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AGÊNCIAS REGULADORAS COMO ÁRBITRAS
Marcella da Costa Moreira de Paiva1
Pedro Henrique de Paula Morais2
RESUMO: Dentre os meios alternativos de pacificação de conflitos, a arbitragem vem se destacando pela capacidade de solucionar controversas de alta complexidade. Alinhado a isto, a regulação brasileira, com seu amadurecimento desde os anos 90, passou a usar do instituto como forma de exercer seu poder judicante. É sob este cenário que se desenvolve o estudo, partindo de uma análise da construção das agências reguladoras no Brasil, para após diferenciar espécies de arbitragem atinentes a estas, e assim, ao final, discutir sobre a possibilidade das Agências atuarem como árbitras.
PALAVRAS-CHAVE: arbitragem, agências reguladoras, contencioso administrativo, concessão. SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. PODER JUDICANTE DAS AGÊNCIAS REGULADORAS. 1.1. Função institucional e poderes. 1.2.Autonomia decisória, discricionariedade administrativa e revisão judicial 2. ARBITRAGEM. 2.1. Considerações iniciais. 2.2. Arbitrabilidade objetiva. 2.2.1. Conceitos iniciais. 2.2.2. Arbitragem e Administração pública. 2.3. Árbitro. 3. ARBITRAGEM E AGÊNCIAS REGULADORAS. 3.1. Arbitragem regulatória x arbitragem comercial. 3.2. Dispositivos de arbitragem das agências reguladoras. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
Na década de 90, o Estado brasileiro passou por uma série de modificações quanto a
sua atuação na esfera econômica. Com as mudanças implementadas, o Estado buscou adotar
função mais gerencial na ordem econômica, voltando-se para a fiscalização, incentivo e
planejamento, à luz do art. 174 da Constituição da República, implementando medidas para
diminuir o tamanho do Estado e a ineficiência burocrática do Estado Social até então vigente
(BRESSER PEREIRA, 1997).
Neste cenário, incorporou-se ao direito pátrio um instituto de origem estadunidense,
para promover melhor controle e fiscalização dos serviços que passaram a ser concedidos,
privatizados e terceirizados. Trata-se das agências reguladoras, autarquias de regime especial,
1 Advogada, Professora de Direito, Mestre em Justiça Administrativa pela Universidade Federal Fluminense, especialista em Direito Empresarial pela FGV. 2 Advogado, Professor de Direito, Mestre em Justiça Administrativa pela Universidade Federal Fluminense, especialista em Direito do Consumidor e Práticas comerciais pela UCAM.
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fruto da descentralização material, que possuem funções de fiscalização, controle e
balizamento dos agentes econômicos em prol da realização do interesse público.
Assim, foram atribuídos as agências poder normativo (limitado pela constituição e
pelo princípio da legalidade), judicante (limitado pelo princípio da inafastabilidade da
apreciação judicial) e o executório (limitado pela autoridade de condução das políticas
econômicas do presidente da república). O poder judicante pode envolver a atuação das
agências reguladoras como árbitras, a atribuição de penalidades e a condução de processos
administrativos.
A arbitragem, como é cediço, consiste em um meio extrajudicial e adequado de
resolução de conflitos em que as partes, por meio de acordo de vontades, determinam diversos
aspectos do procedimento, como o arbitro, a lei aplicável, a sede e as regras que vão reger o
procedimento. Entretanto, no âmbito da arbitragem nas agências reguladoras, algumas
questões são distintas do instituto arbitral no setor privado, tendo em vista que, em diversos
casos, se trata de resolução de contencioso administrativo.
No presente artigo, o foco se dará na atuação dessas agências como árbitro, diante das
normas jurídicas a respeito, como na Lei da Agência Nacional do Petróleo e da Agência
Nacional de Energia Elétrica.
A regulação do mercado se faz imprescindível, ao passo que há um enfraquecimento
do Estado administrativo e que se deve evitar a colonização do mundo da vida pelo sistema
mercadológico. As agências reguladoras buscam, assim, coadunar as formas de reprodução
sistêmica em determinados setores da economia, preservando o interesse público envolvido e
os direitos consumeristas.
Com a reforma do Estado brasileiro, iniciou-se um incentivo para mais parcerias com
os particulares e a utilização de meios alternativos – adequados – de solução de controvérsias
no âmbito do poder público, com o intuito de trazer mais eficiência para o exercício da desta
nova função administrativa. Nesse passo, foram inseridos dispositivos permitindo o uso de
arbitragem em casos específicos que envolvessem a administração pública, como na Lei n.
8.666/93, sempre voltada para uma resolução cooperativa desses conflitos, com a
harmonização dos planos individuais de ação (HABERMAS, 1997, p.36).
Entretanto, a opção por esse método somente se fortificou com a edição da Lei n.
9.307 de 1996, a Lei de Arbitragem, que pacificou divergências sobre o instituto, trazendo
maior segurança jurídica. Em 2015, a Lei n. 13.129 alterou a norma jurídica em questão e
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previu expressamente, no art. 1°, §1°, a possibilidade de a administração pública direta e
indireta submeter conflitos à arbitragem.
Analisar-se-á as agências reguladoras, com foco em sua função judicante na atuação
como árbitro de controvérsias entre as concessionárias e permissionárias e entre estas e
particulares, quando controvérsias relativas a questões contratuais. Nesse diapasão, deve-se,
primeiramente, examinar o poder judicante dessas autarquias em regime especial e,
adicionalmente, as condições dadas para a realização desse poder às autoridades
administrativas, bem como a definitividade das suas decisões.
Em seguida, cumpre-nos tratar das especificidades da arbitragem no âmbito do poder
público e cuidar dos poderes dos árbitros, para finalmente poder examinar como se dá a
atuação das agências reguladoras como árbitros nos respectivos setores regulados.
1. PODER JUDICANTE DAS AGÊNCIAS REGULADORAS
1.1. Função institucional e poderes
Surgem as agências reguladoras com a reforma gerencial proposta por Luiz Carlos
Bresser, objetivando diminuir a burocratização, restabelecer a governança e aumentar
eficiência da administração pública através deste modelo de intervenção não direta. A
regulação brasileira, como não poderia deixar de ser, é formada pela influência de realidades e
experiências estrangeiras, aliada a histórica realidade nacional patrimonialista. Entendemos
que a união entre o modelo das agencies americanas, das Autoridades Administrativas
Independentes europeias e do contexto histórico brasileiro, acabou por formar o Estado
Regulador vigente.
Em que pese à experiência americana, com a superação do modelo liberal clássico que
já não suportava a dinâmica social, a concentração de renda e o crescimento do próprio
Estado, alinhado a crise de 1929 e as reformas propostas pelo new deal, passou a se organizar
tendo como importante instrumento as agencies. Neste cenário, passam as agências
americanas a se confundir com o próprio Estado, possuindo competências que transitam entre
a judicante (adjudication power), legislativa (rulemaking power), e atos que até então eram
próprios do poder executivo (ARAGÃO, 2003, p.88).
Em nossa percepção, o que marca o modelo americano é a autonomia de suas agências
reguladoras alinhado ao complexo sistema de checks and balances, que permite a atuação das
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agencies de maneira autônoma mantendo certo grau de accontability eleitoral. É marcada,
ainda, por sua capacidade judicante, que se materializa através de um processo administrativo
bem definido e delimitado por normas editadas pelo congresso, o que permite se adequar a um
modelo jurisdicional generalista baseado em precedentes (common law).
Percebe-se que a disposição das agências reguladoras nacionais como autarquias
especiais dotadas de singular autonomia e independência tem traços herdados do modelo
paradigma. De igual forma, ainda que de forma ainda precária, vem se estabelecendo uma
estrutura de “prestação de contas” entre as agências, o executivo e o legislativo, muito própria
do modelo americano.
Já o modelo regulador Europeu, expressado pelas Autoridades Administrativas
Independentes, tem seu início na década de 70. Assim, como ocorrera no Brasil durante os
anos 90, o surgimento da regulação na Europa é fruto de uma tentativa do Estado de passar a
intervir na economia de maneira não direta (MAJONE, 1999). Assemelha-se as AAI’s
europeias as brasileiras nas dificuldades enfrentadas para adequar um sistema de regulação de
origem do direito consuetudinário a rígida estrutura legal típica do civil law. O modelo
europeu utilizou de uma jurisdição administrativa especializada na tentativa de superar esta
dificuldade, o mesmo não ocorreu com a jurisdição brasileira, que adotou uma estrutura
generalista.
Pois bem, percebido os traços adquiridos das experiências externas, nos atentemos as
agências reguladoras brasileiras propriamente ditas. Muito embora antes dos anos 90 já
existissem instituições com características próximas as agências como são hoje conhecidas,
como o Tratado de Taubaté de 1906 regulando o café, o Instituto do açúcar e do álcool de
1934 e o Banco Central em 1964, é com a reforma do Estado conduzida por Luiz Carlos
Pereira Bresser que estas autarquias tomam forma e relevância na administração púbica
nacional (BRESSER, 1997, p.36).
Na institucionalização de um dos pilares fundamentais da reforma do Estado gerencial
– o aumento da governança, surgem as agências executivas e as reguladoras. As primeiras são
responsáveis por desempenhar atividades exclusivas do Estado, que seriam a formulação e
avaliação de diretrizes e políticas públicas e a sua implementação. São estas agências
subordinadas ao Ministério que estão vinculadas e direcionadas através de um contrato de
gestão que estabelecerá compromissos e resultados, perseguindo uma administração gerencial
orientada pela demanda dos usuários, descentralizada, transparente e com um núcleo
estratégico comprometido com as diretrizes da instituição. (BRESSER, 1997, p.38)
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As agências reguladoras por sua vez, surgem como autarquias especiais dotadas de
maior autonomia, com funções que transitam entre os três poderes, o que justifica a intensa
reflexão doutrinária sobre sua atuação, e instituídas para regular aqueles setores de natural
monopólio, buscando incutir preços equilibrados, serviços de qualidade e, além disso, manter
o mercado aquecido. As agências reguladoras devem ser mais autônomas do que as executivas porque não existem para realizar políticas do governo, mas para executar uma função mais permanente que é essa de substituir-se aos mercados competitivos (BRESSER, 1997, p.16).
O prof. Alexandre Aragão (2003) descreve as principais características das agências
reguladoras como: (a) a especialização técnica e setorial, (b) os amplos poderes decisórios,
notadamente de natureza normativa, e (c) a elevada autonomia frente ao Poder Executivo
central.
Isto posto, as agências reguladoras são autarquias especiais (em razão de sua
autonomia diferenciada, sua capacidade normativa e a estabilidade de seus dirigentes), criadas
necessariamente por leis, com orçamento próprio, integrantes da administração pública
indireta e veiculadas aos Ministérios presidenciais, inexistindo, contudo, subordinação direta a
eles.
Os mecanismos de controle estão atrelados a valorização do princípio da legalidade na
doutrina nacional e a Constituição Federal, em razão da própria origem romano-germânica do
direito pátrio. Em virtude de sua natureza jurídica de autarquias (ainda que especiais), e de
integrantes da administração pública indireta, o Poder executivo exerce sobre as agências
reguladoras natural poder de tutela, além do fato de que os dirigentes são indicados pelo
presidente (mesmo não existindo subordinação)(WALD, 1999). Existe também o controle
orçamentário, que obriga a sujeição das finanças das agências a apreciação do Tribunal de
Contas da União (NUNES, 2007, p.98).
A Constituição Federal determina, ainda, a supervisão do Congresso Nacional,
possibilitando o veto legislativo, “como salvaguarda do poder legiferante das agências”, e
designando-o como fiscal os atos do executivo, ainda que da administração indireta
(BINENBOJM, 2005, p. 6).
Por fim, o controle do judiciário é o mais amplo, garantido pelo art. 5°, XXXV da
Constituição Federal, a inafastabilidade do acesso à justiça leva a revisão sistemática das
decisões administrativas das agências reguladoras, sobrepondo-se, por vezes, a expertise
técnica das agências.
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Há nesta última forma de controle, especial relevância para o presente trabalho,
considerando o sistema uno adotado pelo ordenamento jurídico pátrio e a impossibilidade de
se afastar a revisão de atos administrativos pelo poder judiciário, levando-nos, então, no
próximo ponto, a refletir sobre a autonomia decisória das agências e sua possível relevância
no processo arbitral.
1.2. Autonomia decisória, discricionariedade administrativa e revisão judicial
As agências reguladoras possuem o que o professor Sérgio Guerra (2012) chama de
“função neutral regulatória legalmente independente”, isso quer dizer que embora não façam
parte dos órgãos independentes instituídos pela Constituição Federal, como o Supremo
Tribunal Federal, o Congresso Nacional e os demais previstos na carta magna, fazem parte de
rede policêntrica originada de um processo de descentralização administrativa, com a
precípua função de afastar o Estado da atividade regulatória direta (GUERRA, 2012).
Dentre as singulares características das agências reguladoras, a autonomia é, no nosso
sentir, o que efetivamente as diferenciam das demais autarquias. É essa idiossincrasia que
garante relativa independência decisória das agências, e faz com estas transitem entre os três
poderes.
É por isso que a capacidade destas autarquias de fazerem escolhas administrativas com
relevante grau de discricionariedade merece ser estudada com maior diligência. Neste sentido,
assevera Sérgio Guerra que quando da tomada de decisões “o regulador acolha regras técnicas
e científicas, autovinculando a futura atividade de seus órgãos” (GUERRA, 2008, p.108).
Nessa perspectiva, como narrado, sofreu o modelo regulatório brasileiro considerável
influência da matriz americana, e, dentre as características herdadas, está justamente esta
singular função judicante (adjudication power). Ocorrer que, no E.U.A, desde de 1946 com a
edição do Administrative Procedure Act (A.P.A) se estabeleceu um processo administrativo
bem definido e complexo capaz de gerar decisões com eficácia quase judiciais e que dão
pouquíssimo ensejo a revisão por parte do poder judiciário (SUSTEIN, 2004, p19).
Sobre a experiência americana, sintetiza bem o professor Sérgio Guerra: Lá, nos EUA, identificam-se duas categorias da adjudication: na primeira, a agência decide sobre um interesse do cidadão (claim for benefit) e, no segundo, a agência julga se a parte interessada ou afetada (indivíduo ou empresa) violou uma norma regulatória (hasviolated na agencyregulation).
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A função judicante das agências norte-americanas envolve desde questões simples, do dia-a-dia, até as mais complexas. Nas decisões complexas são realizadas, audiências (hearings), testemunhas são inquiridas e acareadas, colhe-se evidências (evidence), além de outras formalidades (ontherecord), perante um juiz administrativo (Administrative Law Judge – ALJ) que deve ser neutro (neutral decisionmaker). (GUERRA, 2016)
No Brasil, o processamento da função judicante se estruturou a partir de decisões, em
regra, tomadas por colegiados, como o Conselho Diretor, composto pelo Presidente e
Diretores, que são nomeados para exercerem mandatos por prazo determinado e não
coincidentes com o do chefe do poder executivo.
Registra-se, todavia, que “as Agências Reguladoras, por terem natureza autárquica
especial, devem se sujeitar a uma supervisão ministerial e do Chefe do Poder Executivo, que
permita à administração pública direta de rever os atos regulatórios (...)” (GUERRA, 2012).
No tocante ao processo administrativo brasileiro, positivado através da Lei.
9.784/1999 e utilizado subsidiariamente pelas agências reguladoras quando sua lei de criação
não tratar da problemática de maneira específica, adotou-se um sistema minimalista e enxuto,
deixando amplo espaço para regulamentos setorias. Além disso, há na cultura jurídica
nacional de forte valorização da produção jurisdicional constitucional de matérias envolvendo
a deferência administrativa, fazendo do Supremo Tribunal Federal importante ator no
processo regulatório (SUNDFELD, 2011, p.88).
Assim, é imperioso, como já destacado, a obrigatoriedade de as decisões regulatórias
serem dotados de alicerce técnico e se limitarem a aspectos procedimentais, sob pena de
excederem sua atividade regulatória e adentrarem no direcionamento de diretrizes políticas,
papel que não lhes cabe, e sim ao Estado. (WALD, 2004).
Sobre o tema, a professora Dinorá Adelaide Musetti Grotti (2000) acertadamente traz
a reflexão de Floriano Azevedo Marques Neto:
As atribuições das agências tornam necessário que “a atividade regulatória estatal: i) passe a ter uma maior preocupação com a motivação, não meramente formal, de seus atos;
ii) tenha um caráter marcadamente procedimental, processualizado, com sua subordinação a regras, ritos e procedimentos claros e preestabelecidos;
iii) envolva fortemente os administrados – mormente os atores relacionados ao setor específico objeto da regulação – no processo decisório, mediante o recurso a consultas e audiências públicas, por exemplo;
iv) não possa se desenvolver sem uma radical transparência, traduzida na radicalização do princípio da publicidade e na introdução de efetivos mecanismos de controle pelos sujeitos e interessados no exercício desta atividade.(GROTTI, 2006 apud MARQUES NETO, 2000).
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Deve as agências ao exercer essa função judicante de forma procedimentalizada,
observando os preceitos constitucionais aplicados ao processo administrativo, notadamente o
devido processo legal (art.5º, LIV, CF). O princípio constitucional merece especial atenção
quando do exercício da função judicante sancionadora, sendo o instrumento de dar à
segurança necessária a decisão, reduzindo a necessidade/possibilidade de eventual revisão
judicial, além de ser meio de garantia de ampla defesa.
Avançando nesta lógica, é a ampla defesa no processo administrativo defendida não só
pelo legislador, que dispõe sobre o tema nos art.2º e 3º da Lei de Processo Administrativo
(Lei. 9.784/1999), mas também pela melhor doutrina e pelo reiterado posicionamento do
Supremo Tribunal Federal que vem se manifestando no sentido de que o preceito
constitucional não se trata de direito genérico e abstrato, mas de garantia que deve ser
materializada através de um processo administrativo que possibilite ampla produção de provas
(MEDAUAR, 2008).
Ponto controvertido no processo administrativo envolvendo agências reguladoras é a
obrigatoriedade do duplo grau de jurisdição administrativa, na medida em que, embora o STF
já tenha se manifestado “no sentido de que não existe na Constituição Federal de 1988 a
garantia ao duplo grau de jurisdição na esfera administrativa”3, respeitável parte da doutrina
afirma categoricamente que “sendo aplicáveis as mesmas garantias do processo judicial ao
processo administrativo, é consequência lógica a existência do duplo grau de jurisdição
administrativa” (FREIRE, 2015).
A digressão sobre o processo administrativo nas agências reguladoras tem uma razão
particular, auxiliar na reflexão sobre a possibilidade de o judiciário rever as decisões tomadas
pelas agências, ainda que atuando com árbitro.
Como alhures descrito, temos no sistema regulatório americano as bases do brasileiro,
assim, é imperioso trazer lições do modelo arquétipo quanto a revisão judicial dos atos
regulatórios. Nos Estados Unidos se utiliza do caso Chevron (Precedente judicial Chevron
U.S.A., Inc. v. Natural Resources Defense Council) como marco do controle judicial,
utilizando-se a Suprema Corte Americana de dois aspectos formais para verificação do
cabimento da revisão (two steps).
3 RMS nº 26.212/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, j. 03.05.2011, fl. 301 dos autos. O relator cita três precedentes a respeito da exigibilidade de caução para interposição de recurso administrativo. No RE nº 210.246/GO, Rel. p/ acórdão Min. Nelson Jobim, Plenário, j. 12.11.1997
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O primeiro passo é analisar se o legislativo tratou da matéria de maneira específica,
caso a resposta seja positiva, deverá o judiciário e a agência envolvida seguir o delimitado
pelo congresso. Caso contrário, não tratando a casa legislativa do assunto de maneira própria,
ou de maneira que possibilite várias interpretações, prevalecerá a deferência ao ato regulatório,
cabendo ao judiciário apenas analisar se a agência está desempenhando sua função dentro do
que a ela foi delegado.
Hodiernamente, além dos parâmetros estabelecidos pelo precedente do caso Chevron,
o judiciário americano se vale da hard look doutrine (Suprema Corte, 1983) (devidamente
atualizada e mitigada), a fim de verificar eventuais atos arbitrários e caprichosos. Consiste o
exame em apreciar se a medida foi tomada com o rigorismo técnico necessário, se foi
oportunizado a produção de provas necessária e se essa parte técnica/probatória foi
devidamente observada na tomada de decisão regulatória.
Retornando a realidade nacional, como é cediço, optou o constituinte por adotar o
princípio da inafastabilidade da jurisdição (art.5º, XXXV, CF), fazendo com que o ato
administrativo, e regulatório, não esteja isento de possível revisão judicial. E, é bom que
assim seja, todavia, há de se estabelecer parâmetros de razoabilidade e limites, tanto para os
agentes reguladores, quanto para os juízes. Há em nossa percepção, muito que se utilizar neste
ponto da herança americana, o sistema de pesos e contrapesos (check sand balances) utilizado,
em que é realizado um controle recíproco entre os poderes.
Não podem as agências se utilizar do ato regulatório para usurpar suas funções
administrativas, devendo sempre, como já descrito, ser o ato regulatório técnico,
fundamentado e com fins específicos. É justamente por isso que, a revisão judicial dessas
autarquias deve ser feita com especial zelo, sob pena do poder judiciário atuar sem a expertise
necessária e causar sérios prejuízos ao subsistema regulado em que se interferiu (GUERRA,
2012).
O que se almeja é um sistema regulatório equilibrado, em que o poder judiciário não
seja alheio ou impedido de rever flagrantes abusos, mas que garanta às agências a
independência necessária, principalmente no que toca decisões técnicas. O quadro
especializado das agências permite que estas lidem melhor com demandas complexas
envolvendo regulação.
Nesse sentido defende o prof. Sérgio Guerra, por mais tecnicidade que determinada
decisão regulatória tenha observado, por mais científica que seja a apuração, sempre existirá
certa margem de escolha, cabendo a autoridade administrativa competente realizar um juízo
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de valor e escolher o que melhor lhe convir. Não é, pois, o ato vinculado (GUERRA, 2008, p.
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Certos que os atos das agências reguladoras são dotados de discricionariedade (ainda
que permeados por estudos técnicos), não há que se falar afastamento da possibilidade da
revisão judicial, que poderá fiscalizar o ato administrativo, ausentes a proporcionalidade e a
razoabilidade, ou, caso tenha o ato tenha deixado de observar critérios legais de competência,
finalidade ou mesmo eficiência (JUSTEN FILHO, 2010).
Sobre a temática, Alexandre Mazza:
Embora a concepção tradicional não admita revisão judicial sobre o mérito dos atos administrativos discricionários, observa-se uma tendência à aceitação do controle exercido pelo Poder Judiciário sobre a discricionariedade especialmente quanto a três aspectos fundamentais: a) razoabilidade/proporcionalidade da decisão; b ) teoria dos motivos determinantes: se o ato atendeu aos pressupostos fáticos ensejadores da sua prática; c ) ausência de desvio de finalidade: se o ato foi praticado visando atender ao interesse público geral. Importante frisar que ao Poder Judiciário não cabe substituir o administrador público. Assim, quando da anulação do ato discricionário, o juiz não deve ele resolver como o interesse público será atendido no caso concreto, mas devolver a questão ao administrador competente para que este adote nova decisão (MAZZA, 2014).
Aponta Luís Roberto Barroso que a comprovada ausência de razoabilidade é justa
justificativa para a intervenção do poder judiciário no ato administrativo. Explica o ministro
que o princípio da razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para
aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo o ordenamento jurídico: a
justiça (BARROSO, 1998, p.9).
Na regulação, utilizar-se-á do princípio para verificar se o ato regulatório guarda
proporcionalidade com o fim desejado. “Ou seja, o Poder Judiciário somente deverá invalidar
decisão de uma Agência Reguladora quando evidentemente ela não puder resistir ao teste de
razoabilidade, moralidade e eficiência.” (GUERRA, 2012, apud BARROSO, 2002)
Outrossim, deverá o judiciário atuar de modo a intervir o mínimo possível no processo
regulatório, fazendo da revisão judicial verdadeira exceção. A natureza técnica da matéria
regulada faz com que o juiz atue de maneira conservadora, devendo intervir apenas frente as
circunstâncias já apresentadas.
2. ARBITRAGEM
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2.1. Considerações iniciais
A arbitragem se trata de um meio de pacificação de conflitos, de harmonização dos
planos individuais de ação, de forma consensual, ao passo que depende do acordo de vontades
dos contraentes. O dissenso surge mediante a violação de expectativas de ações, assim, deve a
arbitragem realizar a estabilização dessas, quando esse for o método de resolução de
controvérsias escolhido (HABERMAS, 1997, p. 177).
Conforme Carlos Alberto Carmona (2009, p. 31), a arbitragem consiste em um método
extrajudicial de resolução de conflitos relativo a direitos patrimoniais disponíveis, em que os
terceiros que dirimem a questão recebem de um acordo de vontades, a convenção de
arbitragem, a sua competência, formando um título executivo judicial. Constata-se a
relevância do acordo de vontades das partes no instituto em questão no conceito apresentado.
Nessa mesma linha, Paulo Osternack Amaral (apud FLAUSINO, 2015, p. 103-104) destaca a
autonomia de vontades como o princípio fundamental da arbitragem.
Essa questão acarreta uma das principais características da arbitragem, a flexibilidade.
Consiste na possibilidade de as partes determinarem diversos aspectos do procedimento,
como a escolha dos árbitros, a regras do processo, número de árbitros, os prazos, a sede da
arbitragem, a opção ou não por uma câmara arbitral.
A convenção de arbitragem, que é documento em que se materializa o acordo de
vontade das partes quanto à opção por esse método extrajudicial de resolução de controvérsias,
pode ser na forma de cláusula compromissória ou de compromisso arbitral. Na primeira,
introduz-se uma cláusula no contrato, estipulando que os pactuantes submeterão eventuais
controvérsias relativas à avença a um tribunal arbitral. No que tange o compromisso arbitral,
as partes acordam instituir uma arbitragem para solucionar um conflito já existente. A
convenção de arbitragem é difere do termo de arbitragem, que consiste em um documento
prévio, não-obrigatório4, ao procedimento arbitral, em que se determina algumas questões do
procedimento arbitral.
Quanto à natureza jurídica do instituto arbitral, há divergência doutrinária, havendo
três correntes principais: a contratualista, a mista e a jurisdicional. Atualmente, a corrente
majoritária é a jurisdicional, que defende que a arbitragem como jurisdição. Carlos Alberto
Carmona (2009, pp. 26-27) assevera que foi adotado no ordenamento jurídico brasileiro o 4 Algumas câmaras arbitrais trazem o termo de arbitragem como um documento anterior à instituição do procedimento arbitral, em que os contraentes dispõem sobre diversos aspectos desse, podendo, inclusive, deliberar sobre as regras do procedimento ou sobre a não aplicabilidade de determinados dispositivos do regulamento da câmara.
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entendimento de que a arbitragem possui natureza jurisdicional, apesar da origem do instituto
ter se dado no âmbito do contratualismo. Nesse passo, a arbitragem prescinde de
homologação ou de controle de parte do Poder Judiciário para que tenha validade ou eficácia.
A sentença arbitral, como vislumbrado no conceito, possui os mesmos efeitos de uma
sentença judicial, formando, assim, um título executivo judicial, com base no art. 31 da Lei n.
9.307 de 1996 e no art. 515, VII, do Código de Processo Civil. Entretanto, não há recursos a
serem interpostos contra o laudo arbitral, apenas um pedido de revisão para casos de correção
de erro material, de obscuridade, de dúvida, de contradição ou de omissão, conforme o artigo
30 da Lei de Arbitragem. Há ainda a possibilidade de declaração de nulidade da sentença
arbitral no Poder Judiciário para os casos do art. 32, da lei em tela.
Ressalta-se que apenas os sujeitos capazes de contratar podem dirimir uma
controvérsia por meio de arbitragem, desse modo, incluem-se pessoas jurídicas de direito
público e de direito privado, entes despersonalizados e pessoas físicas. Essa capacidade desses
sujeitos é denominada de arbitrabilidade subjetiva. A arbitrabilidade objetiva, que será
analisada em um tópico apartado, se refere à questões que podem ser objeto de um
procedimento arbitral.
Por fim, deve-se salientar que a arbitragem não deve ser vista como um mecanismo
para se obstar o cumprimento ou a observância do ordenamento jurídico, mesmo não havendo
a obrigatoriedade de previsão de um sistema recursal. Vale recordar que o artigo 32 da Lei de
Arbitragem traz casos de nulidade de sentença arbitral e o art. 2°, p. 1°, dispõe que é vedada a
escolha de regras de direito que ofendam à ordem pública ou aos bons costumes.
2.2. Arbitrabilidade objetiva
2.2.1. Conceitos iniciais
A arbitrabilidade objetiva consiste na capacidade de uma matéria, de um direito ser
submetido à arbitragem. Jacob Dolinger e Carmen Tibúrcio (2003) compreendem tal questão
como uma condição de validade do procedimento arbitral e da competência do tribunal
arbitral. Deve-se concordar com a caracterização trazida pelos autores, tendo em que vista que
o árbitro é incompetente para dirimir uma controvérsia sobre determinados temas e que o
proferimento de um laudo arbitral sobre direito inarbitrável gera a nulidade daquele.
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A sua compreensão modifica de um Estado para outro, já que se relaciona com a
opção do legislador constituinte e do infraconstitucional. Há países, como a França e a
Argentina, que optaram pelo critério de ordem pública, assim, os temas que não sejam de
ordem pública podem ser dirimidos por um tribunal arbitral. Outros países, por seu turno,
escolheram o critério de disponibilidade ou da patrimonialidade.
O Brasil optou pela junção de ambos os critérios, assim, é arbitrável um direito
patrimonial disponível, conforme o art. 1°, da Lei n. 9.307 de 1996. Realça-se que os quesitos
da arbitrabilidade objetiva se mantém imutáveis mesmo no caso de ente integrante da
administração pública figurar como parte no procedimento arbitral.
Posto isso, passa-se destrinchar as concepções concernentes à patrimonialidade e à
disponibilidade. A patrimonialidade se refere aos que podem ser aferidos economicamente,
podendo, assim, constar no patrimônio de uma pessoa física ou jurídica, com base no
Vocabulário Jurídico de Plácido e Silva (2001, p. 276). É comum a confusão entre a
patrimonialidade e a disponibilidade, ao passo que em diversas questões esses atributos estão
presentes em direitos e bens.
A disponibilidade, por sua vez, consiste na possibilidade de se dispor – alienar,
transferir, etc., - um direito livremente. Carlos Alberto Carmona (2009, p. 38) nos ensina que
são disponíveis os direitos cuja negociação ou alienação não esteja impedida. A livre
disposição do direito deve ser aferida no momento da celebração da convenção de arbitragem,
à luz dos ensinamentos de Antônio Sampaio Caramelo (2010, p. 141).
O art. 852 do Código Civil deve ser trazido à baila para nos auxiliar na delimitação
dos direitos que podem ser objeto de arbitragem. O dispositivo determina a vedação de
compromissos arbitrais relativos a questões de estado, de direito pessoal de família e de outras
matérias que não tenham natureza patrimonial. Portanto, pode haver arbitragem relativa a
direitos que não se insiram nestas categorias.
Carlos Alberto Carmona (2009, p. 39) conclui que são arbitráveis os direitos
patrimoniais disponíveis, ou seja, aqueles que não possuam alguma reserva por opção do
legislador, que não seja de interesse da coletividade, que possam ser economicamente aferidos
e que possam ser livremente dispostos. O autor assevera que tal questão é equivalente a
determinar que são arbitráveis os direitos que cabem transação.
Antônio Sampaio Caramelo (2010, p. 142) discorda desse entendimento, pois não
admite essa equivalência entre a transação e a arbitragem. Deve-se concordar com tal
posicionamento, porque se tratam de dois institutos diferentes. A transação se trata de uma
14
autocomposição, em que envolve concessões mútuas dos participantes, em prol de convergir
os planos individuais de ação. Na arbitragem, como visto anteriormente, um terceiro vai
dirimir a controvérsia, sob os termos definidos pelas partes.
Portanto, a arbitrabilidade objetiva é controversa, embora estejam legalmente previstos
os critérios. Estes são extremamente abertos, de modo que o árbitro possa verificar a
arbitrabilidade objetiva no caso concreto. Pela generalidade dos dispositivos a respeito da
patrimonialidade e da disponibilidade, as concepções são bastante distintas a depender do
tribunal arbitral, no entanto, é evidente que diversas questões já estão pacificadas na doutrina
e na jurisprudência.
Cumpre destacar que há uma tendência internacional em ampliar a arbitrabilidade
objetiva, com o intuito de dar mais efetividade à satisfação de direitos (CARAMELO, 2010, p.
133).
Salienta-se que, ao submeter um conflito à arbitragem, as partes não estão
efetivamente dispondo ou transigindo seus direitos, mas apenas retirando o conflito da
apreciação do Poder Judiciário (SUNDFELD, CÂMARA, 2008, p. 121). Ou seja, estão
apenas acordando em ter a resolução da controvérsia na arbitragem.
2.2.2. Arbitragem e Administração pública
É cediço que há autorização genérica para a arbitragem relativa à administração
pública no art. 1°, § 1°, Lei n. 9.307 de 1996, inserido pela Lei n. 13.129 de 2015, que dispõe
que a “administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir
conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis”.
Tal dispositivo veio para finalizar com eventuais controvérsias sobre a participação da
administração pública, embora já houvesse diversos artigos que permitiam este método em
matérias específicas - Lei de Concessões e Permissões (8.987/1995), a Lei de Política
Energética Nacional (9.478/1997), a Lei de Comercialização de Energia Elétrica
(10.848/2004), a Lei das Parcerias Público-Privadas (11.079/2004), a Lei do Gás Natural
(11.909/2009), a Lei dos Portos (12.815/2013, regulamentada pelo Decreto nº 8.465/2015).
O princípio da legalidade era, assim, visto como uma barreira para a utilização da
arbitragem pela Administração Pública. Alguns autores se posicionavam pela obrigatoriedade
de previsão legal específica para cada caso, no entanto, com o advento da Lei n. 13.129 de
2015, essa discussão foi, de certa forma, abrandada. Com efeito, a doutrina majoritária passou
15
a se posicionar pela desnecessidade de previsão específica, bastando a determinação geral do
art. 1°, parágrafo 1°, da Lei n. 9.307 de 1996. Não resta discussão sobre a arbitrabilidade
subjetiva – capacidade de ser parte na arbitragem – da Administração Pública.
Ressalta-se que mesmo que não haja cláusula compromissória no contrato
administrativo, a Administração Pública pode celebrar um compromisso arbitral quando
surgir a controvérsia, à luz do Enunciado 2 da I Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial
de Litígios. Portanto, uma vez que os administradores ou procuradores escolham submeter o
conflito à arbitragem, podem redigir um compromisso arbitral, devendo estar cientes que
somente são arbitráveis os direitos patrimoniais disponíveis.
Ao que se refere à sigilosidade da arbitragem, se apresenta mitigada no âmbito da
Administração Pública, em razão do princípio da publicidade, previsto no caput do artigo 37 e
no inciso IX do artigo 93 da Constituição da República. Dessa forma, o art. 2°, parágrafo 3°
da Lei n. 9.307 de 1996 veio nessa direção de cercear a confidencialidade do procedimento
arbitral em prol do interesse público e do direito à informação.
Contudo, ainda há debate sobre a arbitrabilidade do direito administrativo, assim,
cumpre analisá-la a partir do exame da indisponibilidade do direito público. No que tange a
esse tema, deve-se primeiramente diferenciá-lo da supremacia do interesse público e da
indisponibilidade do interesse público.
A supremacia do interesse público preceitua que o este deve ser perseguido no
exercício da função administrativa, prevalecendo sobre os interesses particulares
(CRETELLA JÚNIOR, 1998). Odete Medauar (2015, pp. 159-160) ressalta que esse princípio
foi ultrapassado e se deve falar em princípio do atendimento do interesse público ou do
princípio da finalidade, em razão da Constituição da República de 1988 e do princípio da
proporcionalidade. Segue-se aqui esse posicionamento, tendo em vista que não se deve gerar
sacrifícios de interesses particulares em função de uma coletividade na função administrativa,
principalmente, em um Estado Democrático de Direito que traz direitos fundamentais como
cláusulas pétreas.5
Ademais, ao se tratar de serviços públicos, a eficiência deve ser o alvo na prestação, de
modo que ocorra da melhor forma possível – atendimento mais amplo e de qualidade – com o
5 Parte-se aqui de uma perspectiva de direitos fundamentais kantiana e habermasiana, vislumbrando cada indivíduo como um ser com capacidade racional, dotado de vontade, autonomia e liberdade, que deve ser visto sempre como um fim em si mesmo. Portanto, não deve sua dignidade humana ser olvidada pela Administração Pública, nem deve ser visto com um meio para se atingir o interesse público. Os direitos fundamentais devem limitar a atuação do Estado com os seus nacionais e demais sujeitos, seja nos seus limites territoriais ou na atuação externa.
16
menor custo. Desse modo, a arbitragem deve ser vista como um instrumento de atingir essa
eficiência na prestação de serviços públicos, principalmente, pela celeridade, que evita
desgastes causados pela demora do Poder Judiciário (FURTADO, BULOS apud FLAUSINO,
2015, p. 72).
A indisponibilidade do interesse público, por seu turno, concerne na impossibilidade
dos administradores públicos serem omissos, negligentes ou imprudentes em face da
necessidade de atendimento ao interesse público (MEDAUAR, 2015, p. 163). O interesse
público deve entender como bem de toda a coletividade, conforme os ensinamentos de Odete
Medauar (2015, p. 161).
Por sua vez, Carlos Ari Sundfeld e Jacintho Câmara (2008, pp. 119-120) esclarecem
sobre o uso inadequado do princípio da indisponibilidade do interesse público, com relação à
arbitrabilidade objetiva, e ressaltam que esse preceitua que os administradores públicos não
podem dispor livremente do interesse da coletividade. Por conseguinte, não afeta a
possibilidade de submeter conflitos administrativos à arbitragem.
Odete Medauar (2015, p. 163), assim como os autores acima mencionados, posiciona-
se no mesmo sentido, apontando que esse princípio não deve ser utilizado para obstar o uso de
meios consensuais pela Administração Pública, tendo em vista que esse se realiza com a
resolução de controvérsias de forma mais célere.
Por conseguinte, não há obste ao uso da arbitragem no Direito Administrativo,
devendo ter mais atenção nos casos em que o Estado faz uso de atos de império, cuja proteção
do administrado deve ser diferenciada. Nestes casos, a arbitragem pode se encontrar afetada
pela possível afetação de direitos indisponíveis, como direitos fundamentais, mas, uma vez
inserida uma cláusula arbitral ou realizado um compromisso arbitral, caberá ao tribunal
arbitral decidir sobre a arbitrabilidade objetiva.
2.3. Árbitro
Como é cediço, o árbitro consiste no terceiro eleito pelas partes, mediante um acordo
de vontades expresso em uma cláusula compromissória ou compromisso arbitral, que deve
dirimir a controvérsia dentro dos limites definidos na cláusula arbitral. Feitos esses
esclarecimentos iniciais, cabe cuidar de quem pode exercer a referida função, ou não.
Faz-se necessário, independentemente de quem atue como árbitro, que o tribunal
arbitral atue com discrição, imparcialidade, competência e independência (art. 13, §6°, Lei n.
17
9.307 de 1996). Quanto à imparcialidade, é necessário destacar que é subjetiva, sendo mais
utilizado o critério da independência pela objetividade presente neste. Entende-se como
independente o árbitro que atue sem pressões ou interferências externas, sendo usado, no
Brasil, como base as regras de suspeição e impedimento dos juízes (WEBER, p. 65;
DOLINGER, TIBURCIO, 2003, p. 234).
O art. 13 da Lei de Arbitragem, adicionalmente, determina que qualquer pessoa que
seja capaz e seja de confiança das partes pode figurar como árbitro, sem definir restrições a
pessoas físicas ou jurídicas. Deste modo, é necessário que seja uma pessoa física pela própria
redação do dispositivo. Entretanto, a pessoa jurídica, como é cediço, é dotada de
personalidade jurídica e capacidade, assim, não haveria limitação quanto aos requisitos
previstos no artigo.
Carlos Alberto Carmona (2009, p. 229) entende, no entanto, que não seria possível de
forma alguma que uma pessoa jurídica figure como árbitro, entendimento que é seguido pela
doutrina majoritária. Por outro lado, Luiz Antônio Scavone Junior (2011, p. 92) compreende
que não haveria nenhum obste há realização desta função pelo representante autorizado em
ato constitutivo (art. 47, CC).
Contudo, a questão controvertida versa sobre a confiança e sobre a pessoalidade
envolvida na nomeação do terceiro. Teriam as partes que ter confiança na pessoa jurídica ou
na pessoa física que representará tal entidade? Seria ideal a confiança em uma pessoa física,
tendo em vista que a pessoa jurídica é representada por pessoas físicas, á luz do art. 47 do
Código Civil.
Deve-se ainda destacar que a função jurisdicional como árbitro para uma determinada
controvérsia é intuitu personae (VIDAL, 2016, p. 123), pois os contraentes elegem o terceiro
em específico por uma série de características deste, e este aceita a nomeação de forma
personalíssima, comprometendo-se com a confiança que foi depositada em seu trabalho.
Francisco José Cahali compreende que o caráter personalíssimo não afetaria a possibilidade
de a pessoa jurídica figurar como árbitro (apud SCAVONE JUNIOR, 2011, p. 147).
Na verdade, de qualquer forma, a função de árbitro seria exercida por pessoa física,
mesmo que eleita uma pessoa jurídica. Portanto, seria mais proveitosa a escolha por
representantes da pessoa jurídica, caso a parte deseje a presença desta, evitando futuras
controvérsias sobre os árbitros eleitos e, eventual, ação de nulidade de sentença arbitral por
essa razão.
18
3. ARBITRAGEM E AGÊNCIAS REGULADORAS
Nesse capítulo, será analisada a arbitragem nas agências reguladoras para, então,
verificar a plausibilidade dessas figurarem como árbitros em procedimentos arbitrais, diante
das considerações realizadas nos tópicos anteriores.
3.1. Arbitragem regulatória x arbitragem comercial
No tópico anterior, abordou-se sobre a arbitragem comercial, que é constantemente
confundida com a arbitragem regulatória quando se fala de agências reguladoras. Por conta
desta indefinição, faz-se necessário diferenciá-las e verificar os dispositivos sobre arbitragem
nas leis e nas resoluções das agências reguladoras.
A arbitragem comercial, como normalmente é denominada na Lei n. 9.307 de 1996, é
pautada na autonomia de vontade das partes. Assim, os contraentes devem optar, em um
acordo de vontades, submeter o litigio à arbitragem, tendo em vista que o procedimento
arbitral não possui recursos e a sentença arbitral independe de homologação judicial para
formar um título executivo judicial. Portanto, é vedada a arbitragem compulsória no Brasil.
Adicionalmente, há a denominada arbitragem regulatória, que ocorre no seio das
agências reguladoras, similarmente a um processo administrativo. Sérgio Guerra (2016) atenta
ao fato que, por conta do caráter administrativo, é desprovida de definitividade, pois produz
um ato administrativo de decisão, que pode ser revisto pelo Poder Judiciário. Possui caráter
compulsório, não havendo espaço para a autonomia da vontade, principal pilar da arbitragem
comercial.
No âmbito da jurisprudência, o STJ, no Recurso Especial nº 1.275.859 – DF,
esclareceu as distinções entre a arbitragem regulatória e a comercial. O caso se refere à
possibilidade de revisão de uma decisão da ANATEL, com base no art. 19, XVII, da Lei n.
9.472/97, em uma arbitragem regulatória. Nesse passo, o Superior Tribunal de Justiça
compreendeu que a competência do artigo mencionado concerne na resolução do conflito por
via administrativa e, por conseguinte, não afasta a tutela do Poder Judiciário.
Como o Brasil adota a jurisdição una, as decisões sobre contencioso administrativo de
órgãos administrativos não possuem definitividade, portanto, a decisão de agências
19
reguladoras em processo administrativo, como é o caso da arbitragem regulatória, podem ser
revistas pelo Poder Judiciário. É evidente que, por conta do conhecimento técnico destas
autarquias, o poder jurisdicional deve buscar não adentrar nos aspectos específicos da matéria
em regulação, como já relatado.
De forma semelhante ao que preconiza a Lei da ANATEL, a ANEEL tem previsão de
dirimir conflitos entre agentes regulados e entre os regulados e os consumidores (art. 3°, V, da
Lei n. 9.427 de 1996). Sérgio Guerra entende que art. 3°, V, da Lei n. 9.427 de 1996, nesse
passo, não permite que a ANEEL atue como árbitra, tendo em vista que não é esta a função da
regulação, a qual busca o melhor atendimento possível ao interesse público como o menor
sacrifício de recursos públicos (2016, p. 866). A função institucional das agências se refere à
consecução do equilíbrio sistêmico, e não a resolução de conflitos, sendo o maior enfoque na
gestão (GUERRA, 2016, p. 874).
Portanto, nota-se que a arbitragem regulatória exercida pelas agências reguladoras é
uma forma de processo administrativo e, consequentemente, um instrumento para o exercício
da função judicante dessas. Nesta direção, deve seguir os princípios administrativos e
processuais previstos constitucionalmente, assim como deve estar limitada pela unidade da
jurisdição. Com isso, a decisão proferida pelas agências, não possui definitividade, sendo
possível em casos excepcionais a revisão pelo Poder Judiciário. Cumpre recordar que há uma
tendência judicial de manutenção das decisões das agências reguladoras pela expertise dessas
sobre os temas regulatórios.
Sobre a revisão de decisões, Sérgio Guerra aborda a diferença da arbitragem
regulatória e da comercial: Diferentemente, ocorreria se o caso contemplasse uma arbitragem comercial, disciplinada pela Lei nº 9.307/96. Esta exige prévio compromisso arbitral, pelo qual as partes acordam que qualquer conflito seja solucionado por árbitro de confiança das partes e regras de direito, escolhidas livremente, que serão aplicadas na arbitragem desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública. Na arbitragem comercial, como método não estatal de solução de conflitos, o(s) árbitro(s) profere(m) uma sentença arbitral, que, nos termos da lei, produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário (GUERRA, 2016).
A sentença da arbitragem comercial, dotada dos mesmos efeitos de uma sentença
judicial, assim, é título executivo judicial. Nesse passo, restam evidente as diferenças entre a
arbitragem comercial e regulatória no que tange a definitividade das decisões e a possibilidade
de revisão judicial.
20
3.2. Dispositivos de arbitragem das agências reguladoras
Como foi visto anteriormente, as agências reguladoras consistem em autarquias de
regime especial dotadas de poder judicante, cujas leis determinam os limites e as condições de
atuação. Uma possibilidade, como mencionado anteriormente, de exercício dessa função se
refere à arbitragem, que se configurada nos termos de um processo administrativo, é
denominada de regulatória. Com isso, passa-se a examinar alguns dispositivos dessas leis e
dos regulamentos das agências sobre arbitragem, com o intuito de identificar se mencionam a
atuação dessas como árbitras.
Conforme já adiantado no tópico anterior ao tratar da decisão do STJ, o dispositivo da
ANATEL - art. 19, XVII, da Lei n. 9.472/97 – que permite à agência à resolução de conflitos
administrativos não se refere à arbitragem comercial, mas à arbitragem regulatória. O
entendimento é o mesmo, para doutrina, com relação à ANEEL e o art. 3°, V, da Lei n. 9.427
de 1996.
Contudo, foi criada a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) pela
Lei n. 10.848 de 2044, vinculada à ANEEL, com uma câmara de arbitragem para a solução de
conflitos relativos à comercialização de energia elétrica (Resolução Normativa n. 109 de
2004). A arbitragem, em conformidade com a resolução, a ser realizada pelos agentes do
CCEE seria a comercial, nos termos da Lei n. 9.307/96. Entretanto, na 32ª Assembleia Geral
Extraordinária, foi decidido que as arbitragens comerciais seriam na Câmara FGV de
Conciliação e Arbitragem, não figurando a agência ou a CCEE como árbitras ou como
instituição arbitral (RIBEIRO, p. 2).
De forma semelhante às outras duas agências mencionadas, a ANTT (Agência
Nacional do Transporte Terrestre) e a ANTAQ (Agência Nacional do Transporte Aquaviário)
tem previsão de arbitramento de conflitos nos arts. 20, II, b e 25, V, Lei n. 10.233, que possui
redação bastante parecida com os anteriores. Portanto, devem ser considerados como
dispositivos relativo à arbitragem regulatória pelo previsto na lei. Na mesma lei, há ainda a
previsão de inserção de cláusulas compromissórias nos contratos de concessão e de permissão
firmados pela ANTT (art. 35, XVI e art. 39, XI), se referindo à arbitragem comercial.
A ANTAQ apresenta, adicionalmente, dispositivos sobre arbitragem no setor portuário,
os arts. 37 e 62, §1°, da Lei n. 12.815 de 2015, e o art. 1° do Dec. n. 8.465 de 2015, que
tratam de forma específica da arbitragem comercial, inclusive com referência direta à Lei
21
9.307/96. Ao que se refere aos árbitros, as normas mencionam a necessidade de comum
acordo das partes, deixando em aberto quem poderia figurar como árbitro.
No tocante à Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), não há menção expressa na
sua lei de criação (Lei n. 11.181/05), apenas se refere à possibilidade de composição de
conflitos de forma administrativa, no art. 8°, XX. Todavia, a própria agência denomina essa
competência que lhe foi atribuída de arbitragem administrativa, ou seja, arbitragem
regulatória.
Por fim, cumpre abordar a arbitragem no campo da Agência Nacional do Petróleo
(ANP), que, por conta das exigências do mercado de hidrocarbonetos, é a mais atuante dentre
às autarquias em pauta de procedimentos arbitrais comerciais. O art. 8° da Lei do Petróleo
dispõe que cabe à ANP celebrar contratos de concessão de exploração e produção de
hidrocarbonetos fluidos, no exercício de competência delegada do poder concedente (União),
com a possibilidade de inserção de cláusula arbitral (art. 43, X).
Os dispositivos, de forma clara, dispõem sobre a arbitragem comercial, método
comumente utilizado para resolução de controvérsias nesse tipo de contrato, como indicação
da própria Association of International Petroleum Negotiators (AIPN). As rodadas de
licitações de contratos de concessão e de cessão de exploração e produção de petróleo têm
apresentado a CCI como câmara arbitral e a arbitragem ad hoc, não trazendo previsão da ANP
como árbitra ou como instituição arbitral.
Em adição, a Lei do Petróleo atribui competência para arbitrar disputas nesses casos,
no art. 58, e para dispor no regimento interno sobre arbitramento de conflitos entre agentes
econômicos, e entre estes e usuários e consumidores, no art. 20. O Regimento Interno da ANP
(Portaria n. 69 de 2011 da ANP) disciplina no art. 54 o arbitramento a ser realizado, cuja
própria palavra optada demonstra que se trata de arbitragem regulatória.
Diante do exposto, as leis, basicamente, mencionam a composição de conflitos pelas
agências como arbitramento, arbitragem administrativa ou regulatória, já indicando diferenças
com a arbitragem comercial. Com isso, as agências reguladoras podem ser árbitras nas
arbitragens regulatórias, conforme as previsões legais.
No caso da arbitragem comercial, Alexandre Freitas Câmara (2002, p. 145) se
posiciona contrariamente à figuração das agências reguladoras como câmaras, tendo em vista
que entende que o instituto arbitral é um meio extra-estatal de resolução de conflitos e que na
atuação em questão essas entidades não estariam exercendo uma atividade tipicamente
administrativa. Pode-se estender essa negativa para figurarem como tribunal arbitral. Sérgio
22
Guerra, por seu turno, possui concepção ainda mais restrita, compreendendo a arbitragem
comercial como inadequada às agências reguladoras pela função e o propósito institucional
dessas (2016, p. 867).
De forma distinta, Roberto Bacellar não vislumbra entraves. Nesse sentido, não
haveria problemas em “funcionar como tribunal arbitral, exercendo plenamente sua função
jurisdicional, havendo ao revés enorme vantagem, visto que detentora de conhecimento
técnico específico do setor” (BACELLAR, 2003, p. 157).
CONCLUSÃO
É essencial ao instituto arbitral a autonomia de vontade das partes, seja para a opção
pela arbitragem ou pela escolha dos árbitros. Em sede da agência reguladora como árbitro,
essa flexibilidade do procedimento arbitral se apresentaria de forma relativizada, bem como a
liberdade de contratar das partes.
Assim, de forma inicial, nota-se uma possível ausência de pressupostos necessários
para que se viabilize a atuação das agências como árbitras em processos de arbitragem
comercial, na medida em que, até em razão da capacidade sancionadora, e por ser membro da
administração indireta, restaria configurado uma arbitragem compulsória, o que é vedado pelo
ordenamento jurídico pátrio, conforme delineado ao longo do presente trabalho.
No mesmo sentido, as agências reguladoras são dotadas de autonomia financeira,
gerencial e relativa independência em relação ao Poder Executivo. Entretanto, no exercício da
sua função judicante, verifica-se uma estrita legalidade paralisante e um insuficiente processo
administrativo capaz de que se admita que suas decisões se tornem vinculadas e definitivas.
Insto se dá, a nosso ver, dentre outros fatores, em razão da instituição de um modelo híbrido
de regulação no Brasil, em que se busca adequar uma atuação própria do direito
consuetudinário ao sistema legalista característico do civil law, que adota uma jurisdição una.
Adicionalmente, não podem ser árbitras na arbitragem comercial, já que não
preenchem o requisito do art. 13, Lei 9.307, ou seja, ser pessoa física. Contudo, parece-nos
que tal vedação pode ser superada com a indicação/nomeação de um funcionário da autarquia
pra exercer a função de árbitro, o que, inclusive, traria positivas repercussões no processo
23
arbitral, uma vez que o quadro das agências, via de regra, é composto por indivíduos com
grande tecnicidade.
Além disso, destacamos que a imparcialidade ou a independência necessária ao árbitro
poderia restar afetada, já que apesar da autonomia dessas autarquias, sabe-se que o mercado
reiteradamente busca a captura dos agentes públicos atuantes na regulação, o que poderia
comprometer o processo arbitral. Mais que isso, não só o mercado poderia realizar essa
interferência em eventual atuação da agência, mas o próprio Estado, dado que, ainda que
indiretamente, fazem as agências parte da administração pública, não podendo atuar de
maneira alheia ou oposta as diretrizes políticas impostas pelo executivo, sob pena de
usurparem uma legitimidade que não lhe foi dada.
Posicionamo-nos, pois, de modo semelhante à Alexandre Câmara e Sérgio Guerra pelo
não cabimento das agências reguladoras figurarem como árbitras nas arbitragens comerciais
pelas seguintes questões: i) jurisdição una; ii) impossibilidade de pessoa jurídica ser árbitro;
iii) provável afetação da imparcialidade e da independência.
Lado outro, acreditamos na plena possibilidade da atuação das agências como árbitro
no processo arbitral regulatório. Não só, defendemos que essa atuação seja ampliada, e que
uma vez respeitadas às condições do procedimento arbitral e os princípios inerentes ao
processo administrativo, seja o judiciário cada vez menos necessário no sistema regulatório
arbitral.
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