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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO
PUC-SP
Eliane Domingues
ENTRE A UTOPIA E O MAL-ESTAR : REFLEXES PSICANALTICAS
SOBRE OS MILITANTES DOMST E SEUS DILEMAS
DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL
SO PAULO
2011
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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO
PUC-SP
Eliane Domingues
ENTRE A UTOPIA E O MAL-ESTAR : REFLEXES PSICANALTICAS
SOBRE OS MILITANTES DOMST E SEUS DILEMAS
DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL
Tese apresentada Banca Examinadora daPontifcia Universidade Catlica de SoPaulo, como exigncia parcial para obtenodo ttulo de Doutor em Psicologia Social soborientao da Prof. Dr. Miriam DebieuxRosa
SO PAULO
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Banca Examinadora
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Aos militantes doMST
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AGRADECIMENTOS
Profa. Dra. Miriam Debieux Rosa, pelo acolhimento, disponibilidade e
orientao que foram fundamentais para elaborao desta tese.
Aos Profs. Dr. Jos Moura Gonalves Filho e Dr. Salvador Meireles Sandoval,
pelas sugestes e questes propostas por ocasio do exame de qualificao. Dra.
Maria Rita Bicalho Kehl pelos questionamentos feitos no exame de qualificao. Ao
Prof. Dr. Edson Andr de Sousa pelos textos sugeridos e enviados.
Aos amigos que me apoiaram, compartilharam minhas angstias, leram partes
do texto e deram valiosas sugestes. Especialmente a: Sandra Luzia Alencar, Glaucia
Valria de Brida, Viviane do Carmo Catroli, Maria Therezinha Loddi Liboni e Max
Rogrio Vicentin.
todos estudantes que participaram desta pesquisa e coordenao da escola de
agroecologia do MST que tornaram a realizao desta pesquisa possvel.
Aos meus pais Adilson e Maria Dirce e irms Analgia e Analia pelo apoio e
compreenso.
Ao Prof. Dr. Patrick Guyomard que me recebeu na Universit Paris 7 para o
estgio de doutorado.
Universidade Estadual de Maring e ao Departamento de Psicologia pelo
afastamento concedido para realizao do doutorado.
Ao CNPq e CAPES pelas bolsas concedidas, no Brasil e na Frana.
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DOMINGUES, Eliane
Entre a utopia e o mal-estar:
reflexes psicanalticas sobre os militantes do MST e seus dilemas
RESUMO
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foi fundado oficialmente em1984 e atualmente est presente em 23 estados e no Distrito Federal. Envolve cerca de1,5 milho de pessoas, das quais aproximadamente 400 mil esto em acampamentos.Seus principais objetivos, desde sua fundao, so: lutar pela terra, lutar pela reformaagrria e lutar por uma sociedade mais justa e fraterna. (MST, 2009). Passados mais de
25 anos de existncia do MST, muitos conquistaram a terra, mas a reforma agrria e as
almejadas transformaes sociais, ideais que movem os militantes, ainda esto longe daconcretizao. Diante deste contexto, nesta pesquisa indagou-se: como os militantesvivenciam a distncia entre a sociedade atual e a sociedade pela qual eles lutam, umasociedade justa e fraternapara todos? Como os militantes vivenciam a tenso existenteentre viver em uma sociedade capitalista sustentando valores e ideais socialistas? Comose faz presente no cotidiano dos militantes a tenso existente entre as exigncias ecobranas do coletivo (MST) e do prprio sujeito (supereu) e os ideais (sociais einstncia psquica)? Estas questes foram formuladas a partir do que os prpriosmilitantes do MST apresentaram como sendo os dilemas que eles enfrentam em seu
cotidiano e constituem o objeto de investigao dessa tese. Os referenciais tericosadotados foram a psicanlise e a metodologia de pesquisa pesquisa-interveno
psicanaltica. Partiu-se da ideia de Freud (1927) de que algumas classes, grupos esujeitos pagam um a mais de sacrifcio para viver na cultura e desenvolveu-se ahiptese de que o militante, ao no aceitar o a mais de sacrifcio imposto para sua
classe, acaba pagando um a mais por sua condio de militante, o que no significa
apenas trocar um a mais de sacrifcio por outro, pois os novos sacrifcios so pagoscom um lugar social dentro do MST e com a possibilidade de uma revitalizaonarcsica dos sujeitos, ou seja, so pagos com um a mais de satisfao possibilitada
pela adeso a ideais. Para que os ideais continuem movendo os sujeitos, necessrioque entre eles e o estado atual seja do sujeito seja da sociedade sempre deve existiruma distncia. Algo sempre deve faltar para que o desejo siga seu curso, mas o que falta
para os sujeitos no serem lanados na angstia deve-se ancorar em um projeto defuturo, em uma esperana. isto que faz o MST: oferece aos sujeitos, um projeto defuturo, uma esperana. Seus militantes pagam o preo pelo desejo que os move, masnem por isto deixam de apostar no desejo, mesmo que lhes custe uma libra de carne.Palavras-chave:militante; MST; psicanlise; narcisismo; sacrifcio.
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DOMINGUES, Eliane
Between utopia and discontents:
Psychoanalytical reflexions on MST1militant and their dilemmas
ABSTRACT
MST was officially founded in 1984 and is nowadays present at 23 states and thefederal district. It involves nearly 1.5 million people and about 400 thousand are atcamps. Its main aims, since the foundation, are: fighting for land, fighting for land
reform, and fighting for a more fraternal and fair society (MST, 2009). Having passedmore than 25 years of existence, many conquered their land, but land reform and thedesired social transformations, ideals that move militants, are still far from achievement.
Before this context, this research has asked: how do militants experience the distancebetween current society and the society they fight for, which is equal and fraternal toall? How do they experience the tension between living in a capitalist society supportingsocialist values and ideals? How is tension between demanding and charges fromcollective (MST) and the ideals (social and psychic ambits) present at militants
everyday life? These questions were formulated from what the MST militantsthemselves present as being the dilemmas they face and they constitute as object ofresearch of this thesis. The theoretical reference adopted was psychoanalysis andresearch methodology psychoanalytical intervention research. It was built on Freudsidea (2007/1927) that some classes, groups, and subjects pay more sacrifice to live inthe culture and developed the hypothesis that the militant, for not accepting this more
of sacrifice imposed by his class, ends up paying more for his militant condition, whatdoes not simply mean exchange this more sacrifice for other, as new sacrifices are
paid with a social place inside MST and with the possibility of a subject narcissisticrevitalization, that is, they are paid with more satisfaction enabled by ideals adhesion.In order to the ideals keep moving the subjects, it is necessary that between them andthe current state of the subject or society always exist some distance. Somethingshould always be missing so that the desire keeps flowing, but what misses to thesubjects not be woeful, is to be based on a future project, some hope. This is what MSTdoes: offer to subjects a future Project, a hope. Its militants afford the desire that movesthem, but always bet on it, even if it costs them a pound of flesh.
Keywords: militant; MST; psychoanalysis, narcissism; sacrifice.
1MST in Portuguese stands for Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, which is a movement ofrural workers who claim for their rights of having their own land to work and live.
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DOMINGUES, Eliane
Entre la utopa y el malestar:
reflexiones psicoanalticas sobre los militantes de MST y sus dilemas
RESUMEN
El Movimiento de los Trabajadores Rurales Sin Tierra (MST) fue fundado oficialmenteen 1984 y actualmente est presente en 23 estados y en el Distrito Federal. Tiene cercade 1,5 millones de personas, de las cuales aproximadamente 400 mil estn encampamentos. Sus principales objetivos, desde su fundacin, son: luchar por la tierra,luchar por la reforma agraria y luchar por una sociedad ms justa y fraterna. (MST,
2009). Pasados ms de 25 aos de existencia de MST, muchos conquistaron la tierra,pero la reforma agraria y las anheladas transformaciones sociales, ideales que mueven alos militantes, an estn lejos de la concretizacin. Delante de este contexto, en estainvestigacin se indag: cmo los militantes viven la distancia entre la sociedad actualy la sociedad por la cual ellos luchan, una sociedad justa y fraternapara todos? Cmolos militantes viven la tensin existente entre vivir en una sociedad capitalistasosteniendo valores e ideales socialistas? Cmo se hace presente en el cotidiano de losmilitantes la tensin existente entre las exigencias y cobro del colectivo (MST) y del
propio sujeto (superyo) y los ideales (sociales e instancia psquica)? Estas cuestionesfueron formuladas a partir de lo que los propios militantes de MST presentaron comosiendo los dilemas que ellos enfrentan en su cotidiano y constituyen el objeto deinvestigacin de esta tesis. El referencial terico adoptado fue el psicoanlisis y lametodologa de investigacin la investigacin-intervencin psicoanaltica. Se parti de
la idea de Freud (2007/1927) de que algunas clases, grupos y sujetospagan un a msde sacrificio para vivir en la cultura y se desarroll la hiptesis de que el militante, al noaceptar el a ms de sacrificio impuesto para su clase, acaba pagando un a ms por
su condicin de militante, lo que no significa apenas cambiar un a ms de sacrificiopor otro, pues los nuevos sacrificios son pagados con un lugar social dentro de MST ycon la posibilidad de una revitalizacin narcsica de los sujetos, o sea, son pagados conun a ms de satisfaccinposibilitada por la adhesin a ideales. Para que los idealescontinen moviendo a los sujetos, es necesario que entre ellos y el estado actual sea
del sujeto sea de la sociedad siempre debe existir una distancia. Algo siempre debefaltar para que el deseo siga su curso, pero lo que falta para que los sujetos no seantirados a la angustia se debe basar en un proyecto de futuro, en una esperanza. Es esto
que hace MST: ofrece a los sujetos, un proyecto de futuro, una esperanza. Sus militantespagan el precio por el deseo que los mueve, pero ni por esto dejan de apostar en eldeseo, mismo que les coste una libra de carne.
Palabras clave:militante; MST; psicoanlisis; narcisismo; sacrificio.
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SUMRIO
INTRODUO................................................................................................................9
PARTE I: APRESENTAO DO MST E DA METODOLOGIA DA PESQUISA.......14CAPTULO 1 : ORIGEM E MODERNIDADE DO MST............................................15
1.1.A luta pela terra no Brasil e o surgimento do MST: violncia ecriminalizao......................................................................................................151.2. A influncia da Igreja e construo dos objetivos do MST..........................221.3. Educao e emancipao: a modernidade do MST......................................26
CAPTULO 2 : O CAMPO E A METODOLOGIA DA PESQUISA ........................302.1. As escolas de agroecologia do MST no Paran............................................312.2. O contato inicial com a escola......................................................................352.3. A pesquisa-interveno................................................................................372.4.Por que pesquisa-interveno psicanaltica?..................................................43
PARTE II: UTOPIA E MILITNCIA...................................................................................48CAPTULO 1: UTOPIAS E/OU IDEAIS SOCIAIS......................................................49
1.1.Utopias ..........................................................................................................491.2.Utopia, sonho e desejo...................................................................................581.3.Utopia e ideais sociais....................................................................................62
CAPTULO 2: MILITNCIA E MST............................................................................702.1.Militncia hoje...............................................................................................702.2.Militantes do MST.........................................................................................772.3.Militncia e psicanlise .................................................................................81
PARTE III: OS DILEMAS DOMILITANTE DO MST PENSADOS A PARTIR DAPSICANLISE ................................................................................................................91CAPTULO 1 : SACRIFCIO, MAL-ESTAR E MILITNCIA .................................92
1.1O sacrifcio de si............................................................................................921.2O sacrifcio pulsional.....................................................................................971.3O sacrifcio na ps-modernidade.............................................................101
CAPTULO 2 : IDEAIS, EXIGNCIAS E IDENTIDADE SEM TERRA..................1062.1 O narcisismo e a constituio do eu ideal...................................................1072.2 Eu ideal e ideal do eu: algumas consideraes ps-freudianas...................1102.3 A articulao aos ideais...............................................................................1122.4 As exigncias internas e externas: o supereu entra em cena.......................114
2.5 Identidade e identificaes..........................................................................119CAPTULO 3: A HUMILHAO SOCIAL E A LUTA PORRECONHECIMENTO..................................................................................................126
3.1. A humilhao social e a luta por reconhecimento......................................126
CONSIDERAES FINAIS...............................................................................................138
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.................................................................................142
ANEXO....................................................................................................................................153
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INTRODUO
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foi fundado
oficialmente em 1984 e atualmente est presente em 23 estados e no Distrito Federal.
Envolve cerca de 1,5 milho de pessoas, das quais aproximadamente 400 mil esto em
acampamentos. Seus principais objetivos, desde sua fundao, so: lutar pela terra,
lutar pela reforma agrria e lutar por uma sociedade mais justa e fraterna. (MST,
2009).
A conquista da terra, a reforma agrria e uma sociedade mais justa e fraterna
para todos so os ideais que unem os integrantes no MST e os mobilizam a participar do
movimento; porm nem todos os integrantes aderem da mesma forma a estes ideais.
Enquanto os militantes lutam pela terra, pela reforma agrria e pela construo de uma
nova sociedade, os integrantes que compem a base lutam pela terra e no
necessariamente aderem luta pela reforma agrria e por uma sociedade mais
igualitria. So diferentes ideais articulados que unem e mobilizam os integrantes do
MST1.
Passados mais de 25 anos de existncia do MST, muitos conquistaram a terra.
Cerca de 350 mil famlias esto assentadas, distribudas em reas que, se somadas,
chegam a 14 milhes de hectares (STDILE, 2008); mas a reforma agrria e as
almejadas transformaes sociais, ideais que movem os militantes, ainda esto longe da
concretizao.
Mesmo para aqueles que tm como ideal a conquista da terra e esto assentados,
este fato no significa que eles tenham chegado ao paraso, pois novos problemas
surgem e muitas das antigas dificuldades continuam, como o acesso sade, educao
e moradia. A conquista da terra importante, mas h sempre algo que falta e em
muitos casos este algo sempre muito. No que diz respeito aos militantes, a conquistada terra representa apenas um passo rumo a transformaes mais amplas e estruturais:
como eles vivenciam a distncia entre a sociedade atual e a sociedade pela qual eles
lutam, uma sociedade justa e fraternapara todos; como os militantes vivenciam a tenso
existente entre viver em uma sociedade capitalista sustentando valores e ideais
socialistas; como eles so afetados pelos ideais particularistas de consumo vigentes na
sociedade na qual vivemos; e como se faz presente no cotidiano dos militantes a tenso
1Esta foi uma das concluses da dissertao de mestrado da autora: A luta pela terra e o Movimento dosTrabalhadores Rurais Sem Terra: contribuies da psicanlise.
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existente entre as exigncias e cobranas do coletivo (MST) e do prprio sujeito
(supereu) e os ideais (sociais e instncia psquica). Estas questes constituem o objetivo
principal dessa pesquisa, que tambm buscou investigar como os militantes do MST
vivenciam situaes de violncia e o dilema militncia x famlia.
O interesse em investigar estas questes surgiu a partir da participao da autora
no seminrio Subjetividade e a questo da terra2, evento em que os militantes do MST
expuseram quais so as tenses, desafios e conflitos que eles enfrentam na luta pela
terra. Certamente a palavra dilema no d conta de expressar tudo isto, mas foi
adotada nesta pesquisa porque era esta a palavra que os militantes muitas vezes
empregavam para expressar o conjunto das tenses, dos desafios e dos conflitos que
eles vivem em seu cotidiano.
Acreditando na fecundidade de uma leitura psicanaltica destas questes, essa
pesquisa tambm visa trazer contribuies para o estudo da articulao entre o psquico
e o social, tendo como base a anlise de um movimento social genuinamente brasileiro e
focando especificamente seus militantes com seus dilemas. No se trata, porm, de uma
pesquisa de psicanlise aplicada, mas sim, de uma pesquisa de psicanlise implicada.
Isto quer dizer que se busca evitar o modo de fazer pesquisa que ficou conhecido
como psicanlise aplicada3, no sentido que esta ltima adquiriu depois de Freud, de ser
uma mera extenso dos conceitos psicanalticos a outros campos supostamente
estranhos sua origem. Em Freud, segundo Plon (1999), temos a teoria psicanaltica e
as aplicaes da psicanlise que incluem a prtica clnica e os estudos referentes a
fenmenos sociais, cultura e arte , que constituram a base para construo da
teoria psicanaltica. Depois de Freud, a teoria psicanaltica e a clnica passaram a ser
entendidas como a psicanlise pura, sem adjetivos, enquanto a psicanlise aplicada,
que diz respeito a estudos referentes a fenmenos sociais, cultura e arte, passou a ser
entendida como lugar de mera demonstrao do que supostamente a psicanlise j sabia.Por no se pretender fazer a demonstrao dos conceitos psicanalticos e para evitar
toda a controvrsia que acompanha a denominao psicanlise aplicada, optou-se pela
denominao psicanlise implicada; implicada tanto por levar em conta os modos
singulares de formular a militncia quanto por enfatizar o posicionamento tico-poltico
2O seminrio Subjetividade e a questo da terrafoi realizado em 2004, fruto de uma parceria entre oConselho Federal de Psicologia (CFP) e o MST. Dele participaram pouco mais de 20 pessoas, entre
psiclogos e militantes do MST e seu objetivo foi a aproximao dos psiclogos das demandas epropostas dos trabalhadores do campo, no caso daqueles que integravam o MST3 Discutimos esta ideia em ROSA; DOMINGUES, 2010.
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do pesquisador, que no um observador externo ao objeto observado, mas implicado
e comprometido com os participantes da pesquisa, com a escolha do tema e da
metodologia e com o recorte do objeto. Feitas estas consideraes, apresentar-se- na
sequncia a estrutura geral da pesquisa, que foi organizada em trs partes.
A primeira parte tem como objetivo fazer uma breve apresentao do MST e da
metodologia da pesquisa. No primeiro captulo resgatam-se episdios das lutas
camponesas no Brasil at chegar ao surgimento e constituio do MST. Destaca-se a
criminalizao e a violncia de que foram vtimas aqueles camponeses que ousaram se
mobilizar contra a explorao, a expropriao e expulso do campo, assim como a
modernidade do MST, suas conquistas e sua contribuio para a emancipao de
milhares de camponeses. No segundo captulo so descritos o campo da pesquisa e a
metodologia adotada: a pesquisa-interveno psicanaltica, uma das alternativas
possveis dentro do que se entende como psicanlise implicada. O campo foi uma escola
de agroecologia do MST, e os participantes, militantes em formao que estudavam
nesta escola. A proposta foi realizar um trabalho de pesquisa-interveno/escuta que,
alm do levantamento e discusso dos dilemas do militante, tambm proporcionasse um
espao de palavra e reflexo, em que os sujeitos pudessem expressar suas
singularidades, falar de si prprios e de sua percepo de mundo. A demanda de um
trabalho deste tipo foi levantada no Seminrio Subjetividade e a questo da terra e
tambm se fez presente no grupo participante desta pesquisa. Assim, a pesquisa-
interveno psicanaltica teve como objetivo atender a uma demanda levantada pelos
prprios militantes do MST, a da criao de um espao de escuta para seus dilemas e ao
mesmo tempo de um espao que produzisse relatos que pudessem ser tematizados como
objetos de pesquisa.Neste captulo tambm se descreve como foi organizado este
espao, com encontros temticos em pequenos grupos, e ao final do captulo so
apresentados os pressupostos orientadores da pesquisa-interveno psicanaltica.A segunda parte, composta de dois captulos, dedicada ao tema da utopia e a da
militncia. No primeiro captulo se discorre sobre utopia, tema que surgiu no decorrer
do percurso da pesquisa. Na pesquisa de mestrado da autora, uma das concluses foi
que os militantes do MST so movidos pelo ideais revolucionrios sustentados pelo
movimento, porm aquilo que era chamado por mim de ideais, outras pesquisas
chamavam de utopia. Da surgiu o questionamento: utopia e ideais podem ser tomados
como sinnimos? A partir deste questionamento adentrou-se no campo da utopia, oumelhor, das utopias. Inicia-se o captulo com a conceituao da utopia no campo
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filosfico at chegar ao campo da psicanlise, buscando-se a articulao entre o que
da ordem do social (utopias/ideais sociais) e que da ordem do psquico (sonho, desejo,
ideal do eu e narcisismo). No final do primeiro captulo buscou-se responder questo
que motivou a sua escrita. O segundo captulo teve como objetivo apresentar uma
caracterizao do que ser militante na atualidade, do que ser militante doMST e
trazer as contribuies da psicanlise para pensar a temtica da militncia. Em um
contexto de declnio das grandes narrativas, em que os movimentos sociais privilegiam
o agir no aqui e agora em detrimento do debate doutrinrio e em que a militncia
associada ideia de livre servio, o MST parece nadar contra a corrente e mostra
que os ideais revolucionrios ainda esto vivos, que possvel agir no aqui e agora sem
deixar de lado o debate doutrinrio, e que ainda existem militantes que se engajam de
corpo e alma. Tal engajamento no sem consequncias para ao militante do MST e
est profundamente relacionado constituio dos dilemas que ele vivencia em seu
cotidiano, tema abordado na terceira e ltima parte do trabalho.
O dilema traz a ideia de uma escolha que sempre insatisfatria e difcil e que
traz sempre sofrimento para aquele que deve escolher. Sempre h um preo a pagar pela
escolha feita. Antes da possibilidade de qualquer escolha, no entanto, o sujeito humano
paga um preo por viver na cultura, preo que, como diz Freud (1927), no igual para
todos, pois determinadas classes, grupos e sujeitos pagam um preo mais alto que outros
e tm menos acesso aos benefcios. A partir desta ideia de Freud, entende-se nessa
pesquisa que, para abordar os dilemas do militante do MST, deve-se considerar este
contexto anterior no qual se constituem as possibilidades de escolha do militante, e que
uma vez feita a escolha, tem-se uma nova conta a pagar, riscos e contradies a
enfrentar. Vejamos como estas questes foram abordadas nos trs captulos que compe
a ltima parte da tese.
O primeiro captulo da ltima parte, Sacrifcio, mal-estar e militncia,tem comoobjetivo apresentar este contexto em que se constituem os dilemas do militante do MST
e tambm discutir a ideia de que o militante aquele que se sacrifica por uma causa.
Neste sentido, foi proposta a questo: O que o militante do MST sacrifica?. Dois
autores foram utilizados para discutir a noo de sacrifcio: Rosolato (2004a , 2004b) e
a noo de sacrifcio de si (da razo, dos bens e da prpria vida) e Freud (1927, 1930) e
a noo de sacrifcio pulsional como o preo que se paga para viver na cultura. O
dilema militncia x famlia e o risco de morte que o militante enfrenta so pensados apartir das ideias dos autores citados. A hiptese desenvolvida neste captulo de que o
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militante, ao no aceitar o a mais de sacrifcio imposto para sua classe, acaba pagando
um a mais por sua condio de militante, porm isto no significa trocar um a mais
de sacrifcio por outro, pois os novos sacrifcios so pagos com um lugar social dentro
do movimento e com a possibilidade de uma revitalizao narcsica dos sujeitos.
O segundo captulo da ltima parte, Ideais, exigncias e identidade, parte do
conceito de narcisismo para pensar a militncia do MST. A hiptese desenvolvida
que a militncia no MST pode possibilitar certa revitalizao narcsica ao militante, pela
adeso aos ideais sociais sustentados pelo movimento; porm, se por um lado a adeso a
ideiais sociais traz certa satisfao narcsica para o sujeito, por outro esses ideais vm
acompanhados de exigncias, e no caso da adeso ao MST, da identidade de sem-terra.
Os ideais, como diz Bloch (2005), agem de modo exigente, sendo difcil separ -los
das exigncias que os acompanham. Este lado exigente dos ideais Freud chamou de
supereu. Esta tenso entre ideais e exigncias e as implicaes que a identidade de sem-
terra traz para o sujeito so as questes abordadas nesse captulo.
O terceiro captulo da ltima parte, A humilhao social e a luta por
reconhecimento, no propriamente um dilema enfrentado pelos militantes do MST,
pelo menos no depois que eles aderiram ao MST que luta tambm por reconhecimento.
Isto quer dizer que os militantes j escolheram a luta por reconhecimento, embora no
deixem de ser marcados e afetados e sofram com a humilhao social. A humilhao
social continua gerando dor que precisa ser cotidianamente transformada em luta. Esta
questo abordada nesse captulo, que parte do sentido etimolgico da humilhao,
mostra como esta pode ser pensada pela psicanlise, apresenta relatos de humilhao e
chega no contraponto da humilhao social: a revolta e a luta por reconhecimento
jurdico e social.
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PARTE I: APRESENTAO DO MST E DA METODOLOGIA DA PESQUISA
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CAPTULO 1 : ORIGEM E MODERNIDADE DO MST
A luta pela terra em um pas como nosso - de dimenses continentais e fartura de
terras agricultveis - um paradoxo bastante anterior ao surgimento do MST, assim
como a criminalizao daqueles que so vtimas. Resgatar, ainda que brevemente, um
pouco desta histria o ponto de partida deste trabalho. Inicia-se o texto com a citao
das guerras de Canudos e do Contestado, episdios que no so de luta pela terra ou
reforma agrria, mas j mostram a insatisfao e revolta no campo daqueles que no
tm direitos. Em seguida trata-se da Guerra de Porecatu e da revolta dos posseiros, em
que a posse da terra passa a ser uma questo central, e das Ligas Camponesas, em que a
reforma agrria se constitui como uma reivindicao dos camponeses, at chegar
constituio e s reivindicaes do MST.
1.1- A luta pela terra no Brasil e o surgimento do MST: violncia e
criminalizao
No existem naes felizes.E no existem ilhas onde o sangue humano j
no volte a ser derramado.
Mas verdade que coisas novas e melhores so construdas.Ainda que tenham de nascer em dor como os homens.
(JASTRUN, 1954 citado por SZACHI, 1972)
No final do sculo XIX e incio do sculo XX as guerras de Canudos (1896-
1897), na Bahia, e do Contestado (1912-1916), nos limites dos estados do Paran e de
Santa Catarina, representaram, de certa forma, movimentos de reao Repblica,
embora no propriamente ao regime poltico republicano, mas ao significado que lhe foi
atribudo pelo sertanejo: de uma nova ordem que favoreceu os poderosos e s instauroumais opresso. Em contraposio Repblica, estes movimentos defendiam a ideia de
Monarquia, que significava uma nova ordem sem opresso.
Tanto Canudos como o Contestado foram organizados ao redor de figuras
mticas centrais:os profetas - Antnio Conselheiro em Canudos e Jos Maria e Joo
Maria no Contestado - e podem ser entendidos como movimentos milenarista-
messinicos. O milenarismo, segundo Hobsbawm (1970), tem carter revolucionrio em
sua essncia, ao apontar para a ideia da transformao completa e radical do mundo que
recair no milnio e livrar o mundo de todos os males. Apresenta as seguintes
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caractersticas: 1) rejeio do mundo presente e uma nostalgia de um outro melhor; 2)
uma ideologia padronizada do tipo quiliasta (tal como o messianismo judaico-cristo); e
3) uma incerteza fundamental no que diz respeito a como a nova sociedade ser
moldada. Segundo Ianni (1972, p.191), movimentos deste tipo so a primeira
manifestao desesperada frente a uma situao de carncia extrema e expressam o
descontentamento com a situao vivida.
O fim destes movimentos, se eles se mantm isolados, a derrota
(HOBSBAWAM, 1970). Foi assim que terminaram Canudos e o Contestado, com a
derrota e o massacre dos sertanejos. Em Canudos, quatro expedies militares foram
necessrias para destru-los: 5.200 casas foram queimadas e os habitantes encontrados
foram degolados (CUNHA, 1902). O Contestado, que chegou a contar 20.000
habitantes no auge do movimento, tambm teve como fim casas queimadas e
prisioneiros degolados (QUEIROZ, 1977).
Nas dcadas de 1940 e 1950 o Paran foi palco de dois grandes conflitos: a
Guerra de Porecatu (1947-1953), no Norte do Estado, e a Revolta dos Posseiros (1950-
1957), no Sudoeste, ambos iniciados por causa de despejos violentos de posseiros por
jagunos e pelas tropas do Estado.
O conflito de Porecatu teve incio quando o ento governador do Estado Moyss
Lupion4 repassou terras a seus apadrinhados. Estas terras eram ocupadas por
posseiros, que foram expulsos de forma violenta, ao que ficou conhecida como
limpeza de rea. Diante da violncia sofrida, os posseiros procuraram apoio do
Partido Comunista Brasileiro (PCB) e denunciaram a situao; porm, como nada foi
feito, partiram para a luta armada. Foi somente quando Bento Munhoz da Rocha
assumiu o governo do Estado, em 1951, que a situao foi resolvida e os posseiros que
resistiram foram contemplados com lotes (RODRIGUES, 2006).
Na Revolta dos Posseiros, novamente em cena o governador Moiyss Lupion.Desta vez, a concesso foi para mineradoras de carvo, serrarias e fbricas de papel. A
transao ilcita feita pelo governador em 1950 foi anulada pela Unio em 1953, porm
quando j estava instalado um clima de terror entre os posseiros da regio. Da mesma
forma que na Guerra de Porecatu, as autoridades nada fizeram, e em 1957 os
posseiros partiram para a luta armada, decididos a expulsar as companhias
colonizadoras. Diante de tal situao de levante popular, o Governo Federal ordenou o
fechamento das colonizadoras, sob ameaa de interveno no Estado. As colonizadoras4Moyss Lupion foi governador do Estado do Paran de 1947 a 1951 e 1956 a 1961.
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foram fechadas, mas a situao s se resolveu em 1962, quando os camponeses e
posseiros, finalmente, conseguiram do Estado e da Unio a propriedade da terra
(RODRIGUES, 2006).
Nas dcadas de 1950 e 1960 comeou em Pernambuco o movimento das Ligas
Camponesas, que depois se expandiu para os demais estados brasileiros. Foi a partir
dele que a luta camponesa atingiu dimenso nacional, segundo Oliveira (1999).
Inicialmente, as Ligas Camponesas eram compostas por foreiros camponeses que
trabalhavam em uma terra que no era sua, devendo pagar o foro ao proprietrio.
Diferente do posseiro, que se apossa de uma terra e l trabalha sem dever nada para
ningum at ser expulso, o foreiro pagava valores exorbitantes para utilizar a terra.
Assim, nem sempre o foreiro conseguia com seu trabalho o necessrio para sobreviver
com sua famlia e pagar o foro. Diante da expulso iminente por no pagar o foro, um
foreiro procura um membro do Partido Comunista, que, constatando a situao dos
foreiros de uma forma geral, prope a formao de uma sociedade para aquisio de um
engenho. Percebendo nesta sociedade um foco de subverso, o dono das terras do
engenho Galileia (alugadas aos foreiros que formavam a sociedade) tentou interditar a
sociedade e expuls-los. Os foreiros, ento, procuram um advogadoFrancisco Julio ,
que j havia defendido causas de camponeses e aceitou a causa do grupo. Iniciada em
1954, a luta judicial foi at 1959, quando o engenho Galileia foi desapropriado. No
incio da dcada de 1960 as Ligas passam a lutar por reforma agrria e agregar ao redor
de si outros camponeses alm dos foreiros. Com o golpe de 1964 elas foram extintas e
tiveram muitos de seus dirigentes presos, torturados ou mortos (BASTOS, 1984)
No final da dcada de 1970 surge o MST, fruto da expulso do campo e
expropriao de inmeros trabalhadores rurais. Segundo Stdile e Fernandes (1999), o
aspecto socioeconmico foi o principal fator que contribuiu para o surgimento do
movimento. Neste contexto, a dcada de 1970 pode ser apontada como um momentoparticularmente significativo, pela intensa mecanizao da agricultura brasileira e a
consequente expulso do campo de milhes de trabalhadores rurais. Segundo Tarelho
(1988),
A modernizao da agricultura potencializou a produtividade dotrabalho e liberou um imenso contingente de mo de obra. S nadcada de 70, cerca de 15 milhes de pessoas migraram para ascidades, a maioria para as grandes metrpoles. Para se ter uma ideiamais concreta desta migrao preciso levar em conta que em duas
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dcadas [de 1950 a 1970] a distribuio da populao, que era de 70%na zona rural e 30% na zona urbana, inverteu-se. (p.22)
No Estado do Paran, estima-se que, em dez anos, 100 mil pequenos
proprietrios foram expulsos do campo, somando-se a eles parceiros, posseiros earrendatrios, que tambm j vinham sofrendo com a expulso. Somente a construo
da Hidreltrica Binacional de Itaipu, entre 1975 e 1977, deixou aproximadamente
12.000 famlias sem terra e sem teto. As famlias desalojadas para a construo da
hidreltrica que possuam o ttulo de propriedade da terra deveriam receber
indenizaes, porm, aps trs anos da desapropriao, apenas algumas poucas famlias
as haviam recebido, e ainda assim, em valores muito inferiores aos que de fato tinham
as terras. Parte dos posseiros foi transferida para um projeto de colonizao no Acre e lfoi abandonada. Apoiados pela Comisso Pastoral da Terra (CPT) e por alguns
sindicatos rurais, os camponeses que permaneceram na regio se organizaram no
Movimento Justia e Terra para reivindicar aumento do valor das indenizaes e
assentamento para os sem terra. Acamparam no trevo da hidreltrica e aps dois meses
conseguiram assentamentos na regio. (MORISSAWA, 2001)
Em 1981 a CPT passou a cadastrar outras pessoas interessadas em assentamento
e criou o Movimento dos Agricultores Sem Terra do Oeste do Paran (MASTRO). Nos
anos seguintes outros movimentos foram criados: Movimento dos Agricultores Sem
Terra do Sudoeste do Paran (MASTES), Movimento dos Agricultores Sem Terra do
Norte do Paran (MASTEN), Movimento dos Agricultores Sem Terra do Centro-Oeste
do Paran (MASTRECO) e o Movimento dos Agricultores Sem Terra do Litoral do
Paran (MASTEL). (MORISSAWA, 2001).
Enquanto tudo isso acontecia no Paran, no Rio Grande do Sul, agricultores
expulsos de uma reserva indgena no municpio de Nanoai recusaram-se a ser
transferidos para projetos de colonizao do Mato Grosso, acamparam prximo
reserva e conseguiram assentamento na regio. Em 1979, outro grupo de agricultores
sem terra ocupa a fazenda Macali, no municpio de Ronda Alta, ato considerado um dos
marcos histricos do nascimento do MST. Em 1980, cerca de trs mil pessoas
acamparam na Encruzilhada Natalino5. No ano seguinte D. Pedro Casaldlia rezou uma
missa em solidariedade aos agricultores sem terra e o fato foi divulgado para todo o
5Entroncamento das estradas dos municpios de Ronda Alta, Sarandi e Passo Fundo, no Rio Grande doSul.
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Brasil. Na mesma poca, em Santa Catarina, no Mato Grosso do Sul e em So Paulo, os
camponeses sem terra tambm se mobilizavam (MORISSAWA, 2001).
Da unificao de todas as lutas dos agricultores sem terra do Centro-Sul que
recusaram a proletarizao e a migrao e reivindicavam terras em suas regies de
origem surgiu o MST. Cumpre observar que estes agricultores fundadores do MST
correspondem a apenas uma parte dos expropriados e expulsos da terra, pois outra
grande parte migrou para as cidades ou se deslocou em busca de novas terras em regies
de colonizao em Rondnia, no Par e no Mato Grosso (STDILE; FERNANDES,
1999). Muitos tambm foram para o Paraguai em busca de terras baratas e frteis, mas
voltaram quando a modernizao da agricultura de l novamente os expulsou, sendo
acolhidos pelo MST. (RODRIGUES, 2006)
Somando-se violncia da expulso e da expropriao, o MST, tal como os
movimentos que o antecederam, tambm enfrentou e enfrenta os assassinatos e a
criminalizao de seus integrantes. Em 1995 e 1996 os assassinatos de trabalhadores
sem terra de Corumbiara - MT e de Eldorado dos Carajs - PA deixaram trinta mortos.
Nos ltimos dez anos, de 2001 a 2010, a CPT (2011a) registrou o assassinato de 360
pessoas relacionado a conflitos pela terra.
Rodrigues (2006), em sua dissertao de mestrado A violncia institucional
como mtodo para lidar com a misria social, relata a intensa violncia que sofreu o
MST no Paran. Entre seus relatos est o do assassinato de Teixeirinha, em 1993, pela
polcia. Lder local do MST, Diniz Bento Teixeira da Silva foi preso e espancado,
depois foi executado pela polcia com cinco tiros, durante o mandato do governador
Roberto Requio. No entanto, foi durante os dois mandatos seguintes do governador
Jaime Lerner que a violncia no campo tornou-se sistemtica, aproximando milcias
armadas e o aparelho repressivo do Estado em aes violentas de despejo, com
incndios de barracos e agresses fsicas aos camponeses. Vejamos um dos trechos dosrelatos de violncia apresentados na dissertao de Rodrigues (2006):
No dia 08 de novembro de 1995, no municpio de Santa Isabel do Iva,norte do Estado, conforme dados da CPT e MST, ocorreu o projetopiloto a partir do qual se desenvolveriam as tticas de guerra paraas desocupaes das fazendas ocupadas por sem terras. A FazendaSaudade era uma rea desapropriada para a reforma agrria, com1.022 hectares. No entanto, sem mandado judicial, 90 policiaisinvadiram a rea e despejaram aproximadamente 30 famlias,
queimando os barracos, utilizando bombas de gs lacrimogneo e tirosnas pernas e ps dos trabalhadores, o que levou Pedro Lopes dos
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Santos, de 54 anos, a amputar a perna esquerda em virtude deferimentos bala e espancamento.O governo do Estado prometeu uma soluo para aquelas famlias.Passados dois anos sem a prometida soluo, 46 famlias reocuparamessa fazenda, em fevereiro de 1997. Em setembro do mesmo ano,cerca de 80 homens encapuzados e armados com fuzis, escopetas,metralhadoras e coletes prova de bala, invadiram a fazenda, dizendoque estavam procurando as lideranas do MST. Queimaram todos osbarracos, inclusive um carro que estava no local, espancaram aslideranas e atiraram aleatoriamente contra todo o acampamento.Posteriormente, os sem terra foram delegacia para registrar aocorrncia. Entretanto, o delegado se recusou a registr-la. Estaatitude revelava os primeiros indcios de uma posio poltica deintensificao do vnculo entre governo estadual e latifundirios,grande parte deles organizado na UDR. (p.105-106)
Estes fatos mostram que a violncia no campo no algo somente do passado,
mas acompanha toda a nossa histria e convive com o mito da no violncia da
sociedade brasileira. Diante desta contradio, Chau (1998) questiona: como possvel
que o mito da no violncia ainda se sustente, mesmo com a grande divulgao da
violncia real pelos meios de comunicao? E esclarece:
Pois bem, justamente na maneira de interpretar a violncia que omito encontra os mecanismos de conservao: graas a ele se podeadmitir a existncia emprica da violncia e, de maneira simultnea,podem se fabricar explicaes para neg-la no instante em que seproduz. (p.36)6
Assim, a violncia aparece como um fato espordico e superficial (CHAU,
1998, p.1). Fala-se em massacre em referncia ao assassinato em massa de pessoas
indefesas, no se distinguindo crime e ao policial. As vtimas da violncia so postas
no lugar de agentes da violncia, invertendo-se o real.
Esta inverso do real, em que vtimas so postas no lugar de agentes de
violncia, o que vem sendo feito pela mdia com o MST. Os sujeitos que compem
este movimento so postos na condio de criminosos e no so reconhecidos como
vtimas de uma sociedade que exclui e expropria.
Das inmeras reportagens sobre o MST divulgadas na mdia escolhi uma para
ilustrar este ponto: a da revista Veja (10/05/2000). Nesta reportagem aparece a seguinte
manchete: SEM TERRA E SEM LEI. Em seguida, a revista descreve uma ao do MST
em que, com o objetivo de reivindicar mais recursos para reforma agrria, cerca de
6Traduo nossa.
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5.000 sem-terra ocuparam prdios pblicos em catorze capitais. Entre as diversas fotos
ilustrativas da reportagem h uma montagem da imagem de Joo Pedro Stdile, um dos
lderes do movimento, sobre a imagem de James Bond segurando um revlver, e ao
lado da montagem h a descrio de uma lista de crimes que, segundo a revista, o MST
haveria cometido. O objetivo era destacar o carter criminoso das aes do MST, como
podemos ver no trecho abaixo:
Tal era o empenho do MST em enfatizar suas reivindicaes que seusintegrantes no hesitaram em violar o Cdigo Penal em vrios artigos.Invadiram reparties pblicas, impedindo-as de funcionar,mantiveram funcionrios do Estado em crcere privado. Danificarambens pblicos e propriedades particulares. E tudo isso sem a menorsensao de que cometiam crimes. (p.45)
Sobre esta reportagem, Romo (2002) destaca que o efeito de sentido
produzido naturaliza o Movimento como criminoso (p.195), as aes positivas
realizadas pelo MST so desconsideradas e um nico sentido eleito: o de que o
movimento violador das leis e perigoso.
Ao revelar os crimes cometidos pelos militantes, o discurso silencia oscrimes de que eles so vtimas. Colocando-os na posio de agentescriminosos, causas do mal, donos da agresso, apaga-se a violnciaque eles sofrem, encobre o sofrimento que lhes imposto no cotidianoda misria e da excluso. (ROMO, 2002, p.196)
Assim, alm de lidar com a violncia da expropriao e com a excluso, os
camponeses sem terra que aderem ao MST ainda se deparam com a responsabilizao
pessoal por sua condio, ao serem chamados de criminosos e vagabundos. Suasmanifestaes e reivindicaes so constantemente deslegitimadas pela mdia e eles so
vistos como representantes de um passado arcaico7do qual parte da sociedade brasileira
quer se livrar.
7Em certa ocasio, o ento Presidente da Repblica Fernando Henrique Cardoso afirmou que o MSTrepresentava o arcaico em oposio ao moderno. (MARTINS, 1997)
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1.2- A influncia da Igreja e construo dos objetivos do MST
Se, em certos casos (eu penso na Teologia da Libertao, na Amricado Sul), a religio pode levar os grupos sociais a se darem conta da
situao de dominao na qual eles vivem, ela lhes permite tomariniciativas, ter uma outra viso do mundo e conceber aes coletivas.Ela assume ento o papel de desalienao, habitualmente reservado
Sociologia e Filosofia. (ENRIQUEZ, 1994, p.82)
A expulso do campo e a expropriao de inmeros trabalhadores rurais vindas
com a modernizao da agricultura brasileira foram o principal fator que contribuiu
para o surgimento do MST. Um segundo fator8 destacado por Stdile e Fernandes
(1999) como fundamental para o surgimento do MST foi o trabalho realizado,principalmente, pelas igrejas Catlica e Luterana, orientado pela Teologia da
Libertao.
A Teologia da Libertao um conjunto de escritos9 inspirados no marxismo
que teve como base um vasto movimento social da Igreja que envolveu padres, bispos,
ordens religiosas e movimentos laicos, a partir do incio da dcada de 1960, na Amrica
Latina. Os tericos da Teologia da Libertao tomaram do marxismo suas opes tico-
polticas e a antecipao de uma utopia futura, mas tambm inovaram, a partir da suacultura religiosa e experincia social. Eles no usam, por exemplo, o termo proletrio,
clssico do marxismo, usam em seu lugar o termo pobre. O cuidar dos pobres uma
tradio milenar da Igreja, mas na Teologia da Libertao os pobres devem ser senhores
de sua prpria emancipao, e no objeto de caridade. Assim como o marxismo,
tambm criticam o capitalismo, mas de uma forma ainda mais radical: sua crtica uma
crtica moral10(LWY, 2002).
Seguindo esta orientao, a partir da dcada de 1970 se multiplicaram no Brasilas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). As CEBs eram formadas por pequenos
grupos de pessoas da periferia ou da zona rural, organizados por padres e leigos, em
torno de uma parquia (urbana) ou capela (rural). De acordo com Frei Beto (1981),
8Um terceiro fator que tambm contribui para o surgimento do MST, apresentado por Stdile e Fernandes(1999), que no ser discutido aqui, foi o processo de redemocratizao pelo qual o pas estava passando,no qual os movimentos sociais tiveram um papel fundamental9Os principais autores da Teologia da Libertao, no Brasil, de acordo com Lwy (2002) so: Rubem
Alves, Hugo Assmann, Carlos Mesters, Leonardo e Claudio Boff.10Segundo Martins (1989), a crtica moral que a Teologia da Libertao faz do capitalismo de que estebrutaliza, marginaliza e empobrece o ser humano.
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(Pastoral da Juventude ou CEBs), e alguns at mesmo deixaram a ordem religiosa para
militar no movimento (LERRER, 2008).
Antes do nascimento do MST a CPT j estava presente em quase todas as lutas
no campo e possua uma organizao nacional. Foi a CPT a principal articuladora da
transformao das experincias localizadas de luta pela terra em um movimento
nacional. No ano de 1982 a CPT realizou dois importantes encontros - um em
Medianeira - PR e o outro em Goinia GO. Este ltimo foi um encontro nacional. A
partir desses encontros, as lideranas camponesas do Sul do Pas comearam a se reunir
e a discutir a possibilidade da organizao de um movimento mais amplo. Foi ento
proposta a realizao do primeiro encontro nacional de sem-terras. (DOMINGUES,
2001)
O I Encontro Nacional dos Sem Terra foi realizado na cidade de Cascavel -
PR, em 1984. Nele foi fundado o MST e foram elaborados seus objetivos gerais:
1- Que a terra s esteja nas mos de quem nela trabalha; 2- Lutar poruma sociedade sem exploradores e sem explorados; 3- Ser ummovimento de massa autnomo dentro do movimento sindical para aconquista da reforma agrria; 4- Organizar os trabalhadores rurais nabase; 5- Estimular a participao dos trabalhadores rurais no sindicatoe no partido poltico; 6- Dedicar-se formao de lideranas e
construir uma direo poltica dos trabalhadores; 7- Articular-se comos trabalhadores da cidade e da Amrica Latina. (MST, 2001, online)
Os objetivos elaborados neste encontro mostram que o MST, desde o incio,
insere sua bandeira de luta a reforma agrria num campo de reivindicaes mais
amplo, que a luta por uma sociedade sem exploradores e sem explorados, envolvendo
trabalhadores do campo e da cidade, para alm das fronteiras do pas. Embora ao longo
do tempo tenham sido incorporadas novas bandeiras de luta (por exemplo, aagroecologia), a reforma agrria inserida no contexto da luta por uma sociedade
igualitria permanecer como centro de suas reivindicaes.
Segundo Stdile e Fernandes (1999), este primeiro encontro foi fundamental,
porque definiu como seria o MST: um movimento de massa, autnomo e independente
no deveria ser do sindicato ou da Igreja. Aproximadamente 100 pessoas participaram
deste encontro. No ano seguinte, o MST realizou-se o seu I Congresso Nacional em
Curitiba - PR, desta vez com aproximadamente 1.500 participantes e a com a palavra deordem Sem reforma agrria, no h democracia.
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As palavras de ordem empregadas pelo MST sintetizam o momento histrico
que o movimento vivia e vive e sua relao com o contexto no qual ele est inserido.
Oliveira (2007) as analisa e diz que este um caminho para entender o MST. Vejamos
o que ele diz:
Quando ocorreu a formao do MST, na dcada de 80, o lema eraTerra para quem nela trabalha(1979/1983). Depois, quandocomeou a enfrentar resistncia ao acesso terra, o novo lema foi: Terra no se ganha, terra se conquista (1984). Quando o MST sefortaleceu e avanou, sobretudo no Governo Sarney, e quandopercebeu que o Primeiro Plano Nacional de Reforma Agrria noestava sendo implementado, os lemas passaram a ser: Sem ReformaAgrria no h democracia(1985) e Reforma Agrria j (1985-6).Como a violncia aumentou, violncia que no atingiu apenas os
trabalhadores, mas lideranas, advogados, polticos, religiosos, etc., oMST mudou suas palavras de ordem: Ocupao a nica soluo(1986), Enquanto o latifndio quer guerra, ns queremos terra(1986-7) e por ocasio da Constituinte, Reforma Agrria: na lei ouna marra (1988) e Ocupar, resistir e produzir (1989), depois que osassentamentos comearam a ser conquistados. (OLIVEIRA, 2007,p.140)
Ocupar, resistir e produzir tambm foi a palavra de ordem empregada no II
Congresso Nacional do MST, realizado em 1990. Em 1995, a palavra de ordem do III
Congresso Nacional foi Reforma agrria: uma luta de todos. A qual reflete, segundoOliveira (2007), um momento poltico importante de tomada de conscincia de que a
reforma agrria s ser possvel com o envolvimento de toda sociedade. Nesse
congresso tambm, o movimento reelaborou seus objetivos gerais, que passaram a ser:
1-Construir uma sociedade sem exploradores e onde o trabalhotem supremacia sobre o capital; 2- A terra um bem de todos. Edeve estar a servio de toda sociedade; 3-Garantir trabalho a
todos, com justa distribuio da terra, da renda e das riquezas; 4-Buscar permanentemente a justia social e a igualdade dedireitos econmicos, polticos, sociais e culturais; 5-Difundir osvalores humanistas socialistas nas relaes sociais; 6- Combatertodas as formas de discriminao social e buscar a participaoigualitria da mulher. (MST, 2001, online)
Com esta nova formulao, o MST reafirmou os objetivos e reivindicaes
anteriores e a luta pela construo de uma nova sociedade foi enfatizada, passando a ser
o primeiro dos seus objetivos (Construir uma sociedade sem exploradores e onde o
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trabalho tem supremacia sobre o capital), enquanto anteriormente era a conquista da
terra (Que a terra s esteja nas mos de quem nelatrabalha).
Nos seus congressos nacionais realizados em 2000 e 2007 os objetivos definidos
em 1995 foram reafirmados e ampliados. As palavras de ordem destes congressos
foram, respectivamente, Reforma agrria: por um Brasil sem latifndios e Reforma
agrria: por justia social e soberania popular. Ao final de seu ltimo congresso
nacional, realizado em 2007, foi elaborada uma carta em que os envolvidos assumiram
18 compromissos de luta, entre os quais destaco a luta contra o neoliberalismo e contra
a supremacia dos interesses do capital. Cito alguns trechos deste documento com os
compromissos assumidos:
1- Articular com todos os setores sociais e sua formas de organizaopara construir um projeto popular que enfrente o neoliberalismo, oimperialismo e as causas estruturais dos problemas que afetam o povobrasileiro. (...) 3- Lutar contra as privatizaes do patrimnio pblico(...). 4- Lutar para que todos os latifndios sejam desapropriados eprioritariamente as propriedades do capital estrangeiro e dos bancos.(...) 6- Combater as empresas que querem controlar as sementes, aproduo e o comrcio agrcola brasileiro (...). (MST, 2009, online)
A carta termina convocando o povo brasileiro a se organizar e lutar por uma
sociedade mais justa e igualitria, luta que acompanha o MST desde seus primrdios. Odesejo da construo de uma sociedade igualitria e a adeso aos ideais de
transformao social so o que move seus lderes e militantes e impulsiona suas lutas;
no entanto, nem todos aqueles que aderem ao MST so movidos pelos mesmos ideais,
pois existem aqueles que almejam apenas um pedao de terra e a possibilidade de
manter-se dignamente enquanto camponeses. No obstante, de alguma maneira, a
adeso ao MST transforma a vida de todos.
1.3- Educao e emancipao: a modernidade do MST
A frente de batalha da educao to importantequanto a da ocupao de um latifndio ou a de massas.
A nossa luta para derrubar trs cercas:a do latifndio, a da ignorncia e a do capital.
(STDILE; FERNANDES, 1999, p.74)
A formao e a escolarizao de seus integrantes uma preocupao queacompanha o MST desde sua origem. Inicialmente foram as mes e professoras que
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reivindicaram o direito ao acesso escola para as crianas que iam para os
acampamentos juntamente com suas famlias. Essas mes e professoras tambm foram
as primeiras a realizar atividades educacionais com as crianas e a explicar a elas o que
estavam fazendo ali e qual o sentido da luta pela terra. (CALDART, 2004)
Como reivindicar o acesso escola, geralmente, no resolvia o problema, o MST
logo passou ao e comeou a criar suas prprias escolas e em seguida lutar pela
legalizao delas (CALDART, 2004). A mesma metodologia que o MST emprega para
reivindicar a terra passou a ser usada tambm em relao educao: agir aqui e agora.
Por isto, Caldart afirma que o MST ocupou tambm a escola no somente no sentido
figurado, mas muitas vezes no sentido literal - por exemplo, quando seus integrantes
acampam em frente a uma secretaria de educao para fazer alguma reivindicao.
A demanda das famlias pelo acesso escola o MST assumiu para si como uma
tarefa, e no sem reivindicar dos poderes pblicos este direito, criou, em 1987, um setor
especfico para lidar com esta questo, o Setor de Educao, e realizou o I Encontro
Nacional de Professoras de Assentamento. A escola foi incorporada em sua dinmica e
qualquer acampamento ou assentamento do MST deveria ter uma escola, que no
poderia ser uma escola qualquer. A escola para o MST (...) deveser vista no apenas
como um lugar de aprender a ler, a escrever e a contar, mas tambm deformao dos
sem-terra como trabalhadores, como militantes, como cidados, como sujeitos.
(CALDART, 2004, p.272)
Mesmo quando conquistada uma escola pblica dentro de um assentamento, os
problemas no terminavam, pois muitas vezes a professora enviada escola pelo
municpio no estava de acordo com a viso de escola do MST, nem com o movimento
como um todo. O MST, por sua vez, reivindicava que os professores fossem do
movimento, mas muitas vezes no tinham pessoas com a formao e titulao
necessrias para realizar tal tarefa. Diante deste impasse, inicia-se no movimento umadiscusso sobre a necessidade de formar os prprios professores e tambm de
sistematizar sua proposta pedaggica para ser entendida por todos. (CALDART, 2004)
Em resposta necessidade de formar seus professores, o MST, em parceria com
a Fundao de Desenvolvimento, Educao e Pesquisa da Religio Celeiro
(FUNDEP)11, iniciou uma primeira turma de Magistrio no Rio Grande do Sul, em
1990, no municpio de Braga. No ano seguinte lanou um primeiro texto sobre sua
11O FUNDEP posteriormente deu origem ao Instituto de Capacitao e Pesquisa da Reforma Agrria(ITERRA)
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proposta pedaggica, o Caderno de Formao n. 18: O que queremos com as escolas
dos assentamentos, para servir de orientao queles que viriam trabalhar em suas
escolas. (CALDART, 2004)
Por outro lado, no eram somente as crianas em idade escolar que necessitavam
de escolas e dos professores de formao. Muitos jovens e adultos eram analfabetos ou
precisavam de condies que tornassem possveis sua escolarizao e formao para
lidar com novos problemas que surgiam, relacionados produo, gerenciamento de
cooperativas, etc. As crianas menores (0 a 6 anos) precisavam de educao infantil. Os
lderes e militantes necessitavam de uma formao adequada para exercerem suas
funes. O MST buscou desenvolver iniciativas que atendessem a todas estas
demandas.
Em 1995-96 o MST deu incio ao Movimento Nacional de Educao de Jovens e
Adultos. Antes disso, j existiam iniciativas de alfabetizao de jovens e adultos nos
estados. No caso da educao infantil, tambm desde o incio do movimento existiam
iniciativas como o rodzio de mes e creches improvisadas; mas foi mais ou menos
na mesma poca que comeou o Movimento Nacional de Educao de Jovens e
Adultos, que teve incio com as cirandas infantis. Inspiradas nos crculos infantis
existentes em Cuba, as cirandas so espaos educativos em que os pais podem deixar os
filhos quando trabalham ou estudam. Elas podem ser permanentes (por exemplo: em um
assentamento ou cooperativa) ou provisrias12(por exemplo, em curso ou encontro de
curta durao). (CALDART, 2004)
Segundo Lerrer (2008), a preocupao em formar seus lderes e militantes
acompanha o MST desde seu incio. J em 1986, o Jornal Sem Terra anunciou a
realizao de diversos cursos, tais como: I Curso de Capacitao da Coordenao
Nacional do MST e o Curso de Jovens Monitores do Movimento Sem Terra. Em 1993,
segundo Caldart (2004), tiveram incio tambm propostas de escolarizao, combinadascom a formao de militantes, como o curso de Tcnico de Administrao de
Cooperativas (curso de nvel mdio), atravs da FUNDEP, no Rio Grande do Sul.
Em 1998 o Governo Federal criou o Programa Nacional de Educao na
Reforma Agrria (PRONERA) para atender a reivindicao do MST e de outros
12 Em 2007 a autora foi convidada para ministrar um seminrio em um curso de especializao emEducao do Campo (fruto de uma parceira entre MST e UFPR). Durante o curso, geralmente realizado
em perodos de frias e finais de semana, as mes que tinham filhos pequenos contavam com o apoio deuma ciranda infantil , duas jovens cuidavam das crianas enquanto as mes estavam em aula ouestudavam.
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movimentos sociais do campo pelo acesso a uma educao de qualidade em todos os
nveis. Atualmente o MST, com recursos do PRONERA, investe em educao infantil,
alfabetizao de jovens e adultos, cursos tcnicos e profissionalizantes, cursos de
graduao e ps-graduao, realizados em parceria com diversas instituies de ensino.
Segundo o Jornal Sem Terra (2009), o PRONERA:
De 1998 a 2002, foi responsvel pela formao de 122.915assentados. De 2003 a 2008, cerca de 400 mil jovens e adultosassentados j foram escolarizados atravs do programa, e atualmente17.478 mil esto em processo de educao formal, pblica e dequalidade, em 76 cursos pelo Brasil. (online)
Cerca de 300 mil pessoas esto atualmente estudando no MST, da educao
infantil universidade. So aproximadamente duas mil escolas pblicas em
assentamentos e acampamentos, nas quais trabalham dez mil professores, alm de 250
cirandas infantis e 45 escolas itinerantes13. Mais de 50 mil pessoas j aprenderam a ler e
escrever no MST. (JORNAL SEM TERRA, 2009)
O investimento que o MST vem fazendo na educao e na formao do ser
humano e as consequncias disso na emancipao de milhares de pessoas so a
principal caracterstica de sua modernidade14. Em discurso de comemorao dos 25
anos do MST, Stdile (2008) diz que ao longo de sua existncia o MST conquistou 14milhes de hectares de terra do latifndio (rea maior que o Uruguai), porm sua maior
conquista foi que o pobre deixou de andar com a cabea baixa. A emancipao das
pessoas o mais importante e isso se faz, para o MST, no somente com acesso terra e
com as condies par tirar dela o sustento, mas tambm com educao.
Outros autores, como Jos de Souza Martins, Ariovaldo Umbelino de Oliveira e
Dbora Franco Lerrer, tambm defendem a ideia de que o MST representa o moderno
no campo brasileiro, ideia que se contrape ao que aparece na mdia e ao que certa vezfoi dito pelo ento presidente da Repblica Fernando Henrique Cardoso: que o MST
representa o arcaico em oposio ao moderno.
Para Martins (2008), a modernidade do MST est na ressocializao
modernizadora que ele produz. Nos acampamentos, o convvio e a luta coletiva
13Escolas que acompanham os acampamentos.14 O projeto da modernidade que se consolida a partir do sculo XVIII, tem como centro a razo e v na
acumulao dos conhecimentos um meio de alcanar seus objetivos: a emancipao humana e oenriquecimento da vida (HARVEY, 2005).
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promovem uma ressocializao que alarga os horizontes. Nos assentamentos, este
alargamento dos horizontes leva reinveno de antigas formais de sociabilidade,
prprias do campons, as quais so revigoradas e enriquecidas. A modernidade do MST
tambm est na reinveno da sociedade, na criatividade, na modernizao
tecnolgica e econmica que leva aos camponeses sem terra e na sua reao (...) aos
efeitos perversos do desenvolvimento excludente da modernidade. (p.38) Para Martins,
o MST cumpre na sociedade brasileira o mesmo papel modernizador que as condutas
corporativas e a tradio tiveram na Inglaterra no sculo XVIII, na conquista de direitos
sociais e na tentativa de impor limites prevalncia do lucro em detrimento da pessoa
humana.
J para Oliveira (2007), o agronegcio (monocultura de exportao) que
representa o passado, e no o MST. Dizer que o agronegcio no representa a
modernidade pode parecer absurdo se no consideramos, como diz Martins (2008), que
a modernidade s pode ser reconhecida enquanto tal se acompanhada da conscincia
crtica do moderno 15. Neste sentido, so as aes polticas do MST que representam a
modernidade num sentido pleno, e no o agronegcio:
Ao contrrio desse grupo, hoje associado ao termo agronegcio, o
MST prope uma modernidade emancipadora, calcada noinvestimento na instruo formal, na formao poltica e advoga ummodelo agrcola desconcentrador de riqueza e ambientalmenteresponsvel. (LERRER, 2008, p.12)
Lerrer (2008), por sua vez, considera que a formao e a educao constituem o
aspecto emancipatrio mais slido do MST. A luta do movimento poderia se restringir
ao acesso terra, mas no o faz ao reivindicar o acesso de todos s conquistas da
modernidade e ao lutar por uma sociedade igualitria.
CAPTULO 2 : O CAMPO E A METODOLOGIA DA PESQUISA
O presente captulo tem como objetivo apresentar o campo e a metodologia da
pesquisa. O campo o local onde se realizou o encontro entre a pesquisadora e os
participantes da pesquisa: uma escola de agroecologia16do MST localizada no Estado
15
Para Martins (2008), no Brasil a conscincia crtica do modernose expressa muito mais no deboche,na resistncia ao novo do que em aes polticas organizadas.16Por razes ticas ser omitido o nome da escola.
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do Paran. Descreve-se brevemente como funcionam estas escolas e quais so os
princpios e os fundamentos da sua proposta pedaggica. O campo tambm o
encontro, o contato inicial, a relao transferencial em que os dados foram construdos.
A metodologia foi a pesquisa-interveno psicanaltica, que, alm do levantamento e
discusso dos dilemas do militante, tambm teve como objetivo proporcionar aos
participantes um espao de palavra e reflexo.
2.1- As escolas de agroecologia do MST no Paran: formando o tcnico militante
Inicialmente o MST lutava para que todos os agricultores tivessem acesso a toda
a tecnologia disponvel para a produo agrcola, como, por exemplo, maquinrio e
agrotxicos; com o passar do tempo foi percebendo que esta no era a melhor forma de
produzir nos assentamentos. Foi somente no seu IV Congresso Nacional, em 2000, que
o movimento fez a opo pela agroecologia17. Como os tcnicos j formados no eram,
em sua maioria, capacitados para trabalhar com esta proposta, o MST e a Via
Campesina assumiram para si o desafio de formar novos tcnicos (TARDIN18, 2007).
No Paran, o MST e a Via Campesina, em parceria com a UFPR, criaram
quatro escolas tcnicas de agroecologia. O primeiro centro de formao/escola criado no
Paran foi o Centro de Desenvolvimento Sustentvel Agropecurio de Educao e
Capacitao em Agroecologia e Meio Ambiente (CEAGRO), que comeou a funcionar
em 1993 na regio central do Estado, inicialmente em barracos de lona. Em 2000, na
regio do Oeste do Paran, o Instituto Tcnico de Educao e Pesquisa da Reforma
Agrria (ITEPA) iniciou suas atividades transformando a antiga sede de uma fazenda
desapropriada em um centro de formao e na Escola Agrotcnica Jos Gomes da Silva.
Em 2002, no Norte do Paran, tiveram incio as atividades da Escola Milton Santos. Em
2005 comeou a funcionar, na Regio Metropolitana de Curitiba, a Escola Latino-Americana de Agroecologia (ELAA). O CEAGRO, a Escola Agrotcnica Jos Gomes
da Silva e a Escola Milton Santos, a partir do convnio estabelecido com a UFPR, em
2002, passaram a oferecer o curso Tcnico em Agropecuria com nfase em
17 Borges (2007) analisa esta questo em sua dissertao de mestrado A transio do MST para a
agroecologia.18 Anotaes pessoais da Reunio do projeto de ensino: Polticas pblicas e gest o: a educao do e nocampo, em 30/08/2007.
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Agroecologia, em nvel ps-mdio e mdio19, e a ELAA, o curso de graduao
Tecnologia em Agroecologia, em 2005. (MST, s/d)
As escolas de agroecologia do MST visam formao do tcnico militante,
combinando a escolarizao com a formao poltica. O tcnico militante aquele que,
alm do domnio da tcnica necessria para o exerccio de sua funo (no caso, a
produo agroecolgica), tem clareza de que o domnio da tcnica no suficiente para
resolver os problemas e dificuldades com os quais ele ir se deparar em sua prtica
profissional e que para tanto necessrio o comprometimento com as lutas sociais e
vnculo organizativo com os movimentos . (MST, s/d)
Para formar este tcnico em agroecologia o MST utiliza como metodologia o
sistema de alternncia. A pedagogia da alternncia foi uma proposta pedaggica que
surgiu na Frana, em 1935, com a Maison Familiale Rurale. Seu objetivo integrar
escola, trabalho e famlia e permitir que a famlia possa contar com o trabalho do
estudante em determinados perodos, j que h alternncia de perodos na escola e na
famlia. Esta proposta rapidamente se expandiu para outros pases, chegando ao Brasil
em 1968. Atualmente, existem cerca de 200 escolasFamlias Agrcolasno Brasil. Nelas
os estudantes tm a educao formal aliada formao especfica para o trabalho no
campo. (UNEFAB, 2009)
As escolas de agroecologia do MST no esto vinculadas s Escolas Famlias
Agrcolas e adotam o sistema de alternncia sua maneira. Segundo Guhur (2010), os
estudantes passam, em mdia, cerca de 45 a 70 dias na escola (tempo-escola) e 60 a 90
dias na comunidade (tempo-comunidade); a durao dos perodos varia de acordo com o
andamento da turma, os perodos de safra, o calendrio de lutas sociais e mesmo os
atrasos no recebimento de recursos do Pronera.
No sistema de alternncia das escolas de agroecologia do MST, o tempo escolar
organizado em tempos educativos: tempo-formatura (tempo dirio destinado motivao das atividades do dia, da mstica20, do cultivo da identidade, conferncia das
presenas e informes), tempo-aula, tempo-trabalho, tempo-oficina, tempo-cultura,
tempo-reflexo escrita (tempo pessoal para registro das reflexes do dia em caderno
19 O curso ps-mdio destinado aos alunos que j concluram o ensino mdio e tem duraoaproximada de dois anos. O curso de nvel mdio, tambm chamado de integrado, oferecesimultaneamente a formao de ensino mdio e a formao tcnica, com durao aproximada de trs anos
e meio.20 A mstica um ritual inspirado na liturgia que o MST utiliza para celebrar seus ideais e manter aunidade do grupo. (FERNANDES; STDILE, 1999)
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prprio), tempo-esporte e lazer, tempo-ncleo de base21, tempo-estudo, tempo-leitura e
tempo-seminrio. Estes tempos podem mudar ou ser extintos e no so os mesmos
todos os dias22. (GUHUR, 2010)
No tempo-comunidade, de acordo com relatos dos prprios estudantes, eles se
integram aos acampamentos e assentamentos de origem e trabalham junto s suas
famlias e comunidades; alguns deles fazem estgio em cooperativas do MST ou
trabalham por dia para conseguir o dinheiro necessrio para ir para a escola. Todos
levam tarefas da escola para realizar no tempo-comunidade, tais como leituras,
pesquisas de campo, registros, experimentaes e o Dilogo de Saberes.
Segundo Guhur (2010), os cursos tcnicos de agroecologia do MST no Paran,
assim como os demais cursos formais do MST, visam construir uma escola diferente;
tm como modelo a experincia acumulada pela primeira escola formal do MST, a
Escola Josu de Castro, do ITERRA23(Instituto Tcnico de Capacitao e Pesquisa da
Reforma Agrria) e seguem os seguintes princpios filosficos e pedaggicos:
Princpios filosficos: 1) educao para a transformao social; 2)educao para o trabalho e a cooperao; 3) educao voltada para asvrias dimenses da pessoa humana; 4) educao com/para valoreshumanistas e socialistas; e 5) educao como um processo permanentede formao/transformao humana. Princpios pedaggicos: 1)relao entre prtica e teoria; 2) combinao metodolgica entreprocessos de ensino e de capacitao; 3) a realidade como base daproduo do conhecimento; 4) contedos formativos socialmenteteis; 5) educao para o trabalho e pelo trabalho; 6) vnculo orgnicoentre processos educativos e processos polticos; 7) vnculo orgnicoentre processos educativos e processos econmicos; 8) vnculoorgnico entre educao e cultura; 9) gesto democrtica; 10) auto-organizao dos/das educandos; 11) criao de coletivos pedaggicose formao permanente dos educadores/das educadoras; 12) atitude ehabilidades de pesquisa; e 13) combinao entre processos
21Os ncleos de base (NBs) so pequenos grupos nos quais os estudantes se organizam para realizar astarefas dirias. Alm das atividades relacionadas ao estudo, os estudantes tambm so responsveis pelamanuteno e funcionamento da escola, tais como: fazer a limpeza e cozinhar.22Guhur (2010) d um exemplo de organizao cronolgica dos tempos educativos: 7:15 8:00 h Tempo Leitura Quatro vezes por semanaTempo Notcias Duas vezes por semana8:008:20 h Tempo Formatura Diariamente8:2012:00 h Tempo Aula De segunda a sbadoTempo Trabalho 14:0017:00 h Duas vezes por semanaTempo Aula Trs vezes por semana17:0018:00 h Tempo Educao Fsica Duas vezes por semana20: 0021:40 h Tempo Oficina Trs vezes por semana
Tempo Ncleo de Base Uma vez por semana21:4022:00 h Tempo Reflexo Escrita De segunda a sbado(p.158-159)23Localizada no municpio de Veranpolis-RS.
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pedaggicos coletivos e individuais (MST, 1997, citado por GUHUR,2010, p.89).
Estes princpios so contemplados na grade curricular do curso de tcnico em
agroecologia, que oferece, alm das disciplinas tcnicas, tambm disciplinas que visam formao humana e poltica; porm, mais do que na grade curricular, estes princpios
so contemplados na metodologia da alternncia, na valorizao do trabalho e na
organizao e diversificao das atividades desenvolvidas, entre elas o Dilogo de
Saberes.
O Dilogo de Saberes base para a elaborao do trabalho de concluso de
curso que os alunos dos cursos mdio e ps-mdio de agroecologia tm que apresentar e
obter a aprovao de uma banca no final do curso. O Dilogo de Saberes implica que
os estudantes acompanhem algumas famlias assentadas que se disponham a participar
do trabalho ao longo de todo o curso, com o objetivo, segundo Tardin (2007), de
conhecer a histria de vida, captar a viso de mundo, os valores, os sonhos e as
frustraes, e auxiliar as famlias na reconstruo de sua prtica agrcola.
Os fundamentos tericos do Dilogo de Saberes so: a pedagogia freireana, a
agroecologia e o materialismo histrico-dialtico. O mtodo busca a interlocuo entre
conhecimentos populares e cientficos e tem como base experincias de educao
popular desenvolvidas na Amrica Latina, principalmente o mtodo Campesino a
Campesino24. Sua utilizao exige conhecimento da pedagogia freireana, agroecologia,
histria da agricultura e do mundo campons (TARDIN, 2006, citado por GUHUR,
2010).
Para realizar o trabalho seguindo a proposta do Dilogo de Saberes, os
estudantes seguem alguns passos. Primeiro, eles devem partir da histria de vida
daqueles junto aos quais realizam sua interveno. A pergunta inicial proposta ao
interlocutor : Do que voc se lembra desde que se conhece por gente?. A partir desta
viro outras, e a ideia que o estudante possa estabelecer relaes entre a histria do
seu interlocutor e da agricultura, da luta pela terra, etc. O segundo passo o
reconhecimento conjunto do ambiente/espao, atravs do levantamento de dados como
infraestrutura, paisagem, biodiversidade, produo, organizao e trabalho; o terceiro
24 Esse mtodo se funda na experincia da Unin Nacional de Agricultores y Ganaderos-UNAG, da
Nicargua, criada em 1981, aglutinando camponeses e produtores de mdio porte que colaboravam comas guerrilhas sandinistas. (TARDIN, 2006, citado por GUHUR, 2010, p.177)
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a sistematizao e anlise dos dados; e o quarto passo a interveno a partir da
sntese cultural (TARDIN, 2006, citado por GUHUR, 2010).
A sntese cultural um conceito de Paulo Freire que se ope noo de
invaso cultural. Para Freire (1979), o tcnico que faz sua interveno
desconsiderando o saber do campons e tentando persuadi-lo a usar novas tcnicas,
impondo seus valores e sua viso de mundo, age como um invasor cultural. Em
oposio a este tipo de atuao, Freire prope que o tcnico seja tambm um educador
que problematize com os camponeses sua realidade, ajudando-os a entend-la
criticamente e a atuar sobre ela. O saber do campons no desconsiderado, ele
tambm sujeito e a interveno ser construda a partir do saber de amboso campons
e o tcnico. Para tanto, fundamental o dilogo, que deve ter como objeto a vida diria
do campons, e no as tcnicas.
2.2- O contato inicial com a escola
O primeiro contato entre a pesquisadora e a escola de agroecologia do MST deu-
se no incio de 2007. Alguns professores da universidade prestavam assessoria escola
e buscavam uma professora da rea da Psicologia para se juntar ao grupo, atendendo a
uma solicitao da prpria escola. Como a pesquisadora professora de Psicologia e fez
o mestrado sobre o MST, recebeu o convite.
Na primeira visita escola, um de seus coordenadores mostrou pesquisadora
as dependncias do estabelecimento, ainda em construo. Como comum nas escolas
do MST, as aulas comeam antes de as escolas estarem completamente construdas e
estas vo sendo edificadas juntamente com os cursos. Neste primeiro encontro, uma das
coordenadoras da escola falou sobre as dificuldades enfrentadas, entre elas a dificuldade
de alguns alunos em aprender e realizar as tarefas do tempo-comunidade. Em resposta aesta demanda, a pesquisadora esclareceu que dificuldades de aprendizagem no eram de
sua rea de trabalho, mas que gostaria de conhecer os alunos e fazer uma proposta de
trabalho. A proposta feita foi realizar uma oficina de autoconhecimento e relaes
interpessoais, com o intuito de conhecer os alunos e j realizar alguma interveno.
Esta proposta de trabalho foi aceita pela escola e includa em um dos tempos
educativos da escola, o tempo-oficina. Foram realizados cinco encontros de 1h30min
de durao, sempre no perodo noturno. Os objetivos propostos para a oficina foram:possibilitar discusses e reflexes sobre temas referentes ao relacionamento
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interpessoal, aumentar o autoconhecimento e o conhecimento interpessoal econhecer o
grupo para elaborar novas propostas de atividades.
O primeiro encontro foi destinado s apresentaes e ao levantamento dos temas
de interesse; o segundo teve como tema os problemas de comunicao; o terceiro
encontro versou sobre o preconceito e a discriminao; o quarto, sobre os ideais
individuais e coletivos; o quinto encontro teve como tema a autoestima, e nele tambm
fizemos uma avaliao das oficinas e j programamos mais dois encontros, um para
levantar as dificuldades encontradas no tempo-comunidade j que estavam encerrando
aquele tempo-escola e eles estavam se preparando para mais um tempo-comunidade e
outro para discutir como lidar com as dificuldades encontradas.
Os dois encontros sobre o levantamento das dificuldades do trabalho no tempo-
comunidade e das possveis estratgias de lidar com elas foram realizados no final de
2007. Trabalhar com esta questo foi uma demanda apresentada pela escola e tambm
uma necessidade sentida pelos estudantes. Entre as dificuldades encontradas os
estudantes relataram: a dificuldade em levantar as informaes relacionadas ao
Dilogo de Saberes; a dificuldade de trabalhar com a mudana da viso tradicional da
agricultura para a agroecologia, pois as famlias viam o tcnico como aquele que
prescreve o que fazer (modelo criticado por Paulo Freire); o fato de os tcnicos no
serem vistos pelas famlias como estudantes, mas como tcnicos profissionais e,
consequentemente, serem cobrados como tcnicos, e no como estudantes em formao;
e falta de confiana, por no saberem se iam terminar o curso. Alm de relatar suas
dificuldades, eles mesmos tambm apresentavam as possveis estratgias de como lidar
com elas. A contribuio da pesquisadora com a discusso foi elaborar um pequeno
texto sobre a entrevista como tcnica de pesquisa, o qual foi discutido entre eles.
Destes primeiros encontros no foram feitos relatos sistemticos. Apenas o
quarto encontro sobre ideais individuais e coletivos teve como resultado uma produoescrita, que analisada no ltimo captulo. Embora estas atividades no tivessem o
carter de pesquisa quando foram realizadas, nem tenha sido feito um relato
sistematizado delas, elas foram importantes para o estabelecimento do vnculo inicial
entre a pesquisadora e o grupo, o que possibilitou, posteriormente, a realizao da
pesquisa-interveno psicanaltica. Convm ainda destacar que a aproximao da
pesquisadora com o grupo se deu a partir de uma demanda de interveno da
coordenao da escola e do lugar de professora universitria que ela ocupa.
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O MST, como foi dito no primeiro captulo, estabelece relaes de parceria com
universidades no intuito de tornar acessvel a educao queles que durante muito
tempo tiveram este direito negado da, talvez, a pressa em comear os cursos ainda
que no existam prdios para escolas ou que estes ainda se encontrem inacabados. Os
professores que vm das universidades para contribuir com o MST so chamados por
eles de educadores, terminologia proposta por Paulo Freire, para quem (...) o educador
j no o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, educado, em dilogo com o
educando que, ao ser educado, tambm educa (FREIRE, 2005, p.79). Foi a partir deste
lugar de educadora que a pesquisadora passou a ser vista por eles e que em seguida
realizou a pesquisa-interveno psicanaltica.
2.3- A pesquisa-interveno psicanaltica
Em 2008 a coordenao da escola solicitou pesquisadora que desse
continuidade, com os estudantes, ao trabalho com as oficinas. Nesse momento a
pesquisadora j manifestou a inteno de realizar um trabalho de pesquisa-interveno
vinculado a uma tese de doutorado. O projeto de pesquisa foi enviado coordenao da
escola, assim como lhe foi esclarecido qual seria a proposta de trabalho. A coordenao
da escola concordou com a realizao da pesquisa, que tambm foi aprovada pelo
comit de tica da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo.
No primeiro encontro com os estudantes lhes foi apresentada a proposta de
pesquisa-interveno e lhes foi esclarecido que esta seria a base para a elaborao de
uma tese de doutorado, que versaria sobre os dilemas do militante no MST. Todos
concordaram em participar da pesquisa e assinaram o termo de consentimento livre e
esclarecido25. Nesse mesmo encontro foram apresentados alguns temas que poderiam
ser trabalhados: gnero, preconceito, exigncias internas e externas, relao familiar,projetos para o futuro, ideais e imagem, violncia e luto, identidade, deslocamento e
migraes; eles puderam escolher entre os temas apresentados e tambm sugerir outros
temas de interesse, relacionados aos dilemas do militante no MST. Eles sugeriram os
temas Autoestima e Tenso individual/coletivo e escolheram os temas: Gnero,
exigncias internas e externas; Relao familiar; Ideais/imagem/identidade; Violncia e
luto. O grupo foi dividido aleatoriamente em dois subgrupos (grupo 1 e grupo 2) e foi
25Modelo em anexo.
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combinado um encontro semanal com durao aproximada de duas horas para cada
subgrupo.
Os estudantes participantes da pesquisa foram, ao todo, 23, e os mesmos que
haviam estado presentes nas oficinas no ano anterior, a grande maioria do sexo
masculino, com idades que variavam entre 17 e 31 anos, no incio da pesquisa-
interveno. Eram filhos de assentados/acampados do MST, alguns deles eram filhos de
dirigentes e militantes e haviam recebido o convite para fazer o curso tcnico em
agroecologia.
Os sete primeiros encontros foram realizados no primeiro semestre de 2008, no
perodo da manh. Aps esse perodo os alunos foram para suas comunidades (tempo-
co