictionnaire encyclopédique des sciences du langage,
de Oswald Ducrot e Tzvetan Todorov, "o acento consiste na ênfase que se
confere à duração, à altura ou à intensidade de um fonema silábico e que o
diferencia dos seus vizinhos"; a quantidade corresponde "às diferenças de
duração fonêmica que, em certas línguas, assumem função distintiva". A
quantidade é, por exemplo, a base do metro dos versos da literatura latina
clássica, apoiado na combinação de sílabas breves e longas.52
Pág. 66
A princípio, é possível distinguir três tipos de metro: o silábico, o acentuai
e o quantitativo, cada um apoiado, respectivamente na repetição regular do
número de sílabas, de acentos, de quantidades.
Normalmente, um verso associa mais de uma dessas dimensões.
O verso admite tantas medidas ou pés quantas forem as sílabas que
comporta o elemento que se repete.
O final do verso é caracterizado por uma pausa métrica.
Quando o final do verso caracteriza discordância sintática ou separação
de palavras de um grupo fônico, estamos diante do recurso estilístico chamado
52 Cf. DUCROT, Oswald; TODOROV, Tzvetan. Dictionnaire encyclopédique des sciences du langage. Paris: Seuil, 1972. p. 240 e ss.
cavalgamento ou "enjambement". Eis um exemplo nestes versos de João
Cabral de Melo Neto:
Do alpendre, o tempo pode ser
sentido: e na substância física
A propósito, vale lembrar as palavras de Maurice Grammont:
Não é exato que o enjambement suprima, como dizem alguns, a pausa do
fim do verso, nem que ele suprima ou mesmo enfraqueça o último acento
rítmico do verso; longe disso, a pausa final do verso que cavalga é tão nítida e
tão longa como as outras, e o seu último acento rítmico é também forte. Tudo
se reduz ao seguinte: enquanto nos versos comuns abaixamos a voz no fim de
cada verso, deixamo-la interrompida e suspensa no fim daqueles que
cavalgam. Daí resulta um aguçamento da atenção do auditor, que fica em
ansiosa expectativa durante a pausa. E como a voz não baixou, ela deve, na
parte excedente, aumentar de intensidade ou mudar de entoação.53
Pág. 67
Em outros termos, o enjambement é a não-coincidência entre a pausa
métrica e a pausa verbal (gramatical ou semântica). Admite, portanto, duas
leituras: uma, métrica; outra, semântica.
A rimaA rima
A rima é outro elemento que contribui para o ritmo do verso.
Rima é a coincidência de fonemas em determinados lugares do verso.
Tradicionalmente essa coincidência se dá no final do verso, mas pode
aparecer também no meio ou no início. Exs.:
Eu te amo, Maria, te amo tanto
Que o meu peito me dói como em doença
53 Petit traité de versification française. 3. ed. Paris: Armand Colin, 1916. p. 92-3.
E quanto mais me seja a dor intensa
Mais cresce na minha alma o teu encanto
(Vinícius de Moraes)
São Paulo! comoção de minha vida...
Os meus amores são flores feitas de original ...
Arlequina!!... Traje de losangos... Cinza e ouro...
Luz e bruma ... Forno e inverno morno...
(Mário de Andrade)
Se há identidade ou semelhança de todos os fonemas a partir da vogai
tônica, diz-se que a rima é soante, também conhecida como rima consoante ou
consonância. Ex.: tanto / encanto.
Se coincidem apenas as vogais tônicas ou as vogais a partir da tônica,
incluída esta, tem-se a chamada rima toante ou assonante ou assonância. Ex.:
Por ódio, cobiça, inveja,
vai sendo o inferno traçado.
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Os reis querem seus tributos,
— mas não se encontram vassalos.
Mil bateias vão rodando,
mil bateias sem cansaço,
(Cecília Meireles)
Há também a coincidência das consoantes no início dos termos; é a
chamada rima aliterada ou aliteração. Ex.:
Auriverde pendão da minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra,
E as promessas divinas da esperança...
(Castro Alves)
Versos que não rimam são chamados soltos ou brancos. Ex.:
Aqui, além pelo mundo,
ossos, nomes, letras, poeira...
onde os rostos, onde as almas?
nem os herdeiros recordam
rastro nenhum pelo chão.
(Cecília Meireles)
A rima é um fenômeno fonético. Por essa razão, admitem-se rimas entre
palavras como catedrais/paz; nus/azuis:
Nunca mais, oh bomba atômica
Nunca, em tempo algum, jamais
Seja preciso que mates
Onde houver morte demais:
Fique apenas tua imagem
Aterradora miragem
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sobre as grandes catedrais:
Guarda de uma nova era
Arcanjo insigne da paz!
(Vinícius de Moraes)
Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberta o peito
— Pés descalços, braços nus
— Correndo pelas campinas
A roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!
(Casimiro de Abreu)
A caracterização das rimas que se estende ainda por ampla terminologia,
não atende, entretanto, ao consenso dos estudiosos e está a exigir
reformulações.
As formas fixasAs formas fixas
No âmbito das formas fixas chama-se estrofe a sucessão de dois ou mais
versos. Tais formas resultam da combinação de estrofes, que nos levam a
exemplos como o soneto, a balada, a lira etc.
Com o advento da modernidade, essas formas passaram a conviver com
outras e inúmeras modalidades, nascidas da liberdade criadora dos artistas da
palavra.
Verso, prosa, gêneros literáriosVerso, prosa, gêneros literários
As manifestações em verso envolvem dimensões líricas, épicas e
dramáticas, no sentido que lhes confere o crítico Emil Staiger. Já o romance, a
novela e o conto são manifestações literárias em que predomina o épico. Essa
lembrança nos leva a um
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dos mais complexos problemas da teoria literária, objeto de controvérsias e
múltiplas interpretações: os gêneros literários.
A problemática começa na delimitação da área semântica abrangida pelo
termo: a designação gênero ora se restringe a três grandes divisões
tradicionalmente fixadas — lírica, épica e drama e, logo, gênero lírico, épico e
dramático —, ora envolve manifestações literárias conhecidas como tragédia,
comédia, romance, conto, ode e outras.
Os estudiosos do assunto têm oferecido variadas explicações e
caracterizações, e alguns chegam a negar a importância de qualquer
classificação e até a existência dos gêneros como tal.
O assunto é inicialmente tratado pelos filósofos gregos Platão e
Aristóteles.
O primeiro, embora não trate sistematicamente da literatura, escreve
sobre tragédia, comédia, ditirambo e poesia épica, fazendo referências, nos
seus Diálogos, que permitem depreender uma preocupação com a unidade e a
universalidade da arte e uma propensão para abolir divisões.
Aristóteles, com o qual nasce a preceptiva, estabelece em sua Poética
princípios ainda hoje válidos. Em relação à matéria, refere-se à épica, ao
drama e à poesia lírica como gêneros poéticos fundamentais. Estabelece
distinções apoiadas na natureza dos assuntos tratados e nos elementos
formais, como a métrica e a linguagem figurada.
Em Platão e Aristóteles já aparece a distinção entre poesia lírica, épica e
dramática baseada no '"modo de imitação' (ou de 'representação'): a poesia
lírica é a 'pessoa' do próprio poeta; na poesia épica, o poeta fala em primeira
pessoa, como narrador, e em parte faz falar seus personagens em estilo direto
(narração mista); no teatro, o poeta desaparece através da distribuição de
papéis".54
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O poeta Horácio codifica e leva para Roma as teorias gregas, inspirando-
se notadamente em Platão e cm Aristóteles. Quando trata dos gêneros,
caracteriza-os a partir de traços estilísticos e de variedades métricas; propõe
uma rigorosa separação para os gêneros que não permitia, por exemplo,
misturar, num mesmo texto, tragédia e comédia: cada uma teria o tom
adequado.
As teorias aristotélicas e platônicas horacianamente codificadas é que
informarão basicamente a literatura e a crítica literária do Ocidente nos séculos
XVI, XVII, XVIII e boa parte do XIX.
No século XVI, predomina, não sem polêmica, a adoção de critérios
rígidos e fica estabelecido, entre outros princípios, que: lírica é a poesia feita
das reflexões do poeta; dramática é a poesia em que a pessoa do poeta não
intervém; épica é um conglomerado das duas atitudes anteriores. Os gêneros,
concebidos como algo estático que não admite desenvolvimento, classificam-
54 Cf. WELLEK, René; WARRF.N, Austin. Teoria literária. Madri: Credos, 1953. p. 397-8.
se em maiores e em menores: entre os primeiros, situavam-se a tragédia e a
epopéia; entre os menores, a comédia e a fábula, por exemplo. Na base da
divisão, o assunto, os personagens: a tragédia e a epopéia envolvem figuras de
reis, heróis e grandes personalidades; a comédia se centraliza, geralmente, em
personagens e problemas burgueses; a farsa tem como núcleo de interesse
elementos populares.
Na mesma época surge, ao lado dessa posição, uma atitude mais aberta,
segundo a qual novas formas literárias distintas das preconizadas por gregos e
romanos são consideradas legítimas; os gêneros tradicionais admitem
modalidades novas; admite-se que a literatura "moderna" pode ser superior à
greco-latina.
A polêmica permanece durante os séculos XVII e XVIII, fortalecidas as
teses "modernas" ainda mais com o desenvolvimento de novas manifestações
na arte literária, como o romance e o drama burguês.
A posição do século XIX destaca a liberdade e o ecletismo. São
representativas as palavras de Victor Hugo no prefácio de
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sua peça Cromwell, de 1827: "Metamos o martelo nas teorias, nas poéticas e
nos sistemas. Abaixo este velho reboco que mascara a fachada da arte. Não
há regras nem modelos; ou melhor, não há regras além das leis da natureza
que planam sobre toda arte e das leis especiais que, para cada composição,
derivam das condições próprias de cada assunto. As primeiras são eternas,
interiores, e permanecem; as outras, variáveis, exteriores, e servem apenas
uma vez".55
Outra tese do mesmo século entende que os gêneros nascem, crescem,
desenvolvem-se, transformam-se e desaparecem, como defende Ferdinand
Brunetière.
Mais radical é a posição do filósofo italiano Benedetto Croce, que confere
à teoria dos gêneros significação secundária, como um elemento extrínseco da
obra; para ele, esta deve ser estudada em si mesma, como expressão única de
realidades. A validade estética da obra de arte literária independe, segundo
55 VICTOR HUGO. Théâtre complet. Paris: Bibliothèque de la Pléiade, 1963. p. 434. v. 1.
Croce, de sua subordinação a este ou àquele gênero arbitrariamente
caracterizado.
Já o citado Staiger admite a existência de um estilo lírico, um estilo épico
e um estilo dramático caracterizadores das obras literárias, expressões a que
dá preferência, por serem mais dinâmicas. Para ele, qualquer obra autêntica
participa dos três gêneros literários, e a sua classificação é ditada pela
predominância das características deste ou daquele estilo; a idéia do que seja
lírico, épico ou dramático ocorre em cada indivíduo a partir de algum exemplo
que pode ou não ser uma obra literária: "Posso ter vindo a conhecer a
significação ideal — para falar com Husserl — do 'lírico' por meio de uma
paisagem, e do 'épico' talvez por uma leva de imigrantes; uma discussão pode
ter-me incutido o sentido do 'dramático'", esclarece aquele estudioso nos seus
Conceitos fundamentais da poética.
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Outras perspectivas para o estudo dos gêneros literários colocam o centro
das atenções na estrutura linguística da obra; é o caso da posição de Roman
Jakobson.
Em resumo, os estudos sobre a matéria envolvem duas teorias:
a) a teoria clássica, que considera os gêneros a partir de critérios rígidos,
como entidades nitidamente caracterizadas em sua estrutura: estabelece
normas (embora não tão autoritárias como à primeira vista se poderia supor),
preconiza uma diferença entre os diversos gêneros em termos de natureza e
hierarquia c determina sua separação;
b) a teoria moderna, que se vale de critério aberto, admitindo os gêneros
como realidades dinâmicas que possibilitam mudanças, variações e
imbricações. É descritiva e não normativa.
Como quer que seja, apontam-se tradicionalmente três gêneros — o
lírico, o épico e o dramático —, que se configuram em formas ou manifestações
como o poema, o romance, o conto, a novela, a tragédia, a comédia etc,
admitindo-se variantes, formas mistas e o aparecimento de novas realizações
artísticas, a cada passo evidenciadas nas rupturas dos movimentos de
vanguarda.
Vale registrar que as tradicionais modalidades da narrativa de ficção, bem
como as manifestações em verso, vêm modernamente perdendo contornos; as
formas vêm-se descaracterizando como tal, e novos modelos surgem
desafiando a argúcia e a ciência dos estudiosos. E se a teoria dos gêneros já
vem sofrendo, há muito, contestações, essas mudanças acentuam ainda mais
a problemática que as envolve.
Essa, entretanto, já é outra história.
Fecho essas considerações sobre as manifestações em prosa e em verso
lembrando uma modalidade que assumiu notável desenvolvimento na realidade
brasileira: a crônica.
Navegando entre o literário e o não-literário, a crônica, como o nome
indica, retira sua configuração da dinâmica do tempo dos
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limites do qual se libera, por força da linguagem estética em que se concretize.
Faz-se de fatos e comentários do autor sobre a realidade próxima ou distante,
mas sempre a partir de uma óptica atualizada. Trata-se de uma forma literária
que encontrou nos veículos de comunicação de massa, notadamente nos
jornais e revistas, seu principal e dominante instrumento de divulgação,
embora, em segundo plano, venha frequentando também os espaços do livro.
Os bons exemplos vêm desde Machado de Assis e passam por autores como
Rubem Braga, Carlos Drummond de Andrade, Antônio Maria, Sérgio Porto,
Henrique Pongetti, Raquel de Queirós, Fernando Sabino, Paulo Mendes
Campos, Carlos Eduardo Novaes, Luís Fernando Veríssimo, João Ubaldo
Ribeiro, Zuenir Ventura e alguns outros que asseguraram a instauração e a
permanência dessa modalidade de texto ao que parece essencialmente
brasileiro.
Questões em abertoQuestões em aberto
Além desses traços característicos do discurso literário que já desfrutam
de razoável consenso (embora alguns permaneçam marcados de alguma
polêmica), outros há que, até o momento em que escrevo, permanecem como
questões ainda não plenamente equacionadas. Entre eles assinalo alguns:
A questão do referenteA questão do referente
O assunto divide os estudiosos. Para alguns, o texto literário não tem
referente.56
O referente se liga ao contexto extraverbal; se situaria, portanto, fora da
linguagem; o sentido das palavras, no texto literário, emerge do próprio texto e
se apóia sobretudo na dimensão co-
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notativa. A tese parece sustentar-se, mais ainda se pensamos em termos de
mímese das aparências e só essa ausência de referente quiser significar que
ele é, no caso, fictício ou imaginário.
A posição, no entanto, não resiste à consideração de alguns fatos: se
acreditamos que o texto literário é uma desrealização do real que remete à
profundidade desse real; se aceitamos o texto como concretizador de uma
mímese das essências; se pensamos em textos autobiográficos, ou em certas
narrativas hiper-realistas contemporâneas, em que as fronteiras do real e do
imaginário parecem diluir-se; se entendemos que os traços literários envolvem
não apenas a totalidade do texto de literatura mas podem ser configurados em
fragmentos e passagens — aí então o referente se evidencia, embora esteja
sempre presente a dimensão conotativa.
A propósito, vale lembrar a posição de Jakobson, para quem "a
supremacia da função poética sobre a função referencial não oblitera a
referência (a denotação) mas a torna ambígua".
A problemática permanece, com acentuada tendência de muitos a
considerar que o texto literário é um simulacro de referente e de outros a
entender que algo da realidade abriga-se nos espaços do ficcional.
IntertextualidadeIntertextualidade
56 Cf. TODOROV, T. Note sur le langage poétique. Semiótica 1. Paris: 1969. p. 323-8.
O termo "intertextualidade" foi proposto por Mia Kristeva como substituto
de dialogismo, conceito lançado pelo teórico soviético Mikhail Bakhtin (1895-
1975).57
Em oposição ao pensamento saussuriano, que privilegia a língua em sua
dimensão ideal, Bakhtin concentra suas atenções
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na fala (ou discurso), que considera intrinsecamente ligada às condições da
comunicação, por seu turno vinculadas às estruturas sociais.
Considera também a consciência individual como um fato sócio-ideológico
c entende que a linguagem implica um contexto histórico-social: o homem se
transforma num ser histórico e social, segundo ele, a partir dos signos que lhe
comunicam o mundo. E esses signos são sempre impregnados de ideologia,
uma vez que esta reflete as estruturas sociais.
As palavras de um enunciado estariam assim carregadas de significação
vinculada a inúmeros contextos vividos, e toda comunicação envolveria a
interação de um falante, um destinatário e um "personagem" (de que se fala),
envoltos por um horizonte comum que possibilita a compreensão dos
elementos ditos e não-ditos.
Ainda segundo sua teoria, a realização de qualquer comunicação ou
interação verbal envolve uma troca de enunciados, situa-se na dimensão de
um diálogo.
Por consequência, como resume Todorov, para ele, "o estilo é, pelo
menos, dois homens, ou mais exatamente, o homem e seu grupo social,
encarnado por seu representante acreditado, o ouvinte, que participa de
maneira ativa da fala interior e exterior do primeiro".
A luz desses posicionamentos, o discurso literário envolve um
cruzamento, um diálogo de vários textos, que se dá em nível horizontal e em
nível vertical: em termos de horizontalidade, a palavra, no texto, pertence, ao
mesmo tempo, a quem escreve e ao destinatário; verticalmente, é orientada na
57 Cf. KRISTEVA, Julia. Présentation. In: BAKHTIN, M. La poétique de Dostoievski. Paris: Seuil, 1970; TODOROV, Tzvetan. Mikhail Bakhtin: le príncipe dialogique suivi de écrits du cercle de Bakhtine. Paris: Seuil, 1981.
direção do corpus literário anterior ou do contemporâneo.
Bakhtin chama a esses dois níveis de diálogo e ambivalência, achado a
que Kristeva prefere denominar intertextualidade.
Pág. 77
Todo texto se converteria assim num mosaico de citações e absorção e
transformação de outros textos, consciente ou m conscientemente
aproveitados pelo escritor.
A questão, entretanto, é mais uma que não é simples e se encontra
aberta a amplas discussões, ampliações, contestações, avaliações, até porque
os textos de Bakhtin envolvem problemas: seus primeiros trabalhos foram, até
mesmo, assinados por seus discípulos Volochinov e Medvedev.
A caracterização da intertextualidade, porém, permite "ler", por exemplo,
em Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, a presença de Os sertões, de
Euclides da Cunha, e do discurso da Bíblia; o texto bíblico, aliado ao texto da
mitologia clássica e ao texto da história do Brasil, aparece em Esaú e Jacó, de
Machado de Assis (a propósito, pode-se ler, de Affonso Romano de Sant'Anna,
estudo publicado em Análise estrutural de romances brasileiros); a mesma
Bíblia, a história da conquista da América e o mito edipiano cruzam-se em Cem
anos de solidão, de Gabriel Garcia Márquez, como demonstra Selma Calasans
Rodrigues em tese de doutorado apresentada à Faculdade de Letras da UFRJ,
em 1985, só para citar três exemplos significativos.
O fértil conceito bakhtiniano deixa perceber ainda limites do plano de
conotação que envolvem desde dimensões individuais até as dimensões dos
gêneros literários. Em que pese a complexidade que o marca, é fora de dúvida
que se presentifica com relevância no discurso literário. A tal ponto que tem
merecido ampliações e aprofundamentos de vários estudiosos58 e frequentado
inúmeros estudos críticos de textos.
A noção de dialogismo se liga à de paródia revitalizada por Bakhtin e esta
à de carnavalização. Mas já se trata de assuntos que fogem aos limites deste
livro.
58 V., a propósito, GENETTK, Gerard. Palimpsestes: la littérature au second degré. Paris: Seuil, 1982; MOISÉS, Leila Perrone. Texto, crítica, escritura. São Paulo: Ática, 1978.
Pág. 78
FechamentoFechamento
O texto literário se caracterizaria por um começo, um meio e um fim.
Seria, portanto, marcado por um fecho. A questão, porém, é outra, longe de ser
pacífica.
Considerada a história narrada, o texto pode não se fechar e deixar em
aberto à imaginação do leitor ou ouvinte a solução ou as soluções para as
tensões ou os conflitos nele apresentados, É o caso, por exemplo, de Dom
Casmurro, de Machado de Assis, que chega a converter-se num enigma a
propósito de Capitu, personagem feminina central, e do romance A grande arte,
de Rubem Fonseca, cujo término, no espaço da trama, é marcadamente
ambíguo.
Em termos estruturais, a partir do entendimento de que o texto literário se
constitui de relações recíprocas entre discurso c narrativa, Michel Arrivé, por
exemplo, conclui, apoiado era considerações e conceitos de Julia Kristeva, que
pode haver abertura ou fechamento, à luz desses dois níveis.
O discurso, no caso, será fechado quando ele mesmo manifestar seu
próprio finalizar-se, através de signos do tipo "agora aplaudam", ou quando sua
própria natureza o indicar, como acontece, por exemplo, com os poemas de
forma fixa, como o soneto. Discurso, nessa perspectiva, é compreendido como
o encadeamento ou a concatenação das unidades propriamente linguísticas
(do fonema à frase) que tornam o texto manifesto. Vale esclarecer que, na
literatura moderna, é raro esse tipo de fechamento formal explicitado.
O fechamento da narrativa se dá "quando o conjunto de suas sequências
está implícito na primeira sequência dentre elas" (exemplo: a tragédia clássica),
ou quando se explicita na última sequência. Ocorre também quando, em alguns
casos, a ação central desta última sequência não pode seguir além de um
Pág. 79
termo implícito na própria estrutura do conteúdo da ação, como é o caso dos
romances policiais, por exemplo. Nos textos em que a ação da última
sequência admite o prosseguimento para além do discurso acabado, a
narrativa permanece aberta.59
59 ARRIVÉ, Michel. La sémiotique littéraire. In: POTTIER, Bernard (Org.). Le langage. Paris: La Bibliothèque du CEPL, 1973. p. 276-8.
Pág. 80
6 6
Vocabulário críticoVocabulário crítico
Comunicação: em sentido restrito, é a troca de mensagens ou
informações entre seres humanos. Se pensamos na etimologia da palavra,
pode ser entendida como a faculdade que tem o homem de tornar comum a
outrem seus pensamentos, sentimentos e desejos e as coisas do mundo que o
cercam. Em sentido amplo, envolve também a realidade técnica da relação
entre o homem e as máquinas (por exemplo, os computadores) e das
máquinas entre si, além de estender-se ao mundo animal e aos sistemas
próprios do interior do indivíduo, como, por exemplo, os sinais transmitidos
pelos feixes de nervos do organismo.
Conotação: pode ser compreendida como a parte do sentido de uma
palavra centralizada na sua capacidade de funcionar para a manifestação
psíquica ou a atuação social, ou seja, centralizada nas funções emotiva e
conativa da linguagem.
Cultura: trata-se de um termo que admite centenas de conceituações. À
luz da antropologia, podemos entendê-lo como o conjunto e a integração dos
modos de pensar, sentir e fazer adotados por uma comunidade, na busca de
soluções para os problemas da vida humana associativa. (Ver outras definições
no corpo do livro.)
Pág. 81
Designação: referência à "realidade", isto é, na terminologia linguística
proposta por Eugênio Coseriu, a relação cada vez determinada entre o signo e
a "coisa" designada.
Estilo (individual): a partir do conceito de Helmut Hatzfeld, é o aspecto
particular que caracteriza a utilização individual da língua e que se revela no
conjunto de traços situados na escolha do vocabulário, na ênfase nos termos
concretos ou abstratos, na preferência por formas verbais ou nominais, na
propensão para determinadas figuras de linguagem, tudo isso vinculado à
organização do que se diz ou se escreve e a um intento de expressividade. Os
estudos relacionados com o estilo envolvem, em síntese, dois
posicionamentos: há aqueles que o consideram como resultante de um
conjunto de escolhas em relação à língua; outros entendem que se trata de um
desvio em relação à norma gramatical.
Estilo de época: ainda com apoio no mesmo Hatzfeld, é a atitude de uma
cultura que surge com tendências análogas nas manifestações artísticas, na
religião, na psicologia, na sociologia, nas formas de polidez, nos costumes,
vestuários, gestos etc. No que diz respeito à literatura, essa modalidade só
pode ser avaliada "pelas contribuições dos estilos individuais, ambíguas em si
mesmas, constituindo uma constelação que aparece em diferentes obras e
autores da mesma era e parece informada pelos mesmos princípios
perceptíveis nas artes vizinhas".
Fala ou discurso: é a utilização individual da língua; é um conglomerado
de fatos assistemáticos e, em relação à língua, "um ato de seleção e
atualização", como explicita Barthes. O conceito tem merecido reformulações.
Língua: entre outras acepções, é a realização de uma linguagem por um
grupo social, um sistema de signos que permite configurar e traduzir a
multiplicidade de vivências caracterizadoras do ser de cada um no mundo.
Pág. 82
Linguagem: o termo admite múltiplas conceituações, entre elas: a
linguagem é uma das formas de apreensão do real. Para Ernst Cassirer, é a
faculdade que o homem tem de expressar seus estados mentais por meio de
um conjunto de sons vocais chamado língua que é, ao mesmo tempo,
representativo do mundo interior e do mundo exterior. Tatiana Slama-Casacu a
considera "um conjunto complexo de processos — resultado de certa atividade
psíquica profundamente determinada pela vida social — que torna possível a
aquisição e o emprego concreto de uma língua qualquer". Lotman a entende
como "qualquer sistema de comunicação que utiliza signos organizados de
maneira particular".
Mímese: o termo pode ser descodificado, à luz de Aristóteles, como
imitação. Imitar, no caso, significa muito mais do que a simples reprodução ou
"fotografia" do real, embora com essa acepção a palavra tenha atravessado os
séculos e dominado, não sem alguma controvérsia, a literatura ocidental. A
partir dos fins do século passado, após um novo entendimento da teoria
aristotélica, passou a ser compreendido como revelação da essência do real.
Ao lado dessa tradição como imitação das essências, envolve ainda, na
estética do Ocidente, conforme assinala Stefan Morawski, uma tradição
platônica (imitação das aparências) e uma tradição demo-crítica (imitação das
ações da natureza). Admite também a pronúncia como paroxítono, embora
alguns estudiosos prefiram reservar essa forma para a figura de retórica
homônima e usar a forma proparoxítona (mímese) para marcá-la na condição
de conceito de poética e de estética, como propõe José Guilherme Merquior.
Norma: por norma, em sentido restrito, compreende-se, segundo Mattoso
Câmara, "o conjunto de hábitos linguísticos vigentes no lugar ou na classe
social mais prestigiosa do país".
Pág. 83
Mais amplamente, pode ser entendida, de acordo com Coseriu, como "um
sistema de realizações obrigatórias consagradas social e culturalmente que
não corresponde ao que se pode dizer mas ao que já se disse e
tradicionalmente se diz na comunidade considerada".
Sentido: em termos amplos, é a significação da palavra no texto, o
conteúdo próprio de um texto.
Significado: é, para ficarmos apenas com Coseriu, "o conteúdo de um
signo ou de uma expressão enquanto dado numa determinada língua e
exclusivamente através dessa mesma língua".
Significante: é, numa dada língua, a parte fônica do signo que, na
relação com o significado, garante a significação. O significante envolve
aspectos físicos, ou seja, vibrações sonoras, e aspectos psicológicos, a saber,
que implicam comando cerebral. É claro que ao termo se estende a mesma
complexidade dos seus correlatos, signo e significado.
Signo: é, segundo a conceituação de Charles Sanders Peirce, qualquer
elemento que, sob certos aspectos e em certa medida, representa outro. Na
lição clássica de Saussure, corresponde à combinação de significante (imagem
acústica) e significado (conceito). A conceituação do termo é, entretanto,
bastante ambígua e complexa.
Sistema: é um conjunto organizado, isto é, integrado por elementos que
se interdependem.
Verso: por verso entende-se, tradicionalmente, a frase ou o segmento
frasal em que há um ritmo nítido e sistemático. De acordo com Mattoso
Câmara, na língua portuguesa, o ritmo desse tipo de verso é "consequência da
regularidade do número de sílabas (ritmo silábico) e da disposição dos acentos
tônicos (ritmo intensivo). Essas duas regularidades combinadas constituem a
medida ou a métrica do verso". A par-
Pág. 84
tir do final do século XIX, floresce uma nova modalidade de verso, o chamado
verso livre; caracteriza-se por deixar de ter na sílaba a sua unidade rítmica; seu
ritmo se apóia na combinação da entoação e das pausas, ou seja, na sucessão
de grupos fônicos valorizados pela entoação, pelas pausas e pela maior ou
menor rapidez da enunciação.
Pág. 85
7 7
Bibliografia comentadaBibliografia comentada
ARISTÓTELES. Arte retórica e arte poética [Art rhétorique et art poétique].
São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1964. Obra de importância básica para a
teoria e a crítica literárias. É com Aristóteles que nasce a preceptiva. Com base
na análise do legado artístico de seu povo, o filósofo grego elabora a sua Arte
poética, de importância fundamental para a história não só da crítica literária
mas do próprio pensamento humano. A Arte retórica trata da eloquência, de
notável presença na Atenas de seu tempo. Nela, o autor aponta os
procedimentos que o orador deve adotar para conduzir os ouvintes à
persuasão que objetiva, a partir de processos dialéticos. A Arte poética,
também centrada no bem dizer, apresenta inúmeras idéias fundamentais sobre
a arte e a literatura. Diante da natureza da matéria que envolve e da linguagem
utilizada, deve-se consultar, de preferência, uma edição comentada.
AUERBACH, Eric. Mimésis: la représentation de la réalité dans la littérature
occidentale. Paris: Gallimard, 1968. O livro estuda a interpretação da realidade
histórica e social em textos representativos, desde o Gênesis e a Odisséia até
obras de Proust, Joyce e Virgínia Woolf. Trata-se de obra já
Pág. 86
clássica sobre a questão da mímese. Pode ser consultada a edição brasileira
da Perspectiva: Mímesis.
BARTHES, Roland. Le degré zero de l'ecriture suivi de éléments de
sémiologie. Paris: Gonthier [s.d.].
O livro se faz, como o título indica, de dois estudos. O primeiro, Le degré
zéro de l'ecriture, procura responder a duas questões básicas: o que é
literatura e que ligações se estabelecem entre ela e a história. Nesse percurso,
o autor situa os diferentes domínios da fala, da língua, do estilo e trata do
problema geral das condições necessárias de uma linguagem. Apresenta
também o conceito de escritura, como complementar das conceituações de
estilo e de língua, situando-o em sua relação com o engajamento do escritor na
sociedade de que participa. O segundo trata, de forma didática, do objeto de
estudo da semiologia e de pesquisas na área. Podem ser consultadas edições
brasileiras, da Cultrix: Elementos de semiologia e Novos ensaios críticos / O
grau zero da escritura.
BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Cultrix/ Edusp,
1977.
O livro engloba seis ensaios marcados pela percuciência crítica e pela
profundidade das considerações: "Imagem e discurso", "O som no signo",
"Frase, música e silêncio", "O encontro dos tempos", "Poesia resistência" e
"Leitura de Viço". Trata desde a essência da poesia até as formas de sua
atualização histórica, como se pode depreender do título da obra.
________. Brás Cubas em três versões: estudos machadianos.
São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
Uma proposta exemplar de leitura crítica, centrada na polissemia do texto
machadiano. Destacadas as reflexões sobre
Pág. 87
as Memórias póstumas de Brás Cubas, objeto dos três primeiros ensaios. Os
demais focalizam a política nas crônicas do autor e a visão de Raymundo
Faoro sobre a obra do Bruxo do Cosme Velho. Estudos convergentes. No
percurso, um diálogo do crítico com outras leituras críticas. Na conclusão, a
proposta fundamentada de uma leitura do romance fundada numa visão
integradora, de caráter hermenêutico, apoiada na "combinação de vetores
formais, existenciais e miméticos, sem que uma instância monocausal tudo
regule e sobredetermine".
Buzzi, Arcângelo. Introdução ao pensar. 3. ed. rev. e aum. Petrópolis:
Vozes, 1971.
Num texto didático e bastante acessível, mesmo para os não iniciados em
filosofia, o autor discorre sobre o ser, o conhecer e a linguagem e suas
relações.
CÂMARA JR., Joaquim Mattoso. Dicionário de filologia e gramática
referente à língua portuguesa. 2. ed. ref. Rio de Janeiro: J. Ozon, 1964.
Nova edição enriquecida da obra anteriormente denominada Dicionário de
fatos gramaticais. Com a segura fundamentação do autor, pioneiro dos estudos
de linguística no Brasil, o livro objetiva, em suas próprias palavras, "dar em
ordem alfabética, para consultas ocorrentes, as noções gramaticais, como base
para a compreensão estrutural, funcional e histórica da língua portuguesa".
CARVALHO, J. G. Herculano de. Teoria da linguagem: natureza do
fenômeno linguístico e análise das línguas. Coimbra: Atlântida, 1967. v. I e II.
Situa didática e claramente, à luz de um rigoroso espírito crítico,
problemas como a natureza da linguagem e do sinal,
Pág. 88
a análise do saber linguístico e do ato da fala, a funcionalidade e a mudança na
linguagem.
COSERIU, Eugênio. Lições de linguística geral [Lezioni di linguística
generale]. Trad. de Evanildo Bechara. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1980.
O livro reúne as lições que o renomado linguista contemporâneo ministrou
nos cursos de atualização para professores de literatura e de línguas
estrangeiras, na Itália, de 1968 a 1971. Obra marcada pela originalidade de
várias propostas, estuda questões relacionadas com as teorias linguísticas
modernas a partir de uma "consideração estrutural e funcional, numa
concepção dinâmica da língua". Coseriu identifica e explicita ainda os três
níveis de linguagem referidos: o universal, o histórico e o individual. Texto
fundamental para uma visão atualizada de importantes questões ligadas à
linguagem.
DUCROT, Oswald; TODOROV, Tzvetan. Dictionnaire encyclopédique des
sciences du langage. Paris: Seuil, 1972. Trata-se de um dicionário que busca
explicitar termos da linguística, da literatura e de disciplinas afins. Compõe-se
de cinquenta e sete artigos que envolvem cerca de oitocentas definições, o que
possibilita, por força do índice final que o integra, a consulta pela ordem
alfabética e a leitura corrida. Artigos e conceitos são acompanhados de
indicações bibliográficas complementares que permitem aprofundamento e
ampliação de conhecimentos sobre a matéria tratada. Possibilita conhecer um
dos vários e distintos posicionamentos relacionados com a linguagem, a
literatura e a teoria literária.
ESCARPIT, Robert (Dir.). Le Uttéraire et le social: éléments pour une
sociologie de la littérature. Paris: Flammarion, 1970.
Pág. 89
A obra envolve, em diferentes ensaios, apreciações originais sobre a
sociologia da literatura, mais bem aproveitadas pelo leitor que já tenha um
convívio com o tema. Há no livro um documento assinado por Robert Escarpit
— denominado "La définition du terme 'littérature'. Project d'un arti-cle pour un
dictionnaire international des termes littéraires" — que permite, entretanto, uma
visão da etimologia do termo e do percurso histórico de sua significação.
FRYE, Northrop. Anatomie de la critique [Anatomy of criticism]. Paris:
Gallimard, 1969.
O livro é, desde 1957, um dos mais importantes textos da crítica literária
anglo-saxônica. Nele, o autor procura definir a literatura e a crítica literária e, no
âmbito desta última, tece considerações sobre quatro tipos: a crítica histórica, a
crítica etológica, a crítica retórica e a crítica dos arquétipos. Leitura de grande
interesse, sobretudo na área das relações entre literatura e mito. Pode ser lido
na edição brasileira, da Cultrix: Anatomia da crítica.
JAKOBSON, Roman. Essais de linguistique générale. Paris: Minuit, 1966.
Em onze ensaios, o autor trata, com percuciência, da maioria das
questões fundamentais da linguística estrutural, no âmbito da fonologia, da
semântica, da retórica e da poética. Importante para os interessados nos
estudos da linguagem literária é o já clássico "Linguística e poética", que
examina, entre outros aspectos, os fatores do processo linguístico da
comunicação e as funções da linguagem.
LEFEBVE, Maurice-Jean. Structure du discours de la poesie et du récit.
Neuchâtel: La Baconnière, 1971. Livro centralizado numa tese pessoal do autor
a propósito da estrutura e do funcionamento do discurso literário, converte-
Pág. 90
se, por outro lado, num texto didático mobilizador de reflexões sobre uma série
de noções e questões relevantes relacionadas com as características da
linguagem da literatura.
IÉVAVASSEUR, Aline. Style et stylistiquc. In: MARTINET, André (Dir.). La
linguistique. Paris: Denoël [1969]. A autora rastreia o conceito de estilística
desde o seu aparecimento e questiona e discute as várias posições dos
estudiosos a propósito do conceito de estilo.
LIMA, Luiz Costa. História. Ficção. Literatura. São Paulo: Companhia das
Letras, 2006.
Teórico da literatura, o autor discute a especificidade dos termos que dão
título à obra, seus limites, suas fronteiras. Aponta distinções entre ficcional e
literário. Rastreia percursos conceituais, notadamente o da literatura. Propõe
reformulações, mobilizadoras da reflexão do leitor, num texto rigorosamente
fundamentado.
LOTMAN, Iouri. La structure du texte artistique. Paris: Gallimard, 1975.
A obra envolve uma síntese e uma retomada crítica dos trabalhos dos
formalistas russos e dos estruturalistas, com referências às contribuições de
Tynianov, Bakhtin, Roman Jakobson, Roland Barthes e Christian Metz, entre
outros. Centrada na especificidade da informação artística, inclui amplo e
importante estudo sobre a arte como linguagem e sobre a linguagem poética.
MANHEIM, Karl. Ideologia e utopia [Ideology and utopia]. 3. ed. Rio de
Janeiro: Zahar, 1976.
Obra importante para o entendimento da mudança social e sua relação
com a ideologia, cuja complexa conceituação é objeto do capítulo II.
MAKTINET, André (Dir.). La linguistique. Paris: Denoël, 1969.
Pág. 91
Obra coletiva, é um guia alfabético que reúne 51 artigos relacionados com
as principais noções da linguística moderna. Segura introdução ao
conhecimento de conceitos básicos vinculados à linguagem.
MERQUIOR, José Guilherme. A astúcia da mímese: ensaios sobre lírica.
Rio de Janeiro: J. Olympio, 1972. Merquior, com a segura fundamentação e a
inteligência que marcam seus escritos, reúne nove ensaios sobre temas
teóricos e sobre textos de autores como Rilke, Carlos Drummond de Andrade,
João Cabral de Melo Neto, José Carlos Capinan e Francisco Alvim. O primeiro
deles, sobre a natureza da lírica, é uma excelente introdução ao entendimento
da mimese em literatura.
OLSEN, Stein Haughom. A estrutura do entendimento literário [The
structure of literary understanding]. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
A obra tem, como propósito, a "tentativa de explicar a natureza da reação
do leitor à obra literária". Nesse sentido, descreve e questiona as teorias que
consideram a literatura expressão de emoção, revelação de um tipo especial
de verdade e modalidade específica de linguagem, e também busca fazer a
"anatomia" dos julgamentos literários. Em que pese o caráter polêmico do
texto, é uma leitura informativa, rica e instigadora.
PENUELAS, Marcelino C. Mito, literatura y realidad. Madrid: Gredos, 1965.
O livro situa o mito e suas relações com a linguagem e a literatura.
Excelente ponto de partida para um conhecimento dessa rica área de estudos,
com aprofundamento possibilitado pela bibliografia que apresenta.
Pág. 92
Pignatari, Décio. Informação. Linguagem. Comunicação. São Paulo:
Perspectiva, 1968.
Trata, de forma clara e didática, de questões ligadas à comunicação e à
linguagem. O capítulo 2 é uma excelente introdução à teoria dos signos.
PORTELLA, Eduardo et al. Teoria literária. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1975.
A obra se faz de sete ensaios instigadores de reflexão: "Limites ilimitados
da teoria literária", de Eduardo Portella; "Crítica e história literária", de Manuel
Antônio de Castro; "Os estilos históricos na literatura ocidental", de José
Guilherme Merquior; "Os gêneros literários", de Helena Parente Cunha;
"Análise da narrativa", de Maria do Carmo Pandolfo; "Semiologia e literatura",
de Muniz Sodré e "A paraliteratura", de Anazildo Vasconcelos da Silva.
POUILLON, Jean. Temps et roman. 3. ed. Paris: Gallimard [s.d.]. Estudo
básico sobre o romance; com apoio em textos representativos, trata da questão
do tempo e de outras questões teóricas relevantes, como a intenção
romanesca, a imaginação, a autobiografia, os diferentes modos de
conhecimento do "eu", os personagens etc. Pode-se ler a edição brasileira, da
Cultrix/Edusp: Tempo e romance.
PROENÇA FILHO, Domício. Estilos de época na literatura. 14. ed., 5. reimpr.
São Paulo: Ática, 2002.
Este livro pretende ser, em princípio, uma introdução aos estudos de
literatura, a partir de textos comentados, com ênfase numa visão ampla dos
movimentos literários desenvolvidos no mundo ocidental. Incluídas
considerações sobre o chamado Pós-modernismo. Nele apresento,
notadamente nos quatro primeiros dos treze capítulos que o constituem e em
inúmeras notas, considerações e informações sobre lin-
Pág. 93
guagem e arte literária, além de uma extensa bibliografia de apoio. Acredito
que possa ser utilizado com algum proveito por quem se inicie nesses
assuntos.
REIS, Carlos. O conhecimento da literatura: introdução aos estudos
literários. Coimbra: Almedina, 1995. A obra apresenta e examina
exaustivamente conceitos operacionais relevantes no âmbito da teoria da
literatura. Analisa e discute o conceito de literatura, o texto literário, a
periodologia literária, modos e gêneros do discurso. Tece, entre outras,
considerações sobre a poesia lírica, sobre o diálogo entre a literatura e a
História, sobre a criação poética, sobre o diálogo intertextual. Na
fundamentação, ampla e atualizada bibliografia.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística general [Cours de
linguistique générale]. Publicado por Charles Bally y Albert Sechehaye con la
colaboración de Albert Riedlinger. 2. ed. Buenos Aires: Losada, 1955.
Livro pioneiro e fundamental, leitura imprescindível para quem quer que
se preocupe com os estudos da linguagem. Além da edição citada, preparada
pelos discípulos do mestre genebrino, deve-se consultar a edição feita por Túlio
de Mauro, lançada pela Payot, 1972.
SILVA, Vítor Manuel de Aguiar e. Teoria da literatura. São Paulo: Martins
Fontes, 1976.
Obra nascida dos cursos da disciplina que o autor ministrou na Faculdade
de Letras de Coimbra, oferece um amplo leque de aspectos da problemática do
fenômeno literário rigorosa e exaustivamente examinados. Uma ampla
bibliografia possibilita maior aprofundamento nos estudos da área. Leitura
básica para um conhecimento de conceitos fundamentais da teoria literária.
Pág. 94
STAIGER, Emil. Conceitos fundamentais da poética [Grundbe-griffe des
poetik]. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1969. O livro envolve uma
compreensão renovada e original do que se entende por épico, lírico e
dramático e, até certo ponto, por trágico e cômico. Leitura importante para uma
visão atualizada desses conceitos, ainda objeto de posições polêmicas e não
raro contraditórias.
THÉORIE de la litterature. Textes des formalistes russes. Paris: Seuil, 1965.
O livro se faz de quatro partes que tratam, respectivamente, das linhas
mestras da metodologia formalista, de estudos sobre ritmo e verso, de uma
teoria da prosa e suas manifestações (o conto, a novela e o romance) e de um
apêndice com uma exposição dos temas principais ligados à teoria da
literatura. Não é uma obra de iniciação nos estudos de literatura; sua leitura
exige conhecimento prévio dos conceitos básicos da teoria literária; vale
lembrar, entretanto, que o trabalho dos formalistas repercutiu marcadamente
nos estudos linguísticos e literários contemporâneos, seja entre os
participantes do Círculo Linguístico de Praga, como Jakobson por exemplo,
seja entre estudiosos que defendem posições modernas da teoria da
informação, passando por estruturalistas como Roland Barthes, Claude Lévy-
Strauss e Michel Foucault, entre outros. Pode-se ler a edição brasileira
organizada por Dionísio de Oliveira Toledo e publicada pela Editora Globo,
Porto Alegre, 1976.
WELLEK, René; WARREN, Austin. Teoria da Literatura [Theory of
Literature]. Lisboa: Europa-América, 1962. Obra já clássica no âmbito dos
estudos de teoria literária, propõe-se, como explicitam os autores no prefácio,
"unir a
Pág. 95
'poética' (ou teoria literária) e o 'criticismo' (valoração da literatura) à 'erudição'
(investigação') e à 'história literária' (a 'dinâmica' da literatura em contraste com
a 'estática' da teoria e do criticismo)". É mais um posicionamento, entre tantos,
a propósito de conceitos básicos da teoria da literatura e permite comparações
esclarecedoras.
http://groups.google.com.br/group/digitalsourcehttp://groups.google.com/group/Viciados_em_Livros