A maior flor do mundo, de José Saramago: uma proposta de leitura para o ensino
fundamental
Mariane Ferreira da SILVA
(Universidade Federal da Grande Dourados- UFGD)
Célia R. Delácio FERNANDES
(Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD)
Resumo: Saramago em sua única obra destinada as crianças, A maior flor do mundo (2001)
se incube como um narrador infantil que demonstra sua fragilidade em escrever para crianças:
“Quem me dera saber escrever essas histórias” (SARAMAGO, 200, p. 7). Contudo, mesmo
com este caráter inacabado, o autor tece uma narrativa sobre a perseverança e a dedicação de
um menino a salvar uma flor que está agonizando: uma metáfora para salvar o que era dado
como perdido. Diante disso, o texto literário com sua riqueza polissêmica, pode servir de um
importante instrumento em sala de aula para levar ao aluno, além de entretenimento,
conhecimento sobre o mundo que o circunda, como afirma Cosson:“È mais que um
conhecimento a ser reelaborado, ela é a incorporação do outro em mim sem a renúncia da
minha própria identidade” (2006, p17). Neste prisma, o presente trabalho pretende apresentar
uma proposta de leitura para o ensino fundamental calcada nos aportes teóricos da literatura e
ensino, em especial Letramento Literário: teorias e práticas (2006) de Rildo Cosson,com a
premissa de incentivar a leitura de uma forma significativa, para assim contribuir na formação
dos alunos.
Palavras Chave: Literatura infantil; letramento literário; José Saramago.
Resumen: Saramago en su única obra destinada a los niños, A maior flor do mundo (2001) se
incube como un narrador infantil que demuestra su fragilidad en escribir para niños: “Quem
me dera saber escrever essas histórias”(SARAMAGO, 200, p, 7) . Sin embargo, incluso con
este carácter inacabado, el autor teje una narrativa sobre la perseverancia y la dedicación de un
niño a salvar una flor que está agonizando: una metáfora para salvar lo que era dado como
perdido. En este sentido, el texto literario con su riqueza polisémica, puede servir de un
importante instrumento en el aula para llevar al alumno, además de entretenimiento,
conocimiento sobre el mundo que lo circunda, como afirma Cosson: “È mais que um
conhecimento a ser reelaborado, ela é a incorporação do outro em mim sem a renúncia da
minha própria identidade” "(COSSON, 2006, p.17). En este prisma, el presente trabajo
pretende presentar una propuesta de lectura para la enseñanza fundamental calcada en los
aportes teóricos de la literatura y enseñanza, en particular Letramento Literário: teoria e prática
(2006) de Rildo Cosson, con la premisa de incentivar la lectura de una forma significativa, para
así contribuir en la formación de los alumnos.
Palabras- Clave: l Literatura infantil; letramento literário; José Saramago.
1. Introdução
Existem inúmeros debates sobre a confluência entre a literatura e o contexto escolar.
Sabe-se que a literatura na escola é vista geralmente como uma disciplina secundária, que não
fornece conhecimento propriamente dito ao aluno, sendo utilizada muitas vezes apenas como
um mecanismo didático, totalmente esvaziada de sua essência. Nesta perspectiva, em um
primeiro momento, pretende-se tecer uma reflexão sobre a relevância da literatura, da ficção,
da fabulação na constituição do ser humano, bem como o lugar que ela ocupa na escola, em
especial no ensino fundamental I. Além do mais, pretende-se debater sobre a função do
professor, como um mediador – peça-chave no processo de letramento literário.
Por conseguinte, será exposto um modelo de sequência didática do livro A maior flor
do mundo (2001) de José Saramago, tendo como suporte teórico a obra Letramento literário:
teoria e prática (2006) de Rildo Cosson. Desta maneira, espera-se contribuir no ensino de
literatura, por meio do enlace entre teoria e prática, isto é, demonstrar como a teoria exerce um
papel fundamental na prática e na formação do professor. O modelo didático do livro em
questão visa fornecer uma das inúmeras possibilidades de trabalhar a literatura no âmbito
escolar, de forma crítica reflexiva que, sobretudo, culmine na formação do aluno, considerando
sempre os diversos contextos.
2. A importância da Leitura Literária
O termo literatura sempre esteve associado à fruição, prazer, conhecimento,
aprendizagem, entre outros. Mas, afinal, a literatura tem importância? Ela ainda tem espaço no
século XXI, em que os meios de comunicação e entretenimento são, sobretudo, audiovisuais?
Para Ribeiro (2008), o papel da literatura está passando por transformações sociais e temporais
que estão em consonância com o tipo de leitor, e advém especialmente com a Estética da
Recepção1, tendo em vista a mudança de foco do texto, isto é, passou-se a perceber o leitor
como sujeito, aquele que atribui significado ao texto, e não um mero decifrador dos códigos do
autor. Assim, a leitura passa a ser “sempre apropriação, invenção, produção de significados”
(RIBEIRO, 2008, p. 60). Neste raciocínio, a leitura literária é marcada pela pluralidade de
sentidos que são produzidos de forma singular pelos leitores.
O autor fomenta ainda que, atualmente, com a grande disseminação da internet, a
literatura vem passando por uma crise no que diz respeito a sua função. No entanto, não se
1 Vertente do século XIX, que rompeu com a visão tradicional do leitor e do autor.
difere muito da crise da antiguidade clássica, com a ascensão da idade média, da tradição com
o avanço modernista etc. Desta maneira, os conflitos e debates sempre permearam o campo
literário. Contudo, nenhuma tendência abole a outra, e tampouco apresenta uma superação do
passado, pelo contrário, elas se somam em um novo cenário. O mesmo ocorre com o texto
literário e os incontáveis segmentos virtuais: redes sociais, cinema, televisão, dentre outros,
como confirma Ribeiro (2008, p.61):
Hoje, a biblioteca virtual, eletrônica, digital, está à disposição de cada leitor,
sem sair de casa, mas ela não substituirá a biblioteca tradicional nem o livro
individual. (...) A informatização não substitui a imprensa, ou o texto escrito,
para o registro e a disseminação do livro, assim como a televisão não eliminou
o cinema e nem este o teatro.
Logo, a literatura não perde seu lugar na sociedade contemporânea, pelo contrário, é
reconfigurada à luz de novos mecanismos, suportes, bem como a inserção de outras formas de
fruição e de conhecimento. Ribeiro reitera que a função primordial da literatura é seu caráter
humanizador, ou seja, é por meio da literatura que o homem conhece o mundo que o circunda,
conhece o outro e a si mesmo e, além disso, serve “para o entendimento crítico da realidade”
(RIBEIRO, 2008, p. 63).
A humanização por meio da literatura é muito difundida por Antonio Candido, em O
direito à literatura (2011). Neste célebre ensaio, o autor reflete sobre a importância da literatura
em toda e qualquer sociedade, seja por meio de poemas, músicas, novelas, romances,
manifestações artísticas. Como afirma Candido, a literatura,assim como moradia, alimentação,
emprego e outras necessidades básicas, é essencial ao homem, pois desde tempos mais remotos
existe a indispensabilidade da fabulação, de transcender por meio de outros universos, de outras
culturas e saberes: “vista desse modo a literatura aparece claramente como manifestação
universal de todos os homens em todos os tempos” (CANDIDO, 2011, p. 174).
Por este ângulo, a literatura transmite valores e conhecimentos de uma dada
cultura e, por apresentar esta característica, é utilizada como mecanismo de aprendizagem e de
educação. Entretanto, é válido ressaltar que a literatura não deve ser vista apenas como uma
instrução para o ensino, ela perpassa o limite de ferramenta, por mais que a literatura esteja
inserida no âmbito da imaginação, ela, como um espelho, reflete sobre a realidade. A literatura,
com suas especificidades, sua construção enquanto objeto literário e sua maneira de
organização por meio das palavras, está muito acima de um simples meio de aprendizagem.
Além do mais, como reflete Candido, a literatura não pode ser vista de maneira binária, entre
bem e mal:
Há o conflito entre a ideia convencional de uma literatura que eleva e edifica
[...] e a sua poderosa força indiscriminada de iniciação de vida, como uma
variada complexidade nem sempre desejada pelos educadores. Ela não
corrompe, nem edifica, portanto; mas trazendo livremente em si o que
chamamos o bem e o que chamamos de mal, humaniza em sentido profundo,
porque faz viver (CANDIDO, 2011, p. 176).
Por isso, a literatura com sua gama de significações pode e deve ser trabalhada na
escola. Contudo, a leitura literária não deve ocorrer de forma moralista, partidária, isto é,
apenas com o intuito de ensinar valores. Ela pode, sim, gerar conhecimento, mas é necessário
que seja utilizada de forma crítica, que leve à reflexão, tanto individual quanto coletiva.
É nesta perspectiva que as políticas públicas para o incentivo à leitura e a literatura
ganham destaque, fomentando o letramento literário, bem como a formação do leitor. Segundo
Fernandes (2007), houve, nos últimos trinta anos, uma preocupação do governo em melhorar
o índice de leitura no Brasil e, consequentemente, das taxas de analfabetismo, por meio de
projetos, de campanhas e de distribuição de livros nas escolas. Um exemplo é o Programa
Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), que foi criado em1997 e preconiza o incentivo à leitura
e a cultura para os alunos e também oferece subsídios para a formação dos profissionais da
educação. O programa é dividido em três segmentos, o primeiro se destina a distribuição de
livros literários dos mais variados gêneros, como novela, romance, contos etc. O segundo
segmento destina-se aos periódicos didáticos, e por último o fornecimento de livros para a
formação e enriquecimento do professor. 2 Entretanto, o programa foi cancelado em 2015, sem
previsão de retorno, o que inquestionavelmente, fragiliza o letramento literário.
Para Fernandes (2007) os programas governamentais são fundamentais no contexto
escolar porque possibilitam o acesso às obras literárias de qualidade, mas não garantem a
efetivação do letramento literário: “Não basta apenas o Estado criar e distribuir acervo às
bibliotecas escolares por meio de programas de incentivo à leitura se os livros não forem
utilizados efetivamente [...] (FERNANDES, 2007, p. 30). Isto posto, o papel do professor se
torna fundamental, haja vista que ele é o mediador do conhecimento, quem dará norte no
processo de letramento literário.
2Informações retiradas do site do Ministério da Educação- MEC.
3. O Ensino de Literatura e o papel do Professor
Como se vê, a literatura tem seu espaço e papel no ensino. Deste modo, se faz necessário
pensar como a literatura está sendo abordada no contexto escolar, em especial, no ensino
fundamental. Sabe-se que não existe uma disciplina específica de literatura no ensino
fundamental; assim, é o professor de Língua Portuguesa (LP) que organiza e direciona os textos
literários em consonância com os conteúdos de LP. Grande parte do acesso à literatura ocorre
por meio do livro didático de Língua Portuguesa (LDP). Neste sentido, é imprescindível
analisar e refletir como ocorre a transposição, a seleção e o direcionamento dos textos literários
para o LDP. No viés de Rangel (2003) o letramento literário está intimamente ligado com o
LDP, e então, torna-se fundamental perceber os mecanismos e a função desta ferramenta no
ensino da literatura.
Para o autor, a leitura literária possui duas faces no contexto escolar; a primeira se
refere à cognição, às habilidades que são desenvolvidas por meio da leitura; já a segunda se
relaciona com fatores histórico-sociais, isto é, a leitura literária como um resgate histórico de
aspectos como obra, autores e estilos. Ambas as perspectivas reforçam o conceito de leitura
literária como um pretexto, ignorando a subjetividade do texto literário. Contudo, por meio do
letramento é possível resgatar o principal objetivo da leitura e escrita, o seu caráter formador:
“Quando se pensa a leitura na perspectiva do letramento, as idiossincrasias do sujeito, a
particularidades das situações e a materialidade dos textos podem, por direito, ocupar o centro
das atenções” (RANGEL, 2003, p. 130).
À vista disso, não há como distanciar-se das reflexões sobre o LDP, uma vez que é por
meio dele que se delineia o processo de letramento literário. Rangel afirma ainda, que, por ser
muitas vezes a única fonte de acesso à literatura, o LDP está circunscrito na formação do
brasileiro, isto é, os textos, as músicas, anedotas, poemas fazem parte da construção do leitor-
por isso há necessidade de reavaliar a utilização do LDP.
Para o autor, a literatura presente no LDP não propicia fruição, sentido,nem mesmo
conhecimento para o aluno, pois ela é fragmentada e muitas vezes desprovida de seu
significado para ser usada de modo didático, representando um “veto à fruição literária, e a
formação do gosto literário, quando não tem representado, pura e simplesmente um desserviço
à formação do leitor” (RANGEL, 2003, p. 138).Neste aspecto, o LDP necessita fornecer
subsídios que incentivem o gosto pela leitura literária de forma significativa, e, sobretudo, que
levem à formação do leitor.
Segundo Rangel (2003), espera-se que o LDP contemple a tradição por meio do cânone,
assim o aluno poderá ter repertório para relacionar os textos e compreender, por meio do
imaginário e da ficção, outras sociedades e culturas. Inquestionavelmente, é válido e necessário
olhar para tradição que nos precede.
Conquanto, a literatura não deve ser abordada exclusivamente por esse viés, afinal, existe
um sem-número de manifestações literário-artísticas que ficam à margem do cânone, e não
podem ser postas de lado. Deste modo, a literatura para crianças e adolescentes necessita
abarcar todos os povos, culturas e civilizações que precisam permear tanto o acervo da
biblioteca quanto o LDP. Como confirma Lajolo (2005), “uma espécie de cartografia do Brasil
e do mundo: tem história de gente, de bicho e de planta. De gente de toda parte do mundo e de
todos os cantos do Brasil” (LAJOLO, 2005, p. 15).
Não obstante, não é desta forma que a literatura está sendo trabalhada nas salas de aulas,
especialmente no ensino fundamental – lugar em que existe uma maior preocupação com a
alfabetização nas séries iniciais, e a formação do leitor nas séries finais. Para Soares (2006), a
literatura nas escolas é utilizada como pretexto para trabalhar questões linguísticas e
ortográficas, ou seja, para fins didáticos. Neste aspecto, todas as especificidades do texto
literário são negadas. A autora denomina esta prática como escolarização da literatura, isto é,
quando as utilidades pedagógicas ganham mais destaque do que o texto literário.
A leitura e a literatura, sobretudo do LDP, são vistas como uma obrigação para o aluno,
sempre associadas a atividades de verificação de leitura, ou propostas de entendimento do
texto. É preciso evidenciar que propor atividades que demandem a compreensão do aluno não
é um mecanismo totalmente equivocado, já que, como Soares (2006) afirma, a literatura está
circunscrita no ambiente escolar, e por este motivo é indissociável do ensino.
Entretanto, a literatura vale por ela mesma. Melhor dizendo, é necessário que o aluno
também tenha direito à literatura sem fim didático, apenas por deleite, o que não vem
ocorrendo, principalmente no LDP como elucida a autora: “Assim, ao ser transferido do livro
de literatura infantil para o livro escolar, o texto literário deixa de ser um texto para emocionar,
para divertir, para dar prazer, torna-se um texto para ser estudado” (SOARES, 2006, p. 43).
Nesta ótica, a leitura e a literatura apenas como uma obrigação e muitas vezes como castigo
podem ser consideradas como algumas das principais causas da aversão dos alunos no que se
refere à prática de leitura.
Novamente, adentramos ao papel do professor, visto que é ele quem irá conduzir
as atividades do LDP de forma coerente e significativa, e contribuir, em conjunto com a escola,
na seleção dos materiais de forma crítica e diversificada. Além do mais, o professor deve
compreender que a literatura ultrapassa o LDP e, deste modo, faz-se necessário selecionar
outros textos literários com o auxílio da biblioteca escolar que, quando utilizada de forma
organizada e com objetivos bem delimitados, desempenha importante papel, pois abre portas
para o mundo, enriquece e concretiza o letramento literário. Nesta perspectiva, o presente
trabalho pretende contribuir com o ensino de literatura no ensino fundamental I, por meio de
uma proposta de sequência didática que evoque as especificidades dos textos literários e outras
esferas do conhecimento.
4. Proposta metodológica para o livro A maior flor do mundo (2001), de José
Saramago
A maior flor do mundo (2001), de José Saramago, já foi utilizada como uma
proposta metodológica, no programa PIBID-FAZ que desenvolve atividades, projetos e
formações nas escolas públicas de Belo- Horizonte- MG, tendo como apoio da UFMG. As
atividades que foram desenvolvidas foram articuladas no livro PIBID-FAZ- Pedagogia: Direito
de todos os tamanhos (2013) em forma de relatos, tantos dos bolsistas, quanto dos
coordenadores. O programa dá enfoque nas séries iniciais e no projeto de Educação de Jovens
e Adultos- EJA. O modelo didático foi aplicado no 2 ° ano do ensino fundamental e gerou
muitas fruições e conhecimento para os alunos, por meio de atividades como ilustrações, a
confecção de um livro baseado na obra de Saramago, e a partilha das experiências de leitura
com os alunos do EJA.
É nesta perspectiva, de fomentar o letramento literário que se pretende expor um
modelo didático, que contemple a formação do aluno. Para que seja feita uma proposta de
leitura com um texto literário na escola, é necessária a adoção de alguns métodos de trabalho
com o objetivo de sistematizar melhor a aprendizagem dos leitores. Neste estudo, adotaremos
como forma de sistematização uma das sequências didáticas propostas por Cosson (2006), a
fim de ampliar as possibilidades didáticas do professor em sua sala de aula e expandir os
horizontes de aprendizagem do aluno.
O autor afirma que as sequências integram três perspectivas metodológicas. A primeira
dessas perspectivas é a técnica bem conhecida da oficina, que basicamente consiste em levar o
aluno a construir sua aprendizagem pela prática do seu conhecimento. A segunda perspectiva
é a técnica do andaime, que permite que o professor seja metaforicamente o andaime que
sustenta as atividades produzidas de maneira autônoma pelos estudantes. E a terceira é o
portfólio que consiste no registro de tudo o que foi realizado (COSSON, 2006, p. 48). Em
seguida, Cosson (2006) apresenta dois modelos de trabalho: a sequência básica e a sequência
expandida. Nesta proposta, utilizaremos os pressupostos da sequência básica que é composta
por quatro passos: motivação, introdução, leitura e interpretação. Cada uma das etapas será
apresentada a seguir acompanhada da proposta de trabalho com A maior flor do mundo
(SARAMAGO, 2001) em turmas do ensino fundamental I.
A maior flor do mundo (SARAMAGO, 2001) conta a história de um menino que
saiu de seu quintal e ultrapassou os limites dos lugares que conhecia, usando sua imaginação
para chegar até o planeta Marte. No local, encontrou uma flor debilitada, quase morrendo por
falta de água. O menino então viajou o mundo em busca de grandes rios com água abundante
para que pudesse salvar a flor, e para isso fez várias viagens carregando o líquido com as mãos.
Quando a flor já estava se recuperando, o menino muito cansado e machucado dormiu sob a
sombra das folhas que davam sinais de recuperação. A família ficou muito preocupada com a
demora do menino e resolveu fazer buscas pela região e se surpreendeu ao avistar uma planta
enorme atrás de uma colina, uma planta que nunca tinha sido vista antes. Quando chegaram lá,
a família encontrou o menino dormindo à sombra de uma das enormes folhas daquela
maravilhosa flor, que em suas pétalas possuía todas as cores do arco-íris. O menino foi levado
de volta pra casa e tratado como o herói mais corajoso de todos, pois foi o único a fazer o que
ninguém jamais tinha feito: um milagre.
A primeira etapa da sequência básica de Cosson (2006) é a motivação. Ela serve
para que os estudantes se sintam curiosos para a leitura da obra, é uma maneira de despertar o
olhar para o que será lido logo mais, como confirma o autor:
Ao denominar motivação a esse primeiro passo da sequência básica do
letramento literário, indicamos que seu núcleo consiste exatamente em
preparar o aluno para entrar no texto. O sucesso inicial do encontro do leitor
com a obra depende de boa motivação (COSSON, 2006, p. 54.)
Como atividade de motivação para A maior flor do mundo (SARAMAGO, 2001),
o professor pode pedir aos alunos que imaginem qual o lugar que eles mais têm vontade de
conhecer e que desenhem com todas as cores e detalhes as plantas, animais e objetos exclusivos
desses locais. Depois de prontos, os desenhos podem fazer parte de um varal de exposição, que
pode ficar tanto nas paredes da sala de aula quanto em algum mural no pátio da escola, para
que sejam apreciados não apenas pelos colegas de sala, mas por toda a comunidade escolar.
Outra interessante atividade de motivação é pedir que os alunos escrevam o que
gostariam de fazer que ninguém nunca fez, no que gostariam de ser pioneiros. Dependendo da
faixa etária dos alunos, o professor pode pedir também que sejam feitos desenhos que ilustrem
essa mesma vontade de cada um. Após essa atividade, o professor pode trazer para a turma
histórias de pessoas que foram vanguardistas em suas áreas, que foram consideradas insanas
por fazerem coisas diferentes do que já havia sido feito. O mediador pode encontrar facilmente
em suas fontes de pesquisa histórias como as de Karl Benz, Alexander Graham Bell e também
do brasileiro Alberto Santos Dumont, responsáveis pela invenção do automóvel, do telefone e
do avião, respectivamente.
Sugerimos aqui três atividades de motivação diferentes que podem ser escolhidas,
unidas ou ajustadas pelo mediador conforme as necessidades e realidades das turmas que serão
trabalhadas. Uma sequência didática não pode, nem pode ser seguida como uma receita pronta,
imutável e sim como sugestões de sistematização de atividades. Segundo Cosson (2006), as
atividades de motivação não necessitam de um tempo muito maior que o de uma aula, pois
existe o risco de que o objetivo principal da leitura literária acabe se perdendo em meio ao
tempo excessivo de questionamentos iniciais.
Após a etapa de motivação, o mediador começará a fase de introdução, que consiste
na apresentação efetiva do autor e da obra a ser trabalhada. Como se trata de uma obra
produzida para o público infantil e o professor irá introduzi-la no ensino fundamental I, é
imprescindível que o mediador não fale apenas do autor, mas faça também a apresentação do
ilustrador do livro, daquele que transcendeu o texto grafado da obra por meio dos desenhos que
complementam o escrito e diz aquilo que não foi dito. Na fase de introdução, o objetivo não é
fazer com que os estudantes conheçam todos os detalhes públicos da vida do autor, mas apenas
os pormenores que sejam relacionados à temática ou à produção da obra específica que será
trabalhada.
No caso de A maior flor do mundo (SARAMAGO, 2001), o professor pode
informar aos alunos que o autor, José Saramago, era filho e neto de camponeses, nasceu em
uma aldeia chamada Azinhaga, na província do Ribaltejo, em Portugal, como indica a biografia
do site oficial da Fundação José Saramago (FUNDAÇÃO JOSÉ SARAMAGO, 2017). O
escritor é famoso mundialmente por suas obras para adultos, mas, felizmente, também se
aventurou na literatura voltada para os pequenos.
Sobre o ilustrador, João Caetano é natural de Moçambique e mora na Europa há
muitos anos. Seus desenhos foram premiados várias vezes, ele já criou as ilustrações de mais
de vinte livros em Portugal e na Espanha, conforme relata a biografia oficial encontrada no site
da Caminho Editora (AZEVEDO; MARTINS. 2013).
Seguida da apresentação do autor e do ilustrador, é muito importante que na fase
da introdução os estudantes tenham acesso ao livro físico para que possam tocá-lo, vê-lo e
senti-lo. Se não existir disponibilidade de um livro físico para cada aluno, estes precisam ter
contato ao menos com o exemplar do professor. Folhear o livro, perceber os detalhes das
ilustrações e fazer as hipóteses sobre a leitura que virá é uma fase importante da introdução. A
leitura da capa, contracapa e “orelha” do livro certamente ampliarão o horizonte de
expectativas dos estudantes em relação à leitura, mesmo que eles ainda não sejam alfabetizados
plenamente.
Após a fase da introdução, o mediador pode, finalmente, conduzir os estudantes
para etapa da leitura propriamente dita. Se o professor está numa turma em fase de
alfabetização, ele certamente fará a leitura do texto e mostrará as ilustrações que o acompanham
os fatos narrados. Se a turma já for alfabetizada, o professor pode distribuir os livros ou mesmo
escanear e expor no Datashow, para que realizem a leitura individual ou compartilhada do
texto. O professor também pode deixar um dicionário à disposição dos alunos caso tenham
dúvida de alguma palavra no texto:
A leitura escolar precisa de um acompanhamento porque tem uma direção,
um objetivo a cumprir, e esse objetivo não deve ser perdido de vista. Não se
pode confundir, contudo, acompanhamento com policiamento. O professor
não deve vigiar o aluno para saber se ele está lendo o livro, mas sim
acompanhar o processo de leitura para auxiliá-lo em suas dificuldades,
inclusive aquelas relativas ao ritmo da leitura (COSSON, 2006, p. 62).
É válido ressaltar a importância do acompanhamento do professor nesse processo de
leitura, seja ela individual ou coletiva. Ao perceber que o professor está ali para ajudar em
qualquer dificuldade, o aluno se sentirá incentivado a ler do seu jeito, no seu ritmo, e terá mais
confiança para seguir à próxima etapa da sequência, que é o processo de interpretação.
O processo de interpretação, segundo Cosson (2006), possui duas etapas básicas: a
interior e a exterior. O interior se define no encontro do leitor com a obra, na leitura do texto e
das ilustrações de cada folha, provocado pela experiência da leitura e altamente influenciado
pelas etapas anteriores da sequência básica.
Em outras palavras, a motivação, a introdução e a leitura [...] são os elementos
de interferência da escola no letramento literário. [...] A interpretação é feita
com o que somos no momento da leitura. Por isso, por mais pessoal e íntimo
que esse momento interno possa parecer a cada leitor, ele continua sendo um
ato social (COSSON, 2006, p. 65).
A partir do processo do entendimento da interpretação interna como um ato de
fruição repleto de influências vem seguido deste processo a interpretação externa. A
interpretação externa acontece no compartilhamento das interpretações internas de cada
estudante. Cada aluno se vê como parte de uma coletividade e aprenderá que existem opiniões
diferentes sobre o mesmo assunto, isto é, não existe apenas uma interpretação correta. O
professor precisa ajudar na condução das opiniões de maneira que todas elas sejam respeitadas
e valorizadas do mesmo modo.
No caso específico de A maior flor do mundo (2011), alguns estudantes podem não
concordar com a atitude do menino de salvar a flor acima de todas as consequências e até
mesmo se machucar para que isso acontecesse; enquanto outros alunos podem tratar o menino
como herói, assim como sua família e sua comunidade, por ele ter tido a coragem de reanimar
a vida da planta debilitada.
Seja qual for a posição de interpretação seguida pelo aluno, é imprescindível que o
mediador incentive o registro de todas as opiniões, sejam na forma de uma carta pessoal escrita
pelo aluno e endereçada ao menino protagonista da história ou até mesmo um conjunto de
ilustrações dos ambientes nos quais o menino passou para levar a água até a flor, por exemplo.
Concluída a descrição da sequência básica proposta para o trabalho com A maior flor do
mundo (SARAMAGO, 2001), cabe ao professor enquanto mediador, e melhor conhecedor de
sua turma, alunos e realidade, eleger os caminhos mais interessantes para a fruição, deleite e a
concretização da leitura literária desta obra no ensino fundamental I. Pois, como dito, não existe
uma formula mágica, pronta e acabada para trabalhar literatura na sala de aula, cada contexto
é único, é o mediador quem irá nortear o melhor caminho.
Considerações finais
Como se vê, a literatura na escola exerce um papel primordial na formação do aluno e
na formação do leitor. A diversidade cultural e social que o texto literário proporciona e
contribui para ampliar os horizontes do aluno, isto é, a conhecer melhor o mundo que o cerca
e a si próprio.
Conquanto, percebe-se que a literatura está sendo utilizada, na maioria das vezes como
uma simples ferramenta didática, enclausurada no livro didático, quando deveria, sobretudo,
proporcionar fruição e prazer e aguçar a criticidade do aluno. Neste sentido, o professor em
conjunto com toda a comunidade escolar, precisa pensar em propostas e meios que efetivem o
letramento literário, e suscite a expressividade dos alunos.
A teoria aliada à prática é um dos principais meios para atingir uma boa condução da
literatura na sala de aula, pois a teoria dá base e subsídios que o professor necessita para
solidificar o ensino da literatura. A proposta do modelo didático que foi apresentada neste
trabalho serve como exemplo disto, não há letramento literário sem teoria e reflexão, o
professor necessita de organização e planejamento para trabalhar com textos literários.
Em A maior flor do mundo, o aluno é instigado a percorrer, por meio do personagem,
aventuras, vivência e desafios, conhecer outros mundos e ao mesmo tempo conhecer a si
mesmo, e a romper barreiras, por mais simples que pareçam. É esse o principal objetivo da
literatura, é fazer florescer: “podemos ser outros, viver como outros, podemos romper os
limites do tempo e espaço de nossa experiência e ainda assim, sermos nós mesmos” ( COSSON,
2006, p.17).
Referências
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