Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 3489
A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO DIDÁTICO NA PERSPECTIVA DE FERNANDO DE AZEVEDO (1927-1940)1
Silvia Helena Andrade de Brito2
Maria Angélica Cardoso3
Da mesma forma que outros educadores da Escola Nova, Fernando de Azevedo (1894-
1974) também articulou uma determinada proposta de organização de trabalho didático, a
partir de suas reflexões e, simultaneamente, das intervenções que realizou, quando esteve à
frente da direção de órgãos de Estado do campo educacional, como o foram suas passagens
pela Diretoria Geral da Instrução Pública do Distrito Federal (1927-1930) e de São Paulo
(janeiro a julho de 1933) (AZEVEDO, 1971). Nessa direção, esse é o objeto deste artigo: as
proposições de Fernando de Azevedo para esta questão tão discutida entre os anos 1920-
1940, considerando que um dos pressupostos do escolanovismo era exatamente o de pensar e
procurar tornar presente, desde o chão da escola até suas esferas de planejamento estatais,
uma nova forma de organização do trabalho didático.
Para a discussão dessas propostas, foram importantes tanto as obras escritas por
Fernando de Azevedo, entre elas, os textos Novos caminhos e novos fins (1958)4; A educação
e seus problemas (1948)5; História da minha vida (1971). Além disso, o artigo se fundamenta
teoricamente nos estudos sobre organização do trabalho didático realizados por Alves (2001;
2005; 2012), tendo como base teórica a ciência da história (MARX, 2007) e dialoga com
autores que se debruçaram sobre as intervenções de Azevedo e da Escola Nova, como Vidal
1 Texto produzido como parte do projeto de pesquisa interinstitucional denominado “A organização do trabalho didático na visão de educadores da Escola Nova”, financiado pelo CNPq e coordenado pela Profa. Dra. Carla Villamaina Centeno, da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS). Além disso, contamos nas pesquisas referentes à Fernando de Azevedo com a participação de Rosely Gonçalves de Oliveira, bolsista de Iniciação Científica do PIBIC/UFMS entre 2015-2016 e auxiliar de pesquisa do projeto entre 2016-2017.
2 Doutora em Filosofia e História da Educação pela UNICAMP. Professora Associada da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus de Campo Grande. E-Mail: <[email protected]>.
3 Doutora em Filosofia e História da Educação pela UNICAMP. Professora Adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus de Campo Grande. E-Mail: <[email protected]>.
4 Texto originalmente publicado em 1932, pela Companhia Editora Nacional e, posteriormente, teve uma segunda edição, pela mesma editora, em 1934. A terceira edição, utilizada neste artigo, faz parte da coleção Obras Completas de Fernando de Azevedo, publicada pela Editora Melhoramentos, sendo seu oitavo volume.
5 A coleção de ensaios que compõem o livro A educação e seus problemas foi publicada pela primeira vez em 1937, pela Companhia Editora Nacional. Teve outras duas edições em um volume: a segunda, em 1945, pela Companhia Editora Nacional; e a terceira, em 1952, pela Edições Melhoramentos. Em 1948 a obra foi revista e ampliada, sendo então publicada a quarta edição, em dois volumes, como parte da coleção Obras Completas de Fernando de Azevedo (volume 8, tomos 1 e 2).
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(2011); Souza (2008; 2011), entre outros. Assim, as obras de Fernando de Azevedo foram
lidas e fichadas, com o intuito de identificar, por meio delas, a forma como o autor vai
considerar a organização do trabalho didático, visando a construção de uma escola renovada.
Além disso, como ver-se-á na primeira sessão desse artigo, dada a amplitude da
categoria chave escolhida para realizarem-se as análises pertinentes ao objeto aqui tratado,
foi privilegiado um dos aspectos referentes à organização do trabalho didático, a questão dos
instrumentos didáticos, elementos essenciais no processo de produção do trabalho didático.
Explicando melhor, serão analisados o papel atribuído por Fernando de Azevedo aos planos e
programas, que deverão expressar-se por meio de um determinado arranjo curricular, por
um lado; e, por outro, a questão do texto escolar, que representa o instrumento de trabalho
mais importante a disposição do professor, em se tratando da organização do trabalho
didático na escola moderna.
A partir destes pressupostos, este trabalho se organiza em três partes. Na primeira,
serão apresentadas as categorias trabalho didático e organização do trabalho didático
(ALVES, 2001; 2005), elementos centrais para a análise que se apresenta a seguir, sobre as
proposições azevedianas acerca do papel dos planos e programas para a renovação da escola.
Já na segunda parte do texto será tratado um segundo elemento de mediação, fundamental
na organização do trabalho didático: a questão do texto escolar, denominado pelo educador
escolanovista de livro de texto e livro escolar, conforme se refira ao existente no âmbito da
assim denominada pedagogia tradicional6 ou o proposto pela pedagogia nova,
respectivamente. Aqui também será abordada a questão das políticas educacionais, como
elemento central na definição e materialização do projeto de reforma da educação. Por fim,
na terceira e última parte encerra-se o artigo, apresentando as considerações finais sobre as
questões suscitadas pelo debate.
O lugar de planos e programas numa nova organização do trabalho didático
Como lembra Souza (2008, p. 1), “Para os renovadores da Escola Nova, a reorganização
radical do sistema educacional brasileiro pressupunha a mudança dos métodos pedagógicos e
a redefinição da finalidade social da escola”. Em outras palavras, era preciso instituir e
materializar uma nova organização do trabalho didático. O que implicaria, então, essa
mudança? Segundo Alves, a referência à organização do trabalho didático envolve três
6 Não é demais lembrar que essa denominação foi atribuída particularmente a toda experiência escolar presente no Brasil após as reformas pombalinas, na segunda metade do século XVII, tendo como base o Iluminismo, tal como se expressou em Portugal e em suas colônias (AZEVEDO, 1963; ALVES, 2003).
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elementos, necessariamente inter-relacionados, além de serem social e historicamente
determinados:
a) ela é, sempre, uma relação educativa que coloca, frente a frente, uma forma histórica de educador, de um lado, e uma forma histórica de educando(s), de outro; b) realiza-se com a mediação de recursos didáticos, envolvendo os procedimentos técnico-pedagógicos do educador, as tecnologias educacionais pertinentes e os conteúdos programados para servir ao processo de transmissão do conhecimento; c) e implica um espaço físico com características peculiares, onde ocorre (ALVES, 2005, p. 11)7.
Ora, para Azevedo, todos os elementos acima expostos, além daqueles outros aspectos
da organização do trabalho didático que, embora não diretamente pertinentes ao “chão da
escola”, são elementos importantes para configurar o trabalho didático que ali se realiza – a
exemplo das políticas educacionais, dos conselhos escolares, das associações de pais e
mestres, entre outros (ALVES, 2012; SOUZA, 2008). Em função disso, foram objeto das
preocupações e ações políticas desse educador, ao longo de sua trajetória profissional.
Na impossibilidade de tratar de todos estes aspectos, serão considerados dois
elementos inclusos nos recursos didáticos presentes e necessários na relação educativa. São
eles: 1) os conteúdos previstos para serem transmitidos no processo de conhecimento e que,
para Azevedo, se expressariam por meio de planos e programas; 2) o texto escolar, elemento
de mediação central para o trabalho didático, de fato, o principal instrumento para a
organização do trabalho didático na escola moderna (ALVES, 2015).
Sobre o primeiro elemento, Azevedo desde o início chama a atenção que os programas e
os conteúdos para o ensino primário deveriam ser transformados, visto que “[...] o
desenvolvimento do aspecto social da educação imprimiu à escola uma nova finalidade, para
cuja realização se propuseram e se experimentaram meios apropriados” (AZEVEDO, 1958, p.
75). A adoção dos princípios básicos da Escola Nova implicou na rejeição dos meios não
condizentes aos novos fins propostos e, por consequência, na revisão dos métodos
pedagógicos, continua Azevedo.
Considerando que o ponto de partida da Escola Nova é sempre a observação e a
experiência, faz-se necessário que o professor comece a ensinar o aluno a observar, pondo-o
em contato constante – por meio da experiência – com as coisas e os fatos. Para tanto, todos
os recursos disponíveis e que possam enriquecer a experiência do aluno, tais como as
excursões escolares, os museus e o cinema educativo constituem meios, entre tantos outros,
7 Grifos do autor.
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de “[...] abrir à atividade inquieta do aluno novos campos de observação” (AZEVEDO, 1958,
p. 75).
Como não se aprende a observar senão pelo hábito de observação direta e essa não
pode ocorrer senão sobre as coisas que estão ou podem estar ao alcance dos alunos, os
programas escolares até então existentes, no âmbito da pedagogia tradicional, foram
elaborados de acordo com esse princípio, ou seja, “[...] o princípio do meio imediato. A
atividade deve ser exercida sobre a realidade viva ou sobre as coisas como a casa, a escola, a
região com que o aluno tem contato direto” (AZEVEDO, 1958, p. 75). Se isso certamente era
importante, não seria, no entanto, suficiente. Era preciso ir além, encaminhando a
organização até então marcada pela ênfase nas disciplinas, base dos programas escolares,
para uma organização que se voltaria para uma nova forma de agrupamento das matérias, o
plano de ensino. Nesse sentido,
[...] as matérias que constituem o curso primário não são ensinadas isoladamente, mas em conjunto, agrupadas, associadas em torno de centros de interesse. É o princípio da concentração dos estudos em torno de centros de interesse, também chamada ensino global ou concêntrico, que presidiu à elaboração do novo plano de estudos (AZEVEDO, 1958, p. 76).
Sendo assim, os programas escolares, como pensados até então, seriam incompatíveis
com os ideais da Escola Nova. Nesta, em que a atividade é aproveitada como instrumento de
educação e de ensino, não haverá programas isolados, mas sim plano de estudos. E foi nessa
direção que se organizou o currículo e as atividades propostas para o ensino primário no
Distrito Federal, entre os anos de 1927 e 1930.
Lembra Camara (2011, p. 189) que os centros de interesse foram
[...] agrupados em três grandes partes: a natureza, o trabalho e a sociedade [...]. O ensino primário passou a ser organizado com as disciplinas de observação; as disciplinas de expressão; as disciplinas de iniciação a matemática e as disciplinas de educação higiênica.
Explicando o plano de estudos, Azevedo (1958) afirma que este não pode fixar a
matéria a ensinar, a não ser em torno de três ou quatro grandes centros de interesse, como os
acima citados: a natureza, o trabalho, a sociedade. Em torno desses centros se
desenvolveriam e se alargariam os conhecimentos como uma ideia em marcha, partindo do
particular para o geral, das coisas mais elementares e concretas para as ideias abstratas.
Além disso, mudava-se a ênfase no que seria o ponto de partida da aprendizagem. Se na
escola tradicional o aluno começava a conhecer pelo material que lhe dava o professor; na
Escola Nova ele deve exprimir o que observou, o que se construiu como fruto de sua
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experiência. Este trabalho “[...] satisfaz a tendência e a necessidade do aluno de exprimir-se e
de afirmar-se”. Nesse contexto,
[...] a linguagem (oral, escrita e musical), o desenho, o trabalho manual (especialmente a modelagem), ou, por outros termos, a palavra, a linha e a matéria-prima são os grandes elementos de expressão. O desenho os trabalhos manuais, na escola do trabalho, baseada sobre a atividade pessoal do aluno, tem o grande relevo que lhes dá a finalidade da educação orientada para os novos ideais (AZEVEDO, 1958, p. 77).
Percebe-se, no trecho acima citado, a referência às disciplinas de expressão, sugerindo-
se que deveriam ser trabalhadas e dar ensejo à experiência do aluno.
Em outro momento de sua trajetória profissional, desta feita na direção da Diretoria
Geral de Ensino do Estado de São Paulo8, Fernando de Azevedo retomou a questão dos
programas e planos. Nesse momento, as prescrições do Código de Educação do Estado de
São Paulo (SÃO PAULO, 1933), escrito sob sua supervisão9, explicitam programas, tanto para
as escolas isoladas, quanto para os grupos escolares. Para o ensino primário, rezava o Código
que os programas “[...] nas escolas isoladas será de 3 anos e nos grupos escolares de 4 anos,
aos quais se acrescentará, nos termos deste código, o quinto ano de caráter pré-vocacional”
(Artigo 236).
Já no artigo 237, falava-se de plano de educação: “O plano de educação primária
abrange: Leitura, Linguagem Oral e Escrita Aritmética; Aritmética e Geometria; Geografia;
História do Brasil e Educação Cívica; Ciências Físicas; Trabalhos Manuais; Desenho;
Caligrafia; Canto; e Ginástica”. Ora, diferentemente da perspectiva de centro de interesse
posta na reforma de 1927, no Distrito Federal, o plano de educação primária parece mais bem
compor o conjunto de matérias ou disciplinas a serem oferecidas na escola primária paulista.
Além disso, a diferença entre o programa para as escolas isoladas e os grupos escolares
está na forma como ele seria desenvolvido, conforme pode se observar nos excertos a seguir:
Artigo 259. O desenvolvimento do programa das escolas isoladas rurais, essencialmente prático e encaminhado no sentido de fixar um indivíduo no meio em que vive, será adaptado às necessidades e conveniências locais. §Único – Nas granjas-escolares, o professor, com auxílio dos alunos eventualmente, dos pais, organizará trabalhos práticos de cultura, criação,
8 Uma das primeiras iniciativas de Azevedo ao assumir a pasta foi transformar a Diretoria Geral do Ensino em Departamento de Educação, por meio do Decreto n° 5828, de 4 de fevereiro de 1933 (SOUZA, 2011). Além disso, enfatize-se que tal Diretoria tinha sob sua coordenação todas as escolas do Estado de São Paulo. À guisa de hipótese, isso talvez explique a maior dificuldade que se teria, nesse caso, de partir para uma organização curricular pautada pelos centros de interesse, entendidos como elemento definidor de um novo plano de ensino, tal qual se propusera no Distrito Federal.
9 “Sob a sua coordenação, duas comissões trabalharam no projeto de lei que envolveu educadores comprometidos com o movimento renovador, como Antonio F. de Almeida Junior, Roldão Lopes de Barros, João Toledo, Luiz Damasco Pena, Noemy M. da Silveira e Sampaio Dória como consultor jurídico” (Idem, p. 146).
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pesca, indústrias rudimentares e outras atividades rurais, destinando-se os lucros à escola [...]. Artigo 271. A adaptação e o desenvolvimento do programa mínimo de cada grupo escolar serão feitos pelos professores, com assistência do diretor e respeitadas as normas gerais estabelecidas neste código. Artigo 272. É de cinco horas o dia de trabalho do professor, nos grupos escolares de um só período, e de quatro nos grupos desdobrados ou tresdobrados. §Único – A hora excedente ao período de aulas, nos grupos tresdobrados será empregada pelo professor em excursões escolares, trabalhos práticos, jogos educativos e outras atividades didáticas, a juízo do diretor (SÃO PAULO, 1933).
E nesse contexto, seja nas proposições de 1927, seja no Código de 1933, ao professor
caberia ser “uma força viva, que domine os alunos, colaborando com eles, orientando as suas
tendências pessoais e tirando partido de seus próprios defeitos, para a expressão original do
seu pensamento” (AZEVEDO, 1958, p. 77). Visando tal intento, em suas duas iniciativas,
Azevedo investiu na remodelação das escolas normais, além de passar a defender, desde os
anos 1930, a necessidade de formação universitária para o magistério, para o que colaborou
seu protagonismo na fundação tanto da Universidade de São Paulo, em 1934, como do
Instituto de Educação, que existiu entre 1934 e 1938.
Fazendo uma síntese da visão de Fernando de Azevedo sobre planos e programas
enquanto elementos de mediação na organização do trabalho didático, enfatize-se que sua
proposta estava centrada numa perspectiva que envolveria, por um lado, um planejamento
coletivo, que se estendesse desde as esferas de programação do trabalho didático – e os textos
legais mostravam essa intenção; mas que, para se materializar, deveria chegar até as escolas,
onde se encontram aqueles diretamente envolvidos na relação educativa – alunos e
principalmente professores.
Em outros termos, o trabalho didático organizado a partir de centros de interesse como
elemento orientador das atividades a serem desenvolvidos em todo um conjunto de escolas
exigiria, de fato, a existência de um sistema de ensino organizado nessa direção. Tal não era,
contudo, a materialidade presente na escola pública naquele momento histórico, como
atestado pelos mesmos escolanovistas. Este foi, aliás, um dos problemas detectado pelo
Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, em 1932 (GUIRALDELLI JR., 1990).
Em outra frente, a possibilidade de ver concretizado tal projeto, tendo como base, como
já dito, o trabalho coletivo, dependia essencialmente de novas condições materiais para que
tal se realizasse. A título de exemplo, cite-se o caso das edificações escolares, elemento
fundamental para o novo trabalho didático proposto. Em matéria que reproduziu partes da
justificativa e defesa da reforma do ensino perante as Comissões de Instrução, Justiça e
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Orçamento do Conselho Municipal do Distrito Federal, Fernando de Azevedo informava que,
dadas as condições em que encontram as escolas até então existentes, seria necessária a
construção de pelo menos 100 novas edificações10, a um custo aproximado de 70 mil contos
(AZEVEDO, 1958). Ora, para se dimensionar a extensão do problema, em quatro anos foram
construídos, efetivamente, 9 prédios – em média 2 por ano – sendo que apenas o prédio da
Escola Normal e escolas anexas custou à municipalidade 15 mil contos.
O mesmo problema, condizente ao orçamento público para a efetivação de tais
atividades escolares, centradas numa nova organização do trabalho didático, também esteve
presente no caso da reforma em São Paulo. Souza, ao tratar sobre o tema, enfatiza que
A ampliação da ação social da escola redundava em entraves de várias naturezas: implicava em disponibilidade de recursos financeiros para manutenção das atividades, além de espaços adequados e mudanças nas rotinas das atividades escolares. Ocasionava uma sobrecarga de trabalho dos professores e diretores de escola. Enfim, demandava mudanças de concepções e mentalidades (SOUZA, 2008, p. 7).
Também aqui se colocava a dificuldade em se pensar um trabalho didático coletivo,
quando a natureza manufatureira da organização do trabalho didático na escola moderna,
lembra Alves (2001; 2005) vai na direção contrária, a saber, do trabalho didático
individualizado, marcado por uma relação educativa na qual cada professor relaciona-se de
forma “autônoma” com um conjunto dado de alunos. Além disso, implicaria em recursos
financeiros adicionais, em horas de trabalho a serem dedicadas às atividades de
planejamento e discussão e, sobretudo, na utilização de novos instrumentos de trabalho, para
além daqueles existentes ou usualmente utilizados, principalmente para além dos textos
escolares presentes em sala de aula.
Nesse ponto, chega-se a um dos principais nós da perspectiva de se pensar uma nova
organização do trabalho didático: como superar o texto escolar hegemônico na escola
moderna, o manual didático – ou, nos termos utilizados por Azevedo, como superar o livro de
texto, “[...] aquelê que é o livro-padrão, que se presume bastar-se a si mesmo, na sua função
absorvente, uniformizadora e autoritária [...] (AZEVEDO, 1948, p. 202)? É o que se
apresentará a seguir, na próxima sessão desse artigo.
10 Saliente-se que “O anteprojeto é bastante minucioso quanto a tipos de prédios, instalações, localização, capacidade, dimensões, condições de construção, etc” (AZEVEDO, 1958, p. 245), visto que se tratavam de escolas destinadas a dimensionar um determinado projeto, atendendo todos os alunos na faixa etária condizente com o ensino primário naquele momento histórico, no Distrito Federal.
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Os instrumentos de trabalho na organização do trabalho didático azevediana: os textos escolares e a literatura
Inicialmente, afirme-se que o texto escolar, categoria cunhada por Alves (2015) para se
referir aos livros produzidos com a finalidade de serem utilizados na escolarização, também
são parte dos elementos de mediação presentes na organização do trabalho didático. Sua
importância dentro desta organização, contudo, transcende àquela de outros elementos ali
presentes, inclusive daqueles anteriormente comentados, como foi o caso de planos e
programas. Para que se esclareça a centralidade deste instrumento do trabalho didático, nada
melhor que se deixar falar João Amós Coménio que, ainda no século XVII, tratando em sua
Didática Magna sobre como deveria se organizar a escola sob o capitalismo, assim se referia
sobre esta questão:
Uma só coisa é de extraordinária importância, pois, se ela falta, pode tornar-se inútil toda a máquina, ou, se está presente, pode pô-la toda em movimento: uma provisão suficiente de livros pan-metódicos. [...] Portanto, o ponto central de toda esta questão está na preparação de livros pan-metódicos (COMÉNIO, 2006, p. 469).
Porque a centralidade do texto escolar? Segundo Coménio (ALVES, 2001; 2005), uma
vez que, no texto escolar, seria condensado todo o conhecimento a ser transmitido ao aluno
pela escola, sua utilização pelo professor garantiria o processo ensino-aprendizagem, mesmo
quando se tratasse de um professor com formação insuficiente ou inadequada para a
escolarização. Dessa forma, pela presença de texto escolar com essas características, estaria
garantida a formação do aluno mediano.
Dessa forma, lembra ainda Coménio (2006), não somente se garantiria o “ensinar tudo
a todos”, grande objetivo de sua Didática Magna, ou seja, se alcançaria a universalização da
educação elementar, uma vez que se contornaria um dos maiores obstáculos para tal, a falta
de educadores; como se reduziriam os custos para tal empreita, visto que esta tarefa não
demandaria a presença de preceptores, como ocorrera no medievo, mas de um novo tipo de
educador, capaz de lidar com os livros pan-metódicos, trabalhando com coletivos de alunos, o
professor (ALVES, 2001).
Ora, é contra este processo e, sobretudo contra o livro de texto, também proposto por
Comenius, que posteriormente virá a ser denominado manual didático, que Azevedo se
coloca. E as características que observa no livro de texto, seu caráter excludente, absorvente e
autoritário, impondo o ritmo, o conteúdo, o método a serem utilizados pelo professor em sala
de aula são características dessa modalidade de texto escolar, que se fez presente na
sociedade capitalista fundamentalmente quando se deu o processo de universalização da
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educação escolar. À época em que Azevedo estava tratando sobre essa questão, no Brasil – a
primeira metade do século XX – o manual didático, o livro de texto, encontrava-se
disseminado no ensino primário. Para Azevedo (1958a, p. 198), “o livro de texto, na escola
tradicional, e o livro escolar, na educação nova, distinguem-se apenas por uma diferença
fundamental de função”.
Além disso, a crítica azevediana ao manual didático foi, simultaneamente, a crítica ao
instrumento de trabalho da pedagogia tradicional. Em função disso, não abandona o texto
escolar, considerando-o necessário à organização do trabalho didático, inclusive àquela
proposta pela Escola Nova. Para tal, chama esse novo instrumento de trabalho de livro
escolar, “[...] ‘elemento de cultura’, que auxilia, completa e alarga a experiência que nos vem
da observação direta e do trabalho, dos olhos, das mãos e da ferramenta [...]” (AZEVEDO,
1948, p. 202). Percebe-se, portanto, que Azevedo insiste na primazia da experiência como
elemento fundante da organização do trabalho didático previsto pelo escolanovismo.
Assim, coerente com essa posição, ao tratar do método, apresentou a seguinte
prescrição, encontrada no Código de 1933 (SÃO PAULO, 1933): “O ensino terá como base
essencial a observação e a experiência pessoal do aluno e dará, a este, largas oportunidades
para o trabalho em comum, a atividade manual, os jogos educativos e as excursões escolares”
(Artigo 238). E no parágrafo único deste artigo, indica-se que os manuais escolares (assim
denominados no texto da lei) devem ser instrumentos auxiliares cedendo, sempre que
possível, a preferência, no trabalho didático, aos exercícios que desenvolvam o poder de
criação, investigação e crítica do aluno.
Nesse sentido, entende-se a inclusão, em ambos os textos legais organizados sob a
direção de Fernando de Azevedo (1958; SÃO PAULO, 1933), todo um conjunto de instituições
que alavancariam o trabalho didático, para além das salas de aula e dos livros escolares: o
cinema educativo, as rádios, as bibliotecas, entre outras. E, junto a elas, iniciativas que
serviriam como facilitadoras desse leque ampliado de experiências que comporiam a
educação escolar: clubes de leitura, corais, escotismo, jornal escolar, etc (SOUZA, 2008;
2011).
Exemplificando este aspecto, traz-se à discussão a literatura infantil, elemento
importante na perspectiva de um trabalho didático ampliado, por isso também foi alvo de
discussão por parte de Fernando de Azevedo, que a considerava como produto da sociedade
moderna, já que os livros impressos só apareceram com o estreitamento das relações entre
crianças e adultos, depois do que Azevedo (1932) chama de “queda da sociedade aristocrática
e patriarcal”.
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Como as crianças e adolescentes “não formavam um público” até meados do século
XVII, não eram alvos dos escritores da época. Circulava até então a cultura popular, que era
transmitida à criança oralmente por um adulto (avós, mães, escravas ou mucamas), o que
Azevedo sinaliza como “literatura vinda de baixo” - marca das antigas sociedades. No
entanto, com os estudos pedagógicos que tiveram início no século XVIII e com o progresso
das ciências humanas a partir do século XIX, a criança passou a ser vista como parte
importante da sociedade. A partir desse momento a literatura passou a “fluir de cima”, de
uma parte da sociedade mais culta, chegando às crianças em forma de livros.
Assim, pensando nos fatos que contribuíram para o avanço da literatura infantil,
Azevedo afirma:
Os olhos do homem que, através dos séculos, se mantiveram distraídos desse mundo misterioso das crianças e, apesar de tão próximo de nós e intimamente associado à nossa vida, tão distante (“afastado por presença excessiva”, como dizia Paul Valéry), fixaram-se afinal sobre elas, curiosos e inquietos, com tanto empenho em conhecê-las e descobri-las que, a poder de se sentirem observadas, parece que já começaram a retrair-se, assustadas, continuando um mistério a volta de nós... Foi como se alguém entrasse ou se projetasse um jorro de luz intensa num viveiro de pássaros, na calada da noite [...] (AZEVEDO, 1948, p. 216).
Da mesma forma que o progresso da ciência e os estudos pedagógicos contribuíram
para dar origem à literatura infantil, as modificações ocorridas na estrutura econômica e
social, que repercutiram diretamente no que Azevedo chama de “sistemas de relações
sociais”, corroboraram para a formação de um novo público: o infantil. Além disso, a
instituição da democracia, bem como a universalidade e a obrigatoriedade da educação de
crianças de 7 a 12 anos em nosso país que, naquele momento histórico, eram consideradas
como “princípios teóricos ou aspirações” por Fernando de Azevedo, também fomentaram a
crescente demanda por livros infantis.
Embora o crescimento do público infantil tenha fomentado positivamente a produção
de obras literárias infantis de alta qualidade (na própria língua ou em traduções de obras
clássicas estrangeiras), favoreceu também o que Azevedo chamou de “surto de literatura
banal, vulgar e insuportável”, causado pela falta de escritores competentes. Nas palavras do
educador:
[...] como é cada vez maior a procura por livros, e a pressão que exerce o público, ainda recente e mal orientado, não se faz sentir senão lentamente, a literatura infantil arriscou-se a se transportar num refúgio de medíocres. Todo mundo se acha no direito de escrever para crianças e de tentar o novo gênero. Pois, se não tem público quando se dirigem para adultos, por que não se aventurarem ao público infantil? Essa tendência que pode ser e é, de fato, inicialmente refreada pelas grandes empresas editoras, já seriamente
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preocupadas em “selecionar” pressupõe a noção de todo ponto falsa de que crianças aceitam tudo, em matéria de literatura [...] (AZEVEDO, 1948, p. 221).
Ora, para Fernando de Azevedo não bastava o domínio dos elementos que constituem a
construção de um texto literário para escrever para o público infantil. Para tanto, o escritor
deveria utilizar uma linguagem própria para a idade, ser sensível às expectativas do público
alvo e simplesmente fantasiar, penetrando, assim, o vasto universo infantil, atribuindo-lhe o
valor necessário.
Para ele, alguns livros traziam ideias pré-concebidas pelos autores, moralmente e
ideologicamente intencionais e que acabavam por sufocar a função do livro infantil que seria
proporcionar ao pequeno leitor horas de recreação e prazer, mas satisfazendo mais aos pais
do que às expectativas das crianças. Justificava sua posição afirmando que os objetivos da
literatura infantil ou juvenil são a recreação e a instrução. Sendo assim, para que a criança ou
o adolescente obtivesse o máximo de proveito da leitura, esta deveria se harmonizar aos
interesses e características do público infantil, fazendo com que o indivíduo se encantasse
tanto pela narrativa quanto pelos personagens da história, com vistas a obter maior
aproveitamento dos “ensinamentos que nela estejam implicados ou discretamente
disseminados através de suas peripécias e aventuras”.
A crítica de Azevedo à produção em massa de livros infantis vai mais além. Para o
autor, nem as noções daquilo que se quer transmitir e muito menos o elemento moral que as
histórias e contos infantis trazem no seu enredo precisam ser apresentadas de forma explícita
às crianças, pois elas ainda possuem uma inteligência imatura, segundo o educador.
Desta forma, para conquistar definitivamente o público infantil, o autor esclarece:
[...] O que é capaz de conquistar às crianças horas de repouso, para a leitura e o espetáculo; o que lhes galvaniza a resistência que se opõem, por sua inquietude, mobilidade e tendência natural à distração; o que lhes desencadeia e mentem vivo o interesse e opera o milagre de uma atenção esperta e silenciosa, é toda e qualquer arte que não seja consciente demais, nem demais trabalhada e abstrata, e que, sendo algo de mais direto, brotando, viva e espontânea, de um pensamento poético, possa oferecer-lhe as possibilidades de descarga de seu potencial de curiosidade, surpresa e emoção [...] (AZEVEDO, 1948, p. 224).
Azevedo, portanto, é categórico ao afirmar que as artes e entre elas a literatura infantil,
exercem um papel fundamental na vida social e intelectual da criança ou do adolescente,
pois, para ele a “educação é um romance no curso de cujos incidentes a fantasia e a verdade, a
pesquisa e a descoberta, os atritos com a realidade e as fugas para o ideal tecem, a cada
momento, a trama sutil da personalidade humana” (AZEVEDO, 1948, p. 225).
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Nessa direção, defende a presença da literatura na escolarização, por meio da formação
de bibliotecas nas instituições escolares. Souza demonstra, nesse sentido, que entre as
instituições que foram incentivadas pelo escolanovismo, as bibliotecas, tanto para alunos
quanto para professores, estiveram entre as mais presentes nas escolas primárias paulistas,
junto com as caixas escolares. Estas últimas, inclusive, foram importantes porque, em muitas
das vezes, foram as responsáveis pela manutenção não apenas das bibliotecas, mas também
do rádio, do cinema educativo e das excursões, frente aos recursos insuficientes repassados
pelo poder central, coube à própria escola manter estas atividades:
De fato a atuação da Secretaria de Educação e Saúde de São Paulo em relação às instituições auxiliares da escola restringiu-se, tão somente, à orientação técnica; tudo o mais, a execução e o suporte material, ficou na dependência da iniciativa e boa vontade dos diretores, dos professores, dos alunos, dos pais e da comunidade (SOUZA, 2008, p. 4).
Ora, o que motivaria a afirmação da importância de tais instituições, confirmada pela
legislação, no âmbito das políticas educacionais, e defendida de forma veemente por
educadores como Fernando de Azevedo, vista sua importância para a renovação do trabalho
didático, por um lado; e a ausência de bases materiais que permitissem às escolas a utilização
de tais inovações, seja pela insuficiência de recursos financeiros para tal, seja pelo
desconhecimento das condições técnicas necessárias para bem utilizar-se tais recursos? Ou
seja, por que, em ambos os casos, percebe-se a ausência do Estado na sua condição de
provedor de educação para todos?
Responder a tal questionamento remete à questão central que permeia este artigo: nas
funções assumidas pela organização do trabalho didático na sociedade capitalista, cabe à
escola prover os conhecimentos mínimos necessários para que a maioria de seus membros –
ou seja, a classe trabalhadora – tenha acesso a educação geral, oferecida pela escola única,
sem que seja preciso investir mais que o mínimo necessário para tal. Ora, a renovação
proposta por Fernando de Azevedo partia de um pressuposto político que contrariava tal
orientação: partindo do entendimento da centralidade da ação educativa para a formação do
novo homem, urbano e marcado pela industrialização, esta deveria receber, por parte do
poder público, a atenção e o respeito que lhe eram devidos. Para isto lutou e empenhou seus
esforços, durante toda a sua trajetória profissional, em que pese a impossibilidade de
materialização de tal empreendimento escolar.
Além disso, mas indo na mesma direção, sua batalha em torno de um novo instrumento
de trabalho para o professor, o livro escolar, que superasse os problemas visualizados a partir
da universalização do manual didático – seu caráter excludente, que tolhia a possibilidade de
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uso de novos recursos didáticos, impondo ao trabalho didático, à relação educativa,
determinados limites e contornos – também não encontraria eco na realidade da sociedade
capitalista. Na perspectiva da simplificação e objetivação do trabalho didático, inerentes ao
processo de barateamento dos custos da escolarização, reforçava-se cada vez mais a
organização do trabalho didático centralizada pela expansão do manual didático.
Considerações Finais
Pautado numa concepção que via a escola como elemento central do processo de
transformação pela qual passava a sociedade capitalista no Brasil, Fernando de Azevedo vai
defender, para que isso se realizasse, a necessidade de reformar a educação escolar, visando
dar-lhe condições de cumprir seu papel na formação de um novo homem, urbano e vivendo
em um país a caminho de sua industrialização.
Para tal, deveria se inaugurar uma outra organização do trabalho didático, estabelecida
em novas bases com respeito à relação educativa – que seria marcada pelo trabalho coletivo,
vista a escola como espelho da vida social. Decorre disso a escolha do autor em torno dos
planos, elemento pedagógico capaz de voltar a escolarização para a dinâmica dos centros de
interesse, concretizando a perspectiva de que a escola deveria expressar, em suas atividades,
a sociedade em miniatura.
Este projeto demandava também a disponibilização, para o professor, de um
instrumento de trabalho renovado: sairia de cena o livro de texto e entraria em cena o livro
escolar, visando reverter o caráter excludente e autoritário que o primeiro imprimira no
trabalho didático, afastando da escola, entre outros, a literatura infantil. Esta última,
considerada por Azevedo essencial para o processo de aprendizagem e para o acesso ao
conhecimento pelos alunos, vinha perdendo espaço na escola. Azevedo defende sua
importância no trabalho escolar, e a defesa de políticas educacionais de apoio a todas as
atividades que possam ter impacto positivo no alargamento do horizonte intelectual do
aluno: as bibliotecas, os clubes de leitura, as associações de pais e mestres, entre outros.
Percebe-se, no entanto, que as medidas políticas, sobretudo aquelas que garantiriam o
financiamento e o apoio técnico necessário à consecução das diretrizes legais – já que as
articulações de Azevedo permitiram que a perspectiva renovadora se transformasse em
legislação, no Distrito Federal, entre 1927 e 1930 e, posteriormente, no estado de São Paulo,
em 1933 – foram de encontro às expectativas da Escola Nova. Se não faltava a defesa da
necessidade de mudança, faltavam as bases materiais e políticas educacionais coerentes com
o processo de transformação desejado.
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Neste cenário, em que a organização do trabalho didático existente determinava, na sua
condição de relação social hegemônica, as possibilidades de transformação da relação
educativa, que se mantinha presa ao instrumento de trabalho que lhe era característico – o
manual didático ou, como chamava Azevedo, o livro de texto; e onde as políticas
educacionais, em função disso, priorizavam o barateamento dos custos de produção da
escola, a saída imaginada pelo autor só poderia ser de natureza moral. Daí os apelos
constantes para que se cuidasse tanto da formação moral das elites condutoras, como das
classes trabalhadoras, envidando esforços para que tal transformação moral pudesse enfim
encaminhar a formação de um novo homem, para uma nova sociedade.
E neste ponto, a visão alargada de Fernando de Azevedo, que lhe permitira desvelar
problemas importantes relativos às formas de organização do trabalho didático na escola
moderna, mostravam seus limites, visto que não lhe davam condições de perceber a
determinação social última, no interior da qual é possível desvelar o papel e função da escola
moderna: a sociedade capitalista.
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