ACESSIBILIDADE GEOGRFICA AOS SERVIOS DE
SADE, RETARDO DO DIAGNSTICO E ABANDONO DOS
CASOS DE TUBERCULOSE
MRCIA SO PEDRO LEAL SOUZA
TESE DE DOUTORADO
Salvador Bahia
2015
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
INSTITUTO DE SADE COLETIVA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SADE COLETIVA
ii
Ficha Catalogrfica
Elaborao Programa de Ps-Graduao em Sade Coletiva ______________________________________________________________________________________
S719a e Souza, Mrcia So Pedro Leal.
Acessibilidade geogrfica aos servios de sade, retardo do diagnstico e
abandono dos casos de tuberculose / Mrcia So Pedro Leal e
e Souza. -- Salvador: M.S.P.L.Souza, 2015.
85f.
Orientador(a): Prof. Dr. Rosana Aquino. Co-orientadora: Prof. Dr. Susan Pereira. Tese (doutorado) - Instituto de Sade Coletiva. Universidade Federal da Bahia.
1. Tuberculose. 2. Acesso Geogrfico. 3. Retardo da Notificao. 4. Abandono. I. Ttulo.
CDU 616.89
iii
MRCIA SO PEDRO LEAL SOUZA
ACESSIBILIDADE GEOGRFICA AOS SERVIOS DE
SADE, RETARDO DO DIAGNSTICO E ABANDONO DOS
CASOS DE TUBERCULOSE
Salvador Bahia
2015
Tese submetida ao programa de ps-graduao em Sade
Coletiva, da Universidade Federal da Bahia, como
requisito parcial obteno do ttulo de Doutor em Sade
Coletiva, rea de concentrao Epidemiologia.
Orientadora: Rosana Aquino Guimares Pereira
Co-Orientadora: Susan Martins Pereira
iv
MRCIA SO PEDRO LEAL SOUZA
ACESSIBILIDADE GEOGRFICA AOS SERVIOS DE
SADE, RETARDO DO DIAGNSTICO E ABANDONO DOS
CASOS DE TUBERCULOSE
Tese submetida ao programa de ps-graduao
em Sade Coletiva, da Universidade Federal da
Bahia, como requisito parcial obteno do ttulo
de Doutor em Sade Coletiva, rea de
concentrao Epidemiologia.
Data da defesa: 12/05/2015
Prof. Dr. Rosana Aquino Guimares Pereira (Orientadora)
Instituto de Sade Coletiva
Universidade Federal da Bahia
Prof. Dr. Susan Martins Pereira (Co-orientadora)
Instituto de Matemtica
Universidade Federal da Bahia.
Prof. Dr. Mauricio L. Barreto
Instituto de Sade Coletiva
Universidade Federal da Bahia
Prof. Dr Laura Cunha Rodrigues
Professor of Infections Disease Epidemiology
University of London
Prof Dr Maria Aparecida Arajo Figueiredo
Professora Adjunta da Universidade do Estado da Bahia
v
AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeo a Jesus Cristo, meu Senhor e Salvador, que me possibilitou quatro
anos de doutorado no Instituto de Sade Coletiva e me capacitou a realizar cada disciplina
estabelecida pelo programa da ps-graduao. A Ele toda Honra e Glria!
Agradeo a minha me, Raimunda So Pedro, amiga, sempre, que teve pacincia em me
escutar nas fases crticas da caminhada e com muita sabedoria aconselhou, ouviu e orou. A
minha av, Maria das Mrces, que todo dia pergunta quando termina o doutorado, para
festejar, obrigado pelo cuidado e pelos gestos de carinho. Aos meus filhos, Ana Beatriz e
Joo Vtor, minhas ddivas, meu projeto mais perfeito de vida, minhas riquezas,
preciosidades, mais raras que o ouro puro de ofir, muito obrigada por existirem em minha
vida. Ao meu esposo, Marcos Augusto pela compreenso, por no me deixar desistir no
caminho, pelo apoio nos momentos tensos e pela pacincia em ler e compartilhar o seu
conhecimento acerca da sade pblica. Te Amo!
professora Rosana Aquino, minha orientadora, obrigada pela caminhada e pelos
ensinamentos, no apenas acadmico, mas de vida compartilhada. A cada encontro de
orientao era uma demonstrao do saber com responsabilidade e eficincia. Agradeo,
tambm, a Prof Susan Pereira, co-orientadora, obrigada pela confiana.
Aos funcionrios do ISC, em especial a Delsuc Evangelista pela ajuda preciosa e pela
dedicao do seu tempo para realizar a linkagem dos bancos de dados. Voc especial ! A
Val muito obrigado pelo sorriso e pela prontido em marcar as orientaes quando eu no
conseguia falar com a orientadora. A Klinger e Moises, sempre dispostos a socorrer os
doutorandos.
Por fim, as minhas colegas da DIVEP/ CODANT, Ana de Ftima, Edna Rezende, Cristiane
Medeiros, Ana Maria Souza, Ciomara Martins, Regina Lcia, Jaqueline Kilma e a Jaci pela
compreenso, respeito, confiana e incentivo na finalizao do doutorado.
vi
RESUMO
As acentuadas desigualdades sociais entre regies, assim como entre grupos populacionais,
existentes no pas acarretam dificuldade na acessibilidade aos servios de sade e
contribuem no retardo do diagnstico de diversas doenas, em especial, as doenas
crnicas de inicio insidioso e de longa durao. Apesar do tratamento gratuito, a
tuberculose um problema de sade pblica, com difcil controle do nmero de casos e
adeso ao tratamento, associado realizao do diagnstico tardio. necessrio ampliar o
acesso aos servios de sade, os quais devem ser mais efetivos quanto deteco de casos,
diagnstico precoce e tratamento oportuno. Os objetivos apresentados so referentes aos
trs artigos apresentados como produto final da tese. Objetivo 1 artigo: Identificar os
fatores associados ao acesso aos servios de sade por portadores de tuberculose em trs
capitais da Regio Nordeste, Salvador (Bahia), Recife (Pernambuco) e Joo Pessoa
(Paraba), no ano de 2007. Objetivo 2 artigo: Identificar os fatores determinantes do
retardo do diagnstico da tuberculose no municpio de Salvador no perodo de 2008 a
2010. Objetivo 3 artigo: Verificar se h associao entre abandono do tratamento da
tuberculose e acesso geogrfico no municpio de Salvador no perodo de 2008 a 2010.
Metodologia: Foram realizados trs estudos com desenhos diferenciados. O primeiro,
estudo transversal envolvendo todos os casos novos de tuberculose, residentes em trs
capitais do Nordeste do Brasil (Salvador/Ba, Recife/Pe e Joo Pessoa/PB), notificados no
ano de 2007. Os dados sobre tuberculose foram obtidos do Sistema de Informao sobre
Agravos de Notificao do Ministrio da Sade (SINAN). As informaes sobre as
caractersticas das unidades de sade notificantes foram provenientes do banco de dados do
Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Sade/CNES, que foram sumarizadas por
frequncias absolutas, relativas e mdias. As razes de prevalncia foram obtidas por
regresso de Poisson, uma vez que o desfecho em estudo no se tratava de evento raro. O
nvel de significncia utilizado para as associaes entre variveis e desfecho foi de 5%. O
segundo e o terceiro estudo realizados foram um estudo caso controle no pareado de
casos de tuberculose incluindo todos os casos novos de tuberculose pulmonar, ocorridos
em Salvador e notificados Secretaria Estadual de Sade da Bahia a partir de dezembro de
2008 at dezembro de 2010, na faixa etria acima de 14 anos. Foi notificado como casos
suspeitos de tuberculose, todo indivduo que apresentasse sintomas clnicos sugestivos
vii
como: tosse produtiva, febre, perda de peso e apetite ou imagem suspeita ao exame
radiolgico. Para a anlise do segundo artigo, foram selecionados os casos confirmados de
tuberculose pulmonar e realizado um estudo caso-controle no pareado, tendo como casos,
os pacientes que apresentaram retardo do diagnstico da tuberculose e controles, aqueles
que no apresentaram retardo do diagnstico. J para o terceiro artigo, foram selecionados
como casos, os pacientes que abandonaram o tratamento e controles, aqueles que ficaram
curados ao final do tratamento. Para o segundo e o terceiro artigo, foram realizadas
anlises descritivas, anlise bivariada com comparao das freqncias de todas as
variveis, para casos e controles, posteriormente, foi realizada anlise no pareada entre a
varivel independente e o desfecho correspondente a cada artigo, observando-se a
magnitude da associao e os respectivos intervalos de confiana obtidos. Na anlise
multivariada, para determinar o efeito independente das associaes, utilizou-se o odds
ratio (OR) com intervalo de confiana de 95% e nvel de significncia de 0,05. Para a
modelagem, utilizou-se a regresso logstica condicional, iniciando-se com as variveis
selecionadas a partir da anlise bivariada com importncia epidemiolgica. Para avaliao
dos modelos foram utilizados os testes de Wald e razo de verossimilhana. Esta anlise
teve como objetivos identificar um modelo final, que explicasse os principais fatores
determinantes do retardo do diagnstico de tuberculose e os fatores relacionados ao acesso
geogrfico e o abandono do tratamento dos casos de tuberculose. Este projeto foi aprovado
pelo Comit de tica do Instituto de Sade Coletiva sob n 027-09.
Palavras chave : Tuberculose, Acesso geogrfico, retardo do diagnstico, abandono
viii
ABSTRACT
The sharp social inequalities among regions and population groups in our country cause
difficulty in accessibility to health services and help in delaying the diagnosis of various
diseases, especially chronic diseases of insidious onset and long duration. Despite the free
treatment, TB is a public health problem, with difficult to control the number of cases and
adherence to treatment, associated with reaching the late diagnosis. It is necessary to
expand access to health services, which should be more effective about the case detection,
early diagnosis and timely treatment. The objectives set out concerning to the three papers
presented as a final product of the thesis. Article 1- Objective: To identify factors that
difficult accessing health services for people with tuberculosis in three capitals of the
Northeast, Salvador (Bahia), Recife (Pernambuco) and Joao Pessoa (Paraba), in 2007.
Article 2 - Objective: To identify risk factors for tuberculosis diagnosis delay in Salvador
in the 2008 to 2010 period. Article 3 - Objective: To determine whether there is an
association between noncompliance with treatment for tuberculosis and geographical
access in the city of Salvador in the 2008 to 2010 period. Methodology: three studies with
different designs have been performed. The first study involved all new TB cases, residents
in three cities in the Northeast of Brazil (Salvador / Ba, Recife / PE and Joo Pessoa / PB),
reported in the year 2007. Data on tuberculosis obtained from Diseases Information
System of the Ministry of Health Notification (SINAN). The information on the
characteristics of the notifying health units were from the National Registry database
Establishments Health / CNES, which were summarized by absolute, relative and mid
frequencies. Prevalence ratios were obtained by Poisson regression, since the outcome of
the study it was not rare event. The significance level used for associations between
variables and outcome was 5%. The second and third study performed were a case -
control study unpaired of tuberculosis cases including all new cases of pulmonary
tuberculosis occurred in Salvador and notified to the Bahia State Health Secretariat from
December 2008 to December 2010, aged over 14 years. Every individual that presented
suggestive clinical symptoms as productive cough, fever, and loss of weight and appetite
image or suspected in radiological imaging was reported as suspected cases of
tuberculosis. For the analysis of the second article, confirmed cases of pulmonary
tuberculosis were selected and performed a non-paired case-control study, with the cases,
ix
the patients with late diagnosis of tuberculosis and controls, those who had no delay in
diagnosis. Patients who abandoned treatment and controls, those who were cured at the end
of treatment, were selected as cases for the third article. For the second and third article,
descriptive analyzes were performed bivariate analysis of the frequency of all variables for
cases and controls was subsequently held not paired analysis between the independent
variable and the outcome corresponding to each item, noting the magnitude of association
and confidence intervals obtained. In the multivariate analysis to determine the
independent effect of the associations, we used the odds ratio (OR) with a confidence
interval of 95% and a 0.05 significance level. For modeling, we used conditional logistic
regression, starting with the selected variables from the bivariate analysis of
epidemiological importance. To evaluate the models Wald test and likelihood ratio tests
were used. This analysis aimed to identify a final model to explain the main determinants
of the tuberculosis diagnosis delay and the factors related to geographic access and
noncompliance with treatment of tuberculosis. This project was approved by the Ethics
Committee of the Public Health Institute under No. 027-09.
Key words: Tuberculosis, geographic access, delay diagnosis, abandonment
x
LISTA DE FIGURAS
Modelo Terico Retardo do diagnstico da tuberculose
Figura 1. Modelo de determinao dos fatores determinantes do retardo do diagnstico
da tuberculose................................................................................................................... 6
Modelo Terico Retardo do diagnstico e do inicio do tratamento da tuberculose
Figura 2. Modelo de determinao dos fatores determinantes do retardo do inicio do
tratamento da tuberculose................................................................................................. 7
Modelo Terico Acesso geogrfico e abandono do tratamento da tuberculose
Figura 3. Modelo de determinao da associao acesso geogrfico aos servios de sade
e abandono do tratamento da tuberculose......................................................................... 10
Artigo 1.
Figura 1: Descrio dos valores medianos da distncia percorrida pelos casos de
tuberculose at a unidade de sade de atendimento em trs capitais do Nordeste do Brasil
(Salvador/Ba, Recife/Pe e Joo Pessoa/PB), notificados em 2007................................ 27
xi
LISTA DE TABELAS
Artigo 1.
Tabela 1: Caracterizao dos servios de sade segundo natureza do servio, tipo de
estabelecimento e esfera administrativa nos municpios de Salvador, Recife e Joo Pessoa
em 2007........................................................................................................................ 28
Tabela 2: Percentual de casos de tuberculose nos municpios de Salvador, Recife e Joo
Pessoa em relao distncia da residncia e a unidade de atendimento segundo sexo,
faixa etria, escolaridade, raa, forma, agravos associados e indicao de
TDO............................................................................................................................. 29
Tabela 3: Resultado da anlise multivariada por regresso de Poisson para a razo de
prevalncia de acesso dificultado, segundo sexo, grupo etrio, raa, escolaridade, agravos
associados, tipo de servio e tipo de unidade.............................................................. 30
Artigo 2.
Tabela 1: Descrio dos casos e controles com retardo do diagnstico acima de 21dias,
segundo caractersticas sciodemograficas, clnico-epidemiolgicas* e caractersticas do
atendimento** no municpio de Salvador, Bahia, 2008 -
2010.............................................................................................................................. 47
Tabela 2: Modelo multivariado do retardo do diagnstico acima de 21dias ajustado pelas
variveis sciodemograficas, clnico-epidemiolgicas* e caractersticas do atendimento**
no municpio de Salvador, Bahia, 2008 - 2010............................................................ 48
Artigo 3.
Tabela 1: Caractersticas pessoais, comorbidades, estilo de vida, realizao de TDO,
tuberculose anterior, unidade bsica, retardo do diagnstico acima de 21dias, retardo do
inicio do tratamento de um dia e distncia da residncia a unidade de tratamento dos
casos (pacientes que abandonaram o tratamento da tuberculose) e controles (pacientes que
foram curados) no municpio de Salvador, Bahia, 2008 2010 .................................... 67
Tabela 2: Modelos de regresso multivariada da associao entre abandono e acesso
dificultado, ajustada por sexo, raa, estado civil, grupo etrio, escolaridade, presena de
comorbidades, estilo de vida, realizao de TDO, tuberculose anterior, unidade bsica,
retardo do diagnstico acima de 21dias e retardo do incio do tratamento no municpio de
Salvador no perodo de 2008 a 2010............................................................................ 68
xii
LISTA DE SIGLAS E ABREVIAES
ABS Ateno Bsica Sade
AIDS Sndrome da Imunodeficincia Adquirida
BSR Busca Ativa de Sintomticos Respiratrios
ESF Estratgia Sade da Famlia
HIV Vrus da Imunodeficincia Humana
OMS Organizao Mundial da Sade
PCT Programa de Controle da Tuberculose
SINAN Sistema de Informaes de Agravos de Notificao
SUS Sistema nico de Sade
TDO Tratamento Diretamente Observado
US Unidades de Sade
xiii
SUMRIO
INTRODUO......................................................................................................
REFERNCIAS DA INTRODUO: .............................................................
1
11
ARTIGO 1................................................................................................................
FATORES ASSOCIADOS AO ACESSO AOS SERVIOS DE SADE DE
PESSOAS COM TUBERCULOSE EM TRS CAPITAIS DO NORDESTE
BRASILEIRO.........................................................................................................
RESUMO: ...........................................................................................................
INTRODUO: .................................................................................................
MATERIAL E MTODO ................................................................................
RESULTADOS: ................................................................................................
DISCUSSO: ....................................................................................................
REFERNCIAS: ..............................................................................................
13
13
14
15
16
19
20
24
ARTIGO 2 ................................................................................................................
DETERMINANTES DO RETARDO DO DIAGNSTICO DA
TUBERCULOSE NO MUNICPIO DE SALVADOR .......................................
RESUMO: ...........................................................................................................
INTRODUO: .................................................................................................
MATERIAL E MTODO ...............................................................................
RESULTADOS: ................................................................................................
DISCUSSO: ....................................................................................................
REFERNCIAS: ..............................................................................................
31
31
32
33
36
39
40
43
ARTIGO 3................................................................................................................
ABANDONO DO TRATAMENTO DE TUBERCULOSE E ACESSO
GEOGRFICO NO MUNICPIO DE SALVADOR ........................................
RESUMO: ...........................................................................................................
INTRODUO: .................................................................................................
MATERIAL E MTODO .................................................................................
RESULTADOS: ................................................................................................
49
49
50
51
53
58
xiv
DISCUSSO: ....................................................................................................
REFERNCIAS: ..............................................................................................
59
63
CONSIDERAES FINAIS DA TESE ........................................................... 69
REFERNCIAS DAS CONSIDERAES FINAIS ....................................... 71
1
INTRODUO
A tuberculose uma doena infectocontagiosa, caracterizada como um problema de sade
pblica que atinge elevados ndices de morbidade e mortalidade, principalmente nas reas
com elevada prevalncia da Sndrome da Imunodeficincia Adquirida AIDS no pas
(Santos1et al, 2012). Apesar de ser curvel, a tuberculose ainda mata 5 mil pessoas por ano
sendo a primeira causa de morte em pacientes com AIDS. No estado da Bahia, em 2013, a
tendncia de reduo nos coeficientes de incidncia da tuberculose por todas as formas foi
mantida nas Macrorregies de Sade que compem o Estado. Entretanto, a carga da
doena manteve-se elevada com registro de 3.430 casos novos por todas as formas e,
dentre estes, 2.030 com diagnstico de tuberculose pulmonar positiva (Bahia2, 2013).
A incidncia de tuberculose pulmonar positiva na macrorregio Leste do Estado da Bahia
foi de 25,5/100.000 hab, superior a incidncia do estado que foi de 14,3/100.000 hab,
reflexo da localizao da capital, Salvador, e de outros trs municpios prioritrios no
controle da doena (Camaari, Lauro de Freitas e Simes Filho) (Bahia2, 2013). Mas
importante considerar que o nmero de casos notificados no representa toda a realidade,
dada falta de diagnstico ou a ausncia de registro de casos (Brasil3, 2002).
A literatura relata que a mortalidade por tuberculose est associada quimioterapia
irregular ou inadequada, demora no diagnstico, multirresistncia s drogas,
coinfeco com HIV e presena de outras comorbidades como diabetes e doena mental,
sobretudo em idosos (Basta4 et al., 2013). O abandono do tratamento contribui para a
manuteno da transmisso da doena, pois a no adeso ou o uso de quimioterpicos por
tempo insuficiente e/ou de forma incorreta continuam como fonte de contaminao,
aumentando recidiva e a resistncia medicamentosa. Esses fatores ampliam o tempo e o
custo de tratamento e interferem negativamente no desfecho cura, estando associado ao
etilismo e coinfeco com HIV, mais frequente em populaes vulnerveis como
presidirios, moradores de rua e minorias tnicas (Orofino5 et al., 2012).
O atraso na realizao do diagnstico da tuberculose e o abandono do tratamento podem
estar relacionados ao acesso geogrfico dificultado as unidades de sade e ao processo de
descentralizao das aes de controle da tuberculose no estado. O acesso aos servios de
2
sade fortemente influenciado pela condio social das pessoas e pelo local onde
residem. Logo, h caractersticas da oferta que interferem no acesso como: a
disponibilidade de servios e sua distribuio geogrfica; a disponibilidade e a qualidade
dos recursos humanos e tecnolgicos; os mecanismos de financiamento e o modelo
assistencial e a informao sobre o sistema (Travassos6 et al., 2006).
No Brasil, o tratamento dos casos de tuberculose realizado de forma centralizada, em
unidades de referncia, as quais possuem equipe especializada que trabalha sob esquema
de ambulatrio, com dias e/ou horrios especficos para atendimento (Arakawa7 et al.,
2011). Essa estrutura de trabalho que concentra o atendimento em unidades de referncia
pode ser um agente responsvel pelo retardo do diagnstico e retardo do inicio do
tratamento da tuberculose, bem como do desfecho de segmento abandono, por estar
unidade de sade localizada em reas geogrficas distantes da residncia do paciente.
Entretanto, necessrio considerar, que alguns indivduos preferem se tratar em servios
de sade distantes da sua residncia, devido ao estigma negativo relacionado doena
(Paixo & Gontijo8, 2007), o que acarreta um custo econmico para o doente e sua famlia,
mesmo com o tratamento da tuberculose disponibilizado pelo servio pblico, em funo
da necessidade de deslocamento at o servio de sade.
A tuberculose no Brasil, assim como semelhana de outros pases, est sujeita s
precrias condies de vida, com marcada desigualdade na distribuio da doena. E
diversos fatores podem estar associados a no adeso do tratamento, sendo os principais
relacionados ao medicamento (efeitos colaterais e tempo de durao do tratamento), ao
paciente (uso irregular e/ou no ingesto da medicao, baixo nvel socioeconmico,
internaes por outras doenas e hbitos de vida inadequados como uso em excesso de
lcool, tabaco ou drogas ilcitas) e ao desempenho do servio de sade e equipe
profissional (falhas na orientao do paciente, prescries medicamentosas inadequadas,
falta de fornecimento da medicao e falhas no agendamento de consultas) (Vicente da
Silva9 et al., 2013). Apesar do avano no conhecimento, permanecem lacunas na
3
1 Este artigo j foi publicado nos Cadernos de Sade Pblica, Rio de Janeiro, jan 2015;31(1):111-120.
literatura relativas aos fatores associados ao acesso aos servios de sade de pessoas com
tuberculose e a sua associao com o abandono do tratamento, bem como o conhecimento
dos determinantes do retardo do diagnstico e retardo do inicio do tratamento.
A presente tese teve por objetivo identificar fatores relacionados ao retardo do diagnstico
de tuberculose, incluindo-se fatores scio-econmicos, scio-demogrficos e os padres
espaciais de acessibilidade aos servios de sade em relao ao diagnstico, tratamento e
desfecho de seguimento da tuberculose na rea de abrangncia do estudo.
A tese foi desenvolvida na forma de trs artigos, onde no primeiro1 foi realizada uma
abordagem de acesso geogrfico, identificando os fatores associados ao acesso aos servios
de sade de portadores de tuberculose em trs capitais da Regio Nordeste, para
estabelecer parmetros espaciais que caracterizasse possveis fatores associados
dificuldade de acesso a servio de sade para o tratamento da tuberculose. No segundo
artigo analisaram-se os fatores determinantes do retardo do diagnstico da tuberculose no
municpio de Salvador, identificando os fatores determinantes do retardo do diagnstico da
tuberculose na tentativa de fortalecer a realizao do diagnstico precoce. No terceiro foi
realizado um estudo para verificar se os casos de abandono do tratamento da tuberculose
foram influenciados negativamente pelo acesso geogrfico dificultado no municpio de
Salvador.
A construo dos dois ltimos artigos s foi possvel a partir da compreenso dos possveis
fatores determinantes do retardo do diagnstico da tuberculose e da provvel associao
entre o acesso geogrfico aos servios de sade e abandono do tratamento da tuberculose,
atravs da construo dos modelos de determinao descritos a seguir:
Modelo de determinao do retardo do diagnstico e do retardo do incio do
tratamento dos casos de tuberculose
O diagnstico precoce a ao mais relevante para o controle da tuberculose, e pode ser
influenciado por aspectos do doente e do sistema de sade. No Brasil, h uma
4
lacuna do conhecimento acerca dos esclarecimentos sobre o retardo no diagnstico da
tuberculose, especialmente nos municpios de fronteira internacional, sendo, ento,
importante a identificao dos fatores determinantes desse evento, j que atrasos na
procura pelo servio de sade e na realizao do diagnstico comprometem o desfecho
cura, aumentam a gravidade da doena e potencializam a disseminao da infeco na
comunidade, aumentando a mortalidade (Silva-Sobrinho10 et al., 2012; Basnet11 et al,
2009; Van Der Werf12 et al., 2006).
O acesso do doente ao servio de sade pode estar vinculado a dois tipos de atraso: o
atraso do doente, que corresponde durao entre o incio dos sintomas at a primeira
visita a um servio de sade, e o atraso do sistema de sade, relacionado ao tempo
decorrido entre o primeiro contato com uma unidade de sade e a confirmao do
diagnstico de tuberculose. Na literatura no h um consenso do que poderia se definir
como demora do diagnstico indicando que um atraso aceitvel depende dos servios
de sade, do perfil da comunidade e da situao epidemiolgica local. Autores relatam que
as causas do retardo do diagnstico da tuberculose diferem de acordo com as
peculiaridades intra e interregionais que h no pas (Trigueiro13 et al., 2014; Silva-
Sobrinho10 et al., 2012; Maciel14 et al., 2010; dos Santos15 et al., 2005). Outras causas
podem estar relacionadas s interferncias da vulnerabilidade social e da organizao dos
servios de sade sobre o diagnstico precoce da tuberculose.
Alguns autores definem o retardo como tempo entre incio e fim do diagnstico ou tempo
em dias desde o incio dos sintomas at o diagnstico, ou ainda como atraso do sistema de
sade, o qual definido como a data entre o primeiro contato do paciente com o servio de
sade e a data do diagnstico (Saqib16 et al., 2011, Machado17 et al., 2011,
Sreeramareddy18 et al., 2009, Storla19 et al., 2008). O retardo pode est relacionado ao
paciente, o qual denominado atraso do paciente: definido como o perodo entre os
primeiros sintomas e a data do primeiro contato no servio de sade (formal ou informal)
(Saqib16 et al., 2011, Machado17 et al., 2011, Sreeramareddy18 et al., 2009). O retardo,
tambm considerado na literatura como o perodo de tempo que compreende o incio dos
sintomas e incio do tratamento (Storla19 et al., 2008).
5
O modelo de determinao do retardo do diagnstico de tuberculose descrito abaixo retrata
que apesar da no unanimidade em relao a definio de retardo do diagnstico, os
autores corroboram na descrio dos fatores de risco que interferem diretamente no
desfecho retardo que so os fatores scio-econmico demogrficos representados pela
idade, sexo, escolaridade, renda individual, situao de emprego e local de residncia; as
comorbidades associadas descritas por HIV, diabetes e doena mental; estilo de vida
atravs do uso de drogas ilcitas e uso em excesso de lcool e tabaco; as caractersticas
clnicas do individuo representadas pela tosse, febre, histrico de tuberculose anterior,
tratamento de tuberculose anterior e forma clnica da tuberculose pulmonar ou
extrapulmonar e os fatores relacionados as caractersticas do servio de sade como a
natureza do servio (pblico/privado), tipo de estabelecimento (unidade bsica/hospital),
indicao de TDO, realizao de baciloscopia, histria de tratamento anterior de
tuberculose; acesso geogrfico representado por unidades de sade localizadas prximas a
residncia e unidades localizadas distantes da residncia (Saqib16 et al., 2011, Machado17 et
al., 2011, Sreeramareddy18 et al., 2009, Storla19 et al., 2008). (Figura 1)
6
MODELO TERICO
RETARDO DO DIAGNSTICO DA TUBERCULOSE
Fatores scio-econmicos Idade
Sexo
Escolaridade
Renda
Situao de emprego
Local de residncia
Comorbidades HIV/AIDS
Diabetes
Doena mental
Estilo de vida
Etilismo
Tabagismo
Drogas ilcitas
Caractersticas clnicas
Tosse
Febre
TB anteriormente Tratamento de TB anterior
Forma clnica
(pulmonar/extrapulmonar)
Caractersticas do servio de sade Natureza do servio (pblico/privado)
Tipo de estabelecimento (unidade
bsica/hospital)
Indicao de TDO
Realizao de baciloscopia
Acesso geogrfico Unidades de sade prximas a residncia Unidades de sade distantes da residncia
Ret
ard
o d
o d
iagn
st
ico d
a t
ub
ercu
lose
Figura 1. Modelo de determinao dos fatores determinantes do retardo do diagnstico da tuberculose.
7
MODELO TERICO
RETARDO DO DIAGNSTICO E DO INICIO DO TRATAMENTO DA TUBERCULOSE
Fatores scio-econmicos Idade
Sexo
Escolaridade
Renda
Situao de emprego
Local de residncia
Comorbidades HIV/AIDS
Diabetes
Doena mental
Estilo de vida
Etilismo
Tabagismo
Drogas ilcitas
Caractersticas clnicas
Tosse
Febre
TB anteriormente
Tratamento de TB anterior
Forma clnica (pulmonar/extrapulmonar)
Caractersticas do servio de sade Natureza do servio (pblico/privado)
Tipo de estabelecimento (unidade bsica/hospital)
Indicao de TDO Realizao de baciloscopia
Acesso geogrfico Unidades de sade prximas a residncia
Unidades de sade distantes da residncia
Retardo do
Diagnstico
Reta
rd
o d
o d
iag
n
stic
o d
o i
nc
io d
o t
ra
tam
en
to
Figura 2. Modelo de determinao dos fatores determinantes do retardo do inicio do tratamento da tuberculose.
8
Modelo de determinao da associao acesso geogrfico aos servios de sade e
abandono do tratamento da tuberculose
O acesso geogrfico pode se constituir como barreira aos servios de sade, uma
vez que a distncia percorrida pelo paciente ao servio de sade pode influenciar no
abandono do tratamento da tuberculose. importante resaltar que as caractersticas
especficas do servio de sade so questes que interferem na deciso do paciente no
momento da procurar pelo atendimento. A literatura considera como caractersticas do
servio, os seguintes aspectos: tipo de estabelecimento (unidade bsica ou hospital),
natureza do servio (pblico ou privado), realizao de exames dignsticos como a
baciloscopia e a radiologia, implantao do Programa de Controle da Tuberculose e
insero da estrtegia do Tratamento Diretamente Observado (TDO) na rotina dos servios
para os casos com indicao (Saqib16 et al., 2011, Machado17 et al., 2011,
Sreeramareddy18 et al., 2009, Storla19 et al., 2008). Estas caractersticas iro contribuir
para a deciso do paciente na escolha do servio de sade, independente da necessidade de
percorrer distncias maiores ou menores entre a residncia e a unidade de sade, alm do
estigma social relacionado ao tratamento da tuberculose, apoio da famlia e conhecimento
da enfermidade.
Pacientes que percorrem distncias maiores da residncia a unidade de sade, para realizar
o tratamento, apresentam uma maior probabilidade em abandonar o tratamento da
tuberculose. No caminho percorrido entre acesso geogrfico, considerando a distncia
maior, e o desfecho abandono, h fatores que interferem diretamente e concomitantemente
na associao acesso geogrfico e abandono que so os fatores scio-demogrficos e as
comorbidades associadas (HIV, diabetes e doena mental). Paralelo a esta associao h
fatores que interferem diretamente no abandono que so os hbitos de vida (uso excessivo
de lcool, tabaco ou drogas ilcitas) e a histria clnica do paciente (febre, tosse,
tuberculose anteriormente, tratamento anterior da tuberculose e forma clnica pulmonar ou
extrapulmonar) (Saqib16 et al., 2011, Machado17 et al., 2011, Sreeramareddy18 et al., 2009).
O Ministrio da Sade orienta que o tratamento da tuberculose deve ser realizado em
unidades de sade mais prxima da residncia do paciente e sob a superviso de uma
equipe de sade por ser um fator que possibilita o diagnstico precoce e tratamento
oportuno, possibilitando a adeso do tratamento. Entretanto, quando essa orientao no
9
acatada h o risco de ocorrer um retardo do diagnstico da tuberculose e retardo do inicio
do tratamento que ir influenciar no desfecho desfavorvel de seguimento do caso, o
abandono do tratamento. (Figura 3)
10
Figura 3. Modelo de determinao da associao acesso geogrfico aos servios de sade e abandono do tratamento da tuberculose
MODELO TERICO
ACESSO GEOGRFICO E ABANDONO DO TRATAMENTO
CARACTERSTICAS DO SERVIO NATUREZA DO SERVIO (PBLICO/PRIVADO) TIPO DE ESTABELECIMENTO (UNIDADE
BSICA/HOSPITAL) INDICAO DE TDO REALIZAO DE BACILOSCOPIA
ACESSO GEOGRFICO
DISTNCIA
MENOR
DISTNCIA
MAIOR
FATORES SCIO DEMOGRFICOS Idade Sexo Raa Escolaridade Residncia (domicilio/rua/albergue/priso)
HBITO DE VIDA ETILISMO TABAGISMO DROGAS ILCITAS
COMORBIDADES DIABETES DOENA MENATL HIV HISTRIA CLNICA
FEBRE TOSSE TB ANTES TRATAMENTO ANTERIOR DE TB FORMA CLNICA
RETARDO DO DIAGNSTICO
RETARDO DO TRATAMENTO
RETARDO DO DIAGNSTICO
RETARDO DO TRATAMENTO
DESFECHO
ABANDONO
CURA
11
REFERNCIAS DA INTRODUO E MODELO TERICO
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13
Artigo 1
FATORES ASSOCIADOS AO ACESSO GEOGRFICO AOS
SERVIOS DE SADE POR PESSOAS COM
TUBERCULOSE EM TRS CAPITAIS DO NORDESTE
BRASILEIRO
14
RESUMO
O presente trabalho identificou os fatores associados ao acesso geogrfico aos servios de
sade de portadores de tuberculose em trs capitais do Nordeste brasileiro. A amostra foi
composta por casos novos de tuberculose, notificados em 2007, provenientes do Sistema
de Informao sobre Agravos de Notificao e do Cadastro Nacional de Estabelecimento
de Sade. Os endereos dos domiclios e unidades de atendimento foram georreferenciados
e considerou como acesso dificultado a distncia superior a 800m. Foram estimadas as
razes de prevalncia bruta e ajustada por meio de regresso de Poisson, e verificou-se que
aps ajuste das variveis sexo, grupo etrio, raa, escolaridade, agravos associados, servio
e unidade bsica, apenas a varivel unidade bsica, em Salvador (RP=0,74;IC 95% 0,702 -
0,781) e em Recife (RP=0,402; IC95% 0,318-0,508), manteve significncia estatstica.O
estudo concluiu que a descentralizao do atendimento em unidade bsica representou a
melhor condio para a melhoria do acesso dificultado.
Palavras-chave: Tuberculose, Sade Pblica, Acesso aos Servios de Sade
15
INTRODUO
A ampliao do acesso ateno a sade, especialmente aos cuidados primrios, para
grande parte da populao brasileira um dos importantes avanos da implantao do
Sistema nico de Sade (SUS), que tem como princpios fundamentais a universalidade,
equidade e participao social. Entretanto, ainda persistem grandes desafios para garantir o
acesso universal e equitativo dos servios de sade, em um cenrio nacional, marcado por
profundas transformaes demogrficas, epidemiolgicas e por desigualdades sociais
(Paim1, 2011).
Os fatores socioeconmicos, como renda, escolaridade, local e condies de moradia,
interferem no acesso aos servios de sade, favorecendo ou no a procura e utilizao dos
mesmos (Motta2, 2008; Travassos3, 2006; Castro4, 2005). Dentre as caractersticas dos
sistemas e servios de sade que interferem diretamente neste processo destacam-se:
aquelas relativas oferta, como disponibilidade de servios e sua distribuio geogrfica;
disponibilidade e qualidade dos recursos humanos e tecnolgicos; mecanismos de
financiamento e modelo assistencial (Cunha5, 2010; Travassos3, 2006).
Acentuadas desigualdades sociais entre regies, assim como entre grupos populacionais,
acarretam dificuldade no acesso aos servios de sade (Klugman6, 2011) e retardo no
diagnstico de diversas doenas, em especial, as doenas crnicas de inicio insidioso e de
longa durao (Chern7, 2008; Marmot8, 2006). No caso da tuberculose, doena infecciosa
cuja ocorrncia est relacionada s condies de vida desfavorveis, apesar da existncia
de tratamento conhecido e eficaz, a magnitude de sua morbidade e mortalidade ainda
elevada, particularmente nos pases em desenvolvimento (Perrechi9, 2009). Assim,
dificuldades no acesso aos servios de sade contribuem para o retardo do diagnstico e
tratamento da tuberculose o que, por sua vez, aumenta as possibilidades de abandono do
tratamento, um dos principais obstculos para o controle desta doena (Storla10, 2008).
No Brasil, em 2012, a incidncia de tuberculose foi de 35,8 casos por 100.000 habitantes
(Ministrio da Sade11, 2012). As metas recomendadas pela OMS de 70% de deteco dos
casos, 85% de cura utilizando estratgia Tratamento Diretamente Observado (TDO) e 5%
16
de abandono ainda no foram alcanadas pelo Brasil que apresentou no ano de 2010
percentuais de cura de 70,3% e abandono de 10% (Ministrio da Sade 12, 2006).
Embora o Programa Nacional de Controle da Tuberculose estabelea em suas diretrizes a
oferta do diagnstico e tratamento de forma gratuita, desde 1971, estas aes
indispensveis para o seu controle, ocorrem de forma desigual no territrio nacional,
havendo entraves no acesso dos pacientes ateno sade, devidos especialmente a
aspectos organizacionais dos servios de sade (Scatena13, 2009; Figueiredo14, 2009).
Como h dificuldades no controle da tuberculose, preconiza-se que seu tratamento seja
feito o mais prximo do local de moradia dos portadores, sempre que possvel sob
superviso, visando alcanar uma melhor adeso ao tratamento (Perrechi9, 2009;
Gonzales15, 2008). Entretanto, no Brasil, o acesso aos servios de sade esta relacionado a
condio social dos indivduos e do local onde residem, melhorando com o grau de
desenvolvimento socioeconmico da regio (Travassos3, 2006). Assim sendo, possvel
que pacientes com tuberculose residentes em regies menos desenvolvidas desse pas
enfrentem dificuldades no acesso aos servios de sade.
O acesso um conceito complexo que tem vrias dimenses: organizacionais, sociais e
geogrficas, que se inter-relacionam. Neste trabalho abordado apenas dimenso
geogrfica, que corresponde localizao dos servios de sade e pode ser medida pela
distncia linear entre o servio de sade e os domiclios dos pacientes (Cunha5, 2010;
Travassos16, 2004).
O objetivo deste estudo identificar os fatores associados ao acesso aos servios de sade
de portadores de tuberculose em trs capitais da Regio Nordeste, Salvador, Recife e Joo
Pessoa, no ano de 2007.
MATERIAL E MTODO
Realizou-se um estudo transversal envolvendo todos os casos novos de tuberculose,
residentes em Salvador, Recife e Joo Pessoa, notificados no ano de 2007. Os dados sobre
a doena foram obtidos do Sistema de Informao sobre Agravos de Notificao do
17
Ministrio da Sade (SINAN). Informaes sobre as caractersticas das unidades de sade
notificantes foram provenientes do banco de dados do Cadastro Nacional de
Estabelecimentos de Sade/CNES.
As trs capitais apresentavam caractersticas territoriais e populacionais distintas. A rea
territorial, populao estimada e densidade populacional foram, respectivamente, 693,292
Km, 2.676.606 hab e 3.859,44 hab/Km em Salvador, 218,498 Km, 1.536.934 hab e
7.039,64 hab/Km em Recife e 211,474 Km , 723.514 hab e 3.421,28 hab/Km em Joo
Pessoa (IBGE17, 2014).
As variveis de estudo relativas aos casos de tuberculose foram: caractersticas scio-
demogrficas (sexo, faixa etria, escolaridade, raa/cor e endereo) dos indivduos, forma
clnica da doena, presena de co-morbidade (alcoolismo, Aids, diabetes e doena mental),
indicao de Tratamento Diretamente Observado (TDO) e ocorrncia de abandono de
tratamento. As variveis relativas s unidades de sade de atendimento foram consideradas
o endereo, natureza do servio (pblico ou privado); tipo de estabelecimento (unidade
bsica, policlnica, hospitais) e esfera administrativa (federal, estadual, municipal e
privada).
Os endereos das residncias dos casos e das unidades de sade (US) de atendimento
foram georreferenciados utilizando Google Earth, ferramenta de localizao geogrfica
apenas para definir as coordenadas geogrficas latitude e longitude. Aps excluso de
possveis inconsistncias, como pontos localizados fora dos limites dos municpios e
coordenadas no localizadas em decorrncia de endereos incompletos, o banco de dados
espaciais foi visualizado pelo Sistema de Informao Geogrfica ArcView 3.3 (ESRI18,
1991-1996). Com bases nestas coordenadas, foram construdos buffers com raios definidos
segundo a mdia das distncias entre as residncias e as unidades de sade de atendimento,
o que permitiu a construo do indicador de acesso dificultado para classificar a distncia
entre a unidade de sade notificante e o endereo do caso a partir da identificao das
coordenadas geogrficas e, a seguir, georreferenciados na malha do municpio. Os padres
de deslocamento dos casos foram analisados a partir do clculo de distncia euclidiana
representativa do deslocamento dos indivduos considerando-se quilmetro como unidades
18
de distncia nas trs capitais. Esse clculo corresponde a uma medida objetiva da distncia
entre o local de residncia e o local de atendimento dos casos de tuberculose.
Para a definio do indicador acesso dificultado, foram realizadas anlises da varivel
distncia entre os servios e os domiclios e reviso da literatura de investigaes que
definissem padres de distncias para o deslocamento a p de usurios de servios
pblicos. Optou-se por criar varivel acesso dificultado como dicotmica, utilizando
como ponto de corte da distncia entre domiclio do caso de tuberculose e a unidade de
sade onde o caso foi atendido o valor de 800 metros, considerando que valores superiores
a este limiar definiam o acesso dificultado. Esta definio foi baseada em estudos na rea
de urbanismo que apontam a distncia de 800 metros como a percorrida pelo pedestre sem
necessidade de acesso a transporte pblico, considerando nibus e outros transportes
urbanos (Cunha5, 2010; Campos Filho19, 2003), argumento de maior relevncia do que a
definio baseada na distribuio amostral da varivel.
Na rea de sade, um tempo de deslocamento entre 5 a 35 minutos considerado aceitvel
para um individuo se deslocar da sua residncia at o servio de sade (Ramos & Lima20,
2003), admitindo-se que em uma caminhada rpida de 5 km/h, em 15 minutos seriam
percorridos 1.250 metros. E considerando que o paciente em busca de atendimento no faz
uma caminhada rpida, julgou-se que, em 15 minutos, seria razovel percorrer 800 metros.
Foram calculadas frequncias simples, absolutas e relativas, das caractersticas do
indivduo e das unidades de sade. Estimaram-se as propores de casos de tuberculose de
acordo com as diversas caractersticas selecionadas, considerando-se as distncias entre a
residncia dos casos e as unidades de atendimento. As diferenas tiveram suas
significncias estatsticas apreciadas por teste Qui-Quadrado de Pearson, aceitando-se p <
0,05 como limite crtico.
Tambm foram calculadas mdias, medianas e variao das distncias percorridas (em km)
pelos pacientes nos trs municpios e suas distribuies foram comparadas a partir da
representao grfica (Boxplot).
19
Para anlise multivariada foi utilizada a Regresso de Poisson visando obter a estimativa
da Razo de Prevalncia (RP) utilizando a estimativa robusta da varincia, uma vez que
nos casos em que a varivel desfecho apresenta prevalncia maior do que 10% a Odds
Ratio (OR) obtida no modelo de regresso logstica uma estimativa vlida da RP
(McCullagh21, 1989). Aps realizao da anlise univariada, as variveis estatisticamente
significantes (p
20
atendimentos em hospitais foram de 84%, enquanto em Recife, 45% dos atendimentos
ocorreram em unidades bsicas de sade e apenas 17% em hospitais. A maioria das
unidades de sade em Salvador pertencia s esferas municipal (41,4%) e estadual (42,7%).
Em Recife, 82,8% dos casos foram atendidos em unidades de sade municipais e em Joo
Pessoa, 84% na rede estadual. As diferenas foram estatisticamente significantes (Tabela
1).
Os percentuais de preenchimento das variveis escolaridade e raa/cor foram 60,2% e
84,4%, respectivamente. No foram observadas diferenas estatisticamente significantes
nos percentuais de acesso dificultado segundo sexo, idade, escolaridade e raa/cor nas trs
capitais. Em Recife, os percentuais de acesso dificultado foram maiores nos casos de
tuberculose extrapulmonar, entre no alcoolistas, portadores de HIV/AIDS e aqueles que
no tinham indicao de TDO. Em Salvador, apenas para a varivel indicao de TDO as
diferenas nos percentuais de acesso dificultado foram estatisticamente significantes
(Tabela 2).
Dentre as variveis preditoras para o acesso dificultado, atendimento em unidade bsica e
natureza do servio pblico/privado apresentaram RP brutas com efeito significante para
Salvador; para Recife foram as comorbidades, pblico/privado e unidade bsica e em Joo
Pessoa apenas a varivel unidade bsica. Entretanto, aps ajuste com todas as outras
variveis analisadas, somente a varivel unidade bsica, em Salvador (RP=0,756; IC 95%
0,720 0,794) e em Recife (RP=0,402; IC95% 0,318 0,508), manteve a significncia
estatstica, sugerindo que ser atendido em unidade bsica um fator que facilita o acesso
dos pacientes ateno. (Tabela 3 )
DISCUSSO
No presente estudo, a perda de endereos no mapeados foi menor do que 7%, o que no
deve ter influenciado nos clculos das distncias mdias dos pacientes estudados.
Entretanto como provvel que endereos no georreferenciados sejam de mais difcil
acesso, as mdias podem estar subestimadas e as diferenas podem ser maiores do que as
encontradas. Cabe ressaltar que a direo desse possvel vis no sentido de reafirmar
nossos resultados.
21
O atendimento dos casos de tuberculose em Salvador e Joo Pessoa estava centralizado em
poucas unidades de referncia enquanto que em Recife o atendimento na maioria dos casos
estava descentralizado em unidades bsicas. No houve associao entre as variveis sexo,
idade, escolaridade, raa/cor, agravos associados e acesso dificultado. O atendimento em
unidade bsica foi a nica varivel estatisticamente significante dos modelos. Enquanto em
Salvador e Recife o acesso dificultado foi menor neste grupo, em Joo Pessoa houve um
pequeno aumento no acesso dificultado.
O predomnio da assistncia em unidades de referncia em Salvador e Joo Pessoa pode
ser explicado pela presena de hospitais com forte influncia na ateno ao tratamento da
tuberculose, o que evidencia a centralizao das aes relacionadas tuberculose, em
contradio com o preconizado pelo Ministrio da Sade. Em Joo Pessoa a magnitude do
processo de centralizao maior do que nas demais capitais estudadas, dificultando o
acesso ao servio. A literatura afirma que a descentralizao do tratamento dos casos de
tuberculose favorece o acesso dos pacientes aos servios de sade, bem como facilita a
busca ativa dos sintomticos respiratrios, a coleta de escarro para a baciloscopia e a
deteco dos casos pulmonares bacilferos (Amaral22, 2010).
Em Salvador, metade dos casos de tuberculose foi atendido em hospitais, apontando para a
concentrao da ateno neste nvel do sistema. Uma explicao plausvel para este achado
a presena de hospitais de referncia com forte influncia na ateno ao tratamento da
tuberculose. Desse modo, constata-se que neste municpio no atendida a orientao do
Ministrio da Sade que preconiza que o tratamento com Esquema 1 (2RHZ/4RH)
indicado para casos novos, deve ser realizado a nvel ambulatorial (Ministrio da Sade23,
2011), no local mais prximo residncia do paciente, ficando a indicao de internao
reservada para os casos especficos: meningite tuberculosa, indicaes cirrgicas em
decorrncia da tuberculose, complicaes graves, intolerncia medicamentosa incontro-
lvel em ambulatrio, intercorrncias clnicas ou cirrgicas graves (Perrechi9, 2009).
Em Recife, o percentual dos atendimentos em unidades bsicas foi superior quando
comparado com as demais capitais, o que indica uma ateno saude descentralizada. A
literatura afirma que a ateno bsica responsvel pela distribuio mais equnime de
sade entre populaes (Starfield24, 2005). O predominio do atendimento dos casos de
22
tuberculose em unidades pblicas esperado, na medida em que esta uma patologia
crnica, cujo tratamento totalmente financiado pelo estado (Dias-da-Costa25, 2008;
Starfield24, 2005).
A literatura aponta nvel scio-econmico, sexo, idade, cor da pele, presena de
companheiro, condies de sade, existncia de procura regular de servios de sade como
fatores associados utilizao de servios de sade (Castro4, 2005; Sawyer26, 2002).
Pesquisas relatam que mulheres utilizam mais os servios de sade do que os homens e
que a procura pelo servio depende da renda familiar e do status social individual
(Travassos27, 2002). Entretanto no presente estudo, as variavis sexo e raa no apresentam
significncia estatstica em relao ao acesso dificultado aos servios de sade. Diferenas
estatisticamente no significantes nos percentuais de acesso dificultado no que se refere as
variveis sexo, idade e escolaridade dos casos de tuberculose nas trs capitais, sugerem que
essas variveis no foram relevantes para a explicao do problema na populao estudada
e que outros fatores no observados no estudo podem influenciar.
Sabe-se que a condio socioeconmica interfere na procura por servios de sade
especializados, indivduos de baixa renda tero dificuldade em se deslocar para servios de
sade mais distantes. Nas trs capitais estudadas, uma hiptese para a no relao entre os
fatores socioeconmicos analisados e o acesso dificultado ao servio de sade encontra-se
na centralizao do Programa de Controle da Tuberculose em unidades e hospitais
especializados de referncia para o tratamento.
A predominncia de menores de 15 anos , em Recife e Joo Pessoa, com atendimentos em
unidades de sade situadas a uma distncia a partir de 800m evidencia um padro de
acesso que prioriza unidades de referncia no tratamento da tuberculose, como ocorre em
Joo Pessoa com atendimento no Complexo Hospitalar Clementino Fraga, o que favorece
o processo de centralizao no tratamento da tuberculose. Um explicao para o acesso
dificultado nesta faixa etria encontra-se na realizao da busca ativa dos casos no
ambulatrio do Complexo Hospitalar Clementino Fraga, que tem o objetivo de resgatar,
em suas prprias residncias, os pacientes de tuberculose que abandonam o tratamento.
23
Uma provvel explicao para uma elevada frequncia de atendimentos em unidades mais
distantes da residncia, independente do nvel de escolaridade em Salvador, Recife e Joo
Pessoa, pode estar na compreenso do indivduo em relao a doena, seu estado de sade,
estigma da doena e qualidade no servio de sade, levando-o a procurar por servios de
referncia no tratamento da tuberculose (Motta2, 2008). Logo, variaes geogrficas,
sociais, necessidades individuais, qualidade de vida, nvel de conhecimento sobre sade,
associando-se a fatores como sexo, idade, morbidade e condies econmicas, interferem
no uso dos servios de sade (Dias-da-Costa25, 2008).
Na presena de agravo associado tuberculose (Alcoolismo, HIV, Diabetes, Doena
Mental), importante o acompanhamento em um servio de sade especializado, pela
demanda de exames especficos. Nas trs capitais, os individuos com comorbidades
associadas foram atendidos distantes da sua residncia, o que sugere uma preocupao na
procura de servio de sade especializado para melhor diagnstico, tratamento e
acompanhamento. O uso excessivo do lcool e a presena do HIV apresentaram associao
significante com acesso dificultado no municipio de Recife, ratificando a necessidade de
tratamento em servios especializados.
Acesso dificultado mostrou-se estatisticamente significante para as variveis indicao de
TDO em Salvador e para forma clnica, lcool, HIV/AIDS e TDO em Recife. Esta
estratgia de tratamento (TDO) visa garantir a concluso do tratamento e evitar a
multidrogaresistncia e consiste na administrao direta do medicamento por um
profissional de sade ou uma segunda pessoa, devidamente treinada (Ministrio da
Sade28,2011). Maiores percentuais de acesso dificultado foram observados entre os
pacientes com indicao de TDO nos municpios de Salvador e Recife, e podem ser
explicados pela procura por parte dos indivduos, de servios de referencia para o
tratamento da tuberculose, mesmo que para isso seja necessrio percorrer maiores
distncias das suas residncias.
Por ter sido realizado a partir de dados secundrios, uma das limitaes do presente estudo
a qualidade dos dados e a restrio do elenco de principais variveis estudadas.
Entretanto, as variveis disponveis no banco como sexo, faixa etria, escolaridade, raa,
forma da doena, comorbidades, indicao de TDO, tipo de servio de sade e unidade
24
bsica eram relevantes para a anlise do acesso geogrfico aos servios de sade,
considerando as caractersticas distintas das trs capitais. Outro fator a ser considerado a
abordagem metodolgica do acesso aos servios de sade, que neste trabalho foi
considerado apenas o acesso geogrfico, visto que outros fatores como acolhimento e
organizao dos servios de sade tambm contribuem para a determinao do acesso.
Finalmente, a varivel de acesso dificultado poderia ter sido analisada como varivel
contnua. Entretanto, a opo por um ponto de corte baseado na literatura disponvel
estabelece um padro, o que pode contribuir para a comparao entre estudos que
investiguem esta temtica.
Salienta-se que na literatura no h um consenso quanto ao conceito de acesso dificultado,
nem da distncia geogrfica aceitvel entre a residncia dos casos e a unidade de sade de
atendimento. A abordagem deste estudo, pode ser considerada como inovadora que
permitiu, atravs de dados secundrios esclarecer alguns aspectos referentes ao acesso aos
servios de sade em trs capitais brasileiras. Ter sido atendido em unidade bsica foi um
fator de proteo para acesso dificultado nos municpios de Salvador e Recife. A
relevncia do presente estudo est na possibilidade em estabelecer parmetros espaciais
para caracterizar possveis fatores associados dificuldade de acesso a servio de sade
para o tratamento da tuberculose. Entende-se que para se obter resposta efetiva no
tratamento da tuberculose necessrio no s a transferncia dos servios de ateno
sade para a ateno bsica, bem como a estruturao das unidades de sade para atender
de forma integral os pacientes. Porm, no Brasil, o processo de descentralizao para o
controle da tuberculose tem sido extremamente lento e complexo e a distncia geogrfica
entre os servios de sade e a residncia dos pacientes constitui um fator limitante.
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27
Figura 1. Descrio dos valores medianos da distncia percorrida pelos casos de tuberculose at a
unidade de sade de atendimento em trs capitais do Nordeste do Brasil (Salvador/Ba, Recife/Pe e Joo
Pessoa/PB), notificados em 2007.
28
Capitais Salvador (n=3.021) Recife (1.106) Joo Pessoa (n=399)
p* Variveis N % N % N %
Natureza do servio
Pblico 2.599 86,0 1.093 98,8 399 100,0 0,000
Privado 422 14,0 13 1,2 - -
Tipo de estabelecimento
Unidade bsica 1.250 41,4 498 45,0 60 15,0 0,000
Policlnicas 268 8,9 418 37,8 339 85,0
Hospitais 1.503 49,8 190 17,2 - -
Esfera administrativa
Municipal 1.252 41,4 916 82,8 60 15,0 0,000
Estadual 1.291 42,7 144 13,0 335 84,0
Federal 56 1,9 32 2,9 4 1,0
Tabela 1. Caracterizao dos servios de sade segundo natureza do servio, tipo de estabelecimento e esfera administrativa
nos municpios de Salvador, Recife e Joo Pessoa em 2007.
*p Utilizado o teste estatstico do Qui-Quadrado de Pearson para clculo do p-valor, aceitando-se p < 0,05 como limite crtico.
29
Capitais Salvador (%) Recife (%) Joo Pessoa (%)
Variveis N
Acesso
dificultado p
N
Acesso
dificultado p N
Acesso
dificultado p
Sexo
Masculino 1.876 85,5 0,069
480 62,9 0.212
224 92,0 0.338
Feminino 1.150 83,0
291 67,4
126 88,9
Faixa etria
0 a
30
Variveis Salvador
Modelo 1
Recife
Modelo 2
Joo Pessoa
Modelo 3
RP (95% CI) RP (95% CI) RP (95% CI)
Sexo
masculino
1.017
(0.976- 1.060)
0.893
(0.763- 1.044)
1.011
(0.934- 1.095)
Grupo etrio 30 anos
0.992
(0.955- 1.030)
0.960
(0.814 -1.132)
0.986
(0.911-1.066)
Raa No branca
1.000
(0.963- 1.040)
0.903
(0.763- 1.068)
0.966
(0.872- 1.069)
Escolaridade* Baixa escolaridade
1.011
(0.992- 1.029)
0.915
(0.775- 1.082)
1.022
(0.951- 1.098)
Agravos associados ** Sim
0.999
(0.956-1.045)
0.882
(0.750- 1.039)
1.032
(0.953- 1.117)
Servio Pblico
1.038
(0.992- 1.086)
----
-----
----
------
Unidade Bsica Sim
0.756
(0.720- 0.794)
0.402
(0.318- 0.508)
1.084
(1.013- 1.160)
Tabela 3. Resultados da anlise multivariada por regresso de Poisson para a razo de prevalncia de acesso
dificultado, segundo sexo, grupo etrio, raa, escolaridade, agravos associados, tipo de servio e tipo de unidade.
IC95%: intervalo de 95% de confiana
*Escolaridade: baixa escolaridade menor que 4 anos de estudos;
**Agravos associados (alcoolismo, HIV/AIDS, diabetes, doena mental).
Nota: p
31
Artigo 2
DETERMINANTES DO RETARDO DO DIAGNSTICO DA
TUBERCULOSE NO MUNICPIO DE SALVADOR
32
RESUMO
O presente trabalho teve como objetivo identificar os fatores determinantes do retardo do
diagnstico da tuberculose no Municpio de Salvador. Trata-se de um estudo caso-controle
no pareado, cuja amostra foi composta por casos novos de tuberculose, residentes em
Salvador e notificados Secretaria Estadual de Sade da Bahia, a partir de dezembro de
2008 at dezembro de 2010, na faixa etria acima de 14 anos. Foi considerado casos, os
pacientes com tuberculose que apresentaram retardo do diagnstico, e controle, aqueles
que tiveram diagnstico oportuno. Foram estimadas OR bruta e ajustada por meio de
regresso logstica condicional, iniciando-se com as variveis selecionadas a partir da
anlise bivariada com importncia epidemiolgica. Para avaliao dos modelos foram
utilizados os testes de Wald e razo de verossimilhana e verificou-se que aps ajuste das
variveis, apenas a varivel tuberculose anterior (OR=2,67; IC 95% 1,187 6,030; Z=
2,38) apresentou significncia estatstica para o retardo do diagnstico de um dia. O estudo
concluiu que a recidiva de tuberculose um fator determinante para o retardo do
diagnstico acima de um dia, aumentando em 2,67 vezes a chance da ocorrncia do
referido evento.
Palavras-chave: Tuberculose, Retardo do diagnstico, Ateno Bsica
33
INTRODUO
O diagnstico precoce da tuberculose e o tratamento oportuno tm sido apontados na
literatura como fatores essenciais para o controle da endemia, pois a interrupo da cadeia
de transmisso da doena , em grande parte, determinada pelo tratamento do indivduo
infectado (Machado1et al., 2011; Brasil2, 2011). Estudos mostraram que a demora na
obteno do diagnstico e, consequentemente, o retardo para o incio do tratamento tm
resultado na piora do prognstico do paciente, no aumento da taxa de mortalidade e na
perpetuao da cadeia de transmisso (Costa3 et al., 2012; Brasil2, 2011; Storla4 et al.,
2008). Uma vez que, pacientes com tuberculose ativa e que no esto fazendo o tratamento
podem infectar em mdia de 10 a 15 pessoas por ano, constituindo um grande risco sade
da populao (Curto5 et al., 2010).
No Brasil, um estudo revelou percentual de 62% de retardo do diagnstico de tuberculose
(Machado1 et al., 2011) e em outro estudo realizado na Espanha, em que as condies e
qualidade da assistncia so reconhecidas, alguns grupos apresentam retardo no
diagnstico da tuberculose, como os infectados por HIV, mulheres, migrantes e usurios de
drogas intravenosas (Diez6 et al., 2004). Estudos realizados em diferentes cenrios
epidemiolgicos relataram alguns fatores que podem estar associados ao retardo no
diagnstico da tuberculose, como desinformao dos pacientes, deficincia no
conhecimento sobre a tuberculose dos profissionais da rea de sade, falta de investimento
em uma poltica de sade pblica organizada, e a dificuldade dos pacientes no acesso aos
servios de sade e na realizao de exames (Maior7 et al., 2012).
Alm desses, outros fatores como a baixa sensibilidade tcnica do exame baciloscpico, a
interferncia do uso de outros medicamentos, seja por automedicao ou por prescrio
mdica, a existncia de enfermidades associadas tuberculose, sintomas com menor
gravidade e ausncia de hemoptise, interferem tanto no retardo do diagnstico quanto no
retardo do inicio do tratamento (Costa3 et al., 2012; Storla4 et al., 2008).
A principal ao para controlar a tuberculose o diagnstico precoce que pode ser
influenciado por aspectos do doente e do sistema de sade. Os determinantes da deciso do
doente em procurar servios de sade ainda so pouco conhecidos, no entanto, aspectos
34
relativos aos servios de sade, como deficincia de recursos humanos e fsicos, bem como
os aspectos relacionados ao doente de tuberculose, como as questes socioeconmicas e
culturais, esto relacionados e podem determinar o tempo de diagnstico (Beraldo8 et al.,
2012).
Alguns estudos foram realizados no Brasil para investigar os fatores associados ao servio
de sade e ao retardo do diagnstico. Em estudo de avaliao do acesso aos servios de
sade na ateno bsica, foi identificada como barreira ao acesso a restrio do horrio de
atendimento das unidades at as 18 horas (Macinko9 et al., 2003). Outros estudos
destacaram que dificuldade de acesso aos servios de sade estava relacionada ao nmero
de vezes em que o paciente se deslocava s unidades de sade para obter o diagnstico e
iniciar o tratamento (Scatena10 et al., 2009), corroborando evidncias de pesquisas
realizadas em diversos pases, que demonstraram que a ocorrncia de mais de uma consulta
estava associada ao retardo do diagnstico (Storla4 et al., 2008; Kiwuwa11 et al., 2005).
Na literatura no h um consenso em relao ao tempo aceitvel para a realizao do
diagnstico. As variaes de tempo so estudadas abordando fatores relacionados ao
indivduo e ao servio de sade. Estudo realizado no Paquisto (Saqib12 et al. 2011),
encontrou uma mediana de 56 dias (8 semanas) de atraso no diagnstico de tuberculose.
No Brasil, estudo realizado no Rio de Janeiro, encontrou uma mediana de tempo total, do
inicio dos sintomas at o diagnstico, de 68 dias e mediana relacionada ao tempo do
paciente, do inicio dos sintomas at a procura pelo servio de sade, de 30 dias, similar ao
tempo encontrado em pases, em desenvolvimento (Machado1 et al., 2011). Outros estudos
realizados em Vitria e Recife encontraram, respectivamente, uma mdia de 110 dias e de
90 dias (Maciel13 et al., 2010; dos Santos14 et al., 2005).
O Brasil tem uma das maiores taxas de incidncia de tuberculose das Amricas (Silva-
Sobrinho15 et al, 2012) e embora seja observada uma progresso na deteco dos casos
novos, observa-se a necessidade de maiores esforos para alcanar a meta de 70% de
deteco, preconizado pelo Ministrio da Sade, e reduzir o retardo do diagnstico da
tuberculose, especialmente, em determinadas localidades do pas (Maciel13 et al., 2010).
35
No Estado da Bahia, em 2013, foram notificados 3.430 casos novos de tuberculose
considerando todas as formas e, dentre estes, 2.030 com tuberculose pulmonar positiva,
sendo considerado o 3 estado em nmero de casos, com coeficiente de incidncia de
14,3/100.000 hab (Bahia16, 2013) e Salvador, em 2012, apresentou o coeficiente de
incidncia de 67 casos por 100.000 hab (Salvador17, 2014).
Verificou-se um aumento de 5,9% do nmero de casos novos co-infectados com o HIV, no
Brasil, o qual pode interferir no tempo de diagnstico e no tempo de inicio do tratamento,
uma vez que, a investigao requer frequentemente realizao de procedimentos
invasivos para coleta de espcimes clnicos, como lquido pleural, lquor e bipsia, alm de
procedimentos de maior complexidade, como tomografias e ressonncias. Para o
Ministrio da Sade, o diagnstico de tuberculose na coinfeco semelhante ao
diagnstico na populao geral, entretanto h uma priorizao nas intervenes para
controle da coinfeco TB-HIV com a realizao da testagem para HIV em todos
portadores de tuberculose com uso do teste rpido (Brasil18, 2013).
O Ministrio da Sade recomenda que todo caso confirmado de tuberculose, seja por
critrio bacteriolgico, epidemiolgico ou clnico, deve ser notificado, quer o paciente v
continuar o tratamento no local em que est sendo diagnosticado, quer v ser encaminhado
para outro local (MS19, 2014). Uma das questes para o no cumprimento dessa
recomendao est no fato de indivduos infectados, no terem acesso aos servios de
sade e, conseqentemente, a no realizao do diagnstico (Viana20, 2010; Muniz21,
2005). A dificuldade para chegar ao servio de sade pode estar relacionada s variaes
geogrficas, sociais, necessidades individuais, qualidade de vida e nvel de conhecimento
sobre sade, que se associando a fatores como sexo, idade, morbidade e condies
econmicas, interferem no uso dos servios de sade (Dias-da-Costa22 et al., 2008).
A diminuio da incidncia dos casos de tuberculose depende, prioritariamente, de dois
fatores, diagnstico precoce e tratamento oportuno, visto que a maior fonte de infeco
consiste em indivduos doentes sem tratamento, ou naqueles com tratamento ineficaz que
permanecem bacilferos. Neste contexto, estudar os fatores determinantes do retardo do
diagnstico da tuberculose possibilitaria responder a lacuna do conhecimento acerca do
36
referido assunto e ir contribuir para a deteco precoce dos casos, e para o consequente
rompimento da cadeia de transmisso da doena.
O objetivo do artigo identificar os fatores determinantes do retardo do diagnstico da
tuberculose no Municpio de Salvador no perodo de 2008 a 2010.
MATERIAL E MTODO
Desenho de estudo
Este estudo faz parte do projeto de investigao intitulado Fatores relacionados ao retardo
do diagnstico de tuberculose, um estudo caso-controle aninhado a uma coorte de casos
novos de tuberculose pulmonar (suspeitos e confirmados), residentes em Salvador e
notificados Secretaria Estadual de Sade da Bahia a partir de dezembro de 2008 at
dezembro de 2010, na faixa etria acima de 14 anos. A amostra foi selecionada a partir das
unidades de sade com maior nmero de notificao no ano de 2008: 2 Centro de Sade
Ramiro de Azevedo, Centro de Sade Professor Adroaldo Albergaria, 6 Centro de Sade
Rodrigo Argolo, 11 Centro de Sade Edgar Pires da Veiga, 13 Centro de Sade Prof.
Eduardo B. Mamede, Hospital Especializado Otvio Mangabeira, Hospital Santo Antnio,
Instituto Brasileiro para Investigao de Tuberculose- IBIT.
Trata-se de um estudo caso-controle no pareado, tendo como casos, os indivduos com
diagnstico confirmado de tuberculose pulmonar que apresentaram retardo do diagnstico,
e controle, os indivduos com diagnstico confirmado de tuberculose e que tiveram
diagnstico oportuno.
Populao e amostra
Salvador possui uma rea territorial de 693,292 Km, considerada como a cidade mais
populosa do Nordeste com 2.676.606 hab e a terceira mais populosa do Brasil. Ocupa o
quarto lugar em densidade demogrfica, com 3.859,44 hab/Km (IBGE23, 2014), variando
entre os Distritos Sanitrios, o que favorece a ocorrncia de casos de tuberculose devido
37
alta densidade demogrfica, aos bolses de misria e ao elevado risco de infeco (Xavier
& Barreto24, 2007).
A populao total do estudo foi de 612 casos novos de tuberculose ocorridos nas oito
unidades de sade pesquisadas no perodo estudado. Destes foi selecionada uma amostra
com 459 indivduos para se estudar o retardo do diagnstico de tuberculose com ponto de
corte acima de um dia, dos quais 167 foram considerados casos e 292 controles.
Definio de casos e controles
Neste estudo, consideraram-se casos, pacientes acima de 14 anos de idade com diagnstico
de tuberculose pulmonar confirmada atravs da baciloscopia diagnstica que apresentaram
retardo do diagnstico de tuberculose de pelo menos um dia. Os controles foram
selecionados da amostra de casos de indivduos com tuberculose pulmonar confirmada
atravs da baciloscopia diagnstica que tiveram o diagnstico realizado em tempo
oportuno.
Definio de conceitos e variveis
A varivel dependente foi retardo do diagnstico da tuberculose de 21 dias e as variveis
independentes foram os fatores socioeconmicos (idade, sexo, escolaridade, renda,
situao de emprego, local de residncia), comorbidades (HIV/AIDS, diabetes, doena
mental), estilo de vida (uso em excesso de lcool, tabaco ou drogas ilcitas), caractersticas
clnicas do paciente (tosse, febre, histria de tuberculose anterior, tratamento anterior de
tuberculose e forma clnica da tuberculose), caractersticas do servio de sade (servio
pblico ou privado, unidade bsica ou hospital, realizao de TDO e baciloscopia) e acesso
geogrfico (distncia da residncia a unidade de sade acima de 800m).
A varivel, retardo do diagnstico, foi criada como contnua, a partir da diferena entre a
data do diagnstico do paciente e a data da apresentao do usurio ao servio de sade.
Para a definio do tempo de retardo, o ponto de corte considerado foi o atraso para a
realizao do diagnstico acima de 21 dias, considerando que os indivduos entrevistados
eram suspeitos de tuberculose pelo critrio clnico epidemiolgico, o que nos permite
38
afirmar que deveriam ter sido notificados como casos suspeitos, de acordo com o que est
preconizado.
Foram selecionadas as seguintes co-variveis:
Fatores scio-demogrficos: idade, sexo, raa, estado civil/marital, anos de
estudo;
Fatores scio-econmicos e relacionados s condies de vida que se
referem situao do domiclio, nmero de moradores, nmero de
cmodos e ocupao;
Fatores relacionados sade antes do diagnstico: histria de tuberculose
anterior, comorbidades associadas (diabetes, HIV/AIDS, doena mental),
uso de lcool, fumo, ou outras drogas.
Aspectos ligado