Algumas abordagens sócio-históricas no ensino de Gêneros Textuais:
Uma experiência nas aulas de Língua Francesa do CELEM¹
Alice Maria Bohnen²
Maura Bernardon³
___________________
¹ Trabalho final do Programa de Desenvolvimento Educacional –PDE, da Secretaria de Estado da Educação do Paraná.² Professora PDE, licenciada em Letras Português-Francês, Especialista em Língua Portuguesa, concursada em Língua Francesa do Núcleo Regional de Educação de Toledo.³ Professora Orientadora do PDE, Professora Mestre do Curso de Secretariado Executivo Bilíngüe, Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, Campus Toledo.
RESUMO: Este artigo baseia-se na teoria dos gêneros discursivos e defende sua
abordagem nas aulas de LEM, favorecendo aos alunos a produção de significados
sócio-históricos. Apresenta a evolução do conhecimento sobre o tema referente a
vários autores e como estes também consideram importante o trabalho com
gêneros textuais na escola em atividades diversificadas. Também aborda o perfil e
os interesses dos alunos de Língua Francesa, suas expectativas quanto ao
domínio da língua e dos textos em que ela se concretiza. Em seguida, são
apresentadas algumas referências sobre o desenvolvimento da pesquisa-ação e
colaborativa com enfoque na observação do uso de gêneros textuais e na
elaboração de atividades de investigação dos mesmos. Por fim, são
apresentadas as produções escritas dos alunos de Francês, como resultado do
desenvolvimento do trabalho com os gêneros poema e biografia.
Palavras-chave: Gêneros textuais, significados, língua estrangeira
RESUME: Cet article a comme base la théorie des genres textuels et défend son
emploi dans les classes de langue étrangère, favorisant les élèves pour la
production de significations sócio-historiques. Il présente l’évolution de la
connaissance sur le thème à partir de plusieurs auteurs qui considèrent important
le travail avec les genres textuels à l’école dans des activités diversifiées. Il parle
aussi sur l’identité et les intérêts des élèves de langue française, leurs attentes sur
le domaine de la langue et des genres textuels dans lequels elle se concrétise.
Ensuite, quelques références sur le développement de la “recherche action” et
colaborative sont présentées, observant l’emploi des genres textuels et
l’élaboration d’ activités de recherche. Enfin, on présente les productions écrites
des élèves de français, comme résultat du développement du travail avec les
genres: poème et biographie.
Mots-clé: Genres textuels, significations, langue étrangère.
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INTRODUÇÃO
Observando as propostas pedagógicas para o ensino de línguas
estrangeiras, destacam-se, principalmente nas Diretrizes Curriculares de Língua
Estrangeira (2008), os vários gêneros textuais, através dos quais são
desenvolvidas as práticas discursivas de oralidade, leitura e escrita. Ao considerar
esta forma de trabalho não prioritária, mas necessária, as DCEs nos incentivaram
à pesquisa a fim de aprofundar os conhecimentos sobre os gêneros textuais, para,
assim, encontrarmos fundamentos para propor atividades de uso dos mesmos em
sala de aula. Dentre os gêneros produzidos com os alunos de língua francesa,
escolhemos o poema e a biografia, porque ambos permitem visualizar o resultado
da reflexão que os alunos fizeram até a construção dos significados. Este trabalho
é apresentado na seguinte seqüência: 1) fundamentação teórica com definição de
gênero textual, tipo textual e domínio discursivo: 2) identidade e interesses dos
alunos de língua francesa; 3) pesquisa-ação, uma observação do uso de gêneros
textuais; 4) estudo e produção dos gêneros poema e biografia.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Os textos produzidos nas mais diversas atividades humanas são
instrumentos com os quais a sociedade utiliza a língua em forma de enunciados.
Esses enunciados, os gêneros do discurso, em sua multiplicidade de formas,
definem-se de acordo com o conteúdo temático, o estilo utilizado e a escolha da
construção composicional. O enunciado existe ou acontece, na visão bakhtiniana,
com esses três elementos ligados e que definem a especificidade da situação ou
do contexto.
Cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso (BAKHTIN, 1992, p. 262).
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As formas de manifestação dos gêneros do discurso são inesgotáveis; seu
repertório se renova ou se transforma à medida que as atividades humanas
sofrem transformações. A heterogeneidade dos gêneros (orais e escritos) é um
retrato das múltiplas ações humanas nas quais eles surgem e se transformam.
Podemos classificá-los em gêneros simples, utilizados em situações discursivas
imediatas, como o diálogo real, e secundários, surgidos de necessidades ou
situações de convívio cultural mais complexo e que demandam maior elaboração
(romance, artigo de opinião).
Para Schneuwly (1994), nos gêneros primários há “troca, interação, controle
mútuo pela situação”; já os gêneros secundários “não são controlados diretamente
pela situação”, mas são, da mesma forma, gêneros adequados ao seu contexto.
Nos gêneros primários predominam as relações espontâneas, cotidianas,
imediatas; já os gêneros secundários não são espontâneos, havendo neles o
predomínio das relações formais, mediadas pela leitura e pela escrita.
Portanto, nas situações diárias que vivenciamos, interagimos
discursivamente e, dentro dos contextos sociais, utilizamos os gêneros textuais
adequados. Bakhtin (1992) se refere a essa interdependência da vida e da língua
da seguinte forma:
A língua passa a integrar a vida através de enunciados concretos (que a realizam); é igualmente através de enunciados concretos que a vida entra na língua.
Assim, dominamos esses enunciados concretos e, no momento em que
ouvimos ou lemos as primeiras palavras de alguém, já sabemos quase que
intuitivamente qual é o discurso que o outro utilizará e também interagimos
naturalmente nessa situação, porque já conhecemos essas diversas formas
estáveis de enunciação.
Como os gêneros do discurso surgem nas situações de convivência
humana, podemos agrupá-los em domínios discursivos, isto é, para as diferentes
atividades desenvolvem-se diferentes gêneros que se tornam instrumentos de
interação nas esferas sociais. Para exemplificar, no domínio discursivo familiar
encontramos: carta, bilhete, lista de compras, receita culinária, telefonema, cartão,
convites, conversação. No discurso jornalístico: notícia, editorial, crônica,
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reportagem, entrevista, classificados, charge. Assim podemos identificar os
diversos textos que circulam nos domínios escolar, religioso, literário, jurídico,
comercial, entre outros.
Marcuschi (2003) refere-se aos gêneros textuais como práticas sócio-
históricas, sendo que através deles acontecem as atividades comunicativas do
cotidiano. Então, as nossas necessidades diárias, nossas atividades sócio-
culturais, se realizam nos gêneros textuais orais e escritos.
Como os gêneros se definem mais pela sua funcionalidade comunicativa,
cognitiva e institucional (além de lingüística e estrutural), no momento em que
estes não têm mais aplicabilidade no cotidiano, assim como surgiram tendem a
desaparecer. Como exemplo podemos citar o telegrama, que é cada vez menos
utilizado pelas pessoas e instituições desde o surgimento da Internet e do gênero
carta eletrônica (e-mail).
Importante também o esclarecimento quando às diferenças entre tipo
textual e gênero textual, considerando fundamental o entendimento desses
conceitos para o trabalho com leitura e produção textual. O tipo textual designa a
seqüência lingüística do texto (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais,
relações lógicas) classificando-se como narração, argumentação, exposição,
descrição e injunção. Isto quer dizer que, dentro de um mesmo gênero, podemos
encontrar os diferentes tipos textuais. Já o gênero textual refere-se aos textos
materializados (orais e escritos) que utilizamos no nosso cotidiano, cujas
características sócio-comunicativas se definem por conteúdos, função, estilo e
composição (cartas, anúncios, avisos, convites, bulas, contos de fada, entrevistas,
crônicas, leis, letras de música, notícias, orações, poemas, relatórios, novelas,
romances, entre outros).
Sabendo da importância do uso adequado de gêneros no nosso dia-a-dia,
lembramos Meurer (2002, p. 12), quando destaca a responsabilidade do ensino
formal no “desenvolvimento sobre como a linguagem se articula em ação humana
sobre o mundo através do discurso”. Os discursos do nosso cotidiano são os
gêneros textuais e estes devem ser abordagem freqüente na prática pedagógica,
porque, através de seu estudo, podemos “compreender com mais clareza o que
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acontece quando usamos a linguagem para interagir em grupos sociais”.
Defendendo a mesma idéia, Cristóvão (2006, p.46) considera que o estudo
de gêneros textuais na escola “pode criar condições para a construção dos
conhecimentos lingüístico-discursivos necessários para as práticas de linguagem
em sala de aula”. Se pensarmos no tempo que alunos e professores convivem na
escola e interagem lingüisticamente durante todo o processo e que, apesar disso,
os resultados de avaliações apontam dificuldades básicas de leitura e produção,
tanto em LM quanto em LEM, podemos perceber que falta a abordagem adequada
de metodologias e quanto o estudo e a investigação dos gêneros textuais poderia
mudar esta realidade. Mas, para que isso se concretize, é necessário que os
professores, não apenas conheçam, mas se aprofundem na teoria e investigação
dos gêneros textuais para sua leitura e produção em sala de aula.
Paiva (2007, p.3), referindo-se à pragmática, ou seja, ao uso da linguagem,
afirma que “o que nos garante se algo é realmente usado é o nosso conhecimento
das práticas sociais da linguagem e são essas práticas que deveriam ocupar o
espaço escolar”.
As Diretrizes Curriculares de Língua Estrangeira Moderna para os anos
finais do Ensino Fundamental e para o Ensino Médio (2008) da mesma forma
enfatizam que o objetivo no ensino de Língua Estrangeira Moderna é a interação
com a infinita variedade discursiva presente nas diversas práticas sociais.
Apresentam os conteúdos essenciais a serem abordados, em uma seqüência que
ajuda a organizar o trabalho do professor:
Propõe-se que nas aulas de Língua Estrangeira Moderna o professor aborde os vários gêneros textuais, em atividades diversificadas, analisando a função do gênero estudado, sua composição, a distribuição de informações, o grau de informação presente ali, a intertextualidade, os recursos coesivos, a coerência e somente depois de tudo isso a gramática em si.
O trabalho com a diversidade de gêneros textuais facilitará aos alunos a
compreensão dos usos da linguagem e favorecerá a construção de significados
através das práticas sociais de leitura, oralidade e escrita. Assim, eles perceberão
que língua, cultura e sociedade se fazem ou se modificam nos processos de
interação. Perceberão, ainda, que eles, os alunos, constróem ou revelam suas
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identidades nas práticas discursivas.
Então, uma área que pode ser indicada para trabalhar a Língua Estrangeira
refere-se aos gêneros textuais, isto é, textos em contexto de uso, favorecendo o
engajamento discursivo dos alunos, já que estes interagem em situações
contextualizadas. Como será possível fazê-lo? Dolz, Noverraz e Schnewly (2004,
p. 95) propõem o trabalho com Seqüências Didáticas – SD, com “a finalidade de
ajudar o aluno a dominar melhor um gênero de texto, permitindo-lhe, assim,
escrever ou falar de uma maneira mais adequada numa dada situação de
comunicação”.
As Seqüências Didáticas seguem os seguintes encaminhamentos:
• Apresentação de uma situação (ou de um problema de
comunicação);
• Seleção do gênero textual: o que dizer, para quem, de que forma,
quem, onde, quando...
• Reconhecimento do gênero selecionado: produção inicial e módulos
de atividades que ajudam os alunos a superarem seus problemas.
Acreditando em melhores resultados com a prática dessa metodologia,
continuamos o desenvolvimento do presente trabalho identificando o grupo de
alunos de LEM, dando algumas referências sobre a pesquisa-ação e, como
exemplos, apresentando uma mostra de resultados de gêneros produzidos
durante o processo.
QUEM SÃO OS ALUNOS DE LÍNGUA FRANCESA
E QUAIS SÃO OS SEUS INTERESSES
Quando o professor de LEM se pergunta sobre quais gêneros selecionar
para as práticas de sala de aula, pensa nos interesses dos alunos, de acordo com
sua faixa etária, no grau de complexidade lingüística, de acordo com o tempo de
estudo dessa LEM, e nos gêneros textuais que tenham utilidade prática para a
vida dos educandos. Por exemplo, um gênero textual que os acompanhará
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durante toda a vida é a notícia, cuja leitura crítica e produção de sentidos será
fundamental para tomada de decisões.
Uma das sugestões das DCEs é que se dê oportunidade de escolha de
temáticas de textos aos alunos, o que lhes permite participar das decisões e
envolverem-se mais nas atividades propostas em sala de aula, através de
conteúdos significativos. Tendo em vista os interesses dos alunos de Língua
Francesa do CELEM, encaminhou-se um levantamento, cujos resultados
revelaram uma turma bastante heterogênea e com interesses muito diferentes, o
que se explica pelas diferenças de idade e de formação do grupo (com dezenove
alunos, entre 11 e 59 anos, seis do Ensino Fundamental, dez do Ensino Médio,
um universitário e dois graduados).
Indagados, inicialmente, sobre os motivos que os levaram a estudar a
Língua Francesa, os alunos de 6ª série, 11 anos, explicam: “para conseguir
melhorar meu futuro”. Percebe-se que não há um objetivo definido e o real motivo
fica vago, distante. Ainda não pensam em trabalho, em estudos avançados, em
viagens. Sabem, no entanto, que o domínio de uma língua estrangeira é
fundamental para conseguirem ter acesso a melhores oportunidades.
Os alunos de 7ª série, 12 anos, manifestam sua vontade de aprender uma
língua diferente e já visualizam uma expectativa futura definida: “ir para a França
quando crescer”, realizar “um sonho de viajar para a França”.
Na 8ª série, os alunos, com 14 anos, têm consciência de que aprender
línguas é importante. No entanto, um deles se diz movido pela curiosidade e outro,
que estuda essa língua por falta de opção. Quando um aluno se refere ao Francês
como “uma língua chique”, percebe-se que ainda hoje é comum esse estereótipo
em relação à língua: quem fala Francês é chique. Essa crença é conseqüência
das práticas das famílias brasileiras abastadas que, nos séculos XVIII e XIX,
enviavam seus filhos para estudar na França. Ainda desse mesmo período, vem a
idéia de que as meninas e moças bem formadas deveriam saber “tocar piano e
falar Francês”.
Os alunos do 1º ano do Ensino Médio, com 14 anos, mostram-se
entusiasmados com o aprendizado de línguas estrangeiras e querem ser
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poliglotas. Acreditam que, aprendendo o Francês, ampliam as “oportunidades no
mercado de trabalho”. A expectativa desses alunos já não é mais de uma língua
idealizada, mas de uma língua real, que possa ser utilizada na profissão que
escolherem.
Para os alunos do 2º e 3º anos do Ensino Médio, os motivos para estudar
Francês são diversos: “esta língua poderá me ajudar na faculdade que desejo
fazer e em arrumar um bom emprego”, “gosto de aprender línguas, acho
importante para o meu futuro”, “o desejo de aprender novas línguas” e “o Francês
é uma língua bonita”.
A única acadêmica do grupo, com 24 anos, tem objetivos bem definidos
para a aquisição da Língua: tradução de texto de autores franceses na área em
que estuda e para o exame de proficiência para ingresso no mestrado.
Quanto aos dois profissionais estabelecidos, 57 e 59 anos, com curso
superior completo em Letras e Agronomia, um deles escolheu o Francês “pela
origem, conhecimento”, outro pela “similaridade com a língua italiana” e porque
visa a utilização da língua em seu trabalho “para receber melhor as comitivas (de
franceses) que visitam Toledo”.
Na seqüência apresentada a seguir, percebe-se como, à medida que os
alunos avançam na trajetória escolar, passam a buscar formas de concretizar suas
expectativas: o uso da língua em situações reais. Quer dizer: a utilização dos
diversos gêneros de texto de acordo com as práticas sociais em que estiverem
inseridos.
Quadro 1- Identificação e interesses dos alunos de francês
Idade Série Motivos para estudar o Francês
11 anos 6ª série Para meu futuro.11 anos 6ª série Para eu conseguir melhorar meu futuro.12 anos 7ª série Tinha muito interesse, achava uma língua diferente. Também porque
tenho muita vontade de ir para a França quando crescer.12 anos 7ª série Curiosidade em saber novas línguas. E um sonho de viajar para a
França.14 anos 8ª série Eu queria aprender outra língua, e aqui na escola eles estão
fornecendo essa língua e por não ter outra opção, eu escolhi francês.14 anos 8ª série Porque eu acho uma língua muito interessante e engraçada. Além de
ser uma língua chique. E também porque queria aprender outra língua.
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14 anos 8ª série Eu sempre quis aprender línguas estrangeiras, quando eu cheguei em Toledo comecei a fazer alemão, e quando me veio a oportunidade de fazer francês, gostei muito porque quero aprender muitas línguas e acho o francês uma língua com um sotaque bonito.
14 anos 1ª EM Porque pretendo ser poliglota (eu já falo espanhol, agora estou fazendo francês, pretendo fazer italiano, alemão e inglês) e para ter mais chances no mercado de trabalho no ramo de turismo. Também porque é importante falar mais de uma língua.
14 anos 1ª EM Aprender línguas estrangeiras, e ter mais oportunidades no mercado de trabalho. Também por gostar muito do francês.
14 anos 1ª EM Aprender um novo idioma, ser poliglota.15 anos 2ª EM Esta língua poderá me ajudar na faculdade que desejo fazer e em
arrumar um bom emprego.16 anos 2ª EM Gosto de aprender línguas. Acho importante para meu futuro, e então
surgiu essa oportunidade fácil no CELEM, por isso aproveitei, tenho vontade de aprender várias línguas, isso que me levou a fazer o curso.
16 anos 2ª EM O desejo de conhecer novas línguas e a curiosidade.16 anos 2ª EM Para conhecer a Língua Francesa e conhecer e aprender uma terceira
língua16 anos 2ª EM Aprender um novo idioma, uma nova língua.17 anos 3ª EM . Conhecer, aprender uma língua estrangeira.
. Considero a língua francesa uma língua muito bonita.24 anos UNIOESTE 1- Aprender outra língua.
2- Tradução de texto de autores franceses na área em que estudo.
3- Para o exame de proficiência para ingresso no mestrado.57 anos Letras Pela origem, conhecimento.59 anos Agronomia A similaridade com a língua italiana e a necessidade de saber mais
sobre a língua para receber melhor as comitivas que visitam Toledo.
Ainda neste mesmo levantamento inicial, os alunos selecionaram sua
preferência de gêneros textuais, sendo que todos solicitaram letras de música e a
maioria solicitou filme, teatro, poemas, e-mails, bate-papo por computador.
Demonstraram um interesse médio pelos textos convite, cardápio, carta pessoal,
entrevista, biografia, história, mensagem, piada, receita culinária, reportagem
jornalística, novela, notícia jornalística. Já entre os textos pouco solicitados
constam a lista de compras, conversação espontânea, oração, anúncio
publicitário, leis, conto de fadas, crônica, cartão, horóscopo, telefonema, romance,
outdoor. Uma aluna de Ensino Médio deste grupo solicitou leitura de livros não
ficcionais, preferencialmente textos filosóficos e políticos.
No transcorrer das aulas, a classificação dos interesses dos alunos sofreu
mudanças: passaram a ser preferidos aqueles gêneros que poderiam ser
acessados na Internet, que demandavam procura/pesquisa e interação. Uma
explicação sobre este interesse é que os alunos, no caminho virtual para a procura
1
do gênero textual, se movimentam por vários gêneros que dão as pistas para
encontrar o que procuram. Nessa situação, os alunos não recebem um texto na
mão, eles participam da procura, são participativos nesse movimento e exercitam
suas escolhas.
PESQUISA-AÇÃO: OS GÊNEROS TEXTUAIS NO CELEM
A pesquisa-ação foi encaminhada com o objetivo de saber como o trabalho
com gêneros transcorria nas aulas de CELEM. O registro da realidade provoca
reflexões sobre o mundo dinâmico da sala de aula e sobre como o conhecimento
ali é construído (ANDRÉ, 1995).
Mesmo que o professor não tenha se aprofundado nas propostas das
Diretrizes Curriculares de LEM, ele sabe que o aluno deve conhecer os textos e
saber como eles funcionam. O que define o gênero é a sua função, para que fins
ele é utilizado na prática social.
Na medida que os alunos reconheçam que os textos são representações da realidade, construções sociais, eles terão uma posição mais crítica em relação a tais textos. Poderão rejeitá-los ou reconstituí-los a partir de seus universos de sentidos os quais lhes atribuem coerência pela organização de significados”. (DCE, 2008, p. 31)
Quando nos propusemos a observar e registrar as aulas de Língua
Francesa do CELEM, tínhamos como objetivo saber de que forma era feita a
abordagem de gêneros textuais, qual era a freqüência do trabalho com textos
autênticos em sala de aula e, assim, verificar se as práticas sociais ocorriam nas
aulas de LEM com textos em seu contexto de uso.
Partimos da observação das aulas do professor regente e escolhemos o
“diário” para registrar as ações, as atividades, as participações e reações dos
alunos mediante a metodologia desenvolvida e, principalmente, diante dos textos
utilizados. O diário foi uma escolha adequada porque é um meio de pensar sobre
a prática do professor de LEM e de transformá-la. Constatamos que já é uma
prática metodológica freqüente, quase que diária, o estudo de textos originais nas
1
aulas do CELEM, com ênfase maior nas questões de compreensão, interpretação
e estudo gramatical.
Durante as vinte e duas aulas acompanhadas, vários textos foram
trabalhados, entre eles: canção, teste de revista feminina, mapa, notícia, folheto,
artigo, cartas e entrevista, sendo vários textos autênticos e outros retirados de
livros didáticos de língua francesa. Podemos visualizar melhor essa situação na
organização do quadro que segue.
Quadro 2- Resumo da pesquisa-ação
Aulas Título do texto – Autor - Fonte Gênero textual
Práticas sociaisAtividades
1ª Emmène-moi – Graeme Allwright – Tempo 1
Canção .Leitura, oralidade
2ª Mesurez votre volonté Revue Femme Actuelle nº ....- p. 38
Jeutest – teste de revista feminina
.Leitura, oralidade
.Reflexão sobre as características pessoais
3ª Mapa da França Mapa .Leitura.Divisão administrativa da França (regiões, departamentos) limites, rede fluvial, produtos, pontos turísticos, cultura.
4ª Le Royaume-Uni en état d’alerte maximale après trois attentats manqués TV5Monde – La une – (mais 10 notícias)http://www.tv5.org/TV5Site/info/sommaire-1-la_une.htm - Acesso em 01/07/2007
Notícias .Leitura, oralidade, escrita..A notícia: o quê, onde, quando, com quem, como.
5ª J’attendais – Céline Dion Canção .Leitura e compreensão6ª Patrulha Escolar Comunitária, ajudando
a escola a construir um futuro melhor para a nossa nação Polícia Militar do Paraná - DETRAN
Folheto .Tradução (do português para o francês)
7ª L’ordinateur à l’école? Une plaisanterie. Interview du Pr Weizenbaum, Nouvel Observateur, 2 décembre 1983.
Entrevista .Leitura, oralidade..Questões para compreensão do texto e além do texto.
8ª La poste – G. Mauger – Cours de Langue et de Civilisation Françaises
Texto de livro didático
.Texto criado para fins de estudo gramatical: uso do imperfeito do indicativo.
9ª Le TGV pour Lyon – Método didático em vídeo
Diálogo Texto de livro didático
.Diálogo em vídeo e compreensão do diálogo escrito..Expressões da linguagem oral.
1
10ª Le Salon Texto de livroDidático
.Vocabulário.
11ª La lettre de Toussaint Dialo – Tempo 1 Carta manuscrita em livro didático
.Leitura
.Escrita: produção de carta, falando de si.
12ª Lettres reçues de l’Algérie Lettres . Leitura e compreensão13ª Mon pays – Tempo 1 Diálogo
Texto de livro didático
. Audição – compreensão
.Geografia: Canal da Mancha – França/Inglaterra..História: diferenças entre os dois países
Vários textos utilizados durante as aulas observadas na pesquisa-ação
tiveram uma abordagem aproximada à proposta que elaboramos. Como exemplo,
podemos citar o texto 2, do quadro acima, sob o título “Mesurez votre volonté”,
que se refere a um texto de revista feminina (un jeutest), que propõe aos leitores
descobrirem qual é a medida ou a intensidade de sua vontade de ação frente a
várias situações de vida. A leitura foi feita em grande grupo e as dúvidas eram
esclarecidas no transcorrer da mesma, sendo que houve grande envolvimento dos
alunos na construção dos significados, tendo em vista o seu resultado final:
descobrir se têm uma vontade de ferro, uma vontade enfraquecida ou se são
inseguros nas tomadas de decisão. A cada questão, os alunos refletiam sobre
etapas de sua vida, isto é, a leitura favoreceu um conhecimento maior de suas
identidades e uma retomada de pontos importantes da história de cada um,
caracterizando-se uma efetiva prática social de leitura.
Nesse mesmo texto, passou despercebida uma oportunidade de explorar a
intertextualidade, especialmente na questão 15:
15. Quelle serait votre citation préférée?A. “Les volontés précaires se traduisent par des discours, les volontés fortes par des actes.” (G. Le Bon)B. “Le bien que je voudrais faire, je ne le fais pas et le mal que je ne voudrais pas faire, je le fais.” (Saint Paul)C.”Vouloir, c’est pouvoir.’ (Sénèque)
Femme Actuelle nº 823. Paris: juillet 2000. p 38.
Aqui surgem textos que já foram produzidos por alguém anteriormente, cujas
vozes são trazidas para o momento presente e que podem ampliar as
possibilidades de leitura através de questões como: “Quem são Le Bon, Saint
Paul, Sénèque? Em que época viveram? Eles eram escritores ou filósofos? Qual
1
teria sido o objetivo de suas falas para as pessoas daquela época? Como
podemos denominar as frases dessa questão? Vocês conhecem outras
semelhantes que as pessoas falam no dia-a-dia? Normalmente, elas são utilizadas
em que situações?”
Outro texto trabalhado cuja metodologia está adequada à proposta
fundamentada neste trabalho é uma página de notícias retirada da Internet,
apresentando um texto principal e o resumo de mais nove notícias. A leitura do
texto que dá título à primeira página da TV5Monde, “Le Royaume-Uni en état
d’alerte maximale après trois attentats manqués”, foi devidamente contextualizada,
de forma que os alunos encontraram as principais características do gênero
notícia: O quê? Por que? Quando? Onde? Como? Quem? Qual a intenção? Uma
das sugestões para desenvolver a seqüência didática de um gênero é que os
alunos tenham contato com vários textos do mesmo gênero, para saberem
identificá-lo, saber em quais situações é utilizado, quais os recursos discursivos
que podem utilizar e quais as suas funções. Novamente, nessa ocasião, além da
notícia principal, os alunos leram e analisaram as outras nove notícias divulgadas
na mesma TV, pesquisaram para esclarecer suas dúvidas e depois apresentaram
ao grupo, em francês ou em português (de acordo com as suas capacidades
orais).
Mais uma atividade que foi um desafio para os alunos foi a tradução que os
mesmos fizeram do texto “Patrulha Escolar Comunitária, ajudando a escola a
construir um futuro melhor para a nossa nação”, da Polícia Militar do Paraná.
Mesmo que não tenha sido uma produção textual própria dos alunos, foi
necessário que negociassem significados, adaptassem expressões, que
encontrassem a melhor maneira de dizer em língua francesa um enunciado
construído em língua portuguesa, e que faz parte da realidade da comunidade
escolar.
Os alunos também produziram o gênero carta, partindo de uma situação
contextualizada: um grupo de agricultores franceses visita a cidade todos os anos,
para conhecer a suinocultura do município. Então, foi proposto que escrevessem
uma carta dando as boas vindas aos visitantes, falando de si, de sua família e
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comentando aspectos que caracterizam a cidade. Para comentar sobre seu
município, os alunos partiram da leitura de um outro gênero: o folheto turístico;
nele encontraram informações sobre geografia, cultura, indústria, turismo,
agricultura. Quando o grupo de franceses chegou à cidade, recebeu as cartas e
respondeu-as. As cartas-resposta dos franceses foram analisadas em sala de
aula. Essas práticas de leitura e de escrita enfatizam a interação ativa dos sujeitos
com o discurso, quer dizer, são práticas sociais com significados para os alunos.
Por outro lado, foram utilizados alguns textos de livros didáticos, não
considerados autênticos, já que sua elaboração aconteceu sem considerar o seu
contexto de uso e seus interlocutores. Os textos autênticos, produzidos pela
sociedade para cumprir determinado objetivo social, publicados ou expostos em
suportes onde eles cumprem sua função, podem ser encontrados em todas as
esferas sociais, em todas as áreas de atuação da sociedade. Por isso, os textos
utilizados com a finalidade exclusiva de desenvolver conteúdos gramaticais,
despertam pouco interesse nos alunos, já que estes não lhes atribuem
significados. No entanto, é preciso destacar que os alunos necessitam de
conhecimentos lingüísticos para o uso da língua estrangeira. “O ensino deixa de
priorizar a gramática para trabalhar o texto, sem, no entanto, abandoná-la” (DCE,
2008, p. 29). A forma adequada de desenvolver estes conteúdos está em
destaque nas Diretrizes Curriculares de Língua Estrangeira para a Educação
Básica, na forma de atividades de análise lingüística “que permite o entendimento
dos significados possíveis das estruturas apresentadas” (DCE, p.31).
Na segunda etapa da pesquisa, os textos passaram a ser escolhidos e
discutidos com o professor regente, sendo que a elaboração das atividades
priorizava questões de investigação de gênero, implicações históricas e culturais e
a intencionalidade do autor.
No primeiro semestre de 2008, período de intervenção na escola, também
foi aplicado o material didático produzido no ano anterior, que destacava
atividades de investigação e de produção de gêneros textuais nas aulas de língua
francesa. Entre as várias produções que os alunos realizaram, escolhemos
apresentar aqui o poema e a biografia: o poema, no qual os alunos revelam sua
1
sensibilidade e suas visões de mundo; e a biografia, especialmente, porque ela
trouxe para o grupo do CELEM a importância que tem a história de cada um na
formação da sociedade.
POEMAS: ALUNOS AUTORES
No período de aplicação do material didático na escola, os alunos
estudaram e produziram vários gêneros textuais e se surpreenderam mediante a
realidade de se transformarem em autores de textos em língua francesa. Durante
a pesquisa ação, eles já haviam produzido cartas e anúncios publicitários, mas
ainda não haviam refletido sobre a função do gênero, sobre a autoria, sobre o
objetivo de quem escreve, o que escreve, para quem, para que fins. Essa reflexão
trouxe uma nova perspectiva para eles, ao saberem que, conhecendo os textos,
passam a ter mais instrumentos de ação na sociedade para realizarem seus
objetivos de vida.
Numa produção inicial, inspirados na canção Mon coeur balance, de
Katérine, surgiram textos poéticos que apresentavam momentos de reflexão dos
alunos sobre suas crenças, seus valores, sua realidade, sua vida.
O poema de Luciane revela suas dúvidas e, no final, afirma sua crença na
vida:
Entre la mère et le père, mon coeur balance, entre l’amour et les études, mon coeur balance, entre le passé et le futur, mon coeur balance, entre tout et rien, mon coeur balance, entre la vie et la mort, mon coeur ne balance pas. Je choisis la vie.
Rosana, acadêmica de Filosofia, resume assim suas escolhas:
Entre la philosophie et la mathématique, entre la pensée et le calcul, entre l’humain et la technique, je choisis découvrir les secrets de l’âme.
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Os textos acima apresentados sensibilizaram os alunos e os estimularam a
continuar a produção de textos em língua francesa. A seqüência didática para
esse segundo momento aconteceu nas seguintes etapas: a) discussão sobre os
poemas preferidos dos alunos; b) leitura, no laboratório Paraná Digital, de poemas
de Jacques Prévert, em site da Internet, sendo que cada aluno escolheu um
poema para lê-lo aos colegas e dizer porque este era seu preferido; c) discussão
sobre o estilo de seus poemas: Por que o autor não usa rimas? Mesmo assim, os
poemas têm ritmo? d) leitura do poema Le Temps Perdu, de Jacques Prévert,
para trazer aos alunos seu tom de crítica social, abordando a jornada dos
trabalhadores; e) análise do texto, observação da organização textual do poema; f)
produção de um texto escrito: a escolha do tema Les Travailleurs foi inspirada no
poema lido anteriormente; g) processo de escrita e reescrita, com negociação de
sentidos; h) socialização dos textos produzidos.
Como o tema escolhido referia-se aos trabalhadores, às suas atividades ou
a alguma situação peculiar que tivessem vivido e merecesse destaque, alguns
alunos escolheram falar sobre as profissões de seus pais, como, por exemplo, o
fotógrafo, tema escolhido por Juliana:
Le photographe et son appareilSont un mélange.Ils sont copains dans ce métier.Ils observent les paisages,Les personnes,Les objets, Les villes.La recherche de la lumière Pour enregistrer la vie.
Durante suas leituras, os alunos observaram que os poemas de Prévert
tratavam de situações corriqueiras da vida, mas que sempre, no final,
apresentavam algo inusitado, algo inesperado. O poema Le Photographe, na sua
simplicidade de construção apresenta um final poético que sensibiliza o leitor e lhe
traz uma mensagem nova.
Luciane preferiu falar do trabalhador desconhecido, um gari, cujo relato
assistiu numa reportagem de televisão. Seu poema relata a organização da rotina
desse trabalhador, seus desafios e suas condições de vida:
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Le balayeur se lèveà cinq heures du matinpour travailler dans les rues de la ville.A São Paulo, il peut marcher trente quilomètresen balayant les rues etfrequementil trouve des difficultés.Il ne gagne pas beaucoup...Le suffisant pour continuer la vie.
Vanessa escolheu falar sobre o bombeiro, profissão que admira,
especialmente pelos perigos que enfrenta; faz um relato de uma situação vivida no
dia-a-dia desse profissional. O final do poema traz uma informação inesperada,
dando-lhe um aspecto pitoresco:
Le téléphone sonne.C’est une émmergence.Le camion part en vitesse.C’est le feu qui détruit une maison.Y-a-t-il des gens là dedans?Non, il y a un chien.Qu’est-ce qu’il fait, le pompier?Il casse la porte,Prend le chienEt sort en liberté.C’est de nouveau le héros inconnu.
E assim, os alunos tornaram-se mais e mais confiantes no exercício
de produção, sempre fruto de leitura, reflexão e observação da realidade. Quando,
a partir de uma charge de Dilem (2007), produziram sua própria charge, refletiram
sobre a realidade política e social da França e exercitaram a ironia como modo de
dizer o que pensam sobre a realidade. Entretanto, neste momento não
detalharemos a seqüência dessa produção, pois preferimos apresentar a biografia/
autobiografia, como possibilidade de reflexão e de construção da história dos
alunos em língua estrangeira.
A AUTOBIOGRAFIA: UM RECORTE DA PRODUÇÃO ESCRITA
A construção diária da nossa própria narrativa pessoal como ser humano é, em grande parte, determinada pelos textos que produzimos e a que estamos expostos (MEURER, 2002, p. 28).
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Com o objetivo de escrever a história das pessoas que compõem o grupo
de Francês do CELEM, propusemos a produção da biografia, ou da autobiografia.
Primeiro, havíamos previsto a necessidade de seis aulas para realizar esta
atividade. No entanto, necessitamos de doze aulas para realizar todas as etapas.
Iniciamos a apresentação do gênero de forma indireta: quando os alunos
estudaram duas canções, conheceram também a biografia dos cantores, com o
relato dos principais acontecimentos de suas vidas.
O momento seguinte aconteceu no laboratório Paraná Digital, quando os
alunos acessaram o sítio http://www.alalettre.com, que apresenta obras e autores
franceses clássicos e contemporâneos. Lá, escolheram alguns autores e leram
sobre a vida deles: Émile Zola, Saint-Exupéry, Jacques Prévert, Victor Hugo,
Daniel Pennac, Jean-Jacques Rousseau. Nessa oportunidade, levantaram as
informações principais que se costuma escrever nas biografias. A biografia de
Daniel Pennac foi lida na Internet e depois retomada em sala de aula.
Na terceira etapa, passamos a abordar diretamente o estudo da biografia
para a sua produção e os alunos foram questionados sobre este gênero: Onde
costumamos encontrar este texto ou, quais são os seus suportes de circulação?
Por que as pessoas escrevem biografias? Ou autobiografias? Para quem
escrevem? Quais são as informações sobre a vida das pessoas que são
normalmente destacadas nas biografias?
Perguntados sobre por que as pessoas escrevem biografias, os alunos
disseram: “para registrar a história”, “para que a história não se perca”, “para
homenagear alguém”. Indagados sobre quais são as informações que são
destacadas em autobiografias, fizeram um levantamento e já começaram a
planejar seu texto: “nome completo, data e lugar de nascimento, família, infância,
vida escolar, acontecimentos importantes (alegrias, tristezas), viagens, férias,
acidentes, vida particular (casamento, filhos, netos), vida profissional (profissões,
cargos, conquistas e decepções), cidades onde morou”. Os alunos também
lembraram que nas biografias de pessoas falecidas pode-se destacar as
circunstâncias, o local e a data de sua morte.
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Neste momento, os alunos analisaram a biografia de Daniel Pennac,
observaram sua organização e seu contexto de produção.
Quadro 3- Organização do gênero biografia
Nome completo, data e lugar de nascimento
Daniel Pennac est né en 1944, à Casablanca, au Maroc,
Família dans une famille de foncionnaires aimant le voyage.Infância Il passe son enfance en Afrique, en Asie du Sud-Est, en
Europe et dans le sud de la France...Vida escolar Il obtient, à Nice, sa maîtrise de lettres.Acontecimentos importantes Il sera à la fois enseignant et écrivain.
(...)En 1992, Daniel Pennac rencontre un immense succès avec Comme un roman, un plaidoyer passionant pour la défense de la lecture."
Disponível em http://www.alalettre.com. Acesso em 28, dez, 2007.
Também foi abordado o emprego dos tempos verbais, especial o passé
composé e o imparfait, para o relato dos fatos passados. Desta forma, os alunos
empregaram o verbo numa situação concreta, contextualizada, o que passou a ter
significado. Foram orientados que, conforme o exemplo da biografia de Daniel
Pennac, podemos utilizar o verbo no tempo presente para relatar fatos passados;
pelo contexto, o leitor percebe que se trata de eventos passados. Além disso, foi
explicada a necessidade de se observar o pronome utilizado: quem conta a vida
de outra pessoa utiliza a terceira pessoa do singular (biografia) e aquele que conta
sua própria vida emprega a primeira pessoa do singular (autobiografia).
Foi colocada para os alunos a opção de fazer a biografia ou a autobiografia,
sendo que decidiram pela segunda porque seria mais fácil encontrar as
informações, com os pais e os avós, sobre os primeiros anos de suas vidas.
Primeira escrita
No início da aula, os alunos foram esclarecidos de que neste dia faríamos a
escrita inicial da biografia. Até esse momento, eles já haviam tido contato com
vários textos biográficos, fotocopiados ou na Internet. Para ajudá-los a partir para
a escrita tendo o maior número de referências, levamos ainda para a sala cópias
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das biografias de franceses que se destacaram na história, na cultura e na ciência:
Jeanne D’Arc, Louis Pasteur, Marie Curie, Émile Zola, Gérard Depardieu, Jacques
Cousteau. Antes de iniciarem seu texto, fizeram a leitura de outros e destacaram
expressões que poderiam ser utilizadas durante sua produção. Além das
biografias, os alunos também receberam um quadro organizado, sugerindo as
etapas de vida que poderiam relatar e as expressões verbais utilizadas com mais
freqüência: je suis né, j’ai passé mon enfance, j’ai fait mes études.
Em seguida, alguns alunos começaram a produção de texto, demonstrando
uma maior autonomia; estes eram os alunos adultos, ou que já estavam no final
do Ensino Médio. Para os alunos do Ensino Fundamental, foi necessário que
começássemos a elaboração conjunta de um texto no quadro, sobre o nascimento
e a infância, sendo que, com este ponto de partida, também começaram a
produzir sua biografia, mas de maneira mais lenta, tendo necessidade de apoio
freqüente. A partir daí, todos se envolveram no trabalho, elaborando, chamando,
pedindo ajuda à professora e aos colegas, consultando o dicionário.
Quadro 4 - Contexto de produção
Gênero BiografiaAutor Alunos de Língua FrancesaDestinatário Família, colegas e professoresObjetivo Registrar a história Conteúdo . Nome completo da pessoa cuja história é contada
. Local e data de nascimento
. Data de óbito, quando a biografia for de pessoa já falecida
. Fatos e feitos importantes da vida do biografadoEspaço social de produção
Escola ou residência do autor
Momento histórico de produção
Maio de 2008
Meio de veiculação Coletânea com as biografias dos colegas (autobiografias)Local de circulação: escola e residência
Reescritas
Os alunos foram orientados de que reescrevessem o texto em casa, que
continuassem a pesquisar fatos importantes da sua vida que ainda pudessem ser
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destacados na biografia. Mas a reescrita aconteceu em sala de aula, várias vezes,
onde era possível negociar ou sugerir as expressões, a construção/reconstrução
dos sentidos. “O que você quer dizer aqui? Pode ser desta forma? Há outra
maneira de dizer o que quero?”
A reescrita é um exercício de paciência e de intenso aprendizado, um
momento de negociação de sentidos, de suprimir, de acrescentar. Os alunos não
estavam preocupados com a avaliação “numérica”, mas com o texto concreto de
sua autoria que tomava forma.
Resultados
As autobiografias elaboradas pelos alunos são textos de estrutura simples,
com frases curtas, de acordo com o nível de domínio lingüístico dos mesmos,
dentro do curso básico. Mesmo assim, vários alunos fizeram tentativas de
elaboração de períodos mais complexos, percebendo-se nessa autonomia a
influência do domínio da LM e de pesquisas nas biografias apresentadas
anteriormente.
Trazemos alguns exemplos de elaboração, iniciando por Luciane, que
começa sua história, com frases curtas, trazendo informações de sua família: “Je
m’appelle Luciane do Nascimento. Je suis née le 23 octobre 1991, à Guaíra. Mon
père s’appelle Plínio. Il est mécanicien industriel. Ma mère s’appelle Laura. Elle est
maîtresse de maison“.
Adriana conta um fato de sua infância que hoje, para ela, parece pitoresco,
mas que na época era motivo de preocupação: “Quand j’étais petite, ma mère et
ma soeur travaillaient, et moi, je restais toute seule, je fuiais de ma maison, mais
toujours je revenais”. Revela-se uma família em situação econômica difícil, cujos
adultos saíam para trabalhar e que não tinham condições de providenciar alguém
que tomasse conta da criança que ficava em casa sozinha.
Kátia conta sua origem, fala de sua família, seus estudos e dá um destaque
especial à religião em sua vida, tanto que é a única aluna que faz questão de
identificar sua confissão religiosa: “J’aime aller à l’église”.
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Luiz fala de vivências de sua infância: “J’ai passé mon enfance à l’interieur
d’une exploitation agricole”. Essas experiências de infância foram fundamentais
para a escolha da profissão futura: agronomia.
Juliana também conta sobre sua infância e, depois, volta ao presente,
revelando-se preocupada com as notas na escola: “J’ai passé mon enfance à
Toledo. Quand j’étais petite, je jouais avec des poupées et je montais aux arbres”.
“Les notes du bimestre antérieur m’ont laissé ennuyée, parce qu’elles ne sont pas
bonnes.” As dificuldades na escola no momento presente intensificam o idealismo
da infância, quando brincava de boneca e subia em árvores.
Rosiele fala de sua infância, da vida no campo, em família: “Je jouais près
d’un fleuve, il y avait un moulin à vent, des herbes et une forêt. J’habitais avec ma
famille: mon père, ma mère et mon frère. J’allais presque toujours chez mes
grands-parents”. Refere-se ainda a um momento difícil que passou na
adolescência: a separação de seus pais. “Ce temps-là, mes parents se sont
separés. Et moi? J’étais une adolescente!” Através dessa expressão exclamativa
ela destaca o período importante que interferiu no seu ritmo de vida. “J’habitais
quelques mois avec mon père. Après, j’allais habiter de nouveau avec ma mère”.
Neusa é a única do grupo que se propôs a escrever a biografia de seu pai.
O texto começa contando as suas origens, depois relata o fato de que o pai foi
convocado para lutar na Segunda Guerra Mundial, e que depois retorna ao Brasil,
casa-se e tem cinco filhos.
Quadro 5 - Biografia
Nome completo, data e lugar de nascimento
Arlindo Ferret, fils d’Armando et Amabile Ferret, est né en 1921, au Brésil, à Monte Negro, au Rio Grande do Sul.
Família Fils d’Armando et Amabile Ferret. Il a eu cinq frères, dont les prénoms commençaient avec la letre A.
Infância Il a passé son enfance à Porto Alegre.Vida escolar -Acontecimentos importantes da vida profissional
En 1943, il a commencé le service militaire et il a reçu la convocation pour la Deuxième Guerre Mondiale, en Italie.
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Acontecimentos importantes da vida familiar
Acontecimentos importantes da vida familiar
Quand la Guerre est fini, il est allé à Santa Maria, ou il a connu ma mère, Ivonne, qui est maîtresse de maison. Ils ont eu cinq enfats.
Je m’appelle Neusa. Je suis née de 24 décembre 1949. Je suis professeur.Mes frères sont Ivan, qui est médecin, Renato, qui est ingénieur, Luiz Airton, aussi ingénieur et Newton, qui est contrôleur de l’INMETRO.
Final da vida
Data e local de óbito
Mon père continuait à l’Armée jusqu’à la fin de sa vie.Arlindo Ferret est mort le 13 juin 1980, à Santa Maria.
Pode-se observar a mudança de narrador ocorrida no relato no momento
em que a aluna passa a falar de si. Da mesma forma, quando fala dos irmãos, não
se refere mais aos filhos de Arlindo mas aos meus irmãos.
Os alunos não falam em sofrimento, em abalos, mas nas informações
aparentemente simples e corriqueiras, revelam a situação sócio-econômica das
famílias, seus conflitos e seus dramas que interferem nos seus projetos de vida. A
elaboração das autobiografias foi um exercício de resgate histórico da vida dos
alunos, muitas vezes com a ajuda das famílias e, em sala de aula, com o apoio
docente nas questões de coerência, de funcionalidade do texto, continuidade e
intencionalidade (para quem você está escrevendo este texto?), além do apoio
lingüístico.
Enfim, o exercício de escrever sobre si mesmo para um leitor a quem o
aluno se destina (a família, os professores, os colegas) com um determinado
objetivo, ajudou cada aluno a pensar em sua identidade perante a comunidade da
qual faz parte e a perceber com clareza que os textos existem pela sua função
social, que eles são práticas sociais, pois através deles agimos na sociedade e
construímos a nossa história.
2
CONCLUSÃO
Para desenvolver este trabalho, realizamos as seguintes etapas:
levantamento da temática que viesse ao encontro da intenção de formar alunos
leitores e produtores de textos em LE, sendo este domínio um fator de promoção
de cidadania e construção de identidade; pesquisa de produção teórica que
fundamenta a teoria dos gêneros discursivos, a partir de Bakhtin (1992), e, na
seqüência histórica de produção, Cristóvão (2002), Marchuschi (2003), Dolz,
Noverraz e Schneuwly (2004), sobre o desenvolvimento desse conteúdo nas aulas
de LE; observação da realidade, através da pesquisa-ação, sobre a identidade dos
alunos e a ocorrência do estudo de gêneros em aulas de Língua Francesa;
registro de organização e de resultados de modelos didáticos, com vistas a
fortalecer a proposta de estudo e produção de gêneros textuais em atividades
diversificadas (DCE, 2008).
Entendemos que se ao aluno é proporcionada a oportunidade de ler
criticamente um gênero textual, aqui o poema e a biografia, ele terá instrumentos
para fazê-lo aplicado aos demais gêneros que circulam na sociedade. Tornando-
se uma prática cotidiana, o desenvolvimento de atividades com gêneros textuais
forma um leitor ou um produtor de textos, não de forma ocasional ou artificial, mas
que tenha a necessidade de saber quem diz, o que quer dizer, para quem e para
atingir quais objetivos. Forma-se um leitor que entende a organização do texto do
outro e suas intenções e, também, um produtor de sentidos em práticas sociais
que sabe como organizar seu texto, em que momentos, com quais aspectos
composicionais.
Tanto durante a pesquisa-ação quanto nos momentos de aplicação de
nossa proposta, mostrou-se, com maior clareza, que a construção de significados
se faz em interação com vários textos autênticos e com os textos produzidos pelos
alunos. Passando por esse processo, entendemos que não haja mais espaço para
textos descontextualizados em sala de aula.
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Acreditamos que o melhor resultado seja este: após a leitura de notícias na
internet, no jornal francês Libération, sobre a situação dos desabrigados no
inverno de Paris, lendo as reações dos leitores e observando o espaço
“réagissez”, uma aluna aceita o convite: “Professora, eu quero escrever minha
opinião. Como posso fazê-lo?” E todos alunos o fizeram, produzindo o gênero
opinião, interagindo com os textos socialmente construídos. É o autor que escreve
com uma finalidade, sabendo, no momento certo, escolher o texto adequado à
situação.
Diante disso, constatamos que se cumpre o objetivo dos alunos interagirem
discursivamente através de gêneros textuais, especialmente na produção escrita,
ficando aqui aberta uma nova possibilidade de pesquisa: buscar metodologias
para desenvolver as capacidades orais dos alunos.
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de linguagem a um objeto de ensino. Linguagem & Ensino, Vol. 9, nº 1. Londrina:
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MEURER, J. L. e MOTTA-ROTH, D. Uma dimensão crítica do estudo de gêneros
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2