UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS (MESTRADO)
MARCOS DOUGLAS PEREIRA
A MULTIMODALIDADE ATRAVÉS DO PROJETO GRÁFICO EM A INSÔNIA DO VAMPIRO, DE IVAN JAF
Artigo apresentado como requisito parcial de conclusão da disciplina Literatura e multimodalidades, ministrada pela Professora Dra. Vera Helena G. Wielewicki.
MARINGÁ 2012
A MULTIMODALIDADE ATRAVÉS DO PROJETO GRÁFICO EM A INSÔNIA DO VAMPIRO, DE IVAN JAF
Marcos Douglas PereiraUniversidade Estadual de Maringá
RESUMO
A produção brasileira voltada aos jovens leitores modifica-se constantemente buscando acompanhar o mercado editorial e as tendências preferenciais juvenis. Diversas vezes essa produção é acompanhada por um trabalho gráfico inovador que visa a chamar a atenção do público juvenil que consumirá a obra. Este artigo pretende observar, na obra A insônia do vampiro, do autor brasileiro Ivan Jaf, a mobilidade do projeto gráfico em consonância com o enredo da narrativa, tendo em vista a importância de se analisar o tema vampirismo na literatura brasileira devido a seus ecos na literatura de massa mundialmente. Aspectos gráficos que influenciam na obra e sua importância na aceitação entre o público juvenil entre outros serão exploradas para que se possa discutir elementos da produção juvenil brasileira e a técnica multimodal na literatura nacional.
PALAVRAS-CHAVE: Projeto gráfico; Literatura Infanto-juvenil; multimodalidade; Ivan Jaf.
Introdução
O presente artigo pretende levantar uma breve discussão sobre as relações entre
imagens e textos verbais no livro A insônia do vampiro do autor brasileiro Ivan Jaf.. O
propósito deste texto é indicar alguns recursos discursivos encontrados em imagens e
textos do livro em questão que contribuam para a construção das dimensões narrativa e
descritiva em acordo com a perspectiva da multimodalidade literária.
O autor da obra analisada, Ivan Jaf, através da Série Memórias de sangue da
Editora Ática, lançou O vampiro que descobriu o Brasil (1999), o primeiro livro de uma
série composta ainda de, A insônia do vampiro (2007),As revoltas do vampiro (2008)
Um vampiro apaixonado na corte de D.João (2009) e O mestre das sombras (2010).
Levando em consideração a grande atratividade que a obra literária traz aos
jovens e o fenômeno de vendas que tais obras representam através de best-sellers como
os da saga Crepúsculo e a crescente produção de obras voltadas ao segmento jovem e a
preocupação editorial brasileira com o mercado que tal fenômeno representa, o que se
pode, perceber através da Editora Ática, e, mais especificamente, da Série de narrativas
góticas Memórias de sangue através de obras como a que será comentada neste artigo: A
insônia do vampiro. Busca-se analisar tanto alguns aspectos estéticos e outros gráficos
da obra em questão, avaliando sua possível recepção por parte do público juvenil,
inicialmente a ele destinada.
1. A insônia do vampiro: o estilo, a enunciação e a interdiscursividade.
Levando em conta o conceito bakhtiniano de estilo, estruturam-se e unificam-se
os enunciados produzidos pelo enunciador e por meio do conjunto descritivo apreende-
se um estilo de vida. Na obra de Ivan Jaf, a relação imagem e texto verbal apresenta
recursos fundamentais para sua realização: primeiramente, através de um narrador-
personagem que constrói a visão das passagens da história como ocorre no caso do
terremoto de Lisboa, muito bem descrito na visão de um personagem que vivencia o
acontecimento histórico, porém sem perceber inicialmente do que se tratava . O segundo
é o da interdiscursividade: utilizado em algumas narrativas infantis como expediente
para atualização do enredo. Fatos históricos presentes na obra, como a chegada da
família real ao Brasil em 1808 e o próprio terremoto em Lisboa no ano de 1755
contextualizam o leitor e aproveitam fatos históricos que só podem ser juntados em um
mesmo livro em uma narrativa de um personagem ironicamente “morto-vivo” que
perpassa o tempo e confere um valor didático e histórico à obra.
No caso do romance juvenil A insônia do vampiro, de Ivan Jaf, o foco é
deslocado não para um adolescente, mas sim o protagonista adulto, vampiro em sua
condição de “morto-vivo”. Ironicamente o narrador destaca que passar as noites
acordado não é o problema para o personagem-vampiro devido à sua condição de
“morto-vivo” e sim passar os dias se revirando no caixão é o que representa a
dificuldade para o personagem principal da história, ainda mais pelo fato de o dia durar
duas vezes mais do que a noite. O caminho de cura buscado pelo personagem é algo
muito humano, o que reforça a ironia do romance: a terapia. As declarações centenárias
do personagem são proferidas à sua terapeuta que, é claro, na coerência esperada pela
narrativa também é da classe dos vampiros, e remontam aos tempos de vivência do
personagem em Portugal, sua terra de origem e destaca fatos históricos vivenciados pelo
personagem como o Sebastianismo e o grande terremoto português ocorrido no ano de
1755. Todos esses fatos além de perfazerem parte da história e complementarem a
Narrativa são explorados através de “boxes” laterais, como será exposto no decorrer do
artigo. A amizade com um vampiro ironicamente “religioso” que morde o pescoço de
um bebê é relembrado pelo protagonista que se recorda das consequências tenebrosas do
ato que desencadearam os problemas psicológicos para os quais o protagonista busca
solução.
2. A intertextualidade e o hipertexto localizados às margens gráficas da obra.
Ao contrário do que prezam romances como os da saga Crepúsculo, que
privilegiam em seu enredo o romance tradicional com um casal romântico e uma
problemática voltada para o relacionamento amoroso adicionando à receita uma espécie
de elemento fantástico voltado ao sobrenatural caso dos vampiros atuando no desfecho
da história e fantasiando uma série de aventuras na vida dos jovens adolescentes, o
romance de Jaf dá um novo panorama à visão jovem, apresentando-lhe um novo mundo
e uma nova forma de ver a vida. No caso do romance brasileiro, a começar pelo
protagonista que é um vampiro adulto, as “peças” no tabuleiro da história se
movimentam de forma diferente. O tempo da história é outro e é trabalhada a questão do
flash-back de forma muito mais dinâmica, levando o leitor jovem a outros tempos e a
outro continente. A ação que se passa em Portugal, remonta ao tempo da colonização,
percorrendo a história de nosso país colonizador, como já é descrito no primeiro
capítulo da história: “Sou vampiro. Tenho 500 anos, duzentos deles passados aqui no
Brasil.” (p.7). O vampiro-personagem que demonstra ter vivido boa parte da história do
Brasil expõe sua ligação direta com Portugal, país colonizador e ao iniciar sua “análise”
relembra os tempos de seu “relato” (momento em que é mordido e torna-se um “morto-
vivo”) em Portugal e deitado em seu “caixão-divã” declara, forma divertida, que não
pode passar sua eternidade vivendo com insônia.
Um dos detalhes que chama muito atenção à obra de Jaf é a exploração da
Intertextualidade e de certa “hipertextualidade” que relembra o recurso cibernético do
hipertexto que é uma espécie de texto multidimensional em que numa página trechos de
texto se intercalam com referências a outras páginas. O Hipertexto faz com que Jaf
consiga fazer com que o leitor interaja e participe da leitura de forma ativa, construindo,
a partir de seu universo outras leituras – os denominados hipertextos -, as citações de
outros personagens históricos, fatos históricos e documentos históricos além de
definições para documentos e nomenclaturas diversas que envolvem dados importantes
da história mundial relativos ao Século XVIII, especialmente. A primeira ocorrência
dessa técnica é notada na página 13 (Capítulo 2) quando o protagonista insere em suas
memórias a presença do personagem Raimundo Pascoal e o descreve afirmando que a
noite em que o personagem Pascoal fora atacado ocorreu nos idos de 1930 e relata que
era a época do surto da chamada Peste Negra: “Isso aconteceu em 1530, na época da
segunda grande epidemia de Peste Negra em Portugal, quando eu já era vampiro havia
mais de duas décadas” (grifo nosso). A referência intertextual a “Peste Negra”, grifada
na frase anterior, é a primeira histórica a ser referida no livro e aparece em letras
vermelhas no início do capítulo dois, que por sua vez é uma página completa de fundo
negro e letras brancas. A expressão “Peste Negra” em vermelho aparece novamente no
canto superior esquerdo dá página 14 com a devida explicação do que foi tal problema
de saúde pública:
“A Peste Negra matou milhões de pessoas a partir do Século XIV na Ásia e na Europa. A doença, causada por uma bactéria, é transmitida ao homem pelas pulgas dos ratos. Em seu primeiro estágio, a peste provoca febre e inchaços na pele, chamados de bubos – daí ser conhecida também como peste bubônica. Em seguida, a bactéria invade também a corrente sanguínea e causa hemorragia interna. Hoje em dia é rara e mais facilmente controlada, graças ao uso de antibióticos.” (p. 14)
A presença de tal referência intertextual, a partir do hipertexto, instiga o leitor juvenil a
buscar no texto, de forma mais participativa, o significado de tal referência sanitária
histórica sem excluí-lo pelo não conhecimento e sem empobrecer a narrativa evitando a
referência. Além disso, aparentemente, Jaf parece ter objetivos didáticos que podem ter
como objetivo alavancar o sucesso de sua obra especialmente nos meios escolares
devido ao seu alto grau de referências históricas verídicas apresentadas.
Outras referências são apresentadas ainda a partir da página 14 até a página 135
sobre os aspectos seguintes, que se intercalam na história agindo e atuando junto aos
personagens com de diferentes graus de importância como: a peste grande (p. 14); A
Reforma Protestante (p.15); as feitorias e capitanias hereditárias (p. 16); os mouros,
Constantinopla, Palestina e Marrocos (pp. 18 e 19), o quinto império (p.20) e tantos
outros que poderiam ser aqui citado. Porém nenhum deles atinge tão alto grau de
entrelaçamento na história e importância como o grande abalo sísmico ocorrido em
Lisboa no dia 1 de Novembro de 1755. A referência intertextual a esse terremoto que
abalou a população portuguesa no Século XVIII e que entrou para os livros de história
como o maior terremoto sofrido por Portugal aparece influenciando diretamente na
narrativa, especialmente no início do Capítulo 17 (página 75) quando em meio ao
clímax da narrativa o personagem protagonista e seu amigo Raimundo Pascoal, que se
encontravam em apuros por estarem em período de Investigação e julgamento de seus
atos por parte da Personagem Rosa Loba – espécie de juíza e “delegada” regional dos
vampiros – que aguardava testes para saber se os dois foram culpados pelo ataque ao
bebê que contrariava a “Ética vampiresca” que prezava o não ataque a bebês ou pessoas
indefesas. O amigo do protagonista, Raimundo Pascoal encontrava-se retido para
averiguação até que o bebê fosse trazido à presença de Rosa Loba e se comprovasse sua
contaminação ou não. Nesse momento é que a narrativa entra em contato com o fator
histórico real: o terremoto que atingiu Lisboa como epicentro em 1 de Novembro de
1755. Neste momento o vampiro-personagem protagonista, que passava seus dias em
uma residência abandonada nos arredores de Lisboa, ao tentar dormir durante sua
“insônia” em seu caixão isolado percebe tremores e barulhos de trovões vindos da terra
e imagina que está sendo perseguido por alguma Congregação contrária aos vampiros
ou pela “delegada” e seu “investigador”, também conhecido como Morcegão. Mas a
dúvida paira na mente do personagem por saber que vampiros não se retiram de seus
esconderijos durante o dia para não serem queimados pela luz solar e aguarda a chegada
da noite para averiguar o que houvera. Ao sair de seu caixão, à noite, o personagem-
vampiro percebe que tudo em Lisboa estava arruinado por uma catástrofe – o terremoto
conhecido historicamente por arrasar Lisboa – e que não afetara os arredores da cidade,
salvando então o personagem-protagonista da exposição à luz do sol. Então o
personagem sai em busca alucinada pelo bebê na tentativa de resgatá-lo já imaginando
que Rosa Loba e Morcegão estavam mortos eternamente pela exposição ao sol. O fato
histórico, descrito com muita fidedignidade por Jaf se entrecruza intertextualmente com
a narrativa, provavelmente com objetivo didático ou de conferir maior grau de interesse
e proximidade com a realidade, impressionando as mentes juvenis que consumirão a
obra. A estratégia dá um caráter de maior validade à obra, ao utilizar a questão histórica,
atrelando a narrativa com o fato histórico concreto e tornando-a móvel em relação à
temporalidade e atribuindo-lhe, aparentemente, uma possibilidade de leitura em diversas
épocas sem datá-la a um período histórico-social.
Ao final do Capítulo 17 aparecem ainda outras marcas intertextuais através de
desenhos antigos (figura exposta no item 4 deste artigo) retratando o então “vilarejo”
Lisbona (Lisboa) e o desembarque de frotas estrangeiras no rio Tejo, no Século XVIII.
Abaixo da imagem aparece a legenda de descrição retratando: “A cidade mantinha-se
nessa época como um importante centro comercial europeu”. Na página seguinte, antes
do início do capítulo XVIII, aparecem ainda outros desenhos da cidade lisboeta
retratando suas ruas típicas com a descrição antes do terremoto (destaque itálico nosso)
e do terreiro do paço, destacando em legenda que ele era a sede da residência real
portuguesa por mais de duzentos anos e que a Biblioteca, com mais de 70 mil volumes,
foi destruída no terremoto de 1755. Tais referências evidenciam ao leitor de que se trata
de um terremoto real e não apenas ficcional como poderia crer-se e confere um status de
mais realidade e encantamento entre objeto estético e os fatos acontecidos no Século
XVIII em Portugal. Também ocorre, ao final do Capítulo XVIII a presença de novas
figuras retratando, dessa vez, Lisboa e suas ruinas após a ocorrência do terremoto,
fechando o ciclo de figuras e referências intertextuais que incluem o grande abalo que
dizimou milhares de pessoas em Portugal. As ruínas retratadas nessa nova imagem são
da cidade de Portugal como um todo e da igreja de São Nicolau além do teatro da Ópera
que havia sido recém-inaugurado quando da ocorrência do desastre.
Ao final do Capítulo 25 novas referências intertextuais são apontadas com a
presença de uma parte especial da obra que, em duas páginas (116 e 117) apresentam
imagens e informações acerca do Marquês de Pombal, ao lado de sua imagem:
Classificado muitas vezes como tirânico, Sebastião de Carvalho e melo – o Marquês do Pombal – comandou a política portuguesa por 27 anos. Atos duros e polêmicos fizeram parte de seu governo, como a expulsão dos jesuítas em 1759. (p. 116)
A imagem de Dom Sebastião também aparece abaixo e ao lado a referência aos
mitos do Sebastianismo sobre sua batalha em Marrocos e sobre a espera lendária de seu
retorno trazendo uma nova era à nação lusitana. Na página seguinte há um desenho da
representação de uma execução em Távora, fazendo referência ao aumento do número e
do nível de crueldade nas execuções, especialmente após o terremoto que desorganizou
as esferas sociais e a segurança da sociedade portuguesa.
Outro paratexto1 importante ao final da obra, aparecendo como referência
intertextual, é um epitexto que insere um discurso de mundo: a existência ou não de
vampiros questionada e elucidada historicamente com as referências sobre o Príncipe
Vlad, romantizado pelo Irlandês Bram Stocker no fim do Século XIX. Apresenta ainda
imagens e textos do próprio autor Ivan Jaf como referência a outros livros do autor
como O vampiro que descobriu o Brasil e trazendo para o conhecimento dos jovens a
existência de outros textos como Entrevista com o vampiro (1976), Os garotos perdidos
(1987) e drácula (2000). Uma terceira parte do paratexto traz, de forma divertida, dicas
sobre como identificar, afastar e eliminar vampiros, encerrando assim o paratexto e a
obra em si.
3. O projeto gráfico: as cores e a atmosfera do romance de Jaf.
O hibridismo, que pode ser entendido como a união de elementos em diversas
ciências e entendimentos, parece encontrar-se além das palavras, presente também na
união entre texto literário e imagem ilustrada para esse texto, trabalhando em conjunto e
não deve ser desprezado, como no pensamento de BHABHA (1998)
Se hibridismo é heresia, blasfemar é sonhar. Sonhar não com o passado ou o presente, e nem com o presente contínuo; não é o sonho nostálgico da tradição nem o sonho utópico do progresso moderno (...) (1998: p. 311)
O conjunto entre texto literário e projeto-gráfico tem se tornado uma espécie de
hibridismo quase que indispensável para atrair a atenção do leitor juvenil devido ao
contato inicial e a atratividade que as imagens do mundo pós-moderno, como as da
internet e as da televisão que estão presentes na vida dos leitores desde os anos 1960
(televisão) e 1980 (internet).
1 1 – Para Genette (1982:p.10) os paratextos são “Título, subtítulos, intertítulos; prefácios, preâmbulos, apresentação, etc.; notas marginais, de rodapé, de fim; epígrafes; ilustrações; dedicatórias, tira, jaqueta [cobertura], e vários outros tipos de sinais acessórios, [...], que propiciam ao texto um encontro (variável) e às vezes um comentário, oficial ou oficioso, do qual o leitor mais purista e o menos inclinado à erudição externa nem sempre pode dispor tão facilmente quanto ele gostaria e pretende.”
O primeiro contato do leitor juvenil com o livro é estabelecido pela observação
dos aspectos plásticos e gráficos da obra. Tais aspectos tendem a ser convidativos para
que o leitor mergulhe na história, no enredo da narrativa. Ramos e Pannozo (2005)
comentam que a primeira leitura se realiza através da imagem visual do livro,
especialmente das capas:
A capa e a contracapa são limites materiais das histórias ou poemas contidos no seu interior, ambas desencadeiam informações e fazem emergir hipóteses do que se pode esperar do texto. O efeito desta apresentação é semelhante ao de uma embalagem que, por suas características suscita o desejo de posse, guarda um mistério, ativa a curiosidade e, ao mesmo tempo, sinaliza algumas possibilidades à mente de quem se aproxima desse objeto. (RAMOS; PANNOZO, 2005, p. 115-116)
Assim como uma bela capa pode incentivar a compra de um caderno por parte de um
aluno. Da mesma forma que uma boa embalagem de um alimento, com cores vivas,
brilho e textura pode incentivar à mente de modo a buscar o prazer alimentar bela
beleza estética de uma simples embalagem, mesmo que seu conteúdo não seja tão
agradável. O mesmo ocorre no momento de busca e consumo de uma obra literária que
não se conhece e não se sabe seu conteúdo. No caso dos jovens leitores esse fato se
intensifica ainda mais: a alegria do toque em uma capa com textura e cor diferenciada, o
cheiro do livro, todos os detalhes são preponderantes na escolha e aceitação inicial de
uma obra literária.
No caso de A insônia do vampiro há a apresentação de projeto gráfico
diferenciada já nas dimensões do livro. O formato da obra quanto à sua dimensão é 24 x
17 cm. Tal formato difere dos tradicionais e lhe confere caráter de H.Q. (história em
quadrinhos) e relembra muito tal configuração. Outra característica dos HQ´s e que
relembra as antigas revistas em quadrinhos, como no exemplo da personagem-vampira
Mirza de Eugênio Colonnese – criada em 1967, é a disposição gráfica da capa quanto a
desenhos e cores. Em Mirza (Fig. I), as cores vermelha e preta predominam,
relembrando respectivamente as sombras da noite – momento de vida dos “mortos-
vivos – ajudando a criar a aura de suspense e no caso da cor vermelha o sangue, objeto
de terror e medo por representar morte e alimentação dos vampiros durante os ataques.
O ambiente representado em Mirza retrata ao fundo um castelo e ainda a beleza
feminina da vampira, usada para atrair especialmente o público masculino. No caso de
A insônia do vampiro (Fig II) as cores preto e vermelho predominam, com escritas em
branco. A cor negra domina o fundo e as laterais da capa trazendo o clima noturno de
suspense característico dos vampiros e a cor vermelha – relembrando sangue espalhado
preenche o fundo no centro da capa (da esquerda para a direita ). Há ainda a presença da
cor cinza desenhando, como que em sombras, as ruas e casas de Lisboa (abaixo da
escrita “sangue, terror e lágrimas na Lisboa do século XVIII”) e do lado direito da capa,
em maior dimensão o caixão do vampiro que se remexe com insônia dentro de seu
caixão. O splash de sangue também se irradia pela capa de fundo do livro, dando fundo
para a sinopse que destaca o fato de que passar as noites acordado não é problema para
o vampiro e sim os dias se remexendo em seu caixão e atentando para o fato de que o
dia dura mais do que a noite, o que traz complicações para a questão da insônia de um
vampiro ser mais penosa do que a dos vivos mortais.
Figura I Figura II
Como no livro infantil, que promove o desenvolvimento de duas competências
leitoras: a do código verbal e do código não-verbal, o livro juvenil A insônia do vampiro
trabalha o interesse pela leitura através das imagens internas – figuras que expressam
suspense, terror, sangue – que motivam a leitura e o suspense acerca da obra de seu
entorno. Kikuchi (2004: p.5) afirma que a ilustração tem papel de criar uma espécie de
atmosfera espiritual da obra, na qual se movem os ritmos, sentimentos e
consequentemente os personagens na narrativa.
Para Camargo (1995), as ilustrações tem diferentes funções no texto no qual estão inseridas:
A significação global de uma imagem abrange significados denotativos e conotativos: os primeiros referem-se ao que a imagem representa, enquanto os significados conotativos referem-se a associações sugeridas pela imagem. (CAMARGO, 1995, p.1)
Ainda destaca Camargo (1995, p.1) que é preciso focalizar a relação entre o texto e
imagem, denominada por ele: coerência intersemiótica. O texto de Jaf trabalha com o
alinhamento das imagens intercaladas em páginas com fundos sombrios (cor preta) com
detalhes em vermelho e branco que atraem visualmente e descrevem cenas, sem
interpretá-las totalmente nem antecipar de forma a frustrar o leitor. Em meio aos
capítulos, nas páginas brancas são interpostas imagens semelhantes às de HQ´s em preto
e vermelho descrevendo algumas cenas pontuais como a psicanálise no “divã-caixão”
(pp. 10-11); as caravelas portuguesas em preto, branco e vermelho no mar indo à
batalha de Marrocos, no episódio da batalha em que o Rei Sebastião desapareceu (pp.
18-19); a fixação de Raimundo Pascoal com o bebe no colo - em preto, branco e
vermelho – (p.31); os vampiros em vigília pendurados no teto observando a família e
vigiando o possível bebe-vampiro – em preto, branco e vermelho – (p.47); a horripilante
cena do bebe tomando sangue na bacia e o terror de todos á sua volta (pp.50-51); a
cidade de Lisboa destroçada (em preto) com o sangue brotando dos escombros após o
terremoto histórico que se entrelaça á ficção (p.70), entre outras diversas imagens
produzidas através de desenhos muito criativos e atrativos aos olhos de mentes jovens e
até adultas que apreciam as histórias de suspense.
Em alguns casos a ausência de imagens e figuras também estabelece uma
relação de significado com o texto bastante abrangente, dando pistas do que vai
acontecer e motivando as mentes dos leitores a recriar o cenário virtualmente daquilo
que está para acontecer, aumentando o clima de suspense e garantindo a continuidade e
estimulando o ritmo da leitura. Os capítulos de A insônia do vampiro que aparecem sem
ilustrações acabam por reforçar o mistério e o suspense. Tal prática, aparentemente,
auxilia muito ao leitor ao “dar” e “retirar” informações à sequência da obra e lhe
conferem um interessante grau estético.
4. As imagens como modalidade em A insônia do vampiro.
O livro A insônia do vampiro, com ilustrações de Marcelo Campos,
propõe uma leitura múltipla, aberta, pelo trabalho com imagens,
palavras e imagem / palavra. É assumido pelo ilustrador o papel de
criador das imagens mentais que são idealizadas ficcionalmente pelo
leitor e que contribuem com o ambiente de mistério e fantasia da
obscura lenda do vampirismo. Isso porque há tanto trabalho verbal
quanto imagético e uma proposta de interação entre essas duas
dimensões, de forma a construir um vasto campo de possibilidades
de leitura. Fator dominante na proposta do livro é a
complementaridade permanente entre a imagem e o texto. Outra
proposta igualmente relevante é o diálogo entre as imagens, como
que demarcando, pela descrição constante, as personagens, seus
modos de ser, seus atributos físicos e psicológicos, enfim, uma
composição visual que ultrapassa a transcrição denotativa do texto
verbal e amplia as conotações e implicações assumidas pela
plasticidade das imagens como no exemplo da figura abaixo:
A imagem ilustrada acima complementa de forma criativa o texto
verbal que descreve o ambiente do consultório da psicanalista-
vampira, porém sem antecipar com a imagem a cena descrita,
possibilitando a criação mental por parte do leitor e posteriormente
apresentando uma possibilidade de cena que, inclusive auxiliará ao
leitor na construção de muitas outras cenas – ilustradas ou não – que
virão adiante. Na imagem as cores, como já citado em item anterior,
vermelho e preto trazem o conteúdo misterioso sangue e sombras da
noite para o imaginário do leitor de forma a criar o clima de suspense
e ressignificar a obra atribuindo-lhe mais característica de realidade.
Muitas são as imagens que contribuem para tais construções
multimodais, através do projeto gráfico, que possibilitariam uma
discussão muito ampliada e rica a respeito da obra, porém por
questão de espaço neste artigo será explorada ainda a imagem
abaixo:
O paratexto em questão abre uma seção do livro, quando da interferência do terremoto
de Lisboa na Narrativa. É apresentada na imagem uma figura ilustrada em forma de
desenho relatando como teria ficado a cidade de Lisboa após o histórico terremoto.
Abre-se então um parêntesis para a pesquisa histórica que pode fazer com que o leitor
busque mais informações acerca do histórico terremoto ocorrido em Lisboa no ano de
1755. A influência da imagem na obra pode propiciar que o leitor juvenil, a quem a obra
é inicialmente destinada, relacione o mundo real e o fato histórico real do terremoto
com a lenda vampiresca, causando a impressão de maior realidade da lenda e gerando
um clima de suspense interessante em relação à obra lida.
Considerações finais
A qualidade gráfica em uma obra literária propicia naturalmente a identificação
do público leitor com a obra. Imagina-se que consideração relevante que é a
de que os projetos gráfico-editoriais das obras de literatura infantil
não devem ser compreendidos somente do ponto de vista técnico,
abordados principalmente pela área de design gráfico. Mesmo aí, há
estudos que sinalizam a importância do design como linguagem, na
construção visual do suporte e na atualização do gênero. Ilustradores
que são autores e autores ilustradores, cada vez mais, propõem uma
dinâmica de interação entre imagem e texto verbal que, com
frequência, resultam na hibridização de linguagens. Os “sangue, terror e
lágrimas na Lisboa do século XVIII” prometidos por Jaf na capa da obra aparecem de
forma equilibrada e bem-humorada através da insônia de um vampiro que se assemelha
a um herói romântico, porém sem as características previsíveis dos heróis tradicionais.
Uma obra que não assusta mas deixa um clima de suspense, que não aterroriza mas faz
criar na mente do leitor o ambiente de terror e empolgação procurando prever o
desfecho, traz a emoção das lágrimas sem fazer chorar e identifica o leitor com a
situação tensa vivida entre o protagonista-vampiro e a do bebê indefeso que traz o
sentimento de ternura a pessoas de qualquer idade.
O projeto-gráfico criado para a obra apresenta alta qualidade, desde o papel o
formato do livro até as cores e impressões muito bem pensadas e estruturadas. Obras
como A insônia do vampiro podem contribuir e muito para a formação de um leitor
proficiente e interessado, sem deixar de constituir interessante objeto estético que não se
perderá tão facilmente com o tempo por representar obra interessante e inovadora na
nova narrativa juvenil brasileira. Tais características podem nos levar a crer que a
multimodalidade existente entre literatura e cinema; literatura e televisão e literatura e
desenho gráfico compõem algo que, num futuro não muito distante, podem se tornar
quase que indissociáveis e que, quando trabalhadas em harmonia, podem contribuir e
muito na disseminação do ato de ler e na formação de leitores.
REFERÊNCIAS
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REFERÊNCIAS DAS IMAGENS
FIGURA 1: http://santuariodosvampiros.blogspot.com.br/2009_01_27_archive.html
FIGURA 2: http://estudiorafelipe.blogspot.com.br/2010/04/livro-insonia-do-vampiro.html