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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE ARTES E LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS
Alessandra da Silva
ANATOMIA E BOTÂNICA: REFLEXÕES SUBJACENTES EM ARTE
CONTEMPORÂNEA
Santa Maria, RS 2019
Alessandra da Silva
ANATOMIA E BOTÂNICA: REFLEXÕES SUBJACENTES EM ARTE CONTEMPORÂNEA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Artes Visuais /PPGART da
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS),
como requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Artes Visuais
Orientador: Prof. Dr. Paulo César Ribeiro Gomes
Santa Maria, RS
2019
Alessandra da Silva
ANATOMIA E BOTÂNICA: REFLEXÕES SUBJACENTESEM ARTE CONTEMPORÂNEA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais /PPGART da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Artes Visuais
Aprovado em 08 de março de 2019:
_________________________________ Paulo César Ribeiro Gomes, Dr. (UFSM)
(Presidente/Orientador)
__________________________________ Altamir Moreira, Dr. (UFSM)
__________________________________
Lilian Maus Junqueira, Dr.ª (UFRGS)
Santa Maria, RS 2019
DEDICATÓRIA
Essa dissertação é dedicada a você, familiar ou amigo, que acreditou no meu
potencial, incentivou e compreendeu minhas ausências nessa trajetória.
Especialmente meus pais Hildo e Maria Geci, meus primeiros professores, os quais
me ensinaram as lições mais valiosas, aquelas que não se aprendem nos livros,
nem nas cadeiras acadêmicas, sem as quais jamais atingiria esse objetivo tão
almejado.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos que, de alguma forma, contribuíram com o desenvolvimento dessa
pesquisa.
Muitas foram as pessoas que compartilharam conhecimento, dedicaram seu tempo,
somaram esforços e apontaram caminhos para a concretização deste trabalho.
Desta forma, expresso minha gratidão:
Ao meu orientador Paulo Gomes, por ter me aceito como orientanda, pela confiança
depositada em mim, toda sua disponibilidade, paciência e ensinamentos.
Aos professores da banca Altamir Moreira, Lilian Maus Junqueira e Reinilda de Fátima
Berguenmayer Minuzzi pelas contribuições e apontamentos na minha pesquisa.
Ao PPGART/UFSM pela oportunidade que me foi dada através do ingresso nesse
curso, e o apoio institucional em todos os momentos necessários.
Aos ex professores da Graduação e Pós-Graduação da Unochapecó, especialmente
o professor Ricardo de Pellegrin, pelo apoio e encorajamento.
RESUMO
ANATOMIA E BOTÂNICA: REFLEXÕES SUBJACENTES EM ARTE CONTEMPORÂNEA
AUTORA: Alessandra da Silva ORIENTADOR: Paulo César Ribeiro Gomes
A presente investigação em Poéticas Visuais, desenvolvida na Linha de Pesquisa Arte e Visualidade, tem como objetivo explorar as potencialidades poéticas do desenho de Anatomia e Botânica na arte contemporânea. Nesse contexto é feito um panorama histórico da representação naturalista, suas relações com a Anatomia e Botânica e suas contribuições para as poéticas visuais. Considerando que a produção em arte contemporânea está vinculada a uma prática teórico-reflexiva, essa abordagem se dá através de uma aproximação de questões históricas que dialogam com a produção. Durante o processo são analisadas obras de artistas contemporâneos que estabelecem relação com Anatomia e Botânica, alguns por apresentar esses elementos de forma isolada e outros por mesclar as duas abordagens. Utilizando a poiética na busca de construção dos significados da obra em seu processo, através da ação – reflexão – ação, os resultados apresentam um hibridismo entre anatomia humana e vegetal. Através de analogias das formas do corpo e determinadas espécies vegetais, essa visualidade das formas, que se materializa através do desenho, permite estabelecer reflexões sobre o conhecimento popular e o uso de plantas para as curas do corpo.
Palavras-chave: Arte Contemporânea. Arte e Visualidade. Poéticas. Anatomia e Botânica. Desenho.
ABSTRACT ANATOMY AND BOTANY: FUNDAMENTAL REFLECTIONS IN CONTEMPORARY
ART
AUTHOR: Alessandra da Silva ADVISOR: Paulo César Ribeiro Gomes
The present study in Visual Poetics, developed in the Line of Research Art and Visuality, aims to explore the poetic potentialities of Anatomy and Botany design in contemporary art. First, by the context, an overview is made of the trajectory of naturalistic representation, its relations with Anatomy and Botany and its contributions to visual poetics. In view of the production in contemporary art is entailed to a theoretical-reflexive practice, this approach comes through an approximation of historical issues that discourse with production. During the process are analyzed works of contemporary artists that establish relations with Anatomy and Botany, some to present these elements in isolation and others to mix the two approaches. Using poietics in the search for creation of the meanings of the work in its process, through “action - reflection – action”, the results present a hybridism between human and vegetal anatomy. Through analogies of body shapes and certain plant species, this visuality of shapes, which materializes through drawing, allows us to establish reflections on popular knowledge and the use of plants for the cure of the body.
Keywords: Contemporary Art. Art and Visuality. Poetic. Anatomy and Botany. Drawing.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 – Pesquisa de cores/pigmentos naturais por meio de fricção, 2011 ........ 24 FIGURA 2 – Natureza, cores, formas e texturas, Fotografia, 2014 ........................... 25 FIGURA 3 – Estudo de pitanga, aquarela sobre papel Canson, 2016 ...................... 26 FIGURA 4 – O que eu vejo, aquarela sobre papel Canson, 2016 ............................. 27 FIGURA 5 – O que trago em mim, aquarela sobre papel Canson, 2016 .................. 28 FIGURA 6 – Autorretrato I, aquarela sobre papel Canson, 2015 .............................. 29 FIGURA 7 – Giuseppe Arcimboldo, Vertumnus, 1590 .............................................. 30 FIGURA 8 – Autorretrato II, aquarela sobre papel Canson, 2016 ............................. 31 FIGURA 9 – Página em pergaminho do Aniciai Julianae Codex, 40 d.C .................. 34 FIGURA 10 – Parte do afresco de Acrotili, séc. 16 a.C ............................................. 35 FIGURA 11 – Detalhe - representação de pombas e flor de pêra ............................. 36 FIGURA 12 – Leonardo da Vinci, Lírio Branco, 1472 ................................................ 38 FIGURA 13 – Albrecht Dürer, Nossa Senhora com a Íris .......................................... 39 FIGURA 14 – Albrecht Dürer, Tufo de ervas ............................................................. 39 FIGURA 15 – Registros Expedição Botânica Real para o Novo Reino de Granada . 41 FIGURA 16 – Frans Post, Paisagem Brasileira, Museu do Louvre ........................... 43 FIGURA 17 – Albert Eckhout, Natureza Morta .......................................................... 43 FIGURA 18 – Nicolas Antoine Taunay, Cascatinha da Tijuca. 1816-1821 ................ 45 FIGURA 19 – Jean–Baptiste Debret, Femme Camacan Mongoy ............................. 46 FIGURA 20 – Plantas do Brasil, (Emissão 1834 - 1839) ........................................... 46 FIGURA 21 – Jean - Baptiste Debret, Retorno dos escravos de um naturalista, 1826 .................................................................................................... 47 FIGURA 22 – Moritz Rugendas, O desmatamento, 1835 ......................................... 48 FIGURA 23 – Friedrich Georg Weitsch, Retrato de Alexander Von Humboldt, 1826 .................................................................................................... 50 FIGURA 24 – Alexander Von Humboldt e Aimé Bonpland,Plantae Aequinoctiales, 1805 .................................................................................................... 51 FIGURA 25 – Herman Rudolph Wendroth, Prancha Botânica, 1852 ........................ 52 FIGURA 26 – Manuel de Araújo Porto Alegre, Floresta brasileira, 1856 ................... 53 FIGURA 27 – Miscelânea médica, Iluminura Anatômica de Veias, Inglaterra XIII .... 55 FIGURA 28 – Leonardo Da Vinci, Músculos do ombro, braço e ossos do pé. Desenho,1510 -1511 .......................................................................... 57 FIGURA 29 – Andreas Vesalius, De humanicorporis fabrica libriseptum,1543 ......... 58 FIGURA 30 – Daniel Rabel, Gravura de Narcisos, Página do Theatrum Florae ....... 64 FIGURA 31 – Leonardo da Vinci, Demonstração conjugada do sistema respiratório, vascular, e genito-urinário do corpo feminino, Desenho, 1510 ........... 65 FIGURA 32 – Leonardo da Vinci, Crânio humano seccionado, Windsor, Desenho, 1489 .................................................................................................... 67 FIGURA 33 – Diana Carneiro, Sophronitis coccínea, 1998 ....................................... 68 FIGURA 34 – Rembrandt, A Lição de Anatomia do Dr. Tulp, 1632 ........................... 71 FIGURA 35 – Aula pública de anatomia ICBS- UFRGS, 22 de maio de 2018 .......... 72 FIGURA 36 – Caderno de estudos, Desenho, 2018 ................................................. 73 FIGURA 37 – Juan Valverde de Amusco, Ilustração do livro - A história da composição do corpo humano. Roma, 1560 ...................................... 75 FIGURA 38 – Gunther Von Hagens, Corpo plastinado. 1994 ................................... 75 FIGURA 39 – Margaret Mee, “Clusiagrandiflora” ...................................................... 77 FIGURA 40 – Margaret Mee, “Strophocactuswittii” ................................................... 77 FIGURA 41 – Estudos de plantas, Aquarela sobre papel Canson, 2017 .................. 78
38
FIGURA 42 – Herman de Vries, Juniperus comunnis, 2014 ..................................... 82 FIGURA 43 – Mark Dion, Herbarium, 2012 .............................................................. 83 FIGURA 44 – Nunzio Paci, O crescimento lento da carne, Pintura, 2015 ................ 85 FIGURA 45 – Sérgio Allevato, Heliconia musculus, 2006 ........................................ 86 FIGURA 46 – Sérgio Allevato, Flora Carioca, 2011 .................................................. 86 FIGURA 47 – Walmor Corrêa, Série Super Heróis, 2005 ......................................... 87 FIGURA 48 – Juan Gatti, Colagens da série La piel que habito, 2011 ..................... 88 FIGURA 49 – Marco Mazzon, Hibiscus, Lápis de cor sobre papel, 2010 ................. 90 FIGURA 50 – Guto Nobrega, Ephemera, Vídeo e projeção, 2008 ........................... 91 FIGURA 51 – Yui Ishibashi, Kemono, Escultura, 59 x 42 x 38 cm ............................ 92 FIGURA 52 – Michael Reedy, Malum A, Técnica mista sobre papel ........................ 93 FIGURA 53 – A flor da pele, Aquarela sobre papel Canson, 2017 ........................... 97 FIGURA 54 – Aflorar, Aquarela sobre papel Canson, 2017...................................... 99 FIGURA 55 – Exemplo citado por Philip Hallawel .................................................. 100 FIGURA 56 – Estudos de composição, aquarela sobre papel Canson, 2017......... 101 FIGURA 57 – Livros de família ............................................................................... 103 FIGURA 58 – Caderno de Colagens, 2017 ............................................................. 104 FIGURA 59 – Desenhos com Colagens de Plantas, 2017...................................... 105 FIGURA 60 – Revigorar, Aquarela sobre papel Canson, 2018 ............................... 107 FIGURA 61 – Renascer,Aquarela sobre papel Canson2018 .................................. 108 FIGURA 62 – Desenvolvimento das obras Renascer e Revigorar, 2018 ............... 109 FIGURA 63 – Detalhes no desenvolvimento das obras, 2018 ................................ 110 FIGURA 64 – Fecundar, Desenho sobre papel Canson, 2018 ............................... 111 FIGURA 65 – Purificar, Desenho sobre papel Canson, 2018 ................................. 112 FIGURA 66 – Exposição Interações Arte e Ciência, Sala Cláudio Carriconde – Centro de Artes e Letras/UFSM, Santa Maria/RS, 2018 .................. 113 FIGURA 67 – Intervenção na Praça Emílio Zandavalli, Chapecó/SC, 2018 ........... 116 FIGURA 68 – Relógio do corpo humano, Atividade com alunos, 2016 .................. 117 FIGURA 69 – Pessoas observando a Intervenção, Chapecó/SC, 2018 ................. 118 FIGURA 70 – Escolha dos locais e inserção das placas, Chapecó/SC, 2018 ........ 119 FIGURA 71 – Envelopes com sementes, 2018 ...................................................... 119
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................... 21
1 CONFLUÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS ENTRE ARTE E CIÊNCIA ..................... 23
1.1 PERCURSO POÉTICO ....................................................................................... 23
1.2 NATURALISMO CIENTÍFICO E ILUSTRAÇÃO BOTÂNICA NO CONTEXTO
DOS ARTISTAS VIAJANTES .............................................................................. 32
1.3 OS ARTISTAS E A ANATOMIA: PROCESSOS CRIATIVOS ENTRE ARTE E A
CIÊNCIA .............................................................................................................. 55
2 ENTRE A TÉCNICA, A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO DE SENTIDO ................. 61
2.1 A ARTE DAS IMAGENS NAS CIÊNCIAS NATURAIS ........................................ 61
2.2 REFLEXÕES ENTRE A TÉCNICA E A ESTÉTICA ............................................ 69
2.3 ARTE CONTEMPORÂNEA: CONFLUÊNCIAS COM O NATURALISMO CIENTÍFICO ........................................................................................................ 79
3 ANATOMIA E BOTÂNICA: UMA POÉTICA EM PROCESSO ........................... 95
3.1 A VIAGEM DA ARTISTA PELA FLORA INTERIOR ............................................ 95
3.2 O CORPO QUE HABITO .................................................................................. 114
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 121
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................. 123
000 0
21
INTRODUÇÃO
A pesquisa tem como tema explorar através de técnicas do desenho, as
possibilidades poéticas do naturalismo científico, a partir do hibridismo entre o corpo
e as plantas. Essa investigação parte de duas motivações que me acompanham há
algum tempo, seja no cotidiano ou nas investigações acadêmicas. Por um lado, o
interesse por técnicas de desenho as quais me dedico aprender e aprimorar no
decorrer dos anos, e por outro lado, uma preocupação em pensar as relações entre
arte, ciência e a produção de sentido através de representações do corpo em
interação com elementos da natureza. Nesse contexto surge o questionamento: como
potencializar as questões estéticas envolvendo o desenho científico como elemento
na produção em arte contemporânea? A partir dessa indagação estabeleço como
objetivo explorar através da expressão gráfica – desenho - as potencialidades
poéticas nas fronteiras e nas pontes entre a arte e ciência.
A temática é abordada do ponto de vista do artista, consistindo na investigação
da poética visual, a partir da produção artística e seu processo, assim como das
trajetórias pessoais, contextualização histórica e reflexão crítica. Considerando que
boa parte da produção em arte contemporânea está vinculada a uma prática teórico-
reflexiva que serve de suporte e apoio, fornecendo embasamento aos processos dos
artistas. O ponto de partida dessa investigação é a hipótese que, as relações entre
arte e ciência atravessam continentes e tempos, chegando até a contemporaneidade,
onde se fazem presentes na produção artística atual. Como suporte teórico, utilizo a
pesquisa bibliográfica e análise de imagens.
A revisão bibliográfica tem como base publicações, na área das artes visuais e
autores que referem sobre as origens do naturalismo científico e o legado dos artistas
naturalistas tais como: Gombrich (1995), Kemp (2005), Capra (2011), Zubaran (2003);
bem como, biografias que abordam questões técnicas inerentes à ilustração científica
citando os autores: Rix (2014), Carneiro (2011), Correia (2009). Tais referências
permitem estabelecer um percurso das relações entre arte e ciência, tendo como
elemento em comum a representação naturalista.
No Capítulo I, apresento um levantamento de trabalhos fundamentais na minha
trajetória artística que levaram a essa investigação, posteriormente ingresso no
contexto históricodo naturalismo científico e das relações entre arte e ciência. Nesse
22
percurso o desenho naturalista se destaca como elemento comum entre Anatomia e
Botânica, sendo fundamental para a documentação de espécies vegetais, para
estudos de anatomia humana, deixando importantes contribuições na história da arte.
No Capítulo II faço uma análise sobre as questões estéticas e técnicas
envolvendo o desenho de uso científico e como essa produção de imagem se
relaciona com as produções em arte contemporânea. Nesse texto discorro sobre as
principais técnicas, relacionados à ilustração de plantas, sendo que dentre elas se
destacam elementos como composição, enquadramento, harmonia, proporção,
equilíbrio garantindo um caráter estético que alia rigor e beleza para a motivação de
sentidos no observador. Alguns artistas contemporâneos trazem esses elementos no
desenvolvimento de suas poéticas. Dentre eles destacam-se: Herman de Vries
(Alkmaar – Holanda,1931), Mark Dion (Massachusetts – EUA, 1961), NunzioPaci
(Bologna –Itália, 1977), Sergio Alevatto (Rio de Janeiro –Brasil, 1971), Walmor Correa
(Florianópolis – Brasil, 1962), Juan Gatti (Argentina, 1950), Marco Mazzoni (Milão,
1982), Guto Nóbrega (Brasil, 1965), YuiIshibashi (Japão, 1985), Michael Reedy
(Estados Unidos, S/D).
O Capítulo III apresenta as fronteiras e [entre]cruzamentos da Anatomia e
Botânica a partir das reflexões sobre o processo poiético. Essas reflexões perpassam
questões simbólicas e propriedades curativas das plantas exploradas pelo homem.
Inicialmente as plantas aparecem nos desenhos em uma relação externa, constituindo
um emaranhado que envolve os corpos. No decorrer do processo as obras passam a
estabelecer analogia entre as similaridades formais da anatomia vegetal e humana.
Considerando que a arte contemporânea possibilita uma mescla entre o antigo
e o novo,as obras resultantes desses processos, integram produção artística e
reflexão teórica, carregando em si discursos e apontando questões relevantes,
diálogos e confrontos entre o “eu” e o mundo. Esses diálogos que a arte
contemporânea proporciona nos fazem refletir sobre as mudanças sociais e culturais
vivenciadas nos últimos séculos, onde torna-se cada vez mais comum a dilatação de
fronteiras e pontes entre as diversas áreas de conhecimento.
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1 CONFLUÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS ENTRE ARTE E CIÊNCIA
1.1 PERCURSO POÉTICO
Para dar clareza na construção do processo artístico, retomo algumas
lembranças pessoais que tiveram importância no desenvolvimento dessa pesquisa.
Dentre as questões que são fundamentais na trajetória artística originando essa
investigação, são relevantes as relações com plantas e com o desenho.
Durante minha infância acompanhava meus pais nos trabalhos da agricultura
onde costumava muitas vezes, como uma brincadeira, embrenhar-me nas matas
coletando plantas, que por vezes guardava no meio dos cadernos, outras macerava e
utilizava em desenhos como tentativa de representação da cor. As plantas sempre me
atraiam por suas formas, cores, texturas e aromas.
O desenho sempre foi muito presente através da observação da forma e da
tentativa de representação realista, por hora frustrada por falta de conhecimento
técnico, contudo, o exercício contínuo me levou ao desenvolvimento de alguma
habilidade.
Meu primeiro contato com o desenho científico se deu na adolescência quando
fui incentivada por minha irmã que me apresentou livros de ciências ricamente
ilustrados. Essas imagens me chamaram muito atenção, desde então, passei a
auxiliá-la reproduzindo os desenhos dos livros em maior escala para uso didático nas
suas aulas. O gosto e o contato com o desenho foram aumentando com o passar dos
anos me levando a cursar desenho na escola de artes e mais tarde a ingressar o
Curso de Artes Visuais Bacharelado na Unochapecó.
Outro momento importante foi o meu contato com a ilustração botânica, no ano
de 2010, ao comercializar algumas telas com representações de orquídeas conheci,
uma agrônoma a qual me apresentou os trabalhos de Margaret Mee (1909-1988) e
Dulce Nascimento (1958), através de uma série de revistas ricamente ilustradas,
desde então, passei a pesquisar sobre ilustradores e sobre ilustração botânica. Foi
um momento em que muitas coisas as quais já me relacionava começaram a fazer
sentido: o gosto pelo desenho, a arte de ilustrar a ciência, as minhas relações com as
plantas, com as cores e formas da natureza.
Durante a complementação do curso de Licenciatura em Artes Visuais pela
UNIASSELVI no ano de 2011, escolhi como tema de estágio A expressividade da arte
24
através das cores produzidas a partir de pigmentos naturais: pesquisa e
experimentação (Figura 1), visando promover uma reflexão sobre a presença das
cores a partir dos elementos da natureza. No desenvolvimento das aulas, foram
realizadas experimentação e descoberta de coresatravés de plantas, por meio de
fricção, produção de aquarelas com pigmentos naturais, para através destas, ilustrar
a natureza. Foi um trabalho muito gratificante, porém senti algumas lacunas nas
pesquisas referentes às relações entre arte, ciência e ilustração botânica.
Figura 1 – Pesquisa de cores/pigmentos naturais por meio de fricção, 2011.
Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2011).
Ao ingressar na Pós-Graduação em Ensino de Arte: Perspectivas
Contemporâneas na Unochapecó em 2015, nas aulas de Desenho na
Contemporaneidade, comecei a pesquisar artistas contemporâneos que trabalham
com desenho. Desde então os elementos de Anatomia e Botânica passaram a ser
tema de uma proposta poética, pautada em princípios naturalistas e sustentada pela
ressignificação de elementos da natureza.
25
A compreensão da representação de fragmentos da natureza como elementos
na produção poética inicialmente se deu a partir de um trabalho da disciplina de
Fotografia, onde retratei cores, formas e texturas a partir de elementos da natureza
(Figura 2).
Figura 2 – Natureza, cores, formas e texturas, Fotografia, 2014.
Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2014).
Após o desenvolvimento das fotografias, passei a estudar algumas dessas
formas através de técnicas de desenho em aquarela. A abordagem desses elementos
configura-se a partir de reflexões, sobre as relações que as pessoas estabeleceram
com as plantas no passado e como isso ocorre atualmente.
Na correria da vida moderna a maioria das pessoasnão contempla pequenos
espetáculos da natureza que ocorrem diariamente, através desse trabalho busco
despertar olhares, sensações, sentimentos e emoções que os elementos da natureza
nos causam através da poesia escondida em cada um. A percepção da natureza
enquanto recurso infinitamente explorável exige uma retomada de valores, atitudes e
26
novos conhecimentos. É preciso enfrentar a incerteza que vivemos para repensarmos
as relações entre o homem e a natureza.
Ao analisar esses fragmentos, primeiramente foram feitos estudos, em
formatos de ilustrações botânicas (Figura 3), de plantas que possuem relações com
vivências e experiências. Esses estudos formam uma espécie de resgate de
memórias. Algumas me agradam pela forma outras pelas cores, cheiros e sabores.
Na produção dos desenhos, foi explorada a técnica de aquarela, muito comum na
ilustração botânica, por possibilitar a representação de detalhes através da
transparência e da sobreposição de camadas.
Figura 3 – Estudo de pitanga, aquarela sobre papel Canson, 15 x 21 cm, 2016.
Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2016).
A partir desses elementos se deram as composições de autorretratos. Desde a
pré-história quando o homem deixou marcado nas paredes das cavernas suas mãos
em negativo, há uma busca pela auto representação, seja pelas formas tradicionais
da arte clássica, ou pela busca de novas mesclas e hibridizações, o artista imprime
seus anseios daquele momento, sem preocupar-se em agradar mais alguém, senão
27
a si mesmo. O autorretrato funciona como uma autobiografia uma visão do artista
sobre si próprio.
O primeiro trabalho da série de retratos intitulado O que eu vejo (2016) (Figura
4), apresenta meu olhar para esse mundo de cores e formas da natureza.
Figura 4 – O que eu vejo.Aquarela sobre papel Canson, 42 x 60 cm, 2016.
Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2016).
A percepção aguçada para cada detalhe está intrinsecamente relacionada ao
olhar, olhar atento me acompanha desde a infância. Pequenos detalhes e fragmentos
despertam minha atenção, revelam formas, texturas e cores variadas.
Para Leonardo da Vinci “O olho, do qual se diz a janela da alma”1 (in. Kemp,
2005, p. 50), reflete o que está lá fora, mas se constitui no interior, ou seja, é uma
fusão das visões interiores e exteriores. Nesse sentido ver e olhar caminham
paralelamente, embora o ato de ver esteja relacionado ao sentido físico da visão, algo
1 Leonardo Da Vinci - Nascido no vilarejo de Vinci, na região de Florença, Itália, em 15 de abril de 1452, foi pintor, desenhista, escultor, arquiteto, astrônomo, além de engenheiro de guerra e engenheiro hidráulico entre outros ofícios.
28
mais imediato, enquanto que, o ato de olhar é algo mais contemplativo, demorado,
suscita pensar, relacionar conhecimento, razão e a emoção.
O segundo trabalho da série de retratos se chama O que trago em mim (2016)
(Figura 5) trata-se de um retrato de minhas mãos, carregadas de plantas e uma
borboleta.
Figura 5 – O que trago em mim. Aquarela sobre papel Canson, 42 x 60 cm, 2016.
Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2016).
Esse trabalho traz a dualidade entre a exuberância e a decomposição, entre o
que se toca e o que se desfaz, abordando implicitamente o papel do naturalista como
um coletor que busca na natureza seus elementos de estudo.
Na arte, as mãos aparecem presentes como elemento simbólico desde a arte
primitiva, passando pela arte clássica chegando à arte contemporânea aonde ainda
levanta questionamentos. Trabalhar o aspecto poético das mãos aborda
implicitamente as sensibilidades táteis do ‘eu’ como sujeito do corpo e as impressões
sensíveis do contato com as coisas materiais.
29
Em Autorretrato I (2016) (Figura 6) o rosto é representado sendo tomado por
um emaranhado de plantas, no qual ora prevalece o escuro do esfumado, ora
prevalece o colorido da aquarela.
Figura 6 – Autorretrato I. Aquarela sobre papel Canson, 42 x 60 cm, 2015.
Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2015).
Na história da arte, a produção de autorretratos segue o desenvolvimento do
gênero retrato destacando-se na arte europeia, acompanhando os anseios da corte e
da burguesia de projetar suas imagens através dos retratos realizados sob
encomenda, assim, o retrato atravessou diferentes escolas, estilos e técnicas.
Ao buscar um recorte do gênero retrato em sua extensa produção na história
da arte, tomo como referência o trabalho representativo do artista Giuseppe
Arcimboldo2. A cidade de Milão, na Itália onde o artista viveu foi considerada o berço
2 A data do nascimento de Giuseppe Arcimboldo não é conhecida e muito pouco se sabe sobre sua infância também. No entanto, existem certas evidências da história, que sugerem que ele nasceu no ano de 1527 em Milão, na Itália.
30
do naturalismo, um modo de expressão artística baseada na observação direta
da natureza.
Figura 7– Giuseppe Arcimboldo, Vertumnus, retrata o Imperador Rudolfo II, Óleo sobre madeira, 70,5 x 57,5 cm, Skoklosters Slott, Balsta, Suécia, 1590.
Fonte: (Site Vírus da Arte & Cia3).
No gênero retrato constitui os rostos a partir de elementos da fauna e da flora,
como podemos observar na obra Vertumnus (Figura 7) (1590). Suas pinturas não
demonstram apenas uma fusão de arte e ciência, mas também proporcionam uma
enciclopédia de plantas e animais. Arcimboldo foi o artista da corte do imperador
Maximiliano II, em uma época de forte interesse pela exploração e estudos da
natureza, o imperador transformou sua corte num centro de estudo científico,
reunindo cientistas e filósofos de toda a Europa, criando um jardim botânico e um
parque zoológico. Ele teve acesso a essas vastas coleções sobre fauna e flora, suas
obras estão relacionadas a temas da natureza e mostraram sua habilidade e precisão
como ilustrador e seu conhecimento como naturalista.
3 Disponível em: <http://virusdaarte.net/giuseppe-arcimboldo-vertumnus/> Acesso em: 22 de dez. 2018.
31
Em Autorretrato II (2016) (Figura 8), as plantas prevalecem compondo
totalmente o retrato, representando, de modo simbólico, um pensamento que é
invadido por completo por esse desejo do olhar e do representar.
Figura 8 – Autorretrato II. Aquarela sobre papel Canson, 42 x 60 cm, 2016.
Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2016).
As memórias se evidenciam através dos fragmentos de plantas, cheios de
detalhes que compõem a visualidade dos retratos. As imagens resultantes desse
processo apresentam características distintas iniciando com estudos de elementos
botânicos isolados, posteriormente a sobreposição desses elementos sobre partes do
rosto e mão, finalizando com a estruturação do rosto com as plantas. Os desenhos
carregam em cada elemento detalhes que afloram das minhas percepções e relações
a Anatomia e Botânica.
32
1.2 NATURALISMO CIENTÍFICO E ILUSTRAÇÃO BOTÂNICA NO CONTEXTO DOS
ARTISTAS VIAJANTES
Ao propor uma reflexão sobre as fronteiras e pontes entre: arte, ciência e as
complexidades que as norteiam, parto do princípio de que o desejo de representação
de elementos da natureza acompanhou o homem no decorrer da história com funções
diferenciadas, mas em linha cronológica, observa-se um percurso evolutivo que
originou o que conhecemos hoje como Ilustração Científica.
O desenho é um das formas de expressão mais antiga que acompanha o
homem no decorrer da história, desde as suas primeiras manifestações na arte
rupestre, demonstra um forte potencial comunicativo. A partir da pré-história podemos
observar imagens de representações naturalistas, embora nesse período tais imagens
ainda não se configurem como algo científico. Segundo a ilustradora botânica e pesquisadora Diana Carneiro (2011),
entende-se por arte naturalista a representação dos elementos da natureza de
maneira que possam ser facilmente reconhecíveis, segundo ela o desenho naturalista
se manifesta com mais vigor em algumas épocas do que em outras, se fazendo
presente na arte rupestre e posteriormente entre egípcios, gregos e romanos.
Têm-se representações naturalistas na pré-história – como a arte rupestre – entre os egípcios e gregos, na antiguidade, poucas manifestações no período medieval e um afloramento no Renascimento, com a incorporação dos princípios estéticos desta escola. As marcas renascentistas da arte naturalista determinam outros movimentos subsequentes. (CARNEIRO, 2011, p. 27)
Ao analisarmos as relações entre arte e ciência percebemos em comum o
emprego de recursos das artes visuais na documentação e estudos de espécies
vegetais, animais ou a paisagem, assim como no campo das artes, artistas em
diferentes épocas e com diferentes olhares utilizaram-se de conhecimentos científicos
como base para em seus processos criativos.
Diana Carneiro (2011) aponta a ilustração botânica, como um dos segmentos
da vasta área de abrangência da Ilustração Científica dentro do contexto das Ciências
Naturais.
33
A ilustração botânica é apenas um dos segmentos da ilustração biológica, ao lado da ilustração zoológica, paleontológica e demais áreas de estudo das chamadas ciências naturais. Fazem parte ainda dessa área as ilustrações histológicas, moleculares, as descrições de ambientes, nichos ecológicos e comportamento animal. A ilustração médica se constitui área à parte, assim como as elaboradas para as Ciências da Terra (Geologia, Geografia, Cartografia) Astronomia e Antropologia. Todas elas juntas formam o que se denomina Ilustração Científica. (CARNEIRO, 2011, p.24)
A ilustração botânica se desenvolveu ao longo dos tempos, acompanhando a
evolução das civilizações. Tais representações relacionam-se ao uso de plantas em
diferentes culturas no decorrer da história. Ao buscarmos referências na história sobre
as relações entre a utilização de plantas pelas civilizações humanas supõe-se que
plantas tenham sido utilizadas desde os primórdios, essas atribuições têm como base
o conhecimento de tribos indígenas isoladas que ainda preservam a tradição e o uso
de princípios ativos de plantas.
Os primeiros textos médicos de que se tem conhecimento remetem ao Egito
Antigo, é possível que os egípcios utilizassem plantas na arte de embalsamar os
corpos, foram encontradas escritas em papiro com receitas de drogas à base de
plantas utilizadas na cura de enfermidades. Segundo Osmar Alves Lameira e José
Eduardo Brasil Pereira Pinto (2008) um desses papiros ficou conhecido como Papiro
de Ebers4 do egiptólogo alemão Georg Ebers, adquiro em 1827 de um cidadão árabe
que diz tê-lo achado na necrópole próxima e Tebas. Este é um dos tratados
médicos mais antigos e importantes que se conhece. Foi escrito no Antigo Egito e
datado de aproximadamente 1550 a.C. Acredita-se que o referido papiro, contendo
cerca de 800 receitas e referência a mais de 700 drogas, incluído absinto, hortelã,
mirra e mandrágora, tenha sido escrito no Século XVI a.C.
No Antigo Egito e em Roma, plantas aparecem representadas em murais com
finalidade decorativa e ornamental. As erupções vulcânicas e terremotos que
destruíram a civilização minóica na cidade de Creta, Acrotíri e Pompéia, preservaram
pinturas em afresco que nos permitem identificar plantas como o açafrão, usado como
aromatizante e corante, bem como: rosas, lírios, papoulas dentre outras. Martyn Rix
(2014) destaca que na China, existem vários registros de ervas medicinais usadas há
cerca de 4.500 anos. Lameira e Pinto (2008) afirmam que existem registros de que no
4 Atualmente o Papiro de Ebers está exposto na biblioteca da Universidade de Leipzig na Alemanha. Fonte: Santillana Richmond Disponível em: <http://www2.richmond.com.br>Acesso em: 16 de Nov. 2018.
34
ano de 1500 a. C., os chineses já possuíam listagem de drogas medicinais, o
imperador Cho-Chin-Kei, possuía a obra mais destacada da farmacologia da China
Antiga. Esses conhecimentos não se espalharam pelo oeste, fato que veio a
desenvolver estudos nessa área bem mais tarde.
Obras datadas do século I a.C. permitem cogitar que as origens do
desenvolvimento de estudos detalhados sobre as propriedades medicinais, com
desenhos e descrições, foram produzidas na Grécia, na Ásia Menor e na Babilônia,
resultando nos primeiros livros dessa área.
De acordo com Rix (2014) os primeiros livros de ilustração botânica retratavam
plantas medicinais, visando ajudar o leitor a identificá-las e a usá-las. O nome de um
dos mais famosos botânicos do século I a.C foi Cratevus, cujo trabalho foi base para
o livro Aniciai Julianae Codex (Figura 9).
Figura 9 – Página em pergaminho do Aniciai Juliana e Codex Escrito por Dioscórides
em Anazarbo, atual Cesareia, Turquia, por volta de 40 d.C.
Fonte: (RIX, 2014, p. 15).
35
Escrito por Dioscórides que nasceu em Anazarbo, atual Cesareia, na Turquia,
por volta de 40 d.C. Esse livro foi copiado inúmeras vezes. Sua versão mais conhecida
é a de Anicia Juliana, filha do imperador romano Olíbrio.
No Antigo Egito e em Roma, plantas aparecem representadas em murais com
finalidade decorativa. Como descreve Rix:
A representação das flores na arte tem uma longa história. A pintura das flores foi originalmente feita por dois motivos principais: decoração ou como um meio de identificação de plantas medicinais. As primeiras representações remanescentes de flores datam do final do período minóico, em Creta e na parte oriental do Mediterrâneo, por volta de 1700 anos atrás. E eram o produto de uma rica cultura de ricos palácios com lírios, açafrão e outras flores usadas para decorar vasos, caçarolas e maravilhosas paredes de quartos. (RIX, 2012, p. 10)
A mais espetacular de todas as pinturas de plantas está localizada no Museu
Nacional de Atena (Figura 10). Trata-se da parede de uma sala inteira com uma única
cena: grandes moitas de lírios com flores vermelhas emergem de uma rocha, em uma
paisagem desgastada pelo calcário e andorinhas dando mergulhos no ar.
Figura 10 – Parte do afresco que decora uma sala descoberta da Era do Bronze, Acrotili Ilha Grega de Santorini, séc. 16 a.C.
Fonte: (RIX, 2014, p.12).
36
No oriente é possível encontrarmos ilustrações de plantas produzidas no século
XIII, geralmente elaboradas sobre pergaminhos com temática de frutas, flores e
pássaros (Figura 11). Na China podemos destacar a existência de vários registros de
ervas medicinais usadas a cerca de 4.500 anos. Jà na europa, no século XV, a
ilustração de plantas faz-se presente em pinturas religiosas, sendo usado como
elementos decorativos e ou simbólicos.
Figura 11 – Detalhe - representação de pombas e flor de pera, tinta e lavagem de cor no papel, produzido na dinastia Yuan por Quian Xuan.
Fonte: (RIX, 2014, p. 10).
Por conseguinte, esses desenhos continuaram servindo como modelo durante
a Idade Média, período em que a ilustração botânica não demonstra evolução
significativa, sendo reproduzidos para a transmissão dos saberes nos mosteiros,
perdendo qualidade por falta de conhecimento e domínio técnico.
Mas foi nos séculos XVI e XVII que ocorreu um novo olhar para as relações
entre a arte e a ciência, marcando uma retomada nos estudos de observação da
natureza. De acordo com os estudos de Rix:
37
No início do século 16 e 17 o interesse se voltou para os livros sobre o crescimento das flores de decoração, conhecidos como florilégios. Imagens dos primeiros jardins de flores europeus também podem ser vistas em pinturas do século 15, mas normalmente carregam significado religioso: lírios, rosas, ísis e cravos são comumente mostrados. (RIX, 2012, p. 11)
Os fundamentos estéticos que norteiam a arte botânica estão embasados em
princípios do naturalismo científico, corrente surgida no Renascimento, tendo como
base o trabalho desenvolvido pelos artistas Leonardo da Vinci e Albrecht Dürer.
Como em inúmeros campos, Leonardo da Vinci (1452-1519) dedicou-se a
estudos científicos demonstrando conhecimento intelectual em muitas áreas.
Segundo Fritjof Capra (2011) o instrumento principal para a representação e análise
das formas da natureza era sua extraordinária facilidade para desenhar, que quase
se igualava a agudeza de sua visão. Observação e documentação se fundiam em um
único ato. Nesse contexto realizou inúmeros estudos de observação de rochas,
movimentos da água, crescimento de plantas, anatomia e movimentos do corpo.
Capra (2011) afirma que “o mundo representado por Leonardo, seja na sua
arte, seja na sua ciência é um mundo que evolui e flui” essa afirmação é baseada em
análises de anotações deixadas pelo artista. Sobre uma folha de desenho anatômico
ele anotou que as veias do corpo humano se comportam como laranjas, as quais
engrossam a casca e diminuem o miolo conforme envelhecem, essas comparações
entre formas orgânicas de espécies diferentes não são simples analogias, mas
demonstram que Leonardo Da Vinci foi um precursor dos estudos sobre tecidos vivos
que mais tarde puderam ser estudadas microscopicamente por outros cientistas para
a compreensão das estruturas celulares. Essa dupla função dos desenhos de
Leonardo, como arte e como instrumento de análise científica, nos fazem pensar que
sua arte não pode ser compreendida sem sua ciência, nem sua ciência sem sua arte.
Na botânica, Leonardo da Vinci realizou inúmeros estudos através da
observação sistemática de plantas, inicialmente realizava estudos de vegetação como
processo para a pintura, estando no âmbito das investigações visuais de forma, cor e
luz, porém tais experimentos adquirem mais tarde o rigor científico da ilustração
botânica.
Os manuscritos botânicos foram produzidos por Leonardo da Vinci a partir de
1500, quando ele tinha 50 anos, conforme expõe Capra:
A sua habilidade nos desenhos botânicos atingiu o ápice em torno de 1508-10, e só depois de 1510, com Leonardo já sexagenário, foi que seus
38
experimentos botânicos se tornaram pesquisas puramente científicas distintas das pinturas. (CAPRA, 2011, p. 19)
O estudo Lírio Branco (1472) (Figura 12) de Leonardo da Vinci é considerado
uma obra prima para a botânica, com a representação precisa dos seis estames do
lírio, o invólucro floral dividido em seis pétalas e a disposição das folhas no caule. Os
conhecimentos científicos de Leonardo não foram divulgados na sua época, seus
contemporâneos o consideravam um indivíduo estranho.
Figura 12 – Leonardo da Vinci, Lírio Branco, 1472, desenho, coleção Windsor, dimensões desconhecidas.
Fonte: (CAPRA, 2011, p. 67).
Segundo Gombrich os processos científicos desenvolvidos por Leonardo,
serviam como um meio de adquirir conhecimento necessário para sua arte.
Sobretudo é provável que o próprio Leonardo não alimentasse a ambição de ser considerado um cientista. A exploração da natureza era para ele, em primeiro lugar e acima de tudo, um meio de adquirir conhecimento sobre o
39
mundo visível – conhecimento de que necessitaria para a sua arte. (GOMBRICH, 1999, p. 294)
A obra científica de Leonardo permaneceu desconhecida ao longo de sua vida
e nos duzentos anos subsequentes à sua morte, suas descobertas pioneiras não
influenciaram diretamente a pesquisa científica dos próximos anos seguintes.
Contemporâneo de Da Vinci, Albrecht Dürer5 (1471-1528) foi outro artista de
grande destaque no campo da ilustração de plantas, ganhando notoriedade pelo alto
grau de fidelidade com que captou meticulosamente os detalhes de seus temas
vegetais. Dessa forma conferindo aos seus desenhos, pinturas e gravuras uma
sofisticada e mimética representação da realidade.
Figura 13 – Albrecht Dürer. Nossa Senhora com a Íris (1505) têmpera sobre painel, dimensões desconhecidas. Figura 14 – Albrecht Dürer. Tufo de ervas, 1503, Guache e aquarela sobre papel, 41,0 x 31,5 cm.
Fonte: (RIX, 2014, p. 22). (BÖING; RIBEIRO, 2014, p. XXII).
5 Nascido em Nuremberg, na Alemanha em 21 de maio de 1471, foi matemático, físico, botânico, zoólogo, desenhista e pintor.
40
Assim como Leonardo, seus estudos minuciosos das plantas serviram de base
para sua pintura. Comparando duas obras do artista Albrecht Dürer é possível
perceber como os estudos dos elementos da natureza influenciaram sua pintura. Nas
obras Nossa Senhora com a Íris (Figura 13) (1505), podemos identificar com precisão
detalhes de videiras, flores e ervas variada, semelhante as plantas representadas em
Tufo de Ervas (1503) (Figura 14) de Albrecht Dürer.
Os temas naturalistas despertaram-lhe tanto interesse que ele esforçou-se ao
máximo na execução de estudos de animais e plantas, sua grande maioria em
aquarelas, esses desenhos serviam de base para toda sua arte. Nesse sentido
Gombrich evidência que:
Dürer esforçou-se em atingir a perfeição em imitar a natureza, não só como um objetivo em si, mas como uma melhor maneira de apresentar uma visão convincente das histórias sagradas, as quais iriam ilustrar em suas pinturas, estampas e xilogravuras. (GOMBRICH, 1999, p. 345)
Embora inicialmente a representação de plantas apresente funções decorativas
e simbólicas, impulsionada pelo forte desejo de conhecimento científico em um
cenário de novas descobertas da biologia, da ciência e do domínio de técnicas de
impressão. A ilustração científica e botânica tomou um rumo próprio distanciando-se
da mera função decorativa.
Entre os séculos XVIII e XIX ocorre o período conhecido como “Era de ouro da
arte botânica”, quando artistas habilidosos cruzaram continentes, desenvolveram
belíssimos estudos de plantas. Em um momento em que a produção científica voltava
olhares para áreas da medicina e da agronomia, o trabalho de campo envolvendo
descrição anatômica e fisiológica desempenhava importante papel, muitas espécies
eram coletadas em organizadas nos jardins botânicos, transformando-se em
importantes materiais de pesquisa e experimentos. Assim os jardins botânicos
transformaram-se em locais para instruções de boticários, de médicos, de cirurgiões,
de agricultores e grupos de amadores interessados em desenvolver estudos de
História Natural.
O contexto latino americano despertava o interesse dos artistas da época pelo
cenário exótico tropical. Catlin, em um dos capítulos do livro Arte na América Latina
nos aponta as relações entre a arte, a ciência e a documentação de espécies do
continente europeu.
41
A realidade de um mundo que estava além dos horizontes europeus conhecidos foi gradativamente despertando a atenção das principais nações navegadoras e, depois no século XVIII, começou-se a buscar seriamente informações que fossem confiáveis, capazes de proporcionar a posse e o comércio das riquezas americanas. Aproveitando de maneira pragmática as oportunidades que agora entreviam, essas nações passaram a enviar expedições marítimas que combinavam a exploração geográfica com um trabalho cuidadosamente planejado por artistas a fim de que, com objetividade fossem registradas formas desconhecidas da vida vegetal, animal e humana. (CATLIN apud. ADES, 1997, p. 42 - 43)
No que se refere aos artistas viajantes e à ilustração botânica na América
Latina, Catlin (1997, p.43) destaca a Expedição Botânica Real para o Novo Reino de
Granada, dirigida pelo médico e botânico José Celestino Mutis, a expedição durou 33
anos e produziu mais de 5.330 estudos sobre espécies da flora do planalto
colombiano, como podemos observar na (Figura 15).
Figura 15 – Registros Expedição Botânica Real para o Novo Reino de Granada. Acervo Jardim Botânico Real de Madrid.
Fonte: (MUTIS, José Celestino, 1783/1791).
Foi a mais longa expedição dos organizados pela Coroa Espanhola durante os
séculos XVIII e XIX e veio fortalecer o desenvolvimento de uma geração de
naturalistas e botânicos. A expedição teve dois locais: entre 1783 e 1791 a base foi
localizada em Mariquita, perto de Real de Minas de Santa Ana, até que em 1792
mudou-se para Santa Fé, onde a morte de seu diretor em 1808. O trabalho
42
expedicionário continuou até 1816 e no ano seguinte os materiais da expedição foram
transferidos para a Espanha onde fazem parte do acervo do Jardim Botânico Real de
Madrid.
No Brasil várias expedições, realizaram registros e coletaram materiais que
foram à Europa para estudo, no entanto não houve uma preocupação inicial em formar
ilustradores brasileiros. Carneiro (2011), ao descrever a história da ilustração botânica
brasileira, pontua várias expedições realizadas na extensão territorial desde a época
da colonização até hoje, todas atraídas pela diversidade de seus inúmeros
ecossistemas. Essas descrições datam os primeiros registros produzidos ainda no
século XVI como a famosa Carta do Descobrimento, os relatos de padres jesuítas e
todas as obras seguintes, das inúmeras expedições europeias na saga da exploração.
Constam ainda obras pontuais, minuciosamente ilustradas ao longo de anos, tais
como História dos animais e árvores do Maranhão, que reúne os relatos do naturalista
Frei Cristóvão de Lisboa, o Libri Principis de autoria desconhecida e Desenhos de
história natural: zoologia e botânica do Brasil de Magalhães Bastos.
A atividade de registro iconográfico no Brasil tomou grande impulso e se
solidificou durante o governo do holandês Maurício de Nassau em meados do século
XVII. Segundo CARNEIRO (2011) o conde Nassau chegou ao Recife em 1637 e atraiu
para sua corte vários cientistas, em sua comitiva vieram também os pintores
holandeses Frans Post (1612-1680) (Figura 16) e Albert Eckhout (1610-1666) (Figura
17), dentre os empreendimentos de Nassau destacam-se a construção de dois jardins
um zoológico e um botânico, na realização desses projetos, foram realizadas
inúmeras excursões pelo estado para a coleta de diferentes espécimes.
43
Figura 16 – Frans Post, Paisagem Brasileira, data e dimensões desconhecidas, Museu do Louvre. Figura 17 – Albert Eckhout, Natureza Morta, óleo sobre tela 90X90 cm, s.d. Acervo National Musset Dinamarca.
Fonte: (PATERNOSTRO6, 2017); (RIBEIRO, 2014, p. XXV).
No século XVIII o trabalho de exploração do continente americano se
intensificou e várias comitivas de especialistas europeus percorreram as colônias
registrando aspectos da geografia, da cartografia e da história natural. No Brasil
podemos destacar como mais importante desse período o brasileiro Frei Vellozo7
nascido na Província de Minas Gerais passando a residir no Rio de Janeiro, foi
responsável pelo minucioso levantamento dos recursos naturais que resultou na obra
Flora Fluminense, publicada primeiramente em Portugal depois no Brasil.
Impulsionados pelo desenvolvimento do sistema de classificação binária
construída por Carlos Lineu8 no século XVIII. As normas de classificação
estabelecidas por Lineu estimulou a pesquisa e a classificação de espécies durante
os séculos seguintes.
6 Disponível em:<http://abca.art.br/httpdocs/frans-post-animais-do-brasil-reune-desenhos-ineditos-zuzana-paternostro/>Acesso em: 12 de nov. 2018. 7 Frei José Mariano da Conceição Vellozo (1741 – 1811) franciscano naturalista, considerado o Pai da Botânica Brasileira. (CARNEIRO, 2011, p. 39) 8 Carl Von Linné (1707-1778), médico e botânico sueco conhecido como o “Pai” da botânica moderna.
44
No final do século XVIII, cerca de vinte expedições foram despachadas pelas potências europeias rivais que, em nome do interesse nacional, haviam começado a encontrar na natureza -diretamente pesquisada- uma fonte de informações séria e, na modernização da produção e do comércio, o caminho mais seguro para o progresso material. (CATLIN apud. ADES, 1997, 45)
O século XIX é marcado por um espaço maior para as “nações amigas” e o Rio
de Janeiro torna-se rota de passagem de naturalistas, artistas e intelectuais. Nesse
cenário destacam-se três fatores importantes. O primeiro deles é a vinda da corte
portuguesa para o Brasil em 1808, abrindo espaço para a urbanização, modernização
das cidades e o crescimento cultural.
O segundo fator importante é a chegada da Missão Artística Francesa como
ficou conhecido o grupo de artistas franceses chefiados por Joaquim Lebreton que
chegou ao Rio de Janeiro em 1816, visando à documentação da paisagem do contexto
brasileiro, vindo a influenciar e estabelecer o ensino das artes plásticas no Brasil,
pautado em padrões acadêmicos europeus. Os pintores que integravam a Missão
Artística Francesa tinham como objetivo a representação fiel da realidade. Dentre eles
destacam-se Jean Baptiste Debret (1768 -1848) e Nicolas Antoine Taunay (1755-
1830).
O terceiro fator importante foi o casamento de Dom Pedro I com Maria
Leopoldina de Habsburgo, a austríaca chegou ao Brasil em 1817 e com ela cientistas,
botânicos e pintores, dentre eles destacam-se o pintor austríaco Thomas Ender (1793-
1875) e o alemão Philipp Von Martius (1794-1868).
Nesse cenário de descobertas podemos destacar o artista Nicolas Antoine
Taunay (1755-1830), que em sua obra Cascatinha da Tijuca (1818) (Figura 18),
retrata-se diante de um cavalete pintando a palmeira que está a sua frente. Essa obra
nos faz pensar, no processo de estudo que o artista, precisa para desfragmentar os
elementos da natureza para sua compreensão como um todo.
45
Figura 18 – Nicolas Antoine Taunay, Cascatinha da Tijuca, 1818. Óleo sobre tela, 51,5 x 36 cm Coleção Museu do I Reinado – Solar da Marquesa de Santos, Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
Fonte: (MARTINS, 2009, p. 138).
Outro artista que nos faz pensar fortemente as relações entre a arte e a ciência
é Jean Baptiste Debret (1768-1848), o artista da corte portuguesa que mais se dedicou
a pinturas de temas históricos, além de inúmeras representações da paisagem e
plantas brasileiras, foi fundador da Academia Imperial de Belas-Artes do Rio de
Janeiro.
Como podemos observar nas imagens Femme Camacan Mongoy e Plantas do
Brasil (Figuras 19 e 20), Debret usa elementos da ilustração botânica para representar
os rostos das etnias locais. Após viver durante 15 anos no Brasil, desenvolveu uma
intensa relação pessoal e emocional com o território brasileiro. Seu trabalho é
considerado de grande importância para o Brasil na medida em que se dedicou a
retratar o cotidiano e a sociedade do século XIX, especialmente no Rio de Janeiro.
46
Figura 19 – Jean – Baptiste Debret, Femme Camacan Mongoy, Impressão (Emissão 1834 - 1839).
Figura 20 – Jean – Baptiste Debret, Plantas do Brasil, Impressão (Emissão 1834 - 1839).
Fonte: (Brasiliana Iconográfica9).
Entre muitos temas tratados pelos artistas cronistas viajantes, durante o meio
século de atividade, de 1810 e 1860, em todas as partes da América Latina, “pelo
menos quatro categoria principais podem ser distinguidas: científica, ecológica,
topológica e social.” (CATLIN, 1997, p. 48)
Em sua obra intitulada Retorno dos escravos de um naturalista (1826) (Figura
21), Debret, além de retratar a figura do negro, deixa registrado de forma simbólica, a
participação de gente da terra no trabalho de campo desenvolvido por naturalistas
estrangeiros, e as valiosas contribuições de índios, escravos e outros residentes na
busca de espécies da fauna e da flora.
9 Disponível em: <https://www.brasilianaiconografica.art.br/obras/rel_content_id/16705/p/10> Acesso em 20 de jan. 2019.
47
Figura 21 – Jean – Baptiste Debret, Retorno dos escravos de um naturalista, 1826. Aquarela sobre papel, prancha 19 de a Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil.
Fonte: (MARTINS, 2009, p.16).
Johann Motriz Rugendas (1802-1858), provavelmente, de todos, é o que
melhor exemplifica a tradição do cronista viajante nas partes da América Latina de
fala portuguesa e espanhola, durante a era pós-independência. Rugendas viajou mais
longe e por mais tempo do que qualquer um de seus contemporâneos.
Em sua primeira viagem ao Brasil que ocorreu de 1822 a 1825, Rugendas
produziu obras especialmente detalhistas e representativas, teve sua trajetória
artística marcada pela dicotomia entre as exigências de exatidão da ilustração técnica
e o gênio criativo do artista. Seus desenhos e pinturas posteriormente foram
publicados no álbum, Viagem pitoresca ao Brasil, em 1835.
Como era de se esperar no início o repertório dos trabalhos desses artistas
itinerantes, cujo propósito era documentar os fenômenos naturais, tanto na
prática como na teoria, foi construída por obras que seguiam padrões
predominantes nas academias de belas-artes europeias (...) as academias
europeias não treinavam seus artistas para trabalhar com modelos vivos,
para descobrir-lhes as características intrínsecas, mas com vistas a destilar
48
e purificar-lhes as formas em busca de um ideal. (CATLIN apud. ADES, 1997,
p.47)
No entanto ao entrar em contato com o novo cenário de exploração os artistas
viajantes não se ativeram apenas às representações descritivas, acabando por
envolver-se profundamente por questões de grandeza maior, passando a expressar
em suas obras questões e valores culturais e sociais até então desconhecido da
sociedade europeia.
Os artistas acostumados com os padrões acadêmicos da arte europeia, tiveram
dificuldade em representar a paisagem brasileira. A multiplicidade de elementos
dispares, árvores próximas e distantes, com diferentes tamanhos, impedem muitas
vezes, uma representação fiel.
Figura 22 – Johann Moritz Rugendas, O desmatamento, 1835. Litografia, 28,5cm x 21,5cm.
Fonte: (MARTINS, 2009, p.137).
Possivelmente a solução encontrada foi a representação de clareiras como se
pode observar na obra O desmatamento (1835) (Figura 22) de Johan Moritz
49
Rugendas. Tais imagens buscam valorizar os detalhes, representando melhor
homens, animais e plantas.
Essas representações registram uma natureza que atualmente já não pode
mais ser vislumbrada, adquirindo o caráter de documento. Ferrari ao pensar a
trajetória dos artistas viajantes, destaca as contradições as quais Rugendas teve que
enfrentar:
Artistas viajantes que vieram para o Brasil, como integrantes de missões científicas tiveram a experiência de olhar para as belezas naturais e pessoas que aqui viviam. Johann Moritz Rugendas (1802 -1858), por exemplo, enfrentou conflitos ente o registro fiel exigido pelo caráter da missão científica do barão de Langsdorff e seu desejo de criar as próprias interpretações a respeito daquilo que via. Rugendas esteve principalmente na região litorânea do Brasil e registrou uma Mata Atlântica que quase não existe mais. Suas imagens são percepções de um mundo quase desaparecido. (FERRARI, 2012, p. 143)
Ao retornar para a Europa, Rugendas entrou em contato com novas produções
artísticas, avaliou seus trabalhos produzidos e passou a explorar novos olhares
voltados para a parte social e cultural.
Rugendas abandona a descrição precisa de espécimes tipológicas (embora
sempre no contexto natural deles) como as que fizera no Brasil, deixa os
grandiosos e luxuriantes aspectos da natureza, para ir ao encontro dos
costumes e da gente nos assentamento humanos, mostrada contra um fundo
mais generalizado da natural grandeza onde o humano era mais enfatizado
que o monumental. (CATLIN apud. ADES, 1997, p. 50)
Ao analisarmos a trajetória dos artistas viajantes na Américado Sul é importante
ressaltar as contribuições de Alexander Von Humboldt (1769-1859) (Figura 23) um
artista, geógrafo,naturalista e explorador alemão oriundo de família nobre foi
considerado o naturalista de seu tempo, por apresentar uma nova visão da botânica
no início do século XIX, desenvolveu importantes estudos que influenciaram outros
autores e naturalistas.
Entre seus interesses, destacam-se os rios, montanhas, vulcões, vegetação,
coleta de espécies e dados sobre a atmosfera, correntes oceânicas e a avaliação das
condições gerais da sociedade. Os artistas que o sucederam passaram a representar
uma natureza em transformação.
50
Humboldt deixou importantes contribuições para a geografia moderna,
desenvolvendo estudos sobre o clima, relevo entre outros. E em sua viagem à América
do Sul entre 1799 e 1804, juntamente com médico e botânico francês Aimé Bonpland
(1773-1858), foi o primeiro artista a visitar Cuba, atravessar o centro e o norte dos
Andes e, em seguida, o México no intuito de estudar os aspectos físicos da terra.
Figura 23 – Friedrich Georg Weitsch, Retrato de Alexander Von Humboldt,1806, Óleo s. tela, 126 x 92,5 cm.
Fonte: (BÖING, 2014, p. XXVII).
O francês Aimé Bonpland, reconhecido por seus escritos e descrições de
plantas classificadas como “úteis”, dando ênfase as suas finalidades. Enquanto os
demais coletavam elementos que eram estudados posteriormente na Europa,
Bonpland se diferencia ao realizar estudos, enquanto residente estabelece viagens
por um longo período, observando mais detalhadamente, principalmente plantas e
suas utilidades, sendo responsável pela catalogação de diferentes espécies de erva-
mate, araucárias e plantas medicinais (Figura 24).
51
Figura 24 – Alexander Von Humboldt e Aimé Bonpland – Plantae Aequinoctiales, 1805, Placas gravadas, Paris.
Fonte: (Site TheSaleroom10) .
A convivência com colonizadores imigrantes e índios favorecia o
desenvolvimento de seus estudos, através da troca de informações com as pessoas
da região sobre as plantas. Mesmo que, ocupando-se com a comercialização,
Bonpland dedicava boa parte do seu tempo a estudos detalhados de espécies de
plantas e animais.
Em Porto Alegre Bonpland permaneceu três meses e quatro dias, como ele anotou em seu diário. Ao longo desse tempo ele visitou todo esse tipo de empreendimento, anotando detalhadamente os procedimentos envolvidos na fabricação de velas, de sabão, de queijos dos Alpes e, também, de cápsulas de copaíbas, cal, vinagre de vinho, lixívia, sabão medicinal etc. (AMARAL, 2003, p. 279)
10 Disponível em: <https://www.the-saleroom.com/en-us/auction-catalogues/bloomsbury-auctions/catalogue-id-blooms10056/lot-810d2c0f-fe4c-4a2b-bf55-a4aa01151718>Acesso em: 28 de jan. 2018.
52
No Rio Grande do Sul, um artista de deixou registrado seus estudos de botânica
foi Herman Rudolph Wendroth, um soldado mercenário alemão e artista-viajante
amador que registrou entre os anos de 1851 e 1852 cenários do Rio Grande do Sul,
mas não se tem registro sobre sua data de nascimento e morte. A obra de Rudolph
Wendroth permanece ignorada nos livros sobre a arte e a pintura brasileira no século
XIX, embora constitua uma coleção iconográfica de raro valor cultural e documental
sobre a paisagem natural e urbana e sobre os usos e costumes dos rio-grandenses
no século XIX, e sobretudo porque constitui-se num dos raros registros visuais do Rio
Grande do Sul da segunda metade do século XIX. (ZUBARAN, 2003, p. 2)
A pesquisadora Maria Angélica Zuraban (2003) tem analisado os trabalhos de
Wendroth. Segundo ela:
As representações de Wendroth sobre a flora Riograndense, frutas e flores, revelam-se claramente influenciados pela taxonomia do naturalista Lineu, onde cada planta é representada buscando a máxima fidelidade, como espécies vegetais produzidas para um catálogo científico. (ZUBARAN, 2003, p. 55)
Figura 25 – Herman Rudolph Wendroth, Prancha Botânica, 1852. Desenho. Dimensões desconhecidas.
Fonte: (ZUBARAN, 2003).
53
Zubaran cita ainda uma prancha botânica (1852) (Figura 25) produzida por
Wendroth, chegando a compará-lo aos princípios científicos e aos sistemas de
classificação de espécies desenvolvidos por Lineu, com estudos detalhados das
partes da planta caracterizando um estudo científico.
A primeira expedição científica brasileira foi realizada em 1859, denominada
Comissão Científica Exploratória das Províncias do Norte11. A expedição foi
patrocinada pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, ficando a ilustração
científica e paisagística a cargo de José dos Reis Carvalho (1800-1872) um cearense,
pintor, desenhista, aluno de Debret; e Francisco Freire Alemão (1797-1874), médico
naturalista e botânico brasileiro que dedicou sua vida ao estudo da história natural no
Brasil e atuou como um precursor da ecologia.
Figura 26 – Manuel de Araújo Porto Alegre, Floresta brasileira, 1856, Sépia sobre papel, 54,5 x 82 cm.
Fonte: (MARTINS, 2009, p. 43).
11 Disponível em: <http://www.crb8.org.br/as-aquarelas-botanicas-da-primeira-expedicao-cientifica-brasileira/> Acesso em: 28 de jan. 2018.
54
No que se refere à formação de artistas brasileiros se deu através da fundação
da Academia Imperial de Belas-Artes do Rio de Janeiro em 1826. Dentre estes
podemos destacar o artista Manuel de Araújo Porto Alegre (1806-1879), um dos
primeiros alunos de Debret, dentre seus temas se destaca a paisagem como podemos
observar em Floresta brasileira (1856) (Figura 26). Entre suas diversas atividades
desempenhou um papel fundamental como professor e intelectual, na mobilização das
artes plásticas no Brasil do século XIX.
Essas representações a princípio marcadas pelo olhar europeu, contribuíram
para a difusão da imagem do continente americano. Os formatos portáteis dos estudos
permitiam que esses fossem deslocados, difundindo o conhecimento, construindo e
estabelecendo um elo visual entre o novo e o velho mundo. Catlin, em seus ensaios
nos faz pensar na forte influência que os princípios e valores da arte europeia tiveram
sobre o trabalho dos artistas viajantes que vieram para a América Latina.
Através dessas obras, podemos pontuar relações entre a arte e a ciência e
investigar, como se constroem o olhar científico do naturalista e o olhar artístico sobre
a paisagem e a cultura. Esse legado vai além dos conhecimentos científicos, pois
tomados de encantamento, os artistas envolveram-se tanto na catalogação e
divulgação de espécies, quanto na documentação de uma iconografia de caráter
histórico.
O uso da arte como meio facilitador das percepções do mundo visível e da
compreensão dos fenômenos da natureza desencadeou uma incessante busca por
informações específicas sobre as formas vistas na natureza das novas terras
descobertas. Essas representações entre outras, contribuem para afirmação cultural,
enfatizando além da riqueza da fauna e da flora já extinta, revelando costumes e
culturas.
Essa rica produção dos artistas viajantes possui além deseu valor artístico,
elementos descritivos que desperta a atenção de analistas de diversas áreas:
geógrafos, antropólogos, historiadores da arte e da cultura tornando-se importante
fonte de pesquisa documental.
De acordo com os essa análise evidenciamos que os viajantes naturalistas
tomados de encantamento pelo exótico, pela exuberância das formas e das cores
desenvolveram trabalhos diferenciados que deixaram evidente o verdadeiro fascínio
que o desconhecido exercia sobre eles. A arte, nesse sentido, encontra-se como um
55
meio o qual possibilita além do conhecimento e da informação da área científica, a
produção de imagens que são potentes metáforas, através das quais podemos pensar
a vida e as relações que permearam os olhares desses artistas.
1.3 OS ARTISTAS E A ANATOMIA: PROCESSOS CRIATIVOS ENTRE A ARTE E A
CIÊNCIA
A anatomia humana é um tema recorrente na história sua presença permeia o
campo da arte e da ciência, desde o início da medicina moderna, ilustrações médicas
de anatomia humana, sempre estiveram a serviço do ensino de medicina. Atualmente
alguns artistas estão trazendo a anatomia do universo médico para o espaço artístico,
esse movimento de ascensão da arte anatômica possibilita uma nova relação com o
público. Para analisar como os artistas atuais estão retomando o estudo da anatomia
em suas poéticas artísticas é importante compreender o quanto a arte influenciou a
anatomia no passado.
Figura 27 – Miscelânea médica, Iluminura Anatômica de Veias. Inglaterra XIII.
Fonte: (SOUZA e COSTA, 2004).
56
A figura humana se fazer presente desde as pinturas rupestres, no entanto,
os primeiros registros de ilustrações rudimentares já circulavam entre os meios
ainda mal estruturados da medicina, como por exemplo, a Iluminura Anatômica de
Veias (Figura 27) do século XIII.
Em termos de registros artísticos sobre estudos de anatomia humana temos
Leonardo da Vinci como a principal referência.
Leonardo Da Vinci é a primeira imagem que nos ocorre quando o assunto é Anatomia e Arte. No entanto, a história da Anatomia é bem mais antiga. A figura humana sempre figurou como a principal temática artística, desde as pinturas rupestres. Era tema exclusivo na arte grega, onde se chegou ao ápice da poiesis formal na antiguidade – retórica plástica com que se valeram seus artistas para retratar um corpo ainda “sagrado”. Na Grécia era a realidade de deuses antropomórficos o que se tratava de representar; estava em jogo a esfera sacra que se evidenciava por meio do corpo humano. Mas na Grécia, curiosamente, cadáveres não eram dissecados. (DIAS, 2018, p. 01).
Por motivos religiosos até então os estudos de anatomia eram realizados
apenas com a dissecação de corpos de animais, no entanto, os escritos medievais
inspiraram Leonardo Da Vinci em seus estudos. Leonardo ficou conhecido como o
artista que dissecava corpos, investigando os segredos internos do corpo. Seus
estudos científicos foram tão importantes quanto sua arte, suas descobertas sobre o
corpo humano, foram confirmado pela pesquisa médica no século XX.
Os textos medievais que conhecia, em particular o de Mondino de Luzzi - que lhe servia habitualmente como manual para dissecações ritualizadas num anfiteatro de anatomia – forneciam ilustrações básicas e algumas ilustrações rudimentares da forma e localização dos principais órgãos, mas nada havia de remotamente parecido com as convincentes imagens plásticas que Leonardo da Vinci iria proporcionar. Sua aspiração não era apenas nos transformar em testemunhas oculares do que podia ser visto na dissecação, mas também permitir que alcançássemos um conhecimento real das formas e funções maravilhosas do corpo, no todo e em suas partes. Com esse objetivo, ele mostrava os componentes do corpo não só de uma forma sólida (frequentemente dentro de contornos transparentes do corpo), mas também seccionados de várias maneiras, separados uns dos outros em diagramas “em parte”, as vezes em versões que permitiam “ver através”, e transformadas em diagramas lineares explanatórios de suas ações. Todas as técnicas da ilustração anatômica que seriam usadas nos manuais do século XIX foram antecipadamente testada por Leonardo da Vinci. (KEMP, 2005, p. 83-84).
Da Vinci preconizava a experiência direta e criou uma pintura tão informada
pelas ciências naturais que ela própria passava a ser uma ciência, modificando o
significado da pintura ao agregar os conhecimentos da filosofia natural. Com seus
57
estudos anatômicos, Da Vinci ultrapassou os conhecimentos dos artistas de sua
época, ao observar o interior do corpo humano, as características, músculos, órgãos
vitais, chegando a entender a lógicas dos movimentos do corpo humano.
Ao longo de 15 anos (de 1498 a 1513), Leonardo desenhou órgãos e elementos dos sistemas anatomofuncionais do corpo humano em um estudo que começou pela leitura das obras de autores da medicina pré-renascentista, como Galeno de Pérgamo (129-200), Mondino dei Luzzi (1270-1326) e Avicena (980-1037). Ele também participou de dissecações do corpo humano e de diversos animais. Porém, jamais terminou e publicou a obra que, segundo pesquisadores, poderia ter revolucionado a medicina mais de 20 anos antes que o belga Andreas Vesalius, considerado o “Pai da Anatomia”, publicasse seu livro “De Humani Corporis Fabrica”, em 1543, obra que marca a fase inicial dos estudos modernos sobre anatomia. (SILVA, 2013, p. 4).
Figura 28 – Leonardo Da Vinci. Músculos do ombro e braço e ossos do pé. Desenho, 1510 - 1511.
Fonte: (DIAZ, 2016).
Seus escritos (Figura 28) revelam todo seu conhecimento sobre as estruturas
anatômicas de ossos e músculos dos ombros, braços, mão e pés demonstrando uma
58
compreensão mecânica dos mecanismos da musculatura e tendões. Essa
compreensão é fundamental conferindo a sua pintura uma representação precisa de
proporção e volume.
Nos séculos XV e XVII, podemos citar outros artistas que estudaram
anatomia como Albert Dürer (1471- 1528) e Michelangelo Buonarotti (1475 -1564).
Albert Dürer criou um tratado sobre as proporções do corpo humano que foi
publicado após sua morte, no entanto, sua preocupação pela anatomia humana
era mais por questões estéticas. Já Michelangelo Buonarotti, passou pelo menos
vinte e quatro anos, adquirindo conhecimentos anatômicos através das
dissecações que praticava no convento de Santo Espírito na Florença.
Um artista que desenvolveu representações gráficas que fizeram parte de
grandes tratados de anatomia foi Andeas Vesalius (1514 - 1564).
Figura 29 – Andreas Vesalius, De humani corporis fabrica libriseptum, (Cópia), 1543.
Fonte: (The New York Academy of Medicine12).
12 Disponível em: <https://nyamcenterforhistory.org/tag/andreas-vesalius/>Acesso em: 28 de Nov. 2018.
59
Em suas representações desenhou cadáveres dissecados como se
estivessem vivos, no entanto, parecem claramente mortos e despidos da sua pele
(Figura 29) ou apresentando partes do corpo como se fossem naturezas mortas.
A adição de cores trouxe mais profundidade e claridade à anatomia. No início
do século XX, o equilíbrio entre ciência e arte foi alcançado com o surgimento de
ilustradores médicos que criaram uma representação universal da anatomia que
parece mais livre das influências da cultura artística, mais focada em regras com o
intuito debeneficiar o ensino da medicina e precisão do entendimento.
O filósofo e historiador da ciência Thomas Kuhn (1969), escreveu um ensaio
chamado “Comentários sobre a relação entre ciência e arte” traçando alguns
paralelos entre o trabalho do artista e do cientista. Para Kuhn, tanto o artista quanto o
cientista produzem bens que serão utilizados pelo público, e ambos usam a própria
percepção do mundo para guiar o seu trabalho, sendo que a diferença entre eles é
que, se para o cientista a estética é um instrumento para a resolução de problemas
técnicos (como o uso de imagens para estudo das partículas, por exemplo) para o
artista a estética é o objetivo final de seu trabalho.
61
2 ENTRE A TÉCNICA, A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO DE SENTIDO
2.1 A ARTE DAS IMAGENS NAS CIÊNCIAS NATURAIS
Assim como a arte passou por inúmeras transformações, libertando-se da
função representativa, abrindo espaço para a reflexão a ilustração naturalista também
agregou novos materiais, mas sem perder nunca a função de representar uma
realidade. No decorrer da história a ilustração sofreu influências estilísticas
modificando alguns aspectos de sua representação, mas os aspectos mais técnicos e
convencionais continuam sendo usados até hoje.
James Roberto Silva (2014) fala sobre os incrementos científicos, técnicos e
tecnológicos do século XIX, o autor cita a fotografia como uma das novas
especialidades científicas, um dispositivo de apreensão e de representação da
realidade objetiva, regido pela racionalidade técnica.
A imagem mecanicamente produzida, proporcionada pelo aparato fotográfico, chegava para abalar os modos de representação e de observação então em vigor: moderadamente, no meio artístico, mas com intensidade no campo científico. De um lado, a fotografia incitava a busca de novas perspectivas para a expressão subjetiva e, de outro, remodelava os conceitos de objetividade e fidelidade tão caros à démarche positivista das ciências. (SILVA, 2014, p. 344)
Com achegada da fotografia surgiram questionamentos sobre o uso da
ilustração manual, mas logo se percebeu que a fotografia não substitui à precisão de
detalhes de certas ilustrações.
O fenômeno que se verifica, de aproximação entre as noções de ‘ver’ e ‘conhecer’, também participa do processo de incorporação da fotografia pelas práticas científicas em geral, no seio das quais assimilou-se, sem muita resistência, a convicção de que a fotografia constituía ferramenta técnica ideal, superior ao desenho e à pintura para representar a aparência das células, das estrelas, das espécies botânicas, dos cadáveres humanos (O’Connor, 1999, p. 232). Apesar desse pronto reconhecimento, a “crença nas virtudes científicas da fotografia” (Fabris, 2006, p. 162) não significou, é bom lembrar, que a nova técnica tenha substituído por completo a ilustração feita pela mão do artista, da qual se faz uso mesmo nos dias atuais. (SILVA, 2014, p. 344)
A tecnologia contribuiu com melhoria nos equipamentos microscópicos,
permitiu uma visualização mais detalhada, o uso de programas de computação,
62
aliando ao uso da internet contribui para a divulgação de novas imagens, bem como
a digitalização de imagens antigas.
Desenhar uma imagem científica não é o resultado de um ímpeto simples riscar de uma ideia espontânea. Representar a Ciência implica um estudo, uma pesquisa em sequencial do método científico (que constitui a coluna vertebral da imagem), mas adornando-a com o sabor e o saber da Estética. O fundamento Científico é assim revestido pelo subjetivo do Belo e a ilustração científica traduz a arte de criar o “veículo” visual ideal para transmitir o Saber pré-existente ou nascido da novidade experimental, diluindo barreiras e obstáculos à passagem do Conhecimento pelos vários estratos/sectores populacionais a que se destina — é pois uma forma de arte dirigida. (CORREIA, 2009, p. 226)
A imagem científica implica estudo, e pesquisa sequencial a partir de um
método científico, porém adornando com o saber da Estética. A representação
científica passa pelo subjetivo do Belo, traduzido na arte de criar um veículo visual
ideal para transmitir um saber pré-existente, através de imagens operativas
portadoras de conhecimento.
Ilustração científica é, por definição, um desenho preciso. Ela objetiva informar de forma completa e precisa o assunto que representa a ponto daquele que a estuda se tornar consciente e esclarecido, como se ele mesmo o tivesse visto (WOOD, 1994). A ilustração científica intenciona apresentar estruturas em aparência e organização, de forma que sejam similares ao referente e assim se tornarem compreensíveis entre aqueles que as assistem, para que sejam documentos que possam ensinar, informar, descrever e comunicar (SILVA, 2009). (TROTTA, 2017, p. 21)
Ao analisarmos a questão da ilustração científica na atualidade, percebe-se que
ela é um veículo de comunicação presente nos mais diversos campos, possibilitando
não apenas apoio as publicações científicas, mas apresentando-se também como
meio de sensibilizar e despertar olhares. De modo geral, o desenvolvimento dos meios
de comunicação, além de apresentar novos recursos para a representação,
possibilitou a popularização das imagens.
Na passagem do século XIX para o século XX, as imagens do mundo natural, sobretudo botânico, passam a ser incorporadas também ao design e estampas decorativas de movimento como o Art Nouveau e o Jugendstil, que pregam uma volta a natureza num momento já bastante dominado pelas máquinas oriundas da revolução industrial. As imagens de plantas e animais produzidas pelos artistas destes movimentos, entretanto, nem sempre seguem à risca a objetividade da representação científica, mas muitas vezes apresentam estilizações e distorções. (FORTES, 2014, p. 81)
63
Podemos caracterizar a ilustração científica como um estágio intermédio entre
o ato de “conhecer” obrigatoriamente (interiorização) e o poder dar a “conhecer”
(exteriorização), nesse sentido,podemos destacar a importância da observação direta
dos espécimes representados.
No decorrer da história ocorreram algumas falhas nas representações
naturalistas como é o caso da famosa ilustração de um rinoceronte feita por Albrecht
Dürer por volta de 1515. A ilustração foi feita a partir de uma carta descritiva e um
esboço sem, no entanto, representar um rinoceronte real tal imagem circulou por mais
de dois séculos no meio científico influenciando outros. Esse fato salienta a
importância do papel do ilustrador naturalista enquanto observador, bem como nos
faz pensar na imprecisão da ilustração feita sem a observação direta.
Atualmente o desenho de caráter naturalista se faz presente principalmente na
ilustração botânica, ilustração zoológica, lustração paleontológica, ilustração
arqueológica, ilustração geológica e ilustração médica.
A ilustração científica pode esclarecer várias profundidades focais e camadas sobrepostas, enfatizar detalhes importantes e reconstruir espécimes no papel, resultados inatingíveis por meio da fotografia. Estrutura e detalhes podem ser representados com desenhos em corte, transparências e diagramas expandidos [...] o ilustrador científico desenha apenas aquilo que é necessário. Ele pode omitir, enfatizar e selecionar as partes importantes, esclarecendo detalhes. Ele pode simplificar ou resumir a essência de um assunto e pode mostrar o que está por baixo ou no interior dele. Ele pode idealizar, ignorando variações nos espécimes, como também recriar a vitalidade de um espécime morto. (TROTTA, 2017, p. 38)
Atualmente a arte de ilustrar ciência vive um dilema para ilustrar o natural, a
realidade que se pretende explicar, se recorre a uma criação artificial que sintetiza
características do real para convencer o receptor de que se encontra frente à verdade.
Os aspectos descritivos da ilustração botânica podem ser observados tendo
como base os estudos de Rix:
Wilfrid Blunt, o principal crítico de ilustração botânica, escreveu que para os artistas botânicos existe sempre um conflito entre a arte e a ciência: o quanto um espécime deve ser manipulado ou “melhorado a serviço da arte sem comprometer a exatidão e a ciência. Para alcançar um equilíbrio, o artista também deve estudar ou ter conhecimento suficiente da planta para saber quais características são típicas da espécie e quais são únicas do espécime a ser pintado. Uma verdadeira ilustração botânica científica não deve apenas representar o modelo, mas também a espécie como um todo. (RIX, 2012, p. 240)
64
No livro Theatrum Florae, de Daniel Rabel (1578-1670) (Figura 30), ele retrata
uma variedade de narcisos. O desenho em gravura permite-nos identificar diferenças
entre as variedades da espécie.
Figura 30 – Daniel Rabel, Gravura de Narcisos, Página do Theatrum Florae, 1622.
Fonte: (RIX, 2014, p. 35).
Hoje em dia a ilustração científica tem seu espaço reconhecido como disciplina
curricular dentro das universidades ou em institutos de pesquisa, como atividades
livres ligadas as artes naturalistas.
A anatomia humana é um dos tipos de ilustração científica e tem como foco
principal os estudos que a medicina se utiliza para documentar, estudar e investigar.
Ao investigar as relações entre a anatomia médica e arte, Tatiane de Trotta enfatiza a
proximidade dessas áreas, através do recurso do desenho e da pintura na descrição
do corpo humano.
65
A habilidade em representar a anatomia humana se mostrou mais que uma necessidade, como também uma prerrogativa para estudo e avanços no exercício da medicina, pois ela é uma disciplina complexa e a ilustração tem a função de ajudar na cognição, sendo mais eficiente que o texto em conteúdos complexos. (TROTTA, 2017, p. 40).
Dentre dos estudiosos de anatomia Trotta (2017) destaca Leonardo Da Vinci,
como um dos primeiros artistas a receber permissão para dissecar cadáveres
humanos em Hospitais de Florença, Milão e Roma. Entre 1510 e 1511, o médico e
anatomista Marcantonio Della Torre, colaborou em seus estudos e juntos elaboraram
um trabalho teórico sobre a anatomia (Figura 31), em que Leonardo fez mais de 200
desenhos, trabalho publicado apenas em 1680 (161 anos após sua morte).
Figura 31 – Leonardo da Vinci, Demonstração conjugada do sistema respiratório, vascular, e genito-urinário do corpo feminino. Desenho, 1510.
Fonte: (KEMP, 2005, s.p.).
Da Vinci ganhou fama como artista que dissecava desvendando os segredos
internos do corpo. Kemp (2005) ressalta que os escritos anatômicos deixados por ele
66
contam uma história um pouco diferente e provavelmente por imposições religiosas
se tem registro de apenas uma única dissecação abrangente e bem documentada
feita em um cadáver humano completo, os demais estudos são feitos de partes
específicas, e dissecações de animais.
Os detalhes de cortes e os ângulos dos desenhos impressionam pelo
realismo a influência da geometria e dos conhecimentos matemáticos,
influenciou fortemente sua compreensão a respeito pela proporcionalidade que
existe no corpo humano.
Martin Kemp (2005) destaca que a única forma de conhecimento válido para
Leonardo da Vinci, era olhar para as coisas reais e os fenômenos. Nesse sentido a
concepção de Leonardo era que o ato de ver abrangia os dois sentidos do verbo, que
são “olhar para” e “compreender”. Ao analisar os sentidos, Leonardo destaca o olho
como o instrumento maior.
O olho, do qual se diz ser a janela da alma, é um meio pelo qual o sensus communis [centro coordenador das impressões sensoriais] do cérebro pode contemplar na maior plenitude e magnificência o trabalho infinito da natureza, e o ouvido é o segundo, tendo adquirido nobreza pela narração daquilo que o olho viu. Agora, você não vê que o olho abraça a beleza do mundo? O olho comanda a astronomia; ele faz a cosmografia; ele guia e corrige todas as artes humanas; conduz o homem a várias regiões do mundo; é o príncipe da matemática; suas ciências são as mais corretas; ele mede a distância e o tamanho das estrelas; desvenda os elementos e suas distribuições; faz previsões de eventos futuros pelo curso das estrelas; gera a arquitetura, a perspectiva e a pintura divina. [...] E triunfa sobre a natureza, pois as partes constituintes da natureza são finitas, mas os trabalhos que o olho determina as mãos são infinitos, como o pintor demonstra ao apresentar um sem número de forma de animais, plantas árvores e lugares. (DA VINCI (apud) KEMP, 2005, p. 50)
Leonardo Da Vinci desenvolveu estudos sobre o cérebro e o seu sistema
sensorial. A mais antiga dessas suas explorações anatômicas que se conhece é
datada de 1489 (Figura 32) e consiste na representação de um crânio inteiro e uma
série de desenhos das faculdades mentais e como acreditava que operassem, uma
confirmação fisiológica do trajeto da informação, da natureza até o cérebro, situando
o nervo óptico em uma situação privilegiada de via de comunicação.
67
Figura 32 – Leonardo da Vinci, Crânio humano seccionado. Windsor, Desenho, 1489.
Fonte: (KEMP, 2005, p. 53).
Durante a Idade Média copistas associavam plantas a formas humanas,
embora essas representações não se caracterizem como ilustrações naturalistas,
estas imagens povoaram os mitos e lendas populares, apresentando-se como um elo
entre a temática abordada.
A ilustração botânica é uma dos segmentos da ilustração científica, voltada ao
registro de espécies vegetais. Muitas vezes é usada a expressão “arte botânica” pelo
preciosismo técnico com que são feitas acabam fazendo parte de acervos artísticos.
Inicialmente esse trabalho contava com técnicas de gravura elaboradas a partir de
ilustrações.
Hoje em dia, as técnicas usadas em tais representações são as mais variadas
e vão desde as tradicionais, até as mais modernas.Um procedimento também utilizado
atualmente é a ilustração digital que traz a vantagem da redução de tempo de
execução, porém exige perfeito domínio técnico da computação gráfica e frequente
68
atualização na área. Alguns ilustradores aliam as técnicas convencionais da ilustração
com a computação gráfica, seja para arte finalizar um desenho iniciado manualmente,
ou em um processo inverso um desenho projetado no computador pode ser finalizado
manualmente.
A ilustradora Diana Carneiro (2011) que tem atuado na área e destaca as
principais técnicas usadas atualmente:
Dependendo da sua finalidade a ilustração pode ser feita, basicamente, de três formas: utilizando somente o desenho (a lápis), o desenho finalizado a nanquim (bico-de-pena) ou a pintura geralmente aquarela. Nos dois primeiros casos, emmonocromia, usando a grafite (lápis) ou a pena e tinta, os elementos básicos do desenho -ponto e linha- são utilizados em todas as modalidades de registro, resolvendo formas, volumes e texturas. Já a pintura traz a vantagem da definição cromática do vegetal e de suas peças, como flores e frutos, facilitando enormemente o processo de reconhecimento do mesmo. (CARNEIRO, 2011, p. 24)
No caso de ilustrações botânicas no meio científico, levam o nome científico
em latim, escrito abaixo ou ao lado das imagenscomo podemos observar na (Figura
33).
Figura 33 – Diana Carneiro, Sophronitis coccínea, 1998.
Fonte: (CARNEIRO, 2011).
69
Além do uso em trabalhos técnicos de botânica, por apresentar um apelo
estético forte, as ilustrações botânicas estão cada vez mais populares nas produções
gráficas em calendários, gravuras decorativas, tecelagens e até mesmo em cerâmicas
e louças para cozinha. É comum os ilustradores e botânicos transitarem livremente
entre ilustrações puramente científicas e ilustrações para as mais diversas finalidades.
Sempre prezando por representar as características descritivas, fiéis às formas e às
cores reais, de forma que as plantas sejam facilmente reconhecidas.
Levando em conta a vulnerabilidade em que se encontra o planeta, e a
variedade de espécies ainda desconhecidas pela ciência, a ilustração botânica é
atualmente um campo em exploração, tendo ganhado bastante espaço recentemente,
através da realização de novos estudos e pesquisas, visando ampliar seu uso em
diferentes áreas de conhecimentos. Diversas exposições, organizadas em todo o
mundo possibilitam aos artistas botânicos exibir suas pinturas, compartilhando
conhecimentos e divulgando seus trabalhos, especialmente para colecionadores.
Com essa perspectiva Martyn Rix (2014) acredita que ainda possa haver uma
segunda era de ouro da ilustração botânica, onde os trabalhos dos ilustradores
encontrem demanda, através da publicação de livros de baixo custo com técnicas de
reprodução eletrônica precisas.
2.2 REFLEXÕES ENTRE A TÉCNICA E A ESTÉTICA
A partir das análises anteriores percebe-se que a produção de imagens
relacionadas a anatomia e a botânica permeiam dois campos próximos, porém
bastante distintos, carregando em suas vertentes as bases do naturalismo científico.
Compreender as questões técnicas e estéticas, que envolvem tal produção é
fundamental para potencializar o discurso sobre as relações entre anatomia e botânica
na produção visual contemporânea refletindo questões estéticas e formais que tais
imagens suscitam.
Ao analisarmos o uso de desenhos manuais pela ciência como forma de
estruturação e divulgação do conhecimento, percebemos o emprego de recursos das
artes visuais nas ciências naturais para a documentação de estudos científicos.
Segundo Fernando Correia (2011), a imagem científica desempenha uma relação
mimética com o real tornando-se um signo que ao ser observado remete ao referente
representado. No entanto, por ser pautada em valores estéticos a ilustração científica
70
pode nos remeter de forma metafórica a um conjunto de outras imagens que
guardamos na nossa memória individual e coletiva, um mundo infinitamente mais
vasto do que aquilo que nela está representado.
Sobre as representações de anatomia Trotta, aponta seu espaço dentro da área
da medicina:
A representação da anatomia humana está dentro do escopo de estudos médicos e utiliza imagens ilustradas, sejam elas impressas ou digitais, para documentar, estudar e investigar a medicina. [...] Toda representação ou tentativa de modelar algum aspecto do mundo em termos visuais, inevitavelmente tem seu próprio estilo, na medida em que tem uma “aura” visual que permite reconhecer suas origens. (TROTTA, 2017, p. 40)
O estudo a partir de dissecação de cadáveres, realizado há séculos para
compreensão profunda do corpo humano, tem efeito de despertar o interesse pela
figura humana, tema tão abordado nas Artes Visuais.
No decorrer da história o estudo de anatomia foi uma prática comum para
os artistas. O domínio da anatomia tornou-se importante para a reprodução de
modelos humanos ou animais, através do desenho ou da escultura, seja através de
técnicas tradicionais ou atualmente as digitais.
Uma obra que tem transitado entre os campos da ciência e da arte é A Lição
de Anatomia do Dr. Tulp (1632) (Figura 34) do pintor Rembrandt. A pintura do período
Barroco, retrata uma aula de anatomia do Dr. NicolaesTulp, no momento em que
ocorre a dissecação da mão esquerda de Aris Kindt, um marginal que havia sido
condenado à morte por assalto. A obra apresenta com destaque a figura do médico
ao centro, o único a usar chapéu, talvez um ícone para realçar sua posição diante dos
assistentes que acompanham o processo, enquanto analisam um livro. Representa o
desejo do homem e sua inquietação por fazer descobertas sobre o funcionamento do
corpo humano, seu comportamento, suas verdades, como também a valorização dos
estudos anteriores publicados por outros anatomistas.
71
Figura 34 – Rembrandt, A Lição de Anatomia do Dr. Tulp. Óleo sobre tela, 169,5 x 216,5 cm, 1962, Haia, Holanda.
Fonte: (Museu Mauritshuis13, 2018).
A dissecação permite dar visibilidade aos órgãos internos do corpo em suas
inter-relações. O conhecimento sobre proporção da estruturas óssea, tendões,
ligamentos, músculos, gordura e de como esses elementos se sobrepõe, cooperando
para compreensão das nuances externas do corpo. Ao considerar que a
representação correta dos volumes do corpo em um desenho, depende em boa
medida do conhecimento anatômico, muitos artistas se dedicam aos estudos de
anatomia e dissecação de cadáveres em parceria com laboratórios de medicina.
Atualmente algumas universidades, abrem espaço em seus laboratórios de
anatomia para estudos em parceria com artistas. Pensando na aproximação das
questões entre anatomia e botânica na produção visual, participei de uma Aula de
Anatomia Artística com Cadáveres14 ministrada pelo professor e artista Gustavo
13https://www.mauritshuis.nl 14 Nesta aula de Anatomia Artística, foram estudados os músculos de superfície e ossos constituintes do esqueleto, bem como suas principais articulações. Sempre relacionando com as questões históricas sobre os estudos de anatomia e suas contribuições na arte contemporânea.
72
Diaz no laboratório do ICBS (Instituto de Ciências Básicas da Saúde) da UFRGS
no dia 22 de maio de 2018 (Figura 35).
A obra A Lição de Anatomia do Dr. Tulp (1632) (Figura 34) e a fotografia da
Aula de Anatomia Artística com Cadáveres (Figura 35) trazem em comum o olhar
atento dos estudantes para o professor, além da imagem do corpo como objeto de
estudo, imóvel e despido da vida. Tal observação nos faz pensar que os estudos
com cadáveres, realizado há séculos para compreensão profunda do corpo humano,
continuam a despertar o interesse pela figura, tema tão prolífico nas Artes Visuais.
Figura 35 – Aula pública de anatomia ICBS- UFRGS, 22 de maio de 2018.
Fonte: (FEIJÓ, Ise, 2018).
No que se refere ao uso de cadáveres para estudos foi sancionada a lei
8.501/92 de 30 de dezembro de 1992 com o objetivo de regularizar aspectos éticos e
legais referentes à utilização de cadáveres para fins de ensino na extensão
universitária. Segundo essa lei ocadáver não reclamado junto às autoridades públicas
sem documentação sem informações referente a endereço de falecimento, em um
prazo de até 30 dias, pode ser liberado e encaminhado para um centro de estudos na
área da Saúde. Cabe a instituição manter dados de identificação do corpo, tais como:
73
fotos, dados relativos às características gerais, ficha datiloscópica, e outros dados e
informações pertinentes.
Outra forma de obtenção de cadáver para estudo é a doação em vida, esta
deve ser feita com base no Artigo 14 da Lei 010.406.202 do Código Civil Brasileiro,
sendo permitida a disposição gratuita para fins científicos do corpo no todo ou parte
dele depois da morte. Nesse caso o doador precisa realizar declaração ou até
testamento, lavrado em cartório, autorizando a doação por parte de familiares, na
declaração deve ser especificada a instituição de ensino para qual o doador deseja
que seja encaminhado o seu corpo.
Nesta aula foi possível executar apenas alguns esboços rápidos, mais foi de
fundamental importância para analisar a estrutura anatômica humana, através do
processo de dissecação foi possível compreender como as partes do corpo se
sobrepõem.
Figura 36 – Alessandra da Silva, Caderno de estudos. Desenho. 2018.
Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2018).
74
A partir dessa aula senti um desejo enorme em continuar os estudos através
de referências de livros, desenvolvendo uma série de estudos de anatomia (Figura
36), alguns desenhos feitos com grafite e outros com caneta nanquim e uso de
hachuras para sombrear.
Há cerca de dez anos, o médico e anatomista alemão Gunther Von Hagens
(1945) traçou um caminho paralelo a arte e ciência, causando polêmica no meio
artístico. Hagens espantou a comunidade científica ao expor cadáveres plastinados
como se possuíssem valor artístico – legítimas obras de arte, em exposições que
itineram por todos os continentes até hoje.
Hagens15 desenvolveu uma técnica de conservação dos corpos que denominou
de plastinação, através desse método substitui substâncias orgânicas de corpos
mortos por silicone e resina o que permite que os materiais adquiram plasticidade,
permanecendo maleáveis, inodoros e secos.
As peças foram dissecadas, abertas, divididas e "desfolhadas" em camadas,
ora dando-se ênfase aos músculos, ora à pele, ora ao sistema circulatório, ora ao
sistema nervoso. A forma de apresentação lembra aquela de Vesalius e dos
anatomistas dos séculos XVI e XVII, época do grande reflorescimento da investigação
anatômica, quando as pranchas anatômicas mostravam a estrutura nervosa ou
muscular de figuras humanas que, em posições elegantes, posavam tendo como pano
de fundo, belas paisagens.
Além de corpos humanos Hagens aplicou a técnica em corpos de animais. Seu
trabalho gerou inúmeras críticas e debates sobre questões éticas e religiosas
envolvendo a exposição de cadáveres. O conjunto reúne 25 corpos, entre eles um
jogador de basquete, um jogador de xadrez, um cavaleiro montado em seu cavalo,
uma mulher grávida cujo ventre aberto permite a visão de um feto de oito meses, e
um homem carregando a sua própria pele. Os corpos plastinados por Hagens,
estiveram em exposições por diversas partes do mundo, no Brasil a mostra Human
15 Gunther Von Hagens, doutor em medicina pelo Departamento de Anestésicos e Medicina de Emergência da Universidade de Heidelberg (1975), logo depois, teve sua fama ligada a essa técnica de plastinização, que ele desenvolveu em 1978, quando trabalhava no Instituto de Anatomia e plastinização e também um Instituto onde põe em prática o trabalho de conservação e fixação das peças anatômicas. Patologia da Universidade de Heidelberg. Hagens possui também uma empresa sediada em Heidelberg, a BIODUR que comercializa os equipamentos e os polímeros utilizados na técnica de plastinização.
75
Bodies - Maravilhas do Corpo Humano circulou por diversos estados, esteve em Porto
Alegre16 em julho de 2015. Hanges descreve seu trabalho como uma mostra educativa
e não artística.
Hagens transformou seus materiais de estudo em peças de exposição,
intitulada Os mundos do corpo. Nas imagens a baixo podemos comparar uma
ilustração feita por Juan Valverde de Amusco17 (1525 - 1562) para o livro A história da
composição do corpo humano publicado em Roma no ano de 1560 (Figura 37).
Figura 37 – Juan Valverde de Amusco. A história da composição do corpo humano. Roma, 1560. Figura 38 – Gunther Von Hagens, Corpo plastinado - Exposição O mundo dos Corpos, 1994.
Fonte: (Juan Valverde de Amusco18); (Gunther Von Hagens19).
16Disponível em: <http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2015/07/porto-alegre-tem-exposicao-com-corpos-humanos-reais-saiba-mais.html> Acesso em jan. de 2019.
17Nasceu na Coroa de Castela atual Espanha por volta de 1525, estudou e publicou vários trabalhos sobre anatomia. Abra mais famosa de Valverde foi Historia de lacomposicion del cuerpo humano , publicado pela primeira vez em Roma, 1556.
18Disponível em: <https://exhibitions.kelsey.lsa.umich.edu/art-science-healing/vesalius4.php>Acesso em jan. de 2019. 19Disponível em: <http://www.sergioallevato.com.br/.>Acesso em jan: de 2019.
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Seus trabalhos fortemente inspirado em Vesalius, agora servem visivelmente
de referência para Von Hagens, pela maneira de apresentar o corpo plastinado na
exposição O mundo dos corpos (Figura 38).
Gustavot Dias (2018) destaca o uso instrumental atribuído a anatomia – que
por isso tem sido estudada sistematicamente desde o Renascimento, figurando já
na antiguidade clássica como um saber necessário ao métier artístico, um padrão
de maestria e a bitola da boa arte. Essa distinção durou até a segunda década do
século XX – com pausa de um século para o começo e fim das vanguardas
modernistas – e agora retorna, nas últimas duas décadas, depois de um século de
experimentações e implosões do campo artístico, reaparecendo no cenário
artístico de modo bem diverso.
Ao desenvolver uma produção em arte que estabelece diálogos com Anatomia
e Botânica, faz se necessário pensar além do espaço que a anatomia ocupa na arte
contemporânea, analisando também o campo atual da ilustração botânica. Neste
cenário destaca-se Margaret Mee (1909 – 1988), ilustradora botânicas de grande
influência no legado científico brasileiro. A ilustradora de origem britânica veio para o
Brasil em 1952, para trabalhar como professora, encantou-se pela exuberância das
plantas tropicais, passando a pintar flores que via em viagens para o interior do Brasil.
Margaret realizou várias expedições pela Amazônia, observando e desenhando
plantas, suas obras participaram de diversas exposições no Brasil e em Londres. Além
das ilustrações finalizadas, deixou inúmeras anotações e esboços em seus cadernos
de estudos. No entanto, sua importância vai além da produção de imagens, pois além
de abrir espaço para a crítica das questões ambientais, influenciou outros artistas
ilustradores contribuindo para a formação e a organização dos ilustradores Brasileiros.
A técnica utilizada por Margaret Mee é a aquarela, uma das técnicas mais
usadas dentro da ilustração botânica. A aquarela é uma técnica de pintura onde a se
usa tinta diluída em água, a tinta é formada basicamente pelo pigmento colorido moído
e um aglutinante, geralmente goma arábica. Como o próprio nome indica, ela se
baseia no uso da água, no qual os pigmentos se transferem para a superfície do papel,
evaporada a água, o pigmento forma uma mancha de cor sobre o papel, que se fixa
através do aglutinante. As principais características da aquarela são a luminosidade,
opacidade, transparência e a sobreposição de camadas. O que permite conferir as
ilustrações uma grande quantidade de detalhe.
77
Os pesquisadores Hadna Abreu e Valter Mesquita (2016) analisam as
ilustrações produzidas por Margaret Me e conforme conceitos da linguagem visual e
da semiótica, destacando que suas ilustrações enfatizam dois estilos. O primeiro
grupo de ilustrações (Figura 39) prioriza a neutralidade do fundo do papel, sem muitas
intervenções, além de anotações e identificações da ilustração, um desenho de
caráter mais científico sobre a estrutura da uma planta. O segundo grupo de
ilustrações (Figura 40) apresenta o contexto onde a planta está inserida, priorizando
a figura central da planta em primeiro plano, e o fundo é trabalhado em camadas.
Figura 39 - Margaret Mee. Clusia grandiflora,ano e dimensões desconhecidos. Figura 40 - Margaret Mee. Strophocactus wittii, ano e dimensões desconhecidos.
Fonte: (Botanical Art & Artist20).
Após sua morte foi fundada no Rio de Janeiro a Fundação Botânica Margaret
Mee (FBMM), atual Fundação Flora de Apoio à Botânica, um centro de pesquisa, que
promove bolsas de estudos na área de ilustração botânica. Nas últimas décadas
20 Disponível em: <https://www.botanicalartandartists.com/about-margaret-mee.html> Acesso em: 07, abr. 2018.
78
outros ilustradores bolsistas contribuíram na criação de centros de estudos e
pesquisas em outros estados, como o Centro de Ilustração Botânica do Paraná
(CIBIP) a Botânica Arte de Companhia (SP), Núcleo de Ilustração Científica da (UNB),
além de cursos, encontros, debates e seminários na área.
Diana Carneiro foi uma das brasileiras bolsista da FBMM no ano de 1997,
adquirindo formação técnica com Christabel King no Royal Botanic Gardens21 e
assumiu o desafio de disseminar seus conhecimentos, atuando na formação de
ilustradores botânicos brasileiros.
No intuito de aprender e aprimorar técnicas de ilustração botânica, desde 2016
participo de Cursos de Aperfeiçoamento em Ilustração Botânica (Figura 41) no Centro
de Ilustração Botânica do Paraná (CIBIP) sobre orientação da professora e ilustradora
Diana Carneiro.
Figura 41 – Estudos de plantas. Aquarela sobre papel Canson. CIBP, 2017.
Fonte: (SILVA, Alessandra, 2017).
21 Situado em Kew/ Londres onde foi criado o projeto Margaret Mee, AmazonTrust que fornece a bolsa de cinco meses com um instrutor.
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As aulas são voltadas para a observação direta de plantas, envolvendo
aprendizado de técnicas de luz e sombra em grafite, estudo de cores em aquarela. As
atividades concentram-se divididas em blocos, focados em desenvolver habilidades
de representação de diferentes texturas e cores em folhas, flores, frutos, caules e
sementes com a maior fidelidade possível, garantindo perfeito reconhecimento e
identificação do vegetal.
Além de desenhar recebemos orientação pra confecção de herbários com
anotações e estudo de características morfológicas das plantas. O termo
herbário refere-se a um conjunto de espécimes vegetais secas, distribuídos de acordo
com um determinado sistema de classificação, que podem ser utilizados para fins de
estudo e até mesmo apreciação, funcionando como uma espécie de arquivo onde é
possível coletar informações diversas sobre plantas, tais como habitat, aspectos
gerais da morfologia do vegetal, entre outras.
Nos herbários as plantas são armazenadas na forma de exsicatas, sendo
anteriormente prensadas e secas, após estarem secos, são fixados em cartolina ou
outro papel, para facilitar a identificação é indicada a coleta de flores e frutos, é
fundamental também o preenchimento de uma ficha com informações relevantes
sobre o espécime, tais como quem coletou o material, habitat, data da coleta e dados
que se perderão com a secagem, como a coloração das flores, folhas e frutos.
2.3 ARTE CONTEMPORÂNEA: CONFLUÊNCIAS COM O NATURALISMO
CIENTÍFICO
Considerando as confluências das relações entre arte e ciência no decorrer da
história, é possível tecer algumas considerações sobre o papel desempenhado pelas
imagens nas ciências naturais e suas relações com a arte contemporânea. Visando
compreender como diferentes técnicas de desenho, que são de uso comum no campo
das artes visuais e da ciência, podem servir de recurso na produção visual
contemporânea.
Ao pesquisar as possibilidades poéticas do naturalismo científico, a partir do
hibridismo entre o corpo e as plantas, busco estabelecer relações entre arte e ciência
na contemporaneidade. É importante considerar a extensão em que essa poética foi
abordada por outros pesquisadores. Para isso relaciono artistas que conciliam o
80
caráter gráfico da ilustração, enquanto ciência ao campo vasto, diversificado e
motivador das artes visuais.
As obras de artistas contemporâneos que contribuem para essa pesquisa foram
selecionadas por abordarem poéticas do corpo humano ou da botânica e algumas
delas por apresentarem a junção dos dois elementos. Alguns artistas mesclam o
hibridismo entre corpo e plantas, potencializando questões estéticas e culturais
através de imagem do corpo humano em interação com elementos da natureza.
Ao buscar uma definição do termo hibridismo encontra-se a relação entre duas
línguas diferentes ou duas culturas diferentes. Na etimologia da palavra, a junção dos
termos hibris do grego + hybrida do latim faz surgir o termo hibrido que significa seres
fabulosos, meio homem, meio animal, muito empregado em diversas figuras da
mitologia grega. Na ciência é usado para designar o cruzamento de espécies
diferentes.
No entanto o termo hibridismo vai além dos limites da linguagem ou da cultura,
atualmente é bastante usado no universo da Arte Contemporânea para designar a
multiplicidade e diversidade das artes resultantes das misturas entre gêneros,
suportes, técnicas, tecnologias, mídias e linguagens que foram se acentuando a partir
do final do século XIX.
O crítico de arte Artur Danto nos faz olhar a arte de uma nova maneira ao falar
sobre a arte contemporânea, nos coloca diante de um tempo “pós-histórico” sobre o
qual a arte interpretada historicamente passa a ter um fim. Vindo a ser pensada a
partir de um plano filosófico, o qual abarca diversos meios e práticas. Na fase pós-
histórica, existem incontáveis direções a serem tomadas para a prática da arte,
nenhuma delas mais privilegiada pelo menos historicamente que as demais.
Essa independência da arte requer pensar novos critérios e valores estéticos
com um viés reflexivo. A questão da pós-historicidade da arte levanta debates sobre
os termos: moderno, pós-moderno e contemporâneo.
A partir da segunda metade do século XX o processo de intensa crítica ao
modernismo propõe novos limites no campo do saber estabelecendo outras ligações
entre a razão e a emoção, fato que favorece a interação de diversas linguagens. Os
suportes tradicionais da arte tornaram-se insuficientes para a expressão das
81
transformações que a sociedade passava, justificando assim o anseio dos artistas em
ampliarem o campo de expressão e das questões estéticas.
Frijot Capra (2011) ao definir Da Vinci como um pensador sistêmico nos faz
refletir sobre a possibilidade de tecer relações entre áreas afins:
Compreender um fenômeno da natureza significava para ele relacioná-lo com
outros fenômenos por meio de uma afinidade de esquemas. Essa
excepcional capacidade de estabelecer relações entre observações e ideias
de disciplinas diferentes está no cerne da visão de Leonardo sobre a
aprendizagem e a pesquisa. (CAPRA, 2011, p.16)
Nesse sentido torna-se indispensável desenvolver o conhecimento científico a
partir de uma visão sistêmica e abrangente, ou seja, uma nova forma de ver e pensar
a realidade. É nesse contexto que se inserem os artistas contemporâneos que buscam
através de suas poéticas artísticas abordar as relações entre arte e ciência, suas obras
remetem a procedimentos científicos,porém a partir de uma nova forma de se
enxergar o mundo natural.
Ao analisar as dualidades e confluências dessas áreas e seus atravessamentos
na contemporaneidade, pode-se aferir que há uma relação com as ideias exploradas
por Leonardo da Vinci, porém com um enfoque. A aplicação e a combinação destas
potencialidades podem ser muito diversas, conferindo outras dinâmicas e novas
referências no contexto cultural e social. Essas relações podem ser entendidas de
diversas formas, quer pela complementaridade, quer pela influência recíproca.
Os movimentos artísticos da modernidade acabaram por afastar o desenho
naturalista do campo das artes, no entanto alguns artistas contemporâneos buscam
referencias nas vertentes do naturalismo científico para o desenvolvimento de suas
poéticas através de outros elementos.
Em relação aos referenciais visuais contemporâneos o artista Herman de
Vries22 (Alkmaar – Holanda,1931) contribui com essa pesquisa ao explorar em sua
produção visual a ideia de colecionismo. O artista não busca representar a paisagem
ou a natureza através de suas obras, seu objetivo é apresentar a natureza como ela
22 Nascido em Alkmaar – Holanda, em 1931. Começou a fazer arte sobre o tema "natureza e plantas" em 1953, o campo da arte não figurativa, realiza desde 1954, móbiles, pinturas monocromáticas, colagens, objetos ótico-cinéticos. Seu trabalho inclui viagens para coletar elementos naturais.
82
é. Através de instalação, fotografia ou pintura, partem da utilização dos materiais da
natureza, esses elementos são incorporando em forma de colagens, utilizando folhas,
galhos, flores, pedras que são reorganizadas nos remetem a organização de objetos
no formato de coleções científicas.
Suas obras apresentam um conceito de apropriação de formas visuais já
existentes, através do deslocamento dos elementos para o espaço expositivo. Além
das exposições seus trabalhos são publicados no formato de livros e catálogos.
Na obra Juniperu Comunnis (2014) (Figura 42), Herman de Vries apresenta um
pacote cheio de bagas de zimbro em uma exposição num centro de arte. Nesse local
funcionava uma antiga destilaria do holandês Jenever. O junípero, uma vez escolhido
por seus alegados efeitos medicinais, era usado na produção do tradicional holandês
Jenever.
Figura 42 – Herman de Vries. Juniperus comunnis. Bagas de zimbro, papelão, texto, 2014.
Fonte: (VRIES, Herman de, 2014).
Outro artista bastante expoente no cenário contemporâneo por abordar em sua
poética as relações entre arte e ciência é o norte - americano Mark Dion
(Massachusetts – EUA, 1961), conhecido por organizar instalações, onde ele recria
ambientes que lembram os gabinetes de curiosidades, reunindo animais empalhados,
83
pedras, plantas e outros objetos. Sua abordagem apresenta um deslocamento,
através da inserção de objetos que perturbam a ideia do racionalismo científico.O
trabalho do artista, diz ele, é ir contra a corrente da cultura dominante, desafiar a
percepção e a convenção, questionando as distinções entre os métodos científicos
"objetivos" ("racionais") e as influências "subjetivas" ("irracionais").
Na obra Herbarium (Figura 43), o artista produz uma série de sete
gravuras, inspirado no trabalho de Henry Perrine (1797 - 1840), um dos primeiros
horticultores a estudar as vastas ofertas agrícolas da Flórida e documentar suas
muitas espécies de plantas tendo ficado conhecido como um "caçador de plantas".
Figura 43 – Mark Dion, Herbarium, 2012, Lavagem acrílica, rótulos tipográficos e selos 41,9 x 29,2 cm (impressões) , 45,7 x 33,3 cm (portfólio).
Fonte: (Galeria Tanya Bonakdar23, 2017).
Perrine foi médico, horticultor, Cônsul dos Estados Unidos no México
responsável por introduzir plantas tropicais em cultivo nos Estados Unidos, após ser
envenenamento acidentalmente por arsênio em 1824, ele se mudou para o Mississipi
na esperança de que o clima ajudasse sua recuperação, lá começou a estudar ervas
23 Disponível em: <https://news.virginia.edu. >Acesso em: maio de 2017.
84
e plantas medicinais. No final de 1838 estabeleceu residência com sua família em
Indian Key, em uma terra cedida em Florida Keys onde iniciou um viveiro de plantas
tropicais. Nesse local ele e sua família foram perseguidos por residentes locais
Seminoles24, sua esposa e filhos conseguiram fugir, mas Perrine foi morto em sua
casa que foi queimada junto com os materiais de suas pesquisas.
Na exposição Dion oferece uma apresentação fantástica desses artefatos
perdidos, especulando sobre o que poderiam ter sido. A obra Herbarium relaciona-se
a pesquisa indiretamente, pelos elementos de organização, a maneira como a obra
está exposta, apresentada visualmente de forma clara, limpa e referenciada a estética
das imagens das ciências naturais e os estudos dos naturalistas dedicados a
catalogação de plantas de uso medicinal.
Sob outro enfoque Nunzio Paci (Bologna – Itália,1977), é um artista que em
suas obras recentes se expressa através do uso de técnicas de pintura e desenho,
abordado questões científicas e ambientais, com ênfase especial para a anatomia e a
relação homem-natureza, suas obras fazem analogias entre corpos e plantas.
Na obra O crescimento lento da carne (2015) (Figura 44), o artista representa
um corpo que por vezes parece estar em um estágio de dissecação, porém a
expressão do rosto e a inserção de elementos naturais que brotam desse corpo,
conferem a imagem certa vitalidade. Seu estilo é bem próprio e expõe um corpo
visceral, sendo a anatomia parte essencial do repertório do artista, figurando em
sua obra como um elemento estético.
O artista descreve seu trabalho como uma intenção de explorar as infinitas
possibilidades da vida, em busca de um equilíbrio entre realidade e imaginação. “Meu
trabalho inteiro trata da relação entre homem e natureza, em particular com animais e
plantas. O foco da minha observação é corpo com suas mutações. Minha intenção é
explorar as infinitas possibilidades da vida, em busca de um equilíbrio entre realidade
e imaginação.” (2017)
24 Os seminoles ou seminolas são um dos grupos indígenas da América do Norte, que vivia em terras do Canadá e dos Estados Unidos, originariamente na Flórida e atualmente estabelecidos em Oklahoma.
85
Figura 44 – Nunzio Paci, O crescimento lento da carne. Pintura, 2015.
Fonte: (Nunzio Paci25, 2015).
Entre os artistas contemporâneos brasileiros que se destacam no cenário
artístico atual, cabe ressaltar Sergio Alevatto, (Rio de Janeiro – Brasil, 1971), um
artista com formação na área da ilustração botânica e posterior formação em artes
cujas obras fazem relação entre a arte e a ciência, através do uso de técnicas
tradicionais da ilustração botânica usadas na representação de personagens da
cultura popular.
Estudante bolsista da Fundação Margaret Mee, em Londres, ele entra em
contato com as técnicas de ilustração botânica as quais mais tarde passa a usar em
suas obras de forma não convencional. Seu trabalho remete a representação
naturalista, porém com um novo enfoque.
25 Disponível em: <https://www.artsy.net/artwork/nunzio-paci-when-the-flesh-sleeps-everything-sleeps> Acesso em: maio de 2017.
86
É no campo inusitado da ilustração botânica, a meio caminho entre a arte e a ciência, que nasce a flora peculiar de Sérgio Allevato (Rio de Janeiro 197). Construídas com técnicas clássicas de representação da natureza, que remetem aos naturalistas e aos viajantes dos séculos 17 e 18, suas aquarelas evoluem da fidedignidade absoluta à reinvenção de espécimes, gerando híbridos de cujos caules e ramos brotam partes de conhecidíssimos personagens da cultura pop e do universo infantil. (http://www.sergioallevato.com.br/bh2007.pdf)
Na primeira fase, suas obras trazem hibridismos entre partes de espécies
vegetais e personagens infantis, dessa fase podemos destacar obras como Heliconia
musculus (Figura 45) onde em um primeiro olhar, esse hibridismo é tão tênue, que
passa quase despercebido.
Figura 45 – Sérgio Allevato, Heliconia musculus 2006, aquarela sobre papel, 60 x 50cm. Figura 46 – Sérgio Allevato, Flora Carioca, 2011, óleo sobre linho, 100 x 80 cm.
Fonte: (Sergio Allevato26).
À primeira vista, suas obras parecem retratar a flora, como a tradicional arte
botânica, mas observando melhor, o observador descobre, em partes da anatomia
26 Disponível em: <http://www.sergioallevato.com.br/>Acesso em: maio de 2017.
87
das plantas, desenhos de personagens do imaginário infantil. Em uma segunda fase
o artista compõe os rostos desses personagens da cultura pop,são estruturados a
partir de plantas da flora de cada região, nacionalidade ou afinidade territorial dos
personagens de desenhos animados. Em Flora Carioca (Figura 46) o personagem Zé
Carioca, criado pela Disney para representar os cariocas é representado com plantas
brasileiras, mesclando a linguagem científica e a pop, criando espécies não naturais,
mas com forte caráter de nacionalidade. Em trabalhos mais ousados ele mistura o
sexo das plantas, com o não sexo dos personagens infantis, deixando o observador
desconfiado estar diante de um trabalho malicioso. Seu trabalho mescla a dualidade
entre a realidade e a fantasia, trazendo um olhar contemporâneo para as relações
entre a arte e a ciência, às vezes questionador das relações entre o conceito e a
imaginação.
Figura 47 – Walmor Corrêa. Série Super Heróis. 2005. Dimensões desconhecidas.
Fonte: (CORRÊA, Walmor27, 2005).
Outro artista brasileiro que tem se destacado é Walmor Corrêa (Florianópolis,
Brasil, 1962) aos 17 anos passou a residir em Porto Alegre, Walmor busca através de
27 Disponível em: <http://www.walmorcorrea.com.br/obras/.> Acesso em: 13 de jul. de 2017.
88
suas obras, confrontam os limites entre os dois campos de conhecimento ao fantasiar
novas espécies biológicas, improváveis dentro do processo evolutivo. Na série Super
Heróis (Figura 47), o artista inspira-se nas técnicas de ilustração científica, usadas na
descrição de espécies, para criar ilustrações artísticas de criaturas do folclore popular,
ou seres híbridos de espécies que não existem na natureza. A delicadeza de suas
representações quase dá vida a espécies improváveis, o uso do fundo branco com
anotações explicativas, deixa o observador duvidoso sobre estar diante de um
trabalho de catalogação científica.
O artista argentino Juan Gatti (Argentina, 1950), explora a anatomia e a
botânica em sua poética através de colagens. Conhecido principalmente como
um designer, em 2011 Juan Gatti estabeleceu-se nas galerias de arte com sua série
Lascienciasnaturales (Figura 48), na Fresh Gallery, em Madrid, uma mostra de 25
colagens inspiradas no trabalho realizado para Almodovar no filme La piel que habito,
as composições combinam anatômica, estudos botânicos, insetos, etc.
Figura 48 – Juan Gatti. Colagens da série La Piel que Habito. Dimensões desconhecidas, 2011.
Fonte: Juan Gatti28
Posteriormente foram produzidos acessórios de moda com estes temas: lenços
de seda, t-shirts ou almofadas. Trata-se de um projeto pessoal onde o artista explora
28 Disponível em: <https://adrianazavoi.wordpress.com/2013/04/07/la-piel-que-habito-sau-pictorul-almodovar/juan-gatti-02> Acesso em: 13 de jul. de 2017.
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a fixação pela anatomia humana, à semelhança da obsessão do cirurgião de La piel
que habito, interpretado por Antônio Banderas, que procura alcançar uma pele
perfeita.
Com uma estética que lembra as ilustrações do século XIX, quase como uma
mistura entre o célebre livro Gray’s Anatomy de Henry Gray e as ilustrações do
naturalista John James Audubon, as colagens de Gatti colocam, ironicamente, o
homem despido de pele e defesas, perante a natureza e os animais. Segundo
declarações do próprio Gatti ao El País, nas suas colagens podemos testemunhar um
diálogo entre seres vivos, onde a vida flui numa certa procura do paraíso perdido.
O contraste entre o homem desprovido de pele e a rica fauna e flora,
deslumbrantes nas suas asas, penas e pétalas, pretende evidenciar a perfeição da
máquina extraordinária que é o ser humano. Apresentando de forma evidente como
músculos, artérias, veias e ossos se articulam e tornam o homem vivo e a forma como
este pode viver em harmonia com a natureza.
Marco Mazzoni (Tortona - 1982), atualmente vive e trabalha em Milão. Mazzoni
tece um mundo baseado no folclore italiano, formado por Janas e Cogas, figuras
femininas que, segundo as crenças sardinianas, seduzem, encantam, amaldiçoam e
curam. Marco Mazzoni ressalta a importância da interação entre as mulheres e as
plantas na obra Hibiscus (2010) (Figura 49), o rosto feminino aparece emoldurado por
plantas. Cada desenho está saturado de metáforas que contam sua história.
Sua obra é uma homenagem à arte secreta das curandeiras femininas e
parteiras que desempenharam um papel importante. Essas figuras femininas eram
respeitadas e seus conhecimentos de ervas medicinais conferiam-lhes um poder que
a Igreja e o Estado medieval tentaram impedir. Com o advento da Contra-reforma, a
postura assumida por aqueles que curaram com ervas tornou-se severa; as
autoridades eclesiásticas criaram um rompimento irreparável entre a medicina
popular, praticada por mulheres, e a medicina tradicional, praticada por homens,
implementando a vigilância dos métodos de tratamento terapêutico. As composições
circulares, que aludem aos ciclos da Natureza, retratam plantas medicinais e
lisérgicas, borboletas polinizadoras e aves que bebem seu néctar, e escondidas entre
folhas e asas emergem os rostos dessas mulheres forçadas a esconder sua
sensualidade e seus conhecimentos devido ao fanatismo imposto pela religião,
acusadas de bruxaria.
90
Figura 49 – Marco Mazzoni, Hibiscus, Lápis de cor sobre papel, 2010.
Fonte: (MAZZONI, Marco29, 2010).
Na arte contemporânea brasileira, um artista que nos faz pensar as relações
entre anatomia e botânica é o Guto Nóbrega (Brasil - 1965), ao investigar as plantas
no contexto de arte e tecnologia. Na obra Ephemera (2008) (Figura 50), o artista
explora a sobreposição de imagens de plantas em movimento projetadas sobre o
corpo humano.
Nesse trabalho a luz atua com um papel fundamental ao conectar seres
humanos e plantas em uma única imagem. Mais do que transformar a pele humana
numa espécie de tela orgânica, Ephemera, por sua vez, usa luz como meio para
amalgamar seres de diferentes naturezas, mas que compartilham uma conexão mais
profunda: a expressão como um organismo vivo.
29 Disponível em: <https://www.phantasmaphile.com/2010/09/marco-mazzoni.html.> Acesso em 13 de out. de 2018.
91
Figura 50 – Guto Nobrega. Ephemera. Vídeo e projeção, 2008.
Fonte: (Tecnoarte New30, 2008).
Num mundo mediado por tecnologia, arte persevera como ação fundamental
para uma reconciliação entre a intuição humana e as energias vitais veladas na
natureza. Plantas estão vivas e em movimento, mas em sua forma de existir muito do
seu comportamento escapa nossa percepção. Ephemera constrói sua poética com
base em diferentes temporalidades para criar um espaço entre o expectador e aobra.
Sua metáfora é trazer visibilidade a essas novas formas que se apresentam através
da projeção.
A artista Yui Ishibashi (Japão, 1985), cria esculturas são inquietantes e
serenas. Ela cria criaturas semelhantes a humanos que têm ramificações que
crescem a partir delas ou têm ramos que as cercam / aprisionam como, por exemplo,
na obra Kemono (Figura 51). Usando uma variedade de materiais, como madeira,
resina, tecido, argila, arame de aço e pó de pedra, ela frequentemente retrata figuras
cujas raízes se estendem e projetam para fora em várias direções. Os ramos salientes
aparentam uma falta de controle sobre os processos orgânicos. Algumas dessas
saliências parecem dolorosas ou inesperadas.
30 Disponível em:<www.tecnoartenews.com/esteticas-tecnologicas/ephemera-de-guto-nobrega-apresenta-plantas-em-movimento-projetadas-sobre-o-corpo-humano/>Acesso em: 13 de jul. de 2018.
92
Figura 51 – Yui Ishibashi. Kemono, Escultura, 59 x 42 x 38 cm, 2014.
Fonte: (YuiIshibashi31).
Muitas vezes suas figuras são brancas, enquanto suas saliências são verdes
ou vermelhas. Essas figuras são parecidas com humanos, mas seus corpos macios,
redondos e brancos parecendo uma lâmpada dão ao espectador uma sensação de
que também são da terra. O trabalho de Yui nos torna profundamente conscientes de
como estamos entrelaçados com o mundo natural, e o equilíbrio o entre ciclo de nutrir
e esgotar, entre viver e o morrer.
O artista norte-americano Michael Reedy (Estados Unidos, S/D),considera o
corpo humano o veículo artístico mais expressivo para representar as ansiedades do
mundo moderno. A imagem anterior Malum A (Figura 52) é uma amostra do trabalho
mais recente de Reedy. O artista usa em suas composições figuras realistas, porém
com representações de secções anatômicas e um o fundos povoadas por diversas
criaturas que vão desde anjos, insetos e plantas. Nos desenhos mais recentes, aborda
temas intemporais da vida, da morte e da condição humana, através de imagens mais
trágicas e mais belas do corpo, como um momento de dor e transição. Suas
31 Disponível em: <https://www.lilavert.com/blog_lilavert/human-nature-sculptures-by-yui-ishibashi/> Acesso em: 13 de nov. de 2018.
93
inspirações vêm da ilustração médica aliada a ornamentação, comédia de humor
negro, e estranho.
Figura 52 – Michael Reedy. Malum A, técnica mista sobre papel, (S/D) 30x 40 cm.
Fonte: (Besnos Blues32).
Através de suas obras Reedy revela essa curiosidade dos limites físicos do
corpo em sua fase final. O artista considera seu interesse na representação do corpo
como algo enraizado em referências contínuas à ilustração anatômica, porém sobre
uma nova abordagem para descrever a dor e a morte, quase que uma tragédia cômica
da existência física à medida que envelhecemos.
Na sociedade atual a imagem tem um forte poder perceptivo, e tais abordagens
artísticas evidenciam as relações estabelecidas entre arte e ciência no decorrer da
história. Ao pensarmos nas obras anteriormente apresentadas, percebe-se que as
relações entre arte e ciência atuam como uma ponte dialética eficaz, capaz de
alavancar os discursos artísticos para outras dimensões. Apesar dos artistas
32 Disponível em: <https://hiltonb1954.wordpress.com/2015/03/29/0078-a-anatomia-moderna-de-michael-reedy/>Acesso em 07 de jan. 2018.
94
trabalharem com linguagens e suportes diferentes, ambos apresentam um novo
enfoque, novos conceitos para as referências históricas sobre um viés artístico da
contemporaneidade.
Sendo assim, ao mesmo tempo em que se diferenciam se complementam, pois,
a arte apropriou-se de conhecimentos de ordem científica com o intuito de aprimorar
suas obras, enquanto que a ciência fez uso de técnicas usadas pelos artistas para
documentar espécies e divulgar conhecimentos de ordem científica. Essa proximidade
entre as duas áreas faz com que, de certa forma, a arte e a ciência traçassem um
percurso paralelo.
As relações entre arte e ciência atravessaram continentes e séculos chegando
até produções da atualidade, sendo que muitos trabalhos relacionam esses dois
campos de conhecimento, no contexto da Arte Contemporânea. Isso acontece por
que as obras de arte não são fenômenos isolados, mas estabelecem relações
complexas com outras formas de produção de uma sociedade.
Atualmente, essa interdisciplinaridade tem sido desenvolvida por muitos
artistas contemporâneos como um conceito operacional e estratégico. Numa época
influenciada pelos princípios da ecologia e necessidade crescente de se pensar a
preservação do patrimônio natural, a arte assume um papel fundamental, atuando
como um meio facilitador e provocador de percepções, despertando olhares e
interesses.
Neste contexto, as obras que relacionam anatomia e botânica atuam como uma
unidade comum que potencializam as reflexões sobre as relações entre o homem e a
natureza. Partindo destas referências, o discurso evoluiu no sentido de estimular o
olhar, para essas novas materialidades. Isto é, explorar as vastas potencialidades
oferecidas pelas áreas do conhecimento no âmbito anatomia e da botânica.
95
3 ANATOMIA E BOTÂNICA UMA POÉTICA EM PROCESSO
3.1 A VIAGEM PELA FLORA INTERIOR
Viajar permite conhecer, explorar territórios até então desconhecidos. A
exploração de fronteiras e [entre]cruzamentos da Anatomia e Botânica na viagem
pela flora33 interior tem seu ponto de partida no desenho, como um elemento de
ligação entre a arte e a ciência. A palavra flora em botânica refere-se a um conjunto
de plantas de determinada região, já a palavra interior em anatomia está relacionada
aos órgãos internos, cavidade de um corpo ou suas entranhas.
Ao relacionarmos as duas palavras, chegamos um percurso onde a natureza
atua como um laboratório de arte. Nesse espaço, são exploradas, as percepções
sobre o fazer artístico em seu processo. Analisar as subjetividades decorrentes dessa
viagem requer estabelecer conexões com as descobertas, dobras e
redirecionamentos do percurso. O reconhecimento e as percepções sobre momentos
importantes durante a trajetória, através do desenvolvimento de experimentos e
processos construtivos, aliado a busca de referenciais teóricos e visuais.
Durante o processo de produção surgem descobertas, acertos e erros que
atuam como parte importante da pesquisa e direcionam a uma compreensão mais
clara da temática escolhida. Nesse percurso é fundamental perceber o quanto o
mundo exterior reflete nas tomadas de decisões do artista, sendo de fundamental
importância para que as transformações e descobertas ocorram.
Estas observações aguçaram a possibilidade de experimentar e manipular as
técnicas de desenho, comum às artes e às ciências naturais, visando promovendo
questionamentos e reflexões através de uma produção em arte nas fronteiras entre a
Anatomia e Botânica.
33 Flora é o conjunto de espécies vegetais de uma determinada região. O Brasil possui a maior biodiversidade vegetal do planeta, com mais de 55 mil espécies de plantas superiores e cerca de dez mil briófitas e algas, um total equivalente a quase 25% de todas as espécies de plantas existentes. A maior parte da flora brasileira encontra-se na Mata Atlântica e na Floresta Amazônica, embora o Pantanal Mato-grossense, o Cerrado e as Restingas também apresentem grande diversidade vegetal. O desmatamento, as queimadas e outras ações humanas, nesses habitats, são fatores que contribuem para o aumento de espécies na lista de espécies ameaçadas de extinção. Disponível em: <http://www.biologia.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=102> Acesso em: 28 de jan. 2019.
96
Embora o ensejo inicial em trabalhar com essa temática, tenha sido as
memórias e percepções visuais em relação a plantas. No decorrer do processo de
criação, os trabalhos foram ganhando novos direcionamentos a partir das percepções
sobre as relações das plantas com o corpo. Essas reflexões perpassam questões
simbólicas, decorativas e a exploração das propriedades curativas das plantas pelo
homem.
Muitas plantas presentes na produção dos autorretratos possuem propriedades
curativas, como por exemplo, o maracujá34 que é um calmante natural, o uso da
semente de abóbora35 contra vermes, o anis36 estrelado usado contra resfriados.
Essas percepções estão extremamente relacionadas ao conhecimento empírico
advindo das relações sociais e culturais.
Inicialmente as plantas aparecem nos desenhos em uma relação externa,
constituindo um emaranhado que envolve os corpos. No processo de produção dos
desenhos, são usadas imagens/fotografias de pessoas como referência, no entanto,
não há uma preocupação em mostrar o rosto, mas sim explorar as relações de
determinadas plantas com as formas do corpo humano. Algumas plantas usadas para
os desenhos foram cultivadas, outras coletadas nos percursos e deslocamentos.
Ao explorar uma temática que relaciona Anatomia e Botânica faço alusão ao
conhecimento produzido pelo homem a partir da observação dos fenômenos da
natureza em suas relações das plantas com o corpo. Esse saber acumulado e
repassado oralmente sempre foi presente nas conversas com meus pais, nas
percepções sobre o uso cotidiano de ervas. O bule de água fervente, os aromas no
ar, as diferentes cores dos preparos nos vidros, tudo isso me fez adentrar nas
profundezas dessas relações que não são somente exteriores.
34 Nome de origem tupi, maracuya (aliemento na cuia), pertence à família passifloraceae. Contém alcaloides e flavonoides, substâncias que agem no sistema nervoso central e atuam como tranquilizantes, analgésicos e relaxantes musculares; a casca é rica em pectina ajudando a eliminar gordura; as sementes são muito utilizadas para a produção de esfoliantes para pele. Disponível em: <https://saude.abril.com.br/bem-estar/maracuja-os-beneficios-vao-alem-da-acao-tranquilizante> Acesso em 12 de Nov. 2018. 35. A abóbora ou jerimum é o fruto da aboboreira, tem seu nome atribuído a várias espécies de plantas da família Cucurbitaceae. Nativa da América do Sul, ela é cultivada em todo o mundo por ser extremamente nutritiva e saborosa. No Brasil as abóboras são cultivadas antes mesmo da colonização já faziam parte da alimentação dos indígenas. Disponível em:<https://www.conquistesuavida.com.br/ingrediente/abobora_i545202/1> Acesso em 12 de Nov. 2018. 36 Cientificamente é chamado de Illicium verum.Também conhecido popularmente como anis-da-china, anis-da-sibéria, badiana e funcho-da-china, é uma planta originária da China e do Vietnã. Uma especiaria conhecida por seu uso culinário, de aroma agradável. Disponível em: <https://www.ecycle.com.br/6380-anis-estrelado.html> Acesso em: 12 de Nov. 2018.
97
Na obra A flor da pele (Figura 53) as plantas aparecem de forma simbólica, na
imagem de um casal envolto por flores. Dentre elas destacam se: a flor amor-perfeito37
conhecida como a planta do amor. O lírio é a flor real representada na imagem da flor
de lis, símbolo da geração, de prosperidade, o lírio simboliza38 poder, soberania,
lealdade e honra, simboliza também a pureza tanto do corpo, como da alma. Para a
cultura chinesa, o lírio representa a fartura, o amor eterno e o verão.
Figura 53 – A flor da pele, Grafite e aquarela sobre papel Canson, 42 x 60 cm, 2017.
Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2017).
A pele, comumente associado à função de envolver e proteger o corpo, atua de
forma simbólica como um invólucro que delimita o que está fora, o que está dentro,
atuando como uma interface entre o ambiente interno e externo do corpo.
Na busca de um novo olhar para a subjetividade das relações entre Anatomia
e Botânica, o discurso evolui de um estágio inicial para um elaborado. Passando a
37 De nome botânico Viola tricolor vem sendo usada ao longo dos tempos para várias utilidades. Era uma flor muito valorizada na Grécia Antiga, e os atenienses usavam uma coroa dessas flores para combater a dor de cabeça e enjoo. Celtas e Romanos preparavam cosméticos e perfumes com a flor. Na Idade Média, feiticeiros acreditavam que elas tinham o poder de afastar o mal. Na Inglaterra a flor foi também usada para produzir uma poção do amor. Além de seu uso em cosméticos e na culinária há relatos de seu potencial como agente terapêutico no tratamento diversas doenças. Disponível em: <https://www.significados.com.br/flor-amor-perfeito/> Acesso em 12 de Nov. 2018. 38 Disponível em: <https://www.dicionariodesimbolos.com.br/lirio/> Acesso em 12 de Nov. 2018.
98
refletir sobre aquilo que está para além do que se vê, além da forma e composição, o
que está implícito, oculto na linguagem visual. Entre o corpo e as plantas sepercebem
questões mais concentradas no ser, nas energias vitais que todas as formas vivas
terrenas possuem, e como essas energias se relacionam.
A energia vital é uma força interna, responsável pelo equilíbrio e manutenção
da vida orgânica, um elemento físico, que todo ser vivo seja uma planta ou uma
pessoa possui. Essas energias se complementam no sentido que, quando um corpo
encontra-se em desequilíbrio físico, as plantas atuam através de seus princípios
ativos, no sentido de devolver a vitalidade ao corpo. As imagens resultantes das ações
construtivas da composição, enfatizam a vitalidade das relações entre o corpo e as
plantas.
A arte contemporânea permite cursar caminhos entre diferentes áreas do
saber, através de uma sintonia entre a produção e a reflexão teórico prática. As obras
mostram sua potência quando, passam de meras imagens, a falar por si só. Uma obra
de arte não precisa ser descrita, apenas apreciada e sentida, pois a arte expressa o
que as palavras não permitem traduzir.
O trabalho gráfico de representação espécies vegetais em harmonia com as
partes do corpo não correspondem um estudo científico, no entanto, o hibridismo se
apresenta no decorrer do processo criativo, como resultados de estudos e analogias
das formas do corpo e determinadas espécies vegetais.
Como forma de expressão nas artes visuais a linguagem do desenho é
fundamental no percurso poético, pois caminha paralelamente com a temática
favorecendo a materialização das ideias e possibilidades de leituras. Nesse sentido
tão relevante quanto à temática, são os conhecimentos técnicos necessários para
expressar as ideias e provocar o olhar do observador para a temática abordada.
Dentro da linguagem do desenho existem inúmeras técnicas. A escolha dos materiais
e técnicas utilizados na produção está intimamente relacionada às qualidades
perceptivas que se deseja abordar nas obras.
A obra Aflorar (Figura 54) traz um corpo feminino de costas em uma postura
fechada onde, os braços e pernas parecem isolar ou proteger o corpo. O desenho é
composto ainda por variedade de plantas, que percorrem e criam conexões com o
corpo. A expressão aflorar se relaciona aquilo que estava escondido, e de repente
torna-se evidente, como um autoconhecimento do corpo que aos poucos aflora.
99
Figura 54 – Aflorar. Grafite e aquarela sobre papel Canson, 0,42 x 60cm, 2017.
Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2017).
Ao desenvolver uma poética em arte que tem o desenho enquanto técnica e
linguagem artística é importante refletir sobre suas concepções no meio artístico. Para
Edith Derdyk (2004) desenhar é dar formas, traçar, delinear ou rabiscar algo, por meio
de linhas, pontos, riscos etc. O desenho é a arte de pôr em prática uma ideia, real ou
imaginária, qualquer que seja, e representar numa superfície. (apud MORENO, 2005).
No exercício do desenho de observação desenvolve-se o pensamento
analógico e concreto, o senso de proporção, espaço, volume e planos. A
sensibilidade e a intuição são aguçadas enquanto se passa a apreciar
melhor os outros elementos da linguagem gráfica: textura, linha, cor,
estrutura e composição (HALLAWELL, 1994, p.9)
Ao relacionar Anatomia e Botânica através do desenho, considero de
fundamental importância, além do conhecimento dos materiais e técnicas, o
conhecimento dos elementos formais e conceituais do desenho. Uma das grandes
100
dificuldades ao criar uma composição, usando o desenho está em organizar a
distribuição dos elementos de forma equilibrada.
Segundo Phillip Hallawel (1994, p.15) “compor é organizar os elementos do
desenho, as linhas, os pontos, as manchas, as cores e os espaços vazios de maneira
equilibrada no espaço disponível”.
Figura 55 – Exemplo citado por Philip Hallawel, ao falar sobre equilíbrio.
Fonte: (HALLAVEL, 1994).
O autor cita a imagem (Figura 55) como um exemplo onde a composição é
organizada mais ao centro possui maior equilíbrio do que uma composição com peso
maior para um dos espaços da folha. O desenho caracteriza-se por ser uma
composição bidimensional e atua como suporte artístico quando esta composição
possui certa intenção estética. O desenho envolve uma atitude do desenhista em
relação à realidade, este pode desejar imitar a realidade sensível, transformá-la ou
criar uma nova realidade com as características próprias.
Os fundamentos estéticos dessa produção têm suas bases nos estudos
realizadas há séculos para compreensão profunda do corpo humano, e no
pressuposto que em suas origens os primeiros livros de ilustração botânica
retratavam plantas medicinais, visando ajudar o leitor a identificá-las e a usá-las
(Figura 56).
101
Figura 56 – Estudos de composição, Grafite e aquarela sobre papel. Canson, 0,21 x 0,29 cm, 2017.
Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2017).
O desenvolvimento da poética evolui objetivando produzir novos elementos
anatômicos, unindo as qualidades curativas das plantas e as enfermidades para as
quais são indicadas, a partir do reconhecimento do uso de plantas medicinais desde
as civilizações antigas até hoje.
Considerando que as obras de arte não são fenômenos isolados, mas sim
estabelecem relações com outras formas de produção de uma sociedade. A
valorização dos conhecimentos acumulados, as relações e complementaridade e
reciprocidade das áreas da ciência e da arte, fazemcom que a pesquisa adquira um
caráter interdisciplinar. Atualmente, essa interdisciplinaridade tem sido desenvolvida
por muitos artistas contemporâneos como um conceito operacional.
Numa época influenciada pelos princípios da ecologia, da valorizaçãodo
patrimônio construído, cultural e histórico em com conjunto com o patrimônio natural,
é importante repensar o papel do homem em suas relações com a natureza. Neste
contexto, a ideia de uma unidade escondida, uma forma subjacente comum entre a
102
Anatomia e Botânica, tem como base o saber popular sobre as curas do corpo através
do uso de plantas.
Partindo do princípio que plantas tenham sido utilizadas desde os primórdios
das civilizações, essas atribuições têm como base o conhecimento de tribos indígenas
que ainda preservam a tradição e o uso de princípios ativos de plantas. Esse
conhecimento de origem popular ganha cada vez mais espaço no contexto atual,
pautado no conceito de etnobotânica.
O termo etnobotânica refere-se uma ciência que estuda como as pessoas se
relacionam com as plantas em suas vidas. Se pararmos para pensar, os seres
humanos, ao longo da história, mantiveram uma interação muito forte com o reino
vegetal. Plantas foram utilizadas desde os primórdios das civilizações para construir
moradias, utensílios, alimentos, há relatos de plantas relacionadas a mitos e crenças.
Renata Coelho Sartori (2013, p.84) define a etnobotânica como uma área da
ciência multidisciplinar que abarca conhecimentos das Ciências Naturais: a Botânica,
a Ecologia, a Fitofarmacologia e a Medicina; das Ciências Humanas: a Etnologia, a
Sociologia, a História, a Arqueologia e a Linguística, abrangendo ainda setores da
Economia e também o campo das Artes como pinturas, obras literárias, etc.
Ao trabalhar uma poética entre Anatomia e Botânica, é importante estabelecer
associações entre os diferentes saberes, valorizando o diálogo entre as diferentes
formas de conhecimento para uma produção significativa.
Um dos fatores fundamentais no processo de construção da poética é reunir os
elementos que irão compor um conjunto representativo de desenhos. Nesse processo,
o contato com três livros de família (Figura 57) foram importantes, através deles
realizei um levantamento das plantas com propriedades medicinais para determinadas
partes do corpo. Desses três livros: um deles que pertenceu ao meu avô - A Saúde
Brota da Natureza de Pof. Jaime Brüning de 1984; outro que pertence a uma tia –
Doutor Saúde Medicina Natural de organização do Naturólogo Júnior; e o terceiro livro
usado pelos meus pais – Plantas Medicinais de Irmão Cirilo.
103
Figura 57 – Livros de família (da esquerda para direita): A Saúde Brota da Natureza, Doutor Saúde Medicina Natural, Plantas Medicinais.
Fonte: (SILVA, Alessandra, 2018).
Na viagem pela flora interior, os trabalhos vão dando direcionamento à
questões mais técnicas da anatomia, inspirados nos estudos de ilustração médica,
referencias visuais de ilustradores científicos e o desenvolvimentos de estudos e
experimentações.
Ao buscar referências para o desenvolvimento dos trabalhos, realizei um
levantamento iconográfico de ilustrações de anatomia humana, usadas pela medicina
tradicional e ilustrações botânicas de plantas com propriedades curativas, usadas pela
medicina popular. Posteriormente, essas imagens foram impressas e com elas
produzi um Caderno de Colagens (Figura 58) que serviu como material de estudo para
pensar as composições e suas qualidades estéticas e formais, relacionando plantas e
órgãos do corpo humano.
104
Figura 58 – Caderno de Colagens, 2017.
Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2017).
O trabalho de coleta de referências para produção dos desenhos contou ainda
com anotações das informações levantadas através das leituras e conversas,além da
coleta de plantas pelos deslocamentos nos caminhos onde passei nos últimos dois
anos. Para um artista - viajante todos os elementos novos descobertos são
importantes, e revelam uma gama plural de possibilidades de exploração.
No decorrer desse processo, foi necessário fazer algumas escolhas,
considerando que uma mesma planta apresenta indicações para mais de uma pate
de corpo. Essas escolhas levam em consideração a não saturação das composições,
o cuidado para sobrecarregar visualmente as imagens. Algumas dessas colagens
deram origens aos desenhos realizados posteriormente.
Durante a pesquisa fui guardando muitas plantas seca, as quais deram origem
a uma série de Desenhos com Colagens de Plantas (Figura 59) que serviram de
estudos, vestígios dos materiais utilizados durante o processo.
105
Figura 59 – Desenhos com Colagens de Plantas. 2017.
Fonte:(SILVA, Alessandra da, 2017).
Ao desenvolver uma produção em arte estabelecendo diálogo entre Anatomia
e Botânica, me deparei com um percurso de levantamento de hipóteses e exploração
de diferentes possibilidades para chegar aos trabalhos finais. Assim asobras em
processo, se deslocam de uma ideia inicial e vão sendo reorganizada a partir das
reflexões do fazer em seu processo, e das relações estabelecidas com o contexto
histórico, social e artístico. Partindo desse pressuposto a processo de criação vai
ganhando leis próprias, conforme as ideias são testadas e reorganizadas. Muitas
vezes, as ações do acaso se tornam fundamentais no percurso, acabam por ser
acolhidas e incorporadas a obra, outras vezes servem apenas para despertar o olhar
para outras possibilidades.
Os desenhos produzidos a partir dos estudos de colagens relacionam órgãos
internos do corpo humano, com plantas e suas raízes que tecem como redes que
transportamos elementos centrais do corpo a partir da relação das formas e das
estruturas e da efemeridade da vida. A estética das imagens das ciências se reflete
na escolha das cores, à delicadeza dos traços, construindo um conjunto portador de
106
uma poética visual que nos faz adentrar na riqueza das relações das plantas com o
corpo.
Durante o processo de produção das obras, podemos observar que a viagem
pela flora interior, compreende um deslocamento no espaço, na memória, na história
e no futuro. Potencialmente esse trajeto pode revelar infinitas possibilidades, a partir
de uma percepção sensível e de um olhar atento para as relações entre Anatomia e
Botânica.
Explorar o interior dos corpos é mergulhar naquilo que nos constitui enquanto
essência. As referencias do desenho científico dos registros visuais praticados pelos
naturalistas, aparecem nas espécies da flora que se relacionam com as partes do
corpo. A estética das imagens das ciências naturais se faz presentes nas obras pela
escolha das cores, à delicadeza dos traços construindo um conjunto portador de uma
poética visual que nos faz adentrar na riqueza das relações das plantas com o corpo.
A pesquisa poética em desenvolvimento usa a linguagem do desenho, para
estabelecer uma analogia entre as similaridades formais da anatomia vegetal e
humana, abordando gestos expressivos dos órgãos do corpo humano, junto às figuras
de formas vegetais. Essas representações a partir de uma interpretação pessoal, das
relações entre o corpo humano e as múltiplas formas de vida na natureza, agregam
questionamentos particulares que se distanciam do gênero meramente ilustrativo.
A obra Revigorar (Figura 60) consiste em uma imagem da caixa toráxica
destacando alguns órgãos em seu interior: pulmão, estomago e intestino. A obra
caracteriza-se por uma relação visceral entre o homem e as plantas que nutrem uma
ligação, um atrelamento e dependência. Nesse trabalho busquei referência nas
plantas que possuem determinadas funções curativa para os pulmões, estômago e
intestino
107
Figura 60 – Revigorar. Grafite e aquarela sobre papel Canson, 42 x 60 cm, 2018.
Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2018).
O corpo humano possui certa similaridade com os vegetais na medida em que a
pele pode ser comparada à epiderme dos vegetais, o esqueleto humano que nas
plantas é como a celulose, o sangue humano pode ser comparado com a seiva nas
plantas responsável pelo transporte dos nutrientes, os pulmões são como as folhas, o
intestino responsável pela absorção de nutrientes desempenham funções
semelhantes às raízes, os órgãos sexuais que nas plantas são representados pelas
flores.
108
Figura 61 – Renascer. Grafite e aquarela sobre papel Canson, 35 x 50cm, 2018.
Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2017).
Coincidentemente ou não, algumas plantas que tratam um determinado
sistema ou órgão no corpo humano realmente se parecem com ele. As nozes,
presentes na obra Renascer (Figura 61), são conhecidas pelos benefícios para o
cérebro39, e possuem uma visualidade semelhante. Sua casca se assemelha a um
crânio que ao se abrir, revela formas semelhantes as do cérebro. Essas metáforas da
natureza, foram reinterpretadas pelo homem no decorrer do tempo.
Ao analisar o desenho enquanto técnica e seu potencial como elemento na
linguagem poética, percebemos que o desenho é muito utilizado, para estudo de
39 Pesquisas realizadas no Instituto de Medicina Funcional, que fica na Flórida, nos Estados Unidos, mostraram que mais de 40% dos diagnósticos de depressão surgem pela deficiência de folato. As nozes são uma rica fonte de folato, uma vitamina essencial para que o cérebro funcione adequadamente, melhorando a capacidade cognitiva, mental e emocional, melhorando os níveis de serotonina, que é responsável pelo bom humor. Disponível em: <https://www.mundoboaforma.com.br/14-beneficios-das-nozes-para-que-serve-e-propriedades/.>Acesso em jan. de 2019.
109
composição, luz e sombra, desenho de observação, onde se utiliza um modelo real
para desenvolvermos a percepção visual a capacidade de observação de formas,
luzes e volumes.
Com o treino e o domínio do traço, podemos utilizá-los para atrair o olhar do
observador e causar-lhes determinadas sensações. Conforme HALLAWELL (1994,
p.44) “Através da linha podemos imprimir densidade ou leveza, por exemplo, a um
trabalho. Também o gestual da linha pode ser rápido ou lento, portanto influi no ritmo
em que o olho percorre o desenho”.
Na produção dos desenhos que integram a pesquisa, ganha destaque o uso de
aquarela para representar as plantas e grafite para a construção das imagens de
anatomia. Além das referências de imagens de livros, sempre que possível, foi
priorizada a observação direta das plantas, por permitir uma melhor visualização dos
detalhes. Nas imagens a baixo (Figura 62) podemos observar o desenvolvimento das
obras Revigorar e Renascer.
Figura 62 – Desenvolvimento das obras Renascer e Revigorar. 2018.
Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2018).
110
Os desenhos iniciaram a partir de esboços, com referências de imagens de
anatomia. Primeiramente foi utilizando um grafite de dureza B, para a construção das
formas, e posteriormente foram trabalhadas através de sobreposições de camadas de
grafites de diferentes durezas, variando desde o HB ao 5B. Para as imagens das
plantas foi priorizada a coleta e o desenho de observação, quando isso não foi
possível utilizou-se de fotografias e ilustrações. Assim como a escrita é constituída
por letras que formam palavras que, por sua vez, constituem frases. O desenho
começa com uma sucessão de pontos que formam linhas, e estas se sobrepõem para
criar formas, hachuras, grises, áreas decor ou manchas. Aos poucos o gesto inicial
em aparente desordem vai ganhando clareza e se estruturando (Figura 63).
Figura 63 – Detalhes no desenvolvimento das obras. 2018.
Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2018).
111
Com o treino e o domínio do traço, podemos utilizá-los para atrair o olhar do
observador e causar-lhes determinadas sensações. Conforme HALLAWELL (1994,
p.44) “Através da linha podemos imprimir densidade ou leveza, por exemplo, a um
trabalho. Também o gestual da linha pode ser rápido ou lento, portanto influi no ritmo
em que o olho percorre o desenho”.
A escolha do uso da aquarela se deu, por ser uma técnica bastante utilizada na
ilustração naturalista, tanto no decorrer da historia, como atualmente. Sua principal
característica é a transparência, o que permite a sobreposição de varias camadas,
sem perder a anterior, conferindo mais detalhes aos desenhos.
Temas como a feminilidade e a saúde da mulher são abordados na obra
Fecundar (Figura 64) com a imagem do sistema reprodutor feminino repleto de plantas
e flores. As flores assim como os órgãos sexuais são responsáveis pela reprodução,
carregando consigo a potencial fecundação de uma nova vida.
Figura 64 – Fecundar. Desenho sobre papel Canson, 35 x 50 cm, 2018.
Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2018).
O conceito de hibrido na biologia remete ao cruzamento de espécies vegetais
diferentes ou espécies de animais diferentes. Na produção das obras esse hibridismo
se dá entre as formas humanas e as formas vegetais. Essas percepções se
112
desenvolvem através de um processo minucioso de observação interior, mediante a
soma dos conhecimentos adquiridos e das sensibilidades estéticas.
Na concepção artística do sistema urinário, na obra Purificar (Figura 65) a
anatomia do rim apresenta um hibridismo com o tomate, suas semelhanças
decorrerem para além das qualidades visuais, pois o tomate atua beneficamente aos
rins por seus princípios diuréticos, ajudando a eliminar líquidos e impurezas do corpo.
O cardo santo é representado sobre a bexiga por possuiração anti-inflamatória e ser
um excelente diurético ajudando a limpar o organismo de diversas impurezas. O
sistema urinário do corpo humano atua como um purificador das toxinas, assim todas
as plantas que integram a obra auxiliam nesse processo.
Figura 65 – Purificar. Desenho sobre papel. Canson, 35 x 50 cm, 2018.
Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2018).
113
No atual contexto, permeado pela diversidade de manifestações artísticas, o
desenho continua sendo uma linguagem potente usada pelos artistas
contemporâneos que se propõem realizar arte mais realista. Gustavot Diaz (2019)
destaca que o desenho atua como um dispositivo narrativo, mobilizador de sentido
para a experiência, acionando enredos narrativos por meio do discurso visual. Em seu
processo estão imbricadas tanto as experiências do artista e do espectador, quanto
os próprios sujeitos de tais experiências (Figura 66).
Figura 66 – Exposição Interações Arte e Ciência. Sala Claudio Carriconde – Centro de Artes e Letras UFSM, Santa Maria, RS, 2018.
Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2018).
114
3.2 O CORPO QUE HABITO
Atualmente a arte se faz cada vez mais presente, tanto nas ruas como nos
museus, ocupando um importante papel de ligação entre o artista e o público. A obra
enquanto um corpo pode habitar diferentes espaços, como dispositivo que carrega em
si signos e significados.
Há alguns anos as cidades estão tendo seus espaços públicos ocupados por
trabalhos artísticos. Com isso novas paisagens começam a aparecer no contexto
social, inventando sentidos e visões de mundo que são partilhados junto à
comunidade. A ideia de explorar o espaço público da cidade, surge do desejo dos
artistas em ampliar o acesso a arte, questionar os espaços normativos e diversificar
as possibilidades de leitura, extrapolando os espaços institucionais.
Pensar uma arte mais próxima do público foi a proposição desenvolvida pelo
Pretexto Poético do Sesc de Chapecó, sobre orientação de Diane Sbardelotto, o qual
participei durante os meses de outubro e novembro de 2018.
Na exposição intitulada Distopia: o presente queima, as obras dos artistas se
deslocaram pela cidade, a partir de um mapeamento de diversos pontos. As
proposições poéticas culminaram em um caminho/roteiro de inauguração em trânsito
que aconteceu no dia 17 de novembro de 2018.
Segundo organizadora Diane Sbardeloto (2018) o termo distopia é “além de
uma ficção pessimista sobre o futuro, distopia: dis (dificuldade, dor) – topos (lugar,
cidade) é um termo médico que indica localização anômala de um órgão. Dessa forma
as proposições apresentadas podem ser entendidas como órgãos deslocados no
corpo da cidade, disseminados por uma urbe tomada pelos artistas como espaço e
objeto de arte. Os artistas cartografam os modos como suas proposições poéticas se
alastram e se perpetram de processos [...] sem nenhum domínio de como suas ideias
podem se propagar ou desaparecer: são ideias implantadas no circuito vivo da cidade,
como anticorpos, corpos estranhos, como oxigênio ou fumaça.
Durante os encontros foram trabalhados textos e filmes, visando estabelecer
conexões entre os trabalhos e temática da exposição. Após cada artista apresentar
as temáticas desenvolvidas, foram traçadas estratégias para a exposição.
Minha proposição consistiuiu-se em uma intervenção nos canteiros da Praça
Emílio Zandavalli em Chapecó/SC. A escolha da praça foi pensada por ser um local
de refúgio no meio urbano. No cotidiano agitado das grandes cidades, as praças são
115
pequenos locais de lazer, onde as pessoas podem apreciar um pouco de natureza em
meio ao caos urbano.
Segundo dados do IBGE, o município de Chapecó conta com uma população
aproximada de 216. 654 habitantes. Para atender a demanda de lazer da população,
o município conta com seis parques e quinze praças que contemplam diversas
regiões. Nesses espaços existem diversas plantas, algumas nativas outras inseridas
pela intervenção humana. O município conta ainda com um Horto Botânico Municipal
que é responsável pela produção das mudas de flores de estação, plantas
ornamentais e árvores nativas que são introduzidas nos espaços públicos da cidade.
As praças e parques são considerados espaços onde, além de melhorar a
qualidade do meio ambiente, revelam-se cada vez mais importantes pela melhoria na
qualidade de vida, promovendo contatos sociais e o bem - estar da população. A praça
é conhecida como um lugar de passagem, circulação.
As intervenções urbanas podem ser consideradas, manifestações organizadas
com algum propósito, seja ele, transmitir uma mensagem, questionar as formas de
vida cotidiana ou criticar. Esse procedimento ocorrer através da intervenção na
visualidade do lugar, fazendo com que as pessoas parem alguns minutos para
observar.
Considerando que as manifestações artísticas, com imagens de corpo humano
em seu estado visceral, comumente é interpretada como metáforas da vida e da
morte, associadas à simbologia da fragilidade do corpo e da transitoriedade da vida.
Como uma relação visceral entre homem e a natureza, matéria que o nutre.
O trabalho desenvolvido propõe-se a criar uma espécie de jogo de
sobreposição, através da inserção de placas confeccionadas com impressões dos
desenhos realizados anteriormente. O conjunto de desenhos revela detalhes contidos
no interior dos corpos, através do hibridismo da anatomia com a botânica,
referenciando o desenho científico e os princípios da estética das imagens das
ciências naturais, adentrando na riqueza das relações das plantas com o corpo
humano.
116
Figura 67 – Intervenção na Praça Emílio Zandavalli, Chapecó, 2018.
Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2018).
As referências visuais para a intervenção urbana surgem de algumas vivências
anteriores. No momento em que escrevi o projeto para o mestrado, estava trabalhando
117
na Escola Estadual de Ensino Fundamental João Cipriano da Rocha Loires, localizada
no interior do Município de Rio dos Índios RS. Nesse ano, desenvolvemos um projeto
interdisciplinar de construção de um Horto Medicinal40 (Figura 68), conhecido como
Relógio do Corpo Humano, no centro do canteiro foi inserida uma placa com uma
ilustração do corpo humano.
Figura 68 – Relógio do corpo humano, atividade desenvolvida com alunos, 2016.
Fonte: (Adriana Capellari, 2016)
No processo de intervenção, priorizou-se trazer órgãos do corpo humano, para
habitar o espaço público da praça, criando uma sobreposição das plantas estudadas
para elaboração dos desenhos, com as plantas do ambiente. As imagens se camuflam
com a ideia de paisagismo organizado e planejado, como placas de identificação de
espécies, algumas vezes passam despercebidas outras chamam atenção.
40 Uma construção em formato circular que une vários conhecimentos sobre as plantas medicinais, aromáticas e condimentares da medicina tradicional Chinesa. No canteiro em forma de relógio, cada hora representa um órgão do corpo humano, e na parte correspondente são cultivadas as plantas medicinais de uso referenciado pelo conhecimento popular e pela ciência, que auxiliam nos transtornos de saúde do órgão representado.
118
A observação minuciosa da obra (Figura 69) pelas pessoas que ocupam o
espaço, salienta a ideia de que a natureza e as intervenções humanas coexistem,
sendo uma parte do outra em uma mútua relação.
Figura 69 – Pessoas observando a Intervenção nos canteiros. Chapecó, 2018.
Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2018).
Tal proposição contou ainda com momentos de ação, através da distribuição
de envelopes com imagens e sementes (Figuras 70 e 71) para que pessoas pudessem
levar e cultivar nos seus espaços de vivencia, ou simplesmente dispersar para nascer
pelos caminhos e trajetos. Como uma plantação intencional, porém os envelopes não
possuem qualquer descrição ou identificação, causando uma semeadura inesperada.
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Figura 70 – Escolha dos locais e inserção das placas. Chapecó, 2018.
Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2018).
Figura 71 – Envelopes com sementes, 2018.
Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2018).
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Compartilhar sementes e saberes significa habitar espaços inesperados. O
saber do corpo em sua relação com a natureza e as curas naturais fez mulheres
consideradas bruxas serem queimadas para que o desenvolvimento do capitalismo
se desse por controle da saúde, por controle na doença. Expor uma pesquisa da
anatomia dos corpos e ilustração botânica em terrenos públicos pode ser perigoso do
ponto de vista do conhecimento que elucida, do desenho de observação apurado e
realista que traz, ao mesmo tempo, o inapreensível sentido de uma semeadura de
arte.
121
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao encerrar o texto dissertativo, apresento algumas reflexões sobre os
resultados alcançados a partir do fazer poético em seu percurso. Considerando que a
construção do processo criativo na área de poéticas visuais, demanda de um discurso
com relação aos referencias: teóricos, históricos e conceituais relacionando-os com a
produção.
Essa pesquisa teve como objetivo norteador, explorar através do desenho as
potencialidades poéticas na fronteiras entre Anatomia e Botânica, tecendo fios que se
hibridam através das relações entre o homem e as plantas. Considerando os aspectos
descritos do processo e as reflexões estabelecidas, podemos concluir que o objetivo
dessa pesquisa foi atingido.
Ao final desse percurso é possível afirmar que tanto no campo das artes como
nas ciências naturais a imagemse faz presente, porém com funções diferenciadas.
Enquanto na ciência a imagem tem a função de ilustrar, servindo de apoio para
reforçar um discurso que já existe, na arte a imagem atua como uma ideia em si.
Dessa forma pode se aferir que; uma imagem possui potencia artística quando se
configura em algo que se sustenta, provocando questionamentos para além do
discurso pré-existente.
Compreendendo que a arte contemporânea prioriza principalmente, a ideia, o
conceito, a atitude, acima do objeto artístico final, é importante refletir sobre qual
opapel do desenho enquanto linguagem poética das Artes Visuais. No que refere ao
desenho pode se aferir queo mesmo atinge sua potencia artística, quando a imagem
consegue ser uma ideia nela mesma. Algo que se sustenta, provoca questionamentos
e o embate com os conceitos pré-estabelecidos. Isso acontece quando o artista usa
as técnicas como um instrumento para expressar suas idéias e provocar o observador.
Assim as questões estéticas envolvendo o desenho naturalista vêm a contribuir,
instigar e potencializar o desenvolvimento dessa poética. No decorrer desse percurso
foi de fundamental importância, olhar para produção de alguns artistas
contemporâneos, analisando os elementos processuais, relacionados às ciências
naturais que se encontram incorporados em suas obras. E a partir dessa análise foi
possível estabelecer analogias entre as referências visuais de Anatomia e Botânica.
Desse modo, torna-se possível vislumbrar, do ponto de vista poética, que a
produção estabelece diálogos com a história da arte e suas relações com a ciência,
122
ao mesmo tempo, abre espaço para pensar o lugar ocupado pelo desenho naturalista
na arte contemporânea.
Durante toda trajetória acadêmica sempre me senti intrigada, por perceber
certa ‘desvalorização’ do desenho enquanto linguagem artística, muitas vezes
relegado a um recurso para o desenvolvimento de esboços ou projetos, mas não como
trabalho final. Através dessa pesquisa podemos concluir que, ao contrário dessa ideia
equivocada, muitos artistas continuam explorando as potencialidades poéticas do
desenho na arte contemporânea.
Os princípios estéticos que nortearam os naturalistas viajantes também são
explorados através de outras linguagens. O conhecimento e analise de outras obras,
nos faz pensar na diversidade de linguagens explorada pelos artistas contemporâneos
e como essas linguagens podem servir de recurso para os artistas expressar suas
ideias.
O artista deve levar em consideração que apesar de sua intenção, uma mesma
obra pode provocar diferentes leituras, dependendo das vivências de cada um. Pois a
linguagem do desenho, quando utilizado como recurso de expressão nas artes
visuais, pode despertar olhares e reflexões que podem ir além das intenções do
artista. Considerando queum mesmo desenho pode carregar inúmeros significados e
inúmeras possibilidades de leituras.
Durante esse processo percebi uma evolução dos trabalhos para uma
linguagem mais clara e elaborada. Ao mesmo tempo em que surgem outras ideias e
questionamentos, penso que, essa temática possui um grande potencial ainda a ser
explorado. Seja através da produção de outros desenhos, pensando outras formas de
exporar em outros suportes, aproximando a produção à um público maior. Essa
pesquisa pode contribuir para que outros artistas sintam o desejo de explorar as
potencialidades poéticas do desenho, ou mesmo atribuir outras ressignificações para
os elementos formais da Anatomia e Botânica.
123
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