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ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP
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ANAIS DO III SINESPP 2020 Simpósio Internacional sobre Estado, Sociedade e Políticas Públicas/: Teresina-PI: EDUFPI/LESTU, 2020) Editoração: Lestu Publishing Company Disponível versão digital: https://sinespp.ufpi.br/anais.php
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QUESTÃO AGRÁRIA, URBANA E AMBIENTAL
EIXO TEMÁTICO 10
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EIXO TEMÁTICO 10 | QUESTÃO AGRÁRIA, URBANA E AMBIENTAL
O DEBATE DA QUESTÃO URBANA NAS PRODUÇÕES DOS PERIÓDICOS DA ÁREA DE SERVIÇO SOCIAL
THE DEBATE OF THE URBAN ISSUE IN THE PRODUCTIONS OF JOURNALS IN THE
SOCIAL SERVICE AREA
Juanita Natasha Garcia de Oliveira1 Thaísa Teixeira Closs2
RESUMO O presente artigo é fruto dos estudos de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Política Social e Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e tem por objetivo a análise das produções científicas em 11 periódicos da área (2013-2019) referentes à temática da Questão Urbana. A pesquisa bibliográfica, composta por 24 artigos dos 120 analisados, revela que a profissão aborda a produção do espaço no capitalismo e as contradições presentes num cenário composto por desigualdades e resistências. Também apresenta os limites das políticas públicas enquanto respostas à crise urbana no país, abarcando as discussões no âmbito da profissão. Mostra os avanços no que tange às competências e atribuições dos/das assistentes sociais no trabalho junto aos movimentos sociais urbanos, ancorando a discussão através da vertente crítico-dialética, contribuindo para a ampliação do debate referente às refrações da questão social expressas no contexto urbano.
Palavras-Chaves: Questão Urbana; Questão Social; Produção do Espaço.
ABSTRACT This article is the result of master's studies in the Graduate Program in Social Policy and Social Work at the Federal University of Rio Grande do Sul (UFRGS) and objective to analyze scientific productions in 11
1 Assistente Social Sanitarista, graduada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Especialista em Residência Integrada Multiprofissional em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Política Social e Serviço Social da UFRGS. E-mail: [email protected]. 2 Assistente Social, Especialista em Atenção Básica em Saúde Coletiva pelo Programa de Residência da Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul (ESP/RS), Mestre e Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), professora adjunta da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: [email protected].
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journals in the area (2013-2019) regarding the theme of the Urban Question. Bibliographical research revealed that the profession addresses the production of space under capitalism and the contradictions present in a scenario composed of inequalities and resistance. It also presents the limits of public policies as responses to the urban crisis in the country, encompassing discussions within the profession. It shows the advances regarding the competences and attributions of / of social workers at work with social movements, anchoring the discussion through the critical-dialectical aspect, contributing to the expansion of the debate regarding the refractions of the social question expressed in the urban context. Keywords: Aging; Relative Overpopulation; Social Assistance Policy.
INTRODUÇÃO
Em tempos de medo, retrocesso, perda de direitos sociais, perseguição e
criminalização dos movimentos sociais e das instituições públicas de ensino no Brasil é
preciso fortalecer e reiterar um projeto societário radicalmente vinculado aos interesses
e necessidades da classe trabalhadora, com vistas a construção de uma nova ordem
societária, livre de opressões e explorações.
Neste sentido, para subsidiar o referencial teórico da pesquisa “Quem não pode
com a formiga não atiça o formigueiro”: As Interfaces da Questão Social expressas na
Luta pelo Direito à Cidade” vinculado ao Mestrado Acadêmico do Programa de Pós-
Graduação em Política Social e Serviço Social (PPG PSSS) da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS), realizamos a pesquisa bibliográfica com o intuito de apreender
as tendências da produção de conhecimento da categoria profissional no que tange a
Questão urbana e o Direito à Cidade. Tal estudo, surge a partir das experiências
profissionais junto a temática do direito à cidade em Porto Alegre (POA), Rio Grande do
Sul (RS), mediadas pela articulação política e organizativa do Movimento dos
Trabalhadores Sem Teto (MTST).
Com vistas à compreensão da abordagem da produção de conhecimento pela
categoria profissional, realizamos pesquisa bibliográfica no período entre 2013-2019 em
9 periódicos vinculados aos programas de pós-graduação em Serviço Social, sendo eles:
Argumentum (UFES), Em pauta (UERJ), Katálysis (UFSC), Libertas (UFJF), O social em
questão (PUC-RIO), Praia Vermelha (UFRJ), Serviço Social e Realidade (UNESP- Franca),
Serviço Social em Revista (UEL) e Textos e Contextos (PUC-RS). Apesar da não vinculação
a programas de pós-graduação, foram incluídas na pesquisa as revistas Serviço Social e
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Sociedade (que se justifica por publicar as produções da área de maneira ininterrupta
desde 1979) e Temporalis (por ser editada pela Associação Brasileira de Ensino e
Pesquisa em Serviço Social - ABEPSS), totalizando o conjunto de 11 periódicos.
O banco de dados perfaz o montante de 146 volumes, totalizando 2091 artigos
revisados, dentre os quais 120 possuí algum descritor relacionado a temática do estudo,
encontrados no título, resumo e palavras-chave. Os resultados obtidos por descritores,
consistem em: Direito à Cidade (presente em 11 discussões de 120 artigos analisados),
Questão Social (46 de 120), Movimentos Sociais e Luta(s) Social(s) em (63 de 120), este
último descritor combinado com moradia, habitação, cidade e urbano. Para fins de
análise, estes artigos foram divididos nos seguintes eixos temáticos: a) questão social
articulada com movimentos sociais, lutas sociais e/ou direito à cidade; b) movimentos
sociais e lutas sociais abordando o debate sobre o direito à cidade e; c) direito à cidade,
resultando em 24 produções inseridas na pesquisa bibliográfica1
A partir das contribuições de Lefebvre (2001), as análises partem da concepção
de direito à cidade enquanto “forma superior dos direitos: direito à liberdade, à
individualização na socialização, ao habitat e ao habitar”. E neste sentido é preciso
enfatizar também o “direito à obra (à atividade participante) e o direito à apropriação
(bem distinto do direito à propriedade privada) estão implicados no direito à cidade”
(LEFEBVRE, 2001, p. 134).
Apresentamos na sequência a análise das produções que articulam o debate
sobre Questão Urbana e Direito à Cidade no âmbito do Serviço Social.
2 O DEBATE DA QUESTÃO URBANA EM PERIÓDICOS DA ÁREA
A abordagem referente a questão urbana e lutas sociais no Serviço Social
brasileiro não é um tema estranho ao debate profissional, pelo contrário:
historicamente a profissão tem construído profícuas articulações com as organizações
políticas da classe trabalhadora, penetrando em cenários compostos por lutas e
resistências.2 O projeto profissional, cujo eixo central está vinculado a concepção
1 Os artigos inseridos na pesquisa bibliográfica cuja análise faz parte do presente estudo, foram incluídos a partir dos seguintes critérios estabelecidos: Questão social articulada com Movimentos Sociais, Lutas Sociais e/ou Direito à Cidade (sem variação), Movimentos Sociais e Lutas Sociais articulada com Direito à Cidade (com as variações de organizações políticas da classe trabalhadora, urbano, urbanização, moradia, habitação, habitacional articulada ao Direito à Cidade) e Direito à cidade (sem variação). 2O debate proposto por Sant’Ana (2019, p. 176)) referente “A construção do atual projeto de formação do Serviço
Social no Brasil” subsidia o exposto.
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ideopolítica de construção de uma ordem societária livre de opressões e explorações,
reitera a necessidade desta vinculação orgânica e exige, em tempos de barbárie e
retrocesso das conquistas sociais, estratégias de enfrentamento e combate às
desigualdades provenientes do modo de produção no qual está assentada toda riqueza
socialmente produzida.
Desigualdades expressas no cenário urbano incidem no trabalho dos/das
assistentes sociais, cujo protagonismo se fez presente nas Jornadas de 2013, nas
manifestações dos Comitês Populares da Copa e os Comitês Populares dos Atingidos
pela Copa, nos espaços tradicionais de resistência como a Esquina Democrática em
Porto Alegre, nas universidades, escolas, associações comunitárias. Seja pela via da luta
por mobilidade urbana, seja através da conquista da casa própria, o urbano é permeado
por fenômenos sociais vinculados à luta pelo direito à cidade na sua relação intrínseca
com a produção e reprodução do espaço no capitalismo, pois “o espaço não é um objeto
científico descartado pela ideologia ou pela política; ele sempre foi político e
estratégico” (LEFEBVRE, 2008, p. 61). Portanto, repleto de contradições, a questão
urbana, historicamente tem apresentado nuances que perpassam o universo das
interações sociais mediadas pela relação capital/trabalho, configurando um terreno de
disputas na materialização de distintos projetos societários.
Conforme pesquisa realizada por Santana (2018) foram identificados entre os
anos de 2013-2017 a produção em nível pós-graduado de 2.545 trabalhos de conclusão
de curso, sendo que 91 (3,6%) das produções discutem temas acerca da questão urbana
e habitacional. Destes, 75 trabalhos foram desenvolvidos em nível mestrado e 16 em
doutorado e, ainda, dos “91 trabalhos, 73 (80,2%) enfatizam especificamente a questão
da habitação” (SANTANA, 2018, p. 229).
Guimarães e Marques (2019) em levantamento realizado nos anais dos
Encontros Nacionais de Pesquisadoras/es em Serviço Social (ENPESS) de 2014 e 2016,
revelam que na pesquisa de movimentos sociais urbanos - entre eles o Fórum
Metropolitano de Reforma Urbana (FMRU), a União dos Movimentos de Moradia de São
Paulo (UMM-SP), o Movimento de Lutas nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), entre outros
-, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) “é o mais recorrente objeto de
estudos e pesquisas da categoria, além de ser frequentemente referenciado, mesmo
nos trabalhos que não o pesquisam diretamente, como a principal organização de luta
por moradia no país” (GUIMARÃES; MARQUES, 2019, p. 29) .
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Sendo assim, observamos que a categoria profissional tem desenvolvido a
abordagem das discussões referentes à questão urbana, ainda que de maneira tímida,
no trato das experiências de trabalho profissional em articulação com os movimentos
sociais. Neste sentido, observamos uma crescente produção entre os anos de 2015 e
2019, como mostra a sistematização do Quadro 1:
Quadro 1 - Periódicos e Produção Científica sobre a temática da pesquisa
PERIÓDICO PRODUÇÕES DE 2013-2019 ARTIGOS SOBRE A
TEMÁTICA DE PESQUISA
ARTIGOS INCLUÍDOS NA PESQUISA
Argumentum Total de Volumes: 17 Total de Artigos: 332
10
França (2019) Lima (2018)
Pagani, Alves e Cordeiro (2015) Guimarães (2013)
Katálysis Total de Volumes: 16 Total de Artigos: 221
7 Lopes (2019)
Pagani, Alves e Cordeiro (2016)
Praia Vermelha Total de Volumes: 10 Total de Artigos: 122
9 Burginski e Cariaga (2019)
Simões (2014)
Serviço Social e
Realidade Total de Volumes: 8 Total de Artigos: 74
3 Guimarães (2014)
Libertas Total de Volumes:12
Total de Artigos: 130 10
Urvoy (2015) Gonçalves, Pessanha e Mororó
(2015)
Textos e Contextos Total de Volumes: 12 Total de Artigos: 206
10 Suave (2018)
Diligenti, Dias e Teodoro (2016)
Serviço Social em
Revista Total de Volumes: 12 Total de Artigos: 119
18 Santana (2018) Pagani (2013)
Serviço Social e
Sociedade Total de Volumes: 21 Total de Artigos: 217
7 Duriguetto (2017) Guimarães (2015)
O Social em Questão Total de Volumes: 14 Total de Artigos: 240
23
Tolentino (2018) Amoroso (2018)
Freire e Sousa (2018) Neto e Veiga (2018)
Sanches (2017)
Em Pauta Total de Volumes: 12 Total de Artigos: 212
4 Vazquez (2017)
Temporalis Total de Volumes: 12 Total de Artigos: 218
19 Oliveira, Santos e Bienenstein
(2019)
Fonte: Sistematização da autora. Dados obtidos na coleta de dados do grupo de pesquisa junto ao sítio eletrônico das revistas. Coleta realizada no período entre maio de 2019 a junho de 2020.
Para fins de análise, os 120 artigos foram divididos nos seguintes eixos temáticos:
a) questão social articulada com movimentos sociais, lutas sociais e/ou direito à cidade
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(7 artigos); b) movimentos sociais e lutas sociais articulado ao debate sobre o direito à
cidade (5 produções) e c) direito à cidade (11 artigos), resultando na inserção de 24
produções, expostas no Quadro 2:
Quadro 2 - Artigos inseridos na pesquisa bibliográfica segundo descritores
DESCRITORES ARTIGOS AUTORES/ANO ÁREA DO CONHECIMENTO
Questão social articulada com
Movimentos Sociais, Lutas Sociais e/ou Direito à Cidade3
8
França (2019), Burginski e Cariaga
(2019) Lopes (2019) Suave (2018)
Tolentino (2018) Santana (2018)
Duriguetto (2017) Guimarães (2015b)
Políticas Públicas Serviço Social Serviço Social Serviço Social Serviço Social Serviço Social Serviço Social Serviço Social
Movimentos Sociais e Lutas Sociais articulada
com Direito à Cidade
5
Oliveira, Santos e Bienenstein (2019)
Amoroso (2018) Diligenti, Dias e Teodoro (2016)
Urvoy (2015) Simões (2014)
Serviço Social, Arquitetura e Urbanismo
História Arquitetura e Urbanismo
História Serviço Social
Direito à cidade 11
Neto e Veiga (2018) Lima (2018)
Vazquez (2017) Sanches (2017) Pagani, Alves e
Cordeiro (2016), Pagani, Alves e
Cordeiro (2015) Gonçalves, Pessanha
e Mororó (2015) Guimarães (2014)
Freire e Sousa (2014) Pagani (2013)
Guimarães (2013a)
Antropologia Serviço Social Serviço Social
Ciências Sociais Serviço Social Serviço Social
Direito, História e Serviço Social Serviço Social Antropologia Serviço Social Serviço Social
TOTAL 24 Artigos 33 Autores 7 Áreas de Conhecimento
Fonte: Sistematização da autora. Dados obtidos na coleta de dados da pesquisa documental. Artigos incluídos na pesquisa.
3 Artigos que trazem a discussão articulada de todos os descritores centrais presentes na proposta de estudo, tendo em vista que, a pesquisa em nível de mestrado, tem por objetivo “analisar as refrações da questão social na interface com a luta pelo direito à cidade expressas na condição, modo de vida e organização política dos sujeitos que residem na Ocupação Povo Sem Medo de Porto Alegre/RS a fim de proporcionar subsídios ao debate no Serviço Social no âmbito do trabalho desenvolvido em articulação com os movimentos sociais”, e portanto, a apreensão do debate articulado de tais categoriais são indispensáveis.
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Neste sentido, a pesquisa bibliográfica revelou que nas discussões referentes à
questão social articulada com movimentos sociais, lutas sociais e/ou direito à cidade,
apenas 8 artigos desenvolveram o debate nesta perspectiva. Com base no exposto,
traremos na sequência a análise das discussões realizadas pela categoria profissional no
que tange o eixo central do presente estudo.
2.1 Questão Urbana e Serviço Social
Pensar a dinâmica das cidades no modo de produção capitalista requer
compreender que sua organização visa atender aos interesses do capital, isto é, se
expressa na reprodução das relações de produção com vistas a garantir a expansão e
desenvolvimento do capitalismo em escala global. Dessa maneira, está presente em
todas as instâncias da vida cotidiana. Não se restringe a um espaço geográfico,
tampouco se localiza exclusivamente no campo das ideias, ele se situa também na
conformação do espaço enquanto produção social. Conforme Lefebvre (2008, p. 61): “o
espaço não é um objeto científico descartado pela ideologia ou pela política; ele sempre
foi político e estratégico”. E neste sentido, podemos considerar o Brasil como o país dos
“privilégios”:
[...] o Brasil é o que mais concentra renda no 1% mais rico, sustentando o 3º pior índice de Gini na América Latina e Caribe (atrás somente da Colômbia e de Honduras). Segundo o último Relatório de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) o Brasil é o 10º país mais desigual do mundo, num ranking de mais de 140 países. Por aqui, a desigualdade é extrema. (OXFAM BRASIL, 2017, p. 21)
Neste sentido, a produção de conhecimento do Serviço Social referente à luta
pelo direito à cidade, tem apontado desafios e possibilidades de atuação presentes no
cenário urbano. No trabalho de Cariaga e Burginski (2019), referente a extensão
universitária enquanto uma estratégia (entre outras) de aproximação ao cotidiano de
lutas das classes subalternas, explicita a “retração da conexão entre o Serviço Social, os
movimentos e organizações da classe trabalhadora” enquanto “tendência do próprio
refluxo das lutas sociais diante das profundas transformações societárias na dinâmica
do capitalismo contemporâneo” (Cariaga; Burginski, 2019, p. 790). As autoras apontam
a ausência de intervenções de assistentes sociais junto às organizações políticas da
classe trabalhadora, assim como maior vinculação orgânica com os movimentos sociais
autônomos. Dessa maneira, instiga o fortalecimento da extensão universitária
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“enquanto espaço de resistência em defesa do projeto ético-político” (Cariaga;
Burginski, 2019, p. 782).
Lopes (2019) faz a articulação entre emancipação política e direito à cidade
propondo “a adoção de uma direção crítica socialmente referenciada nas necessidades
da classe trabalhadora para a construção de uma nova ordem societária” (LOPES, 2019,
p. 191). A autora aborda a formação do capitalismo urbano industrial e comercial a partir
da intrínseca relação com o capitalismo agrário, impactando diretamente no acelerado
processo de urbanização brasileiro, reiterando que:
A luta urbana deve ter como horizonte, além da materialização das conquistas civilizatórias previstas em lei, a adoção de uma direção crítica socialmente referenciada nas necessidades da classe trabalhadora. A sua formação política e a construção de sua agenda de luta não pode se abster de enfrentar teoricamente, os entraves e desafios encarados na prática cotidiana na produção das cidades brasileiras. (LOPES, 2019, p. 199)
Santana (2018) aponta o avanço que a categoria profissional tem realizado sobre
a questão urbana e habitacional, sobretudo no âmbito da formação pós-graduada. O
estudo realizado pela autora, demonstrou que a categoria profissional tem contribuído
com o debate referente à formação e o trabalho profissional, oferecendo subsídios “a
necessária articulação entre as dimensões teórico‐metodológicas, ético‐políticas e
técnico‐operativas, em consonância com as diretrizes curriculares do Serviço Social”
(Santana, 2018, p. 235).
A crise urbana é apontada por Suave (2018) enquanto expressão da questão
social, apresentando subsídios ao debate no que tange o trabalho dos/das assistentes
sociais junto aos movimentos sociais. Salienta que “Os conflitos urbanos que perpassam
a organização de movimentos sociais aparecem ao Serviço Social como uma expressão
das desigualdades e, portanto, também podem fornecer objetivos para a nossa atuação
profissional” (Suave, 2018, p. 307). As contradições postas no cotidiano profissional,
referidas pela autora, apontam possibilidades de intervenção, trazendo para o cerne do
debate as ações profissionais desenvolvidas para além das demandas presentes no
âmbito institucional. Observamos que a autora não apresenta diretamente uma
abordagem conceitual sobre direito à cidade, porém expõe uma linha argumentativa
pontuando aspectos que inviabilizam sua materialização. Nesta discussão, encontramos
o direito à cidade atrelado a “falta do acesso aos direitos, como o da moradia, saúde e
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educação, que se sintetizam no direito à cidade”. E nesta perspectiva, reforça o caráter
contraditório das respostas estatais através das políticas sociais, afirmando que: “são
insuficientes às necessidades postas e, muitas vezes, de cunho paliativo” (SUAVE, 2018,
p. 308).
Tolentino (2018) por sua vez, aponta a justiça ambiental como forma de
proporcionar a efetivação do direito à cidade, enfatizando a realidade de ciganos Calon.
Dessa maneira, articula crise socioambiental e justiça ambiental como contradições que
conformam a questão urbana e apresenta as dificuldades vivenciadas por este segmento
populacional. A produção se situa na solução de necessidades básicas presentes na
realidade dos ciganos sem fazer uma articulação com o debate ampliado4 referente ao
direito à cidade.
Na produção de Duriguetto (2017), veremos que a autora também não apresenta
diretamente um conceito sobre o direito à cidade, mas oferece subsídios para o debate:
expõe a criminalização das organizações políticas da classe trabalhadora e explicita as
formas de coerção do aparelho estatal. Exercer o controle penal sobre os socialmente descartáveis pelo capital e criminalizar as lutas e movimentos sociais é associar pobreza à criminalidade, é transformar a “questão social” em uma questão individual e moral, é deslegitimar as organizações e lutas das classes subalternas, é criminalizar a visibilidade pública e política das expressões da “questão social” e dos sujeitos - individuais e coletivos - que reivindicam e/ou defendem direitos, que confrontam a ordem hegemônica capitalista. (DURIGUETTO, 2017, p. 105)
Reitera também a necessidade de uma abordagem crítica no que se refere à
questão urbana e direito à cidade: ações profissionais que venham a romper com uma
“visão moralizante e individualizante das expressões das desigualdades sociais”;
posicionamento ético-político em conformidade com o projeto profissional;
fortalecimento de “estratégias coletivas” para o enfrentamento das necessidades e
demandas sociais; apoio e articulação da categoria profissional “às lutas dos
movimentos sociais”; participação dos/das assistentes sociais nos espaços de controle
social no âmbito do Estado e das iniciativas autônomas da classe trabalhadora;
contribuição na “organização de cursos de formação política para militantes” dos
4 Compreendemos enquanto “debate ampliado”, aquele realizado para além do acesso a bens e serviços, mediados pelas políticas públicas e sociais. A luta pelo direito à cidade é composta por tais determinações (acesso a bens e serviços básicos), mas também está situada na construção de uma sociedade humanista, cujos valores de sociabilidade estão postos na produção e apropriação do espaço enquanto produção social.
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movimentos sociais, assim como a produção do conhecimento sistematizado e
publicizado enfatizando “experiências organizativas e suas conquistas” (DURIGUETTO,
2017, p. 118-119).
Na proposta de Guimarães (2015b), verificamos a mediação das expressões da
questão social com o direito à cidade, salientando as estratégias de organização e
mobilização dos movimentos sociais. Apesar de articular o debate com as categorias
discutidas na presente pesquisa, observamos que a base conceitual na qual se alicerça
a discussão em torno do direito à cidade, apresenta uma argumentação que reforça sua
materialização pela via do acesso às políticas públicas e sociais. Apresenta os desafios e
possibilidades de atuação dos movimentos sociais com a agudização das expressões da
questão social, salientando o trabalho de base “como uma das melhores formas de
comunicar às pessoas o projeto político e a concepção de mundo que orienta a ação do
movimento (GUIMARÃES, 2015, p. 728)
Importante salientar que, nos artigos categorizados que fazem a discussão de
movimentos sociais, lutas sociais e/ou direito à cidade, apenas o trabalho de Diligenti,
Dias e Teodoro (2016) apresenta as experiências de uma ocupação urbana,
referenciando o Assentamento 20 de Novembro em Porto Alegre/RS. Nesta perspectiva,
aponta os dilemas postos na presente estratégia de luta: Compreende-se que a ocupação dos vazios urbanos, exemplificada no caso do Assentamento 20 de Novembro e legalizada (mesmo que com muitas resistências) pela Função Social da Propriedade, é uma estratégia reformista de resolução dos problemas relacionados à desigualdade estabelecida no modo de produção das cidades capitalistas. Por outro lado, de forma alguma, menosprezam-se as suas práticas no sentido de conscientização desses questionamentos, de um patamar local para uma experiência abrangente e global. (DILIGENTI; DIAS; TEODORO, 2016, p. 352).
Como podemos verificar, a produção de conhecimento que faça a discussão
articulada entre direito à cidade, movimentos sociais e trabalho profissional, ainda
permanece diminuta, inferindo maior necessidade de mediação da categoria com as
organizações autônomas da classe trabalhadora.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em termos sintéticos, a pesquisa bibliográfica revelou que: a) todos os artigos
fazem referência (ainda que indiretamente) à produção do espaço no modo de
produção capitalista e abordam as contradições presentes num cenário composto por
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desigualdades e resistências; b) está presente, na maioria das discussões, os limites das
políticas públicas enquanto respostas à crise urbana no país; c) as discussões no âmbito
da profissão mostram avanços no que tange às competências e atribuições dos/das
assistentes sociais no trabalho junto aos movimentos sociais e; d) a vertente crítica que
consubstancia a produção do conhecimento no Serviço Social tem contribuído para a
ampliação do debate referente às expressões da questão social no contexto urbano.
Portanto, podemos inferir que a produção científica construída pela categoria
profissional em torno da questão urbana tem apresentado inúmeros avanços.
Entretanto, como revelam os mesmos achados, necessitamos de maior aproximação no
que tange a realidade dos sujeitos. Como destaca Yazbek:
O real, no entanto, é constituído de relações atravessadas pelo conflito e permeadas por antagonismos e, desse modo, se de um lado as representações reproduzem a lógica e o discurso ideológico dominante, de outro, reproduzem contraditoriamente o seu contrário, a sua transgressão, que se expressam como resistência, criatividade e superação de um determinismo reducionista, apontando caminhos de ruptura e libertação. Colocar em debate a resistência, a desobediência dos destituídos, implica refletir a emancipação do homem em sua luta de cada dia na busca de alcançar um protagonismo histórico. (YAZBEK, 2009, p. 90-91)
Nesta perspectiva, um desafio identificado para a produção de conhecimento em
Serviço Social consiste em ampliar a compreensão sobre as relações de poder que
emergem no cenário urbano a partir da luta cotidiana pelo direito à cidade.
REFERÊNCIAS
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4374
EIXO TEMÁTICO 10 | QUESTÃO AGRÁRIA, URBANA E AMBIENTAL
A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NOS CRIMES AMBIENTAIS
THE APPLICATION OF THE PRINCIPLE OF INSIGNIFICANCE IN ENVIRONMENTAL CRIMES
Paloma Maria Bezerra Nepomuceno1
Luís Fernando Silva Marques2
RESUMO A análise desenvolvida neste estudo situa de maneira crítica as recentes aplicações do princípio da insignificância nos crimes ambientais, de forma a assinalar como a formação dependente dos condicionantes econômicos e sociais brasileiros contribui para a compreensão do meio ambiente enquanto bem jurídico dotado de caráter fundamental. Através de uma análise bibliográfica e jurisprudencial, por meio do método dedutivo e de forma materialista, elencou-se impasses judiciais que comprometem a segurança jurídica, imprescindível na proteção conferida, inclusive, constitucionalmente.
Palavras-Chaves: Direito Penal Ambiental. Crimes Ambientais. Princípio da Insignificância.
ABSTRACT The analysis developed in this study critically situates the recent applications of the principle of insignificance in environmental crimes, in order to indicate how the dependent formation on Brazilian economic and social determinants contributes to the understanding of the environment as a legal interest endowed with a fundamental character. Through a bibliographic and jurisprudential analysis, by way of deductive method and in a materialistic way, judicial impasses were listed that compromise the legal security, essential in the protection conferred, including, constitutionally.
Keywords: Environmental Criminal Law. Environmental Crimes. Principle of insignificance.
1 Graduanda no 5º período do curso bacharelado em Direito na Universidade Federal do Piauí - UFPI. Bolsista do Programa de Educação Tutorial – PET Integração: ação integrada em educação, cidadania e inclusão social. Contato: [email protected]. 2 Graduando no 7º período do curso bacharelado em Direito na Universidade Federal do Piauí – UFPI. Bolsista do Programa de Educação Tutorial – PET Integração: ação integrada em educação, cidadania e inclusão social. Estagiário do Ministério Público do Estado do Piauí – MPPI. Contato: [email protected].
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INTRODUÇÃO
Crises hídricas, incêndios florestais, fumaça fazendo dia virar noite no céu da
maior cidade da América Latina. Os três episódios brasileiros somam-se à convulsão
ambiental do planeta, em grande medida, em decorrência do antropoceno - período
geológico mais recente da Terra, no qual o ser humano é responsável pela expressiva
alteração da biodiversidade. Em face disso, por um lado temos o estado de emergência
climática sendo debatido em vários países por inúmeras frentes, movimentos
populares, grupos, organizações e fundações de diversas ideologias; de outro,
negacionistas climáticos enfurecidos, alguns sob o argumento de que a ideai de
mudanças climáticas seria uma forma de frear o desenvolvimento dos “países ricos” do
globo.
Sem pretender aprofundar o tópico, é oportuno mencionar que a análise
presente neste artigo é realizada a partir da perspectiva social tensionada pelas novas
legislações e jurisprudências, sem, contudo, ignorar a natureza inerente às pessoas, isto
é, o ser humano é percebido como parte integrante da natureza. Destacando, desse
modo, como Ulrich Beck alerta sobre a indissociabilidade entre natureza e sociedade
(2011, p. 89), cabe lembrar que a espécie Homo sapiens faz parte do equilíbrio natural
da Terra, sendo justamente o comportamento contrário - com o antropoceno - o
precursor do desequilíbrio ecológico.
Frente à necessidade da discussão e à ignorância (por vezes, estratégica), existe
um comportamento legislativo que tenta mediar a sustentabilidade com setores da
indústria e da agropecuária, num debate que beira à ineficiência. Isso posto, este artigo
visa analisar, dentro dos limites deste trabalho, os entraves na aplicação do princípio da
insignificância aos crimes ambientais, levando-se em consideração o histórico colonial
do Brasil, através do qual muito contribuiu para uma economia dependente, assim como
os novos paradigmas sociais impostos internacional e nacionalmente pela degradação
ambiental. Portanto, uma análise materialista, de consulta bibliográfica e revisão
jurisprudencial.
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2 AS VEIAS ABERTAS
A história, atravessada por seres humanos, tangencia a natureza de formas
diversas. A América, por conseguinte, teve em seus processos históricos dinâmicas
diversas de outros continentes, sendo a superexploração e a transferência de mais-valia
cruciais para a formação de um capitalismo dependente. Esta categoria, analisada
exaustivamente no Chile e no México, teve em território brasileiro uma análise sufocada
pela ditadura civil militar de 64 e uma posterior virada democrática liberal, sob lentes
negligenciadoras de Fernando Henrique Cardoso (VALENCIA, 2018, p. 1679)
Desse modo, partindo da concepção do capitalismo dependente
compreendemos em Florestan Fernandes um clássico estudo que pode servir de apoio
sociológico e histórico da formação do bem jurídico tutelado pelo Direito Ambiental: o
ambiente. Não excluindo, evidentemente, análises mais recente e de igual rigor de
nomes como Ruy Mauro Marini, Theotônio Dos Santos e Vânia Bambirra (PAZELLO,
2018, p. 1560), claramente compreendendo suas divergências quanto à gênese desse
fenômeno que fogem ao objetivo deste artigo.
Florestan Fernandes evidencia que essa forma presente nos países periféricos
diante dos centrais se apresenta enquanto conceito estrutural e histórico, para quem:
O modelo concreto de capitalismo que irrompeu e vingou na América Latina [...] reproduz as formas de apropriação e expropriação inerentes ao capitalismo moderno [...] Mas, possui um componente adicional específico e típico: a acumulação de capital institucionaliza-se para promover a expansão concomitante dos núcleos hegemônicos externos e internos (ou seja, as economias centrais e os setores sociais dominantes). Em termos abstratos, as aparências são de que estes setores sofrem a espoliação que se monta de fora para dentro, vendo-se compelidos a dividir o excedente econômico com os agentes que operam a partir das economias centrais (FERNANDES, 1981, p. 45).
Passos posteriores na História demonstram que a formação da concepção do
ambiente moldou-se a partir de demandas mundiais através de tratados internacionais
dos quais o Brasil é signatário, “seguindo a ideologia hegemônica, os Estados nacionais
passaram a buscar nos instrumentos econômicos a solução para seus problemas
ambientais” o que assevera a centralidade da economia na relativização da “destruição
ambiental sob a égide do custo/benefício.” (SANTA & BELLO, 2017, p. 122).
Por outro lado, segundo Ulrich Beck, para quem da sociedade de classes
emergirá a sociedade de risco, com a dissolução da figura do “outro”, o condutor
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formador da concepção do ambiente terá grande interferência da lógica de produção de
riscos:
Ainda não vivemos numa sociedade de risco, mas tampouco somente em meio a conflitos distributivos das sociedades da escassez. Na medida em que essa transição se consuma, chega-se então, com efeito, a uma transformação social que se distancia das categorias e trajetórias habituais de pensamento e ação (2011, p. 25).
Sendo assim, para o autor, o medo tende a alterar normativas numa tendência
globalizante, não excluindo a lógica capitalista de desenvolvimento – conforme a sua
tese 3 (2011, p. 28), a legitimação dos efeitos colaterais seguem a congruência do “in
dubio pro progresso” (2011, p. 41). Essa lógica, já inserida no processo de degradação,
conforme Manoel Baltasar, custou para “o Brasil, país historicamente produtor e
exportador de produtos agrícolas, desde o período colonial”, a devastação de “seus
recursos florísticos, edáficos e hídricos” (2017, p. 12).
Buscando-se fazer o recorte da aplicação do princípio da insignificância nos
crimes ambientais, destacamos de antemão a dificuldade de encontrar bases sólidas
para definição de insignificante, assim como a necessidade de um olhar profundo frente
às ações humanas geradoras de impactos e riscos, posto que “na história dos homens,
cada ato de destruição encontra sua resposta, cedo ou tarde, num ato de criação”
(GALEANO, 2017, p. 372) seja diante da miséria ou da destruição.
3 O DIREITO NOS CRIMES AMBIENTAIS
O homem sempre precisou moldar o meio ambiente para que pudesse alcançar
melhor comodidade de vida, e isso se deu de maneiras diferenciadas, variando de
acordo com cada civilização. Dessa forma, acreditamos que Trennepohl (2019, p. 23-25)
tenha estabelecido um ponto de identificação comum de disposição dos recursos
ambientais no decorrer dos tempos, pois leciona que após a Revolução Industrial no
século XVIII, o desenvolvimento tecnológico e suas implicações fizeram com que “o
homem tivesse um domínio quase ilimitado da natureza, o que resultou na chegada de
um problema chamado degradação ambiental”.
Somente após muito se aprofundar esse problema à nível internacional:
O meio ambiente, apesar de figurar esporadicamente, ao longo do tempo, em legislações esparsas, somente foi apresentado como problema global em 1972, na Conferência de Estocolmo, e manteve, aumentando ainda mais, a
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preocupação de seu tratamento na Conferência de 1992, no Rio de Janeiro, a ECO-92. (FARIAS apud TRENNEPOHL, 2019, p.28).
A nível nacional, o regime jurídico que protege o meio ambiente é composto por
disposições normativas dos mais diversos diplomas jurídicos, dentre os quais o
constitucional merece destaque. De acordo com o art. 225, caput, da Constituição
Federal de 1988 (CF/88): “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-
se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações” (BRASIL, 1988).
Assim, ao ganhar status de norma constitucional, o meio ambiente equilibrado
tem como agentes de proteção: o Estado, num clássico exemplo de relação protetiva
vertical, e a coletividade, no plano horizontal de fiscalização e defesa do meio ambiente.
Visando a consecução desse ideal e maior disseminação dessa rede protetiva, o
art. 23, VI, da CF/88 estatui ser competência comum entre União, Estados, Distrito
Federal e Municípios, “proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer
de suas formas” (BRASIL, 1988). Além disso, seu art. 24, VIII, estabelece que legislar
sobre responsabilidade por dano ambiental é competência concorrente entre União,
Estados e Distrito Federal.
Nesse sentido, a Carta Magna vigente ainda elucida, no art. 225, § 3° que: “As
condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores,
pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da
obrigação de reparar os danos causados” (BRASIL, 1988). Para alcançar a efetividade
dessa disposição constitucional limitada, foi sancionada a Lei dos Crimes Ambientais (Lei
nº 9.605/1988).
Assim, no que tange à constitucionalização do meio ambiente como bem jurídico
essencial, leciona Prado (2019, p. 59) que:
A intenção do legislador constituinte brasileiro foi dar uma resposta ampla à grave e complexa questão ambiental, como requisito indispensável para garantir a todos uma qualidade de vida digna. Em última instância, valor maior a ser protegido, e que caracteriza a natureza de certo modo instrumental e relativamente personalista da tutela jurídica do ambiente. Aliás, essa é uma consequência lógica da própria concepção de Estado Democrático e Social de Direito consagrada na Constituição.
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4 DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: CONCEITUAÇÃO PENAL, APLICAÇÃO NA SEARA AMBIENTAL E ORIENTAÇÕES JURISPRUDENCIAIS
De forma singela, adotando uma concepção mais moderna e desconsiderando
as formas primárias de expressão do princípio da insignificância, Silva (apud
FLORENZANO 2018, p. 113) esclarece que:
Claus Roxin, em 1964, apresentou considerações sobre o brocardo latino: minima non curat praetor3, o que tornou relevante o Princípio da Insignificância para a atualidade, ao formular com base de validez geral para se determinar o que é injusto penal através da introdução do princípio da insignificância como regra auxiliar de interpretação, excluindo, da maioria dos tipos, danos de somenos importância.
Assim sendo, com o início das discussões acerca do referido princípio, ocorreu
sua interiorização nos ordenamentos jurídicos afora4.
Consoante a isso, sabe-se que essa “interiorização” não se deu de maneira
uniforme, assumindo diversas facetas, variando de acordo com cada ordenamento
jurídico. A exemplo do Brasil, não há na Carta Constitucional de 1988 referência expressa
ao princípio da insignificância. Contudo, como sabido, o processo de
constitucionalização principiológica é muito mais moderno do que se possa imaginar e,
por esse motivo, há inúmeros outros princípios constitucionais implícitos também
dotados de aplicabilidade jurídica mediada pela doutrina e jurisprudência.
Nesse sentido, de acordo com Nucci (2019, p. 178), o princípio da insignificância
“representa a desnecessidade de se aplicar sanção penal a uma infração considerada
insignificante em relação à proporcionalidade da lesão ao bem jurídico tutelado pela lei
penal”.
Ainda, segundo Bitencourt (2020, p. 142), “a insignificância ou irrelevância [...]
se refere à gravidade, extensão ou intensidade da ofensa produzida a determinado bem
jurídico penalmente tutelado, independentemente de sua importância” e “reside na
desproporcional lesão ou ofensa produzida ao bem jurídico tutelado, com a gravidade
da sanção cominada”.
3 O pretor (magistrado na Roma antiga) não se ocupava de litígios “menos importantes”. 4 Afastados do debate moderno acerca da discussão de validade dos princípios para o direito, consentimos na geral afirmação de que os princípios são normas estruturais do ordenamento jurídico, assim como as regras. iii O primeiro refere-se ao fato de que o estado deve utilizar do direito penal como ultima ratio, isto é, última ferramenta de pacificação social, haja vista a pluralidade das liberdades individuais. O segundo diz respeito ao fato de que esse direito penal ocupar-se-á de corrigir lesões capazes de ferir gravemente algum bem jurídico tutelado.
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A doutrina majoritária também é convergente ao assinalar que o referido
princípio é corolário dos princípios da intervenção mínima estatal e do princípio da
fragmentariedadei.
Para concluir essa breve elucidação, o Glossário online do Supremo Tribunal
Federal - STF (2020) traz os requisitos essenciais consolidados jurisprudencialmente
para o reconhecimento e aplicação da irrelevância, a conceituando como:
Princípio que consiste em afastar a própria tipicidade da conduta, ou seja, o ato praticado não é considerado crime, o que resulta na absolvição do réu. É também denominado “princípio da bagatela” ou “preceito bagatelar”. Segundo a jurisprudência do STF, para sua aplicação devem ser preenchidos os seguintes critérios: (i) a mínima ofensividade da conduta do agente; (ii) a nenhuma periculosidade social da ação; (iii) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e (iv) a inexpressividade da lesão jurídica
provocada.
Uma sumária leitura dos referidos requisitos nos permite afirmar que tais
condições são mais subjetivas do que objetivas, uma vez que é necessária a
interpretação do operador do direito para que seja auferido o grau de ofensividade da
conduta, a periculosidade social da ação e seu impacto na realidade sociojurídica, a
reprovabilidade do comportamento e até mesmo a expressividade ou não da lesão
jurídica provocada.
Tal afirmação conduz à compreensão de que a aplicabilidade desse princípio em
qualquer tipo de crime é condicionada à casuística e ao entendimento qualitativo do
aplicador do direito. Dessa forma, a reprodução do princípio nos ilícitos ambientais,
cerne deste trabalho, fica cada vez mais obstada.
De acordo com Silva (2008, p. 88) a “própria Lei de Crimes Ambientais reconhece
a possibilidade de existência de lesão ambiental penal insignificante”. Embora não haja
disposição expressa, o art. 54, caput, da Lei nº 9.605 (1998), prescreve que é crime:
“Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar
em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição
significativa da flora”, isto é, a contrariu sensu, entende-se que a destruição deve ser
significativa, caso contrário não há tipificação penal.
Mesmo havendo essa referência na legislação, que de certa forma tem pouco
impacto jurídico, há dois posicionamentos adotados pelos juristas acerca da
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aplicabilidade ou não do tão discutido princípio nos ilícitos ambientais. Como salientam
Purnhagem e Bodnar (2012, p. 1458):
Os doutrinadores e julgadores que atestam ser possível o reconhecimento do princípio da insignificância sobre delitos contra o meio ambiente argumentam que esta medida deve ser utilizada quando existir a comprovação da atipicidade material da conduta, já que a imposição de punição se mostraria desproporcional nesses casos. Desse modo, restariam sujeitas à sanção penal tão-somente as condutas concretamente lesivas ao bem jurídico meio ambiente.
Ou seja, além da tipicidade formal, realizada através do cometimento da conduta
descrita pelo tipo penal, é necessário que exista, de fato, um resultado jurídico
(resultado naturalístico) lesivo ao meio ambiente. Esse é o entendimento majoritário,
devendo ser adotado com cautela, por isso a decisão que conceda a aplicação do
princípio deve estar ainda mais atenta aos requisitos apresentados anteriormente, em
especial à mínima ofensividade e à inexpressividade jurídico-social da conduta, devendo
estar acrescida de estudos e perícias ambientais que sejam capazes de justificar a
exclusão da tipicidade do ilícito.
Nesse sentido, seguem abaixo algumas orientações jurisprudenciais:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIME AMBIENTAL. PESCA EM PERÍODO DE DEFESO. UTILIZAÇÃO DE PETRECHOS PROIBIDOS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. I. Esta Corte tem entendimento pacificado no sentido de que é possível a aplicação do denominado princípio bagatelar aos delitos ambientais, quando demonstrada a ínfima ofensividade ao bem ambiental tutelado. II. Todavia, no caso dos autos, a decisão agravada está fundamentada em jurisprudência desta Corte, no sentido de que não é insignificante a conduta de pescar em local e época proibida, e com petrechos proibidos para pesca, ainda que não tenha sido apreendido qualquer peixe em poder do recorrente. Precedentes. III - "Ademais, a captura é mero exaurimento da figura típica em questão, que se consuma com a simples utilização do petrecho não permitido. O dano causado pela pesca predatória não se resume, portanto, às espécimes apreendidas." (AgRg no AREsp n. 1.172.493/SC, Sexta Turma, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe de 01/08/2018). Agravo regimental desprovido. (BRASIL, 2020a, grifos nossos) APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME AMBIENTAL. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO DA SANÇÃO DO ART. 39, DA LEI N.º 9.605/1998. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. POSSIBILIDADE. REQUISITOS ATENDIDOS. 1. A subsunção do fato ao tipo penal nem sempre é motivo para que o aparelho estatal seja acionado na prestação jurisdicional penal. Há casos que recomendam a aplicação do princípio da insignificância ou da bagatela, afastando a materialidade do delito e tornando o fato atípico. 2. Havendo a mínima ofensa da conduta do agente, a inexistência da periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica
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provocada, é possível a aplicação do princípio da bagatela. 3. Apelo conhecido e provido. (BRASIL, 2020b, grifos nossos) AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. CRIME AMBIENTAL. BIOMA DE ESPECIAL PRESERVAÇÃO. MATA ATLÂNTICA. ALEGAÇÃO DE MÍNIMA OFENSIVIDADE AO BEM JURÍDICO TUTELADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO APLICABILIDADE. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA NÃO RECONHECIDA. SUSPENSÃO DA PUNIBILIDADE. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO NÃO PROVIDO. 4. Na espécie, houve significativo dano ao meio ambiente, conforme trecho da denúncia, com degradação, inclusive, de bioma objeto de especial preservação (Mata Atlântica), não se aplicando o princípio da insignificância. 5. Com efeito, a questão da relevância ou insignificância das condutas lesivas ao meio ambiente não deve considerar apenas questões jurídicas ou a dimensão econômica da conduta, mas levar em conta o equilíbrio ecológico que faz possíveis as condições de vida no planeta (RHC n. 41.172/SC, Sexta Turma, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJe de 10/4/2015) 6. A conduta delituosa descrita está prevista no art. 38 da Lei n. 9.605/1998: Destruir ou danificar vegetação primária ou secundária, em estágio avançado ou médio de regeneração, do Bioma Mata Atlântica, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção.8. Agravo regimental não provido. (BRASIL, 2020c, texto reduzido, grifos nossos)
Contudo, há também quem defenda a inaplicabilidade da bagatela nos crimes
ambientais, fundamentando essa impossibilidade:
[...] pelo fato de os crimes ambientais possuírem natureza formal: protegem o meio ambiente mesmo que uma conduta isolada não o prejudique e detêm por escopo a preservação da natureza, coibindo as ações humanas que a degenerem. Entende-se que, quando uma conduta isolada é considerada indiferente, apesar de ser proibida por sua gravidade, há o encorajamento para o cometimento de outras condutas em igual escala, o que acaba por resultar na degeneração ambiental, muitas vezes irreversível pela ação humana. (BRASIL, 2011 apud PURNHAGEM; BORDNAR, 2012, p. 1460)
Nessa perspectiva, o meio ambiente é entendido como direito fundamental
insuscetível de valoração de insignificância. Malgrado essa divisão de posicionamentos
seja um pouco obsoleta, além do fato de que STF e STJ, atualmente, reconhecem a
aplicação do princípio da irrelevância, é possível encontrar tribunais (em específico um
ou dois Tribunais Regionais Federais) que reafirmam esse último entendimento de
inaplicabilidade da bagatela, conforme se vê abaixo:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, II, DA LEI Nº 9.605/1998. CRIME AMBIENTAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. 1. O crime ambiental é crime de perigo abstrato, onde o dano ao bem jurídico tutelado (meio ambiente) não pode ser mensurado. Inaplicabilidade do princípio da insignificância. 2. Materialidade e autoria do crime devidamente comprovadas. 3. Apelação provida. (BRASIL, 2020d, grifos nossos)
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PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ADULTERAÇÃO DE SELO OU SINAL PÚBLICO. CRIME AMBIENTAL. FAUNA SILVESTRE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. 1. Tratando-se de crime de perigo abstrato (como é o crime ambiental), esse princípio não é aplicável, uma vez que o dano ao bem jurídico tutelado (meio ambiente) não pode ser mensurado. Precedentes. 2. Materialidade, autoria e dolo comprovados. 3. O apelante é criador amador de passeriformes há vários anos, sem ser cadastrado no IBAMA, não sendo crível que não soubesse da necessidade de autorização desse órgão para manter aves em cativeiro. Quanto à falsificação, foi-lhe imputada a conduta de fazer uso de selo ou sinal falsificado, não havendo como eximi-lo do uso indevido das anilhas contrafeitas. Tinha ciência do dever de reportar qualquer possível irregularidade ao órgão de proteção ambiental ou de averiguar a regularidade das anilhas. Agiu, no mínimo, com dolo eventual. 4. Dosimetria da pena mantida. Correção de erros materiais. 5. Tratando-se de crimes distintos praticados mediante mais de uma ação, seria o caso de reconhecimento de concurso material (CP, art. 69). No entanto, como não houve recurso da acusação, fica mantido o concurso formal aplicado na sentença, prevalecendo a pena mais grave majorada em um sexto. 6. Apelação desprovida. (BRASIL, 2020e, grifos nossos)
5 CONCLUSÃO
Conforme o exposto, o meio ambiente enquanto categoria jurídica se situa numa
mediação desde o final do século XX: a conservação e a deterioração, cujos contornos
determinadores do futuro ecológico são imprescindíveis no ditame da espécie humana.
Assim, atua de forma intrínseca à jurídica, os fatores históricos, sociais e econômicos,
potencializadores da tendência à mediação e ao impasse, não sendo, portanto, exclusiva
do Legislativo ou Judiciário. Em totalidade, são questões em aberto do século XXI, cujas
respostas (oportunas ou inoportunas) deverão ser estruturais e hegemônicas.
Nesse contexto, a forma abstrata pela qual o princípio da insignificância atua é
alvo questionamentos, ao passo que o Direito Penal deve ser empreendido em ultima
ratio, visto que o bem jurídico tutelado pela legislação ambiental demonstra ser de
imprescindível importância civilizatória. Nesse sentido, percebemos esse impasse
presente nas decisões, de modo que um ou dois Tribunais Regionais Federais têm
tendência a não reconhecerem a aplicabilidade do princípio, enquanto o Supremo
Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) permitem a concessão da
bagatela, situando-nos diante de uma insegurança jurídica.
Outrossim, na seara judiciária, é imperioso uma uniformidade de
entendimentos, haja vista que os juízes não podem julgar de forma diferente e sem
uniformização, o direito é uma colcha de retalhos, porém não precisa ser feito com
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material de baixa qualidade, pois a realidade social precisa de certo grau de
imutabilidade.
Portanto, objetivamente, é essencial que sejam traçadas estratégias, sobretudo,
entendimentos homogêneos que evitem essas inconsistências jurisprudenciais,
poupando o STJ e o próprio STF de ter que (re)analisar os pleitos jurisprudencialmente
positivados. Contudo, subjetivamente falando, e levando em consideração o fato de que
essa dicotomia de (in)aplicação do referido princípio aos crimes ambientais têm sido
atrofiada, é extremamente fundamental que as decisões que flexibilizam os ilícitos
ambientais sejam devidamente fundamentadas, isto é, observem os requisitos
essenciais, de forma que, na hipótese de aplicação da irrelevância, tenha-se a certeza
de que o impacto jurídico, social e especialmente ambiental, seja o mais reduzido
possível, pois, haja vista os fatos anteriormente mencionados, o meio ambiente é bem
jurídico digno da tutela fundamental a nível nacional e internacional e faz-se necessário
reduzir as hipóteses de, como trata Beck, intensificarmos a latência da sociedade de
risco.
APOIO: MEC/FNDE, pelas bolsas concedidas aos extensionistas do PET Integração. Agradecimentos à Prof. Dra. Cecília Maria Resende Gonçalves de Carvalho, Tutora do PET Integração, e ao Prof. Ms. Honácio Braga de Araújo, Professor Substituto do Departamento de Ciências Jurídicas da UFPI pela colaboração como revisor do texto.
REFERÊNCIAS
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EIXO TEMÁTICO 10 | QUESTÃO AGRÁRIA, URBANA E AMBIENTAL
A INFLUÊNCIA DOS ATORES POLÍTICOS NA IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS NA CIDADE DE
TERESINA- PI
THE INFLUENCE OF POLITICAL ACTORS IN IMPLEMENTING THE NATIONAL SOLID WASTE POLICY IN THE CITY OF TERESINA- PI
Ana Keuly Luz Bezerra1
Amauri Silva Pereira2 Grace Ferreira de Sampaio3
RESUMO Este estudo tem como objetivo analisar o papel dos atores políticos na implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) na cidade de Teresina - PI e como objetivos específicos: Identificar a quantidade de leis ligadas à Política Nacional de Resíduos Sólidos aprovadas nos últimos 8 (oito) anos, descrever o processo de implementação da PNRS em Teresina e Fazer um levantamento dos atores políticos envolvidos no processo de implementação da PNRS em Teresina. Foi utilizada pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo. A coleta de dados mostra um pequeno número de atores interessados na PNRS e algumas poucas iniciativas voltadas para a implementação mesma no município. Nesse sentido, em se tratando da PNRS existem poucos interessados em implementar a política na cidade de Teresina e estes apresentam propostas ainda pouco efetivas. Palavras-Chaves: Políticas Públicas. Resíduos Sólidos. Atores Políticos. ABSTRACT This study aims to analyze the role of political actors in the implementation of the National Solid Waste Policy (PNRS) in the city of Teresina - PI and as specific objectives: To identify the number of laws linked to the National Solid Waste Policy approved in the last 8 ( eight) years, describe the PNRS implementation process in Teresina and carry out a survey of the political actors involved in the PNRS
1 Professora da Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da UFPI e do Eixo de Gestão em Negócios do Instituto Federal do Piauí. Doutora em Desenvolvimento e Meio ambiente. E-mail: [email protected]. 2 Especialista em Gestão Pública. E-mail: [email protected]. 3 Especialista em Gestão Pública. E-mail: [email protected].
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implementation process in Teresina. Bibliographic and field research were used. The data collection shows a small number of actors interested in the PNRS and a few initiatives aimed at the same implementation in the municipality. In this sense, when it comes to the PNRS, there are few interested in implementing the policy in the city of Teresina and they present proposals that are still ineffective. Keywords: Public Policies. Solid waste. Political Actors.
INTRODUÇÃO Em se tratando de políticas públicas e do processo de elaboração destas torna-
se importante avaliar até onde fora possível a participação da sociedade civil ou mesmo
de órgãos e instituições que a represente, haja vista que aprovar ou pôr em prática uma
política ou projeto de lei sem que ocorra pelo menos a intenção de ouvir as partes
interessadas no objeto, acabar por demonstrar certo desinteresse pois uma ampla
participação permite uma maior probabilidade de evitar riscos em que as leis se
distanciem da realidade dos cidadãos, como por exemplo a possibilidade deste ir de
encontro com costumes de uma determinada região ou grupo.
A cidade de Teresina segue o mesmo exemplo do país em termos de políticas
que tratam da preservação do meio ambiente, visto que mesmo apresentando
considerável potencial para a preservação de áreas verdes, poucas são as ações por
parte do poder público que realmente são efetivadas no cotidiano do cidadão e que são
passíveis de gerar algum resultado futuro para a continuidade da vida animal ou vegetal.
Segundo Redin e Silveira (2012) deve-se levar em consideração que a temática da
política ambiental brasileira está sempre em debate no cenário nacional, inclusive,
interessa a outras nações, principalmente, as ocidentais. Nesse campo são eminentes
os conflitos socioambientais presentes, incluindo discussões em torno das dimensões
que guiam o amplo campo do desenvolvimento, conjugando o óbice de entraves entre
o crescimento econômico acelerado e a preservação do meio ambiente, ambos com
objetivos discrepantes.
Dessa forma, este trabalho foi desenvolvido procurando atingir o objetivo de
analisar o papel dos atores políticos na implementação da Política Nacional de Resíduos
Sólidos na cidade de Teresina - PI. Fazendo-se necessário para tanto alcançar os
objetivos específicos: Identificar a quantidade de leis ligadas à Política Nacional de
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Resíduos Sólidos aprovadas nos últimos 8 (oito) anos, descrever o processo de
implementação da PNRS em Teresina e Fazer um levantamento dos atores políticos
envolvidos no processo de implementação da PNRS em Teresina.
Produzir um trabalho que toque na questão ambiental e mais ainda ressalte a
influência e a importância da sociedade civil e de órgãos representativos diante de uma
obrigação do poder público, utilizando como pano de fundo a Lei 12.305 de 02 de Agosto
de 2010 que dispõe da Política Nacional de Resíduos Sólidos, contribuir e incentivar o
pensamento crítico na elaboração de políticas públicas ambientais locais e que permita
a participação destas partes interessadas objetivando a aproximação e uma maior
interação entre comunidade, meio ambiente e políticas públicas. Para a comunidade
científica esta é uma oportunidade de ter acesso a forma como se dá a elaboração de
uma política em âmbito local tomando por base o ponto de vista e a ação do ator
político.
2 OS ATORES POLÍTICOS
A figura do ator político dentro do contexto das políticas públicas deve ser
entendido como aquele indivíduo ou instituição que se julga interessada na matéria a
ser discutida, seja porque acredita estar sendo beneficiada ou por acreditar que uma
determinada decisão acarretará prejuízos para si. Santos (2009) ao falar sobre os atores
públicos faz uma separação entre estes de uma maneira que dentro do processo político
os atores fossem divididos em 03 (três), o primeiro representando o próprio Estado, um
segundo que seriam os fornecedores de insumos ao poder público, e um terceiro ator
que seria a sociedade civil.
O primeiro ator, na figura principalmente dos representantes do Poder Executivo
(Presidente, Governadores e Prefeitos) e do Poder Legislativo (Senadores, Deputados e
Vereadores) no seu interesse em atender as necessidades da coletividade podem
elaborar leis, solicitar discussões sobre determinado tema em audiências públicas,
indicar projetos e até mesmo pressionar outros atores em prol de uma causa. Os
fornecedores de insumos, por sua vez, personificados pelos empresários e/ou pela
iniciativa privada interessados em participar de licitações e trabalhar com o setor
público, utilizam-se de alguns mecanismos de persuasão para que determinadas
decisões não acarretem perdas. O terceiro ator, representado pela sociedade civil,
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destaca-se por ser tanto usuária dos serviços como integrante das organizações que
lutam pela garantia dos direitos dos cidadãos.
A participação destes representantes pode contribuir de uma maneira tal que os
recursos públicos possam ser utilizados para satisfazer as verdadeiras necessidades das
comunidades proporcionando melhorias nos serviços prestados. Ohlweiler (2007)
acredita que tratar de políticas públicas exige repensar as relações entre Estado e
sociedade civil, cabendo a esta, como já mencionado, corresponsabilidade pela
construção e implementação de ações públicas destinadas a fazer acontecer a
cidadania, e neste caso ele ainda considera importante mencionar o exemplo das
audiências públicas e dos processos de consulta.
3 POLÍTICAS PÚBLICAS AMBIENTAIS
Desde seus primórdios o homem vem tentado transformar o espaço onde vive a
fim de atender às suas necessidades e interesses, foi assim desde o período pré-histórico
até os dias atuais. No início, as mudanças causadas pela humanidade se davam de forma
lenta, mas nos tempos mais recentes elas passaram a ocorrer de modo acelerado e
intenso.
Conforme Bursztyns e Bursztyns (2012), se olharmos para o passado, veremos
que os elementos que hoje ocupam o debate ambiental estavam presentes na vida
cotidiana e no legado das antigas civilizações, o que demonstra que os problemas de
cunho ambiental não são apenas dos períodos recentes, eles existem à medida que o
homem começa a modificar o seu habitat natural, esse agrava a medida que essas
modificações se transformam e se intensificam, é o que podemos observar
principalmente nos séculos XVIII, XIX e XX.
Em busca por compreender o tema acerca da política ambiental que se
desenvolveu no cenário brasileiro, é preciso que se trace uma trajetória de vários
elementos que foram marcantes na construção de uma proposta desta política, sendo
que o desenvolvimento de algumas diretrizes veio a nortear as políticas voltadas a
atender as demandas relacionadas às questões de cunho ambiental ao longo do tempo.
Segundo Sousa:
A evolução da política ambiental pode ser descrita através de importantes marcos de referência, isto é, grandes acontecimentos internacionais ocorridos a partir da segunda metade do século XX, que influenciaram o curso
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das políticas ambientais no mundo e, consequentemente, no Brasil (SOUSA, 2011, p. 01).
Sousa (2011) nos traz em seus estudos que o país que primeiro percebeu a
necessidade e urgência da intervenção do poder público sobre as questões ambientais
foram os Estados Unidos, ainda na década de 1960, mesmo sendo também um dos
países que se pautavam em uma política liberal, fato que demonstra que
"Paradoxalmente, o país considerado o paraíso do não-intervencionismo foi que
primeiro promoveu a intervenção regulamentadora no meio ambiente, através da
Avaliação dos Impactos Ambientais (AIA), formalizada nos Estados Unidos em 1969"
(SOUSA, 2011, p.01).
Para Sousa (2011), a política ambiental brasileira nasceu e se desenvolveu nos
últimos quarenta anos como resultados da ação de movimentos sociais locais e de
pressões vindas de fora do país.
Sousa (2011) retrata ainda que a política ambiental brasileira propriamente dita
se desenvolveu de forma tardia se comparada às demais políticas setoriais brasileiras, e
basicamente em resposta às exigências do movimento internacional ambientalista. O
que se pode observar neste desenvolvimento das políticas ambientais é que os
governantes mais se preocupavam em traçar um plano de governo visando o
desenvolvimento econômico do país sem se importar com os impactos ambientais que
estes poderiam causar a longo prazo.
Após conferências como a de Estocolmo, e que se começa a debater as questões
dos problemas ambientais, antes disso não se tinha uma política ambiental que de fato
trata-se dos problemas relacionados ao meio ambiente, o que se ti há era políticas de
fomento relacionadas às questões ambientais que visavam a utilização dos recursos
naturais afim de exploração dos mesmos.
3.1 A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS)
A preocupação do poder público com as questões de preservação dos recursos
naturais e saúde pública, bem como o desenvolvimento social, econômico e ambiental,
objetivando uma maior conscientização e crescimento sustentável, são aspectos que
motivaram a criação de uma nova cultura mais responsável no que se refere à produção
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e destinação de resíduos sólidos no Brasil. Dessa forma, tem-se a estruturação da
Política Nacional de Resíduos Sólidos - PNRS.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) no Brasil está expressa na Lei
12.305 de 02 de Agosto de 2010, que também conversa com a Política Nacional de Meio
Ambiente, com a Política Nacional de Educação Ambiental e com a Política Federal de
Saneamento Básico, vai tratar da destinação correta dos resíduos produzidos pelo ser
humano prezando pelo desenvolvimento ecologicamente consciente e sustentável.
Seguindo uma certa ordem de prioridade: não geração, redução, reutilização,
reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente
adequada dos rejeitos.
Por mais pertinente que seja a Lei 12.305/10, esta também pode ser vista como
ambiciosa tendo em vista a seus objetivos e as demandas em se tratando do empenho
intersetorial necessário para atingi-los.
Tendo como princípios norteadores, dentre outros, a visão sistêmica na gestão
dos resíduos sólidos, o desenvolvimentos sustentável, a ecoeficiência, a cooperação
entre as diferentes esferas do poder público, setor empresarial e demais segmentos da
sociedade o PNRS apresenta uma proposta completa e que busca uma maior interação
tanto entre os diversos setores das políticas públicas como nas esferas de governo, e
possivelmente este aspecto apesar de benéfico acaba por tornar a execução desta um
desafio levando em consideração a realidade das políticas públicas no país.
Levando-se em consideração às demais esferas de poder é perceptível ainda uma
certa dificuldade na implementação da Lei em níveis estaduais e municipais e
consequentemente na elaboração dos planos de gerenciamento. Em seu estudo
Moraes, Moura, Carvalho e Fonseca (2016) afirmam que no Estado do Piauí, ainda não
foi aprovado o Plano Estadual de Resíduos Sólidos, mesmo com a realização de vários
fóruns estaduais com o objetivo de desenhar tal diretriz. A Secretaria Estadual das
Cidades, com apoio técnico do Ministério do Meio Ambiente, vem coordenando esse
processo, mas somente em 2012, ainda que de forma preliminar, conseguiu elaborar a
proposta de Plano Estadual de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PEGIRS/PI), que
até a presente data ainda não foi regulamentada.
A nível estadual observa-se ainda uma tentativa de implantação da PNRS, a
mudança de mentalidade para uma melhor adequação aos destinos dos resíduos
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produzidos e a consciência de assumir a responsabilidade por estes ainda precisam ser
discutidos e analisados para que sejam encontradas alternativas viáveis.
Segundo Moraes, Moura, Carvalho e Fonseca (2016) o diagnóstico que subsidiou
a proposta do Plano Estadual de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos do Piauí
(PEGIRS/PI) aponta que a situação dos lixões no Piauí é bastante problemática, tanto em
termos de infraestrutura, quanto de operacionalização. Ressaltando também que são
poucas as iniciativas consorciadas intermunicipais de gestão nessa área, dificultando a
captação de recursos financeiros da União, como subsídio. Nem mesmo Teresina, capital
do Estado, possui o Plano Municipal de Gestão de Resíduos Sólidos.
A previsão para pôr em prática e operacionalizar o plano municipal de resíduos
sólidos como fora proposto na lei era inicialmente o ano de 2014, prazo que fora
prorrogado para o ano de 2018, entretanto foram encontradas algumas dificuldades no
cumprimento de todos os requisitos exigidos pela política em questão principalmente
no que se refere a infraestrutura e investimentos demandados para uma destinação
adequada de resíduos e que não provoque agressão ao meio ambiente.
Moraes, Moura, Carvalho e Fonseca (2016), em sua pesquisa, afirmam que a
capital do Estado do Piauí já conta com um sistema eficiente de coleta seletiva. Faz
referência ao Aterro Controlado de Teresina, cita a presença de catadores realizando a
coleta de materiais recicláveis, diretamente do amontoado de resíduos. A realidade do
Município de Teresina não fica distante do que é observado nos demais municípios do
território brasileiro, tem-se um número de ações provisórias, mas poucas que são
realmente efetivas.
4 METODOLOGIA
Esta pesquisa realizada fundamentou-se no método de interpretação dialético
que por sua vez possibilitou o estudo explicativo da essência do fenômeno estudado, no
caso a análise sobre a influência do ator político na implementação da Política Nacional
de Resíduos Sólidos no período entre 2010 e 2018 no Município de Teresina, Estado do
Piauí. O corte temporal deste trabalho leva em consideração a data em que a Lei 12.305
de 02 de Agosto de 2010 (Lei que institui a PNRS) entra em vigor como forma de observar
as propostas desenvolvidas pelos desde então.
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Para o desenvolvimento desta pesquisa foi realizado: a) Levantamento
bibliográfico sobre temas relacionados à política pública, política pública ambiental, e
política nacional de resíduos sólidos, a partir de seus contextos históricos no Brasil,
foram consultados também revistas, internet, periódicos, anais de eventos, buscando
atualidades com relação ao tema abordado. b) Levantamento documental a partir de
buscas, por meio de palavras-chave (coleta seletiva, lixo, resíduos sólidos, reciclagem,
lixo hospitalar, logística reversa), realizadas no software do Departamento Legislativo da
Câmara municipal de vereadores de Teresina- PI, com o intuito de contribuir para a
realização da investigação; c) Pesquisa de campo que foi realizada na Câmara de
vereadores, localizada no município de Teresina-PI, visando levantamentos de dados
que ajudem identificar como esta política foi implementada, seus pontos positivos e
negativos, dentre outros.
Na pesquisa de campo foi utilizada entrevista semiestruturada, seguindo o
Roteiro de Entrevista, com um Parlamentar da Câmara de Municipal de Teresina que
apresenta em sua agenda política e nos trabalhos desenvolvidos uma forte influência
com a defesa do meio ambiente e consequentemente um considerável número de leis
ligadas ao meio ambiente. Os dados obtidos na pesquisa de campo foram tabulados e
inseridos no decorrer do trabalho em forma de citações, de forma a facilitar a
interpretação e análise dos dados.
Por fim foi feita a análise qualitativa e quali-quantitativa dos dados obtidos na
pesquisa de campo a fim de compreender como os atores políticos influenciaram no
processo de implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, tendo em vista
que ainda não fora possível vislumbrar o Plano Municipal de Gestão de Resíduos Sólidos
na capital, fora realizada uma análise a partir das propostas e iniciativas apresentadas
por estes no que se refere à temática da PNRS, pois o Decreto 7.404 de 23 de Dezembro
de 2010 que regulamenta a Lei 12.305/10 faz referência a uma série de conceitos e
recomendações ao poder público que são suma importância para a aplicação da PNRS
como, dente outros, é o caso da Coleta Seletiva, da Logística reversa, da Participação
dos Catadores de Materiais Recicláveis, da Educação Ambiental, dos Planos de
gerenciamento dos resíduos e do Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos
Resíduos Sólidos.
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4.1 Resultados e Discussões
A pesquisa documental fora realizada no Departamento Legislativo da Câmara
Municipal de Teresina, Poder Legislativo local, por levar em consideração a presença dos
atores políticos, neste contexto, representado pela figura dos Vereadores, que
representam os interesses dos cidadãos da capital do Estado do Piauí e resultou em um
conjunto de 29 (vinte e nove) leis aprovadas em plenário com as temáticas que
envolvem de alguma forma, as diretrizes, objetivos ou metas da Política Nacional de
Resíduos Sólidos.
Entretanto é importante ressaltar que a Lei sobre a PNRS fora aprovada apenas
em Agosto de 2010, e dessa forma, para que ocorra um melhor aproveitamento e
análise deste trabalho, foram selecionadas apenas os projetos de lei aprovados depois
de 2010, restando assim, um total de 15 (quinze) leis que apresentam alguma relação
com o tema, aprovadas em plenário e de iniciativa dos parlamentares e demais atores
políticos envolvidos.
O texto e o teor das leis propostas pelos vereadores na Câmara Municipal de
Teresina depois que a Lei 12.305/10 entra em vigor, e que contribuem com a
implementação dela no município, tratam principalmente sobre conscientização e
educação ambiental, coleta seletiva, reciclagem e resíduos sólidos. Algumas merecem
considerável destaque como é o caso da Lei 4.413/13 que trata sobre correta destinação
e tratamento de esgoto sanitário de estabelecimentos comerciais, industriais,
hospitalares e residenciais no município de Teresina.
É interessante destacar também para o desenvolvimento desta pesquisa a Lei
4.684/15 que institui diretrizes acerca da criação do programa de coleta seletiva de
resíduos sólidos e inclusão social dos catadores de materiais recicláveis - PRÓ-CATADOR
no município de Teresina. Neste caso, entretanto tem-se a intenção de apoiar e
fomentar a organização produtiva de catadores e melhoria das condições de trabalho, a
efetividade desta iniciativa, porém frustra o cidadão na medida em que o texto desta lei
traz alguns conceitos, objetivos e princípios da PNRS e nenhum tipo de
comprometimento ou apoio do poder público em relação ao trabalho que deve ser
desenvolvido nas cooperativas.
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Por fim outra lei que merece destaque como proposta de contribuir para a
implementação da PNRS é a Lei 5.177/18 que institui a Política Municipal de Coleta,
Tratamento e Reciclagem de óleo e gordura de origem vegetal ou animal em Teresina e
representa um avanço e incentivo por abordar questões que se casam diretamente com
a PNRS, obrigando que um determinado tipo de resíduo tenha destinação
ecologicamente correta evitando principalmente no contexto local a poluição dos rios.
A coleta de dados também fora realizada por meio de uma entrevista em que os
pesquisadores puderam adquirir mais informações acerca da realidade na cidade de
Teresina em se tratando das iniciativas propostas pelos atores políticos no processo de
implementação da PNRS. A entrevista fora realizada com o Vereador A, tendo em vista
que em sua agenda política tem-se uma forte influência de políticas ambientais,
apresentando como consequência um considerável número de leis de cunho ambiental
em sua autoria, dessa forma, foram desenvolvidos questionamentos seguindo o Roteiro
de Entrevista.
Ao ser questionado sobre as leis e projetos de leis que têm ligação com a PNRS
em Teresina o Vereador A apontou alguns de seus trabalhos voltados para a Educação
e conscientização ambiental e também sobre a reciclagem e destinação correta de
resíduos sólidos, destacando a preservação dos Rios Poti e Parnaíba. Na que se refere
às reuniões e audiências acerca da temática o entrevistado destaca uma com a
associação dos condomínios sobre reciclagem e coleta seletiva e a "Audiência Verde"
(Uma proposta prevista na Semana municipal do meio ambiente para discussões sobre
o meio ambiente).
Sobre o interesse de outros atores políticos na PNRS o Vereador A afirma que
grande parte das cobranças sobre as questões partem da Câmara Municipal de Teresina
desde a instituição da nova secretaria de meio ambiente até as atuais políticas de
reciclagem. A imprensa e os meios de comunicação local também não promovem
nenhum tipo de influência ou interesse em pressionar ou promover discussões sobre a
Política Nacional de Resíduos Sólidos
O entrevistado ao ser questionado sobre a medida em que as leis existentes
podem auxiliar na PNRS explica que a lei de coleta e tratamento de gordura é de suma
importância para o município tendo em vista evitar a contaminação dos rios e para a
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4397
PNRS por apresentar objetivos e diretrizes que se correlacionam, pois essa lei abrange
reciclagem, educação ambiental e destinação correta de resíduos.
Sobre a iniciativa dos gestores públicos em implementar a PNRS o Vereador A
comenta que a provocação para ação geralmente vem da Câmara, levantou-se também
um questionamento referente a um projeto de lei sobre lixo hospitalar que fora
arquivado, em resposta o entrevistado afirma que o texto deste projeto de lei faz
referência ao que hoje consta no código de postura da cidade de Teresina sobre a
responsabilidade que cada organização deve ter em relação a destinação correta dos
seus resíduos. E para finalizar a entrevista o Vereador A afirma que uma vez respeitadas
as leis municipais que hoje existem, Teresina apresenta um considerável aparato legal
para garantir alguns dos objetivos propostos pela PNRS citando como exemplos a
educação ambiental, reciclagem e coleta e tratamento de resíduos.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Política Nacional de Resíduos Sólidos prevê a elaboração de um plano de
Gestão de Resíduos Sólidos tanto nos Estados quanto nos municípios, elaborar este
plano, bem como atender às diretrizes e objetivos da lei, apresenta certo grau de
dificuldade, haja vista a necessidade de encontrar alternativas para a destinação
ecologicamente adequada de resíduos sólidos. A cidade de Teresina ainda não
apresenta o Plano em questão e também não fora possível vislumbrar iniciativas em
busca de alternativas para um descarte que respeite o meio ambiente.
No decorrer deste trabalho, entretanto foram apontadas propostas dos atores
políticos interessados nas políticas públicas ligadas ao meio ambiente, em 15 (quinze)
destas, fora possível estabelecer relações com a PNRS, destacando-se educação
ambiental, reciclagem e coleta e tratamento de resíduo sólido. Estes trabalhos têm
origem geralmente no próprio Poder Legislativo, na figura dos parlamentares ou no
Poder Executivo, representado pelo Prefeito do município, são estes os dois principais
atores proponentes de ações legais voltadas para a PNRS em Teresina.
Certo de que Teresina ainda não apresenta um Plano Municipal de Gestão de
Resíduos Sólidos. Fora possível visualizar, a partir dos dados coletados que na capital do
Estado do Piauí os poucos atores políticos (Vereadores e Prefeitura) que se dispuseram
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a atuar em prol do meio ambiente, não trabalharam na busca pela elaboração do Plano
Municipal de Gestão de Resíduos Sólidos e atingiram apenas parcialmente as diretrizes
e os objetivos da PNRS, por meio de audiências públicas e leis com temáticas correlatas.
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EIXO TEMÁTICO 10 | QUESTÃO AGRÁRIA, URBANA E AMBIENTAL
POLÍTICAS PÚBLICAS COMO MEDIADORAS DO DESENVOLVIMENTO URBANO NO LITORAL DO PIAUÍ
PUBLIC POLICIES AS MEDIATORS OF URBAN DEVELOPMENT IN THE COAST OF PIAUÍ
Jefferson Ferreira da Silva Leite1
RESUMO O crescimento econômico é condição necessária, mas não suficiente, para o desenvolvimento socioeconômico de uma região. Esse crescimento, assim como o urbano, pode acarretar diversas consequências negativas caso não haja a devida mediação por parte do poder público. Com base nisso, esse trabalho aborda políticas ambientais e de desenvolvimento urbano como base para a inter-relação entre meio urbano e natural no litoral do Piauí. A metodologia utilizada foi revisão de literatura e visitas a campo para complementar e/ou corroborar com as informações obtidas antes, ou para retificá-las. Apreendeu-se que o constante crescimento da população urbana do país explicitou a diferença entre crescimento e desenvolvimento, econômico e urbano, os impactos de ambos no meio ambiente natural e nas comunidades tradicionais e a importância da criação e execução de políticas públicas que, não somente fomentem o desenvolvimento socioeconômico, mas que também possam orientar e controlar o uso e ocupação do solo urbano. Palavras-Chaves: Políticas Públicas; Urbanização; Meio Ambiente. ABSTRACT Economic growth is a necessary, but not sufficient, condition for the socioeconomic development of a region. This growth, as well as urban growth, can have several negative consequences if there is no proper mediation by the public authorities. Based on this, this work addresses environmental and urban development policies as a basis for the interrelationship between urban and natural environments on the coast of Piauí. The methodology used was literature review and field visits to complement and / or corroborate the information obtained before, or to rectify them. It was apprehended that the constant growth in the country's urban population, made explicit the difference
1 Bacharel em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Piauí. Pós-graduando em Gestão da Qualidade e Gestão Ambiental no Centro Universitário Maurício De Nassau. E-mail: [email protected].
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between economic and urban growth and development, the impacts of both on the natural environment and traditional communities and the importance of creating and implementing public policies that, not only promote socio-economic development, but which can also guide and control the use and occupation of urban land. Keywords: Public Policy; Urbanization; Environment.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho aborda políticas ambientais e de desenvolvimento urbano
como base para a inter-relação entre meio urbano e natural, tendo como estudo de caso
o crescimento das cidades do litoral piauiense e sua inter-relação com a Área de
Proteção Ambiental do Delta do Parnaíba. As cidades em questão são: Ilha Grande,
Parnaíba, Luís Correia e Cajueiro da Praia.
Na última década tornaram-se notórias as propostas de executar, em diversas
áreas do litoral piauiense, projetos de urbanização que partiriam da iniciativa privada e
ocorreriam por meio da implantação de empreendimentos imobiliários e hoteleiros,
além de outros atrativos de investimentos voltados para o turismo. A possível execução
de tais projetos, assim como seus potenciais impactos socioambientais, implicou na
necessidade de análise e entendimento da história e das dinâmicas do crescimento das
cidades do litoral piauiense e da Área de Proteção Ambiental do Delta do Parnaíba (APA
Delta do Parnaíba).
Esse estudo se justifica, dentre outras razões, pela importância de se discutir a
complexidade de situações envolvendo o poder capitalista, representado por grupos
privados com interesses financeiros, atuando em áreas ambientalmente sensíveis e com
populações em situação socialmente vulnerável, reforçando a necessidade de políticas
públicas que regulem esses câmbios de recursos (financeiros, naturais e humanos) para
que eles aconteçam de forma justa e sustentável.
A preocupação com os impactos socioambientais causados pelo crescimento
urbano na área, aqui estudada, tem especial importância pelo contexto de delicadeza
da natureza no seu entorno e pela vulnerabilidade de suas populações. Evidenciou-se
assim, a importância de aprofundar os estudos sobre as políticas de desenvolvimento
urbano e ambiental, além de questões socioeconômicas relacionadas, existentes no
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litoral piauiense e sua efetividade em garantir desenvolvimento socioeconômico justo e
sustentável nessa área.
O presente trabalho objetiva, portanto, identificar como as políticas públicas têm
influenciado no crescimento e desenvolvimento urbano e ambiental no litoral do Piauí.
Para isso o mesmo procura conhecer como se dá a relação entre desenvolvimento
econômico, crescimento urbano e meio ambiente na área estudada; quais políticas
públicas voltadas para o desenvolvimento urbano e ambiental se fazem mais
perceptíveis e por fim quanto das políticas anteriormente citadas tem sido efetivada e
de que maneira isso tem ocorrido.
2 REFERENCIAL TEÓRICO E METODOLOGIA
O trabalho partiu do exame de escritos sobre políticas públicas, a fim de formular
uma base teórica com seus conceitos, metodologias, formas de implementação e outros
pontos importantes, consultando trabalhos como Silva (2014), Souza (2018), Capella
(2018), Couto (2019) dentre outros. Foram consultadas políticas em vigor na área de
estudo, legislações e planos de desenvolvimento em âmbito federal, estadual e
municipal.
A análise do desenvolvimento urbano foi baseada principalmente nos estudos
com foco no aspecto socioeconômico, na contribuição de políticas públicas e na
participação de movimentos sociais, abordados por Carlos (et al, 2011), Harvey (2005),
Lefebvre (2009), Santos (2013), Rolnik (1988; 1997), Maricato (2017), dentre outros.
Para a verificação da condição socioambiental da área, algumas definições de
termos foram elucidadas a partir da apreciação de trabalhos como Ab’Saber (2003;
2006), Bursztyn e Persegona (2008) e Moraes (2005). Foram também de grande valia, as
pesquisas já publicadas acerca da caracterização da área em questão, como os estudos
de Lima (2005) e Macêdo (2011), além de publicações do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE). e da Fundação Centro de Pesquisas Econômicas e Sociais
do Piauí (CEPRO).
A metodologia utilizada foi revisão de literatura e visitas a campo para
complementar e/ou corroborar com as informações obtidas antes, ou para retificá-las.
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A primeira fase reuniu informações para estruturar um referencial teórico que
serviu de base para o estudo em questão, abordando o processo de desenvolvimento
das legislações urbanística e ambiental no Brasil e a atual situação socioeconômica dos
municípios estudados. O material foi pesquisado em bibliotecas das cidades de Luís
Correia e de Parnaíba, da Universidade Federal do Piauí, além de bibliotecas digitais,
utilizando-se palavras-chave relacionadas ao tema da pesquisa.
Em seguida, buscou-se reunir textos jurídicos em vigor sobre o desenvolvimento
urbano e preservação ambiental. Foram consultados meios de publicações de atos do
governo, como diários oficiais, além de visitas a órgãos dos municípios em questão.
Foram coletados também dados demográficos e socioeconômicos, recolhidos
principalmente nos sites do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) e da
Fundação Centro de Pesquisas Econômicas e Sociais do Piauí (CEPRO).
Paralelamente às pesquisas bibliográficas, foram realizadas visitas a campo, para
que fosse observado in loco o uso do solo e a caracterização da malha urbana e da
paisagem local. Outro ponto observado foi a existência e localização de áreas de
interesse especial como zonas industriais e turísticas e áreas de preservação ambiental.
3 URBANIZAÇÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS 3.1 Desenvolvimento e crescimento urbano
Analisando o histórico do crescimento populacional do Brasil, nota-se que a
partir da década de 50 do século XX há um constante crescimento na população urbana
do país, que se intensifica na década de 60. Em oposição, a população rural se reduz a
partir da década seguinte (IBGE, 2011, p. 45). Diversos fatores incentivaram o
crescimento das cidades e esvaziamento do campo, como cita Dias (2011, p. 16):
“[...] esse deslocamento populacional tem origem na transformação das formas de produção de capital e na adoção de modelo de desenvolvimento econômico que parte de grandes investimentos nas áreas urbanas, trazendo profundas transformações aos municípios.”
Cabe destacar a diferença entre crescimento e desenvolvimento, com base na
acepção empregada por economistas de corrente marxista que identificam o termo
crescimento como indicativo quantitativo e desenvolvimento como algo qualitativo,
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ressaltando que “[...] o crescimento é uma condição indispensável para o
desenvolvimento, mas não é condição suficiente.” (SOUZA, 2009 apud MACÊDO, 2011,
p. 20)
Reforçando essas definições, no âmbito da urbanização previamente citada, Dias
(2011, p. 35) relata que “na década de 60, grandes problemas surgem com a migração
do campo para a cidade[...]” A autora destaca que:
“Durante o processo acelerado de urbanização em todo o país, começam a surgir grandes bairros nas periferias e, motivados pelas necessidades básicas, como água potável, luz, transporte, esgoto etc., pequenos movimentos sociais se articulam e se politizam na busca de melhores condições de vida.” (DIAS, 2011, p. 35)
O aparecimento desses movimentos sociais demonstra que não houve preparo
do ambiente urbano para receber as populações que para ali migravam. A proximidade
com novas oportunidades de renda e maior diversidade de produtos e serviços
disponíveis nas cidades não quer dizer que todos que ali vivem terão acesso a essas
facilidades. Para Paulo (2018, p. 32) as cidades passaram a se moldar pela busca pelo
lucro “[...] e com isso, a decadência e a desordem foram toleradas, [...] pouco se
importando com as condições topográficas e as necessidades sociais das cidades.”
Ainda que as cidades tenham se tornado palco de inúmeros problemas devido à
falta de planejamento, o processo de urbanização no Brasil segue até os dias atuais com
84,4% da população em área urbana de acordo com IBGE (2011, p. 46). No Piauí, os
índices de urbanização seguem crescendo, embora a população rural ainda seja
bastante numerosa (IBGE, 2010).
Evidencia-se então a importância da criação e execução de políticas públicas que
possam orientar e controlar o uso e ocupação do solo urbano, propiciando à cidade um
crescimento ordenado e sustentável. Paulo (2018, p. 30) observa que “[...] a falta de
planejamento das cidades no controle desse alto índice de crescimento acarreta
degradações ambientais e contribuem para a marginalização da população.” Esses
efeitos negativos do adensamento populacional já podem ser observados no litoral do
Piauí onde, como dito anteriormente, ocorre notória expansão urbana.
A costa piauiense vem sendo ocupada de forma indiscriminada pela expansão urbana, detectando-se tanto as ações antrópicas comuns à ocupação humana, de difícil reversão, quanto aquelas passíveis de disciplinamento. Nessa região, a ocupação apresenta uma distribuição desigual, estando
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relacionada com as atividades produtivas. Nas sedes dos municípios costeiros, áreas mais sujeitas às pressões humanas e a especulação imobiliária, concentram-se e se desenvolvem inúmeras atividades antrópicas, aliadas ao adensamento de construções ao longo da orla marítima [...] dada a ocupação desordenada, as pressões sobre o meio ambiente se intensificam. (LIMA, 2005, p. 100)
Essa ocupação da costa é amplamente motivada pelo turismo, o que faz com que
inúmeras edificações fiquem vazias na maior parte do ano. Essa exploração comercial
da área, além de valorizar mercantilmente o espaço, afastando os moradores nativos
para áreas mais afastadas e sem infraestrutura básica, agride o meio ambiente natural
já que não há fiscalização rígida quanto à forma de implantação dessas edificações.
3.2 Desenvolvimento das políticas e legislações urbana e ambiental no Brasil
O Estado tem visto, desde seu surgimento, uma constante evolução de suas
funções frente ao desenvolvimento e às necessidades da sociedade, que tem requerido,
especialmente a partir do século XX, respostas mais objetivas por parte do estado como
a promoção da qualidade de vida e resolução de conflitos. A partir disso surgiram as
políticas públicas, como meio de retorno do Estado a essas novas demandas sociais.
Souza (2018, p. 13) destaca que “[...] não existe uma única, nem melhor,
definição sobre o que seja política pública.” A autora nos traz algumas definições de
diversos autores sobre o tema, em épocas e sob perspectivas distintas, e por fim resume
e sincroniza tais acepções esclarecendo que “a política pública é, para eles, um curso de
ação (ou inação) que pode tomar a forma de lei, regra, decreto, estatuto ou regulação.
Outras definições enfatizam o papel da política pública na solução de problemas.”
(SOUZA, 2018, p. 14)
As políticas voltadas para melhoria da qualidade de vida nas cidades brasileiras
são registradas desde o século XIX (ADREATTA, 2006 apud PINHEIRO, 2016). Ainda de
acordo com esse autor, as questões acerca de políticas urbanas começaram a ter
destaque no país somente na década de 1960 quando as discussões sobre reforma
urbana começam emergir em busca de soluções para diversos problemas existentes nas
cidades.
Em 1988 foi promulgada a nova constituição do Brasil, que traz em si uma parte
dedicada à política urbana, incluindo a matéria de direito urbanístico dentre as
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competências dos poderes legislativo do país, em todas suas esferas. Outro marco no
avanço da legislação urbanística brasileira foi a promulgação da Lei 10.257/2001,
conhecida como Estatuto da Cidade, que estabelece diretrizes gerais da política urbana.
Em agosto de 1981 foi publicada a Política Nacional do Meio Ambiente, em vigor
até os dias atuais, trazendo importantes definições, objetivos e diretrizes para o
desenvolvimento do meio ambiente em todo o território nacional. A Constituição
Federal de 1988 também trouxe em seu texto, parte dedicada ao meio ambiente,
afirmando que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado” e
ressaltando que cabe ao “Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (BRASIL, 1988, art.225).
4 DESENVOLVIMENTO URBANO E AMBIENTAL NO LITORAL DO PIAUÍ
4.1 A Rota das Emoções e o desenvolvimento turístico do litoral piauiense
Em 2004 foi lançado o Programa de Regionalização do Turismo - Roteiros do
Brasil no qual, segundo Macêdo (2011, p. 67-68), “[...] os municípios piauienses que
fazem parte do Programa de Regionalização do Turismo são contemplados com injeção
de recursos ou com apoio de assessoramento de técnicos locais e federais na construção
de um turismo sustentável [...]”
Nesse contexto de incentivo ao desenvolvimento da atividade turística surge a
Rota das Emoções, roteiro que integra municípios do Ceará, Piauí e Maranhão. Segundo
Araújo (2017, p. 114) os objetivos das políticas públicas com a implementação da Rota
das Emoções “[...] voltam-se para a promoção do desenvolvimento sustentável dos
municípios da região e valorização do patrimônio natural e sociocultural.”
Cabe destacar a criação do Plano de Desenvolvimento Sustentável da Região
Turística (PDSRT) do Meio-Norte brasileiro que também integra municípios do
Maranhão, Piauí e Ceará, com abrangência mais ampla que a Rota das Emoções. De
acordo com Araújo (2017, p. 21-22) “a finalidade do plano é transformar a região pelo
processo de planejamento integrado e sustentável e construção de estratégias de
intervenção pelas políticas públicas.”
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4.2 A APA do Delta do Parnaíba
O Delta do Parnaíba é uma complexa rede de canais e braços do Rio Parnaíba,
que formam a foz dele. A área caracteriza-se pela existência de mais de setenta ilhas
formando um ambiente no qual é possível encontrar desde extensos manguezais até
dunas móveis que se modificam com a ação dos ventos. Essa região abriga inúmeras
espécies vegetais e animais, dentre as quais algumas são completamente dependentes
das condições ambientais específicas da formação do delta para sua sobrevivência.
Todavia esse reduto de importantes biomas têm sido ameaçado pela atividade
antrópica, como afirma MMA (2001, p. 03) ao falar que “o avanço da ocupação sobre a
área e a intensificação de alguns usos têm aumentado as expectativas quanto à
degradação ambiental e à dilapidação do patrimônio natural.” Tendo em vista a
importância dessa área e a necessidade de controlar a ação predatória do homem na
mesma, foi criada, pelo Decreto s/n.º de 28.08.1996, a Área de Proteção Ambiental
(APA) Delta do Parnaíba.
Com o objetivo, dentre outros, de proteger essa região e seus componentes,
assim como “melhorar a qualidade de vidas das populações residentes[...]” e “fomentar
o turismo ecológico e a educação ambiental” (BRASIL, 1996, art. 1º), a APA Delta do
Parnaíba estende-se em uma área de aproximadamente 3.096km² no Maranhão, Piauí
e Ceará, abrangendo todos os municípios abordados nessa pesquisa.
4.3 Caracterização da área analisada
O recorte espacial para estudo dessa pesquisa é o conjunto de cidades que
formam o litoral do Piauí, sendo elas: Ilha Grande, Parnaíba, Luís Correia e Cajueiro da
Praia. As cidades estão inseridas no Território de Desenvolvimento Planície Litorânea,
parte da microrregião Litoral Piauiense, na mesorregião Norte Piauiense. Torna-se
importante destacar essas subdivisões regionais pois, segundo Rufo (2013):
os aprofundamentos de questões em torno de regiões, sub-regiões, mesorregiões e microrregiões são essenciais para o entendimento das especificidades e particularidades, que contribuem para o planejamento, formulação de políticas públicas, observação de impactos futuros e no apoio na tomada de decisões.
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Na área em questão, o turismo tem crescido com apoio de políticas como o
Programa de Desenvolvimento do Turismo na Região Nordeste (PRODETUR NE), atraído
principalmente pelas praias e pelo delta do rio Parnaíba. Tal atividade se tornou uma
das principais causas do crescimento urbano. Todavia outras políticas de
desenvolvimento econômico e integração da região também têm incentivado a
diversificação das atividades ali exercidas e o crescimento populacional.
Parnaíba, distante 330km da capital Teresina/PI, conta com uma área de 436
km², e população de 145.705 habitantes (IBGE, 2011). É a cidade que conta com a
melhor infraestrutura urbana e de serviços públicos que atendem a toda a região.
Segundo Piauí (2011, p. 30), como base da economia se destacam as atividades
agrícolas, extrativistas, pesca, carcinicultura e o turismo.
O município de Luis Correia, 12km a leste de Parnaíba, tem área de 1.071km² e
população de 28.406 habitantes (IBGE, 2011). Possui a maior extensão litorânea do
Estado e por conta disso a maior quantidade de praias aptas a receber turistas. Piauí
(2011, p. 29), aponta como principais atividades econômicas, além do turismo, a
produção agrícola e extração da cera de carnaúba.
Ilha Grande, no extremo oeste do litoral piauiense, a 10km de Parnaíba, com uma
extensão territorial de 134 km² e população de 8.914 habitantes (IBGE, 2011), segundo
Piauí (2011, p. 30), tem como “[...] sua principal fonte de renda provém do artesanato e
da atividade pesqueira [...]”
Cajueiro da Praia, localizado no extremo leste do litoral, a 67km de Parnaíba ou
a 59km de Luis Correia, abrange área de 272 km², e população de 7.163 habitantes
(IBGE, 2011). De acordo com Piauí (2011, p. 29), suas principais atividades econômicas
são a carcinicultura e o turismo.
A partir dos dados mencionados fica clara a importância do turismo na economia
dos municípios em questão. Cabe destacar ainda que as demais atividades que formam
a base econômica dessa região são, em sua maioria, diretamente ligadas ao meio
ambiente natural. A preservação ambiental nessa área é fundamental não somente para
a conservação da natureza, mas também para manutenção das atividades econômicas
que sustentam as populações tradicionais.
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4409
5 CONCLUSÃO
Evidencia-se que o meio ambiente natural do litoral piauiense, em razão da
riqueza de sua biodiversidade, tem servido de base para a economia de suas populações
desde a chegada delas, por meio da exploração de recursos naturais em pequena escala,
principalmente para subsistência. Nas últimas décadas essa atividade tem dividido
espaço com o turismo, atraído pela paisagem natural da região. Tal atividade turística
tem fomentado o crescimento urbano motivado pela exploração mercantil da paisagem,
modificando constantemente a mesma.
Políticas de fomento ao desenvolvimento econômico, como as de incentivo ao
turismo por exemplo, tiveram grande impacto no crescimento das cidades analisadas,
aumentando o uso do solo e modificando a paisagem. Todavia, tais políticas não têm
garantido que toda a população participe de forma justa dos ganhos desse crescimento
econômico, tampouco que a infraestrutura urbana acompanhe esse espraiamento da
cidade e esteja acessível a todos.
Políticas de controle e ordenação do crescimento urbano como o estatuto da
cidade, planos diretores e leis de uso e ocupação do solo urbano, são as responsáveis
por promover um crescimento justo e sustentável das áreas urbanas, mas ainda estão,
na área aqui estudada, longe ter uma efetivação satisfatória. Do mesmo modo
encontram-se as políticas ambientais, que não conseguem por si só garantir a proteção
dos ecossistemas, face às agressões ao meio ambiente que partem de diversas frentes.
Percebe-se então que as políticas de fomento ao desenvolvimento econômico
foram importantes para o crescimento econômico da região mas não garantiram o
devido desenvolvimento, isto é, parte da população não teve acesso aos benefícios
gerados por esse crescimento, que acarretou também no espraiamento da área urbana
no litoral piauiense, embora o mesmo não tenha seguido as políticas de controle e
ordenação desse crescimento, marginalizando principalmente populações mais
carentes, colocando-as em situação de risco. Por fim, a mercantilização do espaço e a
busca pelo lucro reflete ainda na degradação do meio ambiente natural, que se tornou
alvo de exploração e poluição em maior escala, sem o devido resguardo que lhe deveria
ser dado pelas políticas públicas voltadas para proteção da natureza.
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4413
EIXO TEMÁTICO 10 | QUESTÃO AGRÁRIA, URBANA E AMBIENTAL
POLÍTICA DE SANEAMENTO BÁSICO NO MARANHÃO: uma avaliação do destino dos gastos públicos no período de 2009 a
2018
BASIC SANITATION POLICY IN MARANHÃO: an assessment of the destination of public spending in the period from 2009 to 2018
José Rui Moreira Reis1
RESUMO O artigo aborda conceitos e princípios sobre o saneamento básico no Brasil, presentes na Lei Federal nº 11.445/07, e avalia o destino dos gastos públicos em saneamento básico no Estado do Maranhão no período de 2009 a 2018, buscando evidenciar a direção dos gastos públicos. Os resultados demonstram que os gastos de natureza administrativa são o principal destino dos recursos e a priorização de gastos com abastecimento de água. Palavras-Chaves: Saneamento Básico; Maranhão; Gastos Públicos.
ABSTRACT The article addresses concepts and principles on basic sanitation in Brazil, present in Federal Law nº 11.445/07, and evaluates the destination of public spending on basic sanitation in the State of Maranhão in the period from 2009 to 2018, seeking to highlight the direction of public spending. The results show that administrative expenses are the main destination of resources and the prioritization of expenses with water supply. Keywords: Basic Sanitation; Maranhão; Public Spending.
INTRODUÇÃO
O saneamento constitui-se em uma questão central da agenda ambiental
contemporânea, e pode ser definido como o conjunto de ações que visam preservar ou
1 Mestre em Desenvolvimento Socioespacial e Regional pela Universidade Estadual do Maranhão. Doutorando em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão. E-mail: [email protected]
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modificar as condições do meio ambiente com a finalidade de prevenir doenças e
promover a saúde, melhorar a qualidade de vida da população e a produtividade do
indivíduo (INSTITUTO TRATA BRASIL, 2012). Contudo, dados publicados no Painel de
Saneamento Brasil, referentes a 2017, apontam mais de duzentas e cinquenta e oito mil
internações e mais de dois mil e trezentos óbitos em todo país por doenças decorrentes
das péssimas condições de saneamento. Somente na Região Nordeste o número foi de
mais de cento e vinte e quatro mil internações, o que corresponde a quase metade do
total de internações por esse motivo no país, e o número de óbitos foi de mais de
novecentas pessoas na região. No Maranhão foram registrados setenta e três óbitos e
mais de quarenta e cinco mil internações por doença de veiculação hídrica em todo o
Estado, este número corresponde a mais de um terço do total de internações em toda
região (INSTITUTO TRATA BRASIL, 2019).
Diante deste cenário, o presente artigo busca avaliar a capacidade do Estado do
Maranhão em enfrentar os problemas ligados ao saneamento básico a partir de uma
análise do destino dos gastos realizados no conjunto de serviços e infraestruturas que
compõem as políticas de saneamento básico. E parte do pressuposto que: A atividade governamental constitui, em certo aspecto, uma luta constante por obter recursos e distribui-los entre diferentes atividades estatais. Dado que eles são sempre escassos, é necessário deixar de satisfazer alguma necessidade ou demanda para destiná-los a outra. Assim, quando se analisa o gasto público, podem ser descobertas as características essenciais das políticas públicas, sendo possível identificar os verdadeiros beneficiários através da alocação desse gasto (COHEN; FRANCO, 2013, p. 38).
Considerando que o destino do gasto público informa as prioridades de aplicação
dos recursos públicos em uma política pública específica (FAGNANI, 2009; SALVADOR;
TEIXEIRA, 2014). Este estudo buscou identificar a divisão de recursos da política de
saneamento entre as subfunções e as diferentes ações de governo, e está organizado
em três seções, além desta introdução. Na seção seguinte realiza-se uma breve revisão
de literatura sobre o saneamento básico no Brasil a partir da legislação vigente, a
terceira seção é constituída pela apresentação e análise dos dados fornecidos pelo
Governo do Estado do Maranhão, e a última seção apresenta algumas notas conclusivas.
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2 SANEAMENTO BÁSICO NO BRASIL
De acordo com a Lei Federal nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, que estabelece
as diretrizes nacionais para o saneamento básico, este é constituído pelo conjunto de
serviços, infraestruturas e instalações operacionais de: abastecimento de água potável;
esgotamento sanitário; limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos; e drenagem e
manejo das águas pluviais, limpeza e fiscalização preventiva das respectivas redes
urbanas (BRASIL, 2007).
O abastecimento de água potável é constituído pelas atividades, infraestruturas
e instalações necessárias ao abastecimento público de água potável, desde a captação
até as ligações prediais e respectivos instrumentos de medição. Enquanto o
esgotamento sanitário é constituído pelas atividades, infraestruturas e instalações
operacionais de coleta, transporte, tratamento e disposição final adequados dos
esgotos sanitários, desde as ligações prediais até o seu lançamento final no meio
ambiente. Já a limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos é formada pelo conjunto de
atividades, infraestruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, transbordo,
tratamento e destino final do lixo doméstico e do lixo originário da varrição e limpeza
de logradouros e vias públicas. Por fim a drenagem e manejo das águas pluviais, limpeza
e fiscalização preventiva das respectivas redes urbanas é formada pelo conjunto de
atividades, infraestruturas e instalações operacionais de drenagem urbana de águas
pluviais, de transporte, detenção ou retenção para o amortecimento de vazões de
cheias, tratamento e disposição final das águas pluviais drenadas nas áreas urbanas
(BRASIL, 2007).
Além disso, a lei estabelece como princípios fundamentais a serem observados
na prestação dos serviços públicos de saneamento básico, os seguintes: universalização
do acesso; integralidade, compreendida como o conjunto de todas as atividades e
componentes de cada um dos diversos serviços de saneamento básico, propiciando à
população o acesso na conformidade de suas necessidades e maximizando a eficácia das
ações e resultados; abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e
manejo dos resíduos sólidos realizados de formas adequadas à saúde pública e à
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proteção do meio ambiente; disponibilidade, em todas as áreas urbanas, de serviços de
drenagem e manejo das águas pluviais, limpeza e fiscalização preventiva das respectivas
redes, adequados à saúde pública e à segurança da vida e do patrimônio público e
privado; adoção de métodos, técnicas e processos que considerem as peculiaridades
locais e regionais; articulação com as políticas de desenvolvimento urbano e regional,
de habitação, de combate à pobreza e de sua erradicação, de proteção ambiental, de
promoção da saúde e outras de relevante interesse social voltadas para a melhoria da
qualidade de vida, para as quais o saneamento básico seja fator determinante; eficiência
e sustentabilidade econômica; utilização de tecnologias apropriadas, considerando a
capacidade de pagamento dos usuários e a adoção de soluções graduais e progressivas;
transparência das ações, baseada em sistemas de informações e processos decisórios
institucionalizados; controle social; segurança, qualidade e regularidade; integração das
infraestruturas e serviços com a gestão eficiente dos recursos hídricos; e adoção de
medidas de fomento à moderação do consumo de água (BRASIL, 2007).
A partir do disposto na legislação nota-se a abrangência das atividades inerentes
ao saneamento básico. Enquanto os princípios deixam clara a orientação que deve ser
seguida pelos entes estatais na condução das políticas de saneamento, e mais que isso,
ressaltam a importância das ações de saneamento básico para proteção do meio
ambiente, promoção da saúde e melhoria da qualidade de vida da população.
3 GASTOS EM SANEAMENTO BÁSICO NO MARANHÃO
A avaliação do montante de recursos destinados para as políticas públicas passa
primeiramente pela compreensão da classificação funcional da despesa, que é realizada
por funções e subfunções no orçamento público, visando identificar a área em que ação
governamental será realizada. Neste aspecto, este trabalho observou o disposto na
Portaria nº 42/1999, do Ministério do Orçamento e Gestão (BRASIL, 1999).
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Tabela 1 – Destino dos gastos por subfunções no período de 2009 a 2018
SUBFUNÇÕES 2009 2010 2011 2012 2013 2014
Administração Geral 97.164.947 112.956.266 126.511.035 145.002.775 148.130.058 187.407.788
% 39,38% 51,20% 48,34% 49,48% 41,07% 50,70%
Ordenamento Territorial 1.564.212 0 0 0 0 0
% 0,63% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00%
Previdência Básica 7.492.743 1.161.866 1.198 3.746.440 0 5.117.387
% 3,04% 0,53% 0,00% 1,28% 0,00% 1,38%
Saneamento Básico Rural 93.849.563 81.799.068 68.039.994 2.755.000 577.500 1.652.651
% 38,04% 37,07% 26,00% 0,94% 0,16% 0,45%
Saneamento Básico Urbano 46.641.595 24.720.425 67.137.210 141.532.606 212.010.553 175.408.502
% 18,91% 11,20% 25,66% 48,30% 58,77% 47,45%
Tecnologia da Informação 0 0 0 0 0 79.892
% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,02%
TOTAL 246.713.060 220.637.624 261.689.437 293.036.821 360.718.111 369.666.220
Fonte: Elaboração do autor, com base em dados fornecidos pela Secretaria de Estado do Planejamento e Orçamento do Maranhão (SEPLAN).
Assim, este artigo se ateve aos gastos classificados na função saneamento, e nas
subfunções saneamento básico rural e saneamento básico urbano, mesmo que
SUBFUNÇÕES 2015 2016 2017 2018 ACUMULADO
Administração Geral 176.804.793 188.367.070 239.493.841 239.078.217 1.660.916.792
% 54,84% 50,44% 54,20% 49,75% 49,27%
Ordenamento Territorial 0 0 0 0 1.564.212
% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,05%
Previdência Básica 0 3.242.268 1.725.658 8.912.552 31.400.112
% 0,00% 0,87% 0,39% 1,85% 0,93%
Proteção e Benefícios ao Trabalhador 684.446 0 0 0 684.446
% 0,21% 0,00% 0,00% 0,00% 0,02%
Saneamento Básico Rural 0 5.293.784 9.704.076 6.005.898 269.677.532
% 0,00% 1,42% 2,20% 1,25% 8,00%
Saneamento Básico Urbano 144.922.539 176.565.140 190.968.229 226.588.549 1.406.495.349
% 44,95% 47,28% 43,22% 47,15% 41,73%
Tecnologia da Informação 0 0 0 0 79.892
% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00%
TOTAL 322.411.779 373.468.262 441.891.804 480.585.216 3.370.818.334
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classificados em outras funções, visto que essas são subfunções inerentes à política de
saneamento.
Ao analisar as subfunções onde são realizados os gastos, nota-se a
preponderância de gastos de natureza administrativa com 49% do total, e dos gastos
com Saneamento Urbano que tiveram uma participação de 41,7% no período. Os gastos
com Saneamento Rural atingiram a marca de apenas 8% no período. Contudo,
destacam-se alterações importantes na série histórica. Nos anos de 2009 e 2010 os
valores gastos com Saneamento Rural foram bem superiores aos gastos realizados com
Saneamento Urbano, chegando a marca de 38% em 2009 e 37% em 2010, enquanto os
gastos com Saneamento Urbano foram de apenas 18,9% em 2009 e 11,2% em 2010. No
ano de 2011 há um equilíbrio entre as duas subfunções, com cerca de 26% cada uma.
A partir de 2012 há uma forte redução dos gastos com Saneamento Rural,
quando estes começam a ficar abaixo de 1% dos gastos entre 2012 e 2014, chegando
até zero em 2015. O que demonstra uma completa inversão de prioridades na política
de saneamento ambiental do Estado do Maranhão. A partir de 2016 há uma leve
recuperação nos gastos, que passam a representar entre 1,25% e 2,20% do total gasto
em saneamento, contudo, este número é muito inferior aos 38% e 37% alcançados nos
anos de 2009 e 2010. Entre 2012 e 2018 os gastos com Saneamento Urbano oscilaram
entre 43,2% e 48,3%, com exceção do ano de 2013 quando os gastos ultrapassaram a
marca dos 58%. Destaca-se ainda que, em metade dos anos analisados (2010, 2014,
2015, 2016 e 2017) o valor gasto com Administração Geral foi maior que o gasto com as
ações de saneamento básico propriamente ditas. Chegando a um patamar máximo de
54,8% em 2015, enquanto o patamar mínimo ocorreu em 2009 com cerca de 40% do
total gasto.
Considerando que o Plano Plurianual – PPA é o instrumento que estabelece as
diretrizes, objetivos e metas da administração pública para despesas de capital e outras
dela decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada, para um
período de quatro anos (BRASIL, 1988). Considerando ainda que durante o período
analisado houve três Planos Plurianuais diferentes: PPA 2008-2011, PPA 2012-2015 e
PPA 2016-2019, optou-se, por identificar as principais ações finalísticas no âmbito das
subfunções ligadas diretamente a política de saneamento, durante a década, separados
de acordo com cada PPA. Assim, foram elaboradas três tabelas, uma referente ao
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período de 2009 a 2011, outra do período de 2012 a 2015, e por fim uma do período de
2016 a 2018, visando demonstrar as ações mais relevantes do PPA de cada período.
SUBFUNÇÃO/AÇÃO 2009 2010 2011 2009-2011 %
Saneamento Básico Rural 93.849.563 81.799.068 68.039.994 243.688.624 63,76
Implant. de Sistema Simplificado de Abastecimento de Água em Zona Rural
77.150.199 80.479.361 66.533.416 224.162.976 58,65
Instalação de Kits Sanitários 16.699.364 1.259.767 1.506.578 19.465.708 5,09
Perfuração de Poços em Áreas Rurais 0 59.940 0 59.940 0,02
Saneamento Básico Urbano 46.641.595 24.720.425 67.137.210 138.499.230 36,24
Ampliação e Melhoria de Sistemas de Abastecimento de Água
1.096.782 755.993 7.599.701 9.452.476 2,47
Ampliação e Melhoria de Sistemas de Esgoto Sanitário
1.102.689 727.646 2.338.944 4.169.279 1,09
Apoio a Elaboração de Planos Municipais de Saneamento
0 1.258.318 1.627.143 2.885.461 0,75
Apoio a Modelagem dos Sistemas Municipais de Saneamento
0 35.028 0 35.028 0,01
Coleta, Tratamento e Destino Final de Esgoto Sanitário
2.360.897 2.031.393 4.266.317 8.658.606 2,27
Implantação de Sistemas de Abastecimento de Água
754.966 230.606 0 985.572 0,26
Implantação de Sistemas de Esgoto Sanitário 629.850 0 1.304.005 1.933.856 0,51
Instalação de Sistemas de Esgotamento Sanitário
7.152.601 5.727.221 0 12.879.822 3,37
Perfuração de Poços 3.352.248 532.549 1.651.878 5.536.674 1,45
Produção, Tratamento e Distribuição de Água Potável
28.248.274 12.338.806 47.850.451 88.437.531 23,14
Projeto Alvorada 722.055 0 0 722.055 0,19
Reposição de Equipamentos 1.221.233 1.082.866 498.771 2.802.871 0,73
Total Geral 140.491.157 106.519.492 135.177.204 382.187.854 100,00
Tabela 2 – Destino por subfunção e ações no período de 2009 a 2011
Fonte: Elaboração do autor, com base em dados fornecidos pela SEPLAN.
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Tabela 3 – Destino por subfunção e ações no período de 2012 a 2015
SUBFUNÇÃO/AÇÃO 2012 2013 2014 2015 2012-2015 %
Saneamento Básico Rural 2.755.000 577.500 1.652.651 0 4.985.151 0,73
Elaboração de Projetos de Abastecimento de Água e Esgoto
0 577.500 297.500 0 875.000 0,13
Implantação de Módulos Sanitários Domiciliares 0 0 1.355.151 0 1.355.151 0,20
Implantação de Sistemas Simplificados de Abastecimento de Água
2.755.000 0 0 0 2.755.000 0,41
Saneamento Básico Urbano 141.532.606 212.010.553 175.408.502 144.922.539 673.874.201 99,27
Ampliação e Melhoria de Sistemas de Abastecimento de Água
10.473.588 41.394.948 23.202.762 3.949.460 79.020.758 11,64
Ampliação e Melhoria de Sistemas de Abastecimento de Água em Zona Urbana
1.449.975 0 0 0 1.449.975 0,21
Ampliação e Melhoria de Sistemas de Esgoto Sanitário
10.154.867 9.838.258 1.450.449 8.118.979 29.562.554 4,35
Apoio a Universalização dos Serviços de Água e Esgotos
786.244 0 0 0 786.244 0,12
Elaboração e Implantação de Programas para Perfuração de Poços e Captação Superficial
130.157 1.657.189 758.695 3.732.475 6.278.517 0,92
Expansão e Melhoria da Rede de Saneamento Básico - Viva Maranhão
0 0 34.139.765 3.356.851 37.496.616 5,52
Implantação de Sistemas de Abastecimento de Água
1.424.233 345.460 259.330 8.800 2.037.823 0,30
Implantação de Sistemas de Esgoto Sanitário 3.951.989 40.726.736 14.420 4.012.811 48.705.956 7,17
Manutenção dos Sistemas de Esgoto Sanitário 2.159.813 3.449.146 4.081.930 4.167.756 13.858.645 2,04
Produção, Tratamento e Distribuição de Água Potável
111.001.740 114.598.815 111.501.151 117.575.407 454.677.113 66,98
Total Geral 144.287.606 212.588.053 177.061.154 144.922.539 678.859.352 100,00
Fonte: Elaboração do autor, com base em dados fornecidos pela SEPLAN. Tabela 4 – Destino por subfunção e ações no período de 2016 a 2018
SUBFUNÇÃO/AÇÃO 2016 2017 2018 2016-2018 %
Saneamento Básico Rural 5.293.784 9.704.076 6.005.898 21.003.757 3,41
Ampliação e Melhoria de Sistemas de Abastecimento de Água
0 2.289.567 0 2.289.567 0,37
Construção de Sistema Simplificado de Abastecimento de Água
4.795.716 7.252.254 5.851.691 17.899.661 2,91
Elaboração de Projetos de Abastecimento de Água e Esgoto
350.000 0 154.206 504.206 0,08
Implantação de Módulos Sanitários Domiciliares 148.068 162.256 0 310.323 0,05
Saneamento Básico Urbano 176.565.140 190.968.229 226.588.549 594.121.918 96,59
Ampliação e Melhoria de Sistemas de Abastecimento de Água
19.551.993 33.130.036 47.722.056 100.404.084 16,32
Ampliação e Melhoria de Sistemas de Esgoto Sanitário
32.851.898 30.604.106 31.110.473 94.566.476 15,37
Coleta, Tratamento e Destino Final de Esgoto Sanitário
5.110.004 9.093.790 10.245.196 24.448.990 3,97
Elaboração e Implantação de Programas para Perfuração de Poços e Captação Superficial
4.612.955 2.859.445 20.880.064 28.352.463 4,61
Implantação de Sistemas de Esgoto Sanitário 6.786.752 2.375.815 5.962.445 15.125.012 2,46
Produção, Tratamento e Distribuição de Água Potável
106.991.721 111.859.372 108.550.852 327.401.945 53,23
Saneamento Básico Urbano 659.818 1.045.666 2.117.464 3.822.948 0,62
Total Geral 181.858.924 200.672.305 232.594.447 615.125.675 100,00
Fonte: Elaboração do autor, com base em dados fornecidos pela SEPLAN.
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4421
Conforme já esboçado, os gastos efetuados no período de 2009 a 2011 se deram
preponderantemente em ações de Saneamento Básico Rural, importando em 64% dos
gastos finalísticos efetuados neste período. Nota-se que a principal ação executada foi
a Implantação de Sistema Simplificado de Abastecimento de Água em Zona Rural que
correspondeu a aproximadamente 60% dos gastos efetuados em saneamento do
período. Assim, pode-se afirmar que atuação do poder público neste período teve como
prioridade resolver problemas ligados ao abastecimento de água na zona rural do
Estado.
No que diz respeito ao Saneamento Básico Urbano que correspondeu a 36% dos
gastos com saneamento efetuados no período, a principal ação foi a Produção,
Tratamento e Distribuição de Água Potável cujo valor corresponde a 23% dos gastos.
Essas duas ações somadas representam mais de 80% dos gastos em saneamento
efetuados no período. A Instalação de Kits Sanitários na área rural representou apenas
5% dos gastos, enquanto as ações ligadas ao esgotamento sanitário na área urbana
corresponderam a aproximadamente 7% dos gastos. Isso demonstra uma alta
priorização de gastos voltados ao fornecimento de água, ficando a questão do
esgotamento sanitário em segundo plano.
Conforme já apontado anteriormente, no período de 2012 a 2015 observa-se
uma queda brutal nos gastos com Saneamento Básico Rural. Em contraposição ao
período anterior, nota-se que quase todos os recursos foram aplicados no Saneamento
Básico Urbano (99%), destacando-se como principais ações a Produção, Tratamento e
Distribuição de Água Potável com 67% e a Ampliação e Melhoria de Sistemas de
Abastecimento de Água com 11,6%, que juntas representam mais de 78% dos gastos do
período. Em seguida aparecem os gastos com a Implantação de Sistemas de Esgoto
Sanitário com 7% dos gastos e a Expansão e Melhoria da Rede de Saneamento Básico –
Viva Maranhão com 5,5% dos gastos. Se considerarmos que esta última ação se
enquadre no conjunto das ações destinadas ao esgotamento sanitário, teremos um
valor de aproximadamente 20% dos gastos com saneamento direcionados para essa
área, o que representa um aumento relevante em relação ao período anterior quando
as ações relacionadas ao esgotamento sanitário representaram apenas 12% dos gastos
realizados.
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A análise dos dados do período de 2016 a 2018 demonstra novamente uma
preponderância dos gastos com Saneamento Básico Urbano (96,6%), e uma leve
recuperação dos gastos com Saneamento Básico Rural, 3,4% neste período ante 0,7%
do período anterior. Números muito distantes dos 64% do período de 2009 a 2011. No
período de 2016 a 2018 a principal ação foi novamente a Produção, Tratamento e
Distribuição de Água Potável (53,2%), seguido da Ampliação e Melhoria de Sistemas de
Abastecimento de Água (16,3%) e Ampliação e Melhoria de Sistemas de Esgoto Sanitário
(15,4%).
Somadas, essas ações representam quase 85% do total gasto neste período.
Neste triênio observa-se um leve aumento dos gastos com esgotamento sanitário em
relação ao período anterior, que pela primeira vez ultrapassa a marca dos 20%. Durante
todo período analisado não se observou nenhuma ação específica referente à limpeza
urbana e manejo de resíduos sólidos e a drenagem e manejo das águas pluviais, limpeza
e fiscalização preventiva das respectivas redes urbanas, apesar destes serviços,
infraestruturas e instalações operacionais serem componentes do Saneamento Básico,
conforme disposto na Lei Federal nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007.
4 CONCLUSÃO
A análise da direção dos gastos em saneamento no período demonstrou que a
maior parte dos recursos se destinou a gestão e não a investimentos em saneamento
básico. Tal fato demonstra que além da pouca relevância na agenda governamental a
maior parte desses recursos não teve como destino a infraestrutura de saneamento
básico do Estado, o que se constitui em um fator limitador dessa política. O estudo
demonstrou ainda alterações importantes no comportamento desses gastos na última
década. Enquanto no período de 2009 a 2011 o Saneamento Básico Rural era o principal
destino dos gastos efetivos com saneamento, no período seguinte foi o Saneamento
Básico Urbano que se tornou o centro da política de saneamento.
O trabalho apontou também a ausência do poder público estadual nas ações de
limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos o que certamente concorre para o
agravamento de problemas de saúde pública, e a ausência do ente estadual nas
questões ligadas à drenagem e manejo das águas pluviais, limpeza e fiscalização
preventiva das respectivas redes urbanas o que pode ser considerado um aspecto
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importante para os constantes e recorrentes alagamentos em épocas chuvosas no
Estado.
Além disso, observou-se a priorização de investimentos em praticamente um
único componente da política de saneamento que é o abastecimento de água, com
cerca de 80% dos recursos investidos em todo o período, enquanto as infraestruturas e
serviços ligados ao esgotamento sanitário ocuparam um lugar secundário, muito
distante do princípio da integralidade dos serviços públicos de saneamento previsto na
legislação. Esse dado pode ser considerado um fator explicativo importante para os
baixos índices de alcance dos sistemas de esgotamento sanitário no Estado do
Maranhão.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm Acesso em: 31 ago. 2019. ________. Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico; altera as Leis nos 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 8.036, de 11 de maio de 1990, 8.666, de 21 de junho de 1993, 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; revoga a Lei no6.528, de 11 de maio de 1978; e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm Acesso em: 31 ago. 2019. ________. Ministério do Orçamento e Gestão. Portaria nº 42, de 14 de abril de 1999. Atualiza a discriminação da despesa por funções de que tratam o inciso I, do § 1º, do art. 2º, e § 2º, do art. 8º, ambos da Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964; estabelece conceitos de função, subfunção, programa, projeto, atividade, operações especiais e dá outras providências.
COHEN, E.; FRANCO, R. Avaliação de projetos sociais. 11.ed. Petrópolis: Vozes, 2013.
FAGNANI, E. Avaliação do ponto de vista do Gasto e Financiamento das Políticas Públicas. In: RICO, Elizabeth Melo (Org.). Avaliação de políticas sociais: uma questão em debate. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2009.p.119-130.
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INSTITUTO TRATA BRASIL. Painel Saneamento Brasil. Disponível em: https://www.painelsaneamento.org.br/localidade?id=21. Acesso em 31 ago. 2019.
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4424
SALVADOR, E; TEIXEIRA, S. O. Orçamento e Políticas Sociais: metodologia de análise na perspectiva crítica. Revista de Políticas Públicas, v. 18, n. 1, 2014.
4425
EIXO TEMÁTICO 10 | QUESTÃO AGRÁRIA, URBANA E AMBIENTAL
CARIZ SÓCIO ECONÔMICO E DEMOGRÁFICO DO RIO GRANDE DO SUL EM DEBATE: uma análise a partir da categoria questão
social
ECONOMIC AND DEMOGRAPHIC SOCIAL CHARACTER OF RIO GRANDE DO SUL IN DEBATE: an analysis based on the category social issue
Mailiz Garibotti Lusa1
Maria Luiza Mendo2
RESUMO No trabalho são debatidas as principais características econômicas, sociais e humanas do Rio Grande do Sul, à luz da análise sobre a questão social e sua manifestação no espaço rural. Objetiva apresentar um retrato geral do Estado, a fim de subsidiar análises específicas das Regiões Funcionais (RFs) do RS e aspectos particulares da economia e da sociabilidade. Foi orientado pela perspectiva do materialismo histórico dialético de Marx, a partir de pesquisa bibliográfica e documental, com abordagem qualitativa e caráter exploratório. Trata sobre a questão social a partir da análise da Lei Geral de Acumulação Capitalista, as particularidades da questão social no campo e, por fim, o debate sobre as características que retratam a realidade sul riograndense. Palavras-Chaves: Rio Grande do Sul. Questão social. Espaço Rural. ABSTRACT This paper discusses the main economic, social and human characteristics of Rio Grande do Sul, from the analysis on the social question and its manifestation in the countryside. It aims to present a general portrait of the State, to support specific analyzes both of the Functional Regions (RFs) of RS, as particular aspects of the economy and sociability. It was guided by the perspective of Marx's historical dialectical materialism, based of bibliographic and documentary research, with a qualitative approach and an exploratory character. It deals with the social question from the analysis of the General Law of
1 Professora do curso de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected] 2 Estudante do curso de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected]
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Capitalist Accumulation, the particularities of the social question in the field and, finally, the debate about the characteristics that portray the reality of Rio Grande do Sul. Keywords: Rio Grande do Sul. Social Question. Countryside.
INTRODUÇÃO
Este trabalho trata sobre as particularidades da formação social do Rio Grande
do Sul (RS) na atualidade, com o objetivo de compreender a dinâmica econômica, social,
humana deste Estado, a fim de contextualizar o espaço sócio geográfico no qual têm
sido desenvolvidas análises sobre as ruralidades e a questão agrária.
Em sua elaboração trabalhou-se com dados recolhidos através de pesquisa
bibliográfica e documental3, realizada sob a perspectiva do materialismo histórico
dialético de Marx, com abordagem qualitativa e caráter exploratório. Também é
importante registrar que as reflexões aqui reunidas fazem parte da pesquisa “Questão
Agrária, ruralidades e Serviço Social: requisições e implicações para a formação e o
trabalho profissional no Rio Grande do Sul”.
Organizados em três itens de desenvolvimento, reúne-se aqui a discussão
teórico-metodológica sobre a questão social a partir da análise da Lei Geral de
Acumulação Capitalista, as particularidades da questão social no campo e o debate
sobre as características que retratam a realidade sul riograndense, fundamentado a
partir do referido aporte teórico. Ao final, espera-se contribuir para a identificação geral
do cariz sócio, econômico e humano do RS na atualidade, que sirva de base para a
produção de análises de objetos específicos de pesquisa, tanto no projeto acima
referido, quanto em outros.
2 O ANTAGONISMO ENTRE A ACUMULAÇÃO DE RIQUEZAS E DE DESIGUALDADES
Conforme a lei geral de acumulação capitalista, quanto mais concentrados os
meios de produção e quanto maior e mais concentradas estiverem estas riquezas –
3 A pesquisa documental teve como principal aporte os dados do Atlas Socioeconômico do Rio Grande do Sul, sistematizados e publicados pela Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão do Rio Grande do Sul, com
dados reunidos a partir das nove Regiões Funcionais (RFs) do estado. Ver referência completa ao final do trabalho.
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4427
socialmente produzidas – nas mãos de poucos, inversamente tanto maiores também
serão a exploração e empobrecimento que amargurará a maioria da população (MARX,
2013). Este é o mecanismo antagônico da acumulação capitalista, que é fundamental
para compreender a realidade macro societária de um país, estado, ou região, mas
também necessário para entender contradições internas – muitas vezes consideradas
micro societárias – entre espaços distintos que se relacionam, como a relação campo e
cidade. É o que se evidencia no fragmento abaixo.
Quanto maiores forem a riqueza social, o capital em funcionamento, o volume e o vigor de seu crescimento e, portanto, também a grandeza absoluta do proletariado e a força produtiva de seu trabalho, tanto maior será o exército industrial de reserva. [...] Por fim, quanto maior forem as camadas mais lazarentas da classe trabalhadora e o exército industrial de reserva, tanto maior será o pauperismo oficial. Essa é a lei geral, absoluta, da acumulação capitalista (MARX, 2013, p. 720. Grifos no original).
Isso significa que quanto maior forem a riqueza social, o capital ativo em
funcionamento, a dinâmica superavitária, a quantidade da população trabalhadora e a
potência de sua força de trabalho, tanto maior será o exército de reserva, cuja existência
aumentará a taxa de mais valia. Esta é a dialética antagônica do sistema. Note-se ainda
que quanto maior forem as camadas internas do exército de reserva e mais aviltantes
forem as condições de vida, maior será o empobrecimento a que são submetidas
mulheres e homens. Em síntese, quanto maior forem as riquezas acumuladas,
concentradas e centralizadas nas mãos de poucos, inversa e exponencialmente
proporcional será o pauperismo a que se atirará a maioria da população trabalhadora.
Portanto, não há dúvidas de que aqui se está tratando de um dos produtos inevitáveis
do capitalismo: o pauperismo da classe trabalhadora, decorrente da ampla exploração,
não apenas, mas especialmente, da sua força de trabalho.
Esta também é a base para compreender a definição de questão social no marco
da tradição marxista, que começará a ser utilizada a partir da evidência dos efeitos da
primeira onda de industrialização do capitalismo. “Pela primeira vez na história
registrada, a pobreza crescia na razão direta em que aumentava a capacidade social de
produzir riquezas” (NETTO, 2001, p. 42). Isso não significa a inexistência de pobreza nas
sociedades anteriores. O que diferencia o novo tipo de produção de pobreza é que a
partir do capitalismo o pauperismo não resulta da escassez. Pelo contrário, as condições
materiais para suprir a escassez são produzidas, porém não são socializadas e é esta
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apropriação e concentração privada do que é socialmente produzido que, no seu
inverso, produzirá o empobrecimento da classe trabalhadora e, especialmente,
daqueles que não conseguem nem mesmo ser constituintes desta classe, configurando-
se como lúmpen proletariado. Apesar de ser percebida como tal, a questão social ainda
é naturalizada (NETTO, 2001).
Após esta primeira onda industrializante e já sob os efeitos da Revolução
Burguesa de 1848, passa-se a identificar que a questão social é própria da sociedade
burguesa de classes e a sua eliminação exige também a supressão deste tipo de
sociedade. “A partir daí, o pensamento revolucionário passou a identificar, na própria
expressão ‘questão social’, uma tergiversação conservadora, e a só empregá-la
indicando este traço mistificador” (NETTO, 2001, p. 45).
A partir daquele momento a consciência política articula-se a compreensão
teórica, especialmente a partir da contribuição de Marx com a publicação do primeiro
volume do Capital, no qual aponta como chave de leitura da relação capital/trabalho o
caráter explorador deste modo de produção. Por isso, exigia-se fazer o enfrentamento
teórico das razões que levavam a perceber analiticamente que a exploração não é um
traço exclusivo do capitalismo, pelo contrário, outras formas sociais também se
assentaram na exploração de mulheres e homens. Segundo a tradição marxista, passa-
se a distinguir as formas anteriores de exploração daquela implementada no
capitalismo. É que com a instalação das condições para a acumulação na sociedade
burguesa, ainda que se diminua ou suprima a exploração do trabalho pelo capital, não
haverá redução da produção de riquezas. Instalado o sócio metabolismo capitalista, as
desigualdades de classe se agravarão de forma crescente e exponencial, uma vez que já
estará em movimento a potencialidade produtiva e de concentração do capital. Nesta
perspectiva, “a ‘questão social’, [...] tem a ver, exclusivamente, com a sociabilidade
erguida sob o comando do capital” (NETTO, 2001, p. 46). Isso porque,
Com o aumento da potencialidade produtiva do capital [...], ou seja, com a ampliação da escala de produção (com maior produtividades e maior composição orgânica do capital), amplia-se a escala em que a atração maior dos trabalhadores pelo capital está ligada à maior expulsão deles (SIQUEIRA, 2013, p. 165).
Ao produzir o capital que é acumulado nas mãos de poucos o trabalhador está
produzindo as condições para se auto transformar em população excedente e a
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compreensão deste mecanismo é fundamental para entender o dinamismo próprio
deste modo de produção. Isso significa que a população sobrante nem mesmo precisa
ter sua força de trabalho explorada para que a riqueza continue sendo acumulada,
concentrada e centralizada longe de suas mãos, enquanto ela continuará sendo
pauperizada. É como um mecanismo de dreno, que uma vez instalado, automatiza-se.
Este processo de dreno das riquezas socialmente produzidas se torna um tanto quanto
invisível. Aparentemente é como se fossem realidades distintas e independentes, onde,
de um lado, a pobreza se produz e reproduz pela própria pobreza, sendo atribuído ao
sujeito empobrecido a responsabilidade individual pela pauperização. De outro, a
riqueza seria gerada pelo empenho do sujeito rico e o enriquecimento um processo
operado como um mecanismo automático e independente, movido apenas pelo esforço
de quem originalmente – se não, naturalmente – já possui riquezas.
Com as melhorias das condições de vida da classe trabalhadora, geradas pelo
desenvolvimento das políticas sociais do welfare state em alguns países de economia
central – jamais efetivadas nos países de capitalismo dependente –, alguns teóricos
passaram a pregar que era possível realizar reformas internas ao chamado capitalismo
globalizado, cujos efeitos passariam a caracterizar uma nova pobreza, logo, uma nova
questão social. A tradição marxista contestou este pensamento e permaneceu
assinalando que “as melhorias no conjunto das condições de vida das massas
trabalhadoras não alteravam a essência exploradora do capitalismo, continuando a
revelar-se através de intensos processos de pauperização relativa” (NETTO, 2001, p. 47).
É a partir da conjunção de todos estes aspectos da questão social que a tradição
marxista passou a afirmar que o capitalismo produz pela sua própria dinâmica interna
de transformação de novas expressões da questão social, a qual continua sendo
“insuprimível sem a supressão da ordem do capital”. Logo, não há nova questão social.
Pelo contrário, são novas as manifestações da questão social, criadas ou modificadas
pela própria dinâmica do capitalismo. “Somente a derrota do capital, em condições tais
em que se suprima a [forma de] escassez [que lhe é característica], determinará a
supressão da questão social” (NETTO, 2001, p. 48-49).
As manifestações da questão social vão trazer consigo “traços particulares [que]
vão depender das características históricas da formação econômica e política de cada
país e/ou região” (PASTORINI, 2010, p. 101). Isso significa que as particularidades de
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cada tipo de capitalismo, se central ou periférico, determinam as expressões da questão
social, apontando desenhos particulares em cada continente, país, região, estado e
território regional. Por isso, é importante apreender as particularidades regionais do Rio
Grande do Sul, buscando tanto dados gerais sobre o dinamismo estadual, quanto as
particularidades de cada lugar, que também conferem uma dinâmica econômica, social,
política e cultural específica de cada região.
3 QUESTÃO SOCIAL NO ESPAÇO RURAL
Ao falar sobre particularidades, é importante refletir sobre os processos comuns
e singulares do campo em relação à cidade, no que tange às manifestações da questão
social. Neste sentido, serão dedicadas algumas linhas sobre a questão social no espaço
rural.
Lembre-se ainda que [...] a questão social se manifesta tanto no mundo rural como no urbano, envolvendo homens, mulheres e crianças. No campo, aparece envolta na questão agrária intocável e na dominação oligárquica patrimonialista integradas à modernização conservadora da atualidade, cujas externalidades são os sem-terra, os sem-empregos fixo, a priorização de mercados externos, a sazonalidade das atividades, a migração. A luta pela terra expressa bem a problemática que vem sendo explicitada pelas reivindicações de melhoria das condições de trabalho, financiamento etc., por parte dos setores sociais atingidos (ARCOVERDE, 1999, p. 81).
Não são infrequentes as análises que se centralizam nas manifestações da
questão social no espaço urbano e que, embora não cheguem a afirmar que trata-se de
um fenômeno específico urbano, por outro lado também não integram suas análises
com as particularidades do campo, o que contribui para a invisibilidade das expressões
da questão social neste espaço. Reconhece-se que isso fragiliza o reconhecimento,
análise e reflexões sobre a realidade e a questão social, pois lhe retira a necessária
perspectiva de totalida ‘de “onde o singular e o universal se articulam mediante as
particularidades, onde cada concreto real se insere num concreto de maior
complexidade, que o contém e determina” (SIQUEIRA, 2013, p. 162).
E para balizar, ainda de que forma abreviada, as expressões da questão social no
campo, recorre-se novamente à Marx, no capítulo XXIII do Capital, Volume I, quando ao
tratar o proletariado agrícola britânico o autor afirma que “em nenhuma outra parte o
caráter antagônico da produção e da acumulação capitalista se manifesta mais
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brutalmente do que no progresso da agricultura inglesa (pecuária incluída) e no
retrocesso do trabalhador agrícola inglês” (MARX, 2013, p. 746). Em que pese, a análise
de Marx no ‘Capital’ voltava-se à realidade dos trabalhadores da Inglaterra, a afirmação
do autor sinaliza o quanto no campo as expressões da questão social são ainda mais
agravadas.
Hoje falando, para além do trabalho extenuado, da falta de acesso aos serviços
e equipamentos voltados à efetividade dos direitos sociais, à obstaculização do acesso
às políticas públicas de produção, comercialização e de financiamento justas, da
submissão à insegurança das intempéries que afetam sua produção, da não observância
da legislação trabalhista e previdenciária, o trabalhador do campo continua sendo o que
“recebe o tratamento mais brutal” (MARX, 2013, p. 748).
Mas, para compreender a particularidade do campo no Brasil, é preciso
reconhecer os determinantes estruturais que fazem com que antagonicamente este
espaço seja um dos principais produtores da riqueza do país – expressa na contribuição
da produção agropecuária para o PIB nacional (estadual, regional e dos municípios), nos
commodities que aquecem o mercado financeiro etc. – e, ao mesmo tempo, um dos
espaços em que a vida beira situações de indigência.
As marcas estruturais geradoras dos problemas do mundo rural são conhecidas: a propriedade da terra sob a forma de latifúndio e a dominação oligárquico-patrimonialista no passado, mas que persiste de modo tradicional ou integrada a modernização conservadora no presente (WANDERLEY, 2008, p. 107).
O pauperismo a que foram e continuam sendo submetidas as populações rurais
de todo o canto não se expressa de forma diferente no Rio Grande do Sul. Outrossim, a
ampliação das expressões da questão social são elementos de expulsão de
trabalhadores e suas famílias do campo, gerando e/ou ampliando os vazios
populacionais que dão espaço às grandes plantações e aos intermináveis campos
pecuários. O aguçamento da pauperização no campo conduz ao aprofundamento da
pauperização na cidade.
A constante emigração para as cidades, a constante transformação dos trabalhadores rurais em ‘supranumerários’ por meio da concentração de arrendamentos, da transformação de lavouras em pastagens, a maquinaria etc. e o constante desalojamento da população rural pela destruição dos cottages [suas casas] andam de mãos dadas (MARX, 2013, p. 764).
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Portanto, o próprio evolver da dinâmica capitalista e, mais ainda, o seu
aprofundamento – o que se nota neste momento de capitalismo financeiro em crise –
expulsarão o camponês do espaço rural, responsabilizando-o por isso. A apresentação e
análise dos dados das regiões sul riograndenses, com especial atenção para o campo,
evidenciará, a seguir, que persiste a situação acima relatada por Marx no início da
industrialização europeia. Fora do campo o trabalhador rural se transforma em
superpopulação relativa, e tem seu pauperismo agravado.
4 DOS INDICADORES HUMANOS E SOCIAIS, À ECONOMIA DO RS: um retrato em movimento
O estado concentra em seu território cerca de 6% da população brasileira e se
destaca quanto aos indicadores sociais no comparativo aos demais estados. A taxa de
crescimento populacional é de 0,49%, segundo dados da Secretaria de Planejamento,
Orçamento e Gestão, sendo o Estado cuja população teve o menor crescimento no
período 2000-2010. As RFs Celeiro, Médio Alto Uruguai, Missões, Fronteira Noroeste e
Norte, por exemplo, apresentam taxas negativas de crescimento, enquanto as RFs
Litoral, Vale do Rio dos Sinos e Vale do Caí concentram as maiores taxas positivas de
crescimento (RIO GRANDE DO SUL, 2019).
Ainda que o RS seja o quinto estado mais populoso, essa distribuição é desigual
nas suas diferentes regiões. Observa-se nas áreas da fronteira norte, noroeste e parte
do sul um fenômeno de esvaziamento populacional, principalmente do espaço rural. Em
oposição, verifica-se uma considerável concentração populacional no leste e na região
metropolitana, o que indica um intenso fluxo migratório, com diferentes taxas de
crescimento populacional.
É importante registrar que o movimento de migração do campo para a cidade
ocorreu de forma extremamente rápida ao longo de sete décadas (1940-2010), gerando
os inchaços urbanos, com ausência de infraestrutura, falta de acesso à terra e moradia,
altos índices de desemprego, engrossamento da superpopulação relativa (exército de
reserva) e do contingente populacional em situação de pauperização extrema (lúmpen
proletariado). Note-se que “em meados dos anos 50, [...] a taxa de urbanização variou
entre 34,1% e 44,9%, predominando a população rural”. A taxa urbana e rural
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equalizaram-se no curso dos anos 1960 para os 1970, invertendo-se após, quando passa
a predominar a população urbana, que nos anos 2010 chega à 85% nas cidades,
contrastando com os 15% rurais (RIO GRANDE DO SUL, 2019, s.p.).
O movimento migratório geral do RS é também muito dinâmico. Se no início do
século XX foi o estado brasileiro que mais recebeu imigrantes estrangeiros (12%), no
correr das décadas a dinâmica inverteu-se, passando a ter alto índice de migração. “Os
dados do Censo de 2010 indicam um total de 347.036 pessoas residentes no RS com
local de nascimento em outro estado brasileiro [...] [e, por outro lado,] 1.066.500
gaúchos residindo em outros estados brasileiros” (RIO GRANDE DO SUL, 2019, s.p.). A
dinâmica migratória interna, inter-regional, também é alta, com cerca de 80% de
migrantes gaúchos em circulação, fluxo este que acompanha a sua dinâmica econômica
e social. Todo este movimento migratório contribui para os inchaços urbanos,
repercutindo no agravamento da questão social.
Dado este breve panorama da ocupação humana no RS e da circulação interna e
externa de pessoas, passa-se a retratar os indicadores sociais do estado, que serão
apresentados através do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)4 e do Índice de
Desenvolvimento Socioeconômico (IDESE)5. A última publicação do IDH brasileiro –
realizada em dezembro de 2019 – coloca o país no 79º lugar, em um grupo de 189 países,
caindo uma posição na escala mundial, com índice de 0,761 em 2018. Em termos de
estado, o dado aplicável mais recente é o IDHM Total de 2016/2017, que se encontra
estagnado no índice de 0,792, conforme dados do Radar IDH-M. Com isso, o RS ainda
4 O IDH é uma medida geral e sintética usada para classificar grau de desenvolvimento econômico e a qualidade de vida dos países. Foi criado em 1990 e vem sendo publicado anualmente desde 1993 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD da ONU. Varia em uma escala que vai de 0 a 1, sendo que quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento humano. Atualmente, as três dimensões que constituem o IDH são: Renda (padrão de vida medido pela Renda Nacional Bruta per capita. Saúde/Longevidade (vida saudável e longa medida pela expectativa de vida; e Educação (acesso ao conhecimento medido pela média de anos de educação de adultos e expectativa de anos de escolaridade para crianças na idade de iniciar a vida escolar). O IDH também é usado para apurar o desenvolvimento de cidades, estados e regiões, gerando o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), que é um ajuste na metodologia do IDH Global e segue as mesmas três dimensões, embora haja impossibilidade de fazer a comparação entre o IDHM de um município e o IDH de um país (RIO GRANDE DO SUL, 2019, s.p.).
5 O Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (IDESE), elaborado pela Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul (FEE), revela o grau de desenvolvimento dos municípios do Estado. Este índice resulta da agregação de três blocos de indicadores: renda, educação e saúde, segundo um conjunto de sub-blocos ou indicadores. Para cada uma das variáveis que formam os blocos, é calculado um índice, que varia de 0 (sem desenvolvimento) a 1 (desenvolvimento total), e indica a posição relativa de todos os municípios gaúchos. O índice final de cada bloco é a média aritmética dos valores das variáveis correspondentes. Considera-se a classificação do índice em alto (acima de 0,800), médio (entre 0,500 e 0,799) e baixo (abaixo de 0,499) nível de desenvolvimento (RIO GRANDE DO SUL, 2019, s.p.).
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ocupa a quinta posição dentre os estados da federação quanto a este indicador (RIO
GRANDE DO SUL, 2019).
A análise do IDESE realizada pela Secretaria de Planejamento, Orçamento e
Gestão do RS é contundente e expressa a realidade social do estado.
O Rio Grande do Sul encontra-se no patamar de médio desenvolvimento, com índice de 0,751 em 2015, apresentando uma ligeira queda em relação ao ano anterior, onde o índice era de 0,757. O Bloco Saúde é o único que se encontra no patamar de alto desenvolvimento, apresentando um índice de 0,817, pouco superior ao de 2014, que foi de 0,813. O Bloco Educação ficou praticamente estável, com uma pequena variação de 2014 para 2015, passando de 0,697 para 0,698, enquanto o Bloco Renda foi o único que teve diminuição – o que influenciou na queda no Idese – de 0,763 para 0,739. Dentre os municípios, Carlos Barbosa segue sendo o que se encontra mais bem colocado, com um índice de 0,879, em 2015, enquanto Alvorada apresentou, novamente, o pior desempenho, 0,571. Os maiores índices continuam concentrados nos municípios do eixo Porto Alegre-Caxias do Sul. Em relação aos COREDEs, o melhor classificado foi o Noroeste Colonial, com um índice de 0,816, e embora tenha apresentado uma ligeira queda em relação ao ano anterior (0,826), ultrapassou o COREDE Serra, agora na segunda posição (teve queda de 0,877, em 2014, para 0,813, em 2015). O COREDE Centro Sul segue sendo o pior classificado, com uma diminuição do índice de 0,692, em 2014, para 0,680 em 2015 (RIO GRANDE DO SUL, 2019, s.p.).
Notabiliza-se na conjunção destes indicadores que, embora a posição frente aos
demais estados do Brasil ainda tenha destaque, a dinâmica tem sido de estagnação ou
decréscimo, inexistindo crescimento nas condições socioeconômicas gerais de vida da
população do RS.
Outrossim, quando observados de forma específica os indicadores de
saúde/longevidade, educação e emprego/renda, nota-se que este último tem decaído
enormemente, sendo segurado pelos dois primeiros indicadores, em especial a
educação. Isso é preocupante se considerado que nas últimas décadas as alterações nas
normas e legislações de educação praticamente contingenciaram os indivíduos e
famílias a manterem crianças e adolescentes na escola, bem como os trabalhadores da
educação à não reterem os estudantes no mesmo nível escolar, ainda que o aprendizado
não seja satisfatório, o que talvez faça com que este indicador continue a demonstrar
bom desempenho. Na contramão disso, são mínimos e deficitários os investimentos em
educação, à exemplo da redução orçamentária motivada pela vigência da Emenda
Constitucional N. 95/2016, que congelou os recursos da educação – entre outros – no
orçamento público da União, Estados e Municípios.
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Observando os principais aspectos da economia estadual, percebe-se que a
participação na economia nacional também se destaca, com cerca de 7% do Produto
Interno Bruto (PIB) nacional, que coloca o estado em quarto lugar entre os demais (RIO
GRANDE DO SUL, 2019).
Apesar de divulgar-se que a agropecuária é uma característica forte na economia
do RS, de acordo com os dados do ano de 2015, este setor (VAB Agropecuário)
apresentou uma participação de 9,4% da estrutura do VAB, que é decorrente
principalmente da agroindústria6. A soja, o arroz, o milho e o trigo constituem as
principais culturas agrícolas praticadas no RS em termos de área plantada e quantidade
produzida. Em se tratando de valor da produção, a esse conjunto de produtos se somam
em importância o fumo, a uva e a maçã. Cabe ressaltar que o campo sofre com os
impactos causados por estiagens prolongadas e fatores climáticos que, em grande
medida, explicam os relativos baixos resultados de algumas safras, as quais acabaram
repercutindo negativamente no PIB (RIO GRANDE DO SUL, 2019). Registra-se que toda
a produção da agricultura familiar e camponesa voltada ao abastecimento das próprias
famílias, comunidades rurais e mesmo população urbana (circulação em feiras, por
exemplo), não são contabilizadas nos índices econômicos, uma vez que seus recursos
não produzem modificações nas balanças comerciais locais, regionais, estadual e
nacional.
Por outro lado, a maior participação econômica provém do setor de serviços,
com 58,8% do PIB total, sendo que deste total dos serviços, 21,7% foi acrescido pela
administração, educação e saúde públicas e seguridade social e os restantes 78,3%
distribuídos pelos demais serviços, como transportes e construção civil, por exemplo. A
6 Pelas características desta comunicação de pesquisa, não se poderá adentrar na discussão específica do meio ambiente e da questão ambiental no estado. Porém, à título de conhecimento, registra-se, conforme dados da Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão do RS, que, em função da diversidade de clima, solos e relevo há a formação de distintos ecossistemas derivados de dois grandes biomas no território sul-rio-grandense: a Mata Atlântica e o Pampa. O domínio do bioma Mata Atlântica, que pode ser definido pela presença predominante de vegetação florestal, se estende por cerca de 37% do território, ocupando a metade norte do estado. Tal característica se soma à presença de um relevo bastante acidentado, o que limita a expansão de grandes latifúndios no noroeste colonial do Estado, devido às reservas ambientais e áreas. Já o Bioma Pampa ocupa a metade sul do estado se estendendo por 63% do Estado gaúcho. Define-se por um conjunto de vegetação de campo em relevo predominante de planície que se estende também pelo Uruguai e Argentina e é marcado pela presença de grande diversidade de fauna e flora ainda pouco conhecida. Devido às características do solo torna-se um espaço com potencial para o desenvolvimento do agronegócio e acaba sendo muito explorado por essa capacidade. Atualmente, é considerado o segundo bioma mais ameaçado do país, atrás apenas do bioma Mata Atlântica. A grande diversidade cultural e de paisagens, somadas aos sítios arqueológicos remanescentes são atrativos que movimentam o turismo no Estado (RIO GRANDE DO SUL, 2019, s.p.).
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segunda maior participação é do VAB industrial, com 23,2% do total. O desenvolvimento
industrial encontra-se concentrado especialmente em cinco municípios – Porto Alegre,
Caxias do Sul, Canoas, Triunfo e Gravataí –, que juntos responderam por 34% do VAB
industrial do estado. É imprescindível apontar que os municípios que sediam usinas de
geração de energia, especialmente hidroelétrica, ocupam posição de destaque na
participação econômica, tanto na composição do VAB industrial, quanto do PIB e PIB per
capita (RIO GRANDE DO SUL, 2019). Na análise geral, conclui-se que,
A evolução da economia gaúcha apresenta forte associação com a economia brasileira pois está sujeita as diretrizes da política macroeconômica e as condições do mercado externo. O PIB brasileiro passou de R$1,5 trilhão em 2002 para R$5,9 trilhões em 2015 e o PIB do Rio Grande do Sul passou de R$98,8 bilhões para R$381,9 bilhões em 2015, acompanhado o crescimento nacional (RIO GRANDE DO SUL, 2019, s.p.).
Por último, registra-se que o RS conta com uma rede multimodal de transportes
relativamente bem estruturada e capilarizada, possuindo uma matriz excessivamente
centrada no transporte rodoviário. Este perfil se torna um problema, pois as estradas
encontram-se despreparadas para atender as demandas de circulação, o que é agravado
pelo fato de que muitos municípios não possuem acesso asfáltico, o que dificulta,
inclusive, a mobilidade humana. O estado também apresenta algumas rotas hidroviárias
interiores e portos importantes para o comércio brasileiro e internacional, como o de
Porto Alegre e de Rio Grande. Há no estado uma rede ferroviária extensa, porém
subutilizada. Esta rede já teve importância nacional para a produção e comercialização,
passando por longo período com importância diminuta, mas ainda assim com potencial
para ser explorada. Ademais, há uma rede de aeroportos regionais, um aeroporto
internacional e, ainda, uma rede dutoviária que serve principalmente o nordeste do
Estado (RIO GRANDE DO SUL, 2019).
Isso posto, nota-se pela dinâmica dos transportes – não no sentido da geração
econômica que dela resulta, uma vez que tal dado já está computado no VAB Serviços,
mas sim com intuito de identificar a mobilidade humana e dinâmica de circulação de
produtos e riquezas – que há regiões bastante cobertas pelos vários tipos de malhas de
transporte, enquanto há outras totalmente descobertas. Entende-se que isso contribui
para a dinâmica migratória já apontada e para a tendência de formação de
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aglomerações urbanas. Por outro lado, evidencia fatores que contribuem para as zonas
de repulsão populacional e de estagnação ou déficit na economia.
5 APONTAMENTOS FINAIS SOBRE A QUESTÃO SOCIAL NO RS
O bom desempenho econômico até o ano de 2015 – período em que há dados
públicos disponibilizados – resulta da própria dinâmica econômica brasileira. Seu
movimento de crescimento e decrescimento não resultou de políticas estaduais, mas
sim da inserção na macroeconomia nacional e está na ordem internacional do capital.
Infelizmente, não estão disponíveis dados posteriores à 2016, quando houve grande
modificação nas políticas de Estado no Brasil, com sérias implicações econômicas e forte
acirramento das desigualdades sociais.
Tudo isso, implica diretamente no agravamento das expressões da questão
social, tanto porque implicam na concentração e centralização das riquezas, quanto
porque criam áreas onde se amplia a exploração de trabalhadores, o desemprego, o
aumento quantitativo e qualitativo da população relativa, o agravamento do
empobrecimento e dos índices de indigência. Contraditoriamente, será nestas regiões
onde se encontram concentradas as lutas e movimentos sociais de resistência às
explorações, desigualdades sociais e processos de empobrecimento da classe
trabalhadora sul riograndense.
REFERÊNCIAS
ARCOVERDE, Ana Cristina Brito. Questão social no Brasil e Serviço Social. CFESS-ABESS-CEAD-UnB. Capacitação em Serviço Social e política social. Módulo 02: reprodução social trabalho e Serviço Social. Brasília: CEAD-UnB, CFESS, ABEPSS, 1999. p. 73-86. MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: Livro I: o processo de produção do capital. [Tradução de Rubens Enderle]. São Paulo: Boitempo, 2013. NETTO, José Paulo. Cinco notas à propósito da “questão social”. Temporalis. ABEPSS, Ano. 2, n. 3 (jan./jul.2001). Brasília: ABEPSS, Grafline, 2001. p. 41-49. PASTORINI, Alejandra. A categoria “questão social” em debate. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2010. [Coleção questões da nossa época; v.17].
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RIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão. Departamento de Planejamento Governamental. Atlas Socioeconômico do Rio Grande do Sul. 4. ed. Porto Alegre: Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão, 2019. Disponível em: <https://atlassocioeconomico.rs.gov.br/inicial>. Acesso em: 12/03/2020. SIQUEIRA, Luana. Pobreza e serviço social. Diferentes concepções e compromissos políticos. 1. ed. São Paulo: Cortez, 2013. WANDERLEY, Luiz Eduardo W. A questão social no contexto da globalização: o caso latino-americano e o caribenho. BELFIORE-WANDERLEY, Mariângela; BÓGUS, Lúcia; YAZBEK, Maria Carmelita. Desigualdade e a questão social. 3. ed. rev. e ampliada. São Paulo: EDUC, 2008. p. 55-166.
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EIXO TEMÁTICO 10 | QUESTÃO AGRÁRIA, URBANA E AMBIENTAL
RURALIDADES SUL RIOGRANDENSES: um retrato através da dialética entre indicadores econômicos e sociais
SOUTHERN RIOGRANDENS RURALITIES: a portrait through the dialectic between
economic and social indicators
LUSA, Mailiz Garibotti1 MENDO, Maria Luiza2
RESUMO Este trabalho trata sobre as relações entre o espaço urbano e rural e, especificamente, a diversidade de características que compõe as ruralidades presentes no Rio Grande do Sul. Com o intuito de estabelecer uma correlação utilizou-se uma análise de dados sobre o Produto Interno Bruto (PIB) e o Índice de Desenvolvimento Humano por Município (IDHM), bem como do resultante desses com o Valor Adicionado Bruto (VAB) da Agropecuária de cada Região. A Lei Geral de Acumulação Capitalista de Marx fundamentou e subsidiou a análise dos dados socioeconômicos das Regiões Funcionais. Dessa maneira, acredita-se que as diversas especificidades que compõe o Estado serão vislumbradas. Palavras-Chaves: Ruralidades; IDHM; PIB; VAB.
ABSTRACT This work deals with the relationship between urban and rural space and, specifically, the diversity of characteristics that make up the ruralities present in Rio Grande do Sul. In order to establish a correlation, an analysis of data on the Produto Interno Bruto (PIB) was used and the Índice de Desenvolvimento Humano (IDHM), as well as the resultant of these with the Valor Adicionado Bruto (VAB) of Agriculture in each Region. The General Law of the Accumulation Capitalist of Marx reasoned and supported the analysis of socio-economic data of the Regiões Funcionais. Thus, it is believed that the various characteristics that make up the State shall be glimpsed. Keywords: Ruralities; IDHM; PIB; VAB.
1 Professora do curso de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected]. 2 Estudante do curso de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected].
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INTRODUÇÃO
Há no Rio Grande do Sul diferenças e semelhanças no modo de vida, de uso da
terra e de produção, o que confere ao território distintas formas de ruralidades. O
reconhecimento destas exige que a análise sócio-histórica esteja articulada às
particularidades políticas e econômicas, como também sociodemográficas,
geomorfológicas, climáticas, dos solos e águas, dos diferentes biomas (Mata Atlântica e
Pampa), e de todos os processos determinantes para sua caracterização. Tal movimento
é de extrema importância visto que as regiões do Estado têm processos de constituição
muito semelhantes e, ainda assim, não se desenvolveram da mesma maneira. Logo,
compreende-se que o rural é rico em suas particularidades, não podendo ser definido
em um único conceito.
Neste artigo será abordado as relações entre o espaço urbano e rural e,
particularmente, a diversidade de características que compõe as ruralidades presentes
no território sul-rio-grandense. Serão apresentados dados sócio econômicos com o
intuito de estabelecer uma correlação por meio da análise de dados sobre o Produto
Interno Bruto (PIB)3 e o Índice de Desenvolvimento Humano por Município (IDHM)4,
bem como do resultante desses com o Valor Adicionado Bruto (VAB) da Agropecuária
de cada Região. Dessa maneira, acredita-se que parte considerável das diversas
especificidades que compõe o Estado serão vislumbradas.
Dentre as fontes documentais usadas estão o relatório do Perfil Socioeconômico
das microrregiões denominadas de Conselho Regional de Desenvolvimento,
comumente chamadas por COREDEs, especialmente os dados de economia e os
indicadores sociais, os quais serão analisados de forma articulada aos dados do IBGE
Cidades. A perspectiva de análise se orienta pela indissociabilidade entre o rural e o
3 O Produto Interno Bruto (PIB) é a soma de todos os bens e serviços finais produzidos – agropecuária, indústria, serviços, adicionado aos impostos, recolhimentos líquidos, livres de subsídios, sobre produtos – por um país, estado ou cidade, considerados no período de geralmente um ano. Neste sentido, este dado econômico é o principal indicador da produção de valores monetários em determinado território, a fim de saber se a produção econômica está crescente, estagnada ou decrescente. Logo, este indicador acaba sendo uma espécie de termômetro da economia no sentido produtivo dos setores. 4 O IDH é uma medida geral e sintética usada para classificar grau de desenvolvimento econômico e a qualidade de vida dos países. Varia em uma escala que vai de 0 a 1, sendo que quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento humano. Atualmente, as três dimensões que constituem o IDH são: Renda; Saúde/Longevidade; e Educação. O IDH também é usado para apurar o desenvolvimento de cidades, estados e regiões, gerando o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM).
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urbano e ainda considera a implicação da formação sócio histórica para a atual
configuração do Estado. Mostra-se importante ressaltar que a delimitação dos COREDEs
foi proposta pela Secretaria do Planejamento, Mobilidade e Desenvolvimento Regional
(SEPLAN), elaborada por um grupo técnico do Departamento de Planejamento
Governamental (DEPLAN), que oferece um diagnóstico elaborado a partir de uma base
de dados comum a todas as regiões, como subsídio ao processo de planejamento do
Estado e de cada COREDE.
O material ora apresentado é parte constitutiva da pesquisa “Questão Agrária,
ruralidades e Serviço Social: requisições e implicações para a formação e o trabalho
profissional no Rio Grande do Sul”. Aqui se busca discutir a relação entre campo e cidade
com base nos dados do PIB, do IDHM e do VAB de cada região, com foco no
reconhecimento das ruralidades, à luz da análise da lei geral da acumulação capitalista
e da categoria questão social na sua correlação com a questão agrária e as ruralidades
sul riograndenses. A investigação fundamentou-se na perspectiva teórica do
materialismo histórico dialético, com abordagem qualitativa e tipo de pesquisa
bibliográfica e documental, que foi realizada no âmbito de um projeto de iniciação
científica na área de Serviço Social.
2 O RETRATO DA PRODUÇÃO ECONÔMICA NAS REGIÕES FUNCIONAIS DO ESTADO
A premissa de que se parte é a lei geral de acumulação capitalista, que aponta,
numa síntese inicial, que quanto mais concentrados os meios de produção e quanto
maior e mais concentradas estiverem estas riquezas – socialmente produzidas – nas
mãos de poucos, inversamente tanto maiores também serão a exploração e
empobrecimento que amargurará maioria da população (MARX, 2013). Eis o caráter
antagônico da acumulação capitalista, que é fundamental para compreender a relação
interna e externa das regiões funcionais, bem como a relação campo e cidade. Acredita-
se que o olhar atento para os indicadores econômicos associados aos indicadores sociais
poderá trazer contribuições contundentes para compreender o objeto foco de análise,
que neste caso é a configuração das diferentes ruralidades presentes em todo RS. Para
isso, antes é preciso considerar que,
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Quanto maiores forem a riqueza social, o capital em funcionamento, o volume e o vigor de seu crescimento e, portanto, também a grandeza absoluta do proletariado e a força produtiva de seu trabalho, tanto maior será o exército industrial de reserva. [...] Por fim, quanto maior forem as camadas mais lazarentas da classe trabalhadora e o exército industrial de reserva, tanto maior será o pauperismo oficial. Essa é a lei geral, absoluta, da acumulação capitalista (MARX, 2013, p. 720. Grifos no original).
Expressa-se aqui a confluência dos elementos que compõem a lei geral: quanto
maior for a riqueza social, o capital ativo em funcionamento, a dinâmica superavitária,
a quantidade da população trabalhadora e a potência de sua força de trabalho, tanto
maior será o exército de reserva, cuja existência aumentará a taxa de mais valia. Esta é
a dialética antagônica do sistema. E também é a base para compreender as expressões
da questão social.
Segundo a tradição marxista, com o desenvolvimento das condições de
acumulação na sociedade burguesa, ainda que se diminua ou suprima a exploração do
trabalho pelo capital, não haverá redução da produção de riquezas. Isso significa que
instalado o sócio metabolismo capitalista, as desigualdades de classe se agravarão de
forma exponencialmente crescente, uma vez que estará instalada a potencialidade
produtiva e de concentração do capital. “A ‘questão social’, nesta perspectiva teórico-
analítica, [...] tem a ver, exclusivamente, com a sociabilidade erguida sob o comando do
capital” (NETTO, 2001, p. 46).
Isso também significa que, Com o aumento da potencialidade produtiva do capital [...], ou seja, com a ampliação da escala de produção (com maior produtividade e maior composição orgânica do capital), amplia-se a escala em que a atração maior dos trabalhadores pelo capital está ligada à maior expulsão deles (SIQUEIRA, 2013, p. 165).
À estas reflexões, é imprescindível acrescentar que as manifestações da questão
social vão trazer consigo “traços particulares [que] vão depender das características
históricas da formação econômica e política de cada país e/ou região” (PASTORINI, 2010,
p. 101).
Considerando, segundo a lei geral de acumulação capitalista, a existência de uma
relação direta entre a riqueza e a pobreza inversamente produzidas, serão dedicados
esforços neste item para compreender como esta relação ocorre no Rio Grande do Sul,
bem como o comportamento da produção agropecuária na relação produção de riqueza
versus pobreza nas regiões funcionais do estado.
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Em termos da produção de riquezas, o estado “é atualmente a quarta economia
do Brasil pelo tamanho do PIB, chegando a R$ 381,9 bilhões. O RS participa com 6,3%
do PIB nacional, sendo superado apenas pelos estados de São Paulo (32,4%), Rio de
Janeiro (11%) e Minas Gerais (8,7%)” (RIO GRANDE DO SUL, 2019). Por sua vez, o IDH do
Rio Grande do Sul, referente ao ano de 2010, encontrava-se em um alto nível de
desenvolvimento com um índice de 0,746.
Embora os dados publicados pela Secretaria de Planejamento, Orçamento e
Gestão não identifiquem a posição do RS em relação aos demais estados brasileiros no
que tange seu IDH, é possível identificar, de forma geral, que o RS possui bons
indicadores de desenvolvimento social. No entanto, entende-se que para compreender
a dinâmica interna do estado, é importante observar tais dados em cada Região
Funcional (RF). Ao analisar o PIB e o Índice de Desenvolvimento Humano dos Municípios
(IDHM) será possível uma maior compreensão sobre a dinâmica da região, como se
constitui a população e outros fatores que podem revelar a dinâmica rural e urbana
regional. Reitera-se aqui a importância desses indicadores, no sentido da abrangência
que possuem, pois, de modo geral, todos homens e mulheres são alcançados por tais
variáveis.
Primeiramente, selecionou-se os munícipios que apresentaram o maior PIB Total
em cada uma das nove RFs do estado. Na sequência trabalhou-se com os maiores PIB
Per Capita e os menores IDHM em cada RF. Tais dados foram sintetizados a partir dos
relatórios das RFs e seus COREDEs.
Abaixo apresenta-se os dados dos municípios com maior PIB Total dentro de
cada Região Funcional e o correspondente PIB per capita, adicionando a posição dentro
do RS em cada situação. Tabela 1 – Posição dos municípios nos PIB total e per capita, por RF
RF Município PIB Total (R$)
Posição PIB Total
PIB Per capita (R$)
Posição PIB Per capita
1 Porto Alegre 45.506.017,00 1º 49.740,90 56º
2 Santa Cruz do Sul 4.943.635,00 10º 64.653,78 19º
3 Caxias do Sul 16.636.859,00 2º 44.927,71 96º
4 Osório 735.173,00 39º 45.569.04 88º
5 Rio Grande 8.194.552,00 5º 44.014,66 100º
6 Bagé 1.464.444,00 26º 24.601,29 330º
7 Ijuí 2.050.892,00 21º 38.341,14 142º
8 Santa Maria 4.424.627,00 12º 25.686,04 303º
9 Passo Fundo 6.275.398,00 8º 43.183,62 103º
Fonte: as autoras, a partir de dados da Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão do RS (RIO GRANDE DO SUL, 2019).
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4444
Na análise dos dados nota-se que embora bem posicionados na sua região,
quando considerado o PIB Total, alguns municípios apresentam posição econômica
bastante baixa quanto à participação do PIB Per capita em relação aos 497 municípios
do Rio Grande do Sul. Neste sentido, dos municípios acima apresentados, o pior
desempenho do PIB Per capita é de Bagé (RF 6) e o melhor desempenho é de Santa Cruz
do Sul (RF2).
Para o desenvolvimento deste trabalho, deliberou-se dedicar esforços de
interpretação e análise para dois municípios que possuem dados de PIB total e PIB per
capita bastante distintos, quais sejam, Bagé e Santa Maria, bem como para o único
município ilustrados na Tabela 1 que possui significativa proximidade entre os mesmos
dados, qual seja, Santa Cruz do Sul.
Bagé tem dimensão territorial bastante elevada, com densidade populacional
baixa no comparativo com outros municípios e mesmo com outras RFs, tendo em sua
economia forte participação do setor agropecuário (posição 37º na composição do VAB
agropecuário do RS). O principal ponto que se deve considerar é que em toda RF6 e,
logo, também em Bagé o tamanho das propriedades agrícolas é elevado, ficando na faixa
de 15,01 a 36,30 o percentual de estabelecimento agropecuários com tamanho acima
de 500 hectares (RIO GRANDE DO SUL, 2019). Tal dado pode auxiliar a compreender que
apesar de ser o município com maior PIB Total da RF6, ocupando a 26ª posição no RS,
quando considerada a divisão per capita o município perde posição para cerca de dois
terços dos demais municípios sul riograndenses, caindo para a 330ª posição. Um
agravante é que apesar de ser o município mais populoso da RF6 [121.143 hab. – 17º
mais populoso do RS], possui baixa densidade populacional, com 28,52 hab/km² (IBGE,
2019), o que poderia ajudar para que o PIB per capita não caísse tanto, o que não
ocorreu. Isso significa que há muito mais concentração de riqueza proporcionalmente a
outros municípios. Além disso, evidencia-se, no exemplo de Bagé, uma elevada
produção de riquezas, que associada à concentração fundiária permite apontar que há
desigual distribuição desta riqueza socialmente produzida. Se ainda for associado o dado
do IDHM de Bagé, que é de 0,740, ocupando a posição 157ª no RS, confirma-se que a
riqueza econômica total produzida não encontra a mesma correlação na posição do
desenvolvimento humano.
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4445
Diferenciando-se de Bagé, Santa Maria é um dos municípios mais populosos do
RS, com 282.123 hab. [5º mais populoso do RS] e com alta densidade populacional, com
145,98 hab/km² (IBGE, 2019). Este município exerce papel econômico e administrativo
importante, inclusive pela sua localização central no Estado. Seu VAB Agropecuário
ocupa a 38ª posição de destaque no Estado, enquanto o VAB Indústria fica na casa da
26ª posição e o VAB Serviços tem expressão estadual mediana, na 211ª posição. Seu PIB
Total tem destaque, conforme apontado na Tabela 1 acima, ocupando a 12ª posição.
Porém, possivelmente pela alta densidade populacional, o PIB Per capita cai para a 303ª
posição. No caso de Santa Maria, tanto a diferença entre o PIB total e o per capita
merece ser melhor investigada, como também o fato que o VAB Serviços não tem
expressão no âmbito estadual, apesar deste município comportar, inclusive, a
Universidade Federal de Santa Maria, que contribui para uma significativa geração e
circulação de divisas no setor dos serviços.
Observando agora o município de Santa Cruz do Sul, que também é centro
universitário, embora de menor porte se comparado com Santa Maria, conclui-se que
não há uma grande diferença no conjunto de todos os indicadores econômicos. Este
município também é de médio/grande porte populacional no RS, com 130.416 hab.
Embora tenha menos da metade da população de Santa Maria e pouco mais que a
população de Bagé, ocupa a 15º posição dentre os municípios mais populosos. Sua
densidade populacional é mais alta que Santa Maria, com 161,40 hab/km² (IBGE, 2019).
Seu VAB Agropecuário ocupa a 44ª posição estadual e o VAB Serviços a 11ª posição. O
grande destaque é que o VAB Indústria se encontra na 9ª posição no RS, bem acima de
Santa Maria e de Bagé. Considerando que o PIB Total é o 10º na economia gaúcha e que
o PIB per capita também tem posição de destaque (19ª), ainda que o município tenha
alta densidade populacional, chega-se à conclusão de que há maior proporcionalidade
entre o que é produzido no município e a escala da sua distribuição per capita. Caso de
fato a distribuição per capita fosse a real distribuição de riquezas, no caso deste
município se poderia afirmar que a socialização da riqueza teria alcançado um bom
ponto de equilíbrio.
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3 O DESENVOLVIMENTO HUMANO EM ANÁLISE Considerando que, tão importante quanto a análise da dinâmica econômica, é
também observar o desenvolvimento humano dos municípios e Regiões Funcionais do
estado, passa-se a somar às reflexões do item anterior a apresentação e análises da
dimensão do desenvolvimento humano. De pronto, salienta-se as afirmações
resultantes das análises somente podem ser feitas na correlação com os dados
demográficos, políticos e econômicos das regiões e municípios.
Se observado o IDHM a partir de cada RF, chega-se aos seguintes dados.
Tabela 2 – Posição dos municípios no IDHM por RF
RF Maior Índice Posição no RS
Menor Índice Posição no RS
1 Porto Alegre 0,805 1º Dom Feliciano 0,587 496º
2 Lajeado/Nova Bréscia 0,778 16º/17º Herveiras 0,616 492º
3 Carlos Barbosa 0,796 2º Jaquirana 0,614 493º
4 Capivari do Sul 0,766 40º Mampituba 0,649 464º
5 Rio Grande 0,744 134º São José do Norte 0,623 487º
6 Uruguaiana 0,744 135º Hulha Negra 0,643 471º
7 Horizontina 0,783 11º Redentora 0,631 482º
8 Lagoa dos Três Cantos 0,789 5º Jari 0,631 483º
9 Três Arroios 0,791 4º Lajeado do Bugre 0,613 494º
Fonte: as autoras, a partir de dados da Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão do RS (RIO GRANDE DO SUL, 2019).
Quando se analisa o aspecto do desenvolvimento humano municipal, evidencia-
se que Porto Alegre encontra-se na faixa5 de muito alto desenvolvimento, enquanto os
demais municípios da primeira coluna tem alto desenvolvimento humano.
Se analisada a população destes municípios, segundo a estimativa do IBGE
Cidades (IBGE, 2019), quatro são de grande porte, tanto para a RF quanto para o Estado:
Porto Alegre [1.483.771 hab. – 1º mais populoso do RS], Rio Grande [211.005 hab. – 10º
mais populoso do RS], Uruguaiana [126.970 hab. – 14º mais populoso do RS] e Lajeado
[84.014 hab. – 28º mais populoso do RS]. Estas cidades configuram-se como centros
administrativos e de serviços regionais, especialmente as três primeiras, e são centros
econômicos importantes tanto para a região, quanto para o Estado.
5 As faixas de desenvolvimento humano municipal seguem os seguintes parâmetros: 0,0 à 0,499 equivale à muito baixo; 0,5 à 0,599 equivale à baixo desenvolvimento; 0,6 à 0,699 equivale à médio desenvolvimento; 0,7 à 0,799 equivale à alto e 0,8 à 1,0 equivale à muito alto desenvolvimento.
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Porto Alegre, além de ser a cidade mais populosa do RS, é a 10º do Brasil em
contingente populacional, caindo no indicador do PIB per capita para a posição 56º,
conforme já apontado, o que indica que precisam ser melhor investigados os dados
socioeconômicos que permitam uma análise da dinâmica do município, que possibilitem
a análise das expressões da questão social. Rio Grande, além de ser o 10º município mais
populoso, também tem bastante importância econômica estadual e mesmo nacional,
por ter em seu território um dos portos mais antigos e importantes para o Brasil, o que
certamente contribui para ter o 5º maior PIB Total, caindo para a 100º quando se faz a
distribuição per capita. Uruguaiana é outro município que tem destaque não somente
no IDHM, mas politicamente, sendo um dos municípios de fronteira com a Argentina
mais importantes do Brasil. No plano do desenvolvimento econômico, seu PIB Total
ocupa a 29º posição no estado, enquanto no PIB per capita está na 390º no RS, ou seja,
no grupo dos últimos 25% de municípios na escala deste indicador. A este último dado
é necessário vincular a característica da presença do latifúndio agropecuário associado
à baixíssima densidade populacional, o que possibilita a compreensão da concentração
de terras e de riqueza na região, tal como ocorre em Bagé, conforme acima analisado.
Mostra-se relevante considerar que o bom desenvolvimento humano parece
estar mais relacionado ao modelo de administração do município, diferentemente do
que a distribuição do PIB analisada a partir da Tabela N.01, que possibilitou identificar o
bom desempenho diretamente proporcional à centralidade econômica regional. Além
disso, apesar do conjunto dos municípios destacados possuírem o maior PIB em relação
aos demais das suas respectivas RFs, nota-se a discrepância entre eles no que tange aos
valores produzidos e às áreas econômicas de destaque.
De forma geral, comparando todas as regiões funcionais entre si, nota-se que a
grande diferença entre os PIBs está em consonância com a importância e expressividade
de cada um na economia do Estado. Mostra-se importante ser observado que as
mesmas RFs que apresentam o maior e o menor PIB também apresentam,
respectivamente, o menor e o maior IDHM. Como pode se observar na Região Funcional
1 (RF1), a qual é composta por Porto Alegre com o maior PIB entre as regiões e por Dom
Feliciano com o menor IDHM. Isso aponta que onde há concentração de riqueza
acumulada, há no seu reverso a produção dos menores índices de desenvolvimento
humano, o que guarda relação com o empobrecimento. Logo, salta um fato em comum
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4448
entre os locais que apresentam um IDHM mais elevado, que é o de serem – de forma
geral – áreas com maiores percentuais de população no meio rural e um PIB baixo em
relação às regiões mais urbanizadas.
4 INDICADORES ECONÔMICOS E HUMANOS E PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA: que relação há?
Com base na análise realizada até este momento, pode-se notar que o PIB e o
IDHM das regiões estão intrinsecamente associados aos elementos econômicos e de
gestão pública que as constituem. A partir de breve e último item pretende-se
empreender esforços para verificar a existência ou não de correlação de tais indicadores
com a produção agropecuária. Assim, passa-se a analisar as informações anteriores
juntamente com o Valor Adicionado Bruto (VAB) do setor agropecuário.
Antes disso, é interessante registrar que esse indicador é o valor que cada setor
da economia (agropecuária, indústria e serviços) acresce ao valor final de toda a riqueza
que foi produzida em uma região. O Produto Interno Bruto (PIB) Total é a soma dos VABs
setoriais, incluindo-se os dividendos gerados no âmbito da administração pública – que
integra o VAB Serviços –, e dos impostos. A distribuição regional do VAB no Rio Grande
do Sul, em 2015 (RIO GRANDE DO SUL, 2019), demonstra uma concentração espacial em
determinadas regiões. A Região Funcional 1 e, nela, o COREDE Metropolitano Delta do
Jacuí é o que apresenta maior participação, principalmente devido a influência do
município de Porto Alegre que contribui com 17,5% do VAB estadual (RIO GRANDE DO
SUL, 2019).
Ademais, os COREDEs Metropolitano Delta do Jacuí, Vale do Rio dos Sinos e
Serra, juntos, participam com 49,3% do VAB gaúcho (RIO GRANDE DO SUL, 2019). O
primeiro destaca-se por comportar a capital gaúcha no seu território, o segundo a região
metropolitana e o último por conter um dos principais centros urbanos do estado, a
cidade de Caxias do Sul. O COREDE Serra inclui parte da Região Metropolitana da Serra
Gaúcha e apresenta a terceira maior concentração populacional do Estado, formando
um aglomerado urbano (RIO GRANDE DO SUL, 2019).
Por essas características, constitui, juntamente com os COREDEs citados, um eixo
de grande concentração urbana, industrial e de serviços, registrando intenso fluxo diário
de pessoas motivado pela centralidade na localização de empregos, de infraestruturas
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de transporte e de comunicações, de universidades, centros de pesquisas, de formação
de mão de obra e de serviços de saúde. Mostra-se importante ressaltar que a cidade de
Porto Alegre e Caxias do Sul apresentam os maiores PIBs de sua RF, assim como em
relação às demais. No seu reverso, também apresentam os municípios com os menores
IDHM em todo o estado.
Mediante as informações obtidas calculou-se a participação dos setores
indústria, serviços e agropecuária no Valor Adicionado Bruto do Estado. Sendo assim,
identificou-se que o VAB serviços é responsável por 61% do total, enquanto a indústria
apresenta 32% e a agropecuária apenas 7%. É necessário apontar que em 2015 esta
participação era maior, visto que “o setor agropecuário apresentou, de acordo com os
dados do ano de 2015, uma participação de 9,4% da estrutura do VAB, com forte
associação com o setor Agroindustrial” (RIO GRANDE DO SUL, 2019, s.p.). Evidencia-se,
assim, que o dado econômico específico da agropecuária vem caindo em importância
na composição do VAB total, o que, de alguma forma encontra correlação com o forte
fluxo migratório do campo para a cidade, que iniciou ainda na década de 1940, sendo é
contínuo e permanente.
Por outro lado, é necessário também considerar que
De acordo com estudos existentes6, se somadas as atividades agroindustriais, esta participação chega a aproximadamente 30% da estrutura econômica, além de ser o setor econômico mais desconcentrado no território. Deve-se ressaltar, no entanto, que o setor Agropecuário tem sido fortemente impactado por estiagens prolongadas que, em grande medida, explicam os relativos baixos resultados de algumas safras que acabaram influindo negativamente no PIB, como no caso dos anos de 2004 e 2005 (RIO GRANDE DO SUL, 2019, s.p.).
Os municípios de Cachoeira do Sul, Uruguaiana, Tupanciretã, Dom Pedrito,
Alegrete, São Gabriel, Itaqui, Santa Vitória do Palmar, Vacaria, São Borja, Muitos Capões
e Palmeira das Missões se destacaram em 2015 por apresentar VAB Agropecuário
superior a 300 milhões de reais. Grande parte dos municípios gaúchos tem o cultivo de
grãos como produção principal (RIO GRANDE DO SUL, 2019).
Ainda é fundamental destacar que dentre os 15 municípios sul riograndenses que
possuem maior índices de VAB Agropecuário, a maioria encontra-se na Região Funcional
6 A referência que o autor faz é da SEPLAN/ Estudos de Desenvolvimento Regional e Logística do RS - Rumos 2015.
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6 (RF6). Esta é a Região da Campanha, a qual possui o maior percentual de grandes
propriedades rurais (latifúndios). No polo contrário, dos quinze municípios que possuem
menor participação econômica no VAB Agropecuário dentre os 497 do RS, dez são da
Região Funcional 1 (RF1), que envolve os municípios mais próximos da região
metropolitana de Porto Alegre.
Por fim, há de se ressaltar que, apesar da baixa representatividade na economia,
o setor possui grande importância para os pequenos municípios, onde é responsável por
impulsionar inúmeras atividades, principalmente de comércio e serviços. Isso fica
comprovado quando na análise geral dos valores agropecuários produzidos no estado,
nota-se que cerca de 46% do VAB Agropecuário estadual (aproximadamente R$ 14
bilhões) é oriundo de municípios com menos de 10 mil habitantes.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao estabelecer uma correlação entre todas as regiões funcionais, conclui-se que
o conjunto dos indicadores evidenciam que a grande diferença entre os PIBs está em
consonância com a importância e expressividade de cada um na economia do Estado.
Nota-se que as mesmas RFs que apresentam o maior e o menor PIB também
apresentam, respectivamente, o menor e o maior IDHM. Isso aponta que onde há
concentração de riqueza acumulada, há no seu reverso a produção dos menores índices
de desenvolvimento humano, o que guarda relação com o empobrecimento. Logo, salta
um fato em comum entre os locais que apresentam um IDHM mais elevado, que é o de
serem, em sua maioria, áreas com maiores percentuais de população no meio rural e
um PIB baixo em relação às regiões mais urbanizadas.
O pauperismo a que foram e continuam sendo submetidas as populações rurais
de todo o canto não se expressa de forma diferente no Rio Grande do Sul. Outrossim, a
ampliação das expressões da questão social são elementos de expulsão de
trabalhadores e suas famílias do campo, gerando e/ou ampliando os vazios
populacionais que dão espaço às grandes plantações e aos intermináveis campos
pecuários. O aguçamento da pauperização no campo conduz ao aprofundamento da
pauperização na cidade.
A diversidade constitutiva do rural em cada uma das RFs analisadas é evidente,
assim como são explícitas, inclusive, as similitudes. Conseguir olhar para o rural a partir
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da análise de dados que, muitas vezes, são situados numa seara bastante distante do
Serviço Social é um dos desafios permanentes que precisam ser encarados no cotidiano
de pesquisa, formação e trabalho profissional.
REFERÊNCIAS
IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas. Cidades@. Brasília: IBGE, 2019. Disponível em: <https://cidades.ibge.gov.br/>. Acesso em: 27/03/2020.
MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: Livro I: o processo de produção do capital. [Tradução de Rubens Enderle]. São Paulo: Boitempo, 2013.
NETTO, José Paulo. Cinco notas à propósito da “questão social”. Temporalis. ABEPSS, Ano. 2, n. 3 (jan./jul.2001). Brasília: ABEPSS, Grafline, 2001. p. 41-49.
PASTORINI, Alejandra. A categoria “questão social” em debate. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2010. [Coleção questões da nossa época; v.17].
RIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão. Departamento de Planejamento Governamental. Atlas Socioeconômico Rio Grande do Sul. 4. ed. Porto Alegre: Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão, 2019. Disponível em: <https://atlassocioeconomico.rs.gov.br/inicial>. Acesso em: 12/03/2020.
SIQUEIRA, Luana. Pobreza e serviço social. Diferentes concepções e compromissos políticos. 1. ed. São Paulo: Cortez, 2013.
4452
EIXO TEMÁTICO 10 | QUESTÃO AGRÁRIA, URBANA E AMBIENTAL
ABORDAGENS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM FACE DO CONSUMO POPULACIONAL E RECURSOS NATURAIS
ENVIRONMENTAL EDUCATION APPROACHES FACING POPULATION CONSUMPTION
AND NATURAL RESOURCES
Bruno José dos Santos da Luz1 Vitoria Sousa de Oliveira2
Luciléa Ferreira Lopes Gonçalves3
RESUMO Este trabalho aborda um dos assuntos mais tratados em todo mundo, pois a problemática ambiental é um problema de todos e em todos os cantos do planeta, e tendo como enfoque a Educação Ambiental, o presente artigo possibilita uma reflexão mais ampla do assunto pois dispõe de análises bibliográficas pertinentes a educação e meio ambiente. A Educação Ambiental tem como aliada nessa forma de resolução do problema a escola, de onde sai os indivíduos com capacidades de analisar, criticar, mudar e espalhar boas novas. O objetivo aqui é adornar a importância de se expandir o conhecimento para além das fronteiras escolares, destacar a importância de mudanças urgentes de atitudes relacionadas ao exacerbado uso dos recursos naturais, além da exposição de dados do crescimento populacional e como esses dados influenciam na problemática ambiental. Diante disso, pesquisas no ramo do meio ambiente propõe a troca urgente dos paradigmas atuais (baseados no paradigma social de uso dos recursos naturais sem limites) pelo paradigma do desenvolvimento sustentável e dessa forma evitar um futuro cheio de catástrofes no qual galgamos, ameaçando toda forma de vida na terra. Palavras-Chaves: Educação. Crescimento Populacional. Meio Ambiente.
1 Acadêmico do curso de Licenciatura em Geografia na Universidade Estadual da Região Tocantins do Maranhão (UEMASUL), Campus Imperatriz. E-mail: [email protected]. 2 Acadêmica do curso de Licenciatura em Ciências Humanas na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Campus Imperatriz. E-mail: [email protected]. 3 Professora adjunta da Universidade Estadual da Região Tocantins do Maranhão – UEMASUL. E-mail: [email protected].
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ABSTRACT This work addresses one of the most discussed issues worldwide, as the environmental issue is a problem for everyone and in all corners of the planet, and focusing on Environmental Education, this article allows a broader reflection on the subject because it has bibliographic analyzes relevant to education and the environment. Environmental Education has as an ally in this form of solving the problem the school, from where individuals with the capacity to analyze, criticize, change and spread good news come out. The objective here is to adorn the importance of expanding knowledge beyond the borders of the school, to highlight the importance of urgent changes in attitudes related to the exacerbated use of natural resources, in addition to the exposure of population growth data and how these data influence the problem environmental. Therefore, research in the field of the environment proposes an urgent exchange of current paradigms (based on the social paradigm of using natural resources without limits) with the paradigm of sustainable development and thus avoiding a future full of catastrophes in which we climb, threatening every way of life on earth. Keywords: Education. Population growth. Environment.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como escopo desenvolver, por meio de pesquisas
bibliográficas, reflexões sobre o crescimento populacional e a influência desse fato na
realidade ambiental e exaltar o poder da Educação como caminho a ser trilhado para a
modificação dos paradigmas atuais.
A presente pesquisa se respalda em análises quantitativas e qualitativas, ambas
fazendo conexão entre si para facilitar a compreensão das relações sociais
influenciadoras das problemáticas aqui tratadas, salientando a influência da crescente
densidade demográfica, os efeitos da Globalização e os resultados percebidos no Meio
Ambiente.
Devemos ter em mente que o fator população influencia na forma de como se
molda o futuro na Terra, pois cada indivíduo necessita de recursos naturais para
sobreviver, ou seja, todas as formas de recursos essenciais à vida são tirados da
natureza. Dessa forma, o consumo dos recursos dispostos na natureza só tende a
aumentar conforme cresce a quantidade de habitantes no planeta. Devido não apenas
ao avanço crescente da população, mas também da influência da Globalização, esta, por
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sua vez, é composta de mecanismos de produção em massa que facilitam a vida do
homem.
2 O CRESCIMENTO POPULACIONAL
Desde os Sumérios, que viveram na região sul da antiga Mesopotâmia
(atualmente Iraque, Síria e Turquia) por volta de 3000 A.C., considerada a primeira
civilização, a humanidade levou quase 5000 anos para chegar a um bilhão de pessoas,
por volta de 1800, sendo um longo tempo se comparados as adições temporais que se
seguiram até os dias atuais, pois em 1925, ou seja, 125 anos depois, a população mundial
novamente dobrou, atingindo os dois bilhões de seres humanos. 35 anos depois, em
1960, o terceiro bilhão foi alcançado.
De 1950 até 2011, a população cresceu em torno de 4,5 bilhões de pessoas, o
que dá um aumento média anual de 75 milhões de pessoas, são mais de 200 mil
nascimentos/dia, desse valor, já descontados os falecimentos. Muitos são os fatores que
levam a esses grandes números, depois da Segunda Guerra Mundial, foram adotadas
políticas de melhoria da saúde pública e prevenção de doenças, houveram
investimentos em pesquisas e desenvolvimento de novas soluções para problemas que
afetavam a vida das pessoas, essas mudanças também proporcionaram facilidades no
acesso a informações, a majoração da expectativa de vida e diminuição da mortalidade
infantil, dentre outros fatores, foram responsáveis pelo gigantesco crescimento do
número de pessoas no planeta.
A Globalização tem como uma de suas características o sedentarismo, pois agora
tudo é de fácil acesso, como, por exemplo, os meios de transportes, de comunicação, o
conforto da residência, os fast food, que como o nome já denota, comida rápida; entre
outros meios de esbanjar conforto e prazer, aliás, prazer é a palavra-chave para o real
problema da humanidade nos dias atuais. Destaca-se nesse modelo de sociedade a
polarização de uma cultura, esta, de influência Norte Americana, concretizando-se uma
sociedade cada vez mais homogenia.
De acordo com os dados mais recentes da ONU (Organização das Nações
Unidas), a população mundial alcançou a marca de 7,6 bilhões de habitantes em 2017,
e a estimativa é que até 2030 esse número chegue a 8,6 bilhões de habitantes, com um
crescimento médio de 83 milhões de pessoas por ano. Em uma entrevista, François
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Pelletier, chefe da seção de Estimativas Populacionais e Projeções do Desa, detalhou o
documento:
Hoje em dia, estamos com uma população estimada em 7,6 bilhões e nossa projeção até 2100 é que a população chegue a 11,2 bilhões. A maior parte desse crescimento vai ser na África, por causa, mais que tudo, dos níveis de fertilidade. Vários países da África têm uma fertilidade relativamente alta e o processo dentro da projeção prevê que a população vai continuar a aumentar. (PELLETIER, 2017)
Além do grande crescimento da natalidade, a qualidade de vida melhorou em
muitos lugares da terra. O acesso a meios de progressão da saúde pública, saneamento
básico, e a menor exposição a fatores degradantes em determinadas localidades
privilegiadas pela forte economia contribuem para a elevação da expectativa de vida,
concluindo, assim, por modificar nas duas pontas da pirâmide etária, um alargamento
destas.
Tendo como meta desenvolver mecanismos para uma reversão dos presentes e
futuros problemas, a Educação Ambiental é a ferramenta ideal, pois é nela que
disseminamos informações relacionados as problemáticas ambientais causadas
principalmente pelas ações humanas. Os tópicos seguintes detalharão os pontos críticos
advindos do crescimento populacional a nível mundial e elementos coerentes com ética
ambiental necessária para tentarmos reverter o quadro atual da nossa sociedade e do
nosso planeta.
Como foi relatado até agora, é notório que a população tende a não parar de
crescer, destaque para as regiões mais pobres como em alguns países africanos onde o
nível de fertilidade permanece alto, e aqui encontramos um problema grave advindo do
modelo capitalista de produção-consumo. Regiões menos favorecidas sofrem com as
dificuldades para uma vida humanamente digna. O capitalismo fomenta os estados ricos
com riquezas, enquanto que o mesmo sistema propicia um desgaste ainda maior dos
países pobres.
A dívida externa acentua a necessidade de se questionar esse sistema, a carência
de que os líderes de todas as nações dialoguem sobre o modelo de produção desumano
vivenciado nos dias atuais, a dor que causamos uns aos outros e as mazelas que
aplicamos ao meio ambiente diariamente e em grandes quantidades, muito devido as
nossas necessidades de alimentar o nosso ego, as nossas necessidades “voláteis”.
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Com o crescimento populacional devemos destacar ainda mais a necessidade de
solidariedade perante o meio ambiente e as nações, pois estamos criando nossa própria
cova, nossas atitudes mesquinhas estão deteriorando não só o nosso habitat, mas
também, o nosso futuro. O progresso tanto almejado está extrapolando os limites da
realidade do nosso planeta. O modelo de produção-consumo gera uma maior exaustão
dos recursos naturais, sucedendo mais degradação ambiental. Quanto mais a
população cresce, mais consumo dos recursos da natureza, mais produção de dejetos e
menores as facilidades de recomposição desses recursos por parte da natureza, e com
isso, toda forma de degradação repercute na diminuição da qualidade de vida como:
desastres naturais, modificação dos mecanismos biológicos essenciais à vida,
inadequações de moradias e etc.
Corriqueiramente, para recuperar o que foi degradado, recorrem-se as ajudas
financeiras do mesmo sistema que lucrou com a destruição desse ambiente,
desenvolvendo assim um ciclo, lucra-se na degradação e lucra-se para recuperar o que
foi degradado, através de empréstimos a juros exorbitantes para recuperar o que se
degradou. Com isso, percebe-se que o sistema imposto nesse ciclo de produção e
consumo gera mais riqueza para os ricos e mais pobreza para os pobres, criando uma
interdependência desse sistema, a necessidade de manter a produção para pagar e
lucrar.
Focalizando um pouco mais nas pessoas físicas, no quesito produção-consumo,
destacamos o modelo egoísta consumista implantado, neste, o bem-estar significa ter o
que é de mais moderno, qualquer objeto é descartável se não é atual. O sapato, o
celular, o vestido, o guarda-roupas, entre outros mais, são objetos meramente
descartáveis, e somado tudo isso ao aumento da população podemos ter uma mínima
visão do problema enorme que estamos desenvolvendo para nós mesmos.
Diariamente, os resíduos produzidos por residência, em média, variam entre 1 e
2kg de lixo, sendo boa parte de lixo orgânico. Os números são alarmantes se associados
ao número de habitantes, a quantidade de produção por empresas e a quantidade de
empresas. Até quando o nosso planeta vai suportar? A mídia noticia diariamente os
sintomas da insustentabilidade causadas pelo modelo capitalista, traduzidas em grandes
crises socioambientais, econômicas e políticas ao redor do planeta, a pobreza instalada
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e a miséria vivida cotidianamente por muitas pessoas são estampas de manchetes de
jornais e outros meios de comunicação.
3 EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA OS BILHÕES
Caminhamos a passos largos para o esgotamento dos recursos naturais que a
Terra dispõe, entendemos que, como o aumento progressivo populacional, os
problemas se agigantam cada vez mais, sucumbindo a existência humana num futuro
próximo devido a falta de recursos essenciais à vida.
E a estratégia tantas vezes discutida por todo mundo em reuniões com líderes
de todo o planeta, como a Rio 92 e Rio+20, é a promoção de um Desenvolvimento
Sustentável. O plano busca reduzir os danos causados ao meio ambiente através de
medidas socioambientais, como, por exemplo: medidas de redução de gases poluentes
causadores do efeito estufa, meios de ofertar mais oportunidades de recomposição da
natureza, seja ela de forma natural ou antrópica, reduzir a produção de muitos materiais
degradantes e de decomposição longínqua.
A Educação Ambiental vem a representar uma forte aliada no plano de
desenvolvimento sustentável, almejando um novo estilo de vida, de um novo
paradigma. “O maior desafio, tanto da nossa época como do próximo século, é salvar o
planeta da destruição. Isso vai exigir uma mudança nos próprios fundamentos da
civilização moderna – o relacionamento dos seres humanos com a natureza.”
(GORBACHEV, 1997)
A evolução dos conceitos de Educação Ambiental sempre esteve diretamente
ligada à como o meio ambiente era percebido e como se dava a influência mútua entre
homem e natureza, o respeito para com todos os seres vivos, estimulando a formação
de sociedades justas, baseadas no respeito às diferenças, sendo solidárias e equilibradas
entre si e entre todas as outras formas de vida. A educação ambiental é um processo
que deve estar presente em todas as disciplinas escolas, pois todas elas têm uma forma
de contribuir, aprimorar e impactar a consciência de cada um com relação as nossas
ações perante a natureza. A questão ambiental não pode estar contida apenas ao campo
específico de uma única ciência, ela chama a depor diversos campos do saber. STEIN
(2011,apud, GONÇALVES,1990)
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Para o progresso da Educação Ambiental é preciso refletirmos sobre como nos
relacionamos entre nós mesmos e com o ambiente a nossa volta. Nessa perspectiva,
destaque para as escolas quem tem o importante papel de preparar pessoas para o
mundo como ele se apresenta, dessa forma, contribuir para a expansão de formas
saudáveis de evoluções natural e humana, desenvolver a capacidade de autocrítica,
aprimorar as práticas favoráveis ao meio ambiente, intensificar a ideia de preservação
dos recursos naturais, e muitos outros pontos importantes nos quais a escola tem como
metas.
O papel da escola deve transcender os limites da instituição, suas ações devem
alcançar as comunidades onde residam os alunos, professores, coordenadores e todos
os outros funcionários, a educação ambiental deve ser expandida, buscando modificar
atitudes e valores consumistas e automáticos, provocando a reflexão de cada sujeito
para com a realidade, e sensibilizando, destarte, toda comunidade sobre os riscos de
ignorar as más atitudes que causamos ao meio ambiente caso não o cuidemos.
É necessário buscarmos uma forma de visão de mundo mais abrangente para
que possamos realmente compreender que uma simples atitude aqui e outra ali, poderá
acarretar uma cadeia/corrente que afetará, de alguma forma, o nosso planeta; se a
prática é boa, a corrente que se seguirá será boa, inversamente acontece nos casos de
práticas ruins.
A Lei 9.795 de abril de 1999, artigo 10, argumenta que “a Educação Ambiental
será desenvolvida como uma prática educativa integrada, contínua e permanente em
todos os níveis e modalidades do ensino formal”. No entanto, o que notamos é uma
resistência por parte de muitos educadores em trabalhar o tema continuamente.
Nasce uma forma positiva de desenvolvimento educacional quando se entende
que é através da socialização da educação que conseguimos resultados equivalentes
com nossos objetivos, como bem expõe Paulo Freire (1995), O homem não pode ser
compreendido fora de suas relações com o mundo, de vez que é um ser em situação, é
também um ser do trabalho e da transformação do mundo.
Stein (2011) expõe em sua monografia o seguinte:
A Educação Ambiental deve contribuir em todas as disciplinas e experiências educativas para que através do conhecimento aconteça o entendimento do meio ambiente. A escola deve assumir um dos papéis mais importantes que
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é o de contribuir para que as crianças cresçam vivenciando valores e não apenas aceitando os mesmos. (STEIN, 2011, p. 17)
A mudança necessária deve, então, se iniciar a partir da mudança de valores e
que, por conseguinte, resultará em mudanças de hábitos. Essas modificações em massa
têm como aliada a escola, já que é nesse recinto que praticamos o desenvolvimento
social, onde preparamos os indivíduos para viverem em sociedade. É na escola que o
indivíduo aprimora, com mais eficiência, práticas coletivas e desenvolve seu senso
crítico.
Temos então, na educação, a oportunidade de mudarmos as estimativas
catastróficas que pesquisas de diversos órgãos competentes nos mostram. Com o
aumento populacional aliados ao modelo consumista até então adotado, acabamos por
sobrecarregar o planeta, sem trégua, sem darmos a oportunidade para que a natureza
se recomponha. Incessantemente retiramos seus bens e retribuímos com o consumo
exagerado e uma vasta produção de lixo que, na maior parte dos casos, entram em
contato direto com a biodiversidade.
É necessário tomarmos medidas urgentes, mudar nossos hábitos, chamarmos a
responsabilidade, pois estamos diante de um grave problema, de magnitude global
onde todos são personagens principais de tudo que acontece. Estamos diante do maior
problema da humanidade, pois não se trata de um problema de apenas uma pessoa ou
de um grupo, mas de toda a raça humana, de todo o planeta.
4 CONCLUSÃO
Os valores contemporâneos devem ser revistos, as crises socioambientais,
políticas e culturais têm em suas essências muito haver com o modelo consumista
arraigado. O uso infinito dos recursos naturais é o modelo implantado pelo capitalismo
que faz com que povos adquiram costumes semelhantes, exigindo maior exploração de
matérias primas e que, por sua vez, denigre a natureza a ponto de eliminar, com o passar
do tempo, as possibilidades de recuperação dessa.
As pesquisas na área ambiental mostram a real necessidade de mudança de
paradigmas – do social (onde o consumo é ilimitado, exacerbado e sem consequências
negativas) para um paradigma de sustentabilidade. Como bem coloca Freire (2003), o
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papel da Educação Ambiental é promover a mudança de paradigmas de uso e abuso dos
recursos naturais para o novo paradigma do desenvolvimento sustentável.
Cada indivíduo carece de suprimentos advindos da natureza que, por
conseguinte, causa aumento do consumo dos recursos naturais. Em coligação a tudo
isso percebemos também a necessidade de alimentar o ego com produtos e mais
produtos, muitas vezes de forma impensada, ou seja, sem levar em conta que o
consumo é a arma de aceleração dos problemas ambientais: maior consumo de água,
energia, produtos têxtis, alimentos, além do desmatamento que tem várias finalidades
de exploração e etc.
Imagine que, caso não consigamos reverter os problemas aqui citados ou que se
mantenham da mesma forma como estão atualmente, como será a biodiversidade aqui
na terra daqui a 50 ou 100 anos? Como será a vida das próximas gerações? Seus filhos,
provavelmente enfrentaram, diariamente, sérios problemas como: a instalação cada vez
mais forte de miséria entre povos, catástrofes naturais e atitudes cada vez mais
desumanas.
Entre esses problemas, destacamos alguns já vivenciados nos dias atuais como a
escassez de recursos hídricos, solos pobres, ar com grandes quantidades de partículas
tóxicas em suspensão, chuvas ácidas, também o aparecimento cada vez mais comum de
furacões, doenças, enchentes, entre outros incontáveis desastres.
Nós, seres racionais, devemos nos unir e montar forças para enfrentarmos os
problemas degradantes da nossa terra, como bem expõe Genebaldo Freitas: os
humanos precisam falar a mesma linguagem da cooperação e somar esforços, saberes
e conquistas. Pode ser um sonho, mas as possibilidades existem. (DIAS,2003, p.254)
REFERÊNCIAS
STEIN, Dionisia dos Santos. Ações educativas ambientais no cotidiano de uma escola municipal de Santa Maria, RS. Rio Grande do Sul, UFSM, 2011. DIAS, Genebaldo Freire. Educação Ambiental: princípios e práticas. 6ª ed. São Paulo: Gaia, 2003. GEOVANE, Eleutério. População mundial atingiu 7,6 bilhões de habitantes. ONU News, Nova Yorque, 21 de jun. de 2018. Disponível em:
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https://news.un.org/pt/story/2017/06/1589091-populacao-mundial-atingiu-76-bilhoes-de-habitantes. Acesso em: 22 de jan. de 2020. BOOF, Leonardo. Ecologia: grito da Terra: grito dos pobres. Ática: São Paulo, SP,1995. MORMUL, Najla Mehanna. Reflexões sobre população à luz do pensamento Geográfico. Revista Percurso: Paraná, 2012. BRASIL, Congresso Nacional. Lei n° 9.795: Educação Ambiental, de 27 de abril de 1999. Brasília: IBAMA, 1997. PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. O desafio ambiental. 3ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2012.
4462
EIXO TEMÁTICO 10 | QUESTÃO AGRÁRIA, URBANA E AMBIENTAL
POLÍTICA PÚBLICA E MORADIA DIGNA EM IMPERATRIZ-MA? significados do programa minha casa minha vida nos conjuntos
habitacionais Itamar Guará I e II
PUBLIC POLICY AND DIGNA HOUSING IN IMPERATRIZ-MA? meanings of the minha casa minha vida program in housing developments Itamar Guará I and II
Kaio de Moura Silva1
Jailson de Macedo Sousa2
RESUMO O presente artigo se ocupou em estudar as formas que têm se configurado a política habitacional mediante o Programa Minha Casa Minha Vida - PMCMV na cidade de Imperatriz-MA, em particular, nos conjuntos habitacionais Itamar Guará I e II, que se localizam na porção sul da cidade, às margens da BR-010 no sentido Brasília. Assim sendo, este estudo se ampara nas abordagens qualitativa e quantitativa. Nessa direção, foi utilizado o método dialético, haja visto que a dialética fornece uma compreensão holística da realidade social investigada. Como técnicas de pesquisa, foram utilizadas a observação simples e entrevistas semiestruturadas.
Palavras-Chaves: Política Habitacional. Programa Minha Casa Minha Vida. Segregação Socioespacial.
ABSTRACT This article was about studying the way housing policy has been configured through the Minha Casa Minha Vida Program - PMCMV in Imperatriz-MA, particularly in the Itamar Guará I and II housing estates, which are located in the southern portion of the city, on the banks of BR-010 in the direction of Brasília. Therefore, this study is based on qualitative and quantitative approaches. In this direction, the dialectic method was used, since dialectics provides a holistic understanding of reality. Simple observation and semi-structured interviews were used as research techniques.
Keywords: Housing Policy. My Home My Life Program. Empress-Ma. Socio-Spatial Segregation.
1 Graduando em Geografia Licenciatura pela Universidade Estadual da Região Tocantina do Maranhão – UEMASUL. E-mail: [email protected]. 2 Professor adjunto da Universidade Estadual da Região Tocantina do Maranhão – UEMASUL. E-mail: [email protected].
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INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por objetivo apresentar resultados de uma pesquisa de
iniciação científica sobre “os significados das políticas habitacionais a partir do Programa
Minha Casa Minha Vida – PMCMV na cidade de Imperatriz –MA e as suas relações com
a segregação socioespacial presente nos conjuntos Itamar Guará I e II”.
A presente investigação se ampara nas abordagens qualitativa e quantitativa,
considerando ambas como complementares no processo de análise das dinâmicas que
envolvem a produção do espaço urbano, em particular, a moradia. Como método de
investigação, utilizou-se o dialético, pois nos permite uma compreensão holística da
realidade. As técnicas utilizadas foram a observação simples e entrevistas
semiestruturadas com os/as responsáveis pela unidade familiar nos conjuntos
habitacionais Itamar Guará I e II.
2 CONFIGURAÇÕES DO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA
A evolução das políticas habitacionais implantadas no território brasileiro, foram
marcadas por processos de desigualdades e exclusão, denotando elementos da
segregação socioespacial.
Destacam-se as ações dos Institutos de aposentadorias e Pensões – IAPS que
aturam no setor habitacional a partir de 1937, nesta política eram beneficiadas as
populações que tinham registro formal no mercado de trabalho, os/as trabalhadores/as
formavam grupos de associação a partir de suas categorias de trabalho. Uma das críticas
tecidas aos IAPS no setor habitacional se deu pelo fato dos benefícios se destinarem
apenas para pessoas com carteira de trabalho assinada, excluindo os trabalhadores do
mercado informal, por exemplo.
A partir de 1964, durante o regime militar, foi implantado o Banco Nacional de
Habitação – BNH. Foi um período em que as políticas habitacionais no país ganharam
visibilidade pelo Estado, promovendo a criação de um Sistema Financeiro de Habitação
– SFH. Porém, as populações de baixa renda não foram alcançadas de forma efetiva. A
esse respeito, Azevedo (1988, p.116), ressalta “apesar da grandiosa quantidade de
unidades financiadas pelo BNH nos seus 22 anos de existência – quase 4,5 milhões [...]
Entre as unidades financiadas pelo BNH, apenas 33,5 % foram destinadas aos setores
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populares”. O regime militar chegou ao fim, bem como as políticas habitacionais do
período.
A partir desse momento as políticas de habitação no país passaram por diversos
ministérios e secretarias, houve um enfraquecimento da atuação do Estado que só
foram pensadas a partir do século XXI, de especial modo, com a implantação do PMCMV
em 2009. O Programa Minha Casa Minha Vida - PMCMV encontra-se subdividido em
quatro faixas e para cada faixa há um público particular. Nesse sentido, destaca-se na
Tabela 1 estas informações.
Tabela 1: Faixas e exigências salariais do PMCMV (2019)
Faixas de renda Exigência de salário em R$
Faixa 1 Até 1.800,00
Faixa 1,5 Até 2.600,00
Faixa 2 Até 4.000,00
Faixa 3 Até 7.000,00
Fonte: Caixa Econômica Federal (2020) Organização: autor, 2020.
A faixa 1 destina-se às populações que dispõem de renda mensal de até R$
1.800 (Hum mil e oitocentos reais). A faixa 1,5 por sua vez, é destinada às populações
que apresentam renda mensal de até R$ 2.600 (Dois mil e seiscentos reais). A faixa 2 se
volta às populações cujos rendimentos salariais alcançam até R$ 4.000 (Quatro mil reais)
e a faixa 3 é destinada aos que possuem renda mensal de até R$ 7.000 (Sete mil reais).
Portanto, a partir do PMCMV, o Estado promoveu o acesso ao crédito a
distintos atores, reduzindo taxas de juros. A intenção de inserir distintas classes
econômicas na esteira do financiamento habitacional surgiu como uma oportunidade,
principalmente, para os grupos sociais de baixa renda adquirirem a casa própria. Essa
mudança representou avanços quando comparada às políticas difundidas antes do
PMCMV, uma vez que se tornou universal.
Porém, em alguns estudos sobre o PMCMV, como por exemplo, no livro O
Programa Minha Casa Minha Vida e seus Efeitos Territoriais, organizado por Adauto
Cardoso (2013), distintos estudiosos/as enfatizam diversos problemas relacionados a
distância dos conjuntos habitacionais contemplados pelo PMCMV em relação às áreas
centrais das cidades, bem como as carências existentes nos respectivos conjuntos, ou
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seja, falta de acesso aos serviços de saúde, educação, espaços de lazer, segurança e
infraestrutura em geral. Assim sendo, é destacado a seguir os resultados obtidos por
meio da pesquisa empírica realizada.
Nesse sentido, esta pesquisa é a sequência de passos iniciados no ano de 2018,
com base nisso. Mediante os dados obtidos nos anos anteriores, a etapa de 2020, foi
direcionada às questões colocadas em relevo pelos moradores/as, ou seja, ao longo das
pesquisas realizadas, houve a necessidade de aprofundamento dos conteúdos a serem
investigados para a aproximação da realidade estudada e vivenciada pelos
moradores/as. O quadro 1 confirma as finalidades das etapas da pesquisa desenvolvidas
nos anos de 2018 e 2019.
Quadro 1: Pesquisa de campo desenvolvida no conjunto habitacional Itamar Guará
Público entrevistado
Etapas
Objetivos
Técnicas de pesquisa
Responsáveis pela unidade familidar das moradias no conjunto habitacional Itamar Guará
16/06/2018 Caracterizar o perfil socioeconômico dos moradores; analisar as condições de moradia do conjunto; compreender a satisfação da população com suas moradias e entender a assistência do poder público municipal no conjunto.
• Observação simples;
• Entrevistas semiestruturadas.
20/08/2018
18/05/2019 Identificar a partir das vozes dos moradores os impactos positivos e negativos ao adquirirem a casa própria pelo PMCMV. E as possíveis sugestões de melhorias para o conjunto.
Organização: autor, 2020.
Nessa direção, são apresentados resultados da pesquisa empírica realizada
neste ano de 2020, apresentando novos conteúdos que fortaleceram as reflexões
desenvolvidas anteriormente.
3 O PMCMV EM IMPERATRIZ: significado e conteúdo da política habitacional a partir dos conjuntos habitacionais Itamar Guará I e II
Os conjuntos habitacionais Itamar Guará I e II foram implantados na cidade de
Imperatriz no ano de 2012 mediante o PMCMV (faixa 1) e entregues à população da
cidade no ano de 2013, fornecendo 500 moradias em cada conjunto habitacional. Estão
localizados na porção sul da cidade de Imperatriz, à margem direita da BR-010 no
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sentido Brasília e ao lado da Ferrovia Norte e Sul. Na figura 1 é apresentado o mapa de
localização de ambos os conjuntos.
Figura 1: Mapa de localização dos conjuntos habitacionais Itamar Guará I e II
Estes conjuntos habitacionais foram implantados em uma mesma área (uma
fazenda). Os moradores não consideram esta divisão proposta de Itamar Guará I e II.
Segundo eles, essa divisão aconteceu pelo fato das obras no processo de construção das
moradias terem acontecido em dois momentos distintos. Este fato é comprovado no
manual de uso, operação e manutenção da edificação, disponibilizado pela empresa
construtora. Assim, neste estudo, concorda-se com esta compreensão dos moradores,
embora o poder público municipal tenha estabelecido em sua licitação a divisão dos
conjuntos.
Cabe ressaltar que a pesquisa de campo aconteceu no dia 01 de fevereiro de
2020, foram realizadas entrevistas com 20 (vinte) responsáveis pelas unidades
familiares. Desses, 03 (três) foram escolhidos para apresentação direta nesta pesquisa.
É considerado neste estudo o caráter qualitativo expresso por meio das vozes dos
sujeitos na compressão da realidade. Chizzotti (2003, p.221) enfatiza que a pesquisa
qualitativa procura “encontrar o sentido [dos] fenômenos quanto interpretar os
significados que as pessoas dão a eles. ”
No conjunto dos elementos pesquisados, com o intuito delimitarmos e
especificarmos a investigação foram destacados dois blocos distintos, sendo:
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• Área total do terreno; Condições de estrutura das casas; Acesso ao
saneamento básico (água, rede de esgoto e de coleta de lixo);
• Segurança pública e lazer; Acesso aos serviços de saúde e educação.
Assim sendo, é destacado a seguir as vozes dos entrevistados no tocante ao
primeiro bloco da entrevista realizada com os concernentes responsáveis pela unidade
familiar.
O terreno da minha casa é de 8 metros de frente por 16 de fundo e pago 35,00 R$ (trinta e cinco reais) por mês pela minha casa. As coisas aqui no Itamar Guará aconteceram de forma muito contraditória. As casas foram entregues com material de péssima qualidade, totalmente diferente do proposto no projeto. Aqui em casa não foi feito a colocação de cerâmicas no piso, apenas na cozinha, tive que fazer reformas, por conta de problemas relacionados a rachadura das paredes. As janelas no projeto estão como se fossem de vidro e foram entregues de ferro. O forro da casa é muito baixo e são ferros que sustentam o teto, deixando assim muito quente o ambiente. O saneamento básico aqui é outro problema. Infelizmente o bairro não foi planejado para conciliar a natureza com as habitações. O esgoto que a população produz escorre todos para um riacho que antes da construção do bairro, servia para lazer, pescar. Isso é um crime ambiental. Com relação a ronda policial, aqui acontece com frequência, só não temos posto policial. A coleta de lixo e a iluminação pública são dois elementos que atendem nossas necessidades também. (Morador 1. Entrevista realizada em 01/02/2020). O terreno aqui é de 8/16 acredito que seja assim para todos. A mensalidade que eu pago é de 58,30 R$ (cinquenta e oito reais e trinta centavos) pela casa. Infelizmente as casas não superaram as expectativas, problemas com rachaduras são muito frequentes aqui no Itamar Guará, teve casos em que os moradores tiveram que fazerem reformas em toda a casa. Se você for aqui na cozinha, vai perceber outra coisa contraditória, duas tomadas acima da pia de lavar louça, correndo risco de pegar choque elétrico. Outra situação que me deixa triste é que o esgoto escorre para o riacho aqui e mata nossa água que era para ser um espaço de pesca e de divertimento e de aproximação das pessoas do bairro. A iluminação e a coleta de lixo aqui são boas, não tenho o que reclamar, quanto ao policiamento só temos ronda mesmo (Morador 2. Entrevista realizada em 01/02/2020) Meu terreno é de 8/16 e pago 60,00 R$ (sessenta reais) de mensalidade. Há mais de cinco anos eu moro aqui no Itamar Guará. A casa já apresentou rachaduras e o banheiro infiltra muita água nas paredes, as cerâmicas são outros problemas e é porque só foram implantadas três anos depois da entrega das casas. A água aqui não é boa, adoce as pessoas e o esgoto sempre estouram nas ruas, aí eles vêm arrumar. Quanto a iluminação, pelo menos a nossa rua aqui é boa e a coleta de lixo, também, acontece na segunda, quarta e sexta. Infelizmente não temos posto policial, apenas no projeto, mas contamos apenas com rondas policiais, isso é um problema porque um bairro desse tamanho e não ter um posto policial só da brecha para a ação de criminosos. O conjunto tem alguns problemas com jovens usuários de drogas que acabam roubando para usar drogas, isso é um problema, pois deixa a população aflita, principalmente os pais sem saber o que fazer, até porque esse é um caminho que só leva para o pior. (Moradora 3. Entrevista realizada em 01/02/2020)
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Com base nas vozes dos moradores, entende-se o sentido caótico que tem
configurado as dinâmicas socioespaciais no conjunto. Um dos problemas mencionados
pelos moradores diz respeito a estrutura das casas, haja visto que foram entregues sem
nenhum compromisso com a população beneficiária, apresentando rachaduras nas
paredes, pelo fato de serem construídas com material de má qualidade. Nessa direção,
as figuras 2 e 3 confirmam este fato destacado conforme as vozes dos moradores/as.
Figura 2: Foto Estrutura de moradia Figura 3: Foto Estrutura de moradia
Organização: autor, 2020. Organização: autor, 2020.
Nesse sentido, são identificados graves problemas no que diz respeito ao
compromisso do Estado com relação a garantia do direito à moradia digna, indo de
encontro com os princípios da Constituição Federal – CF. Estes problemas indicam para
uma problemática maior, ou seja, a segregação socioespacial que segundo Sposito
(2013)
[...] quando se radicaliza e se expressa como segregação socioespacial, não está dada pela linha férrea, não se estabelece por si na lei, não se configura porque resulta de uma ocupação inadequada. Esses fatos só ganham significado no modo como a sociedade os lê, decodificando-os e os representa, usando-os para, em suas ações, em suas práticas e em suas visões, constituir e reproduzir a segregação. Neste movimento, há razões e emoções, normas e transgressões, explicações e crenças, o estrutural e ideológico, há identidade e intolerância, há o concreto e o abstrato, e muito mais. (SPOSITO, 2013, p.67).
Ainda considerando as condições estruturais e neste cenário as condições de
saneamento básico do conjunto habitacional Itamar Guará, os moradores destacam,
problemas relacionados à poluição de um riacho que é afluente do rio Tocantins que
passa nas margens do conjunto. Acerca desta afirmação, o morador 2 salienta “[...] o
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esgoto escorre para o riacho aqui e mata nossa água que era para ser um espaço de
pesca e de divertimento para o bairro.” Este problema do saneamento básico pode
interferir diretamente na ligação dos indivíduos com o conjunto habitacional, no caso
específico da poluição do riacho, podem diminuir as condições dos indivíduos terem
relações afetivas em seu dia a dia no conjunto.
No tocante ao segundo bloco de investigação, o objetivo se voltou a analisar as
condições de infraestrutura do conjunto habitacional Itamar Guará, considerando as
condições de saúde, educação e lazer. Diante disso, são destacadas as vozes dos
entrevistados:
O Itamar Guará conta com um posto de saúde. Nele atuam os agentes de saúde, médicos. Com relação aos médicos, eles têm os dias na semana para atender a população. Acho que duas ou três vezes. A área do conjunto era uma fazenda, aqui tinha uma sede e serviu para a implantação do posto de saúde. Se fosse para apontar uma melhoria na área da saúde, seria para aumentar a frequência de médicos no posto de saúde, porque as populações não precisariam se deslocarem para outros bairros. Com relação a educação, aqui a gente tem uma escola municipal que tem a educação infantil e o ensino fundamental. Porém, para estudar o ensino médio, os alunos se deslocam para outros bairros da cidade. Com relação a educação infantil, temos um problema, tem uma creche que está com obra parada com bom tempo. Acredito que se terminassem a obra, iria melhorar a vida de todos aqui, até porque tem mães que não trabalham pelo fato de não terem onde colocar suas crianças. Não temos áreas de lazer. Temos áreas verdes, mas infelizmente não há uma integração da população com esses espaços, pelo fato de não termos praça (que tem até o lugar, mas não fizeram). (Morador 1. Entrevista realizada em 01/02/2020) O Itamar Guará tem um posto de saúde com médicos tanto do governo do estado como do município que atendem em dias específicos durante a semana. Acredito que poderia melhorar com mais atendimentos hospitalares, como um cirurgião dentista, seria muito bom, assim para arrancar um dente a gente não precisaria ir buscar em outro bairro. Com relação a educação aqui, temos escola do ensino fundamental, que por sinal é muito boa e grande. Porém, os estudantes do ensino médio têm que se deslocar para outras escolas da cidade se quiserem. Também não temos creche para as crianças, apenas uma obra eleitoreira que está parada. Na minha opinião essa creche deve ser inaugurada. As crianças merecem e o povo merece. As áreas de lazer é outra carência, pois, não temos nada aqui. Temos até uma área destina à construção de uma praça, mas até hoje nada foi feito, seria bom ter uma área de distração e de divertimento. (Morador 2. Entrevista realizada em 01/02/2020) O conjunto tem posto de saúde com médicos, enfermeiros e agentes de saúde. Na minha opinião os serviços atendem a necessidade da população. Se fosse para melhorar algo seria na promoção de maior frequência dos médicos. Nós temos uma escola do ensino fundamental, que é muito boa, mas escola do ensino médio não temos é o jeito sair para outros bairros se quiser estudar. Temos uma creche com obras paradas a um bom tempo. Acho que se entregassem essa obra logo seria importante para o conjunto, principalmente, para as mães que desejam trabalhar. Aqui a gente não tem área de lazer. Tem uma praça que só está em projeto. Acho que a construção
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de campo de futebol, quadra poliesportiva seria uma boa para a população. (Moradora 3. Entrevista realizada em 01/02/2020)
Diante das vozes apresentadas, observa-se que as condições de infraestrutura
do conjunto habitacional Itamar Guará estão marcadas por intensas ausências,
sobretudo, no que tange `oferta de serviços de saúde, educação e lazer. Os moradores
enfatizam que possuem posto de saúde e contam com alguns profissionais da área.
Entretanto, apresentam propostas de melhorias como a ampliação dos serviços,
evitando os deslocamentos para outras áreas da cidade com estas finalidades.
De acordo com os/as entrevistados, observou-se que para estudar nas séries
do ensino médio, os alunos têm que se deslocar para outras escolas de distintos bairros
da cidade, como Conjunto Vitória, Centro, Nova Imperatriz, entre outros. Assim sendo,
os descolamentos ficam em torno de 3 a 9 km partindo do conjunto habitacional Itamar
Guará. Portanto, a carência de escolas para atender jovens do ensino médio, aumentam
as dificuldades de acesso à educação. Investir em educação pode refletir em melhorias
nas áreas da saúde e segurança, principalmente pelo fato da educação ser a arma mais
sadia de combate às desigualdades sociais. Conforme Negri (2008): Morar num bairro periférico de baixa renda hoje significa muito mais do que apenas ser segregado, significa ter oportunidades desiguais em nível social, econômico, educacional, renda, cultural. Um morador de um bairro periférico pobre tem condições mínimas de melhorar socialmente ou economicamente. Implica, na maioria dos casos em apenas reproduzir a força de trabalho disponível para o capital. (NEGRI, 2008, p.136)
Os moradores revelam que existe a obra de construção de uma creche que está
paralisada. Considerada obra eleitoreira, teve início no governo do então prefeito
Sebastião Madeira (2009-2016) e nunca foi entregue à população.
Sabe-se que as creches são instituições importantes, pois, além de promoverem
o desenvolvimento da criança em seu processo inicial de aprendizagem, possibilitam aos
pais oportunidades de exercerem funções trabalhistas. Fornecendo sugestões de
melhorias para a educação do conjunto o morador 2, enfatiza “Na minha opinião essa
creche deve ser inaugurada, as crianças merecem, o povo merece.” Diante disso, a figura
4 apresenta a creche que está com obras paralisadas.
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Figura 4: foto de creche com obras paralisadas
Organização: autor, 2020.
Ainda considerando os resultados obtidos por meio da pesquisa empírica, foram
identificados problemas no conjunto relacionados à carência de espaços de lazer.
Mediante as vozes dos moradores/as, percebe-se que estes almejam, a construção de
um espaço de lazer. O morador 1, por exemplo, ressalta a importância do espaço de
lazer para promoção de envolvimento dos indivíduos com a natureza e demais
moradores, quando diz “Não temos áreas de lazer. Temos áreas verdes, mas não há uma
integração da população com esses espaços, pelo fato de não termos praça (tem até o
lugar, mas não fizeram).”
Diante desses fatos ressaltados, Carvalho, Patrício e Schuett (2014), acerca dos
espaços de lazer e a atuação das políticas habitacionais, destacam que:
As áreas de convivência e lazer foram negligenciadas, historicamente, nos projetos de Habitação de Interesse Social. O “Minha Casa Minha Vida”, programa do governo federal iniciado em 2009, não foge a essa regra. É sabido, no entanto, que áreas livres e de lazer, quando bem projetadas, são importantes para a produção de moradias que ofereçam mais qualidade de vida aos moradores. Esse tipo de espaço é capaz de promover permeabilidade, ao mesmo tempo em que evita ocupações informais – os famosos “puxadinhos” –, pois é dado um uso, que pode ser de lazer, recreação e estar permitindo uma relação de convivência entre os moradores (CARVALHO, PATRÍCIO e SCHUETT, 2014, p.2)
Nessa perspectiva, os moradores apresentam propostas que poderiam serem
acatadas pelo poder público, haja visto que o conjunto habitacional não celebra
nenhuma festa específica do bairro que poderia promover maiores relações de
afetividade entre a população do Itamar Guará. A este respeito, o morador 1 propõe
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uma sugestão interessante que “[...] seria a revitalização do riacho e a construção de
uma praça para o povo ter condições de conversarem, passearem.” Nessa perspectiva,
é apresentado na figura 11 as condições que se apresenta o referido riacho.
São identificados no bairro, manifestações que partem dos próprios moradores
em prol da tentativa de estabelecer espaços de lazer improvisados, principalmente para
a prática esportiva do futebol, proporcionando tanto o desenvolvimento de atividades
físicas que ajudam nas condições de saúde dos moradores, como na interação social
destes. Carvalho, Patrício e Schuett (2014, p.7) ressaltam que “ o espaço de uso comum
é capaz de oferecer maior qualidade de vida aos moradores de habitação de interesse
social, criando uma relação de convívio ao mesmo tempo em que pode oferecer
serviços. ” Nesse sentido, o lazer é fundamental para a vida dos citadinos.
O lazer, assim como qualquer outra atividade social, necessita de espaço. Terrenos baldios na periferia se tornam campinhos improvisados, festas juninas são realizadas em centros comunitários ou nos pátios de igrejas e escolas. Atividades esportivas por sua vez, podem recriar ambientes já consolidados no exterior das comunidades, mimetizando de forma intencional ou espontânea pistas de atletismo, quadras e campos esportivos. (FRANK e Yamaki, 2016, p.93)
Nessa direção, são apresentadas nas figuras 5 e 6, que expressam a apropriação
do espaço pela população do Itamar Guará para a promoção de práticas de lazer, de
especial modo, para a prática do futebol, confirmando a citação de Frank e Yamaki
(2016), uma vez que estas atividades além de promover interação social, também
assegura qualidade de vida.
Figura 5: campo de futebol improvisado Figura 6: campo de futebol improvisado
Organização: autor, 2020. Organização: autor, 2020.
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Percebe-se a necessidade e a importância da construção dos espaços de lazer,
haja visto que é um direito de todo cidadão. O Estado deve cumprir com a sua obrigação
de garantir esses espaços. Dessa forma, os significados do PMCMV no processo de
produção do espaço urbano de Imperatriz, em particular, no conjunto habitacional
Itamar Guará, evidenciam o descompromisso das ações desenvolvidas pelo Estado com
as populações de baixa renda.
Portanto, há na realidade do conjunto, a partir dos elementos que foram
estudados, destacando a saúde, educação e lazer, apontamentos para a segregação
socioespacial, ou seja, os moradores do conjunto são desfavorecidos pela política que
teve por princípios a inclusão social, porém, não promoveu diálogo com outras políticas
urbanas e desencadeou a segregação socioespacial. Nessa direção, a segregação
socioespacial consiste nas formas distintas de apropriação do espaço urbano.
4 CONCLUSÃO
A célere evolução do processo de urbanização do território brasileiro,
desencadeou uma série de impactos socioespaciais. O crescimento demográfico das
áreas urbanas do país não foi acompanhado de planejamento urbano, desta forma,
surgiram problemáticas socioespaciais que demandaram a implantação de políticas
habitacionais.
Assim sendo, as políticas habitacionais tornaram-se fundamentais para a
organização do espaço urbano, principalmente, para amenizar problemas relacionados
ao déficit habitacional que ainda apresenta altos índices na contemporaneidade.
Portanto, foi nesse contexto que surgiu o PMCMV.
Diante desses fatos e mediante a realidade do conjunto habitacional Itamar
Guará o PMCMV não garantiu a moradia digna a todos os cidadãos do conjunto, tal fato
é confirmado nas vozes dos moradores, como também, nas observações feitas no
conjunto. A falta de qualidade no material de construção das casas, falta de
saneamento, qualidade da água, problemas relacionados à segurança, educação e lazer,
revelam o sentido polissêmico da segregação socioespacial presente no conjunto.
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REFERÊNCIAS
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4475
EIXO TEMÁTICO 10 | QUESTÃO AGRÁRIA, URBANA E AMBIENTAL
CONCENTRAÇÃO DE TERRAS E A POLÍTICA DE REFORMA AGRÁRIA NO ESTADO DO PIAUÍ
LAND CONCENTRATION AND AGRARIAN REFORM POLICY IN THE STATE OF PIAUÍ
Clarissa Flávia Santos Araújo1
Alyne Maria Barbosa de Sousa2
RESUMO A conjuntura da questão agrária do estado do Piauí, constitui a temática de interesse na presente reflexão. Como recursos metodológicos da pesquisa, realizou-se pesquisa bibliográfica e levantamento de dados secundários sobre os estabelecimentos agropecuários nos Censos Agropecuários de 2006 e 2017 do IBGE, número de assentamentos rurais e em relação aos conflitos por terra, ocupações de terras e manifestações nas publicações organizadas pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), no período de 2009 a 2018. Conclui-se que, a existência dos conflitos no campo piauiense se deve a concentração de terras no Estado e a expansão do agronegócio, que provocou profundas transformações sociais, econômicas, políticas e ambientais no espaço agrário piauiense, principalmente a partir da década de 1990.
Palavras-Chaves: Questão Agrária. Concentração de Terras. Piauí. ABSTRACT Current situation of agrarian question in state of Piaui constitutes topic of interest on present reflection. As methodological resources, bibliographic research and secondary data survey about agricultural establishments on IBGE Agricultural Census of 2006 and 2017, rural settlements and land conflicts, land occupations and manifestation organized by Comissão Pastoral da Terra (CPT), in period between 2009 and 2018. The conclusion is that conflicts on countryside are due to land concentration and agribusiness expansion in Piaui, which caused deep social, economic, political and environmental transformations, mainly from 1990 decade on.
Keywords: Agrarian Question. Land Concentration. Piauí.
1 Doutoranda em Economia pela Universidade de Brasília (UnB). E-mail: [email protected]. 2 Dra. em Desenvolvimento e Meio Ambiente, Profa. do Instituto Federal do Piauí. E-mail: [email protected].
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INTRODUÇÃO
O Estado do Piauí possui uma área geográfica de 251.616,823 km2, uma
população total de 3.118.360 milhões habitantes, sendo que 2.050.959 pessoas viviam
na zona urbana e 1.067.401 pessoas na zona rural (IBGE, 2011). Em termos de número
de estabelecimentos agropecuários, em 2017, no Estado havia 245.601
estabelecimentos, dos quais, a maior parte (197.246 estabelecimentos) caracterizados
como Agricultura Familiar (IBGE, 2019a).
Entretanto, em que pese esse dado, o perfil fundiário piauiense permanece
praticamente inalterado. Muito embora o índice de Gini do Piauí tenha melhorado em
2017 (0,859) com relação a 2006 (0,870), conforme os Censos Agropecuários (IBGE,
2012; IBGE, 2019a), ainda se observa um alto grau de concentração das terras no Estado
(quanto mais próximo de 1, mais desigual a distribuição).
Nesse sentido, o elevado grau de concentração da propriedade fundiária que
conformou a estrutura agrária piauiense é um reflexo da forma de ocupação econômica,
que desde os primórdios do processo de colonização, teve como atividade
predominante a pecuária, e consolidou o latifúndio no Piauí. Contudo, a partir do início
dos anos de 1950, essa dinâmica econômica sofreu profundas transformações.
Primeiramente, com o declínio das atividades ligadas ao extrativismo vegetal e,
posteriormente, em meados dos anos de 1970, com o incentivo do governo estadual
para a implantação de projetos de modernização agropecuária agrícola. Nesse processo,
a pequena propriedade foi sendo incorporada à média e grande, o que provocou um
intenso êxodo rural de pequenos(as) agricultores(as) para as periferias urbanas.
Dessa maneira, a questão agrária piauiense ganha nova complexidade nas
décadas de 1980 e 1990, em decorrência da busca mundial por commodities agrícolas e
não agrícolas, e consequentemente por grandes extensões de terras. Em função dessa
configuração, pesquisadores e teóricos têm se debruçado sobre a superação ou
permanência e atualidade da questão agrária, como também a respeito de soluções
para o problema, inclusive reafirmando a necessidade da reforma agrária; como
também aparecem discussões sobre o destino das populações do campo nos processos
de avanço do capitalismo e de industrialização da agricultura.
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Como base nesse cenário, o objetivo deste trabalho é analisar a conjuntura da
questão agrária no estado do Piauí, a partir das singularidades do processo histórico da
ocupação da terra no Piauí, da política estadual de reforma agrária e da análise dos
dados de conflitos por terra no campo piauiense. Para tanto, como recursos
metodológicos da pesquisa, realizou-se pesquisa bibliográfica e levantamento de dados
secundários sobre os estabelecimentos agropecuários nos Censos Agropecuários de
2006 e 2017 do IBGE, número de assentamentos rurais e em relação aos conflitos por
terra, ocupações de terras e manifestações nas publicações organizadas pela Comissão
Pastoral da Terra (CPT), no período de 2009 a 2018.
Assim sendo, o presente trabalho está estruturado da seguinte forma: na
primeira seção, seguido da introdução, resgatou-se as singularidades do processo
histórico piauiense, para o entendimento das contradições inerentes à conformação da
estrutura fundiária; na segunda seção, contextualiza-se a questão agrária piauiense e a
política de reforma agrária estadual; em seguida, apresenta-se a conclusão.
2 COLONIZAÇÃO, OCUPAÇÃO ECONÔMICA E O GERME DO LATIFÚNDIO NO PIAUÍ
No Piauí, a problemática fundiária tem suas raízes no processo de colonização.
Conforme Tapety (2007), a ocupação econômica do Piauí iniciou em 1676, com
Domingos Afonso Sertão (o “Mafrense”), Julião Afonso Serra, Francisco Dias D’Ávila
(conhecido como “proprietário da Casa da Torre”) e Bernardo Pereira Gago, que
obtiveram do Governador de Pernambuco as primeiras sesmarias. A ocupação ocorreu
mediante acirradas lutas contra os povos indígenas que habitavam os vales do Gurgueia,
implantando, assim, as primeiras fazendas de gado.
Em 1681, novas sesmarias foram anexadas à Casa da Torre, localizadas nas
margens dos rios Parnaíba, Paraim, Gurgueia e Itaperu. Todavia, em 1774, devido aos
conflitos entre as pessoas que almejavam a propriedade das terras, a Coroa Portuguesa,
através de Cartas Régias, estabeleceu que as áreas doadas deveriam medir apenas três
léguas. Entretanto, apesar dessa regulamentação, a população livre continuou sendo
explorada pelos sesmeiros, obrigada a pagar 10 mil réis por ano pela posse da terra
(TAPETY, 2007; OLIVEIRA, 2014)
Mafrense foi a figura central da colonização do Piauí. Em 1711, após a sua morte,
suas terras passaram para os jesuítas e, posteriormente, tornaram-se bens da Coroa,
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sendo denominadas de Fazendas Reais, depois com a República, as terras ficaram
conhecidas como Fazendas Nacionais e, a partir de 1946, com a transferência para o
Estado, foram rebatizadas de Fazendas Estaduais (MENDES, 2003; OLIVEIRA, 2014;
ARAÚJO, 2016).
De acordo com Mott (2010), a conquista e povoamento da região piauiense e de
outras zonas áridas do Nordeste foram motivados, principalmente, pela expansão da
economia açucareira, que dependia do gado bovino e cavalar para a alimentação básica
da população livre e escrava, para o transporte e como força motriz dos engenhos de
açúcar, além da importância do couro bovino como matéria-prima para a fabricação de
utensílios domésticos e como embalagem de rolos de fumo exportados para a África e
Europa.
No entanto, devido à grande expansão dos canaviais no início do século XVII, a
criação de gado próximo aos engenhos representava forte concorrência à agroindústria
açucareira, pois desviava terras, capital e mão-de-obra da principal e mais lucrativa
atividade, a fabricação de açúcar (MOTT, 2010; OLIVEIRA, 2014; ARAÚJO, 2016).
O referido autor afirma que as fazendas de gado no Piauí continuaram em
expansão ao longo do século XVIII em consequência da crescente importação de boiadas
para a região aurífera das Minas Gerais. Dessa forma, o povoamento da região
caracterizou-se por ser centrífugo e latifundiarista, primeiro, por responder à cobiça dos
sesmeiros, desejosos de grandes glebas de terras, e em segundo lugar, devido à
necessidade intrínseca da atividade pecuarista, que se caracterizava por ser extensiva,
na qual o gado é criado solto.
Bandeira (1981) argumenta que a especificidade da criação de gado no Piauí foi
responsável pela baixa densidade demográfica das cidades situadas no sul do Estado e
pela excessiva concentração de terras nas mãos de poucas pessoas, pois a pecuária
extensiva exigia extensas terras e reduzida mão-de-obra.
Segundo Martins et al. (2002), no final do século XVII, existiam no Piauí apenas
438 habitantes distribuídos em 129 fazendas de gado. Com o crescimento do rebanho e
incorporação de novas áreas, 80 anos depois, a população elevou-se para 14.342
habitantes, dispersos em 536 fazendas, mantendo-se praticamente inalterada a
densidade demográfica e a restrita utilização de trabalhadores na criação de gado.
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Ademais, os mencionados autores revelaram ainda que a pecuária piauiense se
caracterizou pelo baixo nível de investimento requerido e pelo caráter escravista. No
final do século XVII, existiam 211 trabalhadores escravizados (que representava 70% da
população total), superior à branca, que era 155 habitantes e à indígena, de 64
habitantes. Importante destacar ainda que o baixo número de indígenas foi resultado
do extermínio desses povos durante o estabelecimento dessa atividade no Piauí.
Nessa perspectiva, Rocha (1982) reconhece que a fazenda de gado foi o germe
do povoamento, o que determinou e condicionou a forma de ocupação e uso da terra,
a dinâmica das demais atividades agrárias, e o tipo de organização econômica, social e
política da Capitania, Província e posteriormente, do estado do Piauí.
Nesse sentido, por mais de dois séculos, a economia piauiense, baseada na
pecuária, alicerçou-se na exploração contínua e predatória de sua base natural, com
ênfase no uso das pastagens e água para o gado bovino, consolidando no século XVIII o
latifúndio no estado do Piauí (OLIVEIRA, 2014; ARAÚJO, 2016).
Rocha (1983) afirma que, a partir de meados do século XIX, esse cenário começou
a sofrer mudanças devido à inclusão da região como produtora de algodão para atender
a uma demanda crescente do mercado internacional. Porém, com o fim da Guerra da
Secessão norte-americana, os Estados Unidos recuperaram sua posição de principal
fornecedor do produto para as indústrias europeias, e com o surgimento de novas áreas
produtoras de algodão, houve o declínio da produção nordestina e, em particular, do
Piauí, a qual foi deslocada para os mercados regional e nacional.
Nessa perspectiva, até o final do século XIX a economia configurava-se
basicamente na combinação da pecuária extensiva e da produção de algodão,
transformada com o nascimento de uma economia extrativista vegetal, fundada na
exploração do látex da maniçoba, da cera da carnaúba e do óleo de babaçu (PIAUÍ, 2005;
OLIVEIRA, 2014; ARAÚJO, 2016).
Assim sendo, a exploração de produtos do extrativismo vegetal, voltados para a
exportação propiciou durante a primeira metade do século XX, um fluxo de divisas
significativas para o país e para o Estado, provocando o surgimento de indústrias
beneficiadoras, a expansão comercial e o aumento de receitas e das finanças estaduais.
Todavia, após o fim da Segunda Guerra Mundial, a economia extrativista do Piauí entrou
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em declínio, fragilizada pela sujeição do processo de comercialização às crises do próprio
sistema nos níveis nacional e internacional.
3 A PERMANÊNCIA DA QUESTÃO AGRÁRIA NO PIAUÍ
O governo federal, na perspectiva de realizar uma reforma agrária no estado do
Piauí, iniciou uma política de colonização por meio da criação dos Núcleos Coloniais de
David Caldas, em 1932, constituído por 350 famílias, e do Gurgueia, em 1959, composto
por 260 famílias. Entretanto, essas ações eram localizadas e sem continuidade, assim,
não produziram impacto na alteração da estrutura agrária estadual (PIAUÍ, 2005;
OLIVEIRA, 2014).
Por outro lado, para Santos (2007), o processo de organização da luta pela posse
da terra no Piauí não ocorreu na mesma época dos outros estados da federação. Embora
as Ligas Camponesas tenham sido fortes no Nordeste a partir de 1940, a sua influência
política só chegou ao Piauí na década de 1960. Para o autor, os primeiros
questionamentos levantados em relação à condição de vida das famílias rurais eram
realizados quando os camponeses se reuniam, geralmente à noite, para contar histórias
do cotidiano e da vida no campo.
De acordo com Muniz et al. (2003), somente em 1962, foi fundada a primeira
organização sindical de trabalhadores rurais do Piauí, denominada de Associação dos
Lavradores e Trabalhadores Agrícolas de Campo Maior (ALTACAM), que passou a
defender as famílias rurais dos constantes despejos, maus tratos e prisões a que eram
submetidas pelos seus patrões e donos da terra.
Contudo, a partir de 1970, as terras piauienses tornaram-se alvo de políticas
fundiárias desenvolvidas pelo governo estadual. Conforme Mendes (2003), em 1971, o
governo do Estado criou a Companhia de Desenvolvimento do Piauí (COMDEPI), à qual
foi atribuída a função de administrar o patrimônio fundiário estadual. Posteriormente,
foi criada a Lei Estadual nº 3.271/1973, que incorporou as terras devolutas ao
patrimônio da COMDEPI, autorizando a alienação de terras públicas a empresários
interessados em investir no estado, mediante a apresentação de projetos de
desenvolvimento (PIAUÍ, 2005; OLIVEIRA, 2014).
Os investidores chegaram ao Piauí através das ações de vários programas
governamentais, financiados com recursos da Superintendência para o
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Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), no âmbito do Fundo de Investimentos do
Nordeste (FINOR) e do Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste
(POLONORDESTE) e instalaram projetos de modernização da agropecuária e
reflorestamento. Além do incentivo a progressiva ocupação das terras, o governo
também criou medidas para regularização da posse.
Entre os projetos no Piauí, o POLONORDESTE incluía um específico para a área
das Fazendas Estaduais, chamado Projeto de Desenvolvimento Rural Integrado (PDRI),
abrangendo 10 municípios e perfazendo uma área equivalente a 1.620.200 hectares. O
Projeto visava à implementação de várias ações, como a construção de estradas, postos
de saúde e escolas, e priorizou a delimitação do perímetro e a identificação de áreas
apossadas. Acrescenta-se também, durante a década de 1970, as iniciativas da Diocese
de Oeiras e do padre José de Anchieta Muniz Cortez, por meio da Ação Social do Vale do
Gurgueia, que implantaram diversas colônias de agricultores no sul do Estado (PIAUÍ,
2005).
Ademais, a regularização da área foi concluída no início de 1980, após ser
sucedido pelo PDRI Vale do Parnaíba, mediante a concessão do título de propriedade
aos ocupantes (MENDES, 2003). Outra experiência desenvolvida no âmbito do
POLONORDESTE/PDRI Vale do Parnaíba, foi a aquisição de cerca de 197.000 hectares de
terras, que foram redistribuídas para aproximadamente 3.653 famílias de trabalhadores
rurais sem-terra, entre 1977 e 1980 (PIAUÍ, 2005; OLIVEIRA, 2014; ARAÚJO, 2016).
Estudos apontam que a facilidade de acesso a recursos federais altamente
subsidiados e a incentivos fiscais administrados pela SUDENE, provocou “uma
verdadeira corrida às terras piauienses” (PIAUÍ, 2005, p.18-19). Assim sendo, não só a
posse foi facilitada como também os proprietários de terras foram incentivados –
através de amplo acesso a crédito, assistência técnica e a escoamento da produção,
proporcionado por investimentos em novas estradas – a direcionar as unidades
produtivas para produtos com maior valor comercial (PNCSB, 2019).
Cabe destacar que o processo de integração do Piauí à economia nacional e
internacional foi iniciado de forma mais sistemática a partir da década de 1980, devido
à expansão da produção capitalista no campo, para o atendimento da demanda do
mercado externo. Esse processo iniciou-se com a expansão da fronteira agrícola e com
a presença de produtores oriundos do Rio Grande do Sul, Paraná, Goiás, Mato Grosso e
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São Paulo, que se deslocavam, seguindo o movimento de dilatação da fronteira do
Centro-Oeste para o Nordeste, em busca de terra barata para a instalação de
empreendimentos produtivos de grãos, principalmente, soja destinada à exportação
(PNCSB, 2019)
Nesse sentido, no cerrado piauiense, principalmente no sul do Piauí, se
intensifica a produção de grãos e se conforma nesse período um mercado de terras
especulativo, deste modo, extensas propriedades foram comercializadas a preços
insignificantes (PNCSB, 2019; REYDON; MONTEIRO, 2006).
Nessa mesma década, por meio da Lei nº 3.783/1980, foi criado o Instituto de
Terras do Piauí (INTERPI), como órgão executor da política agrária do Estado, em
substituição à COMDEPI, o qual se responsabilizou pela administração do Fundo de
Apoio ao PDRI (PIAUÍ, 1980). Sendo assim, o INTERPI passou a atuar como órgão gestor
do patrimônio público imobiliário estadual e a promover o assentamento de famílias
através de aquisição de terras, por meio de compra direta e do uso de terras públicas
estaduais.
Todavia, conforme denúncias sistematizadas pelo Projeto Nova Cartografia
Social dos Babaçuais (PNCSB, 2019), essas negociações foram feitas sem controle ou
transparência, de forma a atender aos interesses de grandes proprietários, favorecendo
a grilagem de terras. O mesmo boletim chama atenção que esse processo não findou
nessa época, uma vez que até os dias atuais continuam chegando ao Estado grandes
empresários e corporações, atraídos por terras negociadas a preços baixos, topografia
plana, vegetação favorável e clima propício ao cultivo de monoculturas.
De acordo com o citado Boletim, especificamente sobre a grilagem de terras, em
1996 foi criada a Comissão Parlamentar de Investigação (CPI) dos Conflitos Agrários, na
esfera da Assembleia Legislativa do Piauí (ALEPI), para apurar as negociações de terras
públicas desde a década de 1970. A referida CPI apurou diversos problemas na
administração do patrimônio imobiliário rural estadual por parte da COMDEPI e do
INTERPI, dentre os quais, destacou-se a negligência dos referidos órgãos em relação à
não efetivação de “Ações Discriminatórias”, isto é, não criaram instrumentos legais para
separar as terras devolutas dos domínios de particulares, inclusive indicam a conivência
dos cartórios nessa prática ilícita de grilagem.
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A grilagem de terras, e por consequência, os conflitos de terra no cerrado
piauiense são tão preocupantes que, em 2012, no âmbito do Ministério Público Estadual
(MPE) criou-se a Vara Agrária no município de Bom Jesus e o Grupo Especial de
Regularização Fundiária de Combate à Grilagem, com o objetivo de combater a grilagem
de terras no Estado. Na época, o juiz titular da Vara Agrária encontrou irregularidades e
solicitou a anulação de registro de mais de 500.000 hectares de terras públicas. O
levantamento do MPE, por sua vez, detectou que mais 124 mil ha de terras foram
adquiridas indevidamente no Piauí. Além disso, várias ações continuam sendo feitas
pelos referidos órgãos que resultaram em prisões e anulações de registros (PNCSB,
2019).
Acrescenta-se ainda, que as organizações do campo têm denunciado o caráter
de Leis Estaduais que favoreceram o agronegócio. Segundo o boletim do PNCSB (2019),
a Lei nº 5.966/10, que dispõe sobre a regularização fundiária no cerrado piauiense
incentivou a posse ilegal de terras, pois validou títulos emitidos sem autorização da
COMDEPI e/ou do INTERPI. Já a Lei nº 6.709/15, que trata da reforma, regularização
fundiária e colonização de terras devolutas no Estado, proveu titulação somente
individual, não reconhecendo os territórios dos povos e comunidades tradicionais, que
utilizam a terra de forma coletiva.
Nesse sentido, a terra passa a ser um ativo que se valoriza e um instrumento de
negociações especulativas, enquanto grande parte dos(as) pequenos(as) produtores(as)
rurais historicamente são excluídos do acesso a terra.
Em outra direção, no contexto de intensa modernização da agricultura brasileira,
cresce a luta por terra e a demanda por reforma agrária no Brasil, como também no
Piauí, por parte de uma reinvindicação dos movimentos sociais. Desde então,
observaram-se no debate político a presença do tema, bem como intervenções
conjunturais, com diversas desapropriações e criação de assentamentos rurais
(MEDEIROS; LEITE, 2009).
No estado do Piauí, o governo federal, com o objetivo de financiar o acesso à
terra aos trabalhadores rurais sem-terra e a agricultores familiares, instituiu o Programa
Fundo de Terra para a Reforma Agrária/Banco da Terra, em 1998 e o Programa Nacional
de Crédito Fundiário, em 2002; esse último, para atender às distintas demandas de
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acesso à terra, incluindo áreas com menores extensões, mas consideradas aptas para
desapropriações por interesse social, pelo INCRA (PIAUÍ, 2005).
O Programa Banco da Terra foi extinto em 2002, mas implementou no Estado,
através da Secretaria de Agricultura, 53 projetos, beneficiando 1.439 famílias de
agricultores rurais. O Crédito Fundiário por sua vez, criado em 2002, continua suas
atividades por meio da Superintendência de Desenvolvimento Rural do Estado (SDR-PI),
o qual financiou até 2010, a aquisição de terras, beneficiando aproximadamente 12.185
famílias de trabalhadores rurais, em 644 projetos de assentamentos. O INTERPI, desde
o início de seu funcionamento, beneficiou apenas 10.032 famílias, totalizando uma área
de 658.251,54, em 198 projetos estaduais (PE) (PIAUÍ, 2018). No município de Teresina,
a Prefeitura, promoveu a partir de 1998, em parceria com o INCRA e no âmbito do
Projeto Casulo, o assentamento de 289 famílias em quatro projetos, abrangendo uma
área de 1.301,49 hectares (OLIVEIRA, 2014).
Em termos de gestão da política de reforma agrária no Piauí, o INCRA encerra
maior expressão no Estado. No período de 1900 a 2019, o órgão criou 499 projetos de
assentamentos federal (PA), envolvendo uma área de 1.391.243,64 hectares,
beneficiando 31.169 famílias (INCRA, 2019). Espacialmente, os assentamentos rurais no
Piauí concentram-se na Macrorregião Meio Norte, principalmente nos Territórios Entre
Rios e dos Cocais. Na região sul do Estado, especificamente no cerrado piauiense, há
uma menor concentração de assentamentos rurais, em função da ocupação da região
por empreendimentos agropecuários.
Entretanto, apesar de tais ações, quando se analisa os dados dos Censos
Agropecuários de 2006 e 2017, é possível afirmar que o perfil fundiário piauiense
permanece praticamente inalterado, ou seja, poucos estabelecimentos agropecuários
concentram um alto percentual de terras, como se pode observar na Tabela 1.
Tabela 1 - Área dos estabelecimentos agropecuários no Piauí, segundo o estrato de área
Grupo de área Área dos Estab. (2006) Área dos Estab. (2017)
Menos de 10 ha 299.457 331.086
De 10 ha a menos de 100 ha 2.414.065 2.719.987
De 100 a menos de 1.000 ha 3.455.727 3.011.222
Mais de 1.000 ha 3.337.349 3.947.561
Total 9.506.597 10.009.858
Fonte: IBGE (2019b).
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Em 2017, de acordo com IBGE (2019a), o estado do Piauí contava com 245.601
estabelecimentos agropecuários, dos quais, 197.246 unidades produtivas foram
caracterizadas como Agricultura Familiar (80,3% desse total) e 48.355 como não
familiares (19,7% do total). Conforme dados da Tabela 1, em comparação com o Censo
Agropecuário de 2006, houve um crescimento de 223 unidades no número de
estabelecimentos e um incremento de 503.261 hectares na área total dos
estabelecimentos em 2017, ou seja, a área total dos estabelecimentos era de 9.506.597
hectares, em 2006, aumentando para 10.009.858 hectares, em 2017. Cabe destacar que,
dessa área total, dos 10.009.858 hectares, a área específica da Agricultura Familiar
abrangeu apenas o equivalente a 3.852.846 hectares, isto é, 38,5%.
A partir dos dados da Tabela 1, verificou-se que: a) em relação à quantidade de
estabelecimentos agropecuários com menos de 100 hectares no período de 2006 a
2017, observou-se um crescimento de 12,44% da área desses estabelecimentos; b) no
tocante aos estabelecimentos do terceiro estrato, que detinham mais 100 hectares e
menos de 1.000 ha, de 2006 a 2017, houve uma queda de 12,86% na área ocupada pelos
mesmos; c) no que tange aos estabelecimentos com mais de 1.000 ha, caracterizados
como grande propriedade, ocorreu um aumento significativo de 18,28% da área
ocupada.
É importante chamar atenção para o fato de que, em 2017 cerca de 5,77% dos
estabelecimentos agropecuários detinham 69,52% da área total, demonstrando uma
concentração de área em poucos estabelecimentos agropecuários. Por outro lado,
90,83% dos estabelecimentos agropecuários do Piauí abrangem apenas 30,48% da área
total (IBGE, 2019b). Também se observa a persistência do elevado nível de concentração
de estabelecimentos agropecuários por meio da análise do índice de Gini (quanto mais
próximo de 1, maior a concentração): em 2006, o indicador era de 0,870, e em 2017 o
índice caiu para 0,859, sendo necessárias ações mais efetivas de desconcentração da
propriedade da terra.
Assim, esse contexto, indica a permanência de um padrão de conflitualidade que
está no cerne do acesso à terra no Piauí. Analisando os dados da CPT sobre conflitos por
terra no campo piauiense, violência em razão da posse e ocupação contra famílias nos
anos de 2009 a 2018, verifica-se que nesses 10 anos ocorreram 233 conflitos,
envolvendo 10.792 famílias, principalmente, posseiros(as) e pequenos(as) proprietários
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(as). Registraram-se ainda, 17 situações de conflitos pela água, de 2009 a 2018, contra
1.024 famílias, dos quais envolveram ameaças de expropriação, destruição e/ou
poluição, impedimento ou diminuição de acesso a água e desconstrução do histórico-
cultural, na região do Rio Maratoan/Barragem do Bezerro.
Esses números mostram que a violência no campo é fruto de uma questão
agrária. As práticas de violência registradas contra as famílias, incluem expulsão,
despejo, ameaça de expulsão, destruição de casas, roças e bens, e ainda, ameaças de
morte e pistolagem. Essa violência vivida diariamente contra esses sujeitos do campo
demonstram os antagonismos do desenvolvimento capitalista no campo e o caráter
concentrador de terras no Piauí.
4 CONCLUSÃO
Considerando os conflitos e as manifestações por parte dos movimentos
socioterritoriais comprova-se a existência de uma questão agrária no Piauí, a qual tem
como cerne a posse e uso da terra, e a imobilismo do Estado na execução das políticas
de reforma agrária.
O elevado grau de concentração de terras no Estado constitui um reflexo dos
processos de ocupação latifundiária do território piauiense e consiste em uma das
principais fontes de desigualdade social e econômica do campo piauiense, na medida
em que inúmeros trabalhadores rurais ainda não têm acesso à terra. Entretanto, apesar
de todas as ações dos órgãos encarregados da execução da política de reforma agrária,
a política no Piauí tem desempenho modesto, dentre os quais o INCRA encerra maior
expressão no Estado.
Por outro lado, o agronegócio avança no campo piauiense, com a crescente
expansão da produção de grãos; por outro lado, as ações de reforma agrária no Piauí
mostram-se incipientes. Especificamente no cerrado piauiense, há uma menor
concentração de assentamentos rurais, em função da ocupação da região por
empreendimentos agropecuários, com utilização de grandes extensões de terras, o que
tem ocasionado a persistência de conflitos por terra na região.
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EIXO TEMÁTICO 10 | QUESTÃO AGRÁRIA, URBANA E AMBIENTAL
“EU QUASE NÃO SAIO DE CASA”: aspectos normativos e a condição de (i)mobilidade urbana de idosos em Teresina-Piauí
“I ALMOST DON’T LEAVE HOME”: normative aspects and the condition of urban
(im)mobility of the elderly in Teresina-Piauí
Gabriela de Sousa Alves Gameleira1 Masilene Rocha Viana2
RESUMO Análise dos parâmetros normativos e da condição da mobilidade urbana de idosos em Teresina, construída como parte de pesquisa objetivando precisar as dificuldades desse segmento no uso de transportes coletivos, a finalidade dos deslocamentos e o usufruto mais geral da cidade. As reflexões foram produzidas a partir de análise documental e de observação dos espaços de circulação e paradas de ônibus da cidade. Os resultados parciais indicam uma baixa mobilidade dos idosos em Teresina, ancorada no usufruto precário do sistema de transportes coletivos que apresenta problemas diversos, descortinando uma realidade de dificuldades no contraponto aos aparatos normativos que vem sendo construídos no Brasil nas últimas décadas, assentados em direitos e na perspectiva do envelhecimento ativo; quadro que enseja a necessidade de que os direitos legalmente constituídos se façam realidade no universo da mobilidade dos idosos de forma que sua(s) diferença(s) sejam respeitadas pelo Estado e pelos citadinos em geral. Palavras-Chaves: Envelhecimento. Mobilidade Urbana. Idosos. ABSTRACT Analysis of the normative parameters and the condition of urban mobility of the elderly in Teresina, built as part of a research aimed at clarifying the difficulties of this segment in the use of public transport, the purpose of commuting and the more general enjoyment of the city. The reflections were produced from documentary analysis and
1 Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal do Piauí. E-mail: [email protected]. 2 Doutora em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora da Universidade
Federal do Piauí (Departamento de Serviço Social e Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas). E-mail: [email protected].
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observation of circulation spaces and bus stops in the city. The partial results indicate a low mobility of the elderly in Teresina, anchored in the precarious enjoyment of the public transport system that presents different problems, unveiling a reality of difficulties in counterpoint to the normative apparatus that has been built in Brazil in the last decades, based on rights and in the perspective of active aging; a framework that calls for the need for legally constituted rights to become a reality in the universe of mobility for the elderly so that their difference (s) are respected by the State and by citizens in general. Keywords: Aging. Urban mobility. Seniors.
INTRODUÇÃO
A mobilidade urbana e o funcionamento do sistema de transportes públicos em
Teresina, tem sido objeto de preocupações e gerado conflitos e debates ao longo das
últimas décadas, em especial de usuários do sistema que reivindicam mudanças que
qualifiquem os equipamentos públicos e serviços de transportes coletivos na cidade,
democratizando o acesso e barateando os custos. Mas, se as condições do sistema não
se revelam satisfatórias vista de um ângulo mais geral dos usuários dos serviços de
transportes públicos, o que se observará se a “lupa investigativa” for dirigida para um
grupo etário particular, os idosos? Afinal, nem todas as faixas geracionais usufruem dos
serviços de transportes e do direito à cidade, de forma a deslocarem-se nas mesmas
condições; os idosos, como segmento que demanda atenção especial é, em geral, sujeito
às situações diversas de desconforto, descaso e exclusão.
Foi com atenção nessa especificidade da questão urbana em Teresina, capital do
Piauí, que nasceu o propósito de analisar a mobilidade urbana de idosos pobres na
cidade considerando suas dificuldades no uso de transportes coletivos, a finalidade dos
deslocamentos e o usufruto mais geral da cidade, visto que são notórias as dificuldades
das pessoas idosas para viver e deslocar-se, convivendo diariamente com violação de
seus direitos no uso do transporte público urbano. São observáveis condutas abusivas,
seja do setor privado que oferece os serviços, seja do Estado ou da sociedade de modo
geral, por vezes pouco atentos a desrespeitos como, por exemplo, ao espaço a eles
reservado dentro dos ônibus; às condições dos pontos de parada, nem sempre
estabelecidos com abrigos adequados para reduzir a exposição ao sol ou chuva; as
condições e frequência dos transportes públicos que na maioria das vezes demoram em
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demasia e estão lotados e desprovidos de climatização. E, conforto térmico com
transporte climatizado se faz essencial para pessoas que residem em Teresina pois a
capital apresenta uma das temperaturas urbanas mais elevadas do Brasil.
No que diz respeito aos procedimentos e técnicas de pesquisa A pesquisa vem
sendo conduzida a partir do uso de análise documental, da observação assistemática
dos espaços de mobilidade dos idosos e da aplicação de questionários junto aos idosos
atendidos nos Centros de Referência da Assistência Social da cidade3. No presente
trabalho exploramos achados oferecidos pelas duas primeiras técnicas de pesquisa, já
que mesmo já tendo obtido aprovação do comitê de ética em Pesquisa para realizar a
aplicação dos questionários, não podemos ainda realizar tal procedimento em face do
início do processo pandêmico que impeliu todos ao isolamento social.
Assim, nas páginas seguintes, apresentamos os resultados parciais da aludida
pesquisa e que gerou, entre outras, uma análise dos parâmetros normativos das
políticas em questão4 e da realidade da mobilidade dos idosos pobres, sendo este o foco
da primeira seção. Na sequência, dirigimos nossa atenção para a realidade de Teresina
de forma a especificar as condições de (i)mobilidade da pessoa idosa na cidade,
apontando alguns problemas e os desafios desse segmento para poder exercer o direito
à cidade e deslocamento saudável nos transportes coletivos urbanos.
2 ENVELHECIMENTO ATIVO E MOBILIDADE URBANA: marcos normativos e realidade no Brasil
O desenvolvimento das cidades está associado às possibilidades de mobilidade
para que os cidadãos possam desenvolver suas distintas atividades no espaço urbano.
Mobilidade não envolve somente o ato de deslocar-se, mas considera as condições do
deslocamento e as particularidades de quem se desloca, envolvendo também outras
políticas (assistência social, saúde, transportes, desenvolvimento urbano), objetivando
o acesso à cidade em uma perspectiva de garantia de direitos.
3 Pesquisa devidamente aprovada para realização conforme parâmetros nacionais de pesquisa com seres humanos, tendo obtido aprovação do Comitê de ética em Pesquisa da UFPI. 4 Embora nos eximamos aqui de tratar da Política Nacional de Mobilidade Urbana em razão da temática eleita para a presente comunicação.
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Nessa perspectiva, é fácil compreender que a pessoa idosa apresenta, em geral,
maior probabilidade, tal como os portadores de deficiência, de encontrarem
dificuldades nos transportes urbanos coletivos, demandando atenção especial dos
serviços públicos e da sociedade em geral. Nesse sentido, é que Vasconcelos (2012)
afirma que a mobilidade das pessoas é influenciada, principalmente, por idade, condição
física, gênero, escolaridade e, logicamente, renda pessoal ou familiar. Assim, as pessoas
em idade “produtiva”, ou seja, mais envolvidas com o trabalho e a escola, são as que
saem mais de casa, que mais se deslocam na cidade, já os idosos, ao contrário, tendem
a sair menos.
E, não há dúvidas quanto à importância do transporte público urbano na
promoção da mobilidade para a população, e sobretudo, para os idosos pobres, logo, as
cidades precisam se preparar para garantir o direito fundamental de ir e vir dos idosos,
contribuindo para o envelhecimento ativo. Para Blanco, Castilho, Blanco e Cortez (2014,
p.143),
Com o envelhecimento populacional, algumas necessidades públicas como transporte e saúde são necessárias para o melhor atendimento da população idosa. A mobilidade é um dos fatores responsáveis pela qualidade do envelhecimento do indivíduo, pois garante manutenção da atividade cotidiana e a autonomia dos idosos. Esta mobilidade urbana é experimentada pela utilização do transporte coletivo urbano, sendo que este sistema é um dos serviços públicos que precisa ser melhorado para atender a demanda de seus usuários idosos.
São imensos os óbices para as pessoas idosas em seus deslocamentos,
especialmente se for pobre, já que, em geral, precisam conviver com um sistema viário
precário, ruas esburacadas, paradas de ônibus sem conforto, e ainda concorrer com
pessoas competidoras por lugares mais confortáveis nos ônibus, desprovidas de
educação para cidadania e consciência de sua situação específica e, provavelmente o
que se apresenta mais grave, precisam lidar com serviços de precária qualidade, com
operadores do sistema de transporte que não respeitam sua condição particular e, em
geral, desconhecedores dos instrumentos normativos que deviam orientar suas ações.
Como parte dessa realidade cresceram os projetos, programas de inserção e
estímulo a uma vida saudável, desmontando as imagens da “terceira idade” como
momento de reclusão e inatividade e apontando para a promoção do envelhecimento
ativo, entendido tal como o preconiza a Organização Mundial de Saúde, como “o
processo de otimização das oportunidades de saúde, participação e segurança, com o
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objetivo de melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas ficam mais velhas”
(WHO, 2005, p.13).
A abordagem do envelhecimento ativo baseia-se no reconhecimento dos direitos humanos das pessoas mais velhas e nos princípios de independência, participação, dignidade, assistência e autorrealização estabelecidos pela Organização das Nações Unidas. Assim, o planejamento estratégico deixa de ter um enfoque baseado nas necessidades (que considera as pessoas mais velhas como alvos passivos) e passa ter uma abordagem baseada em direitos, o que permite o reconhecimento dos direitos dos mais velhos à igualdade de oportunidades e tratamento em todos os aspectos da vida à medida que envelhecem. Essa abordagem apoia a responsabilidade dos mais velhos no exercício de sua participação nos processos políticos e em outros aspectos da vida em comunidade (WHO, 2005, p.14, grifo nosso).
O Brasil produziu significativo número de leis atentas aos direitos da pessoa
idosa, indicando o avanço da preocupação com esse segmento geracional. A Política
Nacional do Idoso (PNI), promulgada em 1994 e regulamentada pelo Decreto n°1948,
de 03 de junho de 1996, que “assegura direitos sociais à pessoa idosa, ao criar condições
para promover sua autonomia, sua integração e sua participação efetiva na sociedade”
(BRASIL, 2010). Na sequência, foi definida a Lei No 10.098 de dezembro de 2000 que
estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das
pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, entendendo pessoa
com mobilidade reduzida como “aquela que tenha, por qualquer motivo, dificuldade de
movimentação, permanente ou temporária, gerando redução efetiva da mobilidade, da
flexibilidade, da coordenação motora ou da percepção”, incluindo-se idoso, gestante,
lactante, pessoa com criança de colo e obeso” (BRASIL, 2000).
Nesse processo de garantir direitos, emerge a Lei n° 10.741, de 2003, conhecida
como o Estatuto do Idoso, que regula os direitos das pessoas com idade igual ou superior
a 60 anos, tendo gerado debates e iniciativas no âmbito da sociedade e do Estado em
prol da efetivação desses direitos de forma a gerar novas demandas de caráter
normativo na defesa desse segmento. Foi assim que no ano de 2017, a Comissão de
Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei
7061/17, que altera o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03) para incluir a garantia da
mobilidade urbana entre os direitos fundamentais das pessoas com idade igual ou
superior a 60 anos. O texto aprovado obriga o poder público a garantir que os idosos
tenham mobilidade enquanto pedestres, motoristas ou usuários de transporte público.
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O projeto determina ainda que as políticas de mobilidade urbana deverão
garantir a adaptação dos equipamentos urbanos necessários para assegurar que o
deslocamento dos idosos seja realizado de modo confortável, seguro e eficiente; tal
alteração constituindo-se de extrema relevância, uma vez que o aumento da esperança
de vida traz alguns desafios, dentre eles o direito a mobilidade urbana para essa camada
da população idosa.
Outro marco relevante em relação a mobilidade aconteceu em 2019, quando o
senado Federal aprovou o projeto de lei (PL) nº 402/2019, que cria o Programa Cidade
Amiga do Idoso e tem como objetivo incentivar municípios a adotarem medidas para o
envelhecimento saudável e para aumentar a qualidade de vida da pessoa idosa; dentre
as medidas destaca-se a efetividade da política de mobilidade nas cidades.
Esses instrumentos normativos são de extrema relevância em face do desafio
cotidiano dos idosos nas cidades brasileiras. Assim, o Brasil das últimas décadas vem
avançando na produção de leis e benefícios mais gerais visando a garantia de direitos
aos idosos, como a ampliação da participação garantindo-se a esse segmento espaços
públicos que possam pautar suas demandas e conferindo a eles a prioridade nos
estabelecimentos. Somam-se a isso descobertas científicas promissoras no campo da
saúde e da tecnologia que vem apontando para um incremento da população idosa,
alterando o perfil demográfico brasileiro. Segundo o Secretário de Vigilância em Saúde
do Ministério da Saúde, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) até 2025 “o
Brasil será o sexto país do mundo em número de idosos”. Ele relembra que “entre 1980
e 2000 a população com 60 anos ou mais cresceu 7,3 milhões, totalizando mais de 4,5
milhões em 2000”, aumentando também acentuadamente a expectativa média de vida,
que precisa ser acompanhada “pela melhoria ou manutenção da saúde e qualidade de
vida” (WHO, 2005, p.3).
Essa estimativa promissora coloca para o país desafios imensos ligado à
infraestrutura urbana e aos serviços de transportes coletivos nas cidades onde ainda são
expressivos problemas variados que dificultam a mobilidade dos idosos. O mesmo
documento da OMS destaca os fatores determinantes relacionados ao ambiente físico
Ambientes físicos adequados à idade podem representar a diferença entre a independência e a dependência para todos os indivíduos, mas especialmente para aqueles em processo de envelhecimento. Por exemplo, pessoas idosas que moram em ambientes ou áreas de risco com múltiplas barreiras físicas
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saem, provavelmente, com menos frequência, e, por isto, estão mais propensas ao isolamento, depressão, menor preparo físico e mais problemas de mobilidade. [...] Serviços de transporte público acessíveis e baratos são necessários em áreas rurais e urbanas, de modo que pessoas de todas as idades possam participar integralmente na vida da família e da comunidade. Isso é especialmente importante para os idosos com problemas de mobilidade. Os perigos no ambiente físico podem causar lesões incapacitantes e dolorosas nos idosos, e as mais frequentes são decorrentes de quedas, incêndios e batidas de automóveis (WHO, 2005, p.27).
Com efeito, as quedas são riscos imensos aos idosos; algumas obviamente são
relacionadas a fatores próprios da pessoa em face da perda da massa muscular, mas
muitas, são devido a problemas urbanos, como calçadas quebradas, ruas esburacadas,
entre outros. Diante dessas situações, os idosos pobres e usuários dos serviços de
transportes coletivos são inclinados a reclusão, ao espaço restrito da casa, ao
recolhimento domiciliar ante a imensa dificuldade de locomovem-se em face de
problemas de infraestrutura urbana e da precariedade dos serviços de transporte; estes
produzindo sérios efeitos como a imobilidade ou baixa mobilidade, reduzindo as
possibilidades de um envelhecimento ativo.
Preocupado com os desafios das cidades em face do envelhecimento da
população Carvalho afirma (2016a, p.14) a necessidade de “dotar os sistemas de
transporte em geral com características específicas para atender pessoas com
dificuldade de locomoção”. Segundo ele, “a quantidade de pessoas com dificuldades de
locomoção circulando pela cidade aumentará bastante” demandando “veículos sem
degraus, calçadas e equipamentos mais acessíveis, pontos de paradas e terminais bem
dimensionados e projetados no conceito de acessibilidade universal, entre outras
medidas” que, embora sejam cada vez mais necessárias, são pouco representadas nos
orçamentos públicos dos três níveis.
Destarte, essa nova realidade populacional no Brasil aponta para diversas
transformações necessárias no âmbito do desenvolvimento urbano, em face de
expressões perversas da questão social no cotidiano dos idosos expressas no descaso e
falta de mobilidade nas cidades, no desemprego, no sistema de transporte coletivo sem
qualidade, nas habitações inadequadas, na falta de respeito nos espaços públicos e na
violência, inclusive institucional, a que são submetidas muitos idosos.
Nesse contexto, a OMS (WHO, 2005) chama atenção para a urgência de ações
integradas que possibilitem melhorar a qualidade de vida das pessoas que envelhecem,
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sendo então, de extrema importância os projetos estruturados a partir de um modelo
em que o idoso esteja envolvido e seja parte atuante, isto é, criar espaços de discussão
que confira voz ao idoso de modo que estes conquistem um envelhecimento ativo e
saudável e possam usufruir da cidade com acesso a infraestrutura e serviços de
mobilidade adequados. Acompanhando a realidade do envelhecimento da população,
cresce a utilização dos sistemas de serviços públicos pelos idosos, o que demonstra a
importância da política nacional de mobilidade urbana para a manutenção da
autonomia e independência destas pessoas.
De acordo com Oliveira et al. (2012), a qualidade do envelhecimento de uma
pessoa está fortemente ligada à sua mobilidade, podendo esta ser influenciada pela
qualidade das vias de pedestres e dos transportes coletivos. Quando há barreiras, como
degraus, calçadas malconservadas, faixas de pedestres mal sinalizadas, entre outros,
reduzem-se as possibilidades de vida e usufruto saudável da cidade. Nesse mesmo
diapasão, está a contribuição de Santos et al. (2017, p. 162), que afirmam que ser
necessário para o envelhecimento mais ativo da população “ambientes que lhes
apoiem, não havendo barreiras físicas que lhes desestimulem a saírem de casa, sendo
necessário o desenvolvimento de um sistema de transporte público e de ruas e avenidas
que atendam às especificidades do idoso”.
Realizando pesquisa sobre os meios de deslocamentos dos idosos, Fernandes
(2000), constatou que em território nacional cerca de 64% dos idosos têm como
principal meio de transporte o ônibus coletivo. Entretanto, no Brasil os serviços de
transporte coletivo não atendem às necessidades e peculiaridades desta faixa etária,
apresentado problemas diversos como a altura dos degraus a dificultar o embarque e
desembarque, gerando por vezes acidentes, a falta de atenção dos motoristas às
paradas de ônibus que dificultam a utilização do transporte coletivo pelos idosos, a
ocupação por parte de jovens e adultos dos assentos prioritários
Contudo, é importante destacar que, no intuito de melhorar esses serviços foram
efetivados direitos com vistas a facilitar o uso dos transportes coletivos, dentre eles a
gratuidade para as pessoas com idade superior a 65 anos; os 10% dos assentos
prioritários, o transporte coletivo interestadual de forma gratuita, o embarque
prioritário para os idosos e o porcentual de vagas reservadas nos estacionamentos
públicos e privados (OLIVEIRA et al., 2012).
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Entretanto, essas garantias normativas demandam ainda maturidade política no
interior da sociedade civil, dos governos e das empresas de capital privado,
especialmente as que estão diretamente relacionadas aos transportes. Conforme
Carvalho (2016b, p.360),
o desafio maior é transformar o arcabouço legal aprovado recentemente, com avanços significativos, em estruturas de mobilidade que efetivamente venham trazer ganhos para a população, principalmente em termos da redução das externalidades negativas e da melhoria das condições de mobilidade das pessoas.
Segundo a OMS (WHO, 2005) existe urgência no desenvolvimento de ações que
tenham como objetivo contribuir para o envelhecimento ativo da população, de forma
a resultar em autonomia e inclusão na vida social. E, considerando essas
intencionalidades, se fazem-se necessárias mudanças substanciais na implantação e
implementação de serviços e ações com vistas a favorecer a mobilidade dos idosos nas
cidades, sendo necessário a efetivação do que já está garantido normativamente de
forma a proporcionar aos idosos acessos aos seus direitos constitucionalmente
reconhecidos, sobretudo o direito de se locomover nas cidades com qualidade.
3 CONDIÇÕES DE (I)MOBILIDADE DA PESSOA IDOSA EM TERESINA
Teresina é, reconhecidamente uma cidade com desafios imensos quando a
questão é a mobilidade urbana, apresentando problemas de longa data, mas que “vem
se agravando nos últimos dez anos”, como atesta um dos documentos municipais mais
recentes (TERESINA, 2015)5, que, retomando análises do Plano Diretor de Transporte e
mobilidade urbana de 2008 afirma que esse agravamento “penaliza mais os usuários do
ônibus, já que, numa primeira observação, o tempo médio de viagem deste tipo de
transporte coletivo (68 minutos) é mais elevado do que o do transporte motorizado
individual (21 minutos)”6.
No que tange aos aspectos demográficos, a capital do Estado do Piauí apresenta
uma população estimada em 2019 de 864.845 pessoas. No último levantamento
5 Conforme o prefeito municipal, a AGENDA TERESINA 2030 é um esforço de planejamento orientado para um período de 15 anos, portanto, de longo prazo (TERESINA, 2015, p. 7). 6 Convém informar que embora os dados municipais relativos à mobilidade não sejam recentes, utilizados pela prefeitura não dispomos de pesquisa recente de forma a atualizar os dados que constam nessa comunicação.
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censitário (2010), a cidade registrava 814.230 pessoas, com densidade demográfica de
584,94 hab/km² e taxa de urbanização de vias públicas de 5,8% (IBGE, 2020). Todavia,
como assevera a agenda 2030, “como parte da Rede Integrada de Desenvolvimento
Econômico (RIDE), a cidade serve como portão de entrada para visitações aos demais 14
municípios da RIDE, que se localizam até 100 km de alcance” (TERESINA, 2015, p.99)7.
Constituindo-se como polo dessa RIDE, entre outras características que a tornam
referência para atrair migrações e deslocamentos diversos de outras cidades e Estados,
Teresina, por força de apresentar significativo número de equipamentos e serviços na
área da Saúde configura-se como uma referência importante e polo atrator de pessoas,
demandando como afirmam Sousa, Perez e Viana (2020), um sistema de transportes
interligado que permita o deslocamento intraurbano satisfatório para seus habitantes,
que em grande parte, dependem do transporte coletivo. As autoras relembram ainda
que a demanda por transportes e mobilidade urbana é de longa data e uma das questões
que pautam os diferentes movimentos sociais na cidade, em especial os estudantis e
populares.
Segundo dados do plano diretor de transporte e mobilidade urbana (TERESINA,
2008), os idosos têm baixa mobilidade, para o quais se pensa nas possibilidades de
apresentarem dificuldades físicas, estarem inativos ou aposentados; contudo, um fator
que merece ser mencionado diz respeito as condições de mobilidade urbana que o idoso
encontra ao deslocar-se na cidade, uma vez que 50,4 % das pessoas idosos com idade
acima de 60 anos realizam suas viagens em ônibus, que sua por sua vez apresentam na
maioria das vezes péssimas condições de mobilidade, seja pela falta de segurança e
estrutura nos pontos de parada, seja pela lotação nos coletivos, seja ainda em face da
falta de climatização desses meios de transportes, o que indica, de saída, que a
imobilidade ou precária mobilidade dos idosos pode estar relacionada a fatores
determinantes do ambiente físico.
O documento ainda indica, que a taxa de imobilidade, entendida como “não
realização de deslocamentos fora de casa, ou seja, a falta de solicitação de infraestrutura
física e dos meios de transporte pelas pessoas” cresce com a faixa etária; assim, crianças,
7 Compõe também a RIDE Grande Teresina, a cidade de Timon, no Estado do Maranhão, que margeando a capital do Piauí, com ela estabelece relações muito próximas, configurando-se como área conurbada e com significativa atividade de migração pendular entre elas em atividades de trabalho, moradia ou usufruto de serviços.
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jovens e adultos tendem a se deslocar mais e os idosos são a parcela da população
teresinense que apresenta maior índice de imobilidade com 60,3%, tendo a cidade uma
taxa de imobilidade geral de 31,9% (TERESINA, 2008, p.27).
Todavia, ao retomar essas informações do Plano diretor cientes estamos que a
realidade atual exige atualização do diagnóstico e mesmo das ações apontadas para
enfrentar os problemas. Após a definição do plano, ocorreram fatos que redirecionaram
ações e a lentidão com que foram implementadas algumas mudanças no sistema de
transportes de Teresina indicaram a necessidade de serem repensados8. Assim,
entendendo que nos últimos anos foram realizadas muitas mudanças no sistema viário
e nos serviços de transportes coletivos, ainda é de fácil observação a insegurança nos
pontos de transbordo e mesmo no interior dos ônibus, entre muitas outras queixas
apontadas por usuários do sistema em geral, permanecendo os idosos como a faixa
geracional mais atingida pela dificuldade de mobilidade.
Sendo indiscutível que a circulação é fator indispensável no contexto urbano, há
que repensá-la de forma a democratizar a cidade e favorecer a mobilidade de todas as
pessoas independentemente da idade, mas reconhecermos que a condição da pessoa
idosa, exige dos planejadores do Estado e da sociedade em geral, posicionamentos
atentos às diferenças, em prol de uma cidade onde todos possam usufrui-la a contento.
É comum ouvirmos reclamações de usuários em transportes coletivos de
Teresina, que avaliam suas condições de mobilidade prejudicadas, pois precisam
conviver diariamente com ruas com congestionadas e superlotação de veículos (carros,
motos, ônibus e bicicletas) que disputam espaço entre si e com pedestres, carroças e
barracas de ambulantes. Os usuários do sistema (sejam crianças, jovens, adultos ou
idosos) precisam conviver com ruas esburacadas, ônibus lotados e por vezes sem
climatização, com paradas inadequadas, com a falta de iluminação, com a segurança nas
ruas, dentre outros problemas urbanos que obviamente levam os indivíduos a baixa
mobilidade, sobretudo, os idosos pobres já que a velhice é uma fase que apresenta
particularidades tendo os idosos maior probabilidade de apresentarem dificuldades
físicas, motoras e, consequentemente, requerem um olhar diferenciado por parte dos
8 Não podemos tecer aqui maiores considerações sobre o processo de integração das linhas e as intercorrências e conflitos em torno da temática dos transportes e da mobilidade urbana de Teresina. Contudo, sugerimos a leitura de: Sousa, Perez e Viana (2020) e Sousa Neto e Oliveira (2019).
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gestores das políticas públicas e da sociedade civil, sobretudo se tem em foco as
orientações mais gerais em prol de um envelhecimento ativo.
4 CONCLUSÃO
Entendemos a mobilidade urbana como uma política fundamental no
desenvolvimento de uma cidade, pois constitui-se por um conjunto de sistemas
correlacionados, congregando equipamentos, infraestruturas de transporte,
comunicação, circulação e distribuição, tanto de objetos quanto de pessoas. Mas, os
citadinos têm gênero, classe, raça/etnia, localizações específicas quanto à moradia e
idades diversas. Logo, a mobilidade urbana deve ser tratada como política pública de
grande relevância e deve considerar a diversidade de situações e necessidades dos
usuários dos sistemas e equipamentos urbanos para que, de fato, venha a contribuir
para efetivamente promover o direito à cidade e o respeito às condições singulares de
seus cidadãos.
Em relação à mobilidade dos idosos que vivem em Teresina, as aproximações de
campo e os esforços para analisar as produções documentais públicas e bibliográficas a
respeito da questão indicam que é grande a imobilidade desse segmento e que a quando
se desloca o faz principalmente utilizando ônibus, indicando ser também significativa a
pobreza urbana na cidade.
Esse é um cenário que descortina a realidade de precarização desses serviços,
mesmo em um contexto de expansão das políticas voltadas para o envelhecimento ativo
e o incremento dos marcos normativos que preconizam direitos aos idosos no Brasil.
Porém, leis não garantem as políticas no cotidiano das cidades, embora elas sejam
absolutamente necessárias com vistas a proporcionar à população idosa maior acesso
para realização de suas atividades. É dever do Estado dispor de infraestrutura nas
cidades de modo a facilitar a mobilidade de todo cidadão e, de modo especial, o cidadão
idoso, que em face das mudanças naturais da fisiologia do corpo no envelhecimento,
demanda um olhar diferenciado para si e medidas específicas que contribuam para o
envelhecimento ativo e o usufruto democrático da cidade, evitando assim agravos ou
doenças psicossomáticas por conta do isolamento ou imobilidade.
Assim, entendemos que a baixa mobilidade dos idosos em Teresina, expressa por
afirmações como a que intitula da presente comunicação: “eu quase não saio de casa”
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está ancorada no usufruto precário do sistema de transporte coletivo que apresenta
problemas diversos (ônibus ou metrô insatisfatórios e desconfortáveis, grande tempo
de espera nas paradas, lotação acima da normalidade, calor excessivo, entre outros),
além da insatisfatória educação para a cidadania no universo das pessoas que circulam
nos ônibus, dado a problemas como: cadeiras de idosos ocupadas por pessoas que
poderiam delas se abster, motoristas que “não enxergam idosos” nas paradas, falta de
sensibilidade nos locais de espera, além da precária atenção conferida a especialidade
desse segmento pelo poder público, na medida em que, enquanto regulador do sistema,
não o gerencia de forma a induzir qualidade nos serviços urbanos de mobilidade e
transporte, de maneira a promover qualidade nos deslocamentos e transportes dos
idosos na cidade e que eles possam usufrui-la, tendo o direito a sua(s) diferença(s)
respeitados pelos citadinos em geral.
REFERÊNCIAS
BLANCO, P. H. M.; CASTILHO, M. M.; BLANCO, T. H. M.; CORTEZ, L. E. R. Mobilidade urbana no contexto do idoso. Revista Cesumar: Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, v.19, n.1, p. 143-155, jan./jun. 2014. BRASIL. Presidência da República. Lei No 10.098 de 19 de dezembro de 2000. Normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida. 2000. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e combate à fome. Política Nacional do Idoso. Brasília, 2010. CARVALHO, C. H. R. de. Desafios da Mobilidade Urbana no Brasil. Texto para discussão. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Brasília: Rio de Janeiro: Ipea, n.2198. 2016a. CARVALHO, C. H. R. de. Mobilidade urbana: avanços, desafios e perspectivas. In: COSTA, M. A. (org.). O Estatuto da Cidade e a Habitat III: um balanço de quinze anos da política urbana no Brasil e a Nova Agenda Urbana. Brasília: Ipea, 2016b, p. 345-361. FERNANDES, J. C. Urbanismo e envelhecimento: algumas reflexões a partir da cidade de Uberlândia. Caminhos de Geografia, v. 1, n. 2, p. 31-49, 2000. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pi/teresina/panorama. Acesso em: 15.jun.2020.
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EIXO TEMÁTICO 10 | QUESTÃO AGRÁRIA, URBANA E AMBIENTAL
A CRIMINALIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS: indicações sobre o MST
THE CRIMINALIZATION OF SOCIAL MOVEMENTS: indications about the MST
Esther Diniz dos Santos1
RESUMO O presente artigo tem por objeto a criminalização dos movimentos sociais, destacando o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), tendo para o Estado, papel de destaque. Traz elementos de configuração desta criminalização, em especial no que se refere à luta pela terra, tendo como referência governos recentes. Apresenta aspectos do processo de luta pela reforma agrária feita pelo MST, no âmbito da luta por direitos. Considera o Estado como protagonista na criminalização das lutas sociais, especialmente as lutas camponesas, sendo o MST importante expressão, e que este tem na organização sua estratégia de resistência. Palavras-Chaves: Criminalização, Estado, Movimentos Sociais ABSTRACT The purpose of this article is to criminalize social movements, highlighting the Landless Rural Workers Movement (MST), having a prominent role for the State. It brings elements of configuration of this criminalization, especially with regard to the struggle for land, having as reference recent governments. It presents aspects of the process of struggle for agrarian reform carried out by the MST, within the scope of the struggle for rights. It considers the State as a protagonist in the criminalization of social struggles, especially peasant struggles, the MST being an important expression, and that it has its resistance strategy in the organization. Keywords: Criminalization, State, Social Movements
1 Graduanda em Serviço Social do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-Mail: [email protected].
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INTRODUÇÃO
Este artigo tem o intuito de refletir sobre o processo de criminalização dos
movimentos sociais enquanto processo histórico brasileiro, expresso através de meios
repressores do Estado desde os momentos das rebeliões dos escravizados até o
momento atual, com a configuração política e econômica neoliberal implantada nas
últimas décadas na realidade brasileira. Considerando criminalizar como a ação de
transformar em crime; considerar ou tratar como crime, esse ato vem tomando vigor no
Brasil, de forma especial contra os movimentos sociais e suas lideranças, em destaque
os movimentos rurais e defensoras e defensores dos direitos humanos, mesmo havendo
distinções de intensidades, instituições, autores e instrumentos utilizados.
É possível perceber como o Poder Jurídico se posiciona diante à criminalização
dos movimentos sociais, inclusive utilizando a mídia para manifestar seu repúdio em
relação às manifestações democráticas. Esse processo de criminalização dos
movimentos sociais acontece, também, através de outros meios de controle que a classe
dominante mantém, como por exemplo, a violência e a cooptação, visando, com isto,
barrar as lutas sociais por direitos. O capital exerce grande domínio sobre o Estado, que
utiliza mecanismos repressores de forma seletiva contra os movimentos, como
inquéritos, prisões e ações criminais. O meio mais utilizado para expressar o modelo
repressor do Estado são as prisões contra as lideranças dos movimentos, o que tem se
intensifica na conjuntura atual.
Os meios para minimizar a luta e resistência dos movimentos sociais são diversos
e se tornam cada vez mais concretos no campo da legalidade. Assim sendo, os
movimentos sociais criam estratégias para dar continuidade aos seus processos da luta.
É nesse contexto que abordaremos o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST),
destacando-se por seu processo de organização, resistência e luta. O MST é um
movimento que tem como objetivo a reforma agrária reivindicando a mudança na
estrutura agrária, visando não apenas conquistar a terra, mas criar caminhos e
organizações para permanência das famílias na mesma. Para tanto, tem como estratégia
a ocupação de terra e a educação do campo.
A concentração de terra constitui elemento histórico no Brasil, sendo um
determinante da pobreza e da desigualdade social que caracteriza o país desde o
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período colonial aos dias atuais. No antagonismo sócio político estabelecido, os
movimentos cumprem papel de confrontar a opressão do capital, assumindo o MST,
papel particular na luta pela terra, questionando o modelo de desenvolvimento adotado
pelo Estado brasileiro, especialmente no que se refere ao campo.
O artigo constitui pesquisa bibliográfica e tem como objetivo esse contexto,
seguindo uma pesquisa teórica, o objetivo desse artigo é fazer algumas reflexões sobre
o processo de criminalização contra os movimentos sociais, em particular o MST. Feita
uma revisão bibliográfica, o artigo encontra-se organizado em dois itens além desta
introdução e das considerações. O primeiro refere-se à criminalização dos movimentos
sociais, demarcando aspectos históricos desse processo; e o segundo expõe a
organização, luta e resistência do Movimento, destacando alguns meios utilizados pelo
Movimento para fazer luta e resistência. Considera que o Estado cumpre estratégico
papel na criminalização deste Movimento, que tem em sua dinâmica organizativa sua
estratégia de luta.
2 CRIMINALIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS: uma recorrência do Estado
Os movimentos sociais, em sua essência, enquanto ação coletiva, constitui grupo
definido por uma assimilação de identidade, ideologia ou cultural que busca assegurar
seus direitos (GOHN, 2006). Como processo histórico, os movimentos sociais adquirem
o significado de luta e resistência, e isto, na era capitalista, por conta das manifestações
da classe proletária, a exemplo da organização dos trabalhadores a partir da revolução
industrial.
É possível compreender os diversos movimentos sociais no território brasileiro
no decorrer da sua historicidade diante de repressão e desigualdade social. Dessa forma,
os movimentos tomam destaques a partir da década de 1960, sendo que os movimentos
rurais camponeses só a partir da década de 1980 que começaram a ganhar força, com o
apoio da igreja católica e de partidos políticos, como por exemplo o Partido dos
Trabalhadores (PT). Neste momento se intensifica o processo de modernização do
campo, com a agudização da degradação dos recursos naturais, a concentração
fundiária, a migração rural, as transformações dos sistemas de produção e de relações
sociais.
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O interesse em criminalizar os movimentos sempre existiu no Brasil, o que
acontece desde o momento da repressão às rebeliões dos escravos, ainda no período
colonial, até os dias de hoje. As estratégias adotadas são no sentido de impossibilitar
qualquer tipo de organização, resistência ou luta, impedindo a livre expressão, própria
do exercício da cidadania garantida na Constituição Federal de 1988.
Nesse sentido, esse processo ganha vigor e fortalecimento no modelo político e
econômico neoliberal e ultra conservador implantado no país, impedindo o diálogo
entre o governo e os movimentos sociais de caráter popular. No caso da luta pela
reforma agrária, há a negação de sua dimensão política, enquanto expressão da questão
social, sendo tratada como caso policial, muitas vezes sendo encaminhada Poder
Jurídico, que, em geral, a considera como crime.
Assim, o Estado utiliza seus próprios do próprio Estado para controlar a
sociedade. Nessa perspectiva, funciona como uma “mão longa” para a classe
dominante, visto que nele que esta classe se expressa com grande poder e, dessa forma,
busca sempre atender seus interesses, o que exige a manutenção da ordem vigente,
sendo para isto, imprescindível seu papel de mediador junto à classe trabalhadora, o
que acontece em forma de conciliação ou de repressão.
O capital quando se sente ameaçado busca instrumentos para se assegurar,
assim, adota como uma de suas estratégias, propagar sua ideologia, o que acontece
através de mecanismos que pertencem ao poder público e a domínios particulares.
Importante observar que esta ideologia não é apenas um conjunto de ideias, mas
também de práticas que podem ser encontradas em diversos setores sociais, o que
permite a execução do domínio social e consequentemente a exploração social.
(ALTHUSSER,1999). No entanto, a despeito dos mecanismos ideológicos da classe
dominante, a organização e luta pela terra e pela reforma agrária imprimiu ao longo dos
tempos conquistas que se expressam em ações governamentais.
Tendo como marco os governos militares, o Estado adota ações e planos no
sentido de pautar a reforma agrária. No período ditatorial, em resposta aos conflitos
existentes no campo, houve iniciativas de reforma agrária. Neste sentido, cita-se a
criação do Estatuto da Terra, assim como órgãos como a Instituto Brasileiro de Reforma
Agrária (IBRA) e o próprio Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA),
que constitui hoje, órgão máximo para este fim. Mas, se por um lado houve iniciativas
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de reforma agrária, por outro aconteceram ações de criminalização e repressão das
lutas, no sentido de desmobilizar a luta no campo, utilizando de prisão e perseguição de
lideranças, a exemplo de Francisco Julião, das Ligas Camponesas.
Na era Sarney (1985-1990), foi criado o primeiro Plano Nacional de Reforma
Agrária (PNRA), em 1985, que tinha como meta assentar 1,4 milhão famílias, sendo seu
principal opositor os ruralistas, que viam nesta iniciativa riscos às suas propriedades.
Este Plano apresentava-se inovador, no momento em que preconizava a desapropriação
de terras para efeito de reforma agrária. Ou seja, “o programa básico do PNRA era o de
assentamentos de trabalhadores em imóveis desapropriáveis”. (MEDEIROS, 2003).
Porém, o governo cumpriu menos de 10% das metas do Plano, o que significa
cerca de 90 mil famílias assentadas no país em 4 anos. Tais números indicam o
descompromisso do Estado em atender às demandas das famílias camponesas que
viviam em situação de sem-terra. Ademais, neste governo os movimentos rurais
sofreram repressão e viram a expansão da concentração fundiária no país.
No governo de Fernando Collor e Itamar Franco (1990-1994) foi consolidado a
reivindicação do grupo ruralista de que o valor das desapropriações deveria ter como
base o mercado. Portanto, o governo já inicia sua gestão com o enfraquecimento de
discussões a favor da Reforma Agrária, criando metas menores que o governo anterior,
tendo sido efetuados apenas 500 assentamentos de famílias entre 1990 e 1994. O
governo de Fernando Collor foi marcado por uma forte repressão contra os
trabalhadores rurais e foi no governo do seu vice, Itamar Franco, que ocorreu a
aprovação da Lei Agrária (Lei nº8.629), impedindo o viés jurídico que possibilitasse a
desapropriação de terras.
Em seguida, no primeiro período da gestão de Fernando Henrique Cardoso
(1995-1999) foi realizada uma política de assentamento, no sentido de barrar a luta pela
reforma agrária, sendo, em termos numéricos, o governo em que mais houve
assentamento de famílias. No entendimento governamental, assentando as famílias
acampadas resolveria o problema da questão agrária, todavia, o problema não foi
resolvido, em detrimento da não modificação da questão fundiária, refletindo neste
período a expulsão de muitas famílias do campo pelo agronegócio.
Ou seja, o problema da reforma agrária não foi resolvido no governo FHC e os
movimentos de luta pela terra intensificaram suas ações, em particular o MST que,
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estrategicamente, avança nas ocupações de latifúndios. Como forma de enfrentar estas
ações publicou duas Medidas Provisórias que intencionavam a criminalização das
ocupações de terra, sendo que a primeira determinava o não assentamento das famílias
que participassem das ocupações de terra; e a segunda determinava a não vistoria das
terras ocupadas por dois anos, quando ocupadas uma vez e por quatro anos quando
ocupadas mais de uma vez. O seu governo em relação à política agrária é caracterizado
por um misto de coerção e consenso, e teve um caráter repressor para conter os
conflitos. Sua intenção era constranger a luta pela terra e em especial, o MST - que usava
as ocupações de terra como forma de pressionar o governo para o assentamento de
famílias sem-terra. Assim como usou a repressão do Estado com a força da polícia militar
nos despejos das ocupações de terra, dessa maneira, exercendo um controle sobre os
conflitos de forma repressora.
Posteriormente, o governo Lula (2003-2010), lançou o segundo Plano Nacional
de Reforma Agrária: paz, produção e qualidade de vida no meio rural (II PNRA), sendo
seu objetivo principal a segurança alimentar, que se refere a um conceito de oferta não
apenas quantitativa, mas qualitativa de alimentos, observando a origem e qualidade do
que é consumido. Uma das principais características do governo Lula foi o diálogo com
os movimentos camponeses, dentre eles o MST. Entretanto, contraditoriamente, criou
uma nova política agrária que ocasionou o retrocesso da luta pela terra e da reforma
agrária. Neste sentido, manteve relações de apoio ao agronegócio, mesmo que o
mesmo estivesse expropriando as terras camponesas.
A política do governo Lula de fazer a reforma agrária por regularização fundiária
ocasionou um empecilho a organização dos movimentos, como o MST, responsável por
63 por cento de 583 mil das famílias em ocupações no período de 2000 a 2007. Nesse
governo houve o uso da violência policial, mas não com a mesma intensidade e
cooptação dos governos anteriores, a repressão utilizada tem destaque no campo
legislativo com a Bancada Agrária - ação do agronegócio - e a mídia, fortalecendo a
disseminação do crime a violência.
Ainda na era PT, a política da Dilma (2011-2015) em relação aos movimentos
sociais, em particular no campo, seguiu não utilizando a força do Estado no seu poder
maior, mas se destacou ao realizar medidas que se tornaria um grande risco para a
democratização da sociedade. Ao sancionar a lei antiterrorista em 2016, agravou um
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grande risco em relação às margens de interpretações sobre os movimentos sociais,
facilitando o aumento da criminalização dos manifestantes e manifestações, por ter um
cunho repressor e político. Esse governo em relação à reforma agrária, não conseguiu
mantê-la em ascensão, teve um dos piores dados em relação às famílias assentadas e
áreas desapropriadas.
No atual governo de Jair Bolsonaro, iniciado em 2019, o confronto aos
movimentos sociais é apontado desde seu discurso no período eleitoral, quando já usava
meios de comunicação para fomentar o seu repúdio aos movimentos sociais, sobretudo
contra o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), disseminando ainda mais a
criminalização desses movimentos, e com isto provocando conflitos mais acirrados no
campo, estimulando a posse de armas por parte de grandes fazendeiros, em nome da
defesa da propriedade privada. Contudo, o MST, como um movimento de massa, torna-
se um movimento que tem como dinâmica a mobilização de pessoas para a luta do
direito à terra. Dessa forma, a sua organização constitui estratégia de resistência, sobre
o que será abordado a seguir.
3 MST: a organização como resistência
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), é um movimento social
que tem como principal objetivo reivindicar a luta pela terra. Esse movimento não se
restringe à conquista da terra e neste sentido, as famílias, após assentadas, criam
estratégias de organização para permanência na mesma, sendo o assentamento o
primeiro passo para a tal.
A reforma agrária historicamente apresenta-se como um meio de mudança na
estrutura agrária na sua totalidade. (MIRANDA, 2007). Dessa maneira, a reforma agrária
possibilita um modelo que rompe a estrutura do campo, impedindo que exista
concentração de terra e permitindo que os pequenos agricultores e sem-terra adquiram
as mesmas condições de produção de um grande agricultor, que nos dias atuais estão
assegurados no agronegócio, porém, esse modelo causaria grandes “impactos” no
âmbito político-econômico.
A concentração de terra constitui elemento histórico no Brasil, sendo um
determinante da pobreza e da desigualdade social que caracteriza o país desde o
período colonial aos dias atuais. No antagonismo sócio político estabelecido, os
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movimentos cumprem papel de confrontar a opressão do capital, assumindo o MST,
papel particular na luta pela terra, questionando o modelo de desenvolvimento adotado
pelo Estado brasileiro, especialmente no que se refere ao campo.
Na historicidade brasileira é possível pontuar o marco responsável por essa má
distribuição de terra no território na Lei de Terras, de 1850, pois a partir dela só poderia
adquirir terras quem tinha delas posse. Essa lei deu origem à grilagem de terras, além
disso, consolidou o modelo da grande propriedade rural e formalizou a base da
desigualdade social. Porém, mesmo com todo o mecanismo utilizado pelo Estado para
legalizar a propriedade privada e concentrada da terra, a organização popular construiu
historicamente seu processo de luta e reivindicando ações do Estado. São lutas contra a
exploração, contra o cativeiro da terra, contra a expropriação, contra a expulsão e
contra a exclusão, marcando assim, a história dos trabalhadores rurais.
O MST, surge em 1984, em um processo de redemocratização e reorganização
da luta agrícola, no 1° Encontro Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, realizado
em Cascavel, estado do Paraná, e é nesse cenário que percebem que para lutar pela
conquista da terra uma importante estratégia seria a ocupação, e se organiza em torno
de três objetivos: lutar pela terra, lutar pela reforma agrária e lutar por mudanças sociais
no país.
A ocupação é a estratégia mais expressiva da resistência desse Movimento. Para
tornar possível a compreensão de como se constitui todo esse processo é necessário,
em primeira instância, integrar alguns conceitos à discussão. Ocupação é ato de
adentrar à fazenda, de romper, literalmente, as cercas do latifúndio. A partir daí é
“montado o acampamento”, com a organização dos barracos e das atividades
produtivas e sociais, porém com o detalhe do não reconhecimento legal deste processo.
Articulada à dinâmica cotidiana, as famílias acampadas organizam a luta pelo
reconhecimento do direito à terra e quando tal acontece, as famílias passam a ser
assentadas, pois o acampamento agora transformado em assentamento é
reconhecidamente de direito legal, podendo as famílias acessarem todas as políticas e
projetos para a reforma agrária. Assim, “o estabelecimento de um assentamento rural
gera, entre os autores envolvidos nesse processo, a expectativa de que ele se torne
social e economicamente viável”. (MIRANDA, 2007).
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Ou seja, uma propriedade após ser ocupada, irá naturalmente se transformar em
um acampamento. Este acampamento pode vir a se consolidar ultrapassando a
estrutura de barracas temporárias. Essa consolidação se deve ao processo de
desapropriação da terra - este podendo ser curto ou longo, dependendo do
reconhecimento do Estado/União sobre aquele local enquanto área da reforma agrária,
sendo a reforma agrária considerada pelo Estado como o conjunto de medidas para
promover a melhor distribuição da terra mediante modificações no regime de posse e
uso, a fim de atender aos princípios de justiça social, desenvolvimento rural sustentável
e aumento de produção, conforme rege o Estatuto da Terra, através da Lei nº 4504/64.
Na perspectiva do MST, o assentamento vai além do processo de documentação,
ele é visto como um espaço feito para as famílias camponesas viverem, trabalharem e
produzirem, e que a produção garanta abastecimento de alimentos para moradores de
pequenas cidades e gere renda para essas famílias; dispondo assim, de casas, comida e
educação. Prestando uma função social à terra e garantindo um futuro melhor à
população, ou seja, oferece aos assentados um instrumento para alcançar sua própria
autonomia. Esse Movimento, porém, conta com obstáculos a serem derrubados, esses
obstáculos têm como denominador comum a violência. A violência no campo é uma
realidade dura e crescente no Brasil, consequência da impunidade, do processo de
grilagem de terras, da ocupação predatória da terra, da falta de regularização fundiária
e a não implementação de uma reforma agrária. De maneira que o modelo do
agronegócio, da mineração e do hidronegócio, tem contribuído para a onda de conflitos
no interior do país, causando um significativo aumento da violência.
No ano de 2017, por exemplo, foram cometidos 71 assassinatos no campo, sendo
que de 1985 a 2017, 157 pessoas foram assassinadas no Maranhão em conflitos no
campo, o que coloca o estado em segundo lugar no ranking nacional, atrás apenas do
Pará. (CPT, 2018). Entre as vítimas estão indígenas, quilombolas e comunidades
tradicionais e sem-terra. De todos os registros ao longo desse tempo, apenas cinco casos
foram julgados. A violência atende um padrão contra os trabalhadores rurais até os dias
atuais, destacando-se como a questão agrária ainda possui um grande passo para se
concretizar, visto que se repete uma carga histórica que assegure os interesses do pacto
capital/estado e latifúndio, assim, reprimindo qualquer luta pela Reforma Agrária. As
consequências da criminalização dessa classe advindo desse processo de violência no
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campo também são observadas no aumento do desemprego, da precarização da saúde
e da educação, recessão econômica, domínio da terceirização e outros problemas. Isto
é, a maneira do Estado de se afastar das necessidades desses sujeitos, ou melhor, de
suas obrigações para com os assentados, de forma a marginalizar e criminalizar o
Movimento e tornar essas pessoas submissas ao seu poder, ou seja, enfraquecê-lo.
Enxergar a trajetória histórica de resistência do Movimento dos Trabalhadores
Sem Terra é se permitir analisar que além das marchas, ocupações de prédios públicos,
atos políticos, trancamento de rodoviárias e as ocupações de terras, há um projeto que
abarca a educação libertadora, visando a emancipação humana, um sujeito que
reivindica seus direitos e que não se aliena à ideologia do capital. Mesmo com todo o
processo de criminalização da luta desse Movimento, principalmente no atual governo
neoliberal, ainda assim este possui uma força que se destaca na dinâmica política do
país. A organização política e pedagógica é o fundante para a permanência desse
movimento diante de grandes retrocessos nos últimos anos no Brasil. O MST diante
dessa nova conjuntura sócio-política busca apresentar suas facetas reais para a
sociedade, desmistificando o imaginário de violência disseminado pela mídia
conservadora, mostrando-se como um movimento de luta e de busca do mínimo para a
sobrevivência e pelo direito à moradia das famílias sem-terra.
4 CONSIDERAÇÕES
A partir do conteúdo exposto neste estudo considera-se que os movimentos
sociais, partindo do geral, apresentam uma historicidade rica em experiências que
trazem grande significado para a compreensão de cada uma de suas frentes de ação. A
reforma agrária é apontada nesta pesquisa como um meio para amenizar as
desigualdades sociais, e são movimentos do campo, em particular o MST, que estão na
frente da luta pelo direito à moradia e pela terra. O Movimento dos Sem Terra diante
de todo o processo de ultraconservadorismo busca meios para resistir e impedir que sua
luta seja minimizada, e isso não se restringe a um único movimento, mas a todos que
organizam a luta em defesa dos direitos, seja no campo ou cidade.
A criminalização das lutas é central como estratégia de enfrentamento às
organizações e movimentos que fazem as lutas sociais. Neste sentido, destaca-se o
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papel do Estado, que através do Judiciário faz o uso de leis que incriminam entidades
representativas e lideranças das populações afetadas em suas condições de vida,
trabalho e moradia. Quando criminaliza o MST, o Estado não compreende a luta pela
reforma agrária como uma questão social e política, dando-lhe a conotação de
ilegitimidade pelo Poder Judiciário. Por outro lado, legitima a força e a violência usada
contra famílias e lideranças.
Porém, mesmo com todo o poder do Estado, é possível compreender que os
movimentos permanecem articulados e resistentes diante desse grande processo de
criminalização, e é com a evidência na formação do sujeito que o MST trabalha para se
assegurar perante várias ameaças daí advindas.
REFERÊNCIAS
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EIXO TEMÁTICO 10 | QUESTÃO AGRÁRIA, URBANA E AMBIENTAL
GOVERNANÇA DAS ÁGUAS E BACIAS HIDROGRÁFICAS NO ESTADO DO MARANHÃO: a experiência dos pequenos
municípios
WATER GOVERNANCE AND HYDROGRAPHIC BASINS IN THE STATE OF MARANHÃO: the experiences of small municipalities
Thiago Pereira Lima1
Laura Rosa Costa Oliveira2 Carla Andreia Costa Freitas Oliveira3
RESUMO Neste artigo, analisamos as políticas públicas de recursos hídricos do Brasil e do Estado do Maranhão, a Política Nacional de Recursos Hídricos, Lei 9.433/1997, e a Política Estadual de Recursos Hídricos, Lei 8.149/2004, respectivamente. Também problematizamos como se dá o processo de governança das águas em âmbito local, em especial, em pequenos municípios brasileiros. Para tanto, tomamos como referência empírica, a cidade de São Bernardo, localizada no leste maranhense, atravessada pela bacia hidrográfica do Rio Buriti. A partir de trabalho de campo, levantamento de material oficial e entrevista com o Secretário municipal de meio ambiente de São Bernardo, identificamos a baixa participação social no debate ambiental e o limitado alcance das políticas públicas das águas (a Política Nacional e a Política Estadual) na cidade e na referida bacia hidrográfica. Palavras-Chaves: Governança da água. Rio Buriti. Políticas Públicas.
1 Professor do Curso de Licenciatura em Ciências Humanas/Sociologia, Campus de São Bernardo, Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Doutor em Políticas Públicas e Mestre em Ciências Sociais (UFMA). E-mail: [email protected]. 2 Doutoranda em Recursos Naturais e Gestão Sustentável pela Universidade de Córdoba /Espanha. Professora do Curso de Licenciatura em Ciências Humanas/Sociologia, Campus de São Bernardo - UFMA, Brasil. Grupo de Estudos GEDMA – UFMA. 3 Discente do Curso de Licenciatura em Ciências Humanas/Sociologia, Campus de São Bernardo - UFMA, Brasil. Bolsista de iniciação científica da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA).
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ABSTRACT In this article, we analyze the public water, resources policies of Brazil and the State of Maranhão, the National Water Resources Policy (law 9433/1997) e and the State Water Resources Policy (Law 8.149/2004), respectively. We also question how the water governance process takes place at the local level, especially min small Brazilian municipalities. For That, we takes as an empirical reference, the city of São Bernardo, located in the east of Maranhão, crossed by the hydrographic basin of the Buriti river. From fieldwork, survey of official material and interview with the São Bernardo municipal Secretary of environment, we identified the low social participation in the environmental debate and the limited reach of public water policies (the National Policy and the State Policy) in the city and in that hydrographic basin. Keywords: Water Governance. Buriti River. Public Policy.
INTRODUÇÃO
O presente artigo é resultado de parte da pesquisa intitulada “Recursos hídricos,
governança da água e desenvolvimento local: a microbacia do Rio Buriti no Baixo
Parnaíba Maranhense”, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa e ao
Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA), entre os anos de
2017 e 2019. Trazemos alguns resultados do nosso estudo sobre a relação entre bacias
hidrográficas, as políticas de recursos hídricos e a gestão pública municipal4.
As bacias hidrográficas estão sendo objeto de estudo de muitos estudiosos, e
também tem sido colocada como unidade de planejamento ambiental, nos últimos
anos, não somente pela importância dos recursos naturais nelas contidos, mas devido
ao aprofundamento dos problemas ambientais e as limitadas ações de gestão e
planejamento ambiental visando à conservação.
Com um patrimônio natural em termos mundiais, que inclui a maior porção de
floresta tropical, o maior manancial hídrico e cerca de 20% do total das espécies hoje
existentes, o Brasil figura no imaginário global como o país da natureza privilegiada, uma
espécie de "paraíso da ecologia" (PAGNOCCHESCHI & BERNARDO, 2006). Com isso, há a
4 Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA), que financiou a pesquisa, entre os anos de 2017 e 2019. Agradecemos também à entrevista do Secretário municipal de meio ambiente, senhor Bernardo de Oliveira Lima Júnior, realizada em 14/12/2018.
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necessidade da construção de políticas de recursos hídricos, e um desafio concreto é a
sua efetivação.
O Brasil possui uma política pública voltada para as águas, chamada de Política
Nacional de Recursos Hídricos (PNHR), a Lei 9344/1997. Na mesma linha, o Estado do
Maranhão tem a sua Política Estadual de Recursos Hídricos, a Lei 8.149/2004
(MARANHÃO, 2004). A governança é um paradigma que tem se colocado no debate das
políticas dos recursos hídricos no Brasil, preconizando a ideia da participação dos
diversos atores sociais, com suas diversas formas de usar as águas.
Diante disso, as perguntas que fazemos são as seguintes: O que se observa nas
cidades do Estado do Maranhão? Como se dá o processo de governança das águas? O
que dizem os gestores municipais? Para tentar responder a estas questões, realizamos
trabalho de campo, entre os anos 2017 e 2019, levantamento de material oficial e
entrevista com o Secretário municipal de meio ambiente de São Bernardo.
2 PLANEJAMENTO E GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS NO BRASIL: a Política Nacional de Recursos Hídricos - Lei 9.433/1997
Antes de falarmos da atual política das águas brasileira, é necessário conhecer,
brevemente, o histórico das políticas de recursos hídricos.
As primeiras iniciativas de políticas públicas para gestão dos recursos hídricos
ocorrem no Brasil colonial, com as Ordenações do Reino, nas quais os rios navegáveis
pertenciam aos direitos reais e a utilização dessas águas dependia da autorização da
Coroa (HENKES, 2004).
Com a promulgação da Constituição do Império de 1824, tivemos o fim da
Ordenação e os direitos reais foram transferidos para o domínio nacional; na
propriedade do solo estava implícita a propriedade das águas subterrâneas, e não se
fazia referências às águas superficiais (POMPEU, 2010). Dessa forma, em áreas de
mananciais de águas subterrâneas em terras privadas, a posse era dos proprietários do
solo, que possuíam o direito de propriedade assegurado. Havendo por parte do poder
público, a necessidade de utilização dos recursos hídricos da propriedade privada, era
solicitada sua desapropriação.
A Constituição Republicana de 1891 é criada, mas sem uma diretriz sobre a
gestão dos rios. Porém, a União e os Estados ficavam com o poder para legislar sobre a
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navegação interior e o Congresso Nacional seria a instância para legislar sobre a
navegação dos rios que banhassem mais de um Estado ou que se estendessem a
territórios estrangeiros (GRANZIERIA, 2001).
Em destaque, temos o Código de Águas, de 1934, considerado um importante
marco legal na gestão dos recursos hídricos no Brasil. Com o Código de Águas, o governo
pôde regulamentar o uso não só da água, como também de todos os minérios
encontrados no subsolo, assegurando o uso gratuito de qualquer água para as
necessidades básicas da vida. No entanto, separou a propriedade do solo da
propriedade dos recursos minerais deixando nítida a intenção do Estado com essa
legislação, que era controlar e incentivar o uso industrial das águas.
Com a Constituição de 1937, houve a repetição dos dispositivos da constituição
anterior, referente ao domínio hídrico, atribuindo à União, competência privativa para
legislar sobre as águas (BRASIL, 1937). A Constituição Republicana de 1946 efetuou
mudanças significativas no tocante ao domínio dos recursos hídricos. O domínio da
União manteve a competência legislativa da União acerca dos recursos hídricos, sem, no
entanto, afastar a competência supletiva ou complementar dos estados (ANTUNES,
2002).
Em 1981, é criada a Lei 6.939 que disciplinou a Política Nacional do Meio
Ambiente e instituiu o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), integrado por
órgãos federais, estaduais e municipais, responsáveis pela proteção ambiental.
Possuindo como órgão máximo o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), com
a competência, entre outras, de “estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao
controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com vistas ao uso racional dos
recursos ambientais, principalmente os hídricos” (BRASIL, 1981).
Em 1997, cria-se a Lei nº 9.433, denominada Política Nacional dos Recursos
Hídricos (PNRH), considerada um importante mecanismo de planejamento da utilização
da água, que consolidou a descentralização federal do gerenciamento do setor,
ressaltando a participação do poder público, dos usuários e da comunidade.
A Lei 9.433/1997, ao ser modificada pela Lei 9.984 de 17 de julho de 2000, criou
a Agência Nacional das Águas (ANA), que possui características institucionais e
operacionais diferenciadas das demais agências reguladoras. Cabe a ANA disciplinar a
implementação, a operacionalização, o controle e a avaliação dos instrumentos de
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gestão criados pela Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) e o estímulo à criação
dos comitês de bacias hidrográficas, que são compostos por representantes da
sociedade civil, dos usuários da água e dos poderes públicos (BRASIL, 2020).
Os comitês de bacias são espaços para a construção de ações de regulação, bem
como aprovação e aplicação adequada dos instrumentos de gestão na bacia. Eles
proporcionam que se cumpra, de forma descentralizada, a regulação eficiente (ANA,
2015).
A partir da experiência da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), os
Estados foram construindo as suas políticas. O Estado do Maranhão tem uma política
própria voltada para os recursos hídricos: a Política Estadual de Recursos Hídricos, a Lei
nº 8.149, de 15 de junho do ano de 2004. É uma referência no Estado do Maranhão,
consistindo em um conjunto de princípios, diretrizes e ações no campo das águas. Segue
as mesmas diretrizes da Política Nacional de Recursos Hídricos.
Entendemos que os organismos governamentais precisam ser fortalecidos para
coordenar a gestão dos recursos hídricos, bem como a ampliação da democracia nestes
espaços de discussão e defesa do meio ambiente. Os organismos governamentais
conduzem as ações, no entanto, há uma necessidade de uma maior articulação entre os
organismos e as políticas para a conservação dos recursos hídricos.
As políticas de águas no Brasil atual apresentam dois paradigmas: o conceito de
bacia hidrográfica, que tem sido usado e ampliado, seja nos estudos científicos, seja
para o planejamento e gestão ambiental, para além dos aspectos hidrológicos e
biofísicos, envolvendo o conhecimento das dinâmicas sociais, bem como das mudanças
nos padrões de uso da terra e nas mudanças em torno das relações entre sociedade e
natureza; e o conceito de governança da água, que segundo Jacobi (2009), traz em seu
fundamento, uma concepção de relação entre Estado e sociedade civil, que não seja
verticalizada, porém, que seja mais democrática e plural, sem desconsiderar os conflitos
e disputas de poder neste processo.
3 AS POLÍTICAS DE RECURSOS HÍDRICOS E OS PEQUENOS MUNICÍPIOS: a experiência de São Bernardo, leste maranhense
O Maranhão possui doze (12) bacias hidrográficas: as bacias do Parnaíba, a Leste;
do Tocantins, a Sudoeste; e a do Gurupi, a Noroeste, que correspondem às bacias
hidrográficas de domínio federal; já as bacias de domínio estadual estão representadas
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pelos Sistemas hidrográficos estaduais das Ilhas Maranhenses e do Litoral Ocidental,
bem como as bacias hidrográficas Mearim, Itapecuru, Munin, Turiaçú, Maracaçumé,
Preguiças e Periá (MARANHÃO, 2019). Na totalidade, estas bacias formam uma área de
aproximadamente 202.203,50 km², ou seja, 60,90% da área total do Estado do
Maranhão. Nesse contexto, o rio Parnaíba possui 1.400 quilômetros de extensão
(BRASIL, 2006).
A microbacia do Rio Buriti faz parte da bacia hidrográfica do rio Parnaíba. A
microbacia atravessa três municípios: São Bernardo, Magalhães de Almeida e Santa
Quitéria. O Rio Buriti participa do sistema de abastecimento de água dessas cidades
(CAEMA, 2011) que é realizado pela Companhia de Saneamento Ambiental do
Maranhão - CAEMA.
O Rio Buriti é um afluente do Rio Parnaíba, percorre, de acordo com o que foi
levantado na pesquisa, uma área de influência, que pode abranger, pelo menos nove
municípios. São eles: Anapurus, Araioses, Brejo, Buriti de Inácia Vaz, Magalhães de
Almeida, Milagres do Maranhão, Santa Quitéria do Maranhão, Santana do Maranhão e
São Bernardo (Mapa 1).
Mapa 1: Área de influência da Bacia do Buriti
Fonte: Os autores, 2019
Trazemos dados sobre os três municípios atravessados pela bacia: São Bernardo
tem uma população de 27.817 habitantes, área de 1.006, 919 km², com um Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM - 2010) de 0,572 e uma incidência de
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pobreza de 59,21%. Santa Quitéria tem uma população estimada em 25.192 habitantes,
com uma área territorial de 1.434,898 km², IDHM (2010) de 0,555 e incidência de
pobreza de 58,45%. Magalhães de Almeida tem uma população de 19.532 habitantes,
população de 17.587 habitantes, área territorial de 433,151 km², IDHM (2010) de 0,567,
com incidência de pobreza de 57,44 % (IBGE, 2019).
A cidade de São Bernardo possui um organismo que é a Secretaria de Agricultura
e Meio Ambiente, criada, recentemente, no ano de 2016. Em 2018, ganha outro
formato, tornando-se Secretaria de Meio Ambiente. No mesmo ano, foi criado o
Conselho Municipal de Meio Ambiente. Como em grande parte dos pequenos
municípios maranhenses e brasileiros, não há, no site da Prefeitura Municipal de São
Bernardo (http://saobernardo.ma.gov.br/), sistematização de dados ambientais.
Em 2018, também se criou a Política de proteção, conservação e de controle do
meio ambiente e da melhoria da qualidade de vida no município de São Bernardo,
Maranhão, Lei n º 737, de 30 de maio de 2018, também conhecida como Política
Municipal do Meio Ambiente. Esta lei tem como objetivo assegurar um meio ambiente
equilibrado, saúde e qualidade de vida, fundamentada nos princípios do
desenvolvimento sustentável, prevenção de danos ambientais e condutas lesivas ao
meio ambiente; a função socioambiental da propriedade urbana e rural; participação do
cidadão e das organizações da sociedade civil no debate ambiental; reparação dos danos
ambientais causados por atividades de pessoas físicas e jurídicas, de direito público ou
privado; responsabilidade dos poluidores pelo cumprimento das existências legais de
controle e prevenção ambientais nos processos produtivos e atividades econômicas que
interfiram no equilíbrio ecológico; educação ambiental; proteção dos espaços
ambientalmente relevantes, através da criação de Unidades de Conservação (UC’s);
harmonização da Política Municipal com as políticas estaduais e federais e a
responsabilização conjunta de todos os órgãos do poder público pela preservação e
conservação ambiental (SÃO BERNARDO, 2018).
Ainda, em 2018, tivemos uma reunião, realizada no auditório do Campus de São
Bernardo, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), chamada Oficina de
planejamento das ações para organização do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Buriti,
com convite estendido a sete (7) municípios maranhenses: Buriti de Inácia Vaz, Brejo,
Milagres do Maranhão, Santa Quitéria do Maranhão, São Bernardo, Santana do
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Maranhão e Magalhães de Almeida. No evento havia os seguintes segmentos:
professores/as e alunos/as da UFMA; representantes da Secretaria de Meio Ambiente
do Estado do Maranhão (SEMA); representantes de vários municípios da região: Água
Doce do Maranhão, Brejo, Milagres, Cana Brava, Santa Quitéria, Buriti de Inácia Vaz e
Milagres do Maranhão. Também, contou com a presença de Associações de moradores,
Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) dos municípios, de quatro
organizações da sociedade civil como a Ambiental Soluções, Fórum Carajás, Conleste
maranhense e Centro de Defesa e Proteção dos Direitos e da Cidadania, do município
de Santa Quitéria, e representantes de organismos públicos municipais e estaduais:
secretaria de meio ambiente, secretarias de agricultura e secretarias de educação.
A ideia do evento era construir um comitê e uma agenda de ações para a Bacia
do Buriti, e que a experiência fosse replicada nos demais municípios da região do Baixo
Parnaíba maranhense. No entanto, a experiência não teve continuidade.
O secretário de meio ambiente se chama Bernardo de Oliveira Lima Júnior,
Engenheiro Agrônomo de formação e ocupa o cargo de Secretário de Agricultura e Meio
Ambiente do município de São Bernardo desde janeiro de 2016, com experiência sobre
a Gestão de Recursos Hídricos dentro do município, formado em Engenharia
Agronômica, com foco voltado para gestão do meio ambiente.
Segundo a entrevista que coletamos com o secretário, em 14 de dezembro de
2018, identificamos cinco problemas estruturantes no processo de governança das
águas a nível local: I - a pouca participação da sociedade no debate das políticas
ambientais; II - a criação dos comitês locais de bacias é uma possibilidade nas pequenas
cidades, porém a Política Nacional e a Política Estadual não contemplam esse formato
de gestão local; III - ao se pensar em bacia, se pensa na articulação entre prefeituras,
porém, o que se observa é que não há articulação entre os poderes públicos municipais
locais; IV - ações da prefeitura são pontuais e limitadas: “essas pequenas ações que
foram feitas há uma continuidade, um cronograma para ser cumprido e ele tá bem atual,
foram feitas audiências públicas, foram embargadas alguns construções à margem do
rio, algumas áreas de desmatamento, é, foram retiradas as tapagens no leito do rio e
agora falta é discutir as cercas indevidas nas margens do rio”; V - e problemas
financeiros:
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Estamos trabalhando com muita dificuldade, nós não temos receitas, recursos, um teto para fazermos essas intervenções. Quando a gente identifica alguma ação de agressão ao rio, a bacia, a gente se movimenta, mas é algo muito direcionado, algo muito pontual direcionado para aquela questão específica. E é o que a gente pode considerar por despesa, investimentos insignificativos, a gente tá discutindo, mas em audiências públicas, rede social e essas visitas pontuais ao ponto de agressão. Nós temos um corpo técnico interessante, pelo menos três pessoas com o secretário, no meu caso que já tem uma certa experiência nessa questão que estão ao meu vê habilitados a fazer um trabalho muito maior, abraçar um volume de ações maiores , mas de fato ainda não é possível, mas nós estamos agora em processo de criação do conselho municipal do meio ambiente e isso possivelmente dará em a curto médio prazo uma melhor autonomia aqui para a secretaria e por conta do fundo, todas as multas, algum recurso proveniente do embargo de alguma agressão que foi aplicada irá depositado em um fundo municipal do meio ambiente e com esses recursos são por lei, eles tem que ser obrigados, eles são obrigatórios. Você gasta só com o meio ambiente, então talvez isso nos dê um maior suporte para realmente fazer investidas melhores e maiores aí nessas ações de degradação da bacia do rio Buriti.
Nessa perspectiva, argumentamos que há dificuldades de operacionalização da
Política Nacional de Recursos Hídricos e da Política Estadual de Recursos Hídricos no
contexto dos pequenos municípios, em especial dos municípios do Estado do Maranhão,
por conta da ausência de uma agenda ambiental local, que tenha uma participação
social ativa, pois há um distanciamento do debate, distanciamento culturalmente
construído, com relação às questões ambientais, embora os rios sejam um forte
elemento da identidade destes lugares. Além disso, fatores da ordem financeira, e a
atuação limitada, do ponto de vista legal, dos municípios no enfrentamento às questões
das águas, produzem problemas no plano da gestão e do planejamento das políticas
públicas.
4 CONCLUSÃO
A presente pesquisa teve como objetivo problematizar as ações de planejamento
e gestão públicas, na região do Baixo Parnaíba, em especial na microbacia do Rio Buriti,
juntamente com a análise sobre a efetivação das políticas públicas de águas. Avaliar a
forma como os gestores trabalham em prol da conservação/preservaão de bacias e
como os recursos hídricos são vistos e usados, tem sido necessário nos tempos atuais
de aprofundamento da crise ambiental e de pouca participação social. Os rios no Brasil,
em geral, têm passado por graves problemas, seja com os lençóis freáticos ou com as
águas superficiais, a grande quantidade de produtos tóxicos e a contaminação da água,
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deixando-a imprópria para o consumo humano. Isso acontece quando não existe um
paralelo entre consumo e conservação.
Como resultados da pesquisa, identificamos os limites das políticas públicas das
águas, tanto a brasileira, quanto a maranhense, quando se defrontam com a realidade
dos municípios. As duas políticas estudadas, a Política Nacional de Recursos Hídricos e a
Política Estadual de Recursos Hídricos defendem que os processos decisórios sejam
participativos, porém, o que se observa, é que há uma baixa participação social nos
espaços político-institucionais; há a fragmentação e desarticulação dos organismos
públicos municipais locais voltados à agenda ambiental; as experiências de políticas
públicas ambientais no município de São Bernardo são recentes, a exemplo da Política
Municipal de Meio Ambiente e do Conselho Municipal de Meio Ambiente; e a ideia de
bacia hidrográfica é pensada, a partir das divisões do Estado, e não do olhar das
comunidades locais.
Partimos do pressuposto de que a gestão dos recursos hídricos é dinâmica e
participativa, mas ainda há desafios na efetivação e acompanhamento das ações, além
dos desafios da concretização de um processo mais amplo e profundo de governança
de água.
O Brasil e o Estado do Maranhão têm construído uma estrutura legal e técnica
voltada ao atendimento da crescente demanda de uso da água, buscando garantir os
seus usos múltiplos. Para que as políticas sejam efetivas, é fundamental o debate
democrático, em âmbito municipal, em torno do direito de uso das águas, a elaboração
dos Planos dos Recursos Hídricos e a efetivação do sistema que estabeleça uma
cobrança justa pelo uso das águas, além da autonomia dos municípios no processo de
planejamento e gestão das águas.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Caderno da Região Hidrográfica do Parnaíba. Ministério do Meio Ambiente, Secretaria de Recursos Hídricos. – Brasília: MMA, 2006. 184 p. BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. In: http://www.cidades.ibge.gov.br/v3/cidades/home-cidades. Acesso em março de 2019. BRASIL. Política Nacional do Meio Ambiente. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Brasil, 1981. BRASIL. Política Nacional de Recursos Hídricos. Lei n. 9.433, de 8 de janeiro de 1997. Brasília, 1997. COMPANHIA DE SANEAMENTO AMBIENTAL DO MARANHÃO - CAEMA. Relatório anual da qualidade da água produzida pelo Sistema de Abastecimento de água de Chapadinha. Gerência de Negócios de Chapadinha, 2011. ESTADO DO MARANHÃO. PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO BERNARDO. GABINETE DO PREFEITO MUNICIPAL. LEI ORDINÁRIA Nº 737, DE 30 DE MAIO DE 2018. São Bernardo, 2018. GRANZIEIRA, M. L. M. Direito de Águas e Meio Ambiente. São Paulo: Ícone, 1993. 136p. HENKES, S. L. (2003) Histórico Legal e Institucional dos Recursos Hídricos no Brasil. Disponível em: https://www.docsity.com/pt/henkes-2003-historico-legal-e-institucional-dos-recursos-hidricos-no-brasil/4709948/. Acessado em: 24/09/2018. JACOBI, Pedro Roberto. Governança da água no Brasil. IN: RIBEIRO, Wagner Costa, Org. Governança da água no Brasil: uma visão interdisciplinar. São Paulo: Annablume; FAPESP; CNPq, 2009. JÚNIOR, Bernardo de Oliveira Lima. Entrevista realizada em 14 de dezembro no ano de 2018. Secretário de Agricultura e Meio Ambiente do município de São Bernardo. SÃO BERNARDO, 2018. MARANHÃO. Núcleo Geoambiental. In: https://www.nugeo.uema.br/. Acesso em 10 de Julho de 2019. MARANHÃO. Política Estadual de Recursos Hídricos. Dispõe sobre a Política Estadual de Recursos Hídricos, o Sistema de Gerenciamento Integrado de Recursos Hídricos, e dá outras providências. Lei estadual nº 8.149 de 15 de junho de 2004. PAGNOCCHESCHI & BERNARDO. Política ambiental no Brasil. In: STEINBERGER, MARÍLIA. (Org) Território, ambiente e políticas públicas. Brasília, LGE Editora, 2006.
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POMPEU, C. T. Direito de Águas no Brasil. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
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EIXO TEMÁTICO 10 | QUESTÃO AGRÁRIA, URBANA E AMBIENTAL
A QUESTÃO SOCIOAMBIENTAL NO BRASIL: impactos na vida social
THE SOCIO-ENVIRONMENTAL ISSUE IN BRAZIL: impacts on social life
Aurora Amélia Brito de Miranda1
RESUMO Este artigo é resultado de uma pesquisa bibliográfica e discussões realizadas na disciplina Questão Social e Serviço Social II, do curso de Serviço Social da Universidade Federal do Maranhão. Inicialmente se fez um resgate da questão socioambiental como expressão da questão social e a seguir apresentamos os principais impactos na vida social da crise socioambiental no Brasil, como uma expressão da questão social no século XXI. A questão socioambiental se coloca como um dos temas mais relevantes na atualidade, pelo fato de nos colocar que há limites para a dominação da natureza, assim, estamos diante de um desafio que não é só técnico, mas também político e civilizatório. Palavras-Chaves: Questão Social, Questão Ambiental, Estado Brasileiro.
ABSTRACT This article is the result of a bibliographic research and discussions carried out in the discipline Social Question and Social Service II, of the Social Service course at the Federal University of Maranhão. Initially, the socio-environmental issue was rescued as an expression of the social issue and then we present the main impacts on the social life of the socio-environmental crisis in Brazil, as an expression of the social issue in the 21st century. The socio-environmental issue arises as one of the most relevant themes today, because it tells us that there are limits to the domination of nature, thus, we are facing a challenge that is not only technical, but also political and civilizing. Keywords: Social Issue, Environmental Issue, Social And Environmental Impacts. Brazilian State.
1 Professora do curso de Serviço Social da Universidade Federal do Maranhão. Doutora em Políticas Públicas. E-mail: [email protected].
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INTRODUÇÃO
Este artigo é resultado de pesquisa bibliográfica e de reflexões realizada na sala
de aula, na disciplina Questão social e Serviço Social II, do Curso de Serviço Social da
Universidade Federal do Maranhão/UFMA. Inicialmente se fez um resgate da questão
socioambiental como expressão da questão social e a seguir apresentamos os principais
impactos na vida social da crise socioambiental no Brasil, como uma expressão da
questão social no século XXI.
O conceito de meio ambiente ou a questão socioambiental, geralmente, é
analisado de um ponto de vista restrito à preservação da natureza. É somente a partir
dos anos 60, do século XX, que o debate acerca desta questão passa a estar relacionado
ao desenvolvimento das sociedades e então amplia-se e complexifica-se, passando a ser
um dos temas mais relevantes no século XXI.
A tradição científica moderna hegemônica apresenta as marcas filosóficas que
operou a separação entre homem e natureza, consagrada na dicotomia entre ciências
naturais e humanas e, modernamente, na separação entre sujeito e objeto. O filósofo
Francis Bacon (1561-1650), eternizado como o pai da ciência moderna, vai defender a
ideia da natureza como objeto, consagrando, assim, a separação homem/natureza no
imaginário moderno, em que em grande parte o homem domina a natureza. No entanto,
essa ideia de dominação da natureza só tem sentido se considerarmos que a espécie
humana não é parte da natureza, pois, se considerarmos que somos todos natureza, há
um outro paradoxo, saber quem vai dominar o dominador. (PORTO-GONÇALVES, 2012).
Assim, a ideia da dominação da natureza passa a ser o grande desafio da questão
socioambiental na contemporaneidade, não só a ideia da dominação da natureza, mas
a própria ideia de dominação, pois implica que o outro a ser dominado, grupos sociais,
classes, etnias ou a natureza, não seja considerado na sua totalidade ou plenitude.
Essa concepção de dominação da natureza pelo homem, permitiu ou autorizou
a dominação dos povos/etnias e demais grupos sociais assimilados à natureza, portanto,
considerados inferiores, podendo assim, serem dominados pelos povos ditos
“civilizados”. Dessa forma, todo um rico conhecimento desenvolvido por milhares de
anos e milhares de povos e etnias, foi inferiorizado e desperdiçado. Um conhecimento
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que é fundamental para qualquer política pública séria e responsável que objetiva cuidar
do patrimônio socioambiental da humanidade.
O homem não produz água, terra, oxigênio, carvão, petróleo, energia solar
(fotossíntese), somos extratores, portanto, mais uma razão para a preocupação e o
respeito com o uso desses recursos que não são inesgotáveis, e que, portanto,
dependemos deles para viver. Assim, a necessidade do respeito à produtividade
biológica primária é fundamental, essa lição já nos ensinava os povos da floresta, com
as reservas extrativistas, por exemplo, cujo líder seringueiro Chico Mendes, foi
assassinado por defender esse patrimônio.
Portanto, esse é o grande desafio iniciado nos anos de 1960-1970, e podemos
afirmar, também, que se torna um dos temas mais relevantes na atualidade, pelo fato
da questão socioambiental nos colocar que há limites para a dominação da natureza,
assim, estamos diante de um desafio que não só técnico, mas também político e
civilizatório.
2 A QUESTÃO SOCIOAMBIENTAL COMO EXPRESSÃO DA QUESTÃO SOCIAL.
A origem da crise ambiental no capitalismo, está ligada a relação
sociedade/natureza. Neste sentido, Dupas (2008, p.21), afirma que o capitalismo global
gerou duas tensões fundamentais, a estagnação dos níveis de pobreza e miséria e uma
crise ambiental sem precedentes, provocada pelo próprio modelo econômico. Um
modelo que tem por base a acumulação de capital e o lucro sem fim, que leva a extinção
dos recursos e coloca em risco a existência humana. Assim, a crise ambiental questiona
a racionalidade desse modelo.
Vivemos numa situação dramática de vasto e profundo processo de dominação
da natureza. E talvez, não haja no mundo, uma região tão significativa das contradições
colocadas pelo desenvolvimento global como América Latina, e nela, a região
Amazônica. É nessa região onde há o maior processo de expropriação dos trabalhadores
rurais, camponeses e povos originários, que têm uma relação secular com a natureza,
mas são desterritorializados pelo que Teubal (2011) denomina de “agricultura sem
agricultores”.
No final dos anos de 1970, com o neoliberalismo, os Estados a partir de uma
determinação nos organismos multilaterais, como Banco Mundial, o Fundo Monetário
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Internacional (FMI) e a Organização Mundial do Comércio, passam a trabalhar em prol
do que o mercado determina. A partir desse processo, os trabalhadores passam a sofrer
todas as situações de expropriação, concentração fundiária, visando grandes
monocultivos, pacotes tecnológicos que subjugam os agricultores com alto consumo de
energia e insumos, inclusive o uso de agrotóxicos, sementes modificadas em
laboratório-fábricas de grandes corporações – e não mais cultivadas pelos camponeses
ou povos originários (abandono das sementes cultivada pelos próprios trabalhadores,
as chamadas sementes crioulas).
Assim, o discurso desenvolvimentista, do crescimento técnico e científico, passa
a constituir-se como o discurso da verdade, do mundo moderno-colonial,
desqualificando, portanto, outros saberes, outros conhecimentos, outras falas.
Entendemos, que é preciso colocar limites a esse discurso, porque como afirma Porto-
Gonçalves, (2012, p. 101), “a humanidade toda, embora sofrendo de modo desigual,
está submetida a riscos derivados de ações decididas por alguns poucos”. Assim, o que
está em jogo com a questão ambiental é a reapropriação social da natureza. Pois, com
o capitalismo, os camponeses e os povos tradicionais são expulsos de seus territórios,
são desterritorializados, passam a ter apenas sua força de trabalho, e assim, tornam-se
mercadoria disposta à compra e venda. Ao separar o homem da natureza, há uma
separação de parte da humanidade das suas condições naturais de existência.
A questão socioambiental é entendida como uma das manifestações da questão
social e refere-se à utilização desenfreada de recursos naturais renováveis ou não, de
modo que a natureza seja devastada e sofra destruições irredutíveis para obtenção de
lucro, através das inovações tecnológicas, novas matérias primas, à poluição
atmosférica causada durante a produção, erosão do solo, o descarte indevido de lixo, a
desapropriação de terras, as queimadas, o desmatamento para pecuária e monocultura,
privatização de recursos hídricos, entre outros.
A partir desses pressupostos Silva (2008, p. 51), afirma que:
A questão ambiental refere-se a um conjunto de deficiências na reprodução do sistema, o qual se origina na indisponibilidade ou escassez de elementos do processo produtivo advindos da natureza, tais como matérias-primas e energia e seus desdobramentos ideopolíticos. Em outras palavras, trata-se da incapacidade do planeta de prover, indefinidamente, os recursos necessários à reprodução da vida, em condições históricas e sociais realizadas pelo alto nível de produção e consumo.
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O uso de recursos naturais para satisfação das necessidades materiais ligadas à
sobrevivência demonstra a relação dependente entre o ser humano e a natureza. Como
destaca Netto e Braz (2012) é a natureza, propiciada através do trabalho, que condiciona
a manutenção dos indivíduos, sendo elemento intrínseco para a existência da sociedade.
No entanto, o determinante não é a existência da vida, da sociedade e sim, o
agronegócio rentista e a dependência face ao imperialismo não se tornaram obstáculos
ao completo desenvolvimento capitalista do país, pelo contrário, a grande propriedade
transformou-se em empresa capitalista agrária e, com a participação do capital
estrangeiro, contribuiu para reforçar a conversão do Brasil em um país moderno com
alta taxa de urbanização e complexa estrutura social.
É o modelo rentista-neoextrativista, centrado na financeirização dependente e
no extrativismo intensivo de riquezas, transmutadas em commodities. Isto é, capital
financeiro e suas formas exorbitantes de lucros, via juros; acumular riquezas pela via da
expropriação do agronegócio e da mineração com base na intensa mercantilização de
commodities agrícolas e minerais. Processos esses realizados pela ação do Estado, ou
seja, a transformação capitalista teve lugar graças a acordos entre as frações de classe
economicamente dominante, à exclusão forçada das forças populares e a utilização
permanente dos aparelhos repressivos e de intervenção econômica do Estado.
As origens e o desenvolvimento da revolução burguesa são marcadas pelo o
mundo rural, onde a grande propriedade da terra é o maior protagonista, devido a
agricultura ter viabilizado historicamente a acumulação de capital no âmbito do
comércio e da indústria, o que favoreceu a “combinação entre a ordem tradicionalista e
as concepções de cunho liberal que sustentam, no nível ideológico, o ordenamento
competitivo da economia (FERNANDES, 1975, p.105) ou, como afirma Iamamoto (2007
p.136), a burguesia brasileira aceita o princípio da livre-concorrência nas relações
econômica estratégicas, porém, na prática, rejeita a igualdade jurídico-política, tal como
determina as cartas constitucionais. Estabelece-se, assim, uma estranha articulação
entre o conservantismo no plano político, (tão em voga, ultimamente) e a incorporação
do ideário liberal e sua defesa no campo de seus interesses econômicos.
Essa articulação adquire inteligibilidade, ao se considerar o papel desempenhado
pela grande propriedade na organização política brasileira, tendo em vista, que os
interesses destes foram preservados, sem impedir a modernização capitalista, dando
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forma à modernidade arcaica no Brasil. Aqui, o ideário liberal foi incorporado na
Constituição Federal de 1824, juntamente com a escravidão e com práticas que tem o
“favor como mediação quase universal” (SCHWARZ, 1981, p. 23-25).
As elites dominantes envolvidas nas atividades comerciais agroexportadoras,
identificam-se no mercado internacional com a lógica do lucro e com as ideias de
liberdade e igualdade que a supõem. Porém, na prática, esse conjunto ideológico
defronta-se com a força e a violência nas relações básicas de produção e com “homens
livres” – mas, na verdade, dependentes. Dessa forma, a burguesia incorpora no discurso
as elaborações europeias contra o arbítrio e a escravidão, mas, na prática, afirma o favor
e o clientelismo em instituições que proclamam formas e teorias do Estado burguês
moderno.
“Um liberalismo regressista”, com feição antidemocrática e antirrevolucionária,
que não se constrói sobre a universalidade da figura de cidadão. Pelo contrário, as elites
ajustam suas formas de dominação, adaptam-se à industrialização intensiva na defesa e
consolidação da economia brasileira como uma economia de regulação monopolista,
agravando o desenvolvimento desigual interno e intensificando a dominação externa.
Uma defesa do progresso dentro da ordem, prevenindo e antecipando as ameaças
revolucionária da sociedade.
A partir da “modernização conservadora”, verifica-se uma aliança do grande
capital financeiro, nacional e internacional, com o Estado nacional, que passa a conviver
com os interesses oligárquicos e patrimoniais, que se expressam também nas políticas
e diretrizes governamentais, que resulta, num ritmo lento, concentrador, conservador,
excludente da modernização capitalista da sociedade.
3 OS IMPACTOS DA CRISE AMBIENTAL NO BRASIL: expressão da questão socioambiental no século XXI.
A pauta da atualidade sem sombras de dúvidas é a questão ambiental e suas
respectivas expressões, que caminham de mãos dadas com a questão social, agravada
pelo modo de produção capitalista.
A questão ambiental é seguida do que hoje se conhece por crise ambiental,
legada em grande parte às reflexões iniciadas nas décadas finais do século XX, após a
crise do petróleo, ficando às claras que os recursos naturais são limitados e que a
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ideologia desenvolvimentista, que afirmava que os avanços tecnológicos e científicos
por explorações da matéria prima acarretariam na melhoria da qualidade de vida não se
sustentou. Esse fator coloca, assim, mais que uma crise ambiental, uma crise
civilizatória, na qual o futuro da própria humanidade corre risco, devido a constante
predação e degradação, advindo do atual modelo econômico e social em curso.
No Brasil não tem sido diferente, pois ao longo dos anos vem se desenrolando
um processo histórico de apropriação indevida dos recursos instalados aqui, desde o
processo colonizador e intensificado com a entrada tardia de um suposto modelo
modernizador na metade do século passado, culminando, na entrada do século XXI, com
os seguintes fatores apontados por Saccaro Junior (2015), redução do cerrado,
substituição de florestas por pastos e plantações, desmatamento, degradação dos
ecossistemas, uso inadequado do solo nas regiões nordeste e sudeste.
Somando-se a isso, foi com grande preocupação que assistimos no ano de 2019,
o estopim da crise global no Brasil. O atual governo vem contribuindo para um cenário
cada vez mais preocupante, que de alguma forma tem levado a um colapso ambiental,
com o uso indiscriminado dos recursos naturais.
Só no primeiro semestre de 2019, o Brasil registrou 18 mortes em conflitos
socioambientais, entre os mortos, 04 eram indígenas. No que se refere aos povos
indígenas, o governo Bolsonaro vem incitando o preconceito e o ódio na população
indígena e negando os direitos aos seus territórios.
O conselho Indigenista Missionário (CIMI) denunciou no dia 07 de dezembro
daquele ano, mais um atentado com vítimas fatais contra o povo Guajajara no Estado
do Maranhão, e contra um indígena Tuiuca, no estado do Amazonas. Foram 02 indígenas
assassinados: os caciques Firmino Praxede Guajajara, da terra indígena Cana Brava, e
Raimundo Belnício Guajajara, da terra indígena Lagoa Comprida. Lembramos ainda que
no dia 01 de novembro de 2109, a liderança Paulo Paulino Guajajara foi assassinado na
Terra Indígena Araribóia, no estado do Maranhão.
Conforme o sertanista, indigenista, etnógrafo e ex-presidente da FUNAI, Sydney
Possuelo (2019), indigenismo e meio ambiente são inseparáveis. E vivem o pior
momento com a alta de desmatamentos e queimadas no governo Bolsonaro, o que,
deveria levar o presidente a refletir sobre os rumos de sua política para a Amazônia.
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Conforme Possuelo, “Bolsonaro precisa ver que estamos na contramão do mundo. Hoje
está feio e constrangedor falar que é brasileiro.”
Sydney Possuelo (2019), afirma que os territórios indígenas representam 12,2 %
superfície do país. E que de 1910 para cá, haviam sido demarcados 500 e poucos mil
quilômetros quadrados de terra indígena. Pois a demarcação de terras indígenas, é um
ato de soberania para o governo brasileiro. Éramos reconhecidos como um país que
cuidava dos povos indígenas e que administrava o meio ambiente.
No que se refere ao uso de agrotóxicos, pode-se tomar como exemplo dessa
conjuntura, a massiva liberação, até setembro do ano de 2019, de mais de 325 tipos de
agrotóxicos para combate de pragas. O Brasil é o maior utilizador de agrotóxicos do
mundo, e assim, vem prejudicando os biomas e causando mortes e doenças como
câncer, infertilidade masculina e malformação fetal.
Cabe mencionar, também, as queimadas que aconteceram no mês de agosto, do
ano de 2019, que afligiram a Pré-Amazônia: a noite ficou às claras em Rondônia e a tarde
às escuras em São Paulo, devido a intensa queimadas, creditando, assim, o recorde
desta década. É importante, demarcar que a Pré-Amazônia é a maior floresta tropical
do mundo, o maior bioma do país e abrigo de grandes recursos naturais, como imensas
reservas hídricas, uma diversidade de flora e fauna (em grande parte, existentes
somente ali), uma capacidade mineralógica incalculável, contendo ferro manganês,
alumínio, ouro, gás e até petróleo e um imenso bioma, que corresponde a 20% do
oxigênio gerado em nosso planeta e, por isso, leva o título de pulmão do mundo.
Infelizmente, os impactos dessa devastação causaram sérios danos
socioambientais, como perda de 9.762 km2 de floresta, perda de parte da flora, morte
de diversas espécies, entre estes, diminuição de primatas, um possível desaparecimento
de alguns pássaros, alteração do modo de vida das comunidades tradicionais habitantes
da região e uma crescente piora do nível do oxigênio no planeta, devido às intensas
liberações de dióxido de carbono, o que contribui para o agravamento do aquecimento
global.
Ainda dentro deste cenário, no final do mês de agosto do ano de 2019, o litoral
nordestino foi tomado por imensas manchas de óleo/mistura de petróleo, atingindo os
noves estados da região Nordeste e dois da região Sudeste, Espírito Santo e o Rio de
Janeiro. Este desastre poluiu nossas belíssimas praias, totalizando 7,5 mil km de
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extensão somente em danos ambientais. Os prejuízos são inestimáveis para a
biodiversidade costeira, por exemplo, a grande barreira de corais de Abrolhos foi
atingida e grande parte da biodiversidade presente ali, além dos mares, rios e mangues
foram também afetados; animais marinhos foram mortos ou ficaram prejudicados pela
contaminação com petróleo, contaminação de toda a cadeia alimentar proveniente da
região por tempo indeterminado, as praias ficaram impróprias para o banho e
comunidades tradicionais, bem como os demais habitantes que dependiam do sustento,
foram prejudicados.
Esses trabalhadores, também, correm risco de sofrerem danos físicos,
psicológicos e psicossociais, ocasionados pela exposição com o óleo no litoral brasileiro,
ou seja, este dano ambiental, vale sinalizar, o maior acidente ambiental em extensão do
Brasil e da história do litoral brasileiro, deteriorou toda a sócio-biodiversidade presente
ali e levará décadas para se estabilizar novamente.
O posicionamento do governo brasileiro diante do impacto ambiental e a
demora para iniciar o processo de limpezas das praias foi bastante preocupante.
Demorou mais de um mês, (precisamente 41 dias), após as primeiras manchas de óleo
chegarem às praias, para o governo tomar alguma iniciativa. Foi só após a exposição de
voluntários, pescadores e demais trabalhadores, que não tinham os equipamentos de
proteção necessária para retirar o óleo das praias, que o governo passou a tomar
algumas iniciativas, via IBAMA, exército e marinha brasileira
E, não poderíamos deixar de mencionar, um dos maiores desastres
ambientais do país, que foi o rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho no
estado de Minas Gerais. Primeiro, em 05 de novembro de 2015, a maior tragédia
envolvendo barragens de rejeitos em toda a história, aconteceu no distrito de Bento
Rodrigues, em Mariana. Foram de 50 a 60 milhões de metros cúbicos de dejetos
despejados.
Em 25 de Janeiro de 2019, aconteceu de novo, um dos acidentes mais letais já
registrado pelo setor de mineração no Brasil, com 241 vítimas fatais localizadas, o de
Brumadinho, também em Minas Gerais. (Cordeiro, 2019). Os prejuízos socioambientais
são incalculáveis, o ecossistema presente ali foi destruído, pela contaminação pelos
rejeitos químicos da mineração de rios, do solo, extinção da biodiversidade. As
comunidades tradicionais e populações dos entornos com seu modo de vida afetados e,
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o mais grave, vidas que foram dizimadas pela ganância que subestima o valor da
natureza e vidas ao superestimar o lucro, a acumulação.
O atual governo brasileiro também vem promovendo ataque, perseguição e
desmantelamento dos órgãos de proteção ambiental, principalmente ás organizações
não governamentais (ONGs). Demitiu em agosto de 2019 o diretor do Instituto Nacional
de Pesquisas Especiais (INPE) por ter apresentados os dados de aumento do
desmatamento no Brasil.
E os dados do desmatamento continuam crescendo na Amazônia, conforme o
(INPE), de 05 de junho de 2020. Comparando os dados do mês de maio deste ano, com
abril, houve um acréscimo de 34%. Se comparamos com agosto de 2019 a maio de 2020,
os dados mostram que houve uma área desmatada de 6.064 km quadrado, tornando-se
como o maior índice dos últimos anos e 78% maior do que o registrado no período entre
2018 e 2019. Assim, estamos caminhando para um ano recorde em desmatamento, e
ainda não chegamos no período mais seco do ano, onde geralmente há um aumento
também de queimadas.
Levando em conta, a crise no sistema de saúde que o Mundo e o Brasil estão
atravessando, devido a Covid-19, os danos das queimadas na Amazônia podem ser fatais
para os ribeirinhos e demais trabalhadores este ano.
O caráter socioambiental dessa crise, desvelado pelos impactos ocasionados
pelos diversos desastres impulsionados pela acirrada corrida de acumulação do capital,
demonstra como a questão ambiental é uma expressão da questão social ao afetar de
forma dilacerante o âmbito social, a forma como as relações sociais se manifesta e como
isso vem sendo marcante na vida dos trabalhadores, especialmente os trabalhadores
tradicionais, como os ribeirinhos, pescadores artesanais, quilombolas e outros.
4 CONCLUSÃO
Em vista dos argumentos apresentados a partir do resgate histórico do conceito
de meio ambiente, e sua relação com a questão social no Brasil, explícita numa
modernização que se realiza a partir do atraso, que se reflete nos impactos das ações
de Estado brasileiro e sua política ambiental, que se torna inócua, ineficiente e omissa
em construir uma política pública socioambiental eficiente e que possa conter os
desastres ambientais ocorridos.
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A questão socioambiental não estar apartada desse contexto e se agrava,
diversifica-se e se expressa nas reivindicações dos povos tradicionais, dos sem-terra,
quilombolas, indígenas, dos atingidos por barragens, e contra a degradação ambiental.
No Brasil há um retrocesso no que se refere às políticas ambientais, visando até
medidas de destruição da vida, como a agroindustrialização da Amazônia e do Cerrado,
a mineração em terras indígenas, com consequências no que se refere ao genocídio
indígena e quilombola.
Acreditamos que só a conscientização, a organização e a mobilização popular
sejam capazes de alterar a atual política desse governo, exigindo medidas eficazes
contra o avanço do desmatamento e contra o descaso com as florestas e a vida, pois a
terra e o indivíduo não estão separados, mas profundamente entrelaçados em uma teia
mais ampla – a vida.
Quando a natureza quer, as coisas param. O mundo cultural inteiro está num grande "pause". Na natureza não existe punição, nem prêmio, só consequência. As únicas universidades de cinco séculos que o Brasil possui são as florestas. A gente está colocando fogo nelas, junto com esse fogo a gente está mandando embora toda a sabedoria e toda a possibilidade de salvar o planeta que elas guardam. Emicida 05 de junho2020.
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4538
EIXO TEMÁTICO 10 | QUESTÃO AGRÁRIA, URBANA E AMBIENTAL
O EUCALIPTO E SEUS IMPACTOS NO MARANHÃO: algumas reflexões
EUCALYPTUS AND ITS IMPACTS ON MARANHÃO: some reflections
Esther Diniz dos Santos1
Zaira Sabry Azar2
RESUMO O agronegócio, enquanto a forma de organização do capital no campo na atualidade, desenvolve práticas configuradas por seu caráter destrutivo, comprometendo os recursos naturais e de forma especial as condições de reprodução material e social da vida camponesa. No Maranhão, estas práticas se manifestam a partir de várias cadeias de monocultivos nas diversas regiões do estado. Dentre tais cadeias, o eucalipto assume papel de destaque, tendo polos implantados em grandes extensões territoriais. Com práticas predatórias que afetam o ambiente, expropria meios e condições de comunidades e populações camponesas, que se organizam em sindicatos, movimentos e entidades sociais. Palavras-Chaves: Agronegócio, Eucalipto, Maranhão. ABSTRACT Agribusiness, as the form of capital organization in the countryside today, develops practices configured by its destructive character, compromising natural resources and especially the conditions of material and social reproduction of peasant lif. In Maranhão, these practices are manifested in several monoculture chains in different regions of the state. Among such chains, eucalyptus plays a prominent role, having hubs implanted in large territorial extensions. With predatory practices that affect the environment, it expropriates the means and conditions of communities and peasant populations, which are organized into unions, movements and social entities. Keywords: Words: Agribusiness, Eucalyptus, Maranhão.
1 Graduanda em Serviço Social do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-Mail: [email protected] 2 Professora do Departamento de Serviço Social (DESES) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected]
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INTRODUÇÃO
As relações sociais estabelecidas no campo no Brasil, desde a colonização, são
determinadas pela prática hegemonizada da produção comercial, posto que já naquela
época os ciclos produtivos aqui desenvolvidos cumpriam o atendimento da demanda
apresentada pelo mercado externo e não por acaso que o país adotou como seu
primeiro modelo econômico o agroexportador. Tal modelo apresentava matriz
tecnológica pautada no sistema plantation, que de forma simples tinha como
características o uso e controle de grandes extensões territoriais, o uso da força de
trabalho eminentemente escrava e a produção destinada para a demanda externa, o
que definia as relações sociais estabelecidas a partir do domínio do senhor colonial.
Ao longo do processo histórico, o senhor colonial se transformou no fazendeiro
latifundiário, socialmente comprometido pela pecha da improdutividade e empecilho
ao desenvolvimento do país, por conta. Hoje, travestido este latifúndio em agronegócio,
assume a faceta de modernidade e produtividade, propagandeado aos cantos ventos
como “thec”, “pop” e “tudo”, porém, sua matriz tecnológica se sustenta em pilares que
caracterizaram o sistema colonial, com agravamento em questões como a concentração
fundiária, crimes ambientais o que lhe denota o caráter implícito de desigualdades e
violências.
Seguindo a dinâmica da produção de monocultivos no país, o Maranhão assume
papel de destaque nacional, sendo organizado em todas as regiões do estado.
Particularmente, o eucalipto encontra-se instalado nas regiões Tocantina, Buriticupu,
Barra do Corda e Baixo Parnaíba. Esta produção, como forma manifesta do agronegócio,
adota práticas predatórias nas várias dimensões dos recursos naturais e de forma
especial, das condições e meios de reprodução da vida humana, como a expropriação
de terras camponesas, o que compromete profundamente o acesso à terra por famílias
que dela sobrevivem.
O artigo tem como objetivo refletir sobre como as práticas do agronegócio
afetam as famílias camponesas em suas condições de vida, na particularidade da
organização do monocultivo do eucalipto. Metodologicamente, feita revisão
bibliográfica, o texto encontra-se organizado em dois itens, além desta introdução e das
considerações. No primeiro, é feita uma indicação do agronegócio em sua reorganização
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sócio econômica sob a retórica da modernidade e, no segundo, são configuradas
práticas do agronegócio no Maranhão, situando o monocultivo do eucalipto como uma
de suas expressões. Considera que expropriação dos meios e condições de reprodução
da vida camponesa feita pelo agronegócio não acontece de forma consensuada,
havendo seu enfrentamento pelas populações camponesas através de sindicatos,
movimentos e organizações sociais em geral.
2 O AGRONEGÓCIO: uma investida no Maranhão
O agronegócio no Brasil, como prática produtiva do capital, se insere em meio à
expansão agroindustrial que, com “predomínio de capital financeiro, orienta-se, em
grande parte, rumo a uma especialização crescente em determinadas commodities
orientadas para o mercado externo e com uma tendência à concentração em grandes
unidades de exploração” (TEUBAL, 2008, p. 140). Resultante de um processo social,
político e econômico iniciado desde a colonização brasileira, especificamente no
contexto da reestruturação produtiva da agropecuária, para a produção da riqueza a
partir do campo, utiliza de forma cada vez mais sistemática a ciência e a tecnologia.
Apresenta-se hoje como reconfiguração ou transmutação do latifúndio,
enquanto classe dominante no campo, na busca de “repaginar” sua imagem ou dar uma
ressignificação à ideia geral a seu respeito no conjunto da sociedade. Neste sentido,
muito importante observar que com uma “simbologia de modernidade tem contribuído
para alavancar o status quo da produção comercial” (AZAR, 2013, p. 22), e para isto a
ideia disseminada de forma intensa e prolongada por veículos de propaganda de que “o
agro é pop, o agro é tech, o agro é tudo”.
Ideologicamente, a propaganda indica a supremacia desta matriz tecnológica,
desvalorizando toda e qualquer outra forma de produção no campo. O termo “tudo” o
onipotencializa, fazendo-o presente e soberano em relação a tudo, em especial,
relacionada ao campo, assim também relacionado ao consumo na cidade, como comida,
remédios, cosméticos, perfume e tantas outras produtos e mercadorias, e com isso, o
colocando na condição de unicidade, como não havendo outra alternativa produtiva
para o país, sendo a ela todas as atividades articuladas e dependentes. Com tal
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perspectiva nega a agricultura familiar camponesa, enquanto matriz tecnológica que lhe
contrapõe, posto que tem como base o respeito à diversidade de culturas.
Termo criado para disputar ideologicamente mentes e corações, o agronegócio
constitui complexo sistema manifesto em cadeias produtivas, organizadas em ... múltiplas fases e setores, que abrangem todos os segmentos de insumos, como máquinas agrícolas, tratores, fertilizantes, defensivos e sementes; a reprodução animal; o melhoramento genético; a produção agrícola em si; e todo o segmento processador e de distribuição, assim como a tecnologia da informática usado no processo (AZAR, 2013, p. 96)
Ou seja, todos estes elementos compõem aspectos processuais da produção
comercial do campo, sendo a partir daí que são organizadas as cadeias produtivas de
grandes commodities como a cana de açúcar, laranja, soja, algodão, eucalipto e tantos
outras, assim como as carnes, frutos e flores em geral, cuja dinâmica econômica
encontra-se estruturada em todos os estados brasileiros.
No Maranhão, estado particularmente agrícola que expressa a carga histórica e
socioeconômica brasileira, e onde a questão agrária se manifesta não apenas de forma
política, mas também econômica, sua classe dominante tem suas bases na concentração
latifundiária. Economicamente, o estado sempre atendeu à economia, tanto nacional
quanto mundial, fornecendo, principalmente, matérias-primas. Internamente, também
ofereceu gêneros alimentícios de baixa qualidade e baratos para o operariado em
formação, assim como quantidade expressiva de força de trabalho, o que em muito
contribuiu para a organização do exército industrial e reserva. Em sua trajetória,
manteve-se dependente e submisso aos interesses do capital, especialmente ao
estrangeiro na atualidade.
Com a introdução de grandes projetos agropecuários a partir da década de 1940,
a “modernização do campo” teve seus avanços no estado através de implementações
de políticas desenvolvimentistas, as quais tiveram como maior característica os conflitos
no campo. Eleito em 1965, José Sarney teve um governo marcado pelo ideário de
“libertar” o Maranhão das correntes do atraso e dos desmandos da antiga oligarquia do
senador Vitorino Freire (BRANDÃO, 2007), e para tal adota o projeto de modernização
na perspectiva conservadora orientada pelos governos militares.
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Neste sentido, criou a Companhia Maranhense de Colonização (COMARCO), com
o discurso de ocupar de forma racional as terras livres, modernizando o setor primário,
através da implantação de grandes projetos agropecuários, fomentados pela
Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e da Superintendência de
Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) (AZAR, 2011, p. 05). Tais projetos visavam
potencializar a agricultura do estado, mas apenas a de caráter comercial patronal, sem
a inclusão das famílias camponesas, o que resultou em graves conflitos agrários. O
caráter conservador de tal modernização deve-se ao fato de que ... no Maranhão, com uma faceta modernizada, o agronegócio apresenta-se com a particularidade de velhas práticas da agricultura capitalista no campo. Práticas originadas ainda no sistema plantation, que têm sofrido modificações e adaptações, intensificando, porém, a exploração da terra e do homem (AZAR, 2011, p. 6)
O agronegócio no estado, com suas práticas “modernizadoras” provoca grandes
embates na vida social, ambiental e econômica da sociedade na sua totalidade, e em
particular as famílias camponesas. Com matriz tecnológica que tem seus pilares na
concentração fundiária, no uso das tecnologias avançadas para a produção de
monocultivos de forma a atender, principalmente o mercado, este modelo comercial da
agricultura implica “na expulsão das famílias camponesas, na redução da força de
trabalho, assim como na exploração inadequada dos recursos naturais”. (AZAR, 2011,
p.7)
O Estado maranhense adota, de modo geral, políticas neoliberais para fomentar
o desenvolvimento no meio rural, porém favorecendo o agronegócio e comprometendo
a sobrevivência da agricultura familiar. Isto se destaca com a expansão de monocultivos
desde a soja no sul do estado, seguindo para o centro e leste maranhense; o eucalipto
na região Tocantina e com um grande avanço no Baixo Parnaíba e Médio Mearim. Mas,
também tem vários projetos econômicos neste setor, como o arroz, milho, sorgo e
tantos outros.
O eucalipto compõe a silvicultura no estado, assumindo destaque nesta
produção, especialmente para atender à demanda de carvão vegetal para a siderurgia e
a madeira para celulose. Sua produção se configura por práticas que afetam
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diretamente o meio ambiente, considerando aí as condições e vida das populações
camponesas, sobre o que será tratado a seguir.
3 O EUCALIPTO NO MARANHÃO: reflexões sobre seus impactos
Apesar de ser mais uma produção relativamente recente no Maranhão o
eucalipto constitui produção comercial desde a década de 1930 no Brasil, onde sua
importância pode ser observada no fato de constituir 76,2% de toda a silvicultura, sendo
esta responsável por 79,3%, enquanto a extração vegetal respondia por 20,7% da
produção florestal do país em 2018, havendo um crescimento de 8% e uma queda de
2,7% respectivamente em relação ao ano anterior, segundo dados do IBGE (2018). No
Maranhão, “Apesar da pequena participação no Valor Adicionado do setor agropecuário
maranhense (Gráfico 1), as atividades de Extração Vegetal e Silvicultura têm crescido
com maior vigor no Maranhão desde 2013, principalmente por conta da celulose”
(IMESC, 2020, p. 06), sendo no caso, o eucalipto responsável por 99,995% da silvicultura
estadual no ano de 2018 (Idem, p. 09)
O plantio do eucalipto, como elemento do projeto desenvolvimentista do
estado, é realizado por empresas que visam a produção de carvão vegetal, lenha e tora
de madeira para a celulose. Em escala estadual, 51 municípios tinham este cultivo em
2015 (FEITOZA, 2017, p 08), distribuídos em várias regiões. Os maiores expoentes deste
cultivo são Itinga do Maranhão, Açailândia, Sítio Novo, Estreito, Grajaú, Bom Jesus das
Selvas, São Pedro da Água Branca, Parnarama, Bom Jardim, São João do Paraíso, Porto
Franco, São Félix de Balsas, Governador Edson Lobão, São Raimundo das Mangabeiras,
Balsas, Buriti Bravo, Barão de Grajaú, Barra do Corda, Anapurus, Santa Luzia. Tais
municípios disputam entre si os hankings na produção de madeira em tora para papel e
celulose, carvão vegetal, assim como lenha.
O polo Açailândia, que congrega vários municípios em seu entorno lidera, de
maneira geral, a silvicultura/eucalipto maranhense, e isto muito por conta da demanda
de carvão vegetal para a produção guseira da região, assim como a demanda de tora de
madeira para a obtenção da celulose processada em Imperatriz. Outro importante polo
de Baixo Parnaiba, onde se encontram os municípios Santa Quitéria, Urbano Santos e
Anapurus.
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Considera-se a implantação do eucalipto no Maranhão como fenômeno recente
em relação à situação nacional, pois desde a década de 1980 este estado sofre com
investimentos de empresas para essa produção, no que se destaca a empresa Suzano
S/A, instalada em Imperatriz, Sul do estado, cujo processo expansionista acontece com
o “reflorestamento” de eucalipto nas regiões, sendo que a partir de 2005 se vê como
reflexos dessa expansão os mais diversos conflitos com as comunidades tradicionais dos
territórios.
Importante destacar que a silvicultura no estado se encontra organizada
seguindo a matriz tecnológica do agronegócio e neste sentido,
... a implantação de projetos como os do Grupo João Santos, da Suzano Papel e celulose, da MARFLORA vem desestruturar a economia camponesa, porque atingem o equilíbrio das relações mantidas pelos trabalhadores com os recursos naturais (PAULA ANDRADE, 1997, p. 50-51).
A empresa Suzano Celulose, a maior empresa do setor no mundo, após sua fusão
com a empresa Fibria, em 2018, teve respaldo estatal em 2009, para usufruir de 40 mil
hectares do bioma cerrado, para o cultivo de eucalipto nos municípios Santa Quitéria,
Urbano Santos e Anapurus, na região Baixo Parnaíba, afetando de forma profunda a
relação sociedade-natureza, no momento em a prática deste monocultivo compromete
em todos os aspectos este bioma. Importante demarcar que muitas foram as denúncias
feitas pelo Fórum Carajás sobre ilegalidades nos processos.
A implantação desta produção no território maranhense provoca grandes
impactos socioambientais na dinâmica do projeto desenvolvimentista que,
efetivamente, atende aos interesses do grande capital, deixando grandes “desertos
verdes”, isto porque o eucalipto é uma vegetação que possui uma substância química
nas suas folhas que impede o crescimento de raízes de outras vegetações em seu
entorno, influenciando em todo ecossistema, por diminuir o nível de controle da erosão
dos solos e da manutenção da biodiversidade.
Dessa forma, pode-se pontuar importante forma de degradação do cerrado
maranhense, um ecossistema marcado pela diversidade frutífera, com frutas
importantes como o bacuri e o piqui, mas que está sendo devastado pelo avanço da
monocultura do eucalipto. O agronegócio, aqui representado pelo eucalipto, também
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impacta de forma profunda os recursos híbridos, assoreando os rios e comprometendo
os lençóis freáticos pelo uso indiscriminado de agrotóxicos. Pode-se dizer, então, que
... na dimensão da água, o agronegócio presente na região necessita fundamentalmente de uma reserva hídrica de alta capacidade, causando um desequilíbrio e grande sobrecarga nos afluentes e modificando a vazão destes... (COSTA, 2012, p. 10)
Isso se reflete na economia das comunidades rurais do território afetado. Com a
expansão do eucalipto, deixam de comercializar frutas e seus derivados, como polpas,
óleos e geleias, assim como as produções artesanais relacionadas. Também perdem a
possibilidade de criar e comercializar pequenos animais pela contaminação agrotóxica.
Em termos sociais e de saúde, empresas de bioquímica, usadas pelo agronegócio
para defender o uso de agrotóxico nas plantações, o justificam, apontando que os
agrotóxicos são remédios com dosagens corretas e estudadas para não afetar o ser
humano, os animais, o solo e a água, mas a realidade aponta outra verdade diante dessa
situação, pois conforme Souza (2013), animais soltos no Baixo Parnaíba são encontrados
doentes e com coceiras na pele, fruto da contaminação de plantas e águas que estão
entorno da plantação de eucalipto. Na verdade, este modelo produtivo em suas
práticas, utiliza a pulverização de agrotóxicos tanto com manuseio manual quanto por
via aérea, alcançando de forma indiscriminada fauna e flora, o que implica em graves
consequências para a saúde de pessoas e animais, em especial doenças de pele e
pulmonares. Isto, porque, no caso humano,
Os riscos de intoxicação humana acontecem não somente através do trabalho na agricultura. Em certas áreas agrícolas, o simples fato de “respirar” pode se tornar uma fonte de exposição, tendo em vista que, durante a atividade de pulverização, existe a dispersão destes produtos no ambiente. (MS, s/d, p. 04)
Os impactos socioeconômicos, infelizmente, não se restringem aos elementos
destacados. As relações sociais nas regiões dominadas pelo monocultivo do eucalipto,
estão cada vez mais afetadas, pois, por exemplo, em termos de trabalho tem sido
estabelecidas relações de subalternidade dos trabalhadores. Um dos aspectos a ser
considerado é que, como esta dinâmica produtiva se baseia na expropriação dos meios
de trabalho destas comunidades, a terra, as famílias se submetem aos poucos postos de
trabalho oferecidos pelas empresas, assim, além de serem submetidos a precárias
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condições de trabalho, também disputam entre si, as vagas existentes, até por conta do
grande uso da mecanização e pouco uso da força de trabalho.
Outro aspecto do agronegócio na região aparece na ameaça constante
expropriação de territórios camponeses por grandes proprietários oriundos de outras
regiões do país, especialmente do Sul, o que resulta em graves problemas, pois
expropriados os territórios, expropriados são também meios e condições de reprodução
da vida camponesa, o que provoca situações como a migração e suas consequências,
como por exemplo a urbanização desordenada, com aumento da pobreza e das
desigualdades. Dentre as formas mais utilizadas para expulsão das famílias camponesas
está a grilagem, muito comum na história dos conflitos no campo maranhense.
Na organização dos monocultivos, o agronegócio também tem como prática do
correntão, que é o uso de grandes e pesadas correntes que são puxadas por tratores e
arrastam tudo que estiver em sua rota, arrancando, então, árvores de todas as espécies
e matando animais. Após da derrubada das árvores são realizadas queimadas para a
limpeza da área na preparação da terra para o plantio. Suas consequências são de
expressiva gravidade com os impactos ambientais, com mudança de temperatura,
enfraquecimento do solo. Os animais, quando não mortos, fogem de seu habitat,
causando inúmeros outros problemas. As populações camponesas sofrem diretamente
todas estas situações, pois se veem desprovidas de suas possibilidades de sua
reprodução social e cultural.
Mas, estas práticas não acontecem de forma harmoniosa e consensual, pois as
populações afetadas organizam lutas e resistências, seja através de sindicatos,
movimentos e entidades sociais organizados em todas as regiões do estado. Organizam
as populações quilombolas, indígenas, ribeirinhas, extrativistas, acampadas e
assentadas para garantir seus territórios e seus modos de vida.
4 CONSIDERAÇÕES
O agronegócio apresenta-se com a retórica do desenvolvimento e de
modernidade. Como forma hegemônica da produção no campo no Maranhão, adota
práticas produtivas que comprometem os recursos naturais e a reprodução material e
social camponesa. Famílias camponesas são expropriadas de seus meios e condições de
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trabalho, passando a vivenciar situações de desemprego, violência e pobreza, muitas
vezes nas periferias das cidades. Neste sentido, a migração a que as famílias
expropriadas são submetidas, em muito contribuem para os processos de urbanização
desordenada que caracteriza os centros urbanos do estado.
O eucalipto, enquanto expressão importante do agronegócio, adota suas
práticas destrutivas. Esta produção encontra-se organizada em várias regiões do estado,
afetando de maneira profunda o modo de vida das famílias camponesas, a exemplo das
populações quilombolas, ribeirinhas, indígenas, extrativistas e assentadas de modo
geral. Em sua dinâmica compromete rios, fauna e flora, assim como a vida humana. Esta
espécie no estado encontra-se organizada por empresas de capital consorciado, que
representam interesses do capital internacional, o que em muito contribui para a
desnacionalização do campo brasileiro.
Por outro lado, as famílias camponesas afetadas pelo agronegócio, em especial,
pelo eucalipto, vivenciam processos organizativos que lhes permitem lutas e resistências
no enfrentamento a este modelo produtivo no campo. De forma geral, as ações e
iniciativas desenvolvidas pelo agronegócio no estado, não acontecem de forma
consensual, ainda que as ações organizativas das famílias afetadas não tenham
conseguido barrar suas consequências.
REFERÊNCIAS
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COSTA, Saulo Barros da. Produção de eucalipto no baixo Parnaíba maranhense – Ordenamento (e conflitos) territorial em foco. XIII Jornada do Trabalho, 2012. FEITOZA, Ilnar Fernandes. O CAPITALISMO E A EXPANSÃO DA PRODUÇÃO DE EUCALIPTO NO MARANHÃO. Anais do VIII Simpósio Internacional de Geografia Agrária e IX Simpósio Nacional de Geografia Agrária. Disponível em https://singa2017.files.wordpress.com/2017/12/gt08_1504738885_arquivo_ocapitalismoeaexpansaodaproducaodeeucaliptonomaranhao.pdf IBGE. Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura 2018. Disponível em https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/74/pevs_2018_v33_informativo.pdf Ministério da Saúde (MS). Nota informativa contendo esclarecimentos sobre pulverização aérea e o controle de endemias. Disponível em http://www.saude.gov.br/images/pdf/2016/marco/30/Esclarecimentos-sobre-pulveriza----o-a--rea-e-o-controle-de-endemias.pdf SOUZA, Ivonete G; OVERBEEK, Winfridus. Plantações de eucalipto para energia: O caso da Suzano no Baixo Parnaíba, Maranhão, Brasil. 2013. Disponível em: https://wrm.org.uy/wpcontent/uploads/2013/11/Plantacoes_de_eucalipto_para_energia_O_Caso_da_Suzano.pdf. Acesso: 14 de abril de 2020. TEUBAL, Miguel. O campesinato frente à expansão dos agronegócios na América Latina. In: PAULINO, Eliane Tomiasi; FABRINI, João Edmilson (orgs). Campesinato e territórios em disputa. 1ª edição. São Paulo. Expressão Popular. Programa de Pós-graduação em Geografia. UNESP. 2008.
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EIXO TEMÁTICO 10 | QUESTÃO AGRÁRIA, URBANA E AMBIENTAL
A JUDICIALIZAÇÃO DA LUTA PELA TERRA: o caso do Acampamento Novo Pindaré em Pindaré Mirim - MA
THE JUDICIALIZATION OF THE FIGHT FOR EARTH: the case of Camp Novo Pindaré in
Pindaré Mirim – MA
Zaira Sabry Azar1 RESUMO O artigo trata da judicialização da luta pela terra como estratégia política, tendo como referência empírica o Acampamento Novo Pindaré, no Maranhão. Trata de pesquisa bibliográfica e empírica. Aborda a judicialização da terra como judicialização da política, posto ser a reforma agrária direito constitucional, e a propriedade privada, condicionada à função social. Com interesses divergentes quanto ao uso da terra, camponeses sem-terra e fazendeiros buscam estratégias para seu controle. Estes para exploração de seus recursos para gerar lucros ou ainda como reserva de valor; aqueles como forma de garantir sua reprodução material e social. Apresenta a judicialização do caso do acampamento, onde as famílias acampadas lutam para barrar o processo de reintegração de posse emitida em favor do fazendeiro. Considera a legitimidade da luta pela terra; a judicialização pelo latifúndio constitui estratégia do capital para controle da terra. Palavras-Chaves: Judicialização, Luta pela Terra, Acampamento Novo Pindaré ABSTRACT The article deals with the judicialization of the struggle for land as a political strategy, having asan empirical reference the Camp Novo Pndaré, in Maranhão. It deals whit biblographic and empirical research. It adresses the judicialization of land as the judicialization of politics, since agrarian reform is a constitucional right, and private property, conditioned to the social function. With divergente interests in land use, landless peasants and farmers seek strategies for their control. These are used to exploit their resources to generate profits or as a reserve of value; those as a way to guarantee their material and
1 Doutora em Políticas Públicas, professora do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do maranhão (UFMA. E-mail: [email protected]
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social reproduction. It presentes the judicialization of the case of the camp, where the emcamped families struggle to block the processo f repossesion issued in favor of the farmer. It considers the legitimacy of the struggle for land; judicialization by the latifúndio is a capital strategy for land control. Keywords: Judicialization, Struggle for Land, Camp Novo Pindaré.
INTRODUÇÃO
O artigo trata da judicialização da luta pela terra, tendo como referência
particularidades do caso do Acampamento Novo Pindaré, localizado no município
Pindaré Mirim, no estado do Maranhão. Este caso apresenta-se emblemático sobre o
debate da judicialização, pois diz respeito à impetração de mandato de reintegração de
posse de área, por parte da Comarca de Pindaré Mirim, em resposta ao proprietário,
empresário do ramo comercial. Tal propriedade é considerada pelos trabalhadores
como não cumprindo a função social da terra, o que lhe determinou a ocupação pelas
famílias sem-terra.
A luta pela terra constitui a centralidade da questão agrária brasileira. Desde o
período colonial, a terra encontra-se no centro da disputa pelo controle dos processos
produtivos no país. Historicamente, as burguesias nacionais, especialmente a rural, cria
e recria estratégias para a não realização da reforma agrária, mantendo assim, seu
status quo de poder e domínio no campo. Por outro lado, o campesinato se caracteriza
no país, pela insistência histórica de que haja a reforma agrária, travando para isto,
intensas lutas contra a expropriação a que vem sendo submetido sistematicamente.
Os modelos econômicos adotados pelo Estado brasileiro desde sempre
privilegiaram a concentração da terra, antes com a proteção dos latifúndios
improdutivos, hoje, com o incentivo à agricultura comercial, e sempre negligenciando a
agricultura familiar camponesa que caracteriza o campesinato. A luta camponesa pela
reforma agrária passa pela necessidade do acesso à terra para a produção e, sendo
antagônicas as matrizes produtivas das classes, as estratégias de luta vão se
reconfigurando. E, se antes, os fazendeiros adotavam a violência explícita e pública
contra os camponeses, inclusive com a prerrogativa do mando e poder coronelista a eles
atribuído, hoje adotam estratégias políticas mais aceitáveis, que lhes conferem faceta
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civilizatória e legal, com a judicialização, lembrando que já acontece com a Lei de Terras
em 1850. É nesta perspectiva que o acampamento em pauta sofreu despejo, mas as
famílias têm buscado criar alternativas de resistência, tendo como referência o processo
judicial.
Em termos metodológicos foi feita pesquisa bibliográfica e realizadas visitas e
entrevistas às famílias acampadas. O texto encontra-se organizado, além desta
introdução e das considerações, em dois itens. No primeiro, aborda a judicialização da
luta pela terra, na perspectiva política que a questão agrária assume; demarca a
Constituição Federal de 1988 como marco da reforma agrária e relativização do direito
à propriedade privada. No segundo, configura o caso do acampamento estudado, tendo
como referência peças processuais. Considera que a judicialização da luta pela terra
constitui estratégia de domínio do capital, no caso, na condição de reserva de valor,
assumindo o caso a conotação do direito à terra acima do direito à vida.
2 JUDICIALIZAÇÃO DA TERRA: a política em questão
A judicialização tem sido recurso recorrente nos conflitos fundiários, seja por
parte de fazendeiros, latifundiários ou empresários do agronegócio; seja por parte de
famílias camponesas sem-terra. Este recurso jurídico resulta de um longo processo de
disputa pelo controle da terra no Brasil, sendo que de forma hegemônica as relações
sociais, políticas e econômicas têm sido determinadas pelos grupos dominantes desde
a colonização portuguesa.
Inicialmente, a dominação dava-se de forma direta pelo uso da força e da
violência no sentido de conter quaisquer iniciativas populares de acesso à terra, porém
a judicialização compõe o universo da questão agrária, enquanto estratégia de controle
da terra pela burguesia agrária, desde a lei 601, em 1850, a chamada Lei de Terras, que
condicionava seu acesso pela compra, privatizando a propriedade territorial. Tal lei pode
ser considerada o “batistério do latifúndio no Brasil” e isto porque “regulamentou e
consolidou o modelo da grande propriedade rural, que é base legal para a estrutura
injusta da propriedade da terra no Brasil” (STÉDILE, 2005, p. 23).
O latifúndio, que tem como base a concentração fundiária, sempre foi
questionado pelos camponeses desprovidos dos meios e condições de produção no
campo, sendo que as relações por ele estabelecidas resultam, invariavelmente, em
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conflitos. Obviamente, em relações conflituosas, as partes, diversas entre si, buscam
estratégias e alternativas para alcançar seus objetivos. no caso dos conflitos por terra, o
latifúndio pretende o controle da terra, enquanto as famílias camponesas, buscam sua
reprodução material e social.
Neste embate entre as classes no campo, a judicialização tem sido recurso
estrategicamente adotado por ambas, e neste sentido, enquanto processo sócio
histórico, consideramos que a judicialização da luta pela terra passa, essencialmente,
pela “judicialização da política” (VIANNA e outros, 1999), isto, dados os complexos
processos que caracterizam a não garantia dos direitos constitucionais, no caso
específico, ao não atendimento do que trata a Constituição Federal, em seu artigo 5º,
que preconiza o direito à propriedade privada, mas a condiciona à sua função social,
quando estabelece que “a propriedade atenderá a sua função social”, sendo que “a lei
estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública,
ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, salvo os casos
previstos nesta Constituição” (SENADO FEDERAL, site)
A função social da propriedade privada constitui princípio organizativo da ordem
econômica e social do país, assegurando “existência digna conforme os ditames da
justiça social”, como consta no artigo 170 da Carta Magna brasileira. Isto significa que a
propriedade privada não pode ser privilegiada em relação às necessidades gerais da
sociedade e nem negligenciar tais necessidades, posto que possui responsabilidade no
processo de organização social, econômica, política e cultural do país.
Determinação polêmica, pois fere frontalmente interesses de uma classe que
historicamente controla a terra no Brasil, a responsabilidade social da propriedade tem
sido posta em cheque e confrontada de forma categórica por esta. Como estratégia,
questiona o sentido de função social inscrita na Constituição e enfrenta as ações de luta
pelo direito à terra desencadeadas por movimentos e organizações sociais de
camponeses.
Neste sentido, quando os direitos garantidos pelas legislações que regem as
relações sociais no país não são efetivados, precisam ser judicializados, caracterizando
a judicialização da política, o que acontece “pela transferência, para o Poder Judiciário,
da responsabilidade de promover o enfrentamento à questão social, na perspectiva de
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efetivação dos direitos humanos. (AGUINSKY; ALENCASTRO, 2006, p. 21), o que se dá
pela incapacidade do Estado dá as devidas respostas às questões sociais existentes.
A questão agrária, como expressão da questão social brasileira, constitui
elemento central das históricas relações estabelecidas desde a organização colonial,
quando a estrutura fundiária foi organizada de forma concentrada, não sofrendo
qualquer alteração estrutural desde então. Como elemento central da questão agrária,
a conflitualidade e conflitos entre “senhores” da terra e as famílias camponesas, que se
configuram e reconfiguram de acordo com os contextos e conjunturas.
Atualmente, esta questão se configura, principalmente, nas relações conflituosas
estabelecidas entre o agronegócio, ou empreendimentos econômicos que têm como
base a exploração da terra e seus recursos naturais, e as famílias camponeses, em geral
impactadas com os processos organizativos deste modelo produtivo. Importante
destacar que a terra não tem sido usada pelos grandes proprietários apenas para
exploração produtiva, mas continua cumprindo o papel de reserva de valor, ficando sem
qualquer uso produtivo, à mercê de processos especulativos de toda ordem.
A garantia da reforma agrária, enquanto política inscrita na Constituição Federal
de 1988, não tem sido efetivada, fazendo com que seja necessária sua judicialização,
porém, como dito, este recurso imprime caráter de incapacidade ao Estado, além de
que
A judicialização do país traz um enorme prejuízo à sociedade e enriquecimento da classe jurídica em face de conflitos infindáveis que poderiam ser resolvidos de outra forma. É óbvio que há o aspecto cultural, onde se confunde Judiciário com Justiça, mas esta não pode ser monopólio de um grupo, todos podem fazer justiça, principalmente a conciliatória. (MELO 2005, p.1)
A judicialização da luta pela terra, particularmente, resulta, via de regra, em
“conflitos infindáveis”, que expõem as famílias camponesas a situações de tensões e
incertezas. Ademais, historicamente, setores do Judiciário têm se mostrado
comprometido com os interesses da classe dominante, particularmente no campo, até
porque muitos que o compõem fazem parte do latifúndio nacional, o que significa dizer
que muitos processos de terra judicializados são conduzidos por parte interessada na
expropriação camponesa.
A dinâmica de judicialização da questão agrária se apresenta controversa, pois
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Os latifundiários recorrem ao Estado para exigir a garantia à propriedade. Do outro lado, os camponeses buscam o cumprimento do preceito constitucional que determina a desapropriação de imóvel rural que não cumprir a obrigatoriedade da função social da terra. Dessa forma, os embates acabam na esfera jurídica, levando ao Poder Judiciário o papel de solucionar a questão. (RODRIGUES; MITIDIERO JR, 2012, p. 01)
Com a citação acima, se constata a judicialização como estratégia na disputa pela
terra. Por um lado, os interessados na grande propriedade privada, no sentido de
garantir a reprodução do capital, seja através da produção comercial, seja na condição
de reserva de valor. Por outro lado, as famílias camponesas, em regra, expropriadas de
suas condições de trabalho, interessados na garantia de suas possibilidades de
reprodução da vida material e social camponesa.
No caso em estudo, o acampamento Novo Pindaré, apresenta elementos da
disputa pela terra entre fazendeiro e famílias sem-terra, tendo como referência a
judicialização da terra, sobre o que será tratado a seguir.
3 ACAMPAMENTO NOVO PINDARÉ: a judicialização como estratégia do latifúndio
O Maranhão é um estado reconhecidamente desigual, onde a questão social se
manifesta em suas mais diversas facetas. No que se refere à terra, inúmeros conflitos
permeiam sua história. E, se antes estes aconteciam diretamente entre fazendeiros e
camponeses, hoje se expressam pela produção organizada pelo agronegócio e grandes
latifúndios e as famílias camponesas em suas várias conformações: quilombolas,
indígenas, ribeirinhos, extrativistas, assentados e acampados.
Como grandes proprietários de terra no estado constam grupos empresariais
nacionais e estrangeiros de vários ramos da economia. São projetos como a produção
da soja, do eucalipto, do bambu, da exploração do gás, petróleo, ouro, calcário, dentre
outros. Estes empreendimentos, enquanto organização produtiva que visa a
acumulação do capital, apresentam matriz produtiva caracterizada pelo uso de grandes
extensões de terra, produção voltada para o mercado internacional, uso de alta
tecnologia e pouca força de trabalho. Este padrão produtivo implica na expropriação
dos meios e condições de reprodução da vida material e social das famílias camponesas,
o que desencadeia conflitos entre grandes propriedades e o campesinato (AZAR, 2013).
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Trazemos aqui o conflito existente do Acampamento Novo Pindaré, localizado
no município Pindaré Mirim. Todas as informações aqui apresentadas, no que se refere
à caracterização do caso, foram coletadas por pesquisa feita ao Processo nº 1601-
96.2016.8.10.0108, que tramita na Comarca de Pindaré Mirim. Este acampamento
resulta de uma ocupação da fazenda Vila Velha/Boi Montado, realizada por 320 famílias,
em 14 de setembro de 2016. Área com 1.076 hectares, conforme ação possessória, tem
como autodenominado proprietário um empresário do ramo comercial do estado do
Piauí.
No dia 10 de novembro foi protocolada Ação de Reintegração de Posse, sob o
argumento de comprovação documental da propriedade, a qual foi deferida em 16 de
novembro de 2016. O despacho judicial indica ainda sejam oficiadas a delegacia de
Polícia Civil do município e a Secretaria Municipal de Assistência Social para que
“coadjuvem a diligência”, a fim de prevenir “desdobramentos indesejáveis”. Abre mão
do cumprimento legal da mediação, considerando que “inexiste a lotação de cargos de
conciliadores e/ou mediadores, bem como ainda não foram implementados os centros
judiciários de solução consensual de conflitos pelo TJMA, resta inaplicável a realização
de audiência de conciliação ou de mediação”.
A defesa das famílias acusadas de turvação e esbulho argumenta o que preconiza
o Novo Código Civil, que exige “quando figurar no polo passivo grande número de
pessoas, que as comunicações sejam feitas pessoalmente a quem possa encontrar no
local e a citação por edital das demais, devendo ainda ser feita a intimação do Ministério
Público”, conforme consta no processo (CPM, s/d, p. 55 – grifos do autor), a fim de
garantia de defesa de hipossuficientes, caso que caracteriza as famílias em questão.
Não tendo sido providenciado nenhuma das duas exigências legais, a defesa fez
uma Apelação Cível, datada de 05 de dezembro de 2016, solicitando a nulidade da
decisão, alegando violação ao contraditório e da ampla defesa, por considerar que “a
ausência de intervenção do Ministério Público na presente demanda se mostra contrária
à regra processual, uma vez que a demanda foi interposta contra 6 (seis) pessoas que
moram com suas famílias, circunstância que aponta o interesse social.” (CPM, s/d, p. 57)
Na ocasião, a autoridade jurídica ao deferir pela reintegração de posse
desconsiderou o interesse social existente no caso, enquanto para a defesa jurídica das
famílias acampadas, o caso constitui “questão de envergadura social”, uma vez que são
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cerca de 320 pessoas residentes no local, cuja condição é de trabalhadores, em regra,
expropriados das condições de sua reprodução material, e que ali encontram
possibilidades para tal, tanto assim que chegaram a construir 365 casas de palha, uma
sede para a associação e uma igreja. Em termos de produção, organizaram mais de 300
linhas de plantio, sendo milho, feijão, arroz, vinagreira e mandioca, além de animais de
pequeno porte, conforme depoimento das famílias. Tal fato também foi desconsiderado
na liminar de despejo.
A defesa ainda alega que, apesar do autodeclarado proprietário apresentar
documento de compra da terra, esta, originalmente é da Marinha, sendo, portanto,
terra devoluta. E sobre terras devolutas, o Decreto Lei nº 9.760/47, em seu artigo 5º, diz
não se incorporarem estas, ao domínio privado, o que impossibilita tal propriedade. Fato
importante é que de dezembro a agosto, cerca de 70% da área fica submersa, só sendo
acessada a área por via fluvial.
A posse da terra pelo fazendeiro também é questionada, sendo alegado pelas
famílias ocupantes o abandono e não uso para produção, estando a mesma
“abandonada sem uso adequado há décadas sem alcançar a sua função social, objetivo
este tido como fundamental para que não se tenha uma propriedade desapropriada”
(CPM, s/d, p. 65).
Não houve despejo, em 31 de janeiro de 2017, novo pedido de reintegração de
posse por parte do fazendeiro, sendo deferido pela Comarca de Pindaré Mirim. Em 09
de junho esta Comarca intima o Secretário Estadual de Segurança Pública e o
Comandante Geral da Polícia Militar do Estado do Maranhão para, no prazo de dez dias,
cumprirem a operação de despejo. Importante destacar o reconhecimento da questão
social existente no caso, pois em despacho liminar convoca a Secretaria Municipal de
assistência Social, para “adoção das providências necessárias no âmbito de sua
competência, em razão da vulnerabilidade social das famílias atingidas pela ordem”
(CPM, s/d, p. 98)
Em 25 de maio, a execução da ordem aguardava despacho do comando. Até 04
de dezembro de 2017, não foram tomadas providências efetivas para a retirada das
famílias, sendo nesta data, determinado o bloqueio das contas do Estado do Maranhão,
via bacenjud, no valor de cinquenta mil reais. No despacho judicial, também foi feita a
intimação à Procuradoria do Estado para as providências necessárias ao cumprimento
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da ação; assim como notificados mais uma vez o Comandante Geral da Polícia Militar e
o Secretário de Segurança Pública.
Em 08 de março de 2018, a Procuradoria oficia solicitação ao Comandante Geral
da Polícia Militar e ao Secretário de Estado de Segurança Pública, os atos necessários
que sejam de sua competência para o cumprimento da ordem judicial. Em 22 de março
de 2018, o Estado do Maranhão, através do Tribunal de Justiça do Maranhão suspende
a liminar referente ao bloqueio de contas do Estado, mantendo, porém, a liminar de
despejo das famílias.
Em 12 de março de 2018, a Defensoria Pública Estadual requer à Comarca de
Pindaré Mirim, habilidade nos autos para patrocínio da defesa dos acusados pelo
fazendeiro e em 09 de novembro requer a reconsideração/suspensão da reintegração
de posse pleiteada pelo fazendeiro. Como argumentação apresenta estudo social
atribuindo à área função social com a residência de 85 famílias de forma permanente na
terra; alega a não comprovação da criação de gado alegada pelo fazendeiro, do uso da
terra pelo fazendeiro, além da possibilidade de diálogo entre o “autor da ação para fins
de regularização fundiária em favor dos agricultores ocupantes do terreno” (CPM, s/d,
p. 293), via informação da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Participação
Popular (SEDHPOP). Por fim, constata a ausência de vistoria técnica pelo Instituto de
Colonização e Terras do Maranhão (ITERMA)
No documento, postula a realização da vistoria técnica a ser feita pelo órgão
estadual responsável e o que seja oficiado ao Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (INCRA) para informar sobre a possibilidade de diálogo entre as partes.
Também pedindo a reconsideração da ordem judicial, no dia 12 de novembro, a
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) apela de forma extrema, por tratar-se o caso “da
vida de várias pessoas que dependem da terra para viver e existir e para quem o
provimento jurisdicional significa a aniquilação do efetivo exercício do direito à moradia
e alimentação adequada” (CPM, s/d, p. 328)
Porém, tais pedidos não foram atendidos, pois a Ação de Reintegração de Posse
ocorreu no dia 13 de novembro de 2018, realizada por oitenta policiais do 7º Batalhão
da Polícia Militar, o que sofreu resistência das famílias ocupantes, que montaram
barricadas ao longo do caminho de acesso à área. A ação durou todo o dia, e se
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caracterizou como violenta, pela queima das casas e plantações, maus tratos e atos
humilhantes e provocadores para com os trabalhadores, conforme relatos obtidos
durante a pesquisa.
A DPE intervém após a Ação solicitando à Comarca autorização judicial para
adentrarem ao imóvel em litígio para colherem as roças plantadas e assegurar o
sustento, considerando que tal medida não causa prejuízo ao fazendeiro. Solicitação foi
acatada pelo juiz da Comarca. Com tal autorização, as famílias passam a colher suas
produções, fazendo o beneficiamento da mandioca, com a produção da farinha no local.
Como visto, a dinâmica do processo jurídico do acampamento Novo Pindaré é
bastante complexa, que envolve diversos órgãos públicos que se relacionam e debatem
em torno da questão. Na apresentação do processo, pode ser verificado o não
cumprimento imediato da decisão judicial da ação de despejo, pois a primeira ordem
neste sentido data de novembro de 2016, imediatamente após a ocupação, mas a ação
só foi realizada em novembro de 2018, ou seja, dois anos depois.
Tal situação só pode ser compreendida no contexto das relações políticas
estabelecidas no processo de luta pela terra. Neste sentido, com tal medida, a ordem
judicial não carrega em si o poder absoluto de seu cumprimento, pois como sugerido no
texto, se faz necessário considerar o respeito aos direitos humanos, sendo importante
observar que estes direitos, no caso, dizem respeito às famílias camponesas que viram,
na ocupação da terra, oportunidade de garantir sua sobrevivência e de suas famílias, ou
seja, com o acesso à terra, a garantia do direito humano, na sua essência, o direito à
vida.
Neste sentido, em repostas à luta e às mobilizações dos movimentos de luta pela
terra, o governo estadual criou em 2015, a Comissão Estadual de Prevenção à Violência
no Campo e na Cidade (COECV), que conta com a participação de organizações e
movimentos sociais, “com o objetivo de mediar os conflitos fundiários no campo e na
cidade nos moldes da Convenção 169 da OIT, da Lei Federal nº 8629/1993, dos Decretos
Federais nº 4.887/2003 e 6.040/2007 e da Lei Estadual nº 9.169/2010” (STC, site),
promovendo, nos casos de determinação judicial de reintegração de posse, o diálogo
entre as partes s sujeitos referidos, a fim de uma solução a mais pacífica possível.
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4 CONSIDERAÇÕES
À guisa de considerações, destacamos a histórica reconfiguração das estratégias
de controle da terá pelo latifúndio, sendo a judicialização do direito à propriedade
privada privilegiada em relação ao direito básico à vida. por outro lado, a participação
de organizações da sociedade civil no processo de mobilização social para defesa do
direito à terra tem legitimidade política, já que a terra constitui um direito que deve ser
efetivado pela ação do Estado, através das políticas de reforma agrária, conforme
preconiza a legislação magna do pais. Porém, como o Estado não cumpre este dever
republicano, resta às famílias buscar formas de pressão dos poderes públicos para que
seja efetivado este direito, sendo a mediação importante instrumento em processos de
conflitos como este.
Neste sentido, as famílias acampadas, enquanto sujeito social que sofre o
processo de judicialização e criminalização da luta pela terra, assumem papel político,
construindo estratégias de articulação e mobilização de organizações sociais e órgãos
públicos, fortalecendo a organização social da comunidade, construindo possibilidades
de conquistas às grandes investidas do capital no controle da terra.
O caso em estudo, de judicialização da luta pela terra como estratégia de
domínio do capital, tendo como referência o caso do acampamento Novo Pindaré,
mostra a complexidade como elemento da questão agrária, exigindo pesquisas e
estudos que subsidiem políticas públicas voltadas para atender as necessidades das
famílias camponesas, no sentido de garantirem sua reprodução material e social com
dignidade
REFERÊNCIAS
AGUINSKY, Beatriz Gershenson; ALENCASTRO, Ecleria Huff de. Judicialização da Questão Social: rebatimentos nos processos de trabalho dos assistentes sociais no Poder Judiciário. Revista Katálysis. Florianópolis, v. 9, n. 1, p. 19-26, 2006. AZAR, Zaira Sabry. Relações de trabalho e resistência camponesa no desenvolvimento dependente no Maranhão: o assentamento Califórnia como uma expressão. Tese de Doutorado defendida no Programa de Pós Graduação em Políticas Públicas (PPGPP), da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). 2013
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COMARCA DE PINDARÉ MIRIM. Processo nº 1601-96.2016.8.10.0108. MELO, A. L. A. A judicialização do Estado brasileiro, um caminho antidemocrático. Disponível em <http:// www.kplus.com.br>. RODRIGUES, Luanna Louyse Martins; MITIDIERO JUNIOR, Marco Antonio. Disputas territoriais e judicialização da questão agrária. http://www.lagea.ig.ufu.br/xx1enga/anais_enga_2012/eixos/1210_1.pdf SENADO FEDERAL. Constituição Federal de 1988. Disponível em http://www.saude.am.gov.br/planeja/doc/constituicaofederalde88.pdf STÉDILE, João Pedro. A questão agrária no Brasil: o debate tradicional 1500-1960. São Paulo. Expressão Popular, 2005 VIANNA, L. W. et al. (Orgs.). A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de janeiro: Revan, 1999.
4561
EIXO TEMÁTICO 10 | QUESTÃO AGRÁRIA, URBANA E AMBIENTAL
CIDADE E QUESTÃO SOCIAL: direito negado e direito reivindicado em Fortaleza
CITY AND SOCIAL ISSUE: right denied and right claimed in Fortaleza
Andreza Fedalto1
Samara Rocha de Sousa2 Elis Regina da Silva Gomes3
Jane Meyre Silva Costa4 RESUMO O direito à cidade é visto como um direito comum e anterior ao direito individual, sendo a cidade uma construção coletiva. Porém, no modelo societário atual, este direito é negado a uma parcela da população. Este trabalho apresenta um breve resgate sócio-histórico da formação da cidade de Fortaleza, que foi marcada por ocupações e falta de políticas públicas, resultando em uma diferença incivil entre os bairros quanto a infraestrutura e urbanismo. Através de pesquisa bibliográfica e documental, são apresentados pontos importantes que nos levam a uma reflexão crítica sobre as condições de desigualdade social e sua naturalização nos dias de hoje. Palavras-Chaves: Habitação; Direito à Cidade; Seca. ABSTRACT The right to the city is seen as a common right and a previous individual right, a city is a collective construction. However, in the current social model, this right is denied to a portion of the population. This paper presents a brief social-historical review of the city of Fortaleza, which was marked by occupations and lack of public policies, resulting in a uncivil difference between neighborhoods as infrastructure and urbanism. Through bibliographic and documentary research,
1Mestre em Ciências, estudante de Serviço Social do Centro Universitário Fametro – Unifametro, [email protected]. 2 Turismóloga, estudante de Serviço Social, Centro Universitário Fametro – Unifametro, [email protected]. 3 Estudante de Serviço Social, Centro Universitário Fametro – Unifametro, [email protected]. 4 Professora Doutora, Centro Universitário Fametro-Unifametro/Universidade Estadual do Ceará-Uece, [email protected].
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important points are presented that lead to a critical reflection on the conditions of social inequality and its naturalization. Keywords: Right to the city; Habitation; Drought.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho traz um breve resgate sócio-histórico da formação da cidade
de Fortaleza, marcado por ocupações e falta de políticas públicas, o que resultou em
uma diferença incivil entre os bairros quanto a infraestrutura e urbanismo. Decorrente
de escolhas políticas que negaram o direito coletivo à cidade e um projeto elitista que
naturaliza as desigualdades. Aqui são expostos, de forma breve, o que consideramos
importantes capítulos da história, desde a idealização da cidade, com projetos
higienistas e modernizadores, voltados aos interesses da elite; passando pelas
consequências da seca, que aqui é vista como uma expressão da questão social;
culminando na reinvenção da cidade, com um plano de marketing que como em um
passe de mágica apaga seu passado e reinventa sua história. Seu objetivo é provocar
uma reflexão crítica sobre a cidade, em uma aproximação da totalidade, para
compreender as disparidades que geram desigualdade social e omissão do poder
público.
Como método de investigação, usou-se a pesquisa qualitativa, que visa
responder questões particulares em um universo de significados, motivos, aspirações,
valores e atitudes, indo num caminho do singular para o universal, trazendo uma
compreensão mais profunda das relações aqui expostas. (MINAYO, 2010) Este estudo
foi feito através de pesquisa bibliográfica e documental, através do contexto histórico
da formação e do processo de urbanização de Fortaleza.
2 DIREITO À CIDADE: para quem?
Para falarmos sobre as constituições das cidades é preciso ter em mente que
estas emergiram da concentração social e geográfica do produto excedente. A cidade é
fruto de uma construção coletiva que visa suprir desejos humanos, mas que priva parte
destes humanos de terem acesso a ela. Quanto mais sofisticada torna-se uma cidade,
mais ela tende a ser excludente. “A urbanização sempre foi um fenômeno de classe, já
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que o excedente é extraído de algum lugar e de alguém, enquanto o controle sobre sua
distribuição repousa em umas poucas mãos.” (HARVEY, 2008, p. 74) A urbanização tem
desempenhado um papel decisivo na apropriação de capital excedente, em escala
crescente, mas ao preço do explosivo processo de destruição do capital humano que
tem desapropriado as massas de qualquer direito à cidade.
Diante desta realidade nos voltamos ao direito à cidade, visto como um direito
comum, anteriormente ao individual. A liberdade de construir ou reconstruir a cidade e
a nós mesmos é, um dos mais importantes e negligenciados dos direitos humanos,
fazendo-se tão necessário a pessoa humana para trazer-lhe dignidade e pertencimento.
As cidades têm se organizado de progressivos fragmentos fortificados, comunidades
cerradas e espaços públicos privatizados mantidos sob constante vigilância. Tornando,
desse modo, a qualidade de vida nesses centros uma mercadoria, assim como a própria
cidade. O direito à cidade, como está constituído hoje, é extremamente confinado,
restrito e segregado, beneficiando somente uma pequena elite política e econômica,
que tem modelado as cidades conforme lhe aprouver. (HARVEY, 2008)
Pode-se dizer que há muitas cidades em Fortaleza, realidades tão desiguais sob
uma mesma gestão pública, há uma cidade dos ricos, verdadeiras ilhas de privilégios que
surpreendem com altos Índices de Desenvolvimento Humano5, há a cidade dos comuns,
onde é possível viver, realizando a reprodução social ainda que com muito esforço e a
cidade dos excluídos, os quais são invisibilizados politicamente e em seus direitos. É
preciso fazer um levantamento sócio-histórico para ter uma leitura mais apurada desta
desigualdade que traz como herança a naturalização da condição de miséria que ainda
hoje permanece mesmo ao lado de áreas nobres da cidade, como são as mediações do
Porto do Mucuripe, Serviluz ou Moura Brasil. (ARAÚJO, COSTA, 2015)
2.1 A formação de Fortaleza e sua desigualdade
O Ceará inicia seu desenvolvimento econômico, através da pecuária, o que torna
sua ocupação rarefeita nos territórios, com concentração apenas nas principais rotas de
passagem das boiadas, como era o caso das margens de rios. Sua principal cidade
5 Em estudo apresentado pela Prefeitura de Fortaleza “Desenvolvimento Humano, por bairro, em Fortaleza”, apresenta o bairro de Meireles com IDH igual a 0,953 e o bairro Conjunto Palmeiras com IDH igual a 0,119. Dados de 2010. A classificação do IDH varia de 0 a 1, sendo 1 o melhor grau de desenvolvimento humano. Fonte: https://pt.calameo.com/read/0032553521353dc27b3d9.
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portuária foi Aquiraz, ainda em 1810, Fortaleza era apenas uma vila sem importância,
onde a principal atividade comercial era a captação e exportação do algodão
principalmente para a Inglaterra. A importância econômica de Fortaleza vai ganhando
espaço com o aumento do interesse pelo algodão, até Fortaleza tornar-se a única vila a
exportar para os ingleses. Como consequência, houve construções de vias de acesso
com rede ferroviária, aumentando a articulação com o sertão o que a fortaleceu ainda
mais economicamente. Assim inicia-se sua hegemonia econômica, política e
administrativa, e a elite passa a morar em Fortaleza, como foi o caso do governador e
de comerciantes europeus. Desta forma inicia-se a atenção para a infraestrutura urbana
da cidade e o engenheiro José da Silva Paulet faz um levantamento das principais vilas
com o objetivo de realizar projetos para sua expansão. (ANDRADE, JUCÁ NETO, 2014)
Os assentamentos informais aparecem já na primeira planta feita por Silva
Paulet. Em 1813 foi possível identificar núcleos de casebres localizados nas
proximidades do porto de Mucuripe, local onde havia a maior demanda por mão de
obra; em outro levantamento, feito em 1859, a quantidade de moradias da população
mais pobre aparecia às margens de vias da cidade e surpreendiam em suas quantidades.
Apesar da identificação destes assentamentos precários e da ciência das dificuldades
desta população, foi apenas em meados do século XX, que houve o reconhecimento da
problemática, mas ainda sem propostas concretas (BRASIL, 2013; ANDRADE, JUCÁ
NETO, 2014).
Conforme Andrade (2012), Fortaleza teve seu planejamento urbanístico
inspirado nas intervenções de Haussmann feitas em Paris e de Pereira Passos que as
reproduziu no Rio de Janeiro. Estas vinham com a intenção de higienização e
embelezamento das cidades, trazendo a “modernização” para uma classe elitista que ali
ia se formando. Em seu projeto, as construções concentravam-se na região central da
cidade, com avenidas e praças amplas, destinadas ao lazer da elite e que por diversos
momentos foram ocupados por flagelados, que ali se dirigiam à procura de alguma
esperança de sobrevivência, as fatídicas secas de 1877-79, 1888 e 1900. Foi através das
mesmas redes ferroviárias que impulsionaram a economia da cidade, que chegaram os
flagelados gerando um colapso na cidade, já que não havia estrutura para receber tantas
pessoas. Para contornar o caos gerado pela migração, a solução encontrada foi a
organização de 13 abarracamentos nos arredores da cidade, os quais serviam de abrigo
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para esta população que se aglomeravam no que muitos chamavam de currais
humanos. A situação destas pessoas era tal que para receberem comida/ração e abrigo,
eram obrigados a trabalhar em obras públicas. Assim Fortaleza foi seguindo seu projeto
de modernização usando a mão de obra dos flagelados e aproveitando a alta da
economia do algodão.
2.2 Desigualdade social e sua naturalização: uma herança da seca
Para entender a desigualdade social que se encontra hoje entre os bairros de
Fortaleza é necessário trazer a premissa da seca como uma expressão da questão social
no Ceará.
A questão social é entendida por Iamamoto (2011) como,
[...] o conjunto das desigualdades e lutas sociais, produzidas e reproduzidas no movimento contraditório das relações sociais, alcançando a plenitude de suas expressões e matizes em tempos de capital fetiche. As configurações assumidas pela questão social integram tanto determinantes históricos objetivos que condicionam a vida dos indivíduos sociais, quanto dimensões subjetivas, fruto da ação dos sujeitos na construção da história. Ela expressa, portanto, uma arena de lutas políticas e culturais na disputa entre projetos societários, informados por distintos interesses de classe na condução das políticas econômicas e sociais, que trazem o selo das particularidades históricas nacionais (IAMAMOTO, 2011, p. 156, grifos originais).
A seca não se limita a um fenômeno natural de longa e severa estiagem e que
dela surgiram implicações econômicas e sociais. A seca, sendo “um produto histórico de
práticas e discursos, como invenção histórica e social” (ALBUQUERQUE, 1995, p.111),
está imersa em estratégias políticas decorrentes de projetos societários.
Para Girão (1984), quando a irregularidade das chuvas castigava o sertão fazia
com que um número cada vez maior de pessoas buscasse a sobrevivência em uma
peregrinação até Fortaleza. A chegada destes na capital acarretava incomodo à
população local e as autoridades se viam cobradas a tomar um posicionamento. Um
grande número de pessoas, expostas à miséria, eram vistas como um risco sanitário, de
segurança e de subversão de costumes da elite. Em sua obra, Pequena História do Ceará,
há relatos de como a cidade de Fortaleza era vista em um quadro desolador, com ruas
apinhadas de um sem-número de mendigos, o que provocava indignação até ao
Presidente da Província Senhor Antônio Sales.
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A política encontrada para controlar o avanço dos retirantes foi a construção, no
interior e no centro da cidade, de campos de concentração. Estas pessoas tornaram-se
objetos de dominação, vistos como mão-de-obra barata e eram enviados para trabalhar,
nas regiões da Amazônia, na extração da borracha ou para a região sul/sudeste. Já sem
autonomia, mais de 300 mil pessoas, que vinham também de outros estados, migraram
em troca da sobrevivência. Os campos de concentração eram locais insalubres,
desvalidos, com um número cada vez maior de flagelados, acometendo assim essas
pessoas a doenças, fome, miséria e morte. Esses espaços foram tornando-se
aglomerados de pessoas sem políticas ou atenção adequada dos governos. Governantes
mal intencionados usavam a miséria da população para conseguir recursos, mas que não
eram revertidos em políticas adequadas para oferecer o mínimo de dignidade a estas
pessoas. Com o passar dos anos, a presença destas áreas de vulnerabilidade e pobreza
foram sendo naturalizadas como sendo a vontade de Deus. Com o crescimento
desorganizados desses espaços surgiram as primeiras favelas de Fortaleza, das quais
ainda permanecem: Pirambu, Morro do Ouro, Lagamar e Moura Brasil. (ARAÚJO,
COSTA, 2015)
Já no início do século XX a economia desenvolvia-se no entorno de usinas de
beneficiamento do algodão e de fábricas têxteis. O bairro Jacarecanga foi local
privilegiado pela linha férrea que possibilitou a implantação de fábricas e de vilas
operárias. O local transformou-se em uma das ilhas de privilégios por algum tempo,
quando foram construídas as grandes casas da elite industrial da época. Importante citar
que também houve abarracamentos próximos, na região do Pirambu, o que contribuiu
com mão de obra em abundância para viabilizar a construção deste centro industrial. As
primeiras iniciativas planejadas para a habitação na cidade vieram de vilas que foram
construídas, próximas às fábricas, mas estas destinavam-se para o aluguel e contavam
até com isenção de impostos. Iniciativas privadas que visavam a acumulação de capital
privado. Também é possível citar o Código de Posturas do Município de 1932, que
estabelecia que a construção de casas populares devia ficar distante da zona urbana,
sendo “nítida a política de segregação social vigente” (ANDRADE, 2012, p 129). Verifica-
se aqui quais eram as prioridades e interesses dos gestores quanto a urbanização da
cidade. Os flagelados eram mantidos em abarracamentos e forçados a trabalhar em
obras públicas, após o período de seca lhe eram permitido construírem suas casas
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distantes do centro urbano, restando apenas a opção de pagar aluguel para
permanecerem no centro urbano.
Segundo Brasil (2013), apesar do crescimento populacional acelerado
decorrente das migrações causadas pela seca, as primeiras propostas habitacionais, com
construções de moradias para a população de baixa renda, veio apenas na década de
1960 e foram financiadas pelos Institutos de Aposentadoria e Pensão e pela Fundação
da Casa Popular, porém não foram suficientes para atender a demanda existente. No
governo militar de 1964-1985, sob a ideologia desenvolvimentista e com o intuito de
promover o crescimento econômico e industrial, chegou a primeira Política Nacional de
Habitação através da Lei n°4.380 de 21 de agosto de 1964. Neste período foram
construídos grandes conjuntos habitacionais periféricos visando os baixos custos dos
terrenos. As obras de infraestrutura urbana e de saneamento feitas nesta época
costumavam estar desconectadas destes locais. Em Fortaleza esta lógica acabou
provocando a remoção de parte da população de regiões centrais da cidade para estes
conjuntos que muitas vezes se encontravam em outros municípios. Na década de 1990,
já sob a ideologia neoliberal, as iniciativas de políticas habitacionais surgem com
interesse de mercado, como em intervenções em favelas que se encontravam nas
proximidades de pontos turísticos.
No processo de redemocratização, com a nova Carta Magna de 1988, surge a
Política Urbana que trata do direito à cidade e da função social da propriedade. Neste
contexto, a moradia surge como um direito social a todos os brasileiros. Citamos o artigo
6°:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade, e à infância a assistência aos desamparados, na forma desta constituição. (BRASIL, 1988)
Este foi um período de grandes conquistas para as políticas sociais, onde os
municípios passam a ter maior responsabilidade pela gestão e organização de seu
território, através dos Planos Diretores. Através de articulações de movimentos sociais
que visavam um poder coletivo para moldar o processo de urbanização, é aprovado o
Estatuto da Cidade, sob a Lei n° 10.257/2001, que versa sobre o Direito à Cidade e Zonas
Especiais de Interesse Social (ZEIS). Estes asseguram a permanência de populações em
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assentamentos precários, e que muitas vezes possuem localizações privilegiadas e tem
prioridade nas políticas públicas. Em Fortaleza, estes instrumentos vêm com o Plano
Diretor Participativo em 2009, que assegura a participação da população das ZEIS em
sua elaboração. (BRASIL, 2013)
2.3 O Governo das Mudanças: uma nova cidade sob o olhar do neoliberalismo
No final dos anos 1970, inicia-se um novo movimento político no Ceará, o qual
vem marcado pela redemocratização do país e pela ruptura com as formas de produzir
e vivenciar a velha política. Empresários do Centro Industrial do Ceará-CIC vem buscando
meios de alavancar o crescimento da economia no Estado. Foi um período de
construções simbólicas, vinculadas a modernidade, que traziam grandes promessas
apoiadas em uma forte campanha de marketing. As consequências deste período
perduram até hoje, com o intuito de modificar a imagem histórica do Ceará que era
conhecido até então como terra da seca, dos flagelados, da pobreza e da miséria, e passa
a dar visibilidade para um Ceará pronto para receber novos investidores. A realidade
pouco mudou, onde continuou utilizando-se de mão de obra barata e sem a necessidade
de grandes investimentos, tornou-se altamente atrativo para o Capital. Logo o Ceará
passou a ser anunciado por suas belezas naturais, construindo uma nova imagem e
deixando no esquecimento características que retratavam a realidade vivida pelo povo
desta terra. Esta falsa mudança aumentou a segregação existente, corroborando para
que a desigualdade social se agravasse cada vez mais. (NOBRE, 2008)
Neste contexto, Cunha (2008), traz que Fortaleza foi colocada em posição
estratégica quando a política neoliberal se sobressai com um discurso de cidade
mercadoria. Sua posição geográfica estratégica, com sol o ano todo e paisagens
exuberantes, privilegia sua competitividade na promoção do turismo nacional e
internacional. Assim, dá-se início a um marketing cultural na lógica do mercado de
cidades que vendem sua imagem através do turismo. Para tal se faz necessário apagar
a história de fome e miséria dos retirantes que ali chegaram e de como foram tratados.
Esta memória não condiz com a nova Fortaleza, que vende também o seu povo. Há a
necessidade de um povo alegre e hospitaleiro, na cidade espetáculo não há lugar para
os movimentos de resistência e para a realidade de uma população que ainda sente as
consequências da seca que os trouxeram até aqui. A cidade espetáculo não tem
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passado, precisa expulsar esta população para áreas periféricas, já que são a memória
viva da formação sócio-histórica de Fortaleza. O Estado passa a implantar uma
necropolítica6 e sob uma falsa égide de segurança, nega não só o direito à cidade como
a própria vida de parcela da população, por entender que estes não são atores deste
espetáculo forjado pelo capital.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A urbanização de modelos de cidade como Fortaleza, são essenciais para a
manutenção do capitalismo. A desigualdade social alavanca os lucros e a extração da
mais-valia. Este parece ser um movimento natural deste modelo societário, mas a falta
de humanização de uma elite que aceita viver ao lado da miséria e as custas desta,
tornando-a natural é o que salta aos olhos como particularidade deste modelo. Assim
se faz necessário um resgate histórico para promover uma reflexão crítica sobre a
construção deste processo de dominação de parte da sociedade.
Não é apenas o direito à cidade que é negado a uma parcela da população, mas
também se nega o direito a sua própria história e cultura. O homem é um ser de relação,
um ser histórico situado em sua realidade, quando lhe privam de produzir e reproduzir
sua própria cultura, este perde sua identidade, tornando-se um sujeito de dominação.
O resgate histórico e cultural de um povo fornece vínculos e fortalece as lutas por
direitos. É através de um processo dialógico, de interação entre as diferenças e
diversidades, sem a intensão de dominação e com historicidade que o homem se
constrói através da forma com que vê a si mesmo e no mundo, entendendo assim como
chegou na realidade em que vive hoje.
Neste processo é importante que o homem se reconheça como cidadão, em sua
individualidade, mas também deve buscar o reconhecimento do outro em uma busca
de propósitos coletivos e em uma trajetória histórica. Faz-se imprescindível esta
transformação através do exercício do poder coletivo de moldar o processo de
urbanização. Um passo nessa direção de unificar essas lutas é adotar o direito à cidade
tanto como lema operacional quanto ideal político.
6 A necropolítica tratada por Mbembe, discorre sobre a lógica da política vigente que tem soberania para definir sobre quais vidas merecem ser vividas e quais corpos são matáveis. Usando apelos que tornam sujeitos ficcionais como inimigos da ordem e da razão, desumanizam-nos e assim concebem sua morte. (Mbembe, 2018)
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EIXO TEMÁTICO 10 | QUESTÃO AGRÁRIA, URBANA E AMBIENTAL
SEGREGAÇÃO E AUTOSSEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL: o impacto dos conjuntos habitacionais, aglomerados subnormais e os condomínios horizontais fechados na malha e mobilidade
urbana de Teresina-PI
SEGREGATION AND SOCIO-SPATIAL SELF-SECRETATION: the impact of housing sets, subnormal agglomerates and the horizontal condominiums closed in Teresina-PI
mesh and urban mobility
Francisco Wesley Marques Brandão1 RESUMO A Terra urbana da cidade capitalista é dotada de usos e valores diversos, materializando as próprias estratificações das classes sociais no espaço. Diante disso emergem dois processos socioespaciais opostos: Segregação socioespacial e autossegregação socioespacial. Diante disso elaborou-se o seguinte questionamento base: Quais os impactos da formação de conjuntos habitacionais, aglomerados subnormais e condomínios fechados em Teresina? Como objetivo principal: Analisar o processo de urbanização das áreas periféricas de Teresina-PI. Para a construção da pesquisa realizou-se pesquisa Bibliográfica, Documental e de Campo. Ao mesmo tempo que Teresina expande-se em direção as franjas com a formação de conjuntos habitacionais e condomínios horizontais fechados coexistem também cerca de quase 35 mil aglomerados subnormais e mais de 130 mil pessoas (IBGE, 2010) localizados entre conjuntos habitacionais e regiões socioambientalmente vulneráveis. Palavras-Chaves: Segregação Socioespacial; Autossegregação Socioespacial; Teresina-PI.
1 Graduado em Licenciatura em Geografia na Universidade Estadual Do Piauí. Ex-Pibdiano na Unidade Escolar Dom Severino/CAPES. Participante do Programa de Iniciação a Pesquisa- PIBIC/UESPI. Participou da Escola de Formação Política da Universidade Estadual do Piauí (2017-2018). Integrante do Núcleo de Estudos de Geografia Física NEGEO-UESPI. Integrante do Núcleo de Estudos intra-urbano do Contato do Urbano Com O Rural (NEURMA- UESPI). Integrante Programa Institucional de Bolsas de Extensão Universitária- PIBEU/UESPI. Integrante do Projeto de Extensão Universitária: Lagoas do Norte para Quem? Diálogos e práticas a partir da Educação Popular.
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ABSTRACT Aging is a biopsychosocial process, marked by heterogenei The urban land of the capitalist city is endowed with different uses and values, materializing the very stratifications of social classes in space. Therefore, two opposing socio-spatial processes emerge: socio-spatial segregation and socio-spatial self-segregation. Therefore, the following basic question was elaborated: What are the impacts of the formation of housing estates, subnormal agglomerates and closed condominiums in Teresina? As main goal: Analyze the urbanization process of the peripheral areas of Teresina-PI. For the construction of the research Bibliographic, Documentary and Field research was carried out. At the same time that Teresina expands towards the fringes with the formation of housing estates and closed horizontal condominiums, there are also nearly 35 thousand subnormal agglomerates and more than 130 thousand people (IBGE, 2010) located between housing estates and socioenvironmentally vulnerable regions. Keywords: Socio-Spatial Segregation; Socio-Spatial Self-Segregation, Teresina-PI.
INTRODUÇÃO
A terra urbana da cidade capitalista é dotada de usos e valores diversos,
materializando as próprias estratificações das classes sociais no espaço citadino. Dessa
forma, os múltiplos processos socioespaciais contribuem para tornar as diferenças
socioeconômicas visíveis no processo de urbanização, onde, a população mais pobre
não raramente é expulsa das áreas centrais em direção as franjas urbanas, distantes de
equipamentos públicos e privados resultando em um processo denominado segregação
socioespacial.
Surgido inicialmente na escola de sociologia de Chicago, na década de 1970, o
conceito de segregação, originário do latim, segrego, buscava inicialmente estudar as
cidades norte americanas que se expandiam principalmente através dos imigrantes que
moravam em regiões afastadas das áreas centrais, levando a criação de áreas sociais de
acordo com suas nacionalidades sendo empurrados (repoussée) em direção a periferias
menos esquipadas.
No entanto, a dinâmica da produção do espaço urbano permite que coexistam
em espaços próximos grupos sociais diferentes, diante disso morar distante das áreas
centrais não necessariamente significa ter menor poder aquisitivo e está distante da
utilização de equipamentos públicos e privados, como é o caso dos condomínios
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horizontais fechados, resultantes do processo que os autores denominam de
“autossegregação” (VASCONCELOS, 2016, p. 27).
Esses condomínios horizontais fechados, provocativamente chamados também
de gueto dos ricos (PAQUOT, 2009); surgem como uma estratégia de populações com
maior poder aquisitivo para se blindar de problemas urbanos, principalmente a violência
e insegurança, se tornando verdadeiros enclaves fortificados e de exclusão (MARCUSE,
2004). Diante disso o tecido urbano das cidades torna-se um verdadeiro mosaico social,
com os diversos grupos materializando suas especificidades na produção da cidade e
dos espaços.
Após essa breve aproximação conceitual e introdutória sobre alguns aspectos
pertinentes da pesquisa, cabe salientar que a mesma possui como pergunta principal:
Quais os impactos da formação de conjuntos habitacionais, aglomerados subnormais e
condomínios fechados na malha e mobilidade urbana em Teresina?
Como objetivos pensou-se: Analisar o processo de urbanização das áreas
periféricas de Teresina-PI; identificar os principais agentes produtores do espaço urbano
e de que formas atuam em Teresina-PI; caracterizar o processo de urbanização das áreas
periféricas de Teresina-PI.
Para a construção da pesquisa realizou-se pesquisa Bibliográfica, Documental e
de Campo na cidade de Teresina-PI nos condomínios horizontais fechados, aglomerados
subnormais e conjuntos habitacionais, além da elaboração de mapas no software
Quantum Gis, objetivando a resolução da pergunta do estudo e concretização dos
objetivos propostos.
2 ESPAÇO URBANO, AGENTES PRODUTORES DO ESPAÇO E PROCESSOS SOCIOESPACIAIS
Em um primeiro momento de reflexão cabe salientarmos o que vem a ser espaço
urbano, sendo de acordo com Park (1925) as ruas, edifícios, casas, mas não sendo
apenas isso, sendo também um estado de espírito, tradições, costumes e sentimentos.
Esse espaço urbano, possui algumas caraterísticas que denotam toda sua complexidade,
essas características podem ser analisadas através de Corrêa (1991, p. 9), onde o espaço
urbano é:
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Eis o que é espaço urbano: fragmentado e articulado, reflexo e condicionante, conjunto de símbolos e campo de lutas. É assim a própria sociedade em uma de suas dimensões, aquela mais aparente, materializada nas formas espaciais. É este nosso objeto de estudo.
Esses diferentes usos de terra justapostos entre si constituem o solo urbano
quase que como uma matéria prima, onde a sociedade materializa suas relações sociais,
comerciais, culturais e fragmenta os espaços, dividindo-os em espaços de moradia,
trabalho, lazer, e essa fragmentação acaba por fazer o solo urbano adquirir um valor
diferente para cada região, fragmentado a cidade também em classes sociais, onde
bairros mais vulneráveis socio-ambientalmente agem como imã atraindo classes sociais
com menor poder aquisitivo que são expulsas de áreas centrais e com maiores
equipamentos públicos e privados em seu tecido urbano.
Esses grupos expulsos de áreas que o solo possui maior valor agregado para
morar em locais mais vulneráveis são conhecidos por alguns autores como “grupos
sociais excluídos” (Corrêa, 1991, p. 12) que territorializam seu espaço de acordo com
suas necessidades de uso, sendo considerados integrantes dos agentes produtores do
espaço, juntamente com: “Proprietários dos meios de produção, Proprietários
fundiários, Promotores imobiliários, Estado” (CORRÊA, 1991, p. 12).
Esses agentes atuam de diferentes formas no processo de urbanização e não
raramente os quatro (proprietários dos meios de produção, proprietários fundiários,
promotores imobiliários e estado) se unem contra os grupos sociais excluídos nas lutas
urbanas. Esse caráter multifacetário no processo de urbanização permite, como
salientado anteriormente que a cidade não seja homogênea, permitindo a existência de
áreas nobres, segregadas, centrais e periféricas em toda sua malha urbana.
Essa relação não é harmônica, ao contrário, é conflituosa, onde nos processos
espaciais o Estado atua não apenas como regulador como também produtor do espaço
e articulador para que os Atores do capital possam expandir em direções que assegurem
sua reprodução capitalista continuada, visando a terra urbana como valor de troca (e
lucro), em detrimento dos grupos sociais excluídos que a materializam como valor de
uso. Dessa relação conflituosa surgem os processos socioespaciais, onde Corrêa (1991)
elenca os seguintes: Centralização e área central, Descentralização e áreas secundárias,
Coesão e áreas especializadas, Segregação e as áreas sociais, dinâmica espacial da
segregação, Inércia e áreas cristalizadas.
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No entanto, não é objetivo deste trabalho discorrer sobre todos os processos
socioespaciais e sim, entender dois em específicos, o processo de segregação e o de
autossegregação, que embora não apareça nos estudos de Corrêa (1991), aparece nas
pesquisas de Souza (2016), dessa forma, com base nesse autor e em suas pesquisas
salienta-se que o processo de segregação e autossegregação podem ser analisados a
partir de dois modelos de urbanizações o primeiro proposto por Sjoberg (1960) onde
inicialmente as elites das cidades localizavam-se nas áreas centrais e à medida que se
dirigia em direção a borda das cidades o centro de poder e acessibilidades ao centro
diminuíam, os preços da terra declinavam, assim como o status dos moradores. Ricos
no centro e pobres na periferia.
O segundo modelo de urbanização, já no século XX foi proposto por Park (1925)
nesse modelo quem morava no centro eram imigrantes pobres que passaram a ocupar
os cortiços após as elites irem morar nos subúrbios. A lógica desse modelo era a relação
de troca, os pobres optaram por morar no centro, mais próximo do trabalho, em
habitações precárias, ao mesmo tempo que em regiões mais densamente povoadas,
enquanto os ricos optavam por morar mais distante do centro, em áreas menos
densamente povoadas, melhores habitações e a distância para o centro não sendo um
fator determinante, pois possuem grande poder mobilidade.
Ao analisar-se a urbanização brasileira, principalmente nos últimos 30 anos pode
se notar o surgimento cada vez maior de conjuntos horizontais fechados em direção a
áreas periféricas, resultado de um processo de autossegregação voluntária sendo,
portanto, uma forma de agrupamento residencial defensivo que procura juntar os
semelhantes, excluir os diferentes e impedir o acesso dos indesejáveis (MARCUSE,
2004).
Esses condomínios, não ocorrem apenas nas metrópoles, mas também nas
cidades médias e pequenas, podendo ocorrer no interior das cidades mais densas como
também nas periferias causando a ruptura do tecido urbano das cidades, sendo um
exemplo de anticidade na medida que localiza- se criando obstáculos e impedimentos à
livre circulação.
Ao mesmo tempo que algumas cidades possuem condomínios de
autossegregação de alto status em suas bordas, coexistem em seus muros regiões
densamente povoadas e com a terra urbana com pouco valor agregado, resultado de
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descasos do poder público e um planejamento ineficiente e/ou inexistente, restando
apenas para eles morarem em locais vulneráveis socio-ambientalmente, vulneráveis a
violência, falta de acesso a saúde, educação. Aos que trabalham na região central das
cidades soma-se a grande distância que precisam atravessar de suas casas para o local
de trabalho, realizando um movimento pendular, a falta de transporte público eficiente.
3 CIDADE DE TERESINA: segregação e autossegregação socioespacial
A análise dos processos de segregação e autossegregação permitem diversas
abordagens teórico-metodológicas, podendo-se ter ênfase em conflitos socioespaciais,
planejamento urbano, ação do Estado, questões econômicas e espaciais.
A cidade de Teresina, capital do Piauí, localizada na Latitude: 5° 5' 21'' Sul,
Longitude: 42° 48' 6'' Oeste, tendo uma população estimada em 863 mil pessoas (IBGE,
2010). A capital piauiense, diferente da grande maioria das cidades brasileiras já nasceu
sobre o signo da modernidade e planejamento no ano de 1852. Embora inicialmente
Teresina tenha sido concebida como uma cidade que deveria ser planejada, já em seus
desenhos iniciais, tendo como base os rios Parnaíba e Poti na orientação dos traçados
das ruas e da região central (FAÇANHA, 1998), já no seu centenário em 1952 os
problemas urbanos começam a ser apontados de modo mais enfático, demonstrando
que esse planejamento acabou por não atender as demandas da urbanização.
Nascimento (2010) comenta que nesse período o jornal “o comércio” já trazia
relatos sobre Teresina:
Cidade esburacada; cheia de lama no inverno e também na seca; poeira, lixo e até carniça e mictórios nas ruas urbanas; os meios fios, quer onde já passa o calçamento e onde o mesmo não passa, muito descuidados e cheios de mato e lama podre; mercados imundos, e nos bares e botequins... nem é bom falar [...] Se um turista que nos chegue pelo Centenário visitar o Cemitério, os Mercados, o Matadouro e a Praça Deodoro, é certo que dirá ter pisado a terra mais imunda e abandonada do mundo. Sairá cuspindo de nojo (NASCIMENTO, 2011 p 07 Apud JORNAL DO COMÉRCIO, 1952, p.3).
Esse relato demonstra uma grande ineficiência do poder público em lidar com os
problemas urbanos da cidade, problemas estes que vão piorar a partir da construção do
primeiro conjunto habitacional da cidade, o Parque Piauí, localizado cerca de 7 km
distante do centro, na zona sul da cidade, em um imenso vazio urbano.
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A escolha desse local para a construção do Parque Piauí era fruto da nova política
urbana nacional, construído pela Companhia de Habitação do Piauí, com recursos do
Banco Nacional de Habitação. A construção do conjunto distante do centro rendeu
inclusive um diagnóstico no Plano de Desenvolvimento Local Integrado (1969) que
apontava o Parque Piauí como sendo distante da área central, os gastos com transporte
e deslocamento excedem em muito a parcela que deveria ocupar do salário, não
havendo nas proximidades do conjunto nada que conseguisse assimilar tanta mão de
obra.
Foram construídos também na segunda metade do século XX os conjuntos
Mocambinho I, II e III (5139 habitações), Promorar (4696), Bela Vista (912), Dirceu
Arcoverde I, II (7294), Saci (2034) e outros conjuntos de menor porte, distante do centro
e enfrentando problemas semelhantes aos que o Parque Piauí enfrentava. Paralelo a
construção de conjuntos habitacionais, começou a acentuar-se um processo de
periferização e favelização em Teresina, no censo de vilas e favelas realizado em 1996
foram apontados que cerca de 3 mil pessoas viviam em condições de habitação precária,
embora Façanha (1998) aponte que desde 1970 já existiam favelas em Teresina, apenas
em 1996 houve um esforço da Prefeitura em mapear essas regiões.
Essas ocupações irregulares têm seu estopim, de acordo com Silva (1993) em
1985, onde passa a ter um maior a volume de ocorrências de invasões e pelo fato de a
população das áreas faveladas ter crescido com uma rapidez surpreendente, sendo
ocupações coletivas e organizadas para resistir a tentativa de expulsão e desapropriação
dos terrenos.
Entre 1961 e 1990 foram construídas mais de 34 mil conjuntos habitacionais em
Teresina, em contrapartida a população nesse mesmo período aumentou 142.691 para
599 mil pessoas (IBGE, 2010), um aumento superior a 400%.
Com a extinção do BNH em 1985 coube a Caixa Econômica Federal a
responsabilidade da construção de conjuntos habitacional buscando sanar o déficit
habitacional, nos anos 2000 a expansão urbana ocorreu principalmente nos eixos sul e
norte com a construção de conjuntos habitacionais nas regiões da grande Santa Maria
(Norte) e Porto Alegre(sul).
Os aglomerados subnormais podem ser conceituados de acordo com o IBGE
(2010) como sendo: conjuntos de no mínimo 51 unidades habitacionais dispostas em
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terrenos e/ou locais carentes de serviços públicos, áreas ocupadas, terreno de
propriedade alheia, localizando-se de modo denso e/ou desordenado, vulnerável
socioambientalmente. O IBGE (2010) Estima que no Brasil existem mais de 11 milhões
de pessoas vivendo em aglomerados subnormais.
Em Teresina coexistem em espaços próximos aglomerados subnormais,
conjuntos habitacionais e condomínios horizontais fechados representando dois
processos socioespaciais conflitantes, segregação e autossegregação socioespacial (Ver
mapa 1).
MAPA 1: localização dos Conjuntos Habitacionais, Aglomerados Subnormais e Condomínios Horizontais Fechados em Teresina-PI.
Fonte: BRANDÃO, 2020.
Embora como pode-se observar no mapa condomínios horizontais fechados,
aglomerados subnormais e conjuntos habitacionais dividam espaços próximos é notório
que os processos socioespaciais que os originam são diferenciados e conflitantes, dessa
forma elencou-se os processos que originam os condomínios horizontais fechados, que
são resultados de um processo de autossegregação. Em Teresina, o primeiro
condomínio horizontal fechado foi construído em 1996, o condomínio Jardins e Fátima,
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localizado na zona Leste da cidade que como pode ser observado no mapa 1 tornou-se
o principal vetor de construção desses empreendimentos.
Esse processo de autossegregação das camadas mais ricas da cidade em direção
cada vez mais ao leste de acordo com Lima (2002) tem início já na década de 1950, com
a construção da ponte Juscelino Kubitschek ligando a região central da cidade com a
área leste. Em 1960 é construído o jockey clube da cidade, ainda no sentido leste, na
década de 1970 é construído a Universidade Federal do Piauí tornando essa região o
novo foco da urbanização Teresinense, através da ação dos promotores imobiliários
aquela área passa a se torna a região nobre da cidade, nas palavras de Abreu (1983, p.
78):
A Zona Leste de Teresina ‘foi escolhida’ para ser aquela que abrigaria a população de mais alto status, migrantes das áreas residenciais do centro antigo, por uma série de requisitos: amenidades, e principalmente por ser uma área cujos proprietários – grandes latifundiários urbanos – lotearam a terra, transferindo suas residências definitivamente para ali, o que permitiu às famílias residentes desfrutarem de amplos espaços; este fato atraiu vizinhança semelhante pois, os primeiros habitantes trouxeram consigo parentes e amigos de igual status sócio econômico. Considera também “a importância dos corretores de imóveis, que cumprindo seu papel como agentes na organização/reorganização do espaço, apregoam através de agressiva propaganda transmitida pelos meios de comunicação, as qualidades da área. Com isto reforçam o aspecto ideológico do novo espaço urbano, tornando-o cada vez mais valorizado e, na medida de sua intensa procura, cada vez mais escassos e cotados com altos valores”
Dessa forma nota-se que enquanto nas zonas Norte, Sul e Sudeste o poder
público urbanizava através da construção de conjuntos habitacionais o vetor leste
produzia uma urbanização totalmente diferente, onde os promotores imobiliários
articulados com os detentores do capital começaram a construir um espaço para
“chamar de seu”. No entanto, em décadas posteriores populações com menor poder
aquisitivo passaram a ocupar vazios urbanos na própria zona Leste, “obrigando” aos
grupos dominantes que ocupavam áreas próximas uma nova reorganização do espaço
urbano, através da construção de condomínios horizontais fechados à partir da década
de 1990, resultando em novas formas de segregação e autossegregação socioespacial
no solo urbano teresinense.
O primeiro condomínio horizontal fechado construído em Teresina foi o Mansão
dos Morros em 1991, localizado na zona leste de Teresina. Nesse condomínio foram
construídos 107 lotes inicialmente, sendo estes de médio porte e baixa densidade além
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de contar com a possibilidade de o comprador murar seu lote e a presença de segurança
no local, controlando entrada e saída (SILVA, 2015).
O grande salto da construção desses imóveis ocorre na primeira década do
século XXI, com a presença de capital externo e empreendimento a nível nacional, como
caso do Aldebaran (grupo Best Bussiness), que já conta com duas unidades em Teresina,
a primeira fundada em 2006 e a segunda 2015, ambas localizadas na zona Leste e com
um total de 1170 lotes. Em Teresina também pode ser encontrado o grupo imobiliário
Alphaville, que possui dois espaços na cidade, ambos na parte leste teresinense, o
primeiro foi construído em 2010 e o segundo em 2016, totalizando mais de 1150 lotes.
Fora estes empreendimentos de nível nacional podem ser encontrados também
condomínios construídos por segmentos imobiliários de menor porte, em sua maioria
localizados na zona leste da cidade, em áreas mais distantes do núcleo central, próximo
de rodovias nacionais e estaduais, principalmente a BR-343.
Ao mesmo tempo que a população mais rica opta por se direcionar as franjas
urbanas em busca de mais segurança, tranquilidade, áreas de verdes e de lazer a
população mais pobre, que vive em áreas de risco, que não possuem imóveis próprios
deslocam-se de modo “voluntário” para regiões cada vez mais distantes do centro para
conjuntos habitacionais, Em Teresina a maior concentração desses conjuntos são na
parte norte e sul da cidade, onde principalmente após os anos 1990, parcerias com a
Caixa Econômica Federal e Programa Minha Casa Minha Vida foram construídos novos
imóveis para abrigar a população da cidade que não parava de crescer.
Desses novos conjuntos construídos a grande maioria localiza-se com uma
distância da área central superior a 8 km, o conjunto mais próximo encontrado na cidade
foi o Conjunto Zilda Arns, concluído em 2010 com cerca de 500 imóveis. Localizando- se
a pouco mais de 4 km do centro, na zona norte da cidade o Zilda Arns foi construído a
partir de uma parceria entre Prefeitura Municipal, Banco Mundial e Governo Federal,
através do Programa Minha Casa Minha Vida (TERESINA, 2014).
Ao mesmo tempo que Teresina expande-se em direção as franjas coexiste
também cerca de quase 35 mil aglomerados subnormais (IBGE, 2010), tanto em regiões
periféricas como em locais próximos ao centro da cidade ou em locais vulneráveis
ambientalmente (próximos a lagoas e rios). Esses aglomerados correspondem a mais de
130 mil pessoas vivendo em baixas condições sociais, ambientais e em imóveis
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inadequados (IBGE, 2010). A maior parte dos aglomerados podem ser encontrados na
região Sul (11.635 domicílios) e Leste (10. 906) (TERESINA, 2016).
Com altas taxas de densidade demográfica e renda média inferior a um salário-
mínimo na maioria esses aglomerados, suas construções estão diretamente
relacionados com a expansão de conjuntos habitacionais, conforme Lima (2003, p. 30):
apresenta uma tendência de localização próxima aos conjuntos habitacionais, áreas estas que oferecem, em tese, maiores acesso a serviços urbanos, mesmo que tais núcleos se localizem nas franjas da cidade, ou seja, na nova periferia [...]. Ela se redesenha, também pela ocupação de vazios urbanos e pelo adensamento de áreas já habitadas, em virtude da construção, mesmo em escala reduzida, de novos conjuntos habitacionais (LIMA, 2003, p.50).
Dessa forma a expansão de aglomerados subnormais é condicionado tanto pela
expansão “formal” do espaço urbano, através da construção pelo poder público de
conjuntos habitacionais quanto pela ocupação e/ou invasão de vazios urbanos que não
raramente são espaços especulativos dos atores do capital imobiliário.
Esses locais carecem de infraestrutura básica, saneamento, pavimentação, falta
de equipamentos públicos como escolas, hospitais, delegacias. Fora a ausência de
equipamentos urbanos existe também uma forte propaganda negativa sobre essas
regiões, devido a altos índices de criminalidade, no entanto, essa percepção negativa
acaba por perpetuar e potencializar ainda mais o processo de segregação para as
comunidades que habitam esses locais, indo além das formas urbanas, interferindo
também em aspectos sociais e preconceituosos. Não obstante disso quem mora em
condomínios horizontais fechados recebe um tratamento diferenciado, não apenas do
podes público, como também da sociedade em geral.
No que diz respeito a mobilidade urbana nessas regiões a prefeitura Municipal
de Teresina, elaborou o plano diretor de mobilidade urbana no ano de 2007 e constatou
que o deslocamento por transportes individuais (motos e carros) são predominantes na
região Leste da cidade, enquanto o deslocamento por transportes públicos e bicicletas
é maior na zona Norte, historicamente a região mais pobre da cidade.
Fortes (2015) explica que na zona Leste da cidade ocorre a maior concentração
de funcionários públicos em Teresina, dotados de maior poder de mobilidade estes
contribuem para a ocorrência de congestionamentos na cidade, devido ao
deslocamento deles para seus locais de trabalho na área central teresinense, local com
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maior número de empreendimentos públicos. A falta de transportes públicos suficientes
nas zonas periféricas dificulta ainda mais o deslocamento dos moradores que habitam
os conjuntos habitacionais, fato que não implica dificuldades para os moradores de
conjuntos habitacionais fechados, pois são dotados de grande mobilidade urbana.
4 CONCLUSÃO
Podemos concluir, portanto, que a urbanização em Teresina vem apresentando
uma forte tendência de espraiamento urbano, culminando nos processos de segregação
socioespacial e autossegregação socioespacial, resultado da construção de conjuntos
habitacionais e condomínios horizontais fechados que se acentuaram nos últimos 20
anos.
Embora essa multiplicidade de práticas seja considerada recente na urbanização
habitacional teresinense são práticas já solidificadas tanto a nível nacional quanto
internacional, possuindo uma grande presença de capital externo e do setor financeiro
subsidiando as construções, principalmente no que tange os conjuntos habitacionais
através da Caixa Econômica Federal.
Os atores da nova agenda de urbanização habitacional são principalmente os
promotores imobiliários em conjunto do estado, articulando-se em um processo de
expansão urbana de habitações e criação de infraestrutura viária, energética,
saneamento, transporte nos novos locais. Embora constate-se que a presença atuante
do estado na produção do espaço seja principalmente nas bordas dos conjuntos
habitacionais fechados, pela forte presença do capital, nota-se também a presença do
estado, ainda que tímida na construção de infraestrutura ao redor de conjuntos
habitacionais e aglomerados subnormais. Dessa forma, o estado atua segregando áreas
ditas pobres e auxiliando nas vantagens para aqueles que optam por se enclausurar
distante da cidade legal.
REFERÊNCIAS
ABREU, I. G. O Crescimento da Zona Leste de Teresina: um caso de segregação? Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: UFRJ, 1983.
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4586
EIXO TEMÁTICO 10 | QUESTÃO AGRÁRIA, URBANA E AMBIENTAL
AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL NA DEFESA DA QUALIDADE DO AR: o caso “Piripiri Construcões LTDA”
PUBLIC ENVIRONMENTAL CIVIL ACTION IN THE DEFENSE OF AIR QUALITY: the case
“Piripiri Construcões LTDA”
Franklin Douglas Ferreira1
Kathiussa Costa Leite Cardoso2 Israel Pinheiro Rocha Costa3
RESUMO Estudo sobre o impacto da poluição atmosférica causada pela usina de asfalto Piripiri Construções Ltda. Trata-se de pesquisa que investigou as ações civis públicas ambientais que tramitam na Vara de Interesses Difusos e Coletivos da Ilha de São Luís. A referida ação civil ambiental solicita a suspensão das atividades na usina de asfalto Piripiri Construções Ltda, pois ela é considerada potencialmente poluidora, presumindo-se a natureza da atividade industrial em questão, a ocorrência de danos ao meio ambiente, além de prejuízos à saúde das pessoas residentes próximas à localidade. Em posse do processo, analisou-se a atual situação deste, a fim de avaliar se a tutela ambiental demandada está sendo garantida. Após mais de dois anos e quatro meses, o processo não findou, persistindo uma disputa entre as partes, contudo, sem indicar uma solução prévia para a demanda requerida. Palavras-Chaves: Direito Ambiental; Vara de Interesses Difusos e Coletivos; Poluição Atmosférica. ABSTRACT Study on the impact of air pollution caused by the asphalt plant Piripiri Construções Ltda. This is a research about the public environmental civil actions in Divided and Collective Interests of the Island of São Luís. The refered environmental civil action requests the suspension of the activities of the asphalt plant Piripiri Construções Ltda, since it is
1 Professor do curso de Direito da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), doutor em Políticas Públicas (PPGPP/UFMA). E-mail: [email protected] 2 Acadêmica do curso de Direito da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). E-mail: [email protected] 3 Acadêmico do curso de Direito da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). E-mail: [email protected]
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considered potentially polluting, presuming of the nature of the industrial activity of asphalt plant, the occurrence of environmental damages to the environment, as well as damages to the health of people living close to the locality. To this end, the current situation of the process was analyzed, to assess whether the Environmental Law demanded is being guaranteed. After more than two years and four months, the proceedings did not end, with a dispute between the parties continuing, but without indicating a prior solution to the demand. Keywords: Environmental Law; Rod of Diffuse and Collective Interests; Atmospheric pollution.
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, poucos assuntos têm apresentado tanta repercussão no
mundo como a questão ambiental. Isso se deve ao alto grau de degradação ambiental
decorrente, principalmente, dos processos produtivos que vêm comprometendo,
seriamente, a qualidade de vida do planeta.
De acordo com a Resolução nº 01/1986 do CONAMA, considera-se como impacto
ambiental qualquer alteração nas propriedades físicas, químicas e biológicas do
ambiente causadas por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades
humanas que, direta ou indiretamente, afetem a saúde, a segurança e o bem-estar da
população, bem como as atividades sociais e econômicas, a biota, as condições estéticas
e sanitárias do ambiente e a qualidade dos recursos ambientais.
Hammes (2004) destaca que os impactos das atividades estão relacionados a
suas necessidades de existência, que absorve, transforma e produz resíduo. Nesse
contexto, incluem-se as usinas de asfalto. Estas se destacam pela produção de concreto
betuminoso usinado a quente (CBUQ), matéria-prima indispensável para o revestimento
de rodovias (BRONDANI, 1998).
A fabricação de concreto asfáltico em usina resulta em impactos ambientais
decorrentes principalmente das temperaturas de usinagem. O ligante asfáltico, para
atingir a viscosidade necessária para a mistura com os materiais pétreos, precisam estar
aquecidos e isentos de umidade para obter adesão com o ligante de forma a dar
flexibilidade e manter a mistura coesa. Assim, na tecnologia tradicional, o aquecimento
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em altas temperaturas (variando entre 140º e 160º) torna-se inevitável (ZUBARAN,
2014).
Nesse cenário, muitas usinas instalam suas empresas em áreas residenciais sem
a menor preocupação com o impacto que as elas irão ocasionar tanto para o meio
ambiente quanto para a saúde humana. Ribas (2012) menciona “que diversos agentes
químicos deletérios à saúde humana foram identificados nas emissões de asfalto, e
muitos deles são comprovadamente cancerígenos, reconhecidos pelo Ministério do
Trabalho e do Emprego (MTE)”.
A Piripiri Construções Ltda, que fica localizada no São Cristóvão (São Luís – MA),
é um exemplo dessas empresas. Devido às constantes reclamações de moradores que
vivem próximos à usina, a 3ª Promotoria de Justiça do Ministério Público do Estado do
Maranhão impetrou ação civil pública em desfavor da referida empresa e do Estado do
Maranhão.
O presente artigo refere-se à pesquisa realizada nas atividades das disciplinas
Legislação Ambiental e Direito Ambiental, nos cursos de Ciências Biológicas e Direito
(UEMA), respectivamente, que teve por objetivo investigar as ações civis públicas
ambientais em trâmite na Vara de Interesses Difusos e Coletivos da Ilha de São Luís.
A ação civil ambiental, proposta pelo Ministério Público do Estado do Maranhão,
por meio do Processo nº 0807415-52.2017.8.10.0001, solicita a suspensão das
atividades da usina de asfalto Piripiri Construções Ltda. A empresa é considerada
potencialmente poluidora, presumindo-se que a natureza de sua atividade industrial é
usinagem asfáltica, assim ocorrendo danos ao meio ambiente atmosférico, além de
prejuízos à saúde das pessoas residentes próximas à localidade.
2 A AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL
A Ação Civil Pública (ACP) foi instituída por lei em 1985. Ao lado do Mandado de
Segurança e da Ação Popular, a ACP é um dos principais instrumentos de defesa dos
direitos metaindividuais. Sua elaboração foi fruto do trabalho de debates e estudos de
professores e profissionais do Direito que, nos anos 1970, inspiraram-se nas class
actions dos países de sistema jurídico de common law.
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Desde lá, ACP permanece com principal instrumento da tutela, mormente no que
se relaciona ao dano ambiental. Na ACP ambiental, decorrem algumas especificidades
que se apresentam no uso da ação civil pública para a tutela ambiental, visto que o
próprio objeto de proteção ambiental é a Terra, a biosfera, os biomas, a fauna e a flora
que, em equilíbrio ecológico, garantem a sobrevivência do ser humano no planeta.
Assim, “ao tratar de Justiça ambiental, os fins da proteção do meio ambiente
ultrapassam os limites fronteiriços, e, assim, o escopo social do processo não se limita
apenas a pacificação da ordem socioambiental dentro de dada jurisdição”
(ALBUQUERQUE, MARTINEZ, 2006, p. 4531-4532). O direito ambiental surge como o
direito de terceira dimensão, indivisível, e que obriga o direito a se repensar, posto que
não é o ambiental que se adaptará ao direito, mas o inverso: o direito não cria uma
ordem ambiental (ALBUQUERQUE, MARTINEZ, 2006).
É nesse contexto que devemos tematizar a especificidade da ACP na tutela do
meio ambiente, uma vez que “a ação civil pública nasceu para proteger novos bens
jurídicos, referindo-se a uma nova pauta de bens ou valores, marcados pelas
características do que veio a ser denominado de interesses e direitos difusos ou
coletivos” (ALVIM, 2005, p. 77).
Assim, “a Ação Civil Pública por danos ao meio ambiente não pode prescindir de
uma análise eficiente das consequências do regime da responsabilidade objetiva na
reparação” (ALBUQUERQUE, MARTINEZ, 2006, 4542). Eis uma das especificidades
marcantes. Outra especificidade a se destacar trata que da ACP por danos ambientais
não bastam a ressarcimento financeiro e/ou a obrigação de fazer/não fazer, é necessária
a recuperação da área ambiental. Outra característica da ACP ambiental refere-se ao
tipo de dano que busca reparar. Tendo em vista que o dano é uma lesão a um bem
jurídico, podemos dizer que:
[...] existe o dano ambiental quando há lesão ao equilíbrio ecológico (bem jurídico ambiental) decorrente de afetação adversa dos componentes ambientais. Essa lesão pode gerar um desequilíbrio ao ecossistema social ou natural, mas sempre a partir da lesão ao equilíbrio ecológico, que é o bem jurídico tutelado pelo Direito Ambiental. Exatamente porque o meio ambiente (e seus componentes e fatores) constitui um bem jurídico autônomo, imaterial, difuso, incindível, de uso comum de todos, a lesão que o atinge será, ipso facto, uma lesão difusa e indivisível, cuja reparação será, igualmente, erga omnes. (RODRIGUES, 2016, p. 390, grifos do autor).
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Isto porque a lei brasileira não cuidou de conceituar o dano ao meio ambiente.
A rigor, a lei 6.938/81 tangencialmente refere-se a dano ambiental em seu artigo 3º, nos
incisos II e III
Art. 3º. Omissis II – degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente”; III –poluição, degradação da qualidade ambiental resultante das atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos (BRASIL, 1981).
Assim, na síntese elaborada por Douglas (2017, p. 58), a Ação Civil Pública por
danos ambientais tem entre suas especificidades: (1) proteger novos bens jurídicos com
a emergência do direito ambiental; (2) requer uma análise eficiente do regime da
responsabilização objetiva na reparação; (3) pleitear não só obrigação de fazer/não
fazer e reparação financeira, mas recuperação da área degradada; (4) buscar a
reparação do dano ambiental, entendido como aquele que causa uma lesão ao
equilíbrio ecológico do meio ambiente (bem jurídico autônomo, imaterial, de uso
comum a todos, incindível, difuso e indivisível); e (5) utilizar-se do princípio ambiental
que atribui o ônus da prova ao causador do dano ambiental.
2.1 Ação Civil Pública Ambiental no combate à poluição ambiental causado pela usina de asfalto Piripiri Construções Ltda.
A Ação Civil Pública nº 0807415-52.2017.8.10.0001 teve início após o
recebimento de abaixo-assinado apresentado por integrantes da Associação
Beneficente e Cultural do Porto Grande relatando a alta incidência de problemas de
saúde respiratórios, ocasionados pela inalação de significativa quantidade de fumaça
decorrente do funcionamento da empresa Piripiri Construções Ltda.
Nos autos, o Ministério Público, após a realização de diligências e em posse das
cópias dos licenciamentos ambientais e outros documentos públicos, diante da ausência
de respostas para determinados expedientes, constatou a inação do Estado do
Maranhão em promover a fiscalização de atividades potencialmente poluidoras.
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Assim, por força do princípio in dubio pro ambiente, presumiu-se a veracidade
dos fatos denunciados pela comunidade e que a empresa causou poluição atmosférica
sob anuência do Estado do Maranhão, tanto pela concessão de licença ilegal quanto por
não exercer o devido controle da atividade com o necessário monitoramento.
É importante destacar que a denúncia foi encaminhada ao Ministério Público no
ano de 2012, mas desde o ano de 2004 os moradores do Porto Grande lutam contra os
problemas ambientais e de saúde ocasionados pelas empresas de asfalto localizadas na
região, sendo uma delas a empresa Piripiri Construções Ltda.
Dessa forma, é importante fazer uma retrospectiva histórica que se estende
desde o oferecimento da denúncia:
- 12 de abril de 2012 – A Associação Beneficente e Cultural do Porto Grande
oficializa a denúncia contra as empresas Construtec Engenharia Ltda e a empresa Piripiri
junto ao Ministério Público;
- 01 de outubro de 2012 – após o recebimento da denúncia, o Promotor de
Justiça da 1ª Promotoria de Justiça Especializada na Proteção ao Meio Ambiente,
Urbanismo e Patrimônio Cultural de São Luís, instaurou o Inquérito Civil nº 162/2012,
para apuração dos fatos e posterior propositura da Ação Civil Pública;
- 08 de março de 2017 – protocolada a Ação Civil Pública Declaratória de
Nulidade de Ato Jurídico e Condenatória de Obrigação de Não-Fazer e Fazer a
Indenização, com a responsabilidade civil por danos causados ao Meio Ambiente em
face de o Estado do Maranhão e Piripiri Construções Ltda;
- 15 de maio de 2017 – data da audiência de conciliação entre réus e o Ministério
Público, determinada pelo juiz titular da Vara de Interesses Difusos e Coletivos.
Entretanto, tendo em vista que, por não ter havido agendamento da audiência por parte
do Gabinete da Secretaria Judicial, não houve o cumprimento da determinação com
vistas à realização da audiência especificada, realizando, tão somente a intimação do
Estado do Maranhão para manifestação acerca da tutela de urgência requerida. Dessa
forma, a data da nova audiência foi agendada para o dia 19 de maio de 2017. Com vistas
à realização da audiência especificada, realizando, tão somente a intimação do
Estado do Maranhão para manifestação acerca da tutela de urgência requerida. Dessa
forma, a data da nova audiência foi agendada para o dia 19 de maio de 2017.
- 27 de junho de 2017 – realização de audiência de conciliação entre as partes;
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- 19 de julho de 2017 – a empresa Piripiri Construções Ltda, por meio de seu
representante legal, apresentou contestação. Na contestação, foi alegada a não
veracidade dos fatos apresentados na ACP, bem como a má-fé do Ministério Público em
propor a ação. Segundo consta no documento, “(...) o Ministério Público Estadual não
logrou êxito em comprovar a participação/concorrência da empresa contestante
como causa do suposto prejuízo ambiental alegado na inicial (...)” (grifo do autor da
contestação). Pediu a extinção da ação sem resolução de mérito e a condenação de
multa, tendo em vista a coisa julgada e a litigância de má-fé do Ministério Público;
- 08 de agosto de 2017 – o Estado do Maranhão, por meio de seu representante
legal, também apresentou contestação. Nesta, foi solicitado que o Ministério Público
demonstrasse, com base na teoria do risco administrativo, o nexo de causalidade entre
eventual dano ambiental e ato praticado por agente público estadual. Pediu-se,
também, a extinção do feito sem resolução do mérito, com fulcro nos artigos 17 e 330,
II, do Código de Processo Civil, em relação a sua participação na ação e; caso fosse
denegado este pedido, que o juiz julgasse improcedente os pedidos formulados pela
parte autora, por falta de amparo jurídico-legal;
- 04 de junho de 2018 – o Ministério Público apresentou reconvenção.
- 07 de junho de 2018 – o Município de São Luís manifesta seu interesse em
acompanhar o feito integrando a relação jurídico-processual como litisconsorte ativo;
- 11 de setembro de 2018 – autos conclusos para decisão;
- 16 de maio de 2019 – o juiz da Vara de Interesses Difusos e Coletivos designa o
dia 08/07/2019 para a realização de audiência e saneamento e organização do processo;
- 08 de julho de 2019 – realizada a audiência de saneamento e organização do
processo.
Diante do exposto, é possível perceber que há um lapso temporal grande entre
a denúncia e o início da ação civil pública, sendo, aproximadamente, 05 (cinco) anos;
como também, nas fases que seguem o processo. O processo em si, ainda se encontra
em fase de tramitação, com duração, aproximada, de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses,
sem previsão para sentença definitiva.
O artigo 14, parágrafo 1º, da Lei 6.938/81 consagrou o regime da
responsabilidade objetiva para reparação e indenização de danos causados ao meio
ambiente e a terceiros afetados (WEDY, 2018). O STJ, em determinados julgados,
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4593
assentou que a responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva e solidária, de
todos os agentes que obtiveram proveito “não com fundamento no Código de Defesa
do Consumidor, mas pela aplicação da teoria do risco integral ao poluidor/pagador
prevista pela legislação ambiental (art. 14, § 1º, da Lei n.6.938/81), combinado com o
art. 942 do Código Civil” (STJ, 2017).
Contudo, as lides ambientais atuam em grandes intervalos de tempo, a
investigação demora, o processo se prolonga e a execução da sentença também é
demorada (CARVALHO, 2018). Essa morosidade faz refletir sobre a necessidade de o
direito cumprir, efetivamente, sua função precípua de proteção ao bem jurídico
ambiental.
Em razão da natureza essencial, indisponível, difusa e intergeracional do direito
ao meio ambiente, no que diz respeito às ações ambientais, deve ser reconhecida a
supremacia dos interesses da coletividade sobre os interesses particulares (CARVALHO,
2018).
A esse respeito o STF entende que:
A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a “defesa do meio ambiente” (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural (ADI 3.540-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO. j. 03.02.2015).
Além disso, merece destaque, também, a taxa de congestionamento do
Judiciário. O congestionamento do Judiciário pode dificultar a aplicação de penas da
esfera administrativa uma vez que os infratores muitas vezes contestam judicialmente
os processos administrativos. Somado a isso, os órgãos ambientais muitas vezes
precisam iniciar ações judiciais para cobrar multas (BARRETO, Paulo; ARAÚJO, Elis;
BRITO, Brenda, 2009).
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3 CONCLUSÃO
Analisando-se o processo, ficou claro que os problemas enfrentados pela
comunidade do Porto Grande vão além dos dois anos e quatro meses da tramitação do
processo junto ao judiciário. Desde a apresentação da denúncia ao Ministério Público já
se somam mais de 07 (sete) anos. Considerando que a denúncia foi o ápice do
sofrimento enfrentando pela comunidade e que os problemas ambientais e de saúde
causados pela empresa Piripiri Construções Ltda remetem a sua instalação na área,
temos um lapso temporal de 15 (quinze anos) ou mais de espera para a solução dos
problemas alegados na ACP.
É de notório conhecimento que o meio ambiente é um direito de grande
relevância social, possuindo as suas próprias exigências temporais de intervenção
protetora. Contudo, é imprescindível que se encontre o tempo certo, de forma que a
duração do processo não ultrapasse os limites razoáveis.
A morosidade e o prolongamento dos processos, em particular os ambientais,
têm como consequência a ocorrência de sérios danos econômicos e sociais às partes.
Pode-se correr o risco de o processo demorar tanto tempo que, ao chegar ao fim, o
direito ganho pode não mais interessar àquele que perdeu tempo e dinheiro na causa.
O que se espera é que a tramitação do processo observe a razoabilidade,
alcançando uma solução justa e efetiva para a solução dos litígios. Seria inteiramente
favorável que, na apreciação de ações civis públicas ambientais, as ideias onde a duração
razoável do processo ambiental e de uma temporarialidade própria para o meio
ambiente, fossem levadas em consideração.
Destaca-se, por fim, que as tutelas judiciais devem ser aptas a acautelar o bem
jurídico ambiental da melhor maneira possível, assegurando o resguardo do direito
material ameaçado ou violado, com imposição das correspondentes medidas de
prevenção e/ou responsabilização, dando concretude, entre outros, aos princípios
precatórios, do poluidor-pagador, reparação in natura e reparação integral (CARVALHO,
2018).
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REFERÊNCIAS
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EIXO TEMÁTICO 10 | QUESTÃO AGRÁRIA, URBANA E AMBIENTAL
O CENTRO HISTÓRICO E A EXPANSÃO DA CIDADE DE SÃO LUÍS:
proteção, habitação e exclusão social
THE HISTORICAL CENTER AND THE EXPANSION OF THE CITY OF SÃO LUÍS: protection, housing and social exclusion
Marina da Silveira e Melo1
RESUMO São Luís do Maranhão está inscrita como Patrimônio Mundial da Humanidade da UNESCO desde 1997, o que reflete a importância do seu centro histórico, contendo milhares de propriedades protegidas nas esferas federal, estadual e municipal. Porém, diversas de suas áreas nas zonas tombadas têm sofrido abandono, degradação patrimonial e marginalização. A evasão residencial e o abandono social do centro são comportamentos comuns nas cidades históricas, tornando complexa a preservação de seus conjuntos arquitetônicos. O objetivo do presente artigo foi estudar o cenário e as consequências sociais no centro histórico da cidade a partir da redução de imóveis com função de habitação, desencadeada pela sua expansão. Para tanto, apresenta-se uma revisão da história e suas alterações ao longo do tempo principalmente no que se refere a impactos urbanísticos na zona de estudo, sua evolução, expansão da cidade de São Luís e suas consequências. Palavras-Chaves: São Luís; Patrimônio Histórico; Exclusão Social. ABSTRACT São Luís of Maranhão has been inscribed as a UNESCO World Heritage Site since 1997, reflecting the importance of its historic center, containing thousands of protected properties at the federal, state and municipal levels. However, several of its areas in the listed areas have suffered abandonment, property degradation and marginalization. Residential evasion and social abandonment of the center are common behaviors in historical cities, making the preservation of their architectural ensembles complex. The objective of this article was to study the scenario and social consequences in the historic center of
1 Doutoranda em Arquitetura na Universidade de Lisboa, arquiteta e urbanista pela Universidade CEUMA, graduada em física pela UFMA, mestre em Geofísica pela UFPA, e docente da Universidade CEUMA. E-mail: [email protected].
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the city from the reduction of properties with housing function, triggered by its expansion. To this end, a review of the history and its changes over time is presented, especially with regard to urban impacts in the study area, its evolution, expansion of the city of São Luís and its consequences. Keywords: São Luís; Historical Heritage; Social Exclusion.
INTRODUÇÃO
São Luís, marco de ocupação política territorial, foi a única cidade fundada pelos
franceses em território brasileiro. Entretanto, estes foram vencidos cedendo o passo da
história aos portugueses, que edificaram um conjunto arquitetônico, paisagístico, e
urbanístico, que se tornou uma das maiores no período do império. Tal área, equivalente
a cidade primitiva, atualmente, é limitada ao bairro conhecido como "centro histórico”.
Nele, há cerca de 1.753 edificações tombadas pelo Governo Federal, através do IPHAN,
por meio do Decreto No. 25/1937. A referida região é ainda inscrita como Patrimônio
Mundial da Humanidade da UNESCO desde 1997, e tendo, aproximadamente 3.500
propriedades tombadas pelo Governo Estadual através do Decreto do Estado No.
10.089/1986. Dessa forma, não há dúvidas quanto aos seus valores histórico, artístico,
arquitetônico, urbanístico e paisagístico atribuídos pelas esferas governamentais a esse
acervo oitocentista, o que o torna um bem cultural da humanidade. Tal reconhecimento
reflete ainda a importância da cidade de São Luís, e em especial, do seu centro histórico.
Apesar disso, diversas de suas áreas dentro das zonas tombadas e adjacências
têm sofrido um abandono natural. Esse padrão de comportamento urbano tem se
tornado cada dia mais comum e facilmente observado nos centros históricos brasileiros
e de diversos países, notadamente nos que compõem a América Latina (MENA, 2013).
Esse está associado a alteração de condição dessas zonas, antes residenciais para áreas
comerciais, gerando como consequências sua marginalização e o descaso com o
patrimônio arquitetônico.
De acordo com Bonduki (2010), embora o valor patrimonial dos edifícios
históricos possa ser considerado um forte fator de atração, a região central é vista como
lugar degradado e inseguro, trazendo como resultado a criação de novas áreas
residenciais e novas centralidades. Manifesta-se então a ociosidade ou subutilização dos
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imóveis, beneficiando as ocupações irregulares, invasões, alterações estruturais e
destruições, usos não permitidos, entre outros. Alguns exemplos desses cenários no
Centro Histórico de São Luís são: os cortiços, os estacionamentos dentro das edificações
abandonadas e as descaracterizações das edificações para novos usos, entre diversos
outros. Nesse contexto, percebe-se, muitas vezes, na omissão do Poder Público e dos
proprietários, um incentivo indireto a degradação do patrimônio construído,
principalmente no que se refere aos edifícios de interesse histórico.
Nesse contexto, o objetivo do presente foi observar o cenário e as consequências
sociais no centro histórico de São Luís-MA a partir da redução de imóveis com função
de habitação, desencadeada pela expansão da cidade. Para tanto, no sentido de
compreender o fenômeno, a seguir, apresenta-se um breve histórico sobre a cidade de
São Luís e sua expansão, bem como a situação legal do patrimônio do Centro Histórico.
Posteriormente discute-se sobre o atual cenário de habitação e as consequências
sociais.
2 CENTRO HISTÓRICO DE SÃO LUÍS
Os primeiros contatos com europeus registrados antes da fundação da cidade
foram: em 1500, pelo espanhol Vicente Yanez Pinzon; em 1535, pelos portugueses Ayres
da Cunha, Fernão Álvares de Andrade e João de Barros (primeiro donatário da
Capitania), que naufragaram na costa. Porém, a ocupação da zona com o objetivo de
colonização, só se deu em julho de 1612. Uma expedição francesa vinda do porto de
Cancale, constituída por três navios e quinhentos homens, sob o comando de Daniel de
la Touche, Sieur de La Ravardière (IPHAN, 2008; SILVEIRA, 2013). A primeira ocupação
se estabeleceu-se no Forte de Saint Louis, sendo a principal construção francesa, local
que daria origem a cidade.
Posteriormente, em 1614, o Governador Geral do Brasil ciente da chegada dos
franceses a região, envia uma expedição militar de Pernambuco para expulsá-los. Três
anos e quatro meses depois, em 1615, a batalha é vencida por Portugal e Espanha, em
4 de novembro (IPHAN, 2008). Segundo IPHAN (2008), é nesse contexto, que o primeiro
governador do Maranhão, Jerônimo de Albuquerque determina a organização
administrativa de São Luís. Entre uma série de ações, inicia-se o planejamento urbano
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realizado pelo engenheiro-mor do Estado do Brasil, Francisco Frias de Mesquita,
desenvolvido para guiar a futura evolução da cidade.
Segundo o mesmo autor, entre 1580 e 1640, estando a Coroa Portuguesa sob
domínio espanhol, a União Ibérica, determina este desenho próprio e específico ao
desenvolvimento e expansão do núcleo urbano. E foi a partir desse desenho urbanístico
que São Luís se desenvolveu e expandiu por um arruamento organizado numa malha
ortogonal adaptada a topografia do terreno, sem hierarquização ou distinção funcional
das ruas. O referido traçado é o registro de planejamento urbano mais antigo da cidade,
datado de 1640.
Em 1617, é instalada a Câmara Municipal de São Luís. Dois anos depois, a
localidade é elevada à categoria de Vila. Nesse mesmo ano, chegam à região as primeiras
duzentas famílias de açorianos, que fundam a primeira Câmara Municipal.
Posteriormente, entre 1670 a 1680, vieram mais duzentos e dezenove casais açorianos
para São Luís (MARTINS, 2000).
À medida que a cidade se expandia em direção ao interior da ilha, seu modelo
urbano foi sendo preservado, notadamente entre os séculos XVIII e XIX. Em 1665, o
Caminho Grande, ligação do núcleo urbano básico com os aldeamentos e vilas do
interior, foi consolidado. A ocupação da cidade, seguiu os padrões das ocupações
lusitanas: cidade alta (atividades administrativas, religiosas e militares – Centro do
Poder); e a cidade baixa (atividade comercial).
Ao longo do século XVIII, São Luís passa por melhoramentos urbanos.
Posteriormente, na segunda metade do século XVIII, o Rei de Portugal D. José I, por meio
de seu Primeiro-Ministro, Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal,
com o objetivo de garantir o fornecimento de matéria-prima para a indústria
manufatureira da Metrópole, cria uma série de Companhias de Comércio (MARTINS,
2000).
Em 1808, com chegada da Família Real no Rio de Janeiro, e com a permissão para
a instalação das primeiras indústrias têxteis no país se desenvolvem na cidade os
primeiros curtumes, impulsionando novamente a urbanização (IPHAN, 2008). Ao longo
do século XIX, a cidade passou por diversas melhorias na infraestrutura urbana, tais
como: o calçamento de ruas, implantação do Cais da Sagração e reurbanização das mais
importantes praças.
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São Luís é confirmada como capital da província a partir da adesão do Maranhão
à Independência do Brasil. Em 1840, registram-se instaladas na cidade: seis fábricas de
pilar arroz, duas prensas de algodão, três fábricas de sabão e de velas, oito olarias, seis
tipografias, e vinte e duas de cal. Quatorzes anos depois, já em 1854, é criada a
Companhia Confiança Maranhense com a finalidade de construir um edifício com várias
lojas e espaços para uso comercial para serem alugados, o primeiro modelo do que no
futuro seriam as galerias comerciais (IPHAN, 2008; MARTINS, 2000).
Em 1861, é a partir dessa construção comercial e no entorno deste
empreendimento que a Praia Grande passa a ser uma área composta por comerciantes
abastados. Organizadas, multiplicavam-se as atividades comerciais, entre uma
diversidade de ofícios. Alguns ainda presentes na área hoje conhecida como Projeto
Reviver. Entre 1850 e 1880, surgem na região as lojas de moda, agências de leilões,
farmácias e fábricas.
Em meados do século XIX, registra-se a presença na cidade de: um teatro, várias
igrejas, tipografia, um hospital militar, grandes sobrados com até quatro pavimentos e
riquíssimos solares.
De acordo com IPHAN (2008), quanto a legislação, os Códigos de Posturas de
1.832, 1.842, 1.866 e 1.893, regularam a expansão do modelo urbanístico, considerando
dimensões e larguras pré-estabelecidas pelo traçado original da cidade até o período
republicano. Na segunda metade do século XIX, a cidade é expandida naturalmente para
outros perímetros urbanos, desenvolvendo-se nos arredores do Caminho Grande que
ligava a Praia Grande ao bairro de João Paulo.
Em 1888, com a libertação dos escravos e a consequente desvalorização das
propriedades rurais, há uma migração grande de pessoas da zona rural para os centros
urbanos. Entre 1860 e 1920, com a implantação do parque fabril, ocorre a atualização
dos serviços urbanos. Entre 1918 e 1929, com a política de melhoramentos urbanos dos
Governos Estaduais e Municipais, a urbanização se desenvolveu consolidando-se em
intervenções parciais (IPHAN, 2008).
A partir de 1936, a administração municipal assim como outras capitais
nacionais, deu ênfase às práticas higienistas no que diz respeito as condições de
salubridade das unidades habitacionais. Todas as ações foram realizadas por meio do
Serviço de Salubridade das Habitações, tendo como alvos principais os cortiços da
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cidade. Uma prática higienista adotada regularmente era a demolição de ruínas,
também consideradas focos de proliferação de doenças (IPHAN, 2008).
No início da década de 1940, Neiva de Santana promove a abertura da larga
Avenida Magalhães de Almeida que segundo o interventor Paulo Ramos em relatório ao
presidente Getúlio Vargas, referente ao exercício de 1940, seria: outro melhoramento
de grande vulto e destinado a modificar por completo a feição colonial de São Luiz
(RAMOS,1941; apud IPHAN, 2008). No projeto, dezenas de exemplares da arquitetura
tradicional luso-brasileira foram destruídos, em um projeto ambicioso que cortava o
centro da cidade, praticamente ligando o Rio Anil ao Bacanga. Outra intervenção na
dinâmica da cidade, coerente com as diretrizes de um plano de modernização de São
Luís, foi a abertura da avenida Getúlio Vargas que avançava para os subúrbios da cidade
(IPHAN, 2008).
Com a referida intervenção começa o processo de abandono e decadência do
Centro Histórico. A transferência de uma parcela da população de alta renda antes
instalada na Praia Grande, local nobre do Centro Histórico, é efetivada para seus
arredores gerando como resultado a desvalorização da área central. Esse
comportamento urbano abre espaço e aumenta o número de cortiços.
Já no período do Estado Novo, segundo IPHAN (2008), uma parte da Praia Grande
e do bairro do Desterro foi destinada pelo próprio Governo à “concentração do
meretrício”. É então criada uma zona de prostituição legalizada nos arredores da rua 28
de julho. O fato incentiva a saída de muitas famílias que residiam na área, criando um
perímetro ainda maior de abandono, exclusão social e marginalização. Décadas depois,
em função da desvalorização social das edificações e dos sobrados da zona, estes são
transformados de boates e bares. Com o tempo, os mesmos em avançado estado de
degradação passam a funcionar como cortiços ou pensões para pessoas de baixa-renda
vindas do interior e de outros estados em busca de condições melhores.
A partir de 1958, intensifica-se ainda mais o processo de abandono e declínio da
Praia Grande, com o surgimento de novos bairros e os primeiro conjuntos habitacionais.
Há também um aumento acentuado da população em função da migração de pessoas
de zona rural para a zona urbana na busca por melhores condições e meios de vida.
É nesse cenário que se expande a área de palafitas ocupadas por populações de
baixa renda, que de acordo com o mesmo autor, em número superior a 7.000, abrindo
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mais de 40.000 habitantes em precárias condições de moradia. Essas ocupações
irregulares predominam ainda hoje apesar das iniciativas governamentais, no divisor de
águas do Bacanga e do Anil, nos arredores da Ponta d’Areia, Ilhinha e em área de
mangues em outras zonas da ilha (IPHAN, 2008).
A implementação do sistema viário urbano em fins da década de 1960,
especificamente no período de 1967 a 1970, possibilita outro vetor de crescimento. É
nesse cenário que as grandes firmas de comércio por atacado desaparecem. O comércio
varejista predomina e é direcionando no sentido da Rua Grande, a Rua Oswaldo Cruz.
Configurando assim, nos anos 1970, uma nova expansão urbana, agora em direção ao
norte da ilha (IPHAN, 2008).
Nas décadas seguintes chegando aos dias atuais, a expansão se intensifica e
continua, considerando a grande quantidade de vazios urbanos ainda presentes na
cidade. Naturalmente, as famílias passam a se mudar para as novas zonas com melhor
infraestrutura, estimulando a ocupação das edificações do centro histórico para o uso
exclusivamente comercial. Nesse contexto, observa-se a cada ano uma redução maior
de edificações com o uso residencial nesse perímetro.
3 PROTEÇÃO E LEGISLAÇÃO PATRIMONIAL DE SÃO LUÍS
No que se refere a proteção, de acordo com IPHAN (2008), historicamente, só
em 1955, ocorreram os primeiros tombamentos federais de conjuntos urbanos em São
Luís, sendo tombados: os Conjuntos Arquitetônicos e Paisagísticos da Praça Benedito
Leite e da Praça João Francisco Lisboa, o Conjunto Arquitetônico e Urbanístico do Largo
do Desterro, e o Acervo Arquitetônico e Paisagístico da Praça Gonçalves Dias.
Posteriormente, em 1974, os três primeiros são integrados formando um perímetro de
proteção incluindo os bairros da Praia Grande, Desterro e Ribeirão. A região
contemplava 978 edificações como o Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da Cidade de
São Luís.
Na década de 80, o Governo do Estado do Maranhão tomba, através do Decreto
10.089/86, a área de entorno do perímetro de tombamento federal. A área
compreendia 160 hectares, com aproximadamente 2.500 imóveis, correspondendo ao
traçado urbano expandido do século XIX (IPHAN, 2008).
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Parte do Centro Histórico de São Luís, em 6 de dezembro de 1997, é incluída pela
Convenção do Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação,
Ciência e Cultura (UNESCO) na Lista do Patrimônio Mundial. Para tanto, duas
características foram fundamentais para a inclusão na categoria de Patrimônio Mundial:
o seu desenho urbano, preservando o traçado de Frias de Mesquita, e o seu conjunto
de arquitetura civil influenciado pelo estilo pombalino.
O centro histórico de São Luís é o único cuja inscrição na Lista do Patrimônio
Mundial está fundamentada em três critérios diferentes, entre os conjuntos urbanos
brasileiros reconhecidos pela UNESCO, sendo esses: o testemunho excepcional de
tradição cultural; o exemplo destacado de conjunto arquitetônico e paisagem urbana
que ilustra um momento significativo da história da humanidade; e o exemplo
importante de um assentamento humano tradicional que é também representativo de
uma cultura e de uma época. Atualmente, o perímetro de tombamento federal é
coincidente com o perímetro inscrito pela UNESCO.
Outras edificações dentro do perímetro de proteção estadual por meio do
Decreto Estadual de No. 10.089/1986 que dispõe sobre o tombamento do conjunto
histórico, arquitetônico e paisagístico do centro urbano da cidade de São Luís, foram
protegidas legalmente. Quanto as disposições para proteção patrimonial, estas são
estabelecidas no Decreto Estadual No. 12.350/1992.
A cerca das ações municipais, estas ratificam e expandem o perímetro protegido
através da legislação urbanística específica, criando em 1992, a Zona de Preservação
Histórica (ZPH). Estando essa condicionada a Lei Municipal No. 4.669, referente ao Plano
Diretor; e o n°. 3.253, quanto ao Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo
Urbano. Nesse sentindo, a legislação urbanística municipal considera, em suas ações de
planejamento, todo o conjunto urbano envolvido pelo Anel Viário como o centro antigo
da cidade formando um núcleo único, a ZPH.
Conforme Lei de Zoneamento de São Luís, Seção XVI, que regulamenta toda e
qualquer intervenção na Zona de Preservação Histórica (ZPH), esclarece que só serão
licenciadas quaisquer obras dentro desta zona após parecer prévio do Instituto
Brasileiro do Patrimônio Cultural (IBPC-MA), Departamento do Patrimônio Histórico e
Paisagístico do Maranhão e Prefeitura de São Luís.
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4605
4 HABITAÇÃO, ISOLAMENTO E EXCLUSÃO SOCIAL
Como é observado em São Luís, a descentralização da cidade, através da criação
de novas centralidades nos bairros afastados em plena-expansão, dirige o seu
desenvolvimento para longe de onde nasceu, ampliando áreas, tornando distantes os
acessos, criando uma nova dinâmica de vida. Naturalmente, isola-se o centro
tradicional, condicionando-o a degradação, e a adaptação a novos usos.
Os processos de estagnação e decadência são vários. Os proprietários de
edificações com boas condições sociais tendem a abandonar o centro histórico, e em
alguns casos, a própria cidade. Esses, sedem as edificações a outros com a promessa de
cuidado e conservação, ou alugam para comércios, ou simplesmente, os mantém semi-
desocupados ou como depósitos, facilitando seu arruinamento. Quando ocorre a
ocupação da edificação histórica por famílias de baixa renda; na contramão, não tendo
estes recursos para conservar, reformar e reabilitar suas residências e seus pequenos
pontos comerciais, conforme exigindo pela legislação (e muitas vezes, “sem
conhecimento desta”), ocorre dois cenários. O primeiro, é a manutenção em condições
precárias da edificação, muitas vezes mutilando e alterando as características do
patrimônio; e o segundo, o posterior, apesar de ocupado, sem manutenção, há sua
deterioração natural e/ou arruinamento.
Segundo Mena (2013), quanto maior a deterioração observada no patrimônio,
maior será o sentimento de insegurança gerado, aumentando por consequência a
“insegurança” real. A degradação gera marginalização. As idealizações negativas
associadas a esses locais presentes no inconsciente coletivo acabam por se manifestar
em ações, e logo, havendo maiores fatores externos negativos e complexos para a sua
conservação. Esse contexto influencia diretamente as escolhas de investimento do setor
imobiliário, contribuindo ainda mais para o isolamento dos centros históricos. Esta é a
realidade da maioria do conjunto arquitetônico do centro histórico de São Luís.
A cidade tradicional, o centro histórico, torna-se um “não-lugar” em seu sentido
de socialização, uma zona a ser evitada. Esta que antes através de seus espaços urbanos
facilitava a interação com “o outro”, no encontro numa rua com os vizinhos, no sentar-
se na porta de casa para uma conversa de fim de tarde e no ter seus usos aproveitados
por crianças e jovens; vê-se vazia e solitária. Com o tempo, o isolamento dessas zonas,
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4606
aumenta o sentimento de individualidade, como menciona Alomá (2013, s.p.): Os
vizinhos não se conhecem, as crianças não brincam na rua e nem suas escolas estão no
bairro. A vida é feita a portas fechadas, acabando com a socialização. Como
consequência, ocorre a tendência natural de reconhecer esses ambientes e espaços
como “crimináveis” e mitificá-los como lugares perigosos, culminando com a sua
marginalização natural.
O que acontece no espaço urbano está diretamente relacionado com o uso e a
função das edificações que o compõem e sua dinâmica com o entorno. Segundo Alomá
(2013), a monofuncionalidade dos centros históricos e áreas centrais, somada ao
esvaziamento de habitações, condena a mesma a uma distorção perversa que resulta
do desequilíbrio polarizado em função de seu uso em horários determinados. Durante
o dia, em horário comercial, essas zonas tornam-se centros caóticos e dinâmicos. Porém
quando se fecham os estabelecimentos relacionados as atividades terciárias, comércios
e serviços, toda uma zona é condenada a solidão do esvaziamento, ausência quase total
de pessoas, contribuindo para um panorama desértico que inspira a sensação de risco,
de insegurança e de marginalização. Tal percepção desfavorável acentua a tendência de
associar as zonas centrais como lugares inseguros e perigosos, uma zona a ser evitada,
e que não mais combina com a habitação.
Esse é o contexto do atual centro histórico de São Luís do Maranhão
desencadeado pela redução de usos de edificações como habitação, em consequência
da continua expansão da cidade para fora dos limites do centro histórico. A ausência de
pessoas e principalmente famílias habitando (residindo permanentemente) nessas
zonas, cria um vácuo social, agravado pela sucessiva alteração de condição e uso das
edificações restantes. Apesar da grande riqueza arquitetônica e do potencial
habitacional da zona central, essa é não vista como um lugar adequado, em comparação
com os novos bairros residenciais que apresentam melhor infra
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Centro Histórico tem sido cada dia menos usado como elemento socializador,
sendo naturalmente substituído, com o passar do tempo, por um local puramente de
atividades do setor terciário, uma consequência direta da redução da condição de
habitação dessa zona. Essa alteração de situação resulta em áreas cuja atividade tem
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4607
horário restrito de funcionamento, facilitando assim seu esvaziamento social fora do
horário comercial e abrindo espaço para seu abandono e marginalização.
Uma zona urbana central degradada provoca rejeição e uma imagem mental
associada a insegurança. A evasão residencial e o abandono social do centro são
comportamentos comuns nas cidades históricas e torna complexa a preservação de seus
conjuntos arquitetônicos, muitas vezes abandonados ou ocupados indevidamente sem
manutenção adequada. Tal situação é um paradoxo, considerando que tais áreas são
protegidas por lei, mas não tem tal proteção incentivada ou efetivada de forma ampla
no sentido de as manter em boas condições de sobrevivência do edificado.
Boa parte de tais construções deve sua preservação ao fato de serem usadas ou
terem uma função social ou comercial. Algumas dessas funções alteraram a forma e a
distribuição interna dessas construções. Muito do que hoje conhecemos nas plantas de
edificações históricas é o resultado de adaptações para uso, e que diretamente
favoreceram sua permanência. Requalificar, pertencer e habitar as edificações do centro
histórico promove a garantia não apenas da sobrevivência desses imóveis, mas a
preservação da memória e da história, que transcende a cidade de São Luís.
Na cidade tradicional, os espaços públicos, originalmente, ofereciam a
possibilidade de interação pessoal e proximidade social e física, que os bairros modernos
não dispõem. Nesse sentido, a recuperação de imóveis privados em zonas centrais
degradadas contribui para a manutenção social, cultural e morfológica dessas áreas, que
tem legislação específica de proteção, apesar de muitas vezes não ser aplicada. A
reconquista dessas áreas através de uma imagem externa mais positiva vem como uma
solução sinérgica com o entorno, favorecendo o conjunto.
REFERÊNCIAS
ALOMÁ, P. R. O espaço público, esse protagonista da cidade. ARCHDAILY. 19 dez. 2013. Acessado em: 15 jul. 2018. Disponível em: <https://www.archdaily.com.br/br/01-162164/o-espaco-publico-esse-protago nista-da-cidade>. BONDUKI, N. Intervenções urbanas na recuperação de centros históricos. Brasília, IPHAN/Programa Monumenta, 2010.
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BRASIL. Decreto-Lei N.25/1937: Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Brasília: 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0025.htm>. Último acesso em: 12 abr. 2019. ESTADO DO MARANHÃO. Decreto N.10.089/1986. Dispõe sobre o tombamento do Conjunto Histórico, Arquitetônico e Paisagístico do Centro Urbano da Cidade de São Luís. São Luís: Estado do Maranhão, 1986. ESTADO DO MARANHÃO. Decreto N. 12.350/1992: Regulamenta a Lei n. 5.082 de 20 de dezembro de 1990, alterada em parte pela Lei N. 5.205, de 11 de outubro de 1991, que dispões obre a proteção do patrimônio cultural do Estado do Maranhão. São Luís: Estado do Maranhão, 1992. IPHAN. São Luís: Ilha do Maranhão e Alcântara. Guia de Arquitetura e Paisagem. Ed. bilíngue. São Luís-Sevilha, Junta de Andalucia, 2008. MARTINS, A. A. São Luís: Fundamentos do Patrimônio Cultural séc. XVII, XVIII e XIX. São Luís, SANLUIZ, 2000. MENÁ, F. C. El patrimonio histórico y la centralidad urbana. In: VELÁZQUEZ, B. R.; COBOS, Emilio Pradilla. Teorías sobre la ciudad en América Latina. v. 2. Cidade do México, Universidad Autónoma Metropolitana, 2013. PREFEITURA DE SÃO LUÍS. Lei Municipal N.3.253/1992: Dispõe sobre o zoneamento, parcelamento, uso e ocupação do solo urbano e dá outras providencias. São Luís: Prefeitura de São Luís, 1992. PREFEITURA DE SÃO LUÍS. Lei Municipal N.4.669/2006. Dispõe sobre o Plano Diretor do município de São Luís e dá outras providências. São Luís: Prefeitura de São Luís, 2006. SILVEIRA, S. E. da. Relação Sumária das Cousas do Maranhão. 9 ed. São Luís: Edições AML, 2013.
4609
EIXO TEMÁTICO 10 | QUESTÃO AGRÁRIA, URBANA E AMBIENTAL
O PLANEJAMENTO TERRITORIAL DAS ÁREAS RURAIS NOS PLANOS DIRETORES DOS MUNICÍPIOS DA REGIÃO
METROPOLITANA DE NATAL/RN
TERRITORIAL PLANNING OF RURAL AREAS IN THE DIRECTORS 'PLANS OF THE
MUNICIPALITIES OF THE METROPOLITAN REGION OF NATAL / RN
Anna Elisa Alves Marques1
RESUMO Tendo como objeto a Região Metropolitana de Natal, em decorrência da importância do seu empoderamento, bem como da expressividade da sua população rural, busca-se compreender como os Planos Diretores da RMN tratam o Planejamento Territorial voltado para as zonas rurais. Discussão imprescindível para o efetivo desenvolvimento municipal e regional. Para tanto, desenvolve-se uma pesquisa qualitativa e quantitativa, tendo como referencial: dados da MUNIC 2017, realizada pelo IBGE, guias sobre a produção dos Planos Diretores, elaborados pelo Ministério das Cidades, bem como autores especialistas na questão metropolitana, na discussão sobre a relação do Urbano e o Rural, além da discussão sobre Planejamento Territorial.
Palavras-Chaves: Dicotomia Urbano-Rural; Região Metropolitana de Natal; Plano Diretor; Planejamento Territorial.
ABSTRACT Having as object the Metropolitan Region of Natal, due to the importance of its number, as well as the expressiveness of its rural population, try to understand how RMN Master Plans treat or plan Territorial aimed at rural areas. Essential discussion for effective municipal and regional development. To do so, develop a qualitative and quantitative research, having as reference: data from MUNIC 2017, carried out by IBGE, production guides for Master Plans, prepared by the Ministry of Cities, as well as authors specialized in the metropolitan issue, the relationship between the Urban and the Rural, in addition to the discussion on Territorial Planning.
Keywords: Urban-Rural; Metropolitan Region Of Natal; Master Plan; Territorial Planning.
1 Mestranda do Programa de Pós Graduação em Estudos Urbanos e Regionais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail: [email protected]
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INTRODUÇÃO
A Constituição Federal representa um poderoso marco regulatório no tocante à
Política Urbana, determinando, entre outros pontos, a necessidade dos entes
produzirem seus Planos Diretores (PDs), o que significou um grande passo para a
promoção de políticas de Planejamento Territorial nos municípios brasileiros
(BONAVIDES, 2006).
O Estatuto da Metrópole, legislado mais de dez anos depois, intensificou esse
direcionamento, apontando uma data limite para a implementação dos Planos
Diretores, desencadeando a sua criação em larga escala pelo Brasil (BRASIL, 1988).
Acontece que historicamente o Plano Diretor privilegia o planejamento das
zonas urbanas. No nível de modernidade atingido, o desenvolvimento tecnológico é
observado em escala mundial e a dicotomia Urbano-Rural, enquanto processos
antagônicos se tornou uma falácia, assim, a discussão sobre o Planejamento do
Território nas Zonas Rurais, em um contexto de Plano Diretor, é imprescindível para o
efetivo desenvolvimento municipal e regional. O próprio Estatuto da Metrópole aponta
que os Planos Diretores devem tratar o município como um todo, incluindo as zonas
rurais.
A presente pesquisa nasce, assim, tendo como objeto de estudo a Região
Metropolitana de Natal (RMN), posto se entender a importância de um efetivo
planejamento municipal para a promoção do desenvolvimento regional. Busca-se
compreender como os Planos Diretores dos 15 municípios que compõem a RMN
dispõem sobre o planejamento territorial das zonas rurais e a importância de
tratamento do assunto para o desenvolvimento municipal e regional.
Para tanto, utiliza-se como norte o Guia para Elaboração dos Planos Diretores
Participativos (BRASIL), desenvolvido em 2004 pelo Ministério das Cidades, que dispõe
um capítulo sobre as diretrizes para os municípios, acerca do planejamento territorial
rural. Foi escolhido tal referencial por ser o mais completo guia sobre a temática
institucionalmente elaborado. Além disso, os dados constantes na Pesquisa de
Informações Básicas Municipais – MUNIC, realizada em 2017 pelo IBGE, foi de grande
valia, posto que contém dados sobre as legislações voltadas para o rural.
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4611
No entanto, o presente estudo obteve dificuldades para encontrar dados
concretos sobre a quantidade da população residente nas zonas rurais e urbanas dos
municípios do Rio Grande do Norte. O último censo ocorreu em 2010, sendo dados
antigos e que contém algumas incongruências, como por exemplo, apontar que o
município de Natal é 100% urbano, quando se sabe que há alguns espaços agrícolas,
mesmo que pequenos.
Por fim, necessário apontar que se trata de uma pesquisa quantitativa e
qualitativa, que além dos apontamentos supramencionados, com o intuito de atender
ao proposto, bebe de um arsenal de material bibliográfico, de autores que tratam sobre
a interação entre o campo e a cidade, questões sobre a Região Metropolitana e o
Planejamento Territorial no Brasil e no Rio Grande do Norte.
2. A REALIDADE DO CAMPO E DA CIDADE NO PLANEJAMENTO TERRITORIAL
De forma a compreender as nuances do planejamento rural e urbano, é
necessário entender a relação entre o urbano e o rural na contemporaneidade.
Para Marx, a cidade é o local de desenvolvimento da atividade intelectual
(política e administrativa), enquanto o campo desenvolve o trabalho material. Com essa
divisão social do trabalho, há uma relação de poder da cidade sobre o campo. Da cidade
nasce o controle e a orientação material, religiosa e até de consciência para o campo
(SANTOS, 1993), que acaba ocupando um papel de antagonismo frente a modernidade.
Milton Santos (1994) compreende que “a produção já não é mais definida como
trabalho intelectual sobre a natureza natural, mas como o trabalho intelectual vivo
sobre o trabalho intelectual morto, natureza artificial”. Dessa forma, conclui que o “fato
da cidade” é também o “fato do campo”, informação e tecnologia também fazem parte
do campo, caindo por terra a ideia arcaica de que a ruralidade é sinônimo de atraso
(SANTOS, 1994).
O que Santos (1994) chama de meio técnico-científico-informacional se tornou a
cara do espaço. A produção de sementes, a forma de fertilizar o solo e a proteção às
plantas, tudo é fundado em uma informação. Desempenha-se atividades econômicas
que fazem o campo participar do comércio internacional, fazendo com que
determinados lugares sejam mundiais.
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4612
Assim, a modernização brasileira chegou ao campo tendo como base um padrão
urbano-industrial, lutando por máquinas, insumos materiais e intelectuais, além de uma
mão de obra qualificada. Tal realidade repeliu os trabalhadores da agricultura, que
passaram a viver cada vez mais em uma realidade urbana (SANTOS 1993).
A arcaica dicotomia entre o que é campo e o que é cidade não contempla mais a
realidade brasileira, rural e urbano se dão de forma conectada. Não há como
compreender campo e cidade de forma desvinculada. Há uma estreita ligação entre as
atividades desenvolvidas nas zonas. Muitas pessoas da zona rural acabam gerando suas
rendas nas zonas urbanas, assim como o estudo, a utilização de infraestruturas de
saúde, hospitais, lazer (JUNIOR, 2004).
O espaço rural possui diversos tipos de realidades: pessoas que vivem apenas 15
horas ali, uma vez que laboram em uma cidade vizinha; indivíduos que vão apenas nos
finais de semana, uma vez que estudam na Universidade localizada na cidade vizinha;
sujeitos que só passam um mês durante o ano, posto que se mudaram para a cidade.
Em resumo, há uma troca contínua de pessoas com atitudes, gostos e temperamentos
diversos, criando um mundo de opções de atitudes, bens e serviços (OREA, 1992).
Milton Santos (1994), dessa forma, aponta que a cidade se tornou o ponto de
regulação do que se faz no campo, assegurando a cooperação imposta pela divisão do
trabalho agrícola. Em outra via, a cidade se adaptou para responder os novos desafios
do campo, fazendo com que a cidade abandonasse a ideia de "cidade no campo" e se
tornasse a "cidade do campo". Uma organização diferente da apontada por Marx.
Embora exista uma correlação entre campo e cidade, torna-se de extrema
importância enfatizar que os conceitos não se tornaram iguais. Em que pese exista
determinada homogeneidade das condições de existência, posse de serviços, as
diferenças sociais são verificadas, há uma identidade e reivindicações próprias do
urbano e do rural (WANDERLEI, 2000).
Pode-se aferir, assim, que o Planejamento Territorial no Brasil, de forma
sistemática, surgiu com a urbanização, com a concentração de pessoas nas cidades, que
foi além da capacidade territorial, decorrentes do exagerado aumento de relações
sociais e dos fluxos. Contudo, muitas dessas relações, hoje, reproduzem-se no rural,
tendo como consequência a necessidade de ações de planejamento voltadas para as
suas peculiaridades (KRAMBECK, 2007).
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Dessa forma, o planejamento territorial rural deve levar em conta as relações
próprias do campo, como valores culturais, de uso, valores éticos (SABOURIN, TEIXEIRA,
2002), sem, contudo, deixar de considerar as novas dinâmicas narradas, a relação entre
o campo e a cidade. Os Planos Diretores precisam refletir isso para melhorar a qualidade
de vida local e regional.
Assim, passa-se para uma análise sobre as condições do rural e do urbano na
Região Metropolitana de Natal.
3. A REGIÃO METROPOLITANA DE NATAL
A metropolização, para Guy Di Méo (2008), é a concentração populacional em
determinadas áreas urbanas, que utiliza tecnologias em larga escala e se dedica ao setor
de serviços, além de se conectar a uma rede mundial. Assim, a partir de um polo, que
detém uma capacidade de atração, princípios de organização, ordem no espaço
geográfico, preenchendo uma série de funções, como política, econômica e ideológica,
tem-se conjuntos territoriais de portes variáveis, que se dividem em territórios nacionais
até metrópoles mundiais, além de cidades globais.
A Constituição de 1988 aponta que os Estados poderão criar Regiões
Metropolitanas para planejamento de funções públicas de interesse comum (BRASIL,
1998). A institucionalização de uma Região Metropolitana busca a promoção do
desenvolvimento regional, o fortalecimento da posição da região na rede de cidades do
país, até mesmo na rede global (COSTA, 2013).
No Brasil, principalmente após a CRFB/88, ocorreu uma separação entre o que é
uma metrópole e o que é uma Região Metropolitana. Para se ter uma ideia, tem-se
pouco mais de cinquenta Regiões Metropolitanas, enquanto há em média vinte
metrópoles no país (COSTA, 2013).
Para Olga Firkowski (2012), a inexistência de uma política metropolitana
nacional, bem como a inexistência de critérios claros para a criação das Regiões
Metropolitanas proporcionaram uma livre argumentação para a sua criação,
subordinada aos interesses estaduais. As Regiões Metropolitanas podiam ser instituídas
com base em qualquer critério ou até mesmo sem nenhum (COSTA, 2013).
Dessa forma, segundo Marco Aurélio Costa (2013, p. 324), a criação de
instrumentos de regionalização não possuía relação com os processos socioespaciais de
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desenvolvimento dos espaços metropolitanos. Ocorreu uma proliferação de RMs pelo
Brasil, por questões políticas, que buscavam se beneficiar dos programas de governo
que visavam o desenvolvimento de regiões efetivamente metropolitanas (MOURA;
PÊGO, 2016).
A Região Metropolitana de Natal foi criada em tal contexto, instituída pela Lei
Complementar n° 152 de 1997, ocupando uma área equivalente a 7% do território do
Estado do Rio Grande do Norte, comportando, no entanto, 46% da população estadual
(SILVA, 2018).
Quando da sua constituição, a RM abrigava apenas os municípios de Natal,
Parnamirim, São Gonçalo do Amarante, Macaíba, Ceará-Mirim e Extremoz, sendo
adicionados em 2002, São José do Mipibu e Nísia Floresta, em 2005, Monte Alegre, Vera
Cruz em 2009, Maxaranguape em 2013, Ielmo Marinho, Arês e Goianinha em 2015
(SILVA, 2018). Em 2019 foi adicionado o município de Bom Jesus.
Em 2015, como meio de disciplinar a criação de Regiões Metropolitanas, o
Estatuto da Metrópole dispôs, em seu artigo 2°, questões objetivas que passaram a
nortear a sua criação. Contudo, a decisão de reconfigurar as RMs já institucionalizadas
ficou a cargo dos estados (MOURA; PÊGO, 2016), o que não foi feito na Região
Metropolitana de Natal, que permaneceu com a mesma configuração, adicionando em
2019 o município de Bom Jesus.
Assim, a RMN tem seus municípios divididos em metrópole funcional, àquela que
concentra o maior fluxo de atividades, migrações, processos produtivos, constituída
pelos municípios de Natal, Parnamirim, Macaíba São Gonçalo do Amarante e Extremoz;
e a metrópole institucional, representada pelos demais municípios (SILVA, SILVEIRA,
ALMEIDA, 2019).
Principalmente os demais municípios têm uma concentração considerável de
população rural, conforme dados extraídos do censo populacional de 2010. Necessário
de antemão compreender que os dados não demonstram de forma precisa a questão
urbana e rural de cada município, principalmente naqueles que são apontados como
100% urbanos, uma vez que há neles uma “presença de práticas agrícolas e do próprio
modo de vida rural” (SANTOS, 2015). Contudo, tais dados são preciosos para apontar
uma noção do quanto o rural está presente na Região Metropolitana de Natal e a
importância do planejamento dessas áreas para o seu desenvolvimento.
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Observa-se, levando em consideração apenas o Censo de 2010 (tabela 01), que
a RMN possui 13 municípios com área rural, excluindo apenas Natal e Parnamirim.
Destes 13 municípios, 06 possuem um percentual com mais de 50% de população
habitando no dito meio rural.
Assim, diante da apresentada taxa de população do meio rural na RMN, é
importante que para o seu desenvolvimento se empondere o planejamento territorial
das zonas rurais dos municípios. Além disso, que se pense uma gestão integrada desse
planejamento rural.
Sobre o assunto, Trindade (2005) aponta que uma das peculiaridades da RM é
sua capacidade de integração, dessa forma, pensar o desenvolvimento territorial de
forma integrada para a criação de políticas públicas é de grande valia para a integração
e o desenvolvimento da região.
Tendo em vista a importância de uma política para o desenvolvimento da Região
Metropolitana, necessário a compreensão de como se desenvolvem as áreas rurais nos
Planos Diretores dos municípios da Região Metropolitana de Natal e se há uma interação
entre eles.
4. OS PLANOS DIRETORES DA REGIÃO METROPOLITANA DE NATAL E O RURAL
Dentre os 15 municípios da Região Metropolitana de Natal, 04 não possuem
Plano Diretor, são eles: Vera Cruz, incluído na RMN em 2009; Ielmo Marinho e Goianinha
em 2015, e Bom Jesus, incluso em 2019. Tal realidade vai em via oposta às diretrizes do
Estatuto da Cidade, que dispõe em seu artigo 41 a obrigatoriedade de municípios
integrantes de Regiões Metropolitanas produzirem seus Planos Diretores (PDs). Além
disso, nenhum dos Planos já desenvolvidos se encontra atualizado, em desrespeito ao
artigo 40 da já citada norma, que aponta a necessidade de revisão a cada 10 anos.
Tendo em vista esta preliminar análise, que se direcionou a elaboração dos
Planos Diretores no geral, já se pode compreender que os municípios da RMN não
conduzem, de maneira geral, seus Planejamentos Territoriais como direciona o Estatuto
da Cidade. Analisa-se agora a questão voltada para o rural.
O Ministério das Cidades em parceria com o Conselho Federal de Engenharia,
Arquitetura e Agronomia desenvolveu em 2004 um Guia para Elaboração dos Planos
Diretores Participativos (BRASIL). Durante a pesquisa realizada, esse foi o único
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instrumento institucional encontrado que trata de um tópico específico para direcionar
os gestores e as comunidades a pensarem no planejamento territorial das zonas rurais.
Na busca por compreender como os municípios da Região Metropolitana
encaram o meio rural em seus Planos Diretores, utiliza-se o documento elaborado pelo
Ministério para nortear quais os direcionamentos que o PD deve ter para compreender
de forma mínima as necessidades do rural no Planejamento Territorial.
O documento supramencionado dividiu a questão em quatro tópicos principais:
o macrozoneamento rural; o parcelamento do solo rural; a regularização das ocupações
na zona rural e a leitura socioterritorial da zona rural. A título de metodologia, o
presente artigo destrinchará cada tópico, comparando-o com o disposto nos Planos
Diretores da RMN, de acordo com a pesquisa realizada pelo IBGE em 2017, a Pesquisa
de Informações Básicas Municipais (MUNIC).
O Macrozoneamento Rural trata da leitura socioterritorial das zonas rurais, que
tem suas peculiaridades em relação às urbanas. Trata da destinação socioeconômica e
ambiental das diversas partes do território municipal. Identifica-se as áreas de
prioridade, as secundárias, as restritas, com base nas capacidades municipais, como
energia elétrica, fornecimento de gás, coleta de esgoto.
Aqui se destrincha se o município possui áreas especiais e quais são, abordando
a questão da preservação ambiental de determinados segmentos. O documento ressalta
a importância da identificação do solo, topografias, acessibilidade, quais as adequações
para os diferentes tipos de produções.
Além disso, chama-se atenção para a necessidade de ter um cuidado especial
com as áreas periurbanas. Essas áreas, no geral, passam pelo processo de
reestruturação fundiária e conversão do uso da terra, sendo áreas bem indefinidas,
sendo consideradas um problema para o Poder Público. No entanto, os autores
destacam as potencialidades dessas áreas, que podem ser utilizadas para a introdução
de novos padrões de produção agrícola.
De acordo com a MUNIC de 2017, apenas 03 municípios da RMN legislaram sobre
o Zoneamento Rural, são eles: Arês; Macaíba e Nísia Floresta (IBGE, 2017).
No tocante ao Parcelamento do Solo Rural, os autores apontam o papel de
protagonismo do INCRA, que possui instruções normativas para o tema. Entretanto,
tendo em vista a vasta quantidade de ocupações clandestinas nos municípios brasileiros
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e sendo o município o responsável por legislar sobre os interesses locais, o município
deve tomar para si a responsabilidade dessa regulação, que deve ocorrer de forma a
dialogar com o instituto.
Deve-se, assim, buscar o cumprimento da Lei 6.766/79 sobre o tema, de forma a
abranger as áreas existentes e as que seja interessante a realização de novos
parcelamentos, levando em consideração o macrozoneamento rural, de forma a
combater os vazios urbanos.
Tais medidas convergem para o objetivo primordial do PD, que é a promoção de
um desenvolvimento territorial socialmente justo e ambientalmente equilibrado.
Apenas 03 municípios da Região Metropolitana seguem este tópico, Arês, Macaíba e
Nísia Floresta (IBGE, 2017).
A regularização das ocupações na zona rural, por sua vez, torna-se importante
tendo em vista a pluralidade de dimensões das ocupações irregulares na zona, assim,
para cada situação é imprescindível uma estratégia para ela voltada.
É necessário definir os critérios para identificar os segmentos que podem ser
regularizáveis, tendo em vista as áreas de risco, questões ambientais, renda da
população que ocupa. Imprescindível, assim, estabelecer os critérios para identificação
dos núcleos regularizáveis e as estratégias para as suas regulamentações, definindo,
ainda, as responsabilidades dos atores envolvidos.
Os autores destacam a importância de se adotar medidas preventivas, de forma
a evitar que se produzam novos núcleos clandestinos e irregulares, além de se ter em
mente que não se pode focar na proteção da propriedade em si, mas na articulação
entre a sua proteção e a sua função social.
Ao analisar as diretrizes dos Planos Diretores, afere-se que dentre os 15
municípios da RMN, apenas 03 apresentam direcionamentos para a regulação fundiária
de ocupações da zona rural, são eles: Macaíba; Maxaranguape e São Gonçalo do
Amarante.
Não há na MUNIC 2017 um tópico sobre a existência de Planos Diretores que
aponte a necessidade de regulação fundiária das áreas rurais, contudo, há um segmento
que trata sobre a realização de programas ou ações no geral, para áreas urbanas e rurais,
entre os anos de 2015 e 2016. Nesta pesquisa consta que nos anos tratados, apenas as
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prefeituras de Natal e São Gonçalo do Amarante realizaram algum programa ou ação
voltado para a regulação fundiária (IBGE, 2017).
A Leitura Socioterritorial da Zona Rural, por fim, deve-se orientar pela coleta,
sistematização e análise das informações e problemas do município. Trata-se de uma
leitura capaz de desenvolver estratégias para serem incorporadas no Plano Diretor que
visem a consolidação da função social da propriedade.
Assim, a elaboração dessa leitura deve levar em consideração: questões
econômicas, políticas, sociais, ambientais, com a participação dos atores sociais que
ocupam o município.
Interessante observar aspectos como a existência de cooperativas, as nuances
da agricultura familiar, o desenvolvimento da agroindústria, as condições das áreas de
proteção ambiental. Além disso, mapear a existência de zonas passíveis de conflitos,
como áreas que podem causar impacto para a vizinhança, por exemplo a produção de
cana-de-açúcar que produz fuligem e pode causar reflexos para a saúde da comunidade.
Em que pese a importância de mapear essas características, peculiaridades, que
podem ser encontradas nos municípios de formas diferentes, nota-se que os Planos
Diretores da RMN não tratam com profundidade, em sua maioria os aspectos peculiares
de suas zonas rurais.
A questão desse não aprofundamento foi mapeada pelo Ministério das Cidades
em 2011, na pesquisa denominada “Projeto Rede de Avaliação e Capacitação para a
Implementação dos Planos Diretores Participativos”. No referido, foi constatado que
após o Estatuto da Cidade um número alto de municípios elaborou seus Planos, contudo,
ocorreu uma inadequação nas suas produções, o que gera deficiências na sua
aplicabilidade (PINTO, 2011).
Aferiu-se que há uma precariedade de disposições sobre as configurações e os
instrumentos de cada território. Um Plano Diretor para ser eficaz necessita definir como
cada segmento do município cumprirá sua função social, apresentando com clareza a
configuração do espaço e dos instrumentos constantes, conforme a Resolução n° 34 do
Conselho Nacional das Cidades (PINTO, 2011).
Os autores fizeram diversas reflexões sobre as causas que desencadearam a
ausência de tais dados, dentre elas explanaram: uma leitura técnica e comunitária mal
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elaborada; poucos recursos humanos e financeiros de cada município; descaso dos
gestores e baixa capacidade institucional e técnica (PINTO, 2011).
Sendo precária a leitura socioambiental do município como o todo, quando se
olha para o rural as questões se agravam e o descaso com as definições dos segmentos
territoriais é ainda mais intenso (PINTO, 2011).
Pelo exposto, pode-se compreender que as articulações dos Planos Diretores da
RMN, em sua maioria, não olham para o desenvolvimento Territorial Rural, de forma a
não desenvolver as suas peculiaridades em um contexto que ele está imerso ao meio
técnico-científico-informacional. Para além de uma questão municipal, tem-se que,
conforme o artigo 10 do Estatuto da Metrópole, que as Regiões Metropolitanas devem
compatibilizar os seus Planos Diretores com o Plano de Desenvolvimento Urbano
Integrado (PDUI).
Acontece que a RMN não implementou o plano, em decorrência da ausência de
iniciativa da gestão estadual, o que dificulta a compatibilização dos Planos Diretores
entre si (SILVA, 2017). Além disso, conforme aponta Silva (2017), “a ausência de
identidade metropolitana entre os municípios das R Ms, aliada à prevalência do
pensamento do “municipalismo autárquico”, torna difícil a integração da metrópole em
volta do pensamento coletivo”.
5 CONCLUSÃO
Após o Estatuto da Metrópole, os municípios brasileiros, de maneira geral, foram
influenciados a produzir os seus Planos Diretores. Contudo, quando se foca o olhar para
a Região Metropolitana de Natal, embora a maioria dos municípios, dos 15
participantes, tenham produzido sua regulamentação, 04 ainda permanecem sem o PD.
Além disso, nenhum deles cumpriu a regra de promoção da revisão após 10 anos de
existência.
No mais, compreendeu-se que nenhum município atendeu de forma ampla as
diretrizes do guia elaborado pelo Ministério da Cidade em 2004, estando, entretanto, o
Plano Diretor de Macaíba em uma zona de destaque positivo com relação aos demais
entes.
Aferiu-se, assim, que a mentalidade dos gestores municipais permanece voltada
para a ideia de que o rural é secundário na questão do planejamento territorial, visão
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que se remete a velha posição de dicotomia que o urbano e o rural ocupam no
imaginário.
Contudo, pôde-se perceber que esta reflexão é ultrapassada, que um
planejamento territorial eficaz, como dispõe o Estatuto da Cidade, necessita levar em
consideração o território como um todo, compreendendo, ainda, as peculiaridades de
cada zona, que não deixa de existir, embora não sejam opostas.
Assim, para o desenvolvimento da Região Metropolitana de Natal é necessária
uma articulação entre os municípios que seja efetiva e influencie na reformulação
adequada dos Planos Diretores, em rede, sem, contudo, vislumbrar as peculiaridades
existentes nas zonas rurais de cada município.
REFERÊNCIAS
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4622
EIXO TEMÁTICO 10 | QUESTÃO AGRÁRIA, URBANA E AMBIENTAL
ESPAÇOS PÚBLICOS E QUALIDADE DE VIDA EM CIDADES MÉDIAS: uma abordagem a partir do uso e apropriação da
Praça União de Imperatriz-MA
PUBLIC SPACES AND QUALITY OF LIFE IN AVERAGE CITIES: an approach based on the use and appropriation of Praça União de Imperatriz-MA
Carolina Bezerra Gualberto
Gustavo Rodrigues da Sila Lima Wilton Sousa Costa1
RESUMO As praças públicas são referências no espaço urbano. Caracterizada pela convivência humana, sendo este um lugar de lazer proporciona maior segura e qualidade de vida a sociedade. Tendo em vista a importância desses espaços públicos para a cidade, é necessário discorrer sobre as bases teóricas e os estudos empíricos que têm servido de referência para a estruturação desses espaços na cidade. Assim sendo, este estudo objetiva compreender o dinamismo e as funções sociais que as praças públicas exercem na cidade Imperatriz. Esta pesquisa assenta-se na abordagem qualitativa, com levantamento de informações por meio de entrevista semiestruturadas com os moradores e outras pessoas que frequentam a praça união, também foi utilizado a pesquisa bibliográfica e a técnica de observação. Palavras-Chaves: Praças Públicas; Lazer; Cidades Médias. ABSTRACT Public squares are references in the urban space. Characterized by human coexistence, this being a place of leisure provides greater security and quality of life to society. Taking into account the importance of these public spaces for the city, it is necessary to discuss the theoretical bases and empirical studies that have served as a reference for the structuring of these spaces in the city.
1 Acadêmicos do 5º período do Curso de Geografia – Licenciatura. Universidade Estadual da Região Tocantina do Maranhão - UEMASUL. E-mail: [email protected]; [email protected]; [email protected];
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Therefore, this study aims to understand the dynamism and social functions that public squares exert in the city Imperatriz. This research is based on the qualitative approach, with the gathering of information through semi-structured interviews with residents and other people who frequent Praça União, bibliographic research and observation techniques were also used. Keywords: Public squares; Recreation; Medium Cities.
INTRODUÇÃO
O presente estudo enfatiza aspectos essenciais da dinâmica urbana de
Imperatriz-MA, destacando nesse contexto, os espaços públicos de lazer e a qualidade
de vida nesta cidade, através de um estudo realizado sobre o uso e apropriação da Praça
União localizada no bairro União que se situa na área central desta cidade.
Para isto foi necessário de início compreender os múltiplos sentidos de uso e
apropriação da Praça União, a partir da análise das atividades desenvolvidas na praça,
que contribuem para a formação do cidadão imperatrizense, com espaços dedicados ao
lazer, esporte, encontros religiosos, ou simplesmente como um espaço de encontro de
amigos no fim da tarde para conversar ou jogar bola.
Sabe-se que as praças são lugares ou espaços públicos e de lazer, onde as pessoas
interagem e constroem vínculos sociais, proporcionando aos seus usuários, a realização
de exercícios que podem geram maior qualidade de vida à população. Estes espaços
necessitam de cuidados, pois são ambientes ou espaços públicos. Portanto, devem
receber a atenção e os cuidados dos agentes governamentais e da população em geral.
Para que os objetivos fossem alcançados foi realizada uma pesquisa de natureza
teórica com alguns dos estudiosos que tratam desta temática. A pesquisa também se
apoia na adoção da abordagem qualitativa. Participaram da pesquisa 20 (vinte) pessoas
aqui identificadas como representantes ou chefes de família. Trata-se de transeuntes e
mês de moradores que residem nas proximidades da praça união.
Como instrumento de coleta de dados foi utilizado um roteiro de entrevista que
está sistematizado em dois blocos. O primeiro bloco se respaldou em realizar
questionamentos sobre os motivos que levam as pessoas a frequentar a praça. O
segundo bloco buscou identificar as atividades que são realizadas na praça, pois este
espaço urbano evidencia a importância da socialização entre a comunidade por meio
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4624
das suas formas de uso e apropriação para o lazer, à medida que mantem assim um
vínculo social entre os frequentadores, relação esta que foi ampliada a partir da
revitalização executada pelos governos municipal e federal em julho de 2018.
Vários teóricos que estudam ou abordam sobre os espaços públicos e cidades
foram pesquisados, entre os quais, ressaltam-se as contribuições teóricas e
metodológicas fornecidas por Castells (1983), Spósito (2001) e Sousa (2005)
reconhecem que as praças públicas são espaços livres à população e que devem ser bem
cuidadas para que as pessoas ali possam usufruir, buscando sempre uma melhor
qualidade de vida.
Por meio desta pesquisa, evidenciou-se que a Praça União exerce forte influência
na história da cidade, sendo um marco importante para seu desenvolvimento.
Constatou-se ainda que esta praça representa um lugar humanizado, transformando
assim a paisagem urbana mais dinâmica, propiciando interação social e lazer. Para
entender as formas de uso e apropriação da praça união foi necessário de início a
contextualizá-la no interior do processo da urbanização brasileira, haja vista, que a praça
é um subespaço da cidade.
2 O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO NO BRASIL: estrutura e dinamismo das cidades médias e os seus espaços públicos
Até a primeira metade do século XX o Brasil era um país predominantemente
agrário, tendo se transformado gradualmente em um país urbano. De acordo com Silva
L. S. (2018 apud MARICATO 2001, p.66) “em 1940 a população urbana brasileira era de
26,3% do total. Já em 2010, essa população passou para 84,4%. Se quantificada de forma
absoluta, percebe-se que em 1940, 18,8 milhões de habitantes residiam em áreas
urbanas. Em 2010, essa população saltou para aproximadamente 160 milhões”. As
mudanças no espaço urbano implicam tanto nos aspectos quantitativos quanto
qualitativos, pois as condições de vidas nas aglomerações urbanas constituem a base e
o palco das modificações futuras da sociedade.
O espaço urbano se caracteriza pela concentração espacial de uma população, a partir de certos limites de dimensão e intensidade, além da difusão de valores, atitudes e comportamento - “cultura urbana”. O aspecto culturalista na análise urbanística fundamenta-se no tipo técnico de produção, geralmente relacionado à industrialização juntamente com um
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sistema de valores que refletem na forma de organização do espaço. (CASTELLS, 1983, p.39).
À medida que a cidade vai crescendo, perdendo as características rurais, assume
outros aspectos, tais como: trabalho assalariado, industrialização e a urbanização,
tornam-se termos inter-relacionados juntamente com a atração das pessoas do campo
para a cidade, ao mesmo tempo em que as aglomerações, necessitam de melhores
condições de saneamento básico, transporte coletivo rápido, rede de telefonia e
informações. A população urbana no mundo avançou significativamente, não sendo
diferente na realidade brasileira conforme demonstrado através dos dados antes
indicados.
Segundo Castells (1983. p. 86), o desenvolvimento do capitalismo industrial
intensificou a divisão técnica e social do trabalho, a diversificação dos interesses
econômicos e sociais sobre um espaço, manifestada da seguinte forma:
As cidades atraem a indústria devido a estes dois fatores essenciais (mão-de-obra e mercado) e, por sua vez, a indústria desenvolve novas possibilidades de empregos e suscita serviços. Mas o processo inverso também é importante: onde há elementos funcionais, em particular matérias-primas e meios de transportes, a indústria coloniza e provoca a urbanização. Nos dois casos, o elemento dominante é a indústria, que organiza inteiramente a passagem urbana. Este domínio, no entanto, não é um fato tecnológico, mas a expressão logica capitalista que está na base da industrialização. [...] no desenvolvimento da especialização funcional e na divisão social do trabalho no espaço, com uma hierarquia entre diferentes aglomerados. (CASTELLS, 1983 p 45-46).
Tendo em vista que a cidade se potencializa a partir da industrialização ao
mesmo tempo que absorve e domina a produção agrícola, configura-se assim os seus
espaços e as relações, apresentados de modo material na estrutura organizacional
(criação dos bairros, ruas, praças, espaços públicos), das formas herdadas do passado.
No entanto, nem todas as cidades no mundo tiveram a sua consolidação
manifestada, em razão da presença e do desenvolvimento da industrial. Muitas cidades
se consolidaram em função de motivações de natureza religiosa, político-administrativa,
comercial e até mesmo, em função do dinamismo socioeconômico do meio rural.
Ao considerar a complexidade que envolve a produção do espaço urbano
mundial e, em particular, brasileiro o presente estudo se ocupou em investigar as
particularidades deste fenômeno em uma cidade média da Amazônia brasileira. Trata-
se da cidade de Imperatriz que se encontra localizada na porção oriental da Amazônia
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brasileira. Antes de expor algumas particularidades do dinamismo urbano assumido por
Imperatriz, interessa reconhecer os papéis e significados das cidades médias no
contexto brasileiro.
2.1 As cidades médias no contexto da urbanização brasileira
O processo de urbanização no Brasil é marcado por intensas desigualdades,
tendo como características principais a heterogeneidade e complexidade, conforme
assinalam os estudos realizados por Santos (1996). Neste cenário, segundo dados do
IBGE (2010) a região sudeste é a mais urbanizada, apresentando 92,9%. Já a região
menos urbanizada é a região norte com 69,9%. Estes dados reforçam o caráter
heterogêneo e complexo que tem mobilizado a urbanização brasileira, pois nem todas
as regiões se urbanizaram de maneira uniforme. O que marca o avanço da urbanização
no Brasil são estas diferenças.
Nos últimos anos a cidade tem se tornado o lugar onde vive a maior parcela da
população. O lugar de onde vem os investimentos de capitais e estão localizadas o
centro de diversas atividades comerciais. De acordo com dados do IBGE censo (2010) a
população urbana na região nordeste, apresentava a taxa de urbanização
correspondente a 73,5%, enquanto na cidade de Imperatriz neste mesmo período,
apresenta uma taxa de urbanização de 83 a 84%, tendo em vista as estimativas de
crescimento populacional no Brasil. Acerca do fenômeno no Brasil, Soares (2006)
comenta:
Na contemporaneidade da urbanização brasileira, verifica-se um amplo processo de reestruturação caracterizado pela “explosão” das tradicionais formas de concentração urbana e pela emergência de novas formas espaciais, continentes de novas territorialidades dos grupos sociais. Na escala intraurbana, o fenômeno da “dispersão urbana” está alterando a morfologia urbana tradicional, gerando novas centralidade e novas periferias. Na escala interurbana e regional, são produzidos novos processos de desconcentração e reconcentração espacial da população, das atividades econômicas e da informação sobre o território. (SOARES 2006 p.1)
Desta forma, ao considerar o dinamismo do espaço urbano no Brasil, percebe-se
a importância das cidades médias, que são frutos de uma tendência de desconcentração
espacial e econômica das grandes metrópoles em direção a estes espaços. Diversos
fatores tem contribuído para demonstrar a ocupação desses espaços na realidade
urbana brasileira, sobretudo, a partir da década de 1970, entre os quais mencionamos:
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maior disponibilidade de mão de obra barata, e valor de terras mais acessíveis,
contribuindo assim para a interiorização da urbanização no Brasil.
O crescimento das cidades médias, embora seja relativamente antigo tem se
mostrado cada vez ampliado no país. As cidades médias revelam outras funções, além
daquelas de ser ponto de rede que realizam a mediação entre cidades pequenas e
metrópoles, tornaram-se centros articuladores, nos eixos de desenvolvidos nacionais,
como também alternativas locacionais de investimento produtivos e de tecno-polos
(AMORIM E SERRA, 2001).
De acordo com Sposito (2001 p 632.) a “definição de cidade média deve levar em
consideração a relevância do sitio e posição geográfica, das relações espaciais, inserção
na divisão do trabalho, funcionalidade econômica”. Estes critérios são essenciais, no
entanto, não devem ser tomados de forma isolada das dinâmicas sociais e econômicas
que têm mobilizado estes espaços. Neste cenário interpretativo, é essencial levar em
conta, as dinâmicas socioespaciais estabelecidas no espaço regional, uma vez que as
cidades médias atendem em grande medida, às demandas dos núcleos urbanos
circundantes.
Ao considerar os papeis assumidos pelas cidades médias no Brasil, enfatiza-se,
por meio deste estudo, as formas de uso e apropriação da Praça União, tendo como
recorte espacial, a cidade de Imperatriz-MA.
2.2 Elementos da urbanização de Imperatriz-MA
Imperatriz, atualmente é a segunda maior cidade do Estado do Maranhão, de
acordo com o último censo do IBGE (2010) perdendo apenas para a capital, São Luís,
levando-se em consideração os aspectos político-militares. Acerca do processo de
urbanização na cidade de Imperatriz, Sousa (2018) comenta:
A cidade de Imperatriz tem sua estrutura econômica bem definida, pautada principalmente no setor de comércio e serviços. Mas há também atividades agrícolas e industriais. Esta estrutura tem heranças dos ciclos econômicos, que geraram lucros e possibilitaram investimentos em outros setores. O crescimento urbano da cidade tem características irregulares, pois seu crescimento foi de maneira desordenada, o que se pode perceber nas ruas irregulares e nas quadras sem padrões definidos. (SOUSA 2018 p 317)
Desta forma, pode-se perceber o crescimento e ordenamento de Imperatriz -
MA, de acordo com as atividades econômicas predominantes na região, o que influencia
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diretamente em criação de bairros, ruas e praças públicas, levando assim em
consideração os fatores locacionais neste processo de organização do espaço urbano.
Segundo Sousa (2005 p. 43) “com a abertura da BR 010 Belém-Brasília elevou
consideravelmente o número populacional da cidade, resultando na reorganização das
ruas e bairros, que receberam os nomes dos estados da região nordeste (ruas Ceará,
Piauí, Maranhão e outros) ”. Assim, entende-se que o crescimento urbano de Imperatriz
se deu primeiramente pelo rio Tocantins, e depois com a construção da BR 010, que
passou a ser o principal elo de ligação da cidade com as demais áreas do país, ampliando
os caminhos disponíveis e atraindo a atenção de grandes fazendeiros, empresários e do
próprio Estado para investir ações e desenvolvimento para a região. Para Sousa (2005):
O processo recente de ocupação da Amazônia Legal, caracterizado pela atuação conjunta do estado e do capital que, agindo conjuntamente, subsidiaram direta/indiretamente a ocupação da região através da implantação de projetos de natureza diversificada. Suas ações se voltaram para a construção de rodovias, a implantação dos projetos de colonização e a instauração de programas agropecuários e mineradores. Na Amazônia Oriental, a construção da rodovia Belém-Brasília representa uma das versões eficazes deste processo recente de ocupação do espaço amazônico. A cidade de Imperatriz, situada às margens dessa rodovia, sofreu imediatamente os impactos desta ocupação (SOUSA, 2005 p. 29)
A dinâmica urbana de Imperatriz tem alterado sua estrutura, tanto nos aspectos
econômicos, por meio das atividades comerciais e prestação de serviços quanto na
estrutura territorial, levando a criação de novos bairros e espaços públicos, que é
resultado das correntes migratórias em direção a Imperatriz, ao mesmo tempo em que
os espaços públicos já existentes, como as praças e ruas precisam ser reformadas,
visando atender as necessidades da sociedade com os novos processos de urbanização.
As praças da cidade também carregam a história de Imperatriz e seus
personagens, que revelam em seu nome o significado histórico-cultural na formação da
população imperatrizense, tais como: Praça da Meteorologia, Praça de Fatima, Praça da
Bíblia, Praça União, Praça da Cultura. Praça Brasil, Praça Três Poderes, entre outros.
O presente estudo destaca a Praça União (Figura 01) sendo que está localizada
no bairro União, na área central da cidade, e por ser uma das praças mais antiga da
cidade, também é fortemente marcada pela arborização que possui, evidenciando assim
os aspectos históricos, culturais, ambientais que contribuem a compreender o
dinamismo e as transformações da sociedade ao longo do tempo.
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Figura 1: Foto Da Praça União
Organização: autores, 2019.
3 AS PRAÇAS ENQUANTO ESPAÇOS PÚBLICOS DE LAZER EM CIDADES MÉDIAS: uma abordagem do uso e apropriação da Praça União de Imperatriz - MA
De origem grega as praças correspondem aos espaços sociais destinados à
coletividade, proporcionando as pessoas que usufruem dela o exercício da democracia
direta servindo como local para debates e discursões entre cidadãos (MACEDO e ROBBA,
2002). Desta forma, fazem parte da paisagem urbana, de modo que deram origem a
várias cidades brasileiras, principalmente no período colonial onde estava germinando
e tornando forma nos cenários urbanos. As praças são locais públicos disponíveis para
o lazer, prática de esportes e convivência entre as pessoas.
As praças enquanto espaços públicos, além de promover a interação social,
favorecem a qualidade de vida a população. Para tanto, realizamos dois trabalhos de
campo com os frequentadores da Praça União entre os dias 09 e 16 de novembro de
2019, como atividade obrigatória na disciplina de Geografia Urbana, visando entender
as formas de uso e apropriação dos espaços públicos, no presente estudo, a Praça União.
Esses espaços urbanos se tornam importantes à medida que são bem cuidados
e conservados de forma correta, tanto pelo poder público quanto a população são
responsáveis por sua manutenção, existindo legislações próprias em todos os âmbitos
da jurisdição (Federal Estadual e Municipal).
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Nesse contexto, no primeiro momento é importante compreender as
circunstâncias que levaram a formação da Praça União e qual a sua finalidade para os
frequentadores. Para tanto, levantamos as seguintes indagações:
• Em que ano a Praça União foi fundada e quais grupos de pessoas participaram
dessa criação?
• Quais as motivações para visitar a praça União?
• Discorra sobre as finalidades da Praça União e a sua importância para a
comunidade que a frequentam?
Na cidade de Imperatriz, a Praça União foi fundada a partir da Associação União Artística, Operária e Agrícola de Imperatriz, no ano de 1964. Como o próprio nome já revela, tinham no seu quadro de filiados, pedreiros, serventes de pedreiros, oleiros, carroceiros, pequenos agricultores, pessoas de profissões humildes, onde foi construída a sede entre as ruas Benedito Leite e Tereza Cristina. Os moradores precisam de um espaço público dedicado ao lazer e ao convívio social, um lugar para as pessoas conversarem no final da tarde. É fundamental para a qualidade de vida da comunidade, permitindo aos moradores e visitantes da Praça União, a oportunidade de praticar atividades de lazer e esportivas, tendo em vista o clima agradável e arborizado. (Morador 1, entrevista realizada em 09/11/2019) A Praça União surge inicialmente da ideia de montar um time de futebol para competir no campeonato local, então os filiados da associação, em maio de 1964 limparam o matagal, criando assim um campo de futebol para treinar. Depois em 1970 o time foi extinto, a sede derrubada e o campo desapropriado para a construção da Praça União. A principal característica dessa praça é a sua arborização, o que torna um lugar agradável para frequentar, trazer o cachorro para passear, conversar com os amigos no fim da tarde e depois que foi reformada, aumentou o número de pessoas que visitam a Praça União. É muito importante essa praça para as pessoas que moram aqui perto e frequentam diariamente. Os próprios moradores que plantaram as arvores, que hoje oferecem sombra a população, eu mesmo plantei arvores aqui e meus amigos também, então esse lugar é importante para nós, pois as nossas lembranças de infância, estão aqui, nas brincadeiras, e atualmente nos reuníamos algumas vezes na semana conversar uns com os outros. (Morador 2, entrevista realizada em 09/11/2019)
Importa salientar que as formas de apropriação dos espaços públicos, destacam
a criatividade das pessoas, capacidades de melhor aproveitamento das infraestruturas
públicas, contribuindo para a formação do indivíduo, em seus vários aspectos, sejam
estes sociais, psíquico, estético, ecológico entre outros.
A Praça União é resultado da união de moradores, que buscavam um espaço em
comum para a pratica de esporte, motivo do qual deu-se o nome Praça União, que por
conta própria fizeram a limpeza do terreno e começaram a arborização da praça,
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característica presente até os dias atuais, que com a ajuda da prefeitura conseguem
manter o lugar limpo e seguro, desta forma percebe-se que a praça como espaço urbano
recria-se constantemente, conforme desta Silva (2018):
A importância dos aspectos de embelezamento estético, paisagístico e urbanístico dos espaços públicos da cidade de Imperatriz, como foco de melhoramento do clima local, ajudando na diminuição da temperatura, tornando esses ambientes mais saudáveis e propícios ao lazer das pessoas, o entretenimento público estimulando as relações interpessoais e incentivando a população tanto de jovens, idosos e crianças à prática de atividades física” (SILVA, 2018, p. 67)
No segundo momento da pesquisa, ou seja, no segundo bloco de indagações nos
dedicamos a explorar as formas de uso e apropriação da Praça União em Imperatriz -
MA.
• Qual a principal forma de uso da Praça União?
• Concorda com uso da praça para fins econômicos?
• O poder público e a sociedade manifestam preocupações com os cuidados com
a praça?
A praça é utilizada principalmente para o lazer, e também para outras atividades como a pratica esportiva e eventos religiosos. Sim. Quando bem frequentada, a Praça União pode ser utilizada para fins econômicos, pois proporciona uma renda a mais para o cidadão e para a sua família, as vezes as pessoas que não tem um salário fixo, usa essa praça para vender lanches e outros intens. Sempre tem pessoas fazendo manutenção, os próprios moradores cuidam e preservam bastante a praça. Espaços de recreação e lazer são palcos importantes para as crianças, que podem entender a importância de sua conservação na medida em que a usufruem (Morador 3, entrevista realizada em 16/11/2019) A praça é vista como um local para o convívio com os amigos, onde as pessoas se encontram em função do lazer. Sim. As pessoas precisam trabalhar para se manter, e como a praça é um lugar bem frequentado, alguns moradores aqui da vizinhança aproveitam para ganhar uma renda extra. A praça nasceu do desejo dos moradores de ter um lugar destinado ao lazer, muitas das arvores desta praça foram plantadas pelos próprios moradores, alguns funcionários da prefeitura fazem limpeza por aqui diariamente. Todos são responsáveis pela manutenção da praça (Morador 4, entrevista realizada em 16/11/2019)
Ao longo do tempo o espaço da Praça União foi utilizado também para eventos
religiosos, atividades recreativas (Figura 02), ligadas também a prática de esportes e
também em data comemorativas, proporcionado às pessoas melhor qualidade de vida,
prevenção de doenças, sendo esta uma forma de sociabilização.
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Figura 2: Foto Da Praça União
Organização: site da Prefeitura de Imperatriz-MA, 2018.
O uso do espaço público da praça união é predominante para atividades
recreativas, sem fins lucrativos e de cunho social, ambiental, cultural e educacional, haja
vista que essas atividades cumprem a principal finalidade da praça, que é de levar lazer
e saúde a população. Nesse espaço público também mantém relação com o direito ao
meio ambiente, pois ela é caracterizada pela diversidade de arvores, contribuindo assim
para a melhora na qualidade de vida dos moradores. É dever de todos defender o espaço
público das praças e áreas verdes, atualmente remodelado, a fim de salvaguardar as
suas funções essenciais.
4 CONCLUSÃO
Considerando-se as transformações relacionadas ao fenômeno de
desenvolvimento urbano no Brasil e crescimento populacional, as praças funcionam
como uma válvula de lazer e são referências para a qualidade de vida da sociedade.
Sabe-se que o lazer, está entre os direitos sociais assegurados pela Constituição
Brasileira. Nem sempre o direito e acesso ao lazer é de fato garantido a todos e com as
mesmas condições, visto que em alguns casos este acaba sendo esquecido, ou ficando
em segundo plano.
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Por intermédio da entrevista, foi possível constatar a participação ativa dos
moradores na manutenção e preservação da praça união, as arvores são uma das
características principais da Praça União, em que as pessoas que convivem próximo a
praça, ajudaram na arborização, se tornando responsável por pelo menos 80% da
plantação de arvores, ficou constatado que as mesmas são bastante atraentes e
aparentam receber cuidados diários.
Os espaços públicos de lazer devem oportunizar a convivência e recreação entre
todas as pessoas, sejam estes indivíduos residentes próximos a Praça União ou não. Para
tanto devem ser estruturados. Por meio da entrevista aplicada, compreende-se que a
maioria dos usuários reconhece as riquezas e importância da praça, bem como as suas
fragilidades, pois, muitas vezes, é a única opção de lazer de um determinado núcleo
social.
A arborização e a estética dos espaços de lazer são o grande destaque feito pelos
entrevistados. Dessa forma, a paisagem urbana ganha relevância, já que desperta os
sentimentos e as emoções das pessoas. Ao mesmo tempo em que soma imagens
individuais e conceitos de grupo, fazendo com que os espaços se adaptem às
necessidades de seus usuários. O espaço de lazer e a prática esportiva são os principais
motivadores para a visitação.
REFERÊNCIAS
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EIXO TEMÁTICO 10 | QUESTÃO AGRÁRIA, URBANA E AMBIENTAL
AS PRÁTICAS SOCIOESPACIAIS URBANAS E A PRODUÇÃO DO ESPAÇO NAS CIDADES LATINO-AMERICANAS
URBAN SOCIO-SPATIAL PRACTICES AND SPACE PRODUCTION IN LATIN AMERICAN
CITIES
Francisco Wesley Marques Brandão1
RESUMO A cidade apresenta ao longo do seu espaço urbano a materialidade dos processos humanos. Essas modificações do uso do solo e do tecido urbano não são resultado apenas de fatores aleatórios e físicos e sim, destes combinados a elementos sociais e atores urbanos culminando em práticas socioespaciais. Pensou-se a seguinte questão norteadora da pesquisa: como os processos socioespaciais atuam na produção do espaço urbano? Como objetivo geral: Analisar de que formas as práticas socioespaciais atuam na produção do espaço urbano. A produção da rede urbana não é resultado de intervenções invisíveis é fruto da participação ativa de alguns agentes, concretos e históricos. Diante disso foram organizados os seguintes processos socioespaciais: Centralidade urbana, descentralização de áreas centrais, formação de novos centros; Segregação e autossegregação; Região de influência e polarização; Diferenciação e desigualdade socioespacial; Seletividade e reprodução da região produtora; Antecipação socioespacial e dispersão urbana. Palavras-Chaves: Processos Socioespaciais; Produção do Espaço; Espaço Urbano. ABSTRACT The city presents the materiality of human processes throughout its urban space. These changes in land use and urban fabric are not just the result of random and physical factors, but these, combined with social elements and urban actors culminating in socio-spatial practices. The following guiding question of the research was thought: how do socio-spatial processes act in the production of urban space? As a general objective: To analyze the ways in which socio-spatial practices act in the production of urban space. The production of the
1 Graduando em Geografia Pela Universidade Estadual do Piauí. E-mail: [email protected].
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urban network is not the result of invisible interventions, it is the result of the active participation of some agents, concrete and historical. In view of this, the following socio-spatial processes were organized: Urban centrality, decentralization of central areas, formation of new centers; Segregation and self-segregation; Region of influence and polarization; Differentiation and socio-spatial inequality; Selectivity and reproduction of the producing region; Socio-spatial anticipation and urban dispersion. Keywords: Socio-Spatial Processes; Space Production; Cities; Urban Space.
INTRODUÇÃO
Diante do intenso processo de urbanização que as sociedades mundiais
experimentaram nos últimos séculos, a cidade tornou-se um objeto de estudo ainda
maior dentro das ciências e ramos destas, tais como: Geografia, Ecologia urbana,
Urbanismo, Sociologia, Antropologia, Economia. Nessa perspectiva o intenso debate
sobre a temática urbana adquiriu um grande caráter interdisciplinar e abrangente, onde
os escritos sobre cidades e práticas socioespaciais urbanas buscavam principalmente
entender a relação do homem com espaço e a materialização das relações sociais no
tecido urbano.
Essa tríade entre sociedade(homem), produção(trabalho) e espaço (matéria
prima) resultou em modificações significativas no processo de urbanização em
diferentes países, visto que, cada sociedade se relacionava diferente com estes espaços.
A cidade, em especial para este estudo as cidades latino-americanas, apresentam
ao longo do seu espaço urbano a materialidade dos processos humanos, seja nos
diferentes usos do solo, nos tipos de habitações, na centralidade dos estabelecimentos
comerciais. Essas modificações do uso do solo e do tecido urbano não são resultado
apenas de fatores aleatórios e físicos e sim, destes combinados a elementos sociais e é
na busca da compreensão destes fatores que este estudo foi elaborado, a partir da
relação simbiôntica entre cidade e sociedade que resultam nas práticas socioespaciais.
Este estudo, porém, não procura analisar todas as práticas socioespaciais e fazer
um resumo literário sobre o tema, e sim, propor uma nova metodologia de análise
dessas práticas. Diante disso buscou-se uma maior aproximação com os fatos
relacionados principalmente as cidades latino-americanas e suas formas espaciais. Para
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isto, pensou-se a seguinte questão norteadora da pesquisa: como os processos
socioespaciais atuam na produção do espaço urbano?
Buscando a resolução da questão base da pesquisa elaborou-se o seguinte
aporte de objetivos, tendo como objetivo geral: Analisar de que formas as práticas
socioespaciais atuam na produção do espaço urbano. Como objetivos específicos
adotou-se: Identificar os atores e agentes socioespaciais, identificar as práticas
socioespaciais e descrever o processo de produção do espaço urbano nas cidades
contemporâneas.
Como salientado anteriormente este estudo não busca realizar um resumo
literário sobre a temática em questão e tão pouco utilizar-se de todas as práticas
socioespaciais utilizadas pelos autores, para isto, buscou-se na literatura pesquisadores
que trabalhassem com maior ênfase as especificidades das cidades latino-americanas,
dentre estes os principais que contribuíram na formação da pesquisa foram: Corrêa
(1989) (2016), Vasconcelos (2016), Souza (2016).
2 EVOLUÇÃO DAS CIDADES
A cidade se originou das aldeias, mas não é uma aldeia que se tornou maior
(BENEVOLO, 2005) partindo inicialmente desta afirmação, a cidade embora tenha em
sua matriz evolutiva a aldeia, não é apenas uma aldeia maior, apresenta maior grau de
complexidade e uma relação entre espaço e sociedade que a diferem de qualquer outros
locais, de características não urbanas.
No processo de urbanização algumas regularidades permitiram aos
pesquisadores se aproximarem do conceito do que viria a ser cidade, a exemplo disso
temos Souza (2003) para ele o conceito de cidade só poderia ser atingido através de um
grande poder de abstração, onde as regularidades do que viria a ser cidade pode ser
observada através de costumes, tradições, atividades e história. Dessa forma a cidade
seria um local de produção não agrícola, uma localidade central que atua como um imã,
polarizando atividades de comércio, indústria, serviços, moradia e que no seu passado
atrai por motivos religiosos (RONILK, 1998).
As primeiras formas urbanas que se tem notícia eram os zigurates, feitas para
templos religiosos formados por tijolos cozidos, marcando uma transformação técnica
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e incorporando na vida da sociedade além de atividades de caça e agricultura atividades
de construção de moradias ao redor de templos religiosos.
A cidade capitalista, no entanto, emerge com maior força na Europa a partir da
baixa idade média, através do renascimento comercial que ocorre principalmente após
as cruzadas e mercantilismo no século XIV, tornando as cidades, em especial as cidades
litorâneas grandes centros comerciais. Essa cidade mercantil, posteriormente dá lugar a
cidade industrial, marcada de acordo com Rolnik (1998) com uma forte privação de
terra, segregação espacial e atividade reguladora do estado, traços que se acentuam à
medida que o próprio capitalismo e a produção do espaço urbano se modificam.
O terreno urbano da cidade capitalista passa então a possuir além do valor de
uso um valor de troca e negócio, onde o espaço que anteriormente era praticamente
uma matéria prima (RAFFESTEIN, 1994) começa a incorporar um valor agregado, tais
como localização, vulnerabilidade ambiental, os terrenos com maior valor agregado
passam então a pertencer aos proprietários dos meios de produção e os com menor
valor agregado, localizados em terrenos íngremes, distantes das áreas centrais das
cidades, vulneráveis ambientalmente passam a receber cada vez maiores contingentes
de populações de baixa renda, oriundos da própria cidade, de cidades menores ou do
campo, que através da mecanização das atividades agrícolas e fatores climáticos agrava
o êxodo rural.
2. 1 Agentes Produtores do Espaço Urbano
Essa etapa da pesquisa busca a produção de um texto síntese sobre os agentes
produtores do espaço urbano, haja vista que a organização do espaço das cidades é
resultado da articulação e intervenções de diversos agentes, que a produzem mediante
suas necessidades, anseios, desejos, culturas, tradições. O texto é dividido em duas
partes, a primeira uma breve síntese teórica sobre a divisão dos agentes produtores do
espaço de acordo com alguns autores. Na segunda parte são elaborados os agentes que
esta pesquisa terá como base, a partir de estudos realizados anteriormente, que serão
ilustrados a seguir.
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A produção da rede urbana, seus nós, fluxos e pontos fixos não é resultado de
intervenções invisíveis é fruto da participação ativa de alguns agentes, concretos e
históricos. Corrêa (1989) divide esses agentes nos seguintes grupos:
Promotores imobiliários, proprietários dos meios de produção, proprietários latifundiários, estado e grupos sociais excluídos. Para o autor citado esses grupos seriam os tipos ideais que produzem as materialidades do espaço, impregnando-o de significados, sendo o estado, primordialmente capitalista, dotado de múltiplos papéis dentro dessa produção, arbitrando conflitos onde não raramente o estado intervém a favor dos detentores do capital em detrimento dos grupos sociais excluídos.
Já uma proposta de divisão elaborada por Carlos (2016, p. 64) propõe a divisão
em 3 grandes grupos, sendo estes:
O Estado como aquele de dominação política; O capital com suas estratégias objetivando sua reprodução continuada (e aqui nos referimos ás frações do capital, o industrial, o comercial e o financeiro e suas articulações com os demais setores da economia, como o mercado imobiliário) e os sujeitos sociais que em suas necessidades e seus desejos vinculados à realização da vida humana, têm o espaço como condição, meio e produto da sua ação.
Com base na proposta elaborada por Carlos (2016) pensou-se na seguinte divisão
de agentes produtores do espaço urbano para esta pesquisa: O Estado, os detentores
do capital e a sociedade civil.
O Estado observado na pesquisa como o agente responsável por regular o uso
dos espaços, impostos fundiários e imobiliários, direito de desapropriação e compra de
terras, investimento público na construção de infraestrutura e habitações populares.
Essas ações são efetivadas em três âmbitos: Nacional, estadual e municipal, porém, é na
esfera estadual que as contradições, interesses e discursos menos neutros são mais
evidentes (CORRÊA, 1991). O Estado também é o responsável por elaborar o
planejamento urbano, saber constantemente embebido em um saber acrítico que
materializa as desigualdades sociais no tecido urbano.
O detentores do capital compreendem os promotores imobiliários que
reproduzem seu capital através de vendas de terras e de imóveis, compreendem
também os proprietários dos meios de produção, sejam eles industriais, comerciais,
financeiros, latifundiários que localizam seus empreendimentos em locais favoráveis,
necessitando de infraestrutura fornecida pelo Estado para o escoamento de produção,
recebimento de mercadorias, energia, diminuição de impostos.
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Já a sociedade civil, que pode ser dividida em dois grupos, movimentos sociais e
sujeitos sociais, buscam através de articulações maior papel dentro do processo de
urbanização e melhores áreas de moradia, haja vista que o atua processo de urbanização
constantemente expulsa em direção á áreas cada vez mais distantes do centro
moradores com menor poder aquisitivo. Este grupo utilizam a terra urbana
principalmente como moradia ou pequenos negócios, e tem nela o seu valor de uso e
não valor de troca, não entrando nos circuitos superiores da economia.
3 A CIDADE CONTEMPORÂNEA: atores, processos e práticas socioespaciais
A grande cidade capitalista é resultado de múltiplos processos e atores que
combinados territorializam e produzem o espaço de acordo com suas necessidades e
poder. Esse caráter multifacetário no processo de urbanização culmina em uma
multiplicação de formas e práticas realizadas no espaço citadino.
Embora as cidades possuam regularidades e semelhanças as cidades latino-
americanas são diferentes das cidades da américa anglo-saxônica, dessa forma embora
o que venha a ser cidade é condicionado por regularidades e semelhanças cada forma
urbana é resultado da cultura e sociedade que a materializada.
Uma grande prova disso são as desigualdades sociais encontradas nas cidades
latino-americanas materializadas em processos de segregação socioespaciais e
periferização das camadas mais pobres, que diferem dos chamados subúrbios
localizados em áreas distantes do centro das cidades Estadunidenses.
Por processos socioespaciais nessa pesquisa entende-se sendo o resultado da
produção social do espaço, passando por suas formas espaciais, territorialização (social)
e uma estrutura funcional dos espaços (hierárquica, fragmentada e articulada), ao longo
do tempo culminando na capacidade de intervenção, planejamento e organização nos
espaços principalmente pelo Estado, Detentores do Capital e Sociedade Civil.
Como dito anteriormente dentro da pesquisa buscou-se uma organização desses
processos e nova metodologia de abordagem, assentada com base em outros autores
do tema bem como em pesquisas anteriores realizadas pelo autor deste trabalho. Diante
disso foram pensados os seguintes processos socioespaciais: Centralidade urbana,
descentralização de áreas centrais, formação de novos centros; Segregação e
autossegregação; Região de influência e polarização; Diferenciação e desigualdade
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socioespacial; Seletividade e reprodução da região produtora; Antecipação
socioespacial e dispersão urbana.
É importante também deixar claro que estes processos não são excludentes nem
incapazes de ocorrer de forma simultânea entre si na mesma cidade ou mesmo bairro,
assim como formas espaciais semelhantes podem ser resultados de processos
diferentes.
3.1 Centralidade Urbana, Descentralização de Áreas Centrais, Formação de Novos Centros
De acordo com Lefebrve (1983), a centralidade constitui o essencial do
fenômeno urbano, onde a cidade não cria nada e sim centraliza as ações e ao centraliza-
las cria tudo. Essa centralidade se expressaria no espaço para o autor citado
anteriormente através de uma área com forte densidade de atividades variadas e
frequência de pessoas elevadas.
Essa tendência de se considerar a área central das cidades aquelas áreas com
uma alta concentração de atividades é corroborada por Santos (1996) para ele o centro
é caracterizado pela concentração de recursos e funções, sendo assim o centro da
cidade geograficamente seria seu centro de negócios.
Inicialmente no processo de urbanização as cidades eram monocêntricas, isto é,
com apenas um centro, que constantemente era o local de fundação da cidade e a partir
dele a cidade se espraiava, dessa forma esse centro único além de centralizar atividades
comerciais, industriais, culturais era histórico. Com o crescimento das cidades em
direção a suas bordas começa a ocorrer o processo de formação de novas áreas centrais,
embora o centro inicial possa ter um poder simbólico e inquestionável (VILLAÇA, 1998)
as novas centralidades vão incorporando elementos do centro inicial, elementos que
podem ser econômicos, sociais, políticos, culturais.
Esses novos centros podem ser chamados também de subcentros que além de
espraiarem as atividades que anteriormente eram encontradas apenas no centro
principal contribuíram para a valorização de outras áreas localizadas próximas aos novos
centros. A descentralização de atividades, resultante do processo de expansão urbana e
populacional contribui para uma fragmentação serviços e áreas especializadas, onde a
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cidade pode possuir em locais diferentes centros de saúde, industrial, econômico,
cultural, lazer.
3.2 Segregação e Autossegregação
Para Villaça (1998) segregação é o processo em que cada vez mais diferentes
camadas e classes sociais se concentra em determinadas regiões e/ou conjuntos de
bairros. Dessas formas espaços segregados possuem forte homogeneidade interna,
embora apenas homogeneidade interna não significa que todo espaço homogêneo é
resultado de um processo de segregação. Essa segregação é o resultado da expulsão
para áreas socioambientalmente vulneráveis de parcelas significativa da sociedade que
não detém o solo urbano, assim a segregação pode ser observada na morfologia
desigual das habitações urbanas na dificuldade ou impossibilidade de acessar a
centralidade urbana e os serviços.
As múltiplas formas de segregação encontradas podem dizer respeito a aspectos
econômicos, sociais, raciais, culturais, religiosos.
Correa (2016) comenta que a segregação é imposta e induzida as classes sociais
sendo controladas por aqueles que detém o poder sobre os meios de produção e capital,
no entanto, enquanto parcelas significativas da sociedade é imposto onde morar,
camadas mais abastadas de modo voluntário optam por morar distante de áreas
centrais, se isolando da cidade principalmente em condomínios horizontais fechados,
fugindo da violência e em busca de morar com os seus (SOUZA, 2016).
Autossegregação é a decisão voluntária de reunir grupos homogêneos em
espaços restritos, causando rupturas no tecido urbano. Esse grupo que opta pela
autossegregação é constantemente dotado de condições para criar e influenciar normas
e leis capazes da exclusividade de uso do solo (SOUZA, 2016).
Essa fuga da “cidade aberta” em direção aos muros dos condomínios fechados é
causada pela busca de maior segurança e viver com grupos semelhantes, em espaços
maiores, “verdes” e com melhor qualidade de vida. Embora esses grupos realizem
grandes deslocamentos pendulares diários em direção a “cidade” por serem dotados de
grande poder de mobilidade acreditam que sua auto exclusão do tecido urbano “formal”
da cidade é compensatória.
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3.3 Região de Influência e Polarização
A cidade é por excelência uma localidade central, atuando como imã e
polarizando às atividades econômicas a sua volta. Para Souza (2016) toda cidade do
ponto de vista geoeconômico, isto é, da conjuntura entre atividades econômicas e
posição espacial, atual com uma localidade central que é maior ou menor de acordo
com sua centralidade.
Essa centralidade, em maiores e menores níveis atuam como imã, realizando
trocas com cidades ao seu redor, quanto maior a cidade e maior sua centralidade maior
sua região de influência e mais ela vai polarizar as atividades econômicas, culturais,
sociais, industriais a sua volta.
Como forma de melhor espacialização das cidades brasileiras e regionalização o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, elaborou em 2007 a publicação Região de
Influência das Cidades, como forma de estudar a produção do espaço urbano nacional
e a hierarquia das cidades. Quanto maior a diversificação de atividades, população,
trocas comerciais, fluxos, mais a cidade hierarquicamente está acima das outras, de
acordo com esse estudo.
Um exemplo deste pode ser encontrado na figura a seguir:
Figura 1: Modelo de Região de Influência das Cidades, semelhantes ao proposto pelo IBGE (2007)
Fonte: Brandão (2020)
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Na figura pode-se observar uma cidade principal, que dela irradiam fluxos em
direção às demais cidades, em contrapartida as demais cidades não encontram- se
isoladas também, realizam trocas com outras cidades. A quantidade de fluxos e
tamanho das cidades (população, atividades realizadas nela) vai definir seu grau dentro
da hierarquia urbana. Dessa forma enquanto a cidade principal é dotada de um grande
número de densidade de fluxos, tamanho maior culminando em um maior grau de
polarização que as demais a cidade terciária 2 é a que apresenta fluxos menos densos,
menor grau de polarização e centralidade das atividades, principalmente econômicas.
3.4 Diferenciação e Desigualdade Socioespacial
Nas cidades os espaços não são homogêneos entre- si. Por serem fragmentados
e articulados (CORRÊA, 1991) cada espaço é dotado de uma especificidade e
diferenciação dos demais. Essas diferenças (Figura 2) não são dotadas de uma
hierarquização, são apenas espaços com formas e estruturas diferentes que atendem a
determinadas
Figura 2: Diferenciação e Desigualdade Socioespacial.
Fonte: autor, 2020.
Já o processo de desigualdade socioespacial (Figura 1) pode ser hierarquizado,
camadas sociais com mais status ocupam espaços dotados de maior valor
mercadológico enquanto camadas mais pobres ocupam espaços com maiores
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vulnerabilidades. Nas cidades dos países em desenvolvimento principalmente
coexistem bairros para camadas mais altas da sociedade e bairros destinados aos pobres
urbanos. Como exemplo tem-se o bairro do Morumbi em São Paulo- SP, contrastando
onde ao lado encontra-se uma das maiores favelas do Brasil, Paraisópolis, entre muros
residenciais de auto status com áreas que foram ocupadas e/ou invadidas por parcelas
mais pobres da sociedade.
Essas desigualdades que são frutos muitas vezes de um papel do estado
ineficiente na política habitacional aliado a políticas econômicas igualmente ineficazes
resultando em segregação de classes materializadas no espaço urbano.
3.5 Seletividade e Reprodução da Região Produtora
Seletividade socioespacial pode ser analisada a partir da escolha voluntária de
determinados grupos ocuparem áreas específicas e vantajosas, do ponto de vista
econômico e/ou social. Essa seletividade também pode ser resultado de um processo
de descentralização de atividades, como as indústrias se expandindo em direção as vias
de transporte rodoviário e ferroviário principalmente, ou de um processo de
centralização de um mesmo núcleo de atividades em direção a um mesmo espaço. A
exemplo disso tem-se a quantidade de hotéis, hospitais, farmácias localizadas no polo
de saúde em Teresina-PI. Esse local pela especificidade de atividades ligadas ao ramo de
saúde atua como imã polarizando os setores que podem se beneficiar das proximidades
com esses locais.
Reprodução da região produtora de acordo com Corrêa (1991) é a articulação
entre um ou mais segmentos que trabalham direta e/ou indiretamente na mesma
cadeia produtiva, o autor utilizou como exemplo o grupo Souza Cruz, que expandiu-se
controlando no mesmo território além de usinas de beneficiamento, fábricas, filiais de
vendas, depósitos atacadistas e outros espaços rurais que articulados com a empresa
formam uma extensa cadeia produtiva que domina desde o início da produção até o
consumidor final do produto.
3.6 Antecipação Socioespacial e Dispersão Urbana
Antecipação socioespacial é compreendida pela localização de determinadas
atividades sem que as condições para sua construção tenham sido construídas ainda
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(CORRÊA, 2016). Em linhas gerais antecipação socioespacial poderia ser exemplificada
nas construções localizadas em terrenos que a primeira vista parecem ser pouco
vantajosos mas, com o tempo o local passa a receber melhorias urbanas, viárias,
energéticas passando por uma modificação total. Não raramente para que a
antecipação socioespacial ocorra é necessário que informações privilegiadas sobre
intervenções futuras do poder público sejam de conhecimento dos atores do capital,
que através dessas informações se antecipam e passam a construir seus
estabelecimentos em áreas que ainda serão melhoradas.
Por essas áreas localizarem-se constantemente distantes da cidade ocorre o
fenômeno de dispersão urbana, onde nas palavras de Souza (2016) não seria apenas
uma urbanização difusa, que contribuiu para formação dos subúrbios norte-americanos,
seria a formação de novos núcleos urbanos articulados com redes de transporte,
infraestruturas criando novas fronteiras nas cidades cada vez mais distantes da cidade
legal, criando vazios urbanos nas bordas citadinas.
4 CONCLUSÃO
Como observou-se às práticas socioespaciais urbanas estão intimamente ligadas
com a relação entre homem, trabalho(atividades) e espaço. Onde o homem utiliza o
espaço para além de materializar suas atividades também se beneficiar de vantagens
locacionais e/ou tirar proveito de suas matérias primas.
Essas práticas, não atuam de forma isolada somente, podem se unir, articular,
podendo um mesmo espaço atuar de uma ou mais maneiras diferentes dependendo das
demandas sociais impostas a ele. No entanto, estes espaços não atuam apenas como
um reflexo da sociedade, ele também condiciona às atividades, expulsa, permite.
Dentro da pesquisa buscou-se uma nova metodologia de abordagem e
sistematização dessas práticas nas cidades, tendo-se como base de pesquisa as cidades
latino-americanas, profundamente desiguais e complexas, dessa forma, a pesquisa
conclui que embora as cidades latino-americanas apresentam especificidades próprias
de sua historicidade ela também recebe forte influência de cidades europeias e norte-
americanas que exportam processos socioespaciais para as demais cidades de países
periféricos posteriormente. Dessa forma, processos espaciais que ocorreram no
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passado dessas cidades passam a serem empregados em cidades latino-americanas
apenas na contemporaneidade, existindo uma espécie de hiato temporal entre o início
do processo em cidades ditas do “primeiro mundo” até a exportação desse processo pra
cidades ditas do “terceiro mundo”.
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EIXO TEMÁTICO 10 | QUESTÃO AGRÁRIA, URBANA E AMBIENTAL
URBANIZAÇÃO, SEGREGAÇÃO E AÇÃO ESTATAL NAS CIDADES BRASILEIRAS: aspectos históricos e agentes sociais envolvidos
Marlene Corrêa Torreão1
RESUMO O trabalho que ora se apresenta, tem como finalidade central compreender a dinâmica da segregação socioespacial na sua relação com a consolidação do processo de urbanização brasileira. Discute sobre o papel preponderante do Estado como principal agente social produtor do espaço urbano. O referencial metodológico se pautou em uma abordagem qualitativa a partir realização de pesquisa de cunho bibliográfico, por meio da orientação do método crítico-dialético. Palavras-Chaves: Urbanização, Segregação Socioespacial, Estado. ABSTRACT The work presented here has the central purpose of understanding the dynamics of socio-spatial segregation and its relationship with the consolidation of the Brazilian urbanization process. It discusses the preponderant role of the State as the main social agent that produces urban space. The methodological framework was based on a qualitative approach, based on a bibliographic research, through the orientation of the critical-dialectic method. Keywords: Urbanization, Social-Spatial Segregation, State.
INTRODUÇÃO
A temática sobre a urbanização e sua relação com a segregação social e espacial
tem se ampliado cada vez mais na agenda dos estudos sobre as cidades brasileiras.
Trata-se de uma dinâmica presente nas principais metrópoles do país, que se expressa
1 Assistente Social e Doutoranda do Programa Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão. Email: [email protected]
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como resultado da produção capitalista na forma como este sistema produz e se
relaciona com o espaço, causando oposição entre o centro e a periferia, proporcionando
o afastamento das populações mais pobres e a ocupação pela população mais rica,
produzindo modos de vidas e acesso a cidade de forma desigual.
O presente trabalho tem por objetivo central refletir acerca da dinâmica da
segregação social e espacial na sua relação com o processo de urbanização, trazendo
para o locus da discussão o Estado como um agente social preponderante na
determinação deste processo, no sentido de oferecer legalidade, condições e
infraestrutura para a manutenção das formas e dos conteúdos espaciais.
A motivação que norteou a construção desse artigo, derivou das discussões
realizadas na disciplina de Gestão de Políticas e Programas Sociais, a partir da elucidação
acerca da gestão das cidades no Brasil, com destaque para as prerrogativas do Estado
na constituição do urbano, como um dos eixos de problematização da referida
disciplina.
Nesta perspectiva, o trabalho aborda o fenômeno urbano, compreendendo a
cidade como uma síntese histórico-espacial de múltiplas e complexas determinações,
interações, contradições, mediações e oposições estabelecidas entre as classes sociais.
Dentro dessa perspectiva, entende-se que as relações sociais estabelecidas nas
cidades se definem e se concretizam como relações espaciais. (Henri Lefebvre)
As reflexões aqui dispostas foram sistematizadas e organizadas em dois tópicos,
ambos, fruto da realização de pesquisa teórica-bibliográfica, de base qualitativa,
orientada pelo referencial crítico-dialético.
2 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS SOBRE A SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL URBANA
A segregação socioespacial constitui-se uma das determinações da produção
capitalista no espaço urbano.
Trata-se de um fenômeno resultante de um padrão de urbanização acelerado,
marcado pela atração de intensos contingentes populacionais em curto espaço de
tempo, dividindo a cidade preponderantemente a partir de critérios econômicos e
políticos.
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Este padrão já se fazia presente nas antigas cidades gregas e romanas, contudo,
com a Revolução industrial a segregação assumiu novas dimensões espaciais,
acentuando a produção de formas urbanas desiguais.
A referida temática tem sido objeto de análise de muitos teóricos, dentre os
quais destacam-se Henri Lefebvre, que teceu críticas sobre a sociedade capitalista e a
forma como esta produz e se relaciona com o espaço. Ele compartilha em sua
interpretação que “as forças sociais que atuam sobre o espaço apresentam pesos
distintos, pois o poder econômico e político de um determinado estrato social tende a
reforçar as assimetrias presentes no espaço urbano”. (LEFEBVRE, 2008, p. 118)
Disso resulta à segregação, que na acepção do autor, rompe com as relações de
sociabilidade no espaço urbano, traduzindo em sua fragmentação. A este respeito, ele
pondera que: “a separação e a segregação rompem a sociabilidade e constituem por si
só, uma ordem totalitária, que tem por objetivo estratégico quebrar a totalidade
concreta, espedaçar o urbano”. (LEFEBVRE, 2008. p.124)
O autor acrescenta que a segregação pode ser analisada sob três enfoques: “a
espontânea (a partir de diferenças de renda e ideológica), voluntária (a partir da geração
de espaços próprios paralelo às classes sociais) e programada (legitimada nos projetos
e planos urbanos)”. (LEFEBVRE, 2008, p. 119)
A concepção Lefebvriana sobre a segregação se embasa na compreensão desse
fenômeno como um produto social, reflexo de uma sociedade de classes no espaço, a
partir de tendências ideológicas, das caraterísticas culturais de determinados grupos e
das diferenças espaciais em relação aos meios de consumo coletivo.
O urbano, portanto, deve ser analisado como uma realidade concreta, complexa
e contraditória, pois como ressalta Lefebvre (2008) constitui-se de um processo que
considera sua própria evolução histórica e social, indo além de suas formas materiais e
visíveis.
Outro teórico que ampliou o debate sobre este fenômeno foi Harvey (1980) que
ao argumentar sobre a propriedade enquanto direito privado na sociedade capitalista,
esboçou aspectos da segregação social no espaço urbano. Segundo o autor, na
sociedade capitalista as relações sociais orientam a diferenciação espacial. Isso incide
no acesso diferenciado à infraestrutura urbana, nos serviços educacionais e
distanciamento da violência, ou seja, condições diferenciadas de qualidade de vida.
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Nesta direção, ele pontua que as desigualdades urbanas implicam em
desiquilíbrios relativos às instâncias políticas e econômicas, que selecionam
investimentos em acessibilidade, mobilidade e bens de consumo coletivos. Daí se
determina o acesso ou não ao solo urbano, e sobretudo à moradia.
Castell (1983), é outro expoente que analisa o fenômeno urbano. O autor aponta
que a segregação socioespacial urbana é a demonstração espacial do nível social dos
indivíduos conforme cada classe. É a produção social das formas espaciais, em que uma
parte da população se concentra em um determinado espaço. Ou seja:
a segregação é a tendência à organização do espaço urbano em zonas de forte homogeneidade social interna e de forte disparidade social entre elas. Esta disparidade não é somente em termos de diferença, mas de hierarquia. Ela se origina na repartição do produto entre as pessoas e na repartição do produto habitação. (CASTELL, 1983 apud CORRÊA, 1995)
Na mesma linha de entendimento, Corrêa (1995) analisa e pontua que a
segregação residencial, é expressão espacial das classes sociais originadas na localização
diferenciada delas no espaço urbano, devido à capacidade também diferenciada que
cada grupo social tem para pagar pela sua habitação.
Nas abordagens acima descritas, é legítimo o consenso entre os autores, de que
a divisão da cidade foi intensificada pelo processo de urbanização conduzidos através
critérios socioeconômicos e políticos, no bojo da expansão capitalista no contexto
brasileiro, o que produz desigualdades e disparidades socioespaciais.
3. O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO NO BRASIL E SUA RELAÇÃO COM A SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL: o Estado como agente social nesse processo
Sendo o sistema capitalista marcado pelas contradições, a segregação
socioespacial configura-se em uma das faces da exclusão que permeou o processo de
urbanização no Brasil.
No caso brasileiro, a urbanização adquiriu notoriedade a partir da intensificação
das atividades industriais nas primeiras décadas do século XX.
Oliveira (2013) chama atenção para o fato de que estamos acostumados a
entender o fenômeno urbano desprezando a sua importância desde a colônia até o
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século XIX, quando o Brasil foi o centro do capital comercial, bem como, de todas as
atividades a ele ligadas.
Maricato (2003) segue a mesma linha argumentativa do referido autor,
explicitando que:
Não é correto afirmar que as cidades brasileiras não tinham importância no período imperial ou colonial, como corrige Francisco de Oliveira (Oliveira, 1984). As metrópoles tinham uma importância especial por seu papel como lugar de financiamento e comercialização dos bens primários exigidos pelo mercado europeu. Salvador tinha, em 1780, mais de cinquenta mil habitantes, somando os moradores do centro e de 21 freguesias, que incluíam os subúrbios (Cedu, 1978). Era a maior metrópole das Américas segundo Milton Santos (Santos, 1993). Apesar dos grandes e importantes pólos, que representavam o Brasil urbano, até o final do século XIX, a grande maioria da população permaneceu no campo. (MARICATO, 2003, p. 151)
A industrialização começou a se delinear entre o final do século XIX e início do
século XX, com as reformas urbanas que lançaram “as bases do urbanismo moderno à
‘moda da periferia’”. (MARICATO, 2013 p. 17)
Entretanto, será a partir de 1930 que processo de urbanização brasileira será
intensificado, quando o Estado brasileiro passa a investir em infraestrutura para o
desenvolvimento industrial visando a substituição de importações.
De fato, a urbanização ganha expressão e relevância a partir dos anos 1930,
quando segundo Oliveira (2013, p. 50), “a industrialização vai redefinir o que é esse
urbano, exatamente porque ele passa a ser a sede não só dos aparelhos burocráticos do
Estado quanto do capital comercial, passando ser sede do novo aparelho produtivo que
é a indústria”.
Segundo Bonduki (2011, p. 17) o processo de urbanização que se deu de forma
acelerada mudou o cenário das cidades:
o traçado das velhas cidades já não corresponde às exigências da nova indústria nem ao seu grande movimento. As ruas, sem uma infraestrutura necessária, são alargadas, abrem-se novas vias de acesso e novas formas de transporte: com os trens e os bondes. Isto é, a cidade passa a refletir não só as transformações que se realizam no âmbito do capitalismo mundial, mas também se preparam para oferecer as condições necessárias para o desenvolvimento industrial. (BONDUKI, 2011, p.17)
No referido período, houve fortes investimentos “obras de saneamento básico,
ao mesmo tempo em que se promovia o embelezamento paisagístico que eram as bases
legais para um mercado imobiliário de corte capitalista”. (MARICATO, 2013, p. 17)
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A população excluída desse processo era expulsa para morros e franjas da
cidade. Santos (2001, p. 10) pontua que: “a cidade em si, como relação social e como
materialidade, torna-se criadora de pobreza, tanto pelo modelo socioeconômico, de que
é suporte, como por sua estrutura física, que faz das pessoas das favelas e cortiços, ainda
mais pobres”.
Cidades como: Manaus, Belém, Santos, Recife, São Paulo e Rio de Janeiro
passaram por mudanças que conjugaram: “saneamento ambiental, embelezamento e
segregação territorial, neste período.” (MARICATO,2013, p. 17)
De acordo com Bonduki (2011. p. 29) no caso brasileiro, o poder público atuou
sobretudo, no controle sanitário a partir de três frentes:
Na ação sanitária das habitações; na legislação e código de posturas e na participação direta em obras de saneamento das baixadas, urbanização da área central e implantação da rede de esgoto. Sobretudo, no que diz respeito ao controle sanitário, sendo as medidas marcadas por uma concepção que identificava na cidade e nas moradias as causas das doenças, as quais seriam extirpadas por meio da regularização do espaço urbano e do comportamento de seus moradores - ação que seria forte instrumento de controle social e manutenção da ordem. (BONDUKI, 2011, p. 16)
Nas palavras de Santana e Sousa (2016, p. 163): O urbanismo saneador e
higiênico conforma um modelo definidor do espaço urbano, prioritariamente, para o
capital, e adverso aos trabalhadores pobres.
Assim, a questão sanitária passou a ser naquele momento uma questão
prioritária para o governo, que justificou seu controle sobre os espaços urbanos e as
moradias dos trabalhadores, com o receio do caos e da desordem, mas sobretudo, pela
ameaça dos surtos epidêmicos representavam para organização econômica e para a
classe dirigente. (BONDUKI, 2011)
Numa época em que a Questão Social era tratada como caso de polícia, a ação
do Estado era voltada para o controle do comportamento e dos hábitos citadinos.
Simultaneamente ao agravamento da questão habitacional, cujas intervenções
ainda se davam através da prática higienista, a intervenção disciplinadora do Estado na
área das edificações urbanas, legitimou e acentuou os desequilíbrios que a cidade
moderna gerava.
Esse processo contribuiu para o aparecimento de novos tipos habitacionais populares diferentes dos tradicionais cortiços e habitações coletivas que abrigavam a classe trabalhadora pauperizada. Barracos de madeira ou
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moradias que tomavam forma de alvenaria, caracterizadas pela autoconstrução que utilizava material de baixa qualidade, davam nova paisagem aos morros e as periferias das cidades. Até 1930, o problema da habitação popular foi historicamente relegado pelo Estado. (DUARTE, 2011, p.03)
Em suma, nas décadas de 1920 e 1930 não ocorreram mudanças substantivas
em relação à questão da moradia, com exceção das propostas e da ação Estatal
direcionadas para à questão da higiene e do controle da população pauperizada.
Evidentemente as relações do Estado com esse urbano, será crucial não somente
para a expansão capitalista no país, que vai redefinir de forma completa este caráter da
urbanização das relações cidade e campo na ampla divisão social do trabalho no Brasil
(OLIVEIRA 2013, p. 54), mas também, irá recriar o atraso através de novas formas, como
contraponto à dinâmica da modernização (MARICATO, 2013, p.15).
Essa ruptura e continuidade irá permear momentos importantes da formação da
sociedade brasileira e também do processo de urbanização. (Florestan Fernandes apud
Maricato, 2013, p. 17)
De acordo com Caio Prado (1990): “não há como não reconhecer que a
industrialização a partir de 1930 até a fim da Segunda Guerra Mundial constituiu um
caminho para o desenvolvimento das forças produtivas, assalariamento e crescente
modernização da sociedade”. (PRADO apud MARICATO, 2013, p. 18).
Maricato (2013) também reconhece que o processo de urbanização tenha
influído na melhoria das condições de vida da população. Nas palavras da autora:
De 1940 a1980, o PIB brasileiro cresceu a índices superiores a 7% ao ano, um dos maiores do mundo no período. A riqueza gerada nesse processo permaneceu bastante concentrada, embora, mesmo com a concentração da renda, o alto grau do crescimento econômico tenha influído na melhoria de vida de toda população, especialmente aquela que abandonou o campo buscando melhores oportunidades nas cidades. (MARICATO, 2013, p. 20)
A autora aponta a melhoria e evolução de indicadores sociais importantes, como
produto positivo do fenômeno da urbanização e das políticas públicas implantadas pelo
Estado. Segundo a autora:
Dentre os indicadores que evoluíram positivamente nos últimos cinquenta anos, no Brasil, estão o da mortalidade infantil e da esperança de vida ao nascer. Em 1940, o país apresentava uma taxa de 149,0 mortes entre 1.000 nascidos vivos, antes de atingir um ano de idade. Em 1999, essa taxa era de 34,6. A significativa diminuição do índice num período relativamente curto (...), está relacionada, especialmente. À extensão da rede pública de água, às
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campanhas de vacinação, atendimento às gestantes e melhoria do nível de escolaridade da mãe. (MARICATO, 2013, 27)
Contudo, é preciso refletir sobre o processo complexo, contraditório e dual da
urbanização dentro discussão da dimensão da chamada tragédia urbana, bem elucidada
por Maricato em seus estudos.
Santos também destaca esta questão, ponderando que a produção da pobreza,
da desigualdade social e segregação territorial não é apenas fato do modelo
socioeconômico vigente, mas também, do modelo espacial adotado no Brasil. (SANTOS,
2009)
Maricato expõe que o fenômeno da “Tragédia Urbana” teve uma ampliação nos
anos de 1980 no percurso da década perdida. Porém não se restringiu ao referido
período, pois o crescimento urbano sempre se deu com exclusão social, desde a
emergência do trabalhador livre na sociedade brasileira. Segundo ela, “no Brasil, onde
jamais o salário foi regulado pelo preço da moradia, mesmo no período
desenvolvimentista, a favela, o lote irregular combinado e a autoconstrução da moradia
foram parte integrante do crescimento urbano”. (MARICATO, 2013, p.156)
Assim, a tragédia urbana não é produto da década perdida. Ela tem suas raízes
muito firmes em cinco séculos de formação da sociedade brasileira, em especial a partir
da privatização da terra (1850) e a emergência do trabalho livre (1888).
Todo esse processo histórico gera uma característica peculiar, de acordo com
Maricato (2013): o uso e ocupação espacial concentradora da urbanização. Nesse
sentido, a autora argumenta convincentemente em torno do papel preponderante
desempenhado pelo Estado na intervenção do espaço urbano.
É de crucial importância destacar a participação do Estado como produtor do
espaço urbano e também como mediador de conflitos. Como aponta Harvey (2008,
p.160) “a formação do Estado tem sido parte integrante do desenvolvimento
capitalista”. Isto implica dizer que ele participa diretamente do jogo de interesses entre
as classes sociais, direcionando suas ações, em geral, ao favorecimento das classes
dominantes.
Sobre este aspecto Lojkine (1997), ao estudar o Estado capitalista e a Questão
Urbana afirma que:
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como agente principal da distribuição social e espacial dos equipamentos urbanos para as diferentes classes e frações de classe, o Estado monopolista vai portanto, refletir ativamente as contradições e as lutas de classe geradas pela segregação social e dos valores de uso urbanos. Longe de unificar o aparelho de Estado, a subordinação de sua política à fração monopolista do capital vai, pelo contrário, agravar as fissuras, as contradições entre segmentos estatais, suportes de funções sociais contraditórias. (LOJKINE, 1997, p. 193)
O Estado se destaca dessa forma, como um importante agente social na
mediação e manutenção de poder concentrado e privilégios nas cidades, refletindo e ao
mesmo tempo promovendo, a desigualdade social no território urbano. (MARICATO,
2003, p. 15).
O que se depreende é que a cidade capitalista tem sido produzida pelo sistema
de organização social que envolve forças econômicas, políticas e culturais que se
relacionam entre si, a partir de interesses e disputa de determinados agentes sociais.
Tais agentes se movimentam em conformidade com “a dinâmica de acumulação
de capital, das necessidades mutáveis de reprodução das relações de produção e dos
conflitos de classe que dela emergem”. (CORRÊA, 1989, p. 11)
Souza (1994) ao estudar sobre a verticalização em São Paulo, identifica os
agentes em seis grupos distintos:
(...) 1. os proprietários fundiários urbanos e periurbanos; os proprietários imobiliários urbanos; 2. Os produtores de materiais de construção; 3. Os produtores (promotores) fundiários e os produtores (promotores) imobiliários e os incorporadores; 4. os detentores de capital que investem na produção (promoção) imobiliários; 5. Os compradores de terrenos e de habitação (demanda final, usuária); os ocupantes de terrenos (invasão) e moradias urbanas (proprietários e locatários); 6. O poder público e as instituições transnacionais. (SOUZA, 2012, p. 185)
Entretanto, Corrêa (1989, p. 10) aponta que os principais agentes sociais
responsáveis pelo processo de produção do espaço urbano são: os proprietários dos
meios de produção, os proprietários fundiários, os produtores imobiliários, o Estado e
os grupos sociais excluídos. Destes, o Estado e os agentes imobiliários, são os agentes
com maior hegemonia enquanto produtores desse espaço urbano.
O autor explicita que podem ser diversos os papéis desempenhados pelo Estado:
“de grande industrial, consumidor de espaço, proprietário fundiário (dado o domínio
das terras públicas), produtor imobiliário, e também alvo dos movimentos sociais
urbanos”. (CORRÊA, 1989)
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Com efeito, o papel exercido pelo Estado, que se transformou ultimamente (seja
por ação direta, por ação indireta, ou por simples omissão, num dos agentes indutores
(senão o principal) do crescimento urbano das cidades brasileiras. (ABREU, 1994, p. 268)
Um exemplo emblemático, da participação indutora do Estado, refere-se à
atuação do Sistema Financeiro de Habitação (SFN), no incentivo a verticalização do
espaço urbano.
Caldeira (2000, p. 227) pontua que foi por meio desse sistema que o
financiamento construtivo foi passível de efetuar-se e assim, favorecer a dinâmica
construtiva do país. Acrescenta que: “o financiamento maciço de prédios de
apartamentos pelo SFH é provavelmente uma das principais razões pelas as quais a
classe média m São Paulo abandonou o sonho de morar em casas.”
É claro que não podemos deixar de lembrar que muitas moradias foram
construídas via SFC, mas de acordo com Maricato (2013, p. 44) com um rumo diferente:
“com menos desperdício, impulsionando a cadeia produtiva para tecnologias mais
adequadas, com políticas públicas mais racionais, priorizando a maioria da população”.
Dessa forma, o papel do Estado é fundamental como agente regulador do uso e
da apropriação do espaço, sendo as Leis um importante instrumento de planejamento
e gestão urbana, como também uma ferramenta usual do Estado na mediação da
dinâmica constante de organização e reorganização espacial.
As Leis são flexibilizadas proporcionando a reprodução da ‘cidade produto’, mais
especialmente a ‘cidade como negócio’. (GUERRA, 2014, p. 261)
De acordo com Maricato (2013, p. 42):
Há uma correlação entre lei (urbanística) e mercado imobiliário capitalista. O financiamento de imóveis populares em todo o Brasil (caso da Carta de Créditos da Caixa Econômica Federal, em meados dos anos 90), se deve à ilegalidade generalizada desses imóveis cuja documentação não corresponde às exigências do banco. Há, portanto, uma correlação entre financiamento e imóvel legal que termina por excluir grandes partes da população do acesso a empréstimos destinados à aquisição ou construção de moradia.
Assim, a autora explicita que a incrível desigualdade social no Brasil é uma
construção que tem na aplicação arbitrária da lei além da concentração espacial da
infraestrutura e serviços públicos, sua argamassa. (MARICATO, 2003, p.156)
Dessa forma, as cidades na atualidade vão crescendo marcadas por intensas
desigualdades espaciais: áreas marginais e áreas nobres; lugares seguros e outros
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marcados pela violência; áreas providas de infraestrutura e algumas destituídas de
qualquer equipamento urbano.
Esta dualidade nas cidades irá produzir dois polos opostos no espaço urbano: a
chamada cidade legal e a cidade ilegal.
Acerca dessa dualidade Cidade Legal x Cidade Ilegal, Guerra (2014) explicita que
“a Questão Urbana como dimensão da questão social, nos coloca diante do desafio de
entender a intricada teia urbana, onde as fronteiras entre o legal/ilegal, o licito/ilícito e
o regular/irregular, formal/informal são tênues”.
A compreensão de tais fronteiras pode mostrar como se constitui as disputas
entre as classes fundamentais e entre sujeitos sociais, envolvidos em vias distintas e
mesmo contraditórias de desenvolvimento urbano. (GUERRA, 2014, p. 258)
O processo de urbanização da cidade ilegal no Brasil é uma máquina de produção
de favelas e cortiços. A população moradora de favelas cresce mais que a população
urbana do país, sendo a invasão de terras mais regra do que exceção nas grandes
cidades.
Conforme Maricato (2003), essa gigantesca ilegalidade não é fruto de lideranças
subversivas que querem afrontar a lei, mas resultado de um processo de
urbanização/industrialização baseado em baixos salários e da especulação fundiária
alimentada por investimentos públicos regressivos e concentrados, além de uma
legislação, cuja forma de aplicação exclui e segrega. (MARICATO, 2003, p.155)
O controle urbanístico se dá somente na cidade legal, onde se concentra os
investimentos públicos congênere ao Primeiro Mundo. Na cidade ilegal reina as relações
da troca clientelista. Segundo Guerra (2014):
É igualmente, no espaço urbano que ficam impressas as marcas da expansão destrutiva do capital: nos desastres e catástrofes ambientais, na disseminação de doenças inerentes à civilização do consumo; nas vidas ao leú de trabalhadores que tem as ruas como espaço de vida, trabalho e sobrevivência; na segregação socioespacial e nas modalidades de apartação ante o medo crescente e generalizado presente do cotidiano das populações citadinas. (GUERRA, 2014, p. 258)
Neste cenário, a segregação socioespacial acompanhou as metamorfoses do
legado da urbanização brasileira, tornando-se a representação mais real do que nas
palavras de Oliveira (2013) fundamentou-se em uma urbanização pobre e deficitária.
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4 CONCLUSÃO
Nos marcos da globalização, o cenário extremamente desigual, aprofunda e
agrava a tragédia urbana anunciada, com seu corolário de ajustes e reestruturações que
afetam sobremaneira as cidades. (GUERRA, 2014, p. 260)
No contexto atual, todas as cidades brasileiras estão inseridas na dinâmica
mundial de reprodução ampliada do capital, refletindo e promovendo ao mesmo tempo,
a segregação socioespacial do território urbano.
Os setores mais pauperizados da classe trabalhadora são os mais atingidos pelas
intervenções de restruturação, sendo expulsos à medida em que áreas ocupadas
ganham valor para o capital.
Assim, o Brasil adentra o século XXI, com uma questão urbana complexificada a
configurar cidades fragmentadas por zonas de extrema pobreza e miséria ladeadas de
bairros de riqueza exuberante, expressão da modernização e concentração da riqueza.
(GUERRA, 2014, 262)
Dessa forma todo esse contexto nos coloca diante do desafio de acordo com
Harvey (2010): “O de pensar um outro tipo de urbanização não predatória que abra a
perspectiva de construção e de acesso ao direito substantivo à cidade para todos(as)”.
REFERÊNCIAS
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BONDUKI, Nabil. As origens da habitação social no Brasil: arquitetura moderna, Lei do inquilinato e difusão da casa própria. 5. Ed. São Paulo: Estação da liberdade, 2011. CASTELLS, M. A Questão Urbana. Editora Paz e Terra, São Paulo, 1983. CORRÊA, Roberto Lobato. O Espaço Urbano. Editora Ática, São Paulo, 1995. CALDEIRA, Tereza Pires do Rio. Cidade de Muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. Tradução de Frank de Oliveira e Henrique Monteiro. São Paulo: Editora Edusp, 2000.
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CORRÊA, Roberto Lobato. O espaço urbano. 3. Ed. São Paulo: Ática, 1989. (série Princípios) DUARTE, Maurizete Pimental Loureiro. A Expansão da periferia por conjuntos habitacionais na Região da Grande Vitória (1964-1986). Dissertação de Mestrado. GUERRA, Eliana Costa. Questão Urbana e Ambiental em tempos de crise do capital: configurações e particularidades no Brasil contemporâneo. In: Revista de Políticas Públicas. Número especial. (Jul. 2014). EDUFMA. HARVEY, D. A justiça Social e a Cidade. Editora Hucitec, São Paulo, 1980. LEFEBVRE, Henri. O Direito à Cidade. Editora Centauro, São Paulo, 2008. _____. A cidade do capital; Tradução: Maria Helena Rauta Ramos e Marilene Jamur. Rio de Janeiro: Ed. DP&A, 1999. LONJKINE, Jean. O Estado Capitalista e a questão urbana. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. (Novas Direções) MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana / Ermínia Maricato. 7.ed. – Petropólis, RJ, Vozes, 2013. _____. Metrópole, Legislação e desigualdade. Revista Estudos Avançados, nº 17, 2003. OLIVEIRA, Francisco de. O Estado e o urbano no Brasil. In: Caderno de Debates 2. Cidades e conflito: o urbano na produção do Brasil contemporâneo. Fase 50. Rio de Janeiro: 2013. SANTANA, Raimunda Nonata do Nascimento & SOUSA, Salviana de Maria Pastor Santos. Saneamento Ambiental no Brasil: legado histórico e desafio para a Política Social. Revista Argumentum, Vitória (ES), v. 8, n.1, p. 158-173. jan./abr.2016. SANTOS, Milton, 1926-2001. A Urbanização Brasileira/ Milton Santos. – 5. ed. 2 reimpressão – São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 2009. SOUZA, Marcelo Lopes de. O desafio metropolitano: um estudo sobre a problemática socioespacial nas metrópoles brasileiras, 4. Ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012. VILLAÇA, Flávio. Espaço intraurbano no Brasil. São Paulo: Nobel, 1998.
4662
EIXO TEMÁTICO 10 | QUESTÃO AGRÁRIA, URBANA E AMBIENTAL
POLÍTICAS PÚBLICAS E CIDADANIA: o acesso da pessoa com deficiência ao transporte público pelo serviço transporta em
Manaus/AM
PUBLIC POLICIES AND CITIZENSHIP: the access of the persons with disabilities to public transport by the transport service in Manaus / AM
Gabrielle Chagas da Silva1
Carolina Cassia Batista Santos2
Camila Fernanda Pinheiro do Nascimento3 RESUMO Este estudo apresenta uma discussão acerca da mobilidade urbana da pessoa com deficiência ou mobilidade reduzida na cidade de Manaus, de forma a dialogar sobre as políticas urbanas e o acesso aos direitos fundamentais dessa população. O objetivo é caracterizar o perfil socioeconômico dos usuários do serviço Transporta, bem como identificar os desafios de acesso à cidade para uso de equipamentos coletivos. A metodologia da pesquisa consiste em levantamento bibliográfico referente ao tema e análise documental pertinente às políticas de transporte municipal. Com os dados da pesquisa, observou-se que parte expressiva dos usuários se encontra em extrema vulnerabilidade social e carece do serviço de modo permanente, do contrário, não consegue acessar a bens e serviços sociais para suprir suas necessidades, o que compromete qualidade de vida desse público. Palavras-Chaves: Deficiência. Acessibilidade. Mobilidade Urbana. ABSTRACT This study presents a discussion about the urban mobility of people with disabilities or reduced mobility in the city of Manaus, in order to
1 Bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal do Amazonas. E-mail: [email protected]. 2 Assistente Social, Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas-SP e Professora Adjunta da Universidade Federal do Amazonas. E-mail: [email protected]. 3 Mestranda em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia. Pesquisadora do Grupo Interdisciplinar de Estudos Socioambientais e Desenvolvimento de Tecnologias Sociais na Amazônia - Grupo Inter-Ação. E-mail: [email protected].
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discuss urban policies and access to the fundamental rights of this population. The objective is to characterize the socioeconomic profile of the users of the Transporta service, as well as to identify the challenges of accessing the city for the use of collective equipment. The research methodology consists of a bibliographic survey related to the theme and documental analysis pertinent to municipal transport policies. With the research data, it was observed that a significant part of the users is in extreme social vulnerability and lacks the service permanently, otherwise, they cannot access social goods and services to meet their needs, which compromises quality of life. that audience. Keywords: Deficiency. Accessibility. Urban Mobility.
INTRODUÇÃO
Discussões pertinentes a categorias como deficiência, acessibilidade e
mobilidade são ainda muito recentes no cenário nacional e enfaticamente no cenário
regional. Abordar essas temáticas é essencial para problematizar o acesso a bens e
serviços coletivos oriundos da deficiência vivenciada por esse público. A questão do
planejamento urbano também entra em pauta, uma vez que este instrumento implica
regras de circulação e permanência nos espaços urbanos.
Nessa perspectiva, debater sobre a mobilidade urbana via transporte público
dessa população faz-se imprescindível, visto que em muitos casos, o transporte coletivo
é o único meio que possibilita o acesso aos serviços de atenção à pessoa com deficiência,
por exemplo, atendimentos de saúde (consultas, fisioterapia, acesso à medicação, etc.),
acesso a atendimentos assistenciais e previdenciários, entre outros serviços ligados ao
bem-estar e à qualidade de vida.
Para Magagnin (2008), o planejamento urbano e de transporte estão
intrinsecamente interligados, remetendo à ideia de que o mau planejamento desses
aspectos reflete na qualidade de vida da população. Na mesma linha, a autora explicita
que: “a cidade é um sistema que possui várias inter-relações, ou seja, a alteração de
uma parte deste sistema, pode gerar impactos em outras partes do mesmo”
(MAGAGNIN, 2008, p.6). Logo, entende-se que a mobilidade urbana envolve o
planejamento urbano associado ao crescimento das cidades e a disponibilidade de
transporte para a população (BARBOSA, 2016). Para esta autora, a mobilidade urbana
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está relacionada à acessibilidade, ao direito e à necessidade de locomoção que as
pessoas têm para a realização de suas atividades cotidianas.
Em Manaus, de modo a atender as legislações municipais relativas à inclusão de
pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida no transporte, uma pesquisa realizada
em 2017 aponta que pelo menos 75% dos transportes coletivos do município possuem
rampas de elevação para transportar cadeirantes (SOUZA, 2017; IMMU, 2016). Mas,
apesar desses avanços consideráveis no quesito transporte, as pessoas com deficiência
ou mobilidade reduzida cotidianamente confrontam-se com outros tipos de desafios,
como exemplo, o de permanecer em meio aos espaços urbanos limitadamente
adaptados às diversidades.
À vista disso, o Relatório Mundial sobre a deficiência da Organização Mundial de
Saúde (OMS) (2011, p. 4), exprime que o ambiente de uma pessoa tem um enorme
impacto sobre a experiência e a extensão da deficiência. Ambientes inacessíveis criam
deficiência ao criarem barreiras à participação e inclusão.
A implementação de uma sociedade para todos implica na garantia de acessibilidade em todos os seus aspectos. Dessa forma, compreende-se que uma cidade sem barreiras é uma cidade onde os preconceitos foram minorados (GOMES & FRANCISCO, 2008 p. 2).
Em síntese, nos espaços urbanos, são exemplos de barreiras arquitetônicas a
ausência de passarelas, plataformas, corrimão ou mesmo pisos adaptados, etc. Para
Almeida et al (2013, p. 3), a acessibilidade, por sua vez, propõe a circulação de diferentes
pessoas no contexto urbano, independentes da condição física ou financeira.
Destarte, esta pesquisa concentrou-se no campo de Serviço Social instaurado na
Divisão de Atendimento Social (DVAS) do Instituto Municipal de Mobilidade Urbana
(IMMU)1, situada em Manaus, onde realizou-se Estágio Supervisionado (I, II e III) do
curso de Serviço Social da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Reitera-se ainda
que dada pesquisa compartilha dados com o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) e
com o projeto de Iniciação Científica PIBIC, assim sendo, conta com a colaboração de
mais autores no desenvolvimento da pesquisa.
1 Em 07 de maio de 2019, acordado com a Lei n° 2.428 prevista na LOMAN, a Superintendência Municipal de Transportes Urbanos foi incorporada ao órgão gestor de trânsito da cidade: ManausTrans, assumindo, por conseguinte, a titulação de Instituto Municipal de Mobilidade Urbana.
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Por fim, almeja-se com este estudo aprofundar as discussões sobre o tema à nível
nacional, incluso evidenciar as problemáticas encontradas de modo que a gestão pública
municipal as reconheça e as equacione.
2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A prescrição da pesquisa deu-se in loco, no Instituto Municipal de Mobilidade
Urbana (IMMU), onde pôde-se acessar as fichas de cadastro e planilhas de controle do
serviço Transporta. Para a complementação da pesquisa documental, dados dos
relatórios e do diário de campo elaborados por esta pesquisadora ao longo do estágio,
possibilitaram uma abordagem quanti-qualitativa.
De modo a contextualizar, o IMMU tem como algumas das atribuições o
planejamento e articulação de serviços voltados para a inclusão das diversidades no
transporte público. O transporte urbano, por sua vez, é um dos responsáveis pela
mobilidade, circulação e locomoção social, e é nesse contexto que se fazem
fundamentais os serviços prestados pelo instituto, pois, o Serviço Social que atua na
DVAS conhece as demandas do grupo e da crescente taxa de imobilidade humana.
Nessa lógica, os serviços, em foco, mediados pelo órgão visam a efetivação do
direito à mobilidade através da regulamentação da gratuidade/isenção de pagamento
de tarifas de transportes coletivos urbanos da população estudada, conforme as normas
descritas no Art. 261 da Lei Orgânica do Munícipio de Manaus - LOMAN. A gratuidade é
controlada através do Passa Fácil (cartão), o qual identifica os dados e as especificidades
dos usuários através do sistema utilizado pelo IMMU. O benefício tem como finalidade
a promoção do acesso às redes de saúde pública para fins de tratamento, entre outros
serviços de necessidade.
Outro serviço articulado pelo órgão é o serviço de transporte Porta a Porta
(veículo adaptado), denominado Transporta, instituído através da Lei n. 2.184 de
28/12/2016. Transporta destina-se a conduzir estritamente pessoas deficientes e/ou
doentes crônicos com restrição de mobilidade severa impossibilitadas de utilizar o
transporte público convencional, cuja locomoção restringe-se às atividades de
reabilitação e tratamento de saúde. Com isso, o Transporta “é um sistema criado na
busca de soluções para a mobilidade e acessibilidade do grande número de deficientes
que necessitam utilizar o transporte público” (CRUZ & PAULA, 2014, p. 25).
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Os estudos teóricos atrelados as pesquisas bibliográficas deram início a
fundamentação da pesquisa, cujas principais fontes se sucederam entre livros, artigos e
teses, ambicionando por meio de autores marxistas discutir as relações de
desigualdades de acesso à cidade associadas ao fator econômico. Ademais, verificou-se
também as legislações pertinentes às políticas públicas de transporte no âmbito federal
e municipal. O levantamento das legislações especificadas deu-se por meio do diário
municipal de Manaus, bem como fez uso do site oficial do Planalto.
A última etapa da pesquisa concentrou-se na criação de uma tabela em
Programa Excel para organizar os materiais coletados em campo, dividido entre
categorias como: ano de nascimento, grau de escolaridade, sexo, estado civil, tipo de
restrição de mobilidade, auxílio financeiro e tipo de moradia (os quais serão
apresentados no desenvolvimento do estudo).
Para a identificação do perfil, foram analisadas por meio de uma planilha de
EXCEL, 489 cadastros, sendo estes o universo do estudo. Obteve-se como critério de
inclusão, usuários ativos no ano de 2018, uma vez que os dados se faziam concretos,
impassíveis de alterações, portanto, o gráfico 1 tem como totalidade os 489 usuários
citados. Para a análise das especificidades do perfil socioeconômico foram selecionadas
para amostra um total de 36 fichas de usuários ativos da zona sul. O critério da escolha
está atrelado à facilidade de analisar as fichas manualmente em um curto espaço de
tempo, pois, apesar de existir uma tabela em Excel na instituição com os dados dos
usuários, ela não apresenta algumas especificidades como: ano de nascimento, estado
civil, renda, tipo de moradia, etc.
3 PONTUAÇÕES SOBRE AS POLÍTICAS URBANAS E O DIREITO À MOBILIDADE DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA EM MANAUS
Pires (2009) apresenta dois dados importantes levantados no início dos anos
2000, a ver que 80% da população brasileira vive em áreas urbanas, e, cerca de 60% das
viagens motorizadas são feitas através de transporte coletivo público (PIRES, 2009; IBGE,
2000; ANTP, 2002). Nessa linha, a autora sinaliza que a extensão territorial e a
centralização dos equipamentos urbanos justificam a necessidade de deslocamento
através de transportes motorizados, privados ou não.
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Dado contexto, a autora ressalva que as políticas de transportes são responsáveis
por garantir a mobilidade, sendo condizentes com a possibilidade de acesso aos espaços
públicos, de modo universal (PIRES, 2009). Em contrapartida, a renda é um dos
elementos que interferem no modo de consumo do espaço urbano. A autora atenta:
Na maioria das grandes cidades, o processo contínuo de crescimento não foi acompanhado pela gestão metropolitana da rede de transporte, que, aos poucos, foi deixando de atender as necessidades de deslocamento de grande parte da população pobre (PIRES, 2009, p. 392)
É necessário ponderar que a pobreza não se refere unicamente à insuficiência de
renda, mas que também envolve todas as privações de oportunidades dispostas na
cidade, tendo nesse processo, a mobilidade como papel decisivo (PIRES, 2009).
No Brasil, a vigente Política Nacional de Mobilidade Urbana “foi iniciada com a
aprovação do Estatuto das Cidades (em 2001) e consolidada com a criação do Ministério
das Cidades (MCid) no ano de 2003” (MAGAGNIN, 2008, p. 10). Cabe acrescentar que,
em primeiro de janeiro de 2019, na posse do Presidente Jair Messias Bolsonaro, o MCid
foi fundido com o Ministério da integração Nacional (MI), consolidando-se no Ministério
do Desenvolvimento Regional (MDR). O MDR é fundado sob o discurso de “adaptações
para otimizar a administração de programas, recursos e financiamentos” sendo
colocado ainda, no site do próprio MDR, que a pretensão da fundição é de integrar numa
única Pasta “as diversas políticas públicas de infraestrutura urbana e de promoção do
desenvolvimento regional e produtivo” (BRASIL, 2019).
Reitera-se que, a Lei 10. 257, de julho de 2001, denominada “Estatuto da
Cidade”, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da
propriedade urbana em prol do bem comum, visando o bem-estar social e os demais
direitos fundamentais previstos na Constituição (ESTATUTO DA CIDADE, 2001).
Em Manaus, Souza (2017, p. 38), analisa que a lei tocante a gratuidade nos
sistemas de transportes coletivos urbanos como direito à mobilidade urbana das
pessoas com deficiência é mediada pela LOMAN, tendo a sua primeira edição
promulgada em 05/04/1990 e pelo Decreto Municipal 1.128, de 29 de julho de 2011,
sofrendo alterações significativas ao longo dos anos, buscando o aperfeiçoamento do
regulamento na finalidade de atender às novas demandas e anseios da população.
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Todavia, para mensurar a alta demanda desse público nos serviços pertinentes à
gratuidade nos transportes coletivos em Manaus, os dados obtidos por Souza (2017)
através da pesquisa de campo na SMTU (antes da nova organização da instituição),
alerta que no primeiro semestre de 2016, um total de 10.6442 usuários/solicitantes do
benefício da gratuidade, diz respeito à deficientes físicos/pessoas com mobilidade
reduzida de baixa renda, os quais representavam a segunda maior demanda do Passa
fácil (SOUZA, 2017; IMMU, 2016).
Sem embargo, sabe-se que a precarização do sistema de mobilidade urbana
afeta principalmente as pessoas em vulnerabilidade social que se utilizam desse
complexo para exercício da socialização e para atendimento de suas necessidades,
denotando deste modo, que dada precarização afeta duplamente pessoas com
deficiência de baixa renda que necessitam de subsídios adaptados para a garantia de
uma vida digna.
4 OS DESAFIOS E O PERFIL SOCIOECONÔMICO DOS USUÁRIOS DO TRANSPORTA
Analisar as condições socioeconômicas desse grupo contribui para a
compreensão das formas de invisibilidade, segregação e exclusão social, e, ainda, para
compreender como a desigualdade social afeta o acesso às centralidades da cidade para
uso dos bens públicos como direito da população.
Em contexto nacional, segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE, 2010), cerca de 24% da população possui alguma deficiência e, no que
diz respeito à sociedade, é dever do Estado a proposição e articulação das políticas
sociais de bem-estar social, sendo essas fundamentais para agregar a todos as mesmas
oportunidades e enfrentamento da desigualdade social.
Contudo, o seguinte gráfico mostra como se dividem os usuários do Transporta
por zona:
2 Os resultados da pesquisa mencionada apontam que o órgão atendeu aproximadamente 35 mil pessoas no semestre analisado.
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Gráfico 01 - Usuários distribuídos por zona:
Fonte: Pesquisa de campo, 2019.
Denota-se a grande concentração destes nas regiões norte e leste, as quais pela
dinâmica do processo de modernização da cidade, configuram-se como regiões
periféricas, ora regiões desvalorizadas pelo mercado imobiliário. A periferia é
caracterizada por zonas populares, de infraestrutura, saneamento e sistema de
transporte precários. Além de ofertar serviços de baixa qualidade.
Indissociável da primeira categoria, os dados de “distribuição de renda” (489
usuários) nos mostram que 67% dos usuários possuem renda familiar no valor de um
salário-mínimo, 27% com renda de dois salários e 6% com renda de até três salários-
mínimos. Verificou-se também que a renda familiar no valor de um salário-mínimo, em
maioria advém do Benefício de Prestação Continuada (BPC). De acordo com uma cartilha
elaborada pelo Ministério Público Federal (2017), o BPC é:
É um benefício da assistência social, integrante do Sistema Único de Assistência Social – SUAS, pago pelo Governo Federal e assegurado por lei, que permite o acesso de idosos e pessoas com deficiência às condições mínimas de uma vida digna (BRASIL 2017).
O BPC é um benefício equivalente a um salário-mínimo destinado a pessoas
deficientes de qualquer idade e idosos com mais de 65 anos. Em relação aos idosos, é
beneficiado aquele que não têm direito à previdência social e apresenta restrições a
longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, tendo por fim,
dificuldades de exercer participação ativa e plena na sociedade (BRASIL, 2017).
208
165
36
80
0
50
100
150
200
250
NORTE LESTE SUL OESTE
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Perante a leitura dos dados, é sabido que a concretização destes estão
interligados também com os regulamentos do serviço, que tem como uma das normas
de inclusão e atendimento prioritário a deficientes com restrição de mobilidade severa,
como cadeirantes em alto grau de vulnerabilidade social, carecendo este, anexar
comprovante de renda no ato de inscrição. Em vista, no Inc. 3º do art. 5º da Lei do
Transporta, fatores como: I) Renda familiar; II) Condições de moradia; III) Localização e
acessibilidade, são fatores que determinam a inserção do requerente ao serviço.
Com base na análise das especificidades, e com base nos atendimentos dos
usuários em serviço, viu-se que 20% dessa população reside em casas cedidas pelo
governo (em conformidade com as políticas habitacionais) ou por familiares que
dispuseram de terrenos ou repartições de moradia. 8% pagam aluguel e 72% possuem
casas próprias.
O resultado da distribuição por gênero implica que a maior demanda do serviço
é constituída pelos usuários do sexo masculino (56%), enquanto os usuários do sexo
feminino representam (44%). Pressupõe-se que, parte do grupo predominante
(masculino) está de alguma forma relacionado a acidentes de trânsito ou quaisquer
outras eventualidades que comprometam a integridade física da pessoa, levando em
consideração que o serviço tem como propósito encaminhar usuários a clínicas de
reabilitação física/atividades motoras, de acordo com a Lei do Transporta.
Nesse seguimento, os dados do DPVAT (Danos pessoais causados por veículos
automotores de via terrestre) extraídos de uma matéria do site “O povo”, de
12/07/2018, mostra que 71% dos acidentes de trânsito acometidos no país são
provocados por homens, sendo o sexo que mais morre em acidentes ou sofrem lesões
permanente. O site divulga ainda que 79% das indenizações pagas por invalidez se
direciona ao sexo masculino.
Outra problemática acometida por essa população, é o baixo acesso à educação
formal. Os resultados alertam que pelo menos 75% dos usuários são analfabetos,
enquanto os que possuem nível fundamental, médio e superior representam 14%, 11%
e 0% respectivamente.
As idades de 0 a 45 anos totalizam 78% e de 46 a 65+, 22%, expressando um
público predominantemente jovem.
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As barreiras arquitetônicas são as que mais dão impasses ao acesso à cidade e
aos equipamentos urbanos. Conforme os dados da pesquisa, 60% (compreendendo as
quatro zonas observadas) dos usuários utilizam cadeiras de rodas, e, apesar dos avanços
das políticas urbanas, os obstáculos físicos-estruturais são ainda problemáticas vigentes
na cidade. A ver: calçadas sem rebaixamento, rampas sem corrimões e muito inclinadas,
portas de edificações estreitas e banheiros não adaptados nas escolas, nas
universidades, são obstáculos que comprometem o exercício pleno da cidadania.
Nonato (2011) afirma:
as condições de acessibilidade arquitetônica funcionam como pressupostos essenciais ou plataformas para que pessoas com deficiência ganhem autonomia nos mais diversos escalões no mundo social e econômico. Eles permitem que essas pessoas planifiquem suas existências, garantam seus ideais de vida. Educação, saúde, trabalho, lazer etc, são direitos essenciais de qualquer cidadão [...] NONATO, 2011, p. 143).
Por sua vez, as políticas educacionais descritas na Constituição, aludem que é
dever do Estado a promoção universal à escola. No inc. I, do art. 3 da Lei n. 9.394/1996,
alega-se que o ensino deve ser ministrado com base no princípio de igualdade de
condições para o acesso e permanência na escola (BRASIL, 1996), porém, os dados dessa
pesquisa evidenciam as ineficiências das políticas instituídas.
A tabela seguinte clarifica o aspecto físico dos usuários da zona sul de Manaus:
Tabela 1. Distribuição por aspecto físico, 2018.
Aspecto físico N % Cadeirante 26 72%
Anda com extrema dificuldade 5 14%
Crianças de colo 5 14%
Total 36 100%
Fonte: Pesquisa de campo, 2019.
Vale ressaltar que as crianças “de colo” que se utilizam do Transporta, em
maioria, possuem paralisia cerebral e/ou outras síndromes paralíticas, cuja
desenvolvimento motor e cognitivo são comprometidos.
Durante as atividades de estágio supervisionado e de pesquisa de campo, foi
visto que parte do público que procura por esse serviço é constituído por pessoas com
lesão, recém-operadas, que estejam utilizando de cadeiras de rodas temporariamente
e que com as atividades de fisioterapias, aumentam as chances de locomoção sem o uso
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do mecanismo citado. Mas, a outra parte do mesmo grupo (cadeirantes) que utilizam
do mecanismo de modo permanente, procuram pelo serviço com a finalidade de
praticar exercícios para que não haja atrofias musculares ou mesmo para exercício de
socialização.
Desvendada a condição do público estudado, conclui-se que a conjuntura
arquitetônica da cidade, a priori planejada de modo a atender aos anseios das pessoas
ditas “normais”, entendidas como produtivas se vistas pela ótica da lógica do
capitalismo, é um dos fatores que acentuam a segregação e a exclusão do grupo na
cidade. A alta taxa de analfabetismo, a baixa renda, a baixa ocupação em escolas ou em
ambientes de trabalho, a concentração destes em áreas periféricas, etc., apontam para
tal afirmativa. Outro ponto desse circuito que deve ser apontado, é a ineficiências das
políticas públicas vigentes e/ou mesmo da atuação ineficiente da administração pública
municipal, visto que ao longo dos anos as problemáticas aqui discutidas só se acentuam.
5 CONCLUSÃO
Em decorrência da supervalorização da capacidade física, sensorial e cognitiva,
pessoas deficientes sofrem com a eliminação, exclusão, e muitas formas de segregação
como prova de preconceito e desvalorização de suas vidas (Maior, 2017).
E, para a discussão da exclusão social sofrida pelo grupo nos diferentes
contextos sociais, aproxima-se da concepção do modelo social da deficiência, a qual
afirma que a exclusão dessa minoria não é resultado de suas limitações físicas-mentais,
e sim da falta de amparo dos setores sociais, visto que a deficiência é uma questão da
esfera pública.
Outro ponto relevante é, o uso do espaço urbano é definido antes pelo fator
“renda”, o que responde aos indicadores de segregação urbana através dos resultados
obtidos. Afinal, quem possui renda mais alta, possui mais chance de se utilizar de bens
públicos e oportunidades dispostas na cidade sem maiores desafios, sabendo que a
cidade se edifica de modo a priorizar a população capaz de servir e de consumir a cidade
sob valor de troca. Esse processo evidencia a necessidade do avanço das políticas
urbanas, de maneira que as pessoas possam experimentar da cidade livremente com
base nos princípios da dignidade humana.
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Contudo, este estudo pensa a socialização de informações, de modo a expor as
problemáticas para reconhecimento dessa demanda societária, almejando com isso
contribuir com a administração pública municipal acerca de melhorias sociais com base
nos princípios de justiça, equidade e dignidade. E ainda possibilitar futuras pesquisas
sobre o tema na cidade de Manaus.
REFERÊNCIAS
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MAIOR, I. História, conceito e tipos de deficiência. Disponível em < http://violenciaedeficiencia.sedpcd.sp.gov.br/pdf/textosApoio/Texto1.pdf >. NONATO, D. N. Acessibilidade Arquitetônica como Direito Humano das Pessoas com Deficiência. Orbis Revista Científica, v. 2, p. 138-164, 2011. PIRES, F. L. Deficiência e mobilidade: uma análise da legislação brasileira sobre gratuidade no transporte público. Textos & Contextos (Porto Alegre), v. 8, p. 391-408, 2009. RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE A DEFICIÊNCIA / World Health Organization, The World Bank; tradução Lexicus Serviços Lingüísticos. - São Paulo: SEDPcD, 2012. SMTU - Superintendência Municipal de Transportes Urbanos – IMMU – Instituto Municipal de Mobilidade Urbana, Manaus-AM. jan.de 2016/2018. SOUZA, J. C. Estudo sobre a gratuidade de serviços de transporte público urbano para pessoas lúpicas em Manaus. 2017. 107 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) - Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2017. O POVO. Dados do DPVAT mostram que homens se envolvem em mais acidentes de trânsito do que as mulheres, 12/07/2018. Disponível em: https://www.opovo.com.br/brasil/2018/07/dados-do-seguro-dpvat-mostram-que-homens-se-envolvem-em-mais-acidentes.html
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EIXO TEMÁTICO 10 | QUESTÃO AGRÁRIA, URBANA E AMBIENTAL
MOVIMENTOS CONTRA HEGEMÔNICOS AO CAPITALISMO
RURAL: aspectos sócio produtivos do assentamento Arizona I, Vale do Sambito - PI
MOVEMENTS AGAINST HEGEMONICS TO RURAL CAPITALISM: socio-productive
aspects of the Arizona I settlement, Vale do Sambito – PI
Francisco Eduardo de Oliveira Cunha1 Camila Maria de Sousa2
RESUMO A pobreza do estado do Piauí apresenta-se, sobretudo em sua realidade agrária, engessada desde a metade do século passado. Boa parcela da sua população intenta meios de sair da pobreza enquanto subsiste a ela. No espaço agrário, movimentos populares têm objetivado a conquista da terra a fim de saírem da inópia a qual estão inseridos por meio da ansiada reforma agrária. Diante do exposto, o referido trabalho buscou de forma descritiva analisar a estrutura sócio produtiva do assentamento Arizona I, abordando suas convergências para a superação do pauperismo e a mitigação do êxodo rural. Utilizou-se como metodologia a análise de Diagnóstico de Sistemas Agrários (DSA). Por fim, foi possível concluir que, embora se verifiquem alternativas sócio produtivas que sinalizem para uma pretensa superação da pobreza, observa-se ainda um grande distanciamento dessa utopia, buscada por vias da reforma agrária. Palavras-Chaves: Socioeconomias Alternativas. Pobreza Rural. Desenvolvimento Rural. ABSTRACT The poverty of the state of Piaui presents itself, especially in its agrarian reality, cast since the middle of the last century. Much of its population is looking for ways out of poverty while subsisting. In the agrarian space, popular movements have been aiming to conquer the
1 Professor do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Piauí – UFPI. E-mail: [email protected]. 2 Pesquisadora egressa do curso de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Piauí – UFPI. E-mail: [email protected].
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land in order to leave the inopy to which they are inserted through the longed for agrarian reform. Given the above, this work descriptively sought to analyze the socio-productive structure of the Arizona I settlement, addressing their convergence to overcome pauperism and mitigate rural exodus. The methodology used was the analysis of Agricultural Systems Diagnosis (DAS). Finally, it was concluded that, although there are socio-productive alternatives that signal a supposed overcoming of poverty, there is still a great distance from this utopia, possibly conquered by agrarian reform. Keywords: Socioeconomic Alternatives. Rural Poverty. Rural Development.
INTRODUÇÃO A tentativa de melhoria das condições de vida das populações, sobretudo as
rurais, tem sido um desafio comum entre diversos países em desenvolvimento e a
questão agrária se insere nesse desafio. Durante as décadas de 1950 e 1960 surgiram
movimentos sociais no Brasil, principalmente nos espaços agrários, desencadeados por
insatisfações tanto no campo social quanto no econômico. Uma grande expressão
desses movimentos foram as Ligas Camponesas, as quais verbalizavam a luta pela
reforma agrária efetiva, mas que teriam suas vozes abortadas pela repressão do governo
corrente na ocasião do golpe militar de 1964.
Em paralelo, eclode ainda na década de 1950 um reclame para o problema da
fome em proporções mundiais (FAO, 2016). Nessa questão, Castro (1982) defendia que
o desenvolvimento e reforma agrária fossem elos de uma mesma corrente, logo que não
poderiam ser pensados separadamente. Conforme o autor, somente por vias de uma
reforma agrária seria possível inocular na economia rural os embriões do progresso e do
desenvolvimento representados pelos instrumentos técnicos de produção, pelos
recursos financeiros e pela garantia de um justo rendimento das atividades agrárias,
numa perspectiva de superação da pobreza e da fome.
Entretanto, ao longo da entre décadas de 1960 a 1980, o que se viu foi o agravo
da situação para o pequeno agricultor com a implementação da modernização agrícola
seletiva, fato que deu força ao intensivo aumento do êxodo rural neste período. Com tal
constatação evidencia-se, portanto, que a questão agrária brasileira possui um histórico
de pouca atenção do governo ao longo dos anos, sobretudo quando pensada para os
pequenos.
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Encetando para uma contextualização recente do nosso estado Piauí, em
consonância com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA, 2019)
existiam contabilizados 499 assentamentos e 31.169 famílias beneficiadas por
programas de reforma agrária até o ano de 2017. Além disso, nesse mesmo ano o Piauí
atingiu lugar de destaque obtendo o 11º lugar dentre as 30 superintendências regionais
existentes no Brasil, no recebimento de Títulos de Domínio3, ao qual em 2018 o estado
já figurava entre os cinco primeiros. Com efeito, a referida titulação atesta o
desenvolvimento produtivo observado dentro dos assentamentos que receberam
recursos por meio do Crédito Instalação4 e do Programa de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (Pronaf A)5.
Admitindo-se que a reforma agrária e fundiária busca democratizar o acesso a
terra para viabilizar desenvolvimento rural atrelado à superação da pobreza, justifica-se
analisar a estrutura sócio produtiva dos assentamentos de nosso estado.
Com isso, a referida pesquisa se propôs a investigar as experiências produtivas
no território do Vale do Sambito no Piauí, especificamente o assentamento Arizona I, na
perspectiva de se verificar o quanto a relação ser humano – campo – pobreza tem sido
enfrentada pelos sujeitos rurais, observando as interações destes sobre a economia
local, defronte as necessidades de alternativas tecnológicas convenientes às realidades
socioeconômicas em seus espaços sócio produtivos.
2 SOCIOECONOMIAS ALTERNATIVAS EM ÁREAS RURAIS: movimentos contra hegemônicos ao capitalismo rural
Visto que a referida pesquisa se atenta para análise da forma organizacional da
agricultura familiar em áreas de assentamento, é plausível o emprego do estudo de
caso, onde por meio deste se ensejou para uma análise estrutural local de como se dão
as formas de produção, de sociabilização e de manifestação política, verificadas entre
os moradores da região objeto de estudo, bem como seus sucessos ou infortúnios. Para
tanto a metodologia de Diagnóstico de Sistemas Agrários (DSA) do INCRA foi utilizada
3 Título de Domínio (TD) é o instrumento que transfere o imóvel rural ao beneficiário da reforma agrária em caráter definitivo, assegurado pela Lei 8.629/93. 4 Consiste no provimento de recursos financeiros, sob a forma de concessão de crédito, aos beneficiários da reforma agrária (INCRA, 2019). 5 Financiamento de projetos individuais ou coletivos, que gerem renda aos agricultores familiares e assentados da reforma agrária.
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no intuito de se buscar identificar e descrever práticas sócio produtivas e com base em
seu modelo de amostragem analisar a expressividade da diversidade dos fenômenos
mais importantes dentre os observados.
As principais fontes documentais para a análise empírica foram colhidas a partir
do INCRA Nacional e Superintendência Regional no Piauí (SR 24), demais instituições tais
como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, Fundação Centro de
Pesquisas Econômicas e Sociais do Piauí - CEPRO, Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária - EMBRAPA, Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA, Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA, bem como, na associação de moradores
do assentamento objeto de estudo, Arizona I.
A população da amostra foi tomada conforme os dados disponibilizados pelo
INCRA (2019), dentre os 15 municípios do Vale do Sambito. A economia da região
concentra-se nas atividades de apicultura, artesanato, ovino-caprinocultura, turismo,
castanha de caju, hortifruticultura, cerâmica, mandioca, agroindústria de
beneficiamento de frutas, cana-de-açúcar, piscicultura, entre outras (CODEVASF, 2006).
No Vale do Sambito são reconhecidos 10 assentamentos com 597 famílias, conforme
dados atualizados até 2017. A análise se limitou ao Assentamento Arizona I, localizado
no município de Lagoa do Sítio.
Conforme o IBGE (2019), o referido município possui uma extensão territorial de
804,698 km² (que representa a maior extensão em hectares dos assentamentos
ocupando 59% de todo o território do Vale do Sambito), em 2010 a população era de
4.850 (o 2º em maior número de famílias assentadas), cujas 3.127 pessoas,
aproximadamente 65% da população eram residentes rurais.
O assentamento iniciou-se com 13 famílias que não possuíam terra alguma e
trabalhavam no regime de meia, passando extremas dificuldades e grande pobreza. Na
ânsia por melhorias de suas vidas em terras próprias, cada família fora contemplada com
aproximados 33 hectares, chegando a 104 famílias em 2017. Conforme os relatos orais,
o processo de desapropriação de terras para o assentamento iniciou-se através do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Valença, viabilizado pelo INCRA seção regional.
Partindo para a análise, torna-se importante se amparar em Silva e Araújo (2008)
quanto à importância da introdução da técnica nos assentamentos. Entretanto, é
razoável admitir que a técnica recebida pelos assentados é costumeiramente precária.
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A partir da realidade observada nos assentados do Arizona I, podem-se evidenciar as
afirmativas dos autores à necessidade de além da inserção, a manutenção e renovação
no ensino técnico para os assentados, bem como aos futuros assentados, visando uma
total contemplação dos beneficiários de desapropriações, para assim tornarem-se aptos
a se desenvolverem de forma produtiva e vantajosa no meio aos quais estão inseridos.
Os assentados se veem condicionados à produção sazonal, limitando-se ao
período chuvoso que dura em média três meses a cada ano. Neste período plantam-se
milho, feijão, mandioca, fava, dentre outras culturas, que se diversificam conforme cada
agricultor. No decorrer do ano, alguns deles realizam outras atividades tais como a
avicultura, a pecuária, a apicultura, a fabricação de sabão, entre outras. Observa-se,
portanto, em tais práticas a necessidade de complementação da renda, instigando os
sujeitos do assentamento a usarem de forma produtiva o tempo hábil que dispõem,
desviando-se, assim, de suas principais culturas em virtude das condições climáticas
locais.
No Gráfico 01 estão apresentadas as atividades de maiores percentis
participativos no rol de entrevistados. Depreende-se que 92% destes praticam a
agricultura, que ganha destaque como principal atividade fonte de sobrevivência e de
renda não monetária (a não ser que haja a venda da produção). A segunda atividade
mais praticada pelos assentados é a avicultura. Ambas as atividades possuem um caráter
de hereditariedade, além das condições favoráveis para serem realizadas, uma vez que
o custo com grãos para agricultura e criação de pintos, são menores em relação ao custo
para com a pecuária, a suinocultura, a apicultura e a ovinocultura.
Fonte: Elaboração própria
92,30%
42,30%34,61%
19,23% 15,38%7,69% 7,69%
Agricultura Avicultura Pecuária Horti/Fruticultura Suinicultura Apicultura Ovinocultura
Gráfico 1: Principais atividades produtivas do assentamento Arizona I
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As técnicas para realizar as atividades de apicultura e fabricação de sabão foram
inseridas no assentamento através de cursos de capacitação do SEBRAE com apoio do
Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Piauí (EMATER/PI) e da
Central de Cooperativas Apícolas do Semiárido Brasileiro (CASA APIS) da cidade de Picos-
PI. Cursos tais que, de forma praticamente unânime, foram reconhecidos como
necessários (e escassos) no assentamento, revelando aqui o quão a ausência da técnica
é sentida e que, quando inseridas são grandemente benéficas aos assentados.
De todo modo, a técnica os fez capazes de aumentar o leque das suas produções.
A introdução da apicultura no assentamento, por exemplo, foi apontada pelos
assentados como um exponencial nas atividades produtivas pela alta rentabilidade do
produto. Entretanto julgam, a exemplo, a atividade de horti-fruticultura que, ainda que
tenham custos consideravelmente baixos para realizar sua produção, demandam
técnicas de manejo e plantio bastante escassas em termos de profissionais disponíveis.
No período de 2004 a 2007, a Emater proporcionou apoio técnico aos
assentados, no entanto, foram poucos os cursos de capacitação empreendidos no
assentamento. Com efeito, as famílias que residiam na época puderam ser
contempladas em detrimento das que adentraram no assentamento, a posteriori. Dos
assentados entrevistados, 80,76% declararam a necessidade e importância do apoio
técnico frequente para a melhoria de seus desempenhos produtivos.
Outro aspecto analisado se deu quanto à preservação do meio ambiente. Dos
respondentes, uma parcela quase não considerável manifestou fazer uso de
agrotóxicos. Outra parte faz uso da técnica de “cama morta”6 adquirida por cursos
realizados no assentamento pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas (SEBRAE). Parte dos assentados reconhece a necessidade de mais
capacitações e práticas com vistas e promover menores agressões à natureza.
Para a realização das atividades, os assentados contam com projetos de
financiamentos tais como o Pronaf, Fomento Mulher, Custeio, Estiagem e Semiárido. Em
2004 passaram a participar do Pronaf, onde o crédito individual familiar inicial foi de R$
21.000,00, depois de R$ 22.0000,00, chegando ao valor de R$ 26.000,00 no ano de 2018.
6 Técnica de uso das sobras das plantações após a colheita, as palhas e folhas de tudo que foi plantado é deixado no solo para o proteger, não colocam fogo e nem animais para comer (informação verbal).
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Gráfico 2: Participação em projetos de financiamentos no assentamento Arizona I
Fonte: Elaboração própria
Entretanto, como pode ser observado no Gráfico 02, nem todas as famílias
participam de programas de financiamento, onde tem-se que 38,46% dos questionados
não participam de financiamentos.
Muitos resistem sem condições financeiras até mesmo para expandir a terra com
a derrubada de árvores ou mesmo para ará-la com trator, devido ao custo por hora
cobrado para o uso. Por outro lado, há aqueles que conseguiram administrar os recursos
que lhes foram providos, por meio dos programas fomentos, e dentre outras ações
puderam expandir suas produções para além do consumo próprio, gerando excedentes
para revenda. Alguns destes possuem instalações como galpão para armazenar a
produção, transportes e são estes os donos dos tratores que os outros assentados
contratam para arar a terra para o plantio. De todo modo, houve consonância ao
relataram a necessidade de mais crédito, no intuito de melhor desenvolver suas
produções.
Quanto ao maquinário que os assentados dispõem para as atividades de
produção, todos possuem a matraca, uma máquina de auxílio à produção manual,
exceto os já citados donos dos tratores, no caso 7% dos entrevistados. No assentamento
não se observou nenhum instrumento ou máquina de propriedade/uso coletivo.
Realizam suas produções de formas individuais em suas terras e com seus respectivos
instrumentos próprios, salvo quando contratam de outros membros e até de fora do
assentamento.
No assentamento, a questão da pluriatividade das culturas acaba sendo um meio
para resistir à pobreza e a carência de tecnologia. Reitera-se que as atividades realizadas
46,15%
38,46%34,61%
7,69%3,84% 3,84%
Pronaf Nenhum Fomento mulher Custeio Estiagem Semi-árido
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Gráfico 3: Destinos principais da produção dos assentados
neste espaço sócio produtivo são fontes principais de subsistência, haja vista que, 100%
dos entrevistados declaram que consumem o que produzem, conforme Gráfico 03.
Fonte: Elaboração própria
Em Arizona I, nem todos conseguem produzir excedentes para revenda. Aqueles
que por sua vez conseguem produzir excedentes têm como principal destinação de
escoamento as feiras livres, representando 30,76% dos entrevistados. Outra alternativa,
embora de pouca expressão, é a venda direta ao governo municipal e ainda, aqueles
que possuem contatos com atravessadores, geralmente produção de mel ou algum tipo
de carne de suas criações.
Além da produção do assentamento, metade dos entrevistados possui
aposentadoria. Importante atentar para esse dado que, boa parte das famílias
questionadas é composta por duas ou três pessoas (53,84%) e em sua maioria são casais
que possuem mais que 50 anos de idade. 7% dos entrevistados possuem empregos fora
do assentamento e nenhum participante da amostra possui qualquer outro tipo de
renda. Com base na explanação sobre como provém o sustento dos assentados, 42,3%
dos assentados se declararam com uma renda de ao menos um salário-mínimo,
conforme observado no Gráfico 04:
Fonte: Elaboração própria
100%
30,76%
7,69%
Consumo próprio Vendas livres Atravessador
23,07%
15,38%
42,30%
23,07%
Inferior a meio salário
mínimo
Meio salário mínimo Um salário mínimo Mais que um salário
mínimo
Gráfico 4: Total de renda monetário dos assentados com base no salário-mínimo
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Acerca da renda, não se faz redundante reiterar que 50% dos assentados são
aposentados e estes estão presentes nos grupos de um salário-mínimo ou mais que um,
então, a maior parte dos assentados que vivem somente do assentamento auferem em
média uma renda de até meio salário-mínimo, mostrando o quanto o ganho econômico
do assentamento se repousa em sua dimensão não monetária.
O assentamento fez daqueles sujeitos donos de suas terras e moradias, provendo
condições básicas (e mínimas) de sobrevivência, possibilitando o acesso à água, luz e a
alimentação daquilo que cultivam, ainda que se reconheçam grandes dificuldades
nestes acessos. Conforme a Fundação CEPRO (2007), a região do Vale do Sambito possui
alto potencial hídrico. Entretanto, são inúmeras as problemáticas com as quais os
assentados de forma geral lidam diariamente, sobretudo quanto à viabilidade de
recursos hídricos para o provimento de suas atividades, hegemonicamente verificada na
agricultura.
Quanto ao êxodo rural, com a implementação do assentamento se verificou
diminuição considerável, mas observadas em determinadas faixas etárias. A população
adulta de 35 a 40 anos depois de inseridos no assentamento, deixaram de se deslocar
para outras regiões em busca de emprego. Todavia, a população jovem, considerando o
público inferior aos 35 anos de idade, continuam se deslocando para outras localidades
do país, buscando oportunidades para adquirirem uma melhor renda, dada a
inexistência de meios ou políticas para inserção direta desse público no assentamento,
de forma produtiva e rentável.
No início do assentamento, o INCRA também promoveu meios de instruir os
assentados a criarem o senso de coletivismo. Embora os assentados atestem ter
desenvolvido um bom inter-relacionamento entre os moradores, reconhecem que do
ponto de vista produtivo, não atingiram uma vivência/experiência coletiva esperada.
Todavia, 100% dos entrevistados disseram que possuem interesses em cursos, bem
como receber instruções acerca de como se organizarem nos ideais da economia
solidária. De todo modo, a FETAG e o Colégio Paulo de Tasso promoveram momentos
de intercâmbio entre os assentados com diferentes assentamentos de outras cidades,
para que trocassem experiências, sobretudo nos moldes de produções cooperadas,
coletivas.
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Contemplado o exposto, de notável relevância é a participação da mulher no
assentamento. Iniciando do fato de que a presidência do assentamento é realizada por
uma mulher, posto isto, 73,07 % dos questionários aplicados foram respondidos por
mulheres, denotando a forte inserção delas em toda atividade produtiva, desde o
plantio ao consumo ou revenda, e também na parte do recebimento e administração
dos recursos do financiamento.
Dentre as potencialidades e limites do assentamento, 46,15 % dos respondentes
disseram ser necessário aumentar a área utilizada para suas produções e 96,15 %
respondeu que é necessário o aumento o crédito para tanto. Já 57,69 % afirmaram que
precisam diversificar mais ainda as atividades produtivas como uma forma de
aumentarem suas rendas e atém mesmo para garantir uma diversificação na cesta de
alimentos do autoconsumo. Ademais, um total de 84,61 % dos assentados manifestou
anseio de que suas produções fossem comercializadas diretamente com o comprador,
logo que houvesse mais parcerias ou políticas que facilitassem para o despacho direto
da mercadoria.
Quanto ao acesso à saúde, os moradores se mostram satisfeitos, uma vez que
são atendidos por um posto de saúde dentro do assentamento oferecendo, sobretudo
acompanhamento especializado às gestantes, crianças e população mais idosa. Logo
consideram ter avançado em melhorias de qualidade e de expectativa de vida.
Outrossim, a partir da instituição do Arizona I, muitos adultos tiveram a
oportunidade de estudar e tornarem-se alfabetizados, através do programa de
Educação para Jovens e Adultos – EJA. Atualmente encontra-se em processo de
construção uma escola de grande porte dentro do assentamento para que se tenha
garantia do ensino médio aos jovens dentro dos seus espaços. Ademais, considerável
parte dos assentados reconhece que o processo de alfabetização teve impacto relevante
no processo de melhor conscientização e envolvimento político dos sujeitos na luta por
direitos e melhorias para o Arizona I.
Por fim, os sujeitos entrevistados nessa pesquisa foram unânimes em apontar
que após a implementação do assentamento Arizona I, embora muitas dificuldades
ainda sejam verificadas, a pobreza diminuiu de forma latente, ao passo que os permitiu
se desvencilhar de sistemas de trabalho opressores, injustos e precários, aos quais parte
eram submetidos.
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3 CONCLUSÃO
A análise da estrutura sócio produtiva do assentamento Arizona I feita dentro da
perspectiva da pobreza rural, consubstanciou-nos da realidade vigente aos assentados,
denotando grande expressividade e discernimento quanto aos limites e potencialidades
que emergem em meio as suas realidades.
A respeito da agricultura familiar, tenciona-se como meio possível de estilo de
atividade a ser praticada no campo brasileiro, sendo voltada ao pequeno produtor. Com
a pesquisa se reiterou acerca da importância de instituições de apoio e de
fortalecimento da agricultura familiar, como o INCRA, a EMATER e demais instituições e
projetos, sobretudo de financiamentos populares. Todavia, o que se pode contemplar
na realidade dos assentados foi a não constância desses projetos, dentre alguns pontos,
o fornecimento de técnica, a qual figura o protagonismo da impulsão para a
diversificação das atividades e/ou aprimoramento das vigentes, o que empiricamente
substancia o meio de melhora direta de produtividade e consequente, de ganhos
econômico dos assentados.
De todo modo, não há apontamentos reais para um caminho de
desenvolvimento rural robusto, de forma apreciável, nem mesmo políticas que
promovam mobilizações para que a própria subsistência possa ser atendida de forma
adequada as necessidades dos assentados no meio rural. O que se constata de forma
substancial é ainda a disparidade do número de experiências individuais exitosas, frente
aquelas com desempenhos econômicos raquíticos, embora se reconheça que estas
contribuam para a diminuição da pobreza e do êxodo.
Por meio da pesquisa de campo, pôde-se ainda entender como a realidade dos
assentados de todo modo os proporcionou sair da situação de extrema pobreza em que
se encontravam, possuindo agora moradias, banheiros de uso privativo, terras próprias,
auto sustento, mitigação da fome e poderem gerir suas vidas e suas formas de como e
quanto produzir, de acordo com suas particularidades, ou seja, livres de serem
submetidos a cumprir horários e controles do capital, bem como livres da apropriação
injusta de parte das riquezas por eles produzidas.
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Outrossim, a análise dos dados obtidos em campo corporificou a anuência do
baixo conhecimento técnico dos assentados, o qual torna-se um ponto negativo na
abrangência da produção e diversificação das atividades produtivas, o que seria
exatamente conforme a hipótese dessa pesquisa um ponto para redução da pobreza.
Confirma-se desta forma a presente hipótese, pois quando há inserção de outras formas
de produzir por meio da pluriatividade que advém com a técnica, melhora-se a condição
de vida dos assentados, reduzindo a inópia nos espaços rurais.
Visto que os assentados aprenderam particularmente a técnica produtiva da
apicultura e da produção de sabão, tiveram considerável melhora em suas rendas, a
questão da diversificação do leque de produção além de proporcionar a revenda do
excedente, promove uma maior variedade de produtos para serem usados no sustento,
por vezes, além de garantir propriamente a alimentação por meio do que produzem.
Uma outra questão que a presente pesquisa tentou investigar repousa na análise
da dinâmica da estrutura sócio produtiva do assentamento, na perspectiva de se
perceber o quanto ela corrobora para o intento de superação da pobreza e permanência
das famílias assentadas em áreas rurais do Piauí. Com efeito, a pesquisa nos permitiu
depreender que os assentados do Arizona I reconheceram que houve diminuição da
pobreza em suas vidas a partir do assentamento e que somente deixou-se de praticar o
êxodo rural a população que está contemplada na faixa etária a partir dos 35 anos de
idade. O êxodo rural não diminuiu na população jovem, abaixo dos 35 anos, atestando
que a hipótese trazida pela presenta pesquisa se verificou parcialmente.
Por fim, neste esforço científico, buscou-se contribuir com a multiplicação de
estudos que possam conjugar papéis de alterações da realidade dos assentados, bem
como a população rural e pobre. Considerando ainda que a nossa Constituição federal,
em suas cláusulas pétreas, resguardam-nos direitos que dignificam o viver dos cidadãos
brasileiros, ainda que de forma primária, anseia-se com esta pesquisa contribuir no
debate acerca da importância da reforma agrária e sua íntima relação para com o
compromisso do cumprimento destes direitos humanos constitucionais, visando à
justiça social nas camadas de base, suplantando quiçá um futuro em que a superação
da pobreza não seja um anseio utópico.
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REFERÊNCIAS
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EIXO TEMÁTICO 10 | QUESTÃO AGRÁRIA, URBANA E AMBIENTAL
A FALTA DE MORADIA E SUAS IMPLICAÇÕES NA PANDEMIA DO NOVO CORONAVÍRUS
LACK OF HOUSING AND ITS IMPLICATIONS IN THE NEW CORONAVIRUS PANDEMIC
Maria Izaura de Sousa Evengelista1
RESUMO Neste artigo, trataremos do estudo da falta de moradia e suas implicações para as pessoas que vivem em situação de rua no atual cenário de pandemia da COVID-19, destacando sobre as novas prerrogativas do direito a moradia. Por fim, identificaremos os principais fatores que levaram essas pessoas a morarem nas ruas. Trata-se de estudo cujo procedimento técnico utilizado consistirá em pesquisa bibliográfica, artigos, legislação, textos da internet etc. Assim, visando um maior aprofundamento e o conhecimento das diferentes formas de contribuição científica sobre o assunto. Palavras-Chaves: Política Urbana; Moradores de Rua; Direito à Moradia.
ABSTRACT In this article, we will address the study of homelessness and its implications for people living on the streets in the current pandemic scenario of COVID-19, highlighting the new prerogatives of the right to housing. Finally, we will identify the main factors that led these people to live on the streets. This is a study whose technical procedure used will consist of bibliographic research, articles, legislation, texts on the Internet, etc. Thus, aiming at a greater depth and knowledge of the different forms of scientific contribution on the subject. Keywords: Urban Policy; Homeless; Right to Housing.
INTRODUÇÃO
O presente estudo trata-se de uma pesquisa bibliográfica, inicialmente aborda-
se, sobre a falta de moradia e suas implicações, em seguida faremos uma abordagem
1Estudante de Pós Graduação. Universidade Estadual do Piauí: [email protected].
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sobre o marco legal e as novas prerrogativas do direito a moradia. E por fim,
identificaremos os principais fatores que levaram essas pessoas a morarem na rua.
As chamadas “pessoas em situação de rua” se referem a um grupo bastante
heterogêneo e complexo, que expressa uma faceta da questão social multifatorial
(desemprego, conflitos familiares, violência doméstica e/ou na comunidade, uso
abusivo de substâncias psicoativas, entre outros). O novo coronavírus-(Covid-19) atinge
bruscamente, sobretudo, esta população, que sobrevive em precaríssimas condições de
existência e a maioria estão inseridas no mercado informal de trabalho, como
catadores/as de recicláveis, vendedor/ambulantes.
A vida das pessoas que vivem em situação de rua é uma busca constante por
sobrevivência, atualmente há 13,5 milhões de brasileiros que vivem em situações
precárias de habitação, sem acesso a rede de água potável, ou seja, pessoas vivendo
abaixo da linha extrema da pobreza. Como cobrar isolamento social dessas pessoas que
não tem sequer uma casa para morar? Temos uma população que está imersa no
desemprego, na informalidade o que coloca uma série de condicionalidades e desafios
para essa população que vive nas ruas onde para muitos eles são designados como os
“invisíveis” dentro da sociedade.
Viver no meio não é um problema novo. Se não é tão antigo quanto à própria
existência das ruas, da vida urbana, remota, pelo menos, ao renascimento das cidades,
no início do capitalismo. A existência de órgãos de miseráveis nas cidades pré-
industriais- e mesmo após a Revolução Industrial- chamou a atenção de pensadores e
de romancistas. Influenciou Charles Dickens e Victor Hugo, na literatura, e Marx e
Engels, no pensamento político.
As desiguais ocupações do território indicam um problema ocorrido desde o
início do capitalismo, trazido junto ao advento da industrialização. Neste sentido, o
desenvolvimento da política de habitação foi de suma importância para atendimento
das demandas referentes à moradia.
Logo em seguida, discutiremos o marco legal e as novas prerrogativas do direito
à moradia destacando algumas prerrogativas que se fizeram presente até a
promulgação da Constituição Federal de 1988, onde a moradia passou a ser considerado
um direito social.
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Por fim, identificaremos os principais fatores que contribuíram para a vida nas
ruas. A respectiva situação financeira se dá por meio da globalização, das mudanças no
sistema econômico onde o mercado de trabalho exige cada vez mais um trabalhador
capacitado.
A população de rua, por sua vez, constitui um segmento social que expressa uma
situação limite de pobreza, por mais diferente que seja a conceituação desenvolvida.
Neste sentido, o morador de rua tem seu lugar social demarcado, sendo estigmatizado
pela sociedade.
2 PROCESSO HISTÓRICO DA POLÍTICA URBANA NO BRASIL E A FALTA DE MORADIA
Pensar a moradia como uma questão social e objeto de intervenção estatal, é
preciso ter como referência a sua inserção numa conjuntura social específica e entender
a correlação de forças que se estabelecem entre Estado e sociedade civil, seu contexto
econômico, social e político, pois é no contexto da sociedade capitalista que a moradia
se transforma num problema social.
Durante o processo histórico da civilização, a sociedade tem se organizado
conforme os meios materiais de produção, ou seja, de acordo com as possibilidades
concretas de existência, que definem o modo objetivo e subjetivo de produzir a vida em
todos os aspectos. No modo de produção capitalista, o capital invade as relações sociais
a ponto de definir como a sociedade deve se organizar, produzir e se reproduzir.
É no interior do capitalismo que as relações de exploração se intensificam e que
distinguem os que detêm ou não os meios de produção, o poder. No entanto, para
entender esse processo de intensificação da exploração capitalista e que, hoje, incidem
nas reconfigurações do espaço urbano, é necessário pontuar algumas transformações
ocorridas, principalmente no Brasil, de início no campo.
Tendo em vista que, as mudanças ocorridas no campo no final do século XIX,
principalmente em relação às migrações forçadas do campesinato para a cidade é o
ponto de partida dos estudos de Marx e Engels. De acordo com o pensamento marxista,
o desenvolvimento do capitalismo revolucionou primeiramente o campo, pois com o
surgimento de uma nova classe, formada por nobres e burgueses, arrendavam terras de
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senhores aristocratas, aos quais pagavam renda em forma de aluguel e empregavam
trabalhadores sem-terra para trabalhar nela e obterem lucro (LINHARES; SILVA, 1999).
Essas transformações colocaram o trabalhador do campo, que tinha a terra como
um dos meios de produção, a se afastarem, gradualmente, do processo produtivo, até
então se tornar um trabalhador sem-terra a serviço da nova classe burguesa emergente.
Esse processo sócio-histórico, descrito por Marx, geram duas premissas: de um lado o
trabalho assalariado, e do outro mais grave, a separação do trabalhador livre dos meios
e instrumentos de produção, inclusive a própria terra.
Os centros urbanos geraram a ideologia da modernização que colocava as
cidades industrializadas como centro do poder econômico, político e cultural. As
transformações políticas, econômicas e sociais no processo histórico do capitalismo
podem ser visualizadas no século XIX, centraliza a sociedade capitalista e suas formas de
organização num contexto de conflitos entre classe trabalhadora e a burguesia. O
capitalismo, pois, “é um sistema socioeconômico em que os meios de produção são
propriedades privadas de uma classe social em contraposição à outra classe de
trabalhadores não proprietários” (SINGER, 1987). As sociedades capitalistas, construídas
em cada época da história, são reflexos do sistema capitalista.
Segundo Barszty (2000, p.65):
Fenômenos crescentemente presentes nas grandes cidades de todo mundo, os moradores de rua são também encontrados no meio urbano brasileiro. A reação do poder público é variada: vai da omissão à repressão, passando por episódios de caridade. Não há, na prática, como impedir um sem casa de estar nas ruas: pode não ser permitido permanecer em determinado local, mas em algum lugar se instalará, mesmo que provisoriamente. Já não são mais os velhos mendigos, os squatters dos países mais ricos, clochards, hippies e tantos outros típicos personagens do meio da rua. Agora, são todos esses e mais um grande número de outras categorias de moradores de rua.
Bastos (2000) “afirma que em geral utilizamos a expressão “população de rua”
ou “morador (a) de rua” para denominar um contingente de homens, mulheres e
crianças, famílias inteiras que sobrevivem em situação de rua. No senso comum as
pessoas que se encontram nessa situação costumam ser identificadas como mendigos.
Convém lembrar, entretanto, que o termo mendigo foi abolido do vocabulário das
pessoas e entidades que se comprometem como os que vivem nas ruas da cidade. Os
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agentes da pastoral da costumam designar essa população que vive na e da rua como
povo de rua, e a reconhece como povo de Deus.
Com isso, a moradia não pode ser reduzida a um simples objeto físico com quatro
paredes, mas vão além de um espaço frequentado por pessoas, grupos, ela faz parte do
cotidiano da vida das pessoas. Sendo assim, teremos no próximo ponto a discussão
sobre as Novas Prerrogativas do Direito à Moradia.
3 AS NOVAS PRERROGATIVAS DO DIREITO À MORADIA
A política de habitação de interesse social no Brasil deve ser entendida na inter-
relação com a política urbana, os movimentos sociais, o Estado e o capitalismo. No
entanto, está marcado por descontinuidades, fragmentações e leis que impediram a
garantia do direito à moradia, ao solo urbanizado e a cidade pelos mais pobres. Dessa
forma, essa política expressa a resposta do Estado sobre à resistência da população
demandante de moradia: é resultante de uma relação dialética entre a sociedade e
Estado, em que interesses diferenciados, ou não, se confrontam e produzem influências
mútuas.
O direito a moradia foi uma conquista adquirida no decorrer de lutas e
manifestações, movimentos sociais, entidades governamentais e não governamentais.
Também foram necessários a realização de conferências, fóruns e outros eventos que
trataram sobre a questão urbana, que tinha como líder a Organização das Nações Unidas
(ONU), dentre esses movimentos podemos classificar alguns como sendo os mais
importantes: a Conferência do Meio e Desenvolvimento do Rio de Janeiro-ECO 92; a
Conferência sobre Assentamentos Humanos em Istambul em 1996, conhecida por
Habitat II.
Um dos reflexos que levou a migração da população rural para o meio urbano foi
à falta de moradia e de condições dignas de sobrevivência. Esse problema social que
tem profundas raízes estruturais desde o desenvolvimento das primeiras cidades
brasileiras (porque desde a sua origem, elas foram espaços que se ampliaram de acordo
com as necessidades da população alojados nos pequenos vilarejos que mais tarde
seriam sua origem) até a ampliação e construção de Planos Diretores para ocupação dos
espaços.
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Engels (1979) relata que, a problemática da moradia não é recente, mas sim um
problema social antigo que veio se intensificando no decorrer do tempo, onde o mesmo
atinge de forma semelhante todas as classes sociais oprimidas, porém se agravou
quando começou a atingir outras classes em consequência da aceleração do processo
de industrialização. A questão da moradia torna-se um problema estrutural em
decorrência da produção capitalista, consequentemente pelo fato da desigualdade na
distribuição de renda que causa o aprofundamento da miséria ao lado da expansão da
riqueza.
O direito à Moradia foi alvo de muitas discussões de várias conferências e
encontros internacionais, mas quanto a tornar-se um direito constitucional no Brasil, ela
não representou prioridade na medida em que nas Constituições promulgadas,
anteriores a 1988 (1824, 1891, 1934, 1937, 1946 e 1967) não fora citada, somente foram
mencionadas quanto ao direito à propriedade da terra, isto é, na valorização da
prioridade está subtendido o direito à moradia.
A moradia passou a ser vista como um direito social, somente a partir da
Constituição Federal de 1988,
[...] por meio da Emenda nº 26, de 14 de fevereiro de 2000, ratificada pelo Estatuto da Cidade em 2001, consagra a moradia como um direito social, cujo artigo 6º é do seguinte teor. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a moradia, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma da Constituição (MANNRICH, 2000, p. 5).
A Constituição estabelece ainda, que é dever do Estado, nas suas três esferas,
promover programas de construção de moradias e melhorias das condições
habitacionais e de saneamento básico (artigo 23, inciso IX), o direito a moradia também
faz parte das necessidades básicas dos trabalhadores.
O Brasil, a partir da Constituição Federal de 1988, incorporou os direitos sociais
e passou a defender o direito à moradia digna, expresso enquanto um direito amplo,
que perpassa além das quatro paredes, pressupondo uma vida com qualidade, onde as
necessidades são supridas e respeitadas. Tendo como referência as definições
internacionais e na Carta Magna, o Ministério das Cidades reafirma o compromisso com
a moradia digna conceituando-a da seguinte forma:
Na condição de política pública, o Estado deve apresentar dimensões e escopo que ultrapassem os limites de política de governo, que atua no
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período de vigência do mandato, ou seja, de partidos políticos ou de definições individuais, mas o termo público qualifica a política dando um sentido intrínseco de universalidade e de totalidade, isto é: “[...] política pública que expressa à conversão das demandas e decisões privadas e estatais em decisões e ações públicas que afetam a todos” (PEREIRA, 2009, p. 174).
Para que o Estado não venha se desresponsabilizar de suas obrigações frente à
promoção e proteção do direito à moradia, faz-se necessário que este direito não
dependa única e exclusivamente da consciência e da vontade dos principais
responsáveis pela ordem constitucional, mas sim estruturando em diretrizes e
princípios, que viabilize a intervenção pública.
Portanto, a moradia como está postos na Constituição Federal de 1988, é um
direito do cidadão, no entanto o que se observa é que nem todos conseguem ter acesso
à casa próprio. Diante do exposto faz se necessário destacar os fatores que contribuíram
para a vida nas ruas, como será analisado a seguir.
4 FATORES QUE LEVARAM ESSAS PESSOAS A MORAR NARUA
Com o tempo, algum infortúnio atingiu suas vidas, seja a perda do emprego, seja
o rompimento de algum laço afetivo, fazendo com que aos poucos fossem perdendo a
perspectiva de projeto de vida, passando a utilizar o espaço da rua como sobrevivência
e moradia. Essa realidade é característica do processo de exclusão social que existe no
Brasil neste início de milênio.
A exclusão social, que passamos a conhecer, tem origens econômicas, já
referidas, mas caracteriza-se, também, pela falta de pertencimento social, falta de
perspectivas, dificuldade de acesso à informação e perda de autoestima. Acarretam
consequências na saúde das pessoas, em especial a saúde mental, relaciona-se com o
mundo do tráfico de drogas, relativiza valores e estabelece padrões e perspectivas de
emancipação social muito restrito. (MOTTA, 2005, p.3).
De acordo com Bulla, Mendes, Prates (2004), de uma forma geral, as pessoas em
situação de rua apresentam-se com vestimentas sujas e sapatos surrados, denotando a
pauperização da condição de moradia na rua; no entanto, nos pertences que carregam,
expressam sua individualidade e seu senso estético.
Procurou-se, listar de forma não exaustivas quatro grandes grupos e fatores que
podem contribuir para que esse indivíduo ou família se encontrar numa situação de rua;
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seriam eles: violência, drogas, desemprego, e problema de saúde. Estes fatores podem
ser encontrados isoladamente ou de forma combinada por determinado período de
tempo ou permanentemente. O Jornal Boca de Rua (2000) é produzido por moradores
de rua na cidade de Porto Alegre (RS), orientados por jornalistas, psicólogos e
educadores. É um jornal trimestral que redesenha o horizonte da vida de muitos
moradores de Rua de Porto Alegre. O jornal dá voz ao esquecimento em que se
encontram e compartilham a sua história de vida. Alguns temas que são usados: a rua é
o maior estágio, despejados, profissões-perigo, o inverno é um inferno, drogas,
malabarismo da sobrevivência.
É possível encontrar na rua pessoas que há pouco chegaram às grandes cidades
e ainda não conseguiram emprego ou um local de moradia. Além daqueles que possuem
um trabalho ou subemprego, mas que seu ganho não é suficiente para o sustento então,
não resta outra saída senão a de viver nas ruas.
Diversas são as atividades realizadas por essas pessoas para sobreviver nas ruas
tais como; catadores de resíduos ou de outros trabalhos eventuais, e acabam dormindo
em albergues e abrigos, ou em algum espaço na rua, diante da dificuldade de retorno
para casa nas periferias distantes. Há, ainda, os “andarilhos”, que se deslocam pelos
bairros ou de cidade em cidade, geralmente sozinhos, não se vinculando a nada.
Referem simplesmente que estão “no trecho”. (MOTTA, 2005. P.4).
Entre as ocupações mais corriqueiras da população de rua é a reciclagem de
papel, alumínio e outros resíduos, guardadores de carros, o serviço doméstico e a
construção civil (com suas várias especialidades). Essas profissões, como não são
exercidas com regularidade, não garantem o sustento. Assim, a alternativa de
sobrevivência, muitas vezes, é obtida através de benefícios sociais.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se que, grande parte dos moradores de ruas são vulneráveis, pobres e
que não tiveram oportunidades de estudar tornando-os assim, pessoas muitas vezes
sem perspectivas de vida. As pessoas que vivem nas ruas sofrem todas as formas de
violação de direitos humanos, e para sobreviver utiliza-se, de diferentes estratégias.
Diante do contexto atual da pandemia essas pessoas que são desprovidas de moradia
são as mais vulneráveis e suscetíveis a contaminação pelo novo coronavírus, não basta
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apenas trazer a hashtag fique em casa se ela não vier acompanhada de um debate de
responsabilidade pública sobre isso, é necessário que façamos essa crítica.
Partir do pressuposto que a casa é um lugar seguro e que todos possuem casa
onde esta possibilita a devida proteção entre seus moradores é reproduzir o senso
comum que não coaduna com respostas profissionais qualificadas o que diverge da
verdadeira realidade social, ou seja, é como se a gente abstraísse a realidade e dissesse
para todo mundo “#fique em casa” como se para todas as pessoas isso fosse possível,
em especial a população brasileira.
Essa população ainda é o reflexo de uma sociedade enraizada no processo de
colonização, industrialização do Brasil pelo contexto histórico de desigualdades e
exploração. Para que essa difícil realidade seja modificada é preciso total visibilidade do
Estado, e que ele invista em políticas públicas voltadas a essa população, a fim de
promover inclusão social, e garantir proteção e direitos a essa classe.
REFERÊNCIAS
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EIXO TEMÁTICO 10 | QUESTÃO AGRÁRIA, URBANA E AMBIENTAL
EXISTE CORRELAÇÃO ENTRE POBREZA UNIDIMENSIONAL E DEGRADAÇÃO AMBIENTAL NOS MUNICÍPIOS DO SEMIÁRIDO
BRASILEIRO?
IS THERE A CORRELATION BETWEEN UNIDIMENSIONAL POVERTY AND ENVIRONMENTAL DEGRADATION IN THE MUNICIPALITIES OF THE BRAZILIAN SEMI-
ARID?
Erika Costa Sousa1 Janaildo Soares de Sousa2
RESUMO Os estudos sobre pobreza e degradação ambiental ainda são poucos explorados na literatura, apesar das conclusões já disseminadas por alguns autores de que existe relação entre degradação ambiental e pobreza. Além disso, vale destacar que, embora seja um problema em âmbito mundial, sabe-se que em áreas áridas e semiáridas o efeito é mais preocupante, por causa de seus ecossistemas. Desse modo, o objetivo do presente estudo é analisar se há correlação entre pobreza unidimensional e degradação ambiental nos municípios do semiárido brasileiro. Para tanto, utilizou como procedimento metodológico, a análise de correlação de Pearson. A conclusão mais direta do estudo é que há de fato correlação positiva entre pobreza unidimensional e degradação dos recursos naturais. Palavras-Chaves: Degradação Ambiental. Pobreza Unidimensional. Semiárido.
ABSTRACT The studies on poverty and environmental degradation are still few explored in the literature, despite the conclusions already disseminated by some authors that there is a relationship between environmental degradation and poverty. In addition, it is worth noting that, although it is a global problem, it is known that in arid and semi-arid areas the effect is more worrying, because of its ecosystems. Thus, the objective of the present study is to analyze if there is a correlation
1Bacharela em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Piauí – UFPI. E-mail: [email protected]. 2 Doutorando em Desenvolvimento e Meio Ambiente – Prodema – UFC: E-mail: [email protected].
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between one-dimensional poverty and environmental degradation in the municipalities of the Brazilian semi-arid region. For that, Pearson's correlation analysis was used as methodological procedure. The most direct conclusion of the study is that there is indeed a positive correlation between one-dimensional poverty and degradation of natural resources. Keywords: Environmental degradation. Unidimensional Poverty. Semiarid.
INTRODUÇÃO
A preocupação mundial quanto à preservação dos recursos naturais e ambientais
tem fomentado o desenvolvimento de diversas pesquisas a fim de identificar os
principais determinantes e as principais consequências da degradação ambiental, além
disso, a busca por alternativas para a resolução dos problemas ocasionados pela
degradação (ALIER, 1998; HAYES; NADKARNI, 2001). Uma vez que tal processo ocorre
em diversas áreas geográficas, “em países desenvolvidos e em desenvolvimento, tanto
no meio urbano como no rural, por meio, sobretudo, da pressão de demanda e oferta
que a população exerce sobre os bens e serviços gerados pelo uso dos recursos naturais”
(FINCO; WAQUIL; MATTOS, 2004, p. 250).
Essa preocupação tem sido tem sido pauta e preocupação de formuladores de
políticas públicas, bem como recorrente em reuniões públicas nacionais e
internacionais, visto que essa deterioração dos recursos naturais tem influenciado às
mudanças climáticas do planeta. Embora esse debate de como reduzir os impactos ao
meio ambiente ainda seja algo incipiente na gestão pública, visto que a grande maioria
dos gestores não têm sido omissos na implementação dos instrumentos de gestão para
a redução da degradação (RODRIGUES et al, 2016). Ademais, vale destacar que, embora
seja um problema em âmbito mundial, sabe-se que em áreas áridas e semiáridas o efeito
é mais preocupante, por causa de seus ecossistemas (HADEEL, JABBAR; CHEN, 2011).
Adicionalmente, conforme a Comissão Mundial do Meio Ambiente e
Desenvolvimento - CMND (1987), após o Relatório “Nosso Futuro Comum”, a
degradação ambiental nos países em desenvolvimento tem maior impacto na
deterioração dos recursos naturais e ambientais dos que os países desenvolvidos. A
partir desse contexto, a degradação passou a ser associada ao grau de pobreza da
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população, o que tem motivado a pesquisa de diversos estudos buscando detectar a
existência da relação entre a insuficiência de renda e a degradação do meio ambiente
(MURAD, HASHUM; MUSTAPHA, 2010). Desse modo, a relação de causalidade entre
pobreza e degradação ambiental é uma condição plausível que tem fomentado diversos
pesquisadores das mais variadas áreas, a saber: geografia, sociologia, economia,
desenvolvimento, etc.
Proeminências como esta incita o seguinte questionamento: i) Existe correlação
entre pobreza unidimensional e degradação ambiental nos Municípios do Semiárido
Brasileiro (SAB)? Portanto, o objetivo do estudo é analisar se existe correlação entre
pobreza unidimensional e degradação ambiental nos Municípios do SAB. Para tanto,
adota-se como procedimento metodológico a análise de correlação de Pearson. Os
dados são oriundos do Atlas do Desenvolvimento Humano – divulgados pelo Programa
das Nações Unidas – PNUD e são referentes ao ano de 2010.
O interesse em avançar nessa análise pode ser justificado por alguns motivos, a
saber: (i) não se verificou na literatura internacional e nacional estudos que abordem a
correlação entre pobreza unidimensional e degradação ambiental nos Municípios do
SAB; (ii) por a redução da pobreza e degradação ambiental ter sido integrada como um
das metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – ODS .
2 POBREZA UNIDIMENSIONAL E DEGRADAÇÃO AMBIENTAL NO SAB
Na literatura mundial as discussões sob a ótica e o tipo de privação têm ganhado
uma atenção maior por parte de entidades governamentais e não governamentais. O
referido debate teve início nos países desenvolvidos, após a reconstrução do pós-guerra,
onde ficou ressaltado o caráter relativo da noção pobreza. Neste contexto, os debates
passaram a girar em torno da ocorrência da pobreza em países que apresentavam níveis
desiguais de desenvolvimento social e produtivo, o que se reporta às noções de pobreza
absoluta, relativa ou subjetiva (ROCHA, 2006).
Para Barros et al (2001), a pobreza é um conceito complexo e pode ser definida
de forma genérica como a situação na qual as necessidades básicas não são atendidas
de modo satisfatório, porém esta assume várias formas de ser explicada, ou seja, a
concepção de pobreza retrata algum tipo de privação, seja social, monetária, política
e/ou cultural.
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Kageyama e Hoffmann (2006), por sua vez, relatam que a pobreza pode se
configurar em três tipos de privações: (i) absoluta; (ii) relativa e (iii) subjetiva. E estes
tipos de carências decorrem de acordo com a proporção das necessidades de ordem
material, cultural e social dos indivíduos, no tocante a disponibilidade e o uso de
recursos de forma individual ou coletiva.
A pobreza absoluta está estritamente ligada às questões de o indivíduo não
dispor de recursos monetários suficientes para o atendimento mínimo de suas
necessidades básicas, ou seja, da sua sobrevivência física. (ROCHA et al, 2006; SALAMA,
2010). No entanto, não é apenas a privação de recursos monetários que caracteriza um
indivíduo como pobre, uma vez que ele pode dispor de recursos para atender suas
necessidades básicas e ter um trabalho precário, o que o caracteriza como um indivíduo
pobre no contexto da abordagem multidimensional.
A pobreza relativa tem um enfoque direto com a desigualdade de distribuição de
renda, ou seja, é aquela situação em que o indivíduo quando comparado aos outros,
tem menos poder aquisitivo (KAGEYAMA; HOFFMANN, 2006). Ou seja, ser
relativamente pobre em um país rico pode ser uma grande desvantagem em
capacidade, mesmo quando a renda absoluta do indivíduo é elevada pelos padrões
globais, pois em uma região desenvolvida é preciso mais renda para adquirir produtos
e/ou serviços suficientes para realizar o mesmo funcionamento social (ALENCAR, 2012).
Por fim, tem-se a pobreza subjetiva. A pobreza subjetiva é determinada como
aquela em que os indivíduos são questionados acerca de qual seria a renda mínima
oportuna para uma sobrevivência digna, ou seja, esta é derivada a partir da opinião dos
indivíduos e calculada levando-se em consideração a própria percepção das pessoas
sobre suas condições de vida (IBGE, 2015). Além dos tipos de privação o estudo da
pobreza é realizado a partir de duas abordagens, a saber: (i) monetária e (ii) não
monetária.
A abordagem não monetária leva em consideração o bem-estar dos indivíduos e
destes como grupo social em que estão inseridos. Ou seja, é uma abordagem que
considera essencial o acesso a alguns bens como transporte coletivo, coleta de lixo
regular, água potável, energia elétrica, acesso à educação, saúde, segurança pública,
habitação e outros funcionamentos básicos assegurados pela Constituição Federal
(NEDER, 2008; LACERDA, 2009; ALENCAR, 2012).
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A abordagem monetária identifica a pobreza como deficiência (shortfall) no
consumo ou na renda relativa a alguma linha de pobreza (LADERCHI; SAITH; STEWART;
2003). Esta visão da pobreza encontra forte suporte na Teoria Econômica Tradicional
(ou Neoclássica), e é fundamentada no pensamento utilitarista (LACERDA, 2009). De
acordo com esta concepção, “a ‘utilidade’ de uma pessoa é representada por alguma
medida de seu prazer ou felicidade” (SEN, 2000), implicando numa noção de valor
baseada somente na utilidade individual, definida em termos subjetivos (SEN, 2002).
Desse modo, a abordagem adotada no referido estudo é a pobreza
unidimensional. A pobreza unidimensional é analisada apenas pela ótica da renda, sem
considerar aspectos relacionados à privação de demais fatores para uma boa qualidade
de vida. Segundo essa abordagem, a pessoa é considerada pobre, quando é privada de
recursos monetários para aquisição de sua cesta de mercadorias (CANCIAN; VIDIGAL;
VIDIGAL, 2013).
O estudo sobre a pobreza com uma única dimensão, tem como pioneiros Booth,
no século XIX e Rowntree no século XX (LADERCHI; SAITH; STEWART, 2003; ROCHA,
2006; MACHADO, 2006). Nesta abordagem consideram-se pobres os indivíduos cujas
rendas são inferiores a 40%, 50% ou 60% da renda mediana ou média. (CRESPO;
GUROVITZ, 2002).
Dentre as regiões brasileiras, a Região Norte e Nordeste continuam a se
destacarem como as regiões mais pobres e com índices de desigualdades mais elevados
no Brasil e, em ambas as regiões, as áreas rurais concentram maior número de pessoas
com privações (BARROS et al., 2006; IFAD, 2011; ROCHA, 2013). Acredita-se que essa
problemática nas referidas regiões possa estar atrelada a problemas estruturais. Corrêa,
Lima e Campos (2015) corroboram com essa hipótese, pois segundo os autores, a
pobreza nas duas regiões são reflexos das desigualdades regionais, tendo em vista que
apresentam indicadores sociais inferiores as demais regiões. No entanto, é inegável que
as políticas públicas de redistribuição de renda implementadas nos últimos anos tenham
contribuído para a redução de tal problemática. Contudo este progresso estagnou nos
anos de 2013, e a extrema pobreza voltou a aumentar. (CEPAL, 2014; MESQUITA et al.,
2015).
Estudos evidenciam que uma das causas da pobreza é a degradação ambiental.
Para Bermúdez (1994) apud Dias (1998), a degradação é um conceito atribuído às
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mudanças na vegetação, no solo, nos recursos hídricos, resultantes de ações
edafoclimáticas e antrópicas. Dado que “a ação antrópica intensifica a degradação
ambiental nos países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento” (OLIVEIRA, 2008, p.
16). Já para Dias (1998), a degradação ambiental se refere a alterações das condições
naturais que comprometem o uso dos recursos naturais, o que reflete na qualidade de
vida das pessoas. “A degradação dos recursos naturais se expressa pela queda da
fertilidade dos solos, limitação ou impossibilidade de se usar a água para consumo dos
vegetais, do Homem e dos outros animais” (LIMA et al, 2008, p. 3).
Dentre as causas ambientais da degradação dos recursos naturais têm:
instabilidade climática, como as secas prolongadas, solo, relevo, posição geográfica,
índice de aridez, erosão do solo e o manejo inadequado estão entre as principais motivo
para o desgaste ambiental (LEMOS, 2001; LIMA et al¸2008). Portanto, há uma série de
fatores edafoclimáticos que corroboram para propensão à degradação ambiental nos
municípios brasileiros.
No entanto, há também causas econômicas que potencializam a referida
problemática, a saber: pobreza, baixo nível de saneamento; nível de renda, pressão
excessiva de pastoreio, desmatamento provocado pela extração de madeira para fins
comerciais e lenha como combustível, exploração exagerada ou inadequada das terras
cultiváveis (LEMOS, 2001; ZILLER, 2002; MOTTA, 2004; LACERDA, 2004). Portanto,
conforme Lima et al (2008, p. 5), “as causas econômicas da degradação estão pautadas
tanto nos efeitos das atividades produtivas como nos efeitos do consumo direto de bens
e serviços”.
Um fator preocupante é a questão em evidência no meio rural, já que o aumento
da degradação no meio rural aumenta “pelas limitações de qualidade e quantidade
desses recursos, cruzam a fronteira da sustentabilidade e começam, por falta de outra
alternativa, a destruir essa base” (ECHEVERRIA, 1998, p. 6). Isso ocorre em virtude da
pobreza ser maior no meio rural, fator esse preponderante para o aumento da
degradação dos recursos, já que a população rural depende, para seu sustento, da
utilização dos recursos (ECHEVERRIA, 2000; FINCO WAQUIL; MATTOS, 2004).
Além disso, vale destacar que, embora seja um problema em âmbito mundial,
sabe-se que em áreas áridas e semiáridas o efeito é mais preocupante, por causa de seus
ecossistemas (MARENGO, 2008), a exemplo do SAB. O SAB é marcado historicamente
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por profundas disparidades, como: pobreza, restrições edafoclimáticas, instabilidades
pluviométricas, baixo desenvolvimento, temperaturas elevadas e secas prolongadas
(MARENGO et al, 2008; ARAÚJO, 2009; BAUINAIN; GARCIA, 2013), as quais, segundo o
Intergovernmental Panel on Climate Change – IPCC (2014), poderão aumentar com
frequência, em virtude das mudanças climáticas, causando, assim, maiores impactos no
SAB.
A região é considerada o ecossistema brasileiro mais vulnerável as mudanças
climáticas devido à redução do déficit pluviométrico e ao aumento da aridez no próximo
século (MARENGO et al 2016). Além disso, a região ocupa uma área de 1.128.697 km2,
constituída por 1.262 Municípios E abriga 27.870.241 milhões de habitantes, ou seja,
quase 12% da população do País. Cabe destacar que cerca de 10 milhões pertencem à
zona rural (BRASIL, 2017; GONDIM et al, 2017).
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O presente estudo adotou como indicador de pobreza unidimensional o
percentual de pessoas extremamente pobres. No tocante a degradação ambiental fez
uso de uma proxy, e essa refere-se ao percentual de pessoas em domicílios com
abastecimento de água e esgotamento sanitário inadequados. Os dados são oriundos
do Atlas do Desenvolvimento Humano – divulgados pelo Programa das Nações Unidas –
PNUD e são referentes ao ano de 2010.
A escolha de tais variáveis pode ser atribuída aos estudos de Barbier (2008) e
Molina e Rao (2010). Para Barbier (2008) as famílias com níveis de renda baixos têm uma
propensão a degradar mais que as famílias com maiores níveis de renda, pois
demandam por padrões de consumo ambientalmente mais sujos, devido à restrição
orçamentária. Além disso, saneamento inadequado, congestionamento de sistemas de
saneamento e degradação de terras, dentre outros.
Para alcançar o objetivo proposto o presente estudo utilizou como método a
análise de correlação de Pearson, a qual tem como objetivo demostrar se há relação
entre positiva ou negativa entre variáveis quantitativas.
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4 RESULTADOS E DISCUSSÃO A pobreza unidimensional (privação de renda) é um dos determinantes da
deterioração dos recursos naturais, pois indivíduos com insuficiência de renda são
dependentes dos recursos naturais para sobreviver e, na tentativa de garantir a sua
sobrevivência, utilizam esses recursos de forma insustentável, o que acaba cooperando
para a degradação do meio ambiente. O presente estudo observou que há de fato uma
correlação positiva entre pobreza unidimensional e degradação com nível de
significância de 1% (Coeficiente de Correlação de Pearson = 0,306), como mostra a
matriz de correlação (Quadro 1).
Quadro 1 – Matriz de correlação.
Pobreza Degradação
Pobreza
Correlação de Pearson 1 0,306**
Sig. (2 extremidades) 0,000
N 1133 1133
Degradação
Correlação de Pearson 0,306** 1
Sig. (2 extremidades) 0,000
N 1133 1136
**. A correlação é significativa no nível 0,01 (2 extremidades).
Essa realidade corrobora para a hipótese que uma das possíveis causas da
degradação ambiental seja a privação monetária dos indivíduos e, especificamente para
o caso dos indivíduos do Semiárido essa realidade é ainda mais instigante, visto que no
SAB a condição de saneamento básica é precária. Em virtude disso, é preciso que as
políticas públicas de redistribuição de renda e combate à pobreza no SAB sejam mais
eficazes, já que essa é uma condição que pode contribuir para a degradação dos recursos
naturais.
Apesar disso, sabe-se que há outras debilidades no tocante ao gerenciamento a
degradação do meio ambiente, porém, esse debate perpassa a proposta do estudo. Para
Molina e Rao (2010) a maior intensidade entre degradação ambiental e pobreza está
atrelada aos indivíduos que se encontram abaixo da linha de pobreza, o que corrobora
com a correlação positiva do estudo.
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5 CONCLUSÃO
O estudo mostrou que a correlação entre pobreza unidimensional e degradação
ambiental nos municípios do SAB não pode ser descartada, sendo impossível refutar o
adágio: pobreza tem correlação com degradação e degradação tem correlação com
pobreza. No entanto, é preciso verificar o comportamento da referida relação com o
indicador de pobreza multidimensional, ficando aqui como sugestão para outro estudo.
Diante do apresentado destacam-se três contribuições do estudo: i) uma análise
quantitativa de um assunto que é tratado puramente de forma subjetiva; ii) o fomento
e discussão da correlação da pobreza unidimensional e degradação ambiental nos
Municípios que compõem a Região do SAB e iii) a evidência de que as políticas públicas
de redistribuição de renda não podem ser implementadas sem a integração do contexto
ambiental dos seus futuros beneficiários.
A primeira, diz respeito à relevância dos indicadores na proposição de políticas
públicas. Essa contribuição é importante em virtude do fato que, a partir do
problemático diagnóstico da questão ambiental em regiões mais suscetíveis à
degradação ambiental, maiores recursos deverão ser empregados para o combate à
pobreza, o que corrobora com a segunda contribuição e achado do estudo. Por fim, por
ratificar que o contexto ambiental não pode ser dissociado do nível de renda das pessoas
que residem no SAB, principalmente nas que moram na área rural. Na prática chama
atenção para o fato que as novas políticas de redistribuição de renda precisam ser mais
proativas no combate degradação ambiental, para que não venham assumir uma
postura reativa em virtude do avanço da degradação frente às mudanças climáticas.
Por fim, apesar das constatações ora reportadas, o estudo traz algumas
limitações, mas não comprometem os resultados alcançados, a saber: i) utiliza a
privação de renda como único fator de pobreza e ii) na análise quantitativa são utilizados
1.132 Municípios, embora já tenha a nova delimitação (BRASIL, 2017) que destaca que
o SAB é formado por 1.262 Municípios. A referida limitação ocorreu em virtude do fato
que, a nova delimitação do SAB ocorreu em 2017 e os dados para análise são do Censo
de 2010, quando o SAB tinha apenas 1.132. Apesar disso, os resultados não devem ser
descartados ou entendidos como defasados.
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EIXO TEMÁTICO 10 | QUESTÃO AGRÁRIA, URBANA E AMBIENTAL
GRANDES PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO E IMPACTOS SOCIAL, AMBIENTAL E ECONÔMICO PARA OS AFETADOS NA
CONSTRUÇÃO DAS USINAS HIDRELÉTRICAS SANTO ANTÔNIO E JIRAU
GREAT DEVELOPMENT PROJECTS AND SOCIAL, ENVIRONMENTAL AND ECONOMIC IMPACTS FOR THOSE AFFECTED IN THE CONSTRUCTION OF SANTO ANTÔNIO AND
JIRAU HYDROELECTRIC PLANTS
Mariana Cavalcanti Braz Berger1 RESUMO Este artigo tem como referência empírica as Usinas Hidrelétricas Santo Antônio e Jirau. Na região amazônica as hidrelétricas têm sido construídas no cerne de um projeto do grande capital, vez que a energia elétrica é recorrente nas promessas de desenvolvimento. Consideramos necessário desvelar os processos de implantação dessas duas hidrelétricas, a partir da análise dos impactos ambiental, social e econômico, que afetam os grupos sociais e aprofundamento da questão ambiental. Essas obras deslocam compulsoriamente as populações locais, impondo um projeto que não as representa e que tem se apropriado privadamente dos bens naturais. Nesse sentido, este artigo propõe analisar os interesses que prevaleceram para implantação dessas hidrelétricas, qual o propósito que estava regendo esses projetos e os drásticos impactos que afetaram os grupos sociais, com registros históricos de violência e degradação ambiental. Palavras-Chaves: Grandes Projetos, Hidrelétrica, Impactos, População Afetada. ABSTRACT This article has as its empirical locus the Santo Antônio and Jirau Hydroelectric Plants. In the Amazon region, hydroelectric dams have been built at the heart of a big capital project, since electric power is a recurring feature of development promises. We consider necessary to unveil the implementation processes of these two hydroelectric
1 Assistente social, doutora em Políticas Públicas/UFMA, professora do Departamento de Serviço Social/UFMA, e-mail: [email protected].
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plants, based on the analysis of the environmental, social and economic impacts that affect social groups and the deepening of the environmental issue. These projects compulsorily displace local populations, imposing a project that does not represent them and that has appropriated privately the natural goods. In this sense, this article proposes to analyze the interests that prevailed for the implantation of these hydroelectric dams, what was the purpose that was governing these projects and the drastic impacts that affected social groups, with historical records of violence and environmental degradation. Keywords: Large Projects, Hydroelectric, Impacts, Affected Population.
INTRODUÇÃO
A região Amazônica ocupa posição de destaque nos Planos Nacionais de Energia
Elétrica como potencializadora da implantação de grandes hidrelétricas, entre as quais
se destacam e são objeto de estudo deste trabalho as hidrelétricas Santo Antônio e Jirau,
no estado de Rondônia. As hidrelétricas Santo Antônio e Jirau são administradas pelas
empresas, respectivamente, Santo Antônio Energia e Energia Sustentável do Brasil, de
capital misto (compostas por empresas públicas e privadas), e regidas pela finalidade de
atender ao processo industrial e ao mercado.
Na Amazônia Legal, as usinas têm sido construídas no cerne de um projeto do
grande capital que afirma a promoção do desenvolvimento sustentável. Consideramos
necessário desvelar os processos de implantação dessas duas hidrelétricas, a partir da
análise dos impactos ambiental, social e econômico, que afetam os grupos sociais e
aprofundamento da questão ambiental.
Essa região ocupa posição de destaque na Divisão Internacional do Trabalho a
partir do término da Segunda Guerra Mundial, como fornecedora de bens primários, no
contexto em que o Brasil aderiu ao projeto capitalista sob a ideologia
desenvolvimentista. O incentivo à industrialização consistia em uma das facetas do
desenvolvimentismo, considerado como meio de superação do subdesenvolvimento.
No entanto, no projeto de industrialização estava delimitada a posição dos países
periféricos, produtores de bens de consumo duráveis e com uma força de trabalho de
baixo custo para agilizar a acumulação. Ademais, visava atender aos interesses da
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dependente burguesia nacional e internacional, adquirindo espaço para o projeto
capitalista imperialista.
A inclusão do Brasil nesse projeto propicia as condições à ocupação da Amazônia
e à exploração dos seus recursos naturais. A energia elétrica é recorrente nas promessas
de desenvolvimento por ser um eixo fundamental, podendo, na atualidade, provir de
diversas fontes: hidráulica, biomassa, eólica, solar, biogás, geotérmica e mar
(consideradas renováveis) e gás natural, derivados de petróleo, nuclear e carvão mineral
(não renováveis).
Os setores interessados divulgam os dados “positivos” com a construção de uma
barragem, como: os investimentos em infraestrutura, os empregos gerados e o
movimento da economia local. No entanto, do ponto de vista socioambiental as
barragens desencadeiam uma ruptura ecológica e conflitos sociais, ao alterar as
condições de reprodução da população direta e indiretamente afetadas (NOBREGA,
2011). Modifica-se a dinâmica da paisagem amazônica, vez que “a floresta é derrubada;
o rio é barrado para fornecer mais energia ou é poluído pela turbidez dos
desbarrancamentos das suas margens ou contaminado pelo mercúrio” (GONÇALVES,
2005, p. 105).
De acordo com Magalhães (2007, p. 50), o programa de geração de energia
elétrica dirigido pelo governo brasileiro teve como base a “implantação de grandes
barragens, utilizando uma tecnologia que implica a formação de grandes lagos,
consequentemente, inundando grandes extensões de terras, sendo estas terras em sua
maioria ocupadas por camponeses”. Predominam, portanto, critérios dessa natureza
em detrimento dos aspectos socioambientais, que não são priorizados nesses projetos,
embora haja com fragilidades e limitações uma legislação ambiental nessa área.
Os impactos ambiental, social e econômico são muitos, pois para a construção
de uma hidrelétrica fazem-se necessárias grandes vazões de água represada que origina
as barragens, e, para tanto, deslocam compulsoriamente as populações locais, impondo
um projeto que não as representa e que tem se apropriado privadamente dos bens
naturais. Nesse sentido, este artigo propõe analisar os interesses que prevaleceram para
implantação dessas hidrelétricas, qual o propósito que estava regendo esses projetos e
os drásticos impactos que afetaram os grupos sociais, com registros históricos de
violência e degradação ambiental.
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2 A GERAÇÃO DE ENERGIA HIDRELÉTRICA NA AMAZÔNIA COMO EIXO CENTRAL DOS GRANDES PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO
Reforçando a estratégia da Amazônia no cerne do “crescimento” também
estavam previstas no 1º Plano de Aceleração do Crescimento (PAC1) as UHEs Santo
Antônio e Jirau que compõem o Complexo Madeira, ou Complexo do rio Madeira, um
dos principais projetos da “aceleração do crescimento”. A construção dessas duas
usinas, no estado de Rondônia, na fronteira com a Bolívia, era a grande aposta do
governo brasileiro para suprir o aumento da demanda de energia no país (GLASS, 2006).
A previsão desse complexo contemplava além da construção das duas usinas no
Brasil, uma usina binacional (a usina Guajará na fronteira do Brasil com a Bolívia) e uma
usina na Bolívia. O propósito seria de implementar grandes obras de transporte e
comunicação no Cone Sul, através da construção de um grande corredor hidroviário
ligando esses dois países para escoar commodities produzidas no Centro-Oeste e Norte
do Brasil para portos localizados no Peru em direção aos países da Ásia e do Pacífico.
Desse modo, a escolha da Amazônia para realizar a expansão capitalista não é
aleatória, está de acordo com as diretrizes que o sistema lhe concebe, qual seja: de
território propício para acumulação de capitais (nacional e internacionais). Os seus
recursos naturais servem de alavanca para a instalação de megaprojetos na região,
reservando-lhe o lugar na Divisão Internacional do Trabalho como exportadora,
sobretudo, dos setores: pecuária, minério, energia, madeira e grãos.
O PAC 1 possuiu três eixos principais: infraestrutura social e urbana;
infraestrutura logística e infraestrutura energética. Na esfera regional é componente da
proposta de Integração das Infraestruturas Regionais Sul-Americanas (IIRSA), voltada à
unidade geoeconômica dos países da América do Sul a partir da articulação das
infraestruturas nacionais nos eixos: integração e desenvolvimento. Estão integrados na
articulação intergovernamental 12 países sul-americanos e representantes dos setores
financeiro e empresarial, como:
o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Corporação Andina de Fomento (CAF), o Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Rio da Prata (FONPLATA), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) do Brasil e empresas brasileiras de grande porte como a Odebrecht, a Petrobrás, a Andrade Gutiérrez, a Queiroz Galvão, entre outras, para citar aquelas que nos são mais conhecidas no Brasil e na região de um modo geral. Também executam obras de integração na região a companhia
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Vale do Rio Doce, a General Eletric (GE) e a América Latina Logística (ALL) (VERDUM, 2007, p. 22).
Os eixos de integração e desenvolvimento constituíram os programas de
planejamento e da intervenção governamental das últimas décadas, inscritos no Plano
Brasil em Ação (1996-1999), no Avança Brasil (2000-2003) e nos Planos Plurianuais de
1996-1999, 2000-2003 e 2004-2007, indicando as prioridades do Estado. A proposta do
PAC, enquanto uma macropolítica de crescimento econômico, formada pela estratégia
do Estado e dos setores econômicos, viria consolidar a infraestrutura ao incentivar,
entre outras ações, a “produção de energia, como as dezenas de hidrelétricas projetadas
para os principais rios da Amazônia, sobretudo os afluentes das bacias do rio Amazonas
e do Tocantins, e a intensificar a produção de commodities e seu escoamento para novos
mercados” (CASTRO, 2012, p. 56). Ainda conforme essa autora, diferencia-se dos
momentos anteriores porque “estão em jogo grandes interesses de empresas, bancos,
agências nacionais e internacionais etc. e aportes financeiros públicos e privados com
capacidade de impor seus interesses no espaço e no tempo”.
A estratégia da IIRSA considera o território amazônico fundamental para
promover os processos de integração física, comunicações e energia por meio dos seus
mercados. Em termos oficiais, “a IIRSA é uma oportunidade de estabelecer as bases
materiais de uma nova visão de regionalismo na América do Sul” (VERDUM, 2007, p. 23).
Desse modo, questionamos: a quem serve esse projeto de integração? Executa
políticas públicas direcionadas às demandas da população, promovendo o
desenvolvimento de seus processos produtivos?
No movimento concreto é o mercado quem determina a integração, movido por
antagônicos interesses (econômicos e políticos), com projetos políticos e ideológicos em
disputa. O que confronta a IIRSA é o direcionamento para a exportação, regida pela
lógica liberalizante do mercado com ônus socioambientais decorrentes dos
empreendimentos. Assim, não passaram ao largo as polêmicas em torno do Complexo
Hidrelétrico e Viário do Rio Madeira, haja vista que os impactos das barragens do rio
Madeira têm resultado em oposição dos grupos sociais afetados.
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3 IMPACTOS SOCIAL, AMBIENTAL E ECONÔMICO PARA OS AFETADOS NA CONSTRUÇÃO DAS USINAS HIDRELÉTRICAS SANTO ANTÔNIO E JIRAU
A Usina Hidrelétrica (UHE) Santo Antônio iniciou sua operação em 2012, possui
uma potência instalada de 3.568 MW e energia firme de 2.424 MW. No ano seguinte foi
iniciada a operação da Usina Hidrelétrica (UHE) Jirau com capacidade instalada de 3.750
MW e energia firme de 2.205 MW. Trata-se de duas grandes obras no mesmo rio, o rio
Madeira, implementadas de forma questionável em todo o processo devido à amplitude
dos impactos sociais, ambientais e econômicos e a incompatibilidade com o modo de
ser e viver da região.
Para seguir os preceitos da legislação ambiental foram realizados os estudos de
Aproveitamentos Hidrelétricos e Estudos de Impacto Ambiental das UHEs Santo Antônio
e Jirau, entre os anos 2003 e 2005, pela empresa Leme Engenharia Ltda., contratada
pelas empresas Furnas e Odebrecht, inclusive partícipes do consórcio responsável pela
construção e operação da UHE Santo Antônio. Os primeiros estudos datam de 1999, no
trecho entre Porto Velho e Abunã, mas não foram considerados os impactos no
território boliviano. Essa questão suscitou polêmica entre os dois países e controvérsias
na etapa de licenciamento das usinas.
Ademais, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (IBAMA) se pronunciou tecnicamente contrário aos estudos realizados ao
emitir parecer alegando a sua inviabilidade por causa da falta de informações sobre os
impactos sociais e ambientais das barragens. Contudo, apesar das rejeições aos estudos
de impactos e recomendações de complementações (nem todas atendidas) a Licença
Prévia e a Licença de Instalação foram concedidas.
O plano de construção das hidrelétricas Santo Antônio e Jirau foi iniciado no
governo de Fernando Henrique Cardoso, mas se consolidou no governo de Luís Inácio
Lula da Silva, apontado como um dos projetos mais importantes na geração de energia
elétrica do seu governo. A exploração do rio Madeira está presente nos últimos Planos
Decenais de Expansão de Energia Elétrica que destacam a estratégia de aproveitamento
máximo do potencial da bacia Amazônica. O discurso da necessidade desse
aproveitamento demonstra uma ideia de riqueza “inexplorada”, como se a população
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local (índios, ribeirinhos, pescadores, entre outros) não dependesse nem usufruísse do
rio e dos seus benefícios.
Apesar de controvérsias e polêmicas, foi formado o Consórcio Santo Antônio
Energia composto pelas empresas Furnas 39%, Odebrecht 18,6%, Andrade Gutierrez
12,4%, CEMIG 10%, Caixa FIP Amazônia Energia 20%. Já a UHE Jirau é operada pelo
Consórcio Energia Sustentável do Brasil, formado pelas empresas Tractebel - Suez 40%,
Eletrobrás 40% e Mitsui & Co 20%. Essas hidrelétricas foram construídas com recursos
públicos, são obras privadas com financiamento público proveniente do Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Vale ressaltar que em elevadas
proporções e a juros baixíssimos, em torno de R$ 13,3 bilhões, equivalente a 60% e 70%
dos investimentos totais das duas hidrelétricas. Além de recursos da SUDAM, de R$ 503
milhões e do Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS),
no valor de R$ 1,5 bilhão para a construção da UHE Santo Antônio (ZAGALLO; LISBOA,
2011, p. 2).
Significa:
Uma reedição da desastrosa política de incentivos para a ocupação da Amazônia, incentivos agora de ordem infraestrutural com impactos muito menos reversíveis. A viabilidade do enclave elétrico como pilar de uma série de outros enclaves, com plantas eletrointensivas em expansão no país, exigirá custos de geração decrescentes, maior captura de recursos públicos além do desmanche do licenciamento ambiental, dos direitos sociais e dos territórios dos povos tradicionais (ZAGALLO; LISBOA, 2011, p. 10).
As empresas responsáveis pela operação das hidrelétricas vencedoras do leilão,
realizado em 2008 após aprovação da Licença de Instalação, possuem a concessão da
venda da energia gerada por um período de 30 anos.
As hidrelétricas Santo Antônio e Jirau ligam Porto Velho ao Sistema Integrado
Nacional (SIN), através de extensa linha de transmissão que fornece energia para outras
regiões. Essas hidrelétricas fazem parte do SIN e os seus domínios encontram-se com o
capital privado, favorecendo prioritariamente a demanda das indústrias
eletrointensivas2 que se beneficiam de várias formas da energia gerada a partir do
aproveitamento do rio.
2 Indústrias eletrointensivas são grandes consumidoras de energia elétrica nos ramos de alumínio, aço, papel, celulose, entre outros. Para tanto buscam nos empreendimentos hidrelétricos suprir suas necessidades, instalando-se em países periféricos com recursos naturais mais vantajosos e abundância do potencial energético.
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De modo que o que determina os projetos amazônicos não são as necessidades
sociais brasileiras. Atesta, assim, o comprometimento enraizado com o mercado
mundial em detrimento das necessidades sociais da população brasileira.
Os impactos das hidrelétricas estão relacionados à priori com a estrutura
produtiva, posto que a estrutura é econômica, mas impacta nos aspectos sociais e
ambientais, já que se trata de uma unidade.
Essa região expressa uma totalidade menor dentro de uma totalidade de maior
complexidade que corresponde à forma como a produção industrial brasileira está
historicamente inserida no processo de mundialização da economia internacional, ou
seja, restrita à função de exportadora de produtos de baixo valor agregado e elevado
consumo energético, com limitada geração de emprego e pressão exploratória sobre os
recursos naturais.
Dessa forma, segundo Bermann (s/a), a Amazônia
se insere no sistema de produção internacional como fornecedora de bens primários de origem mineral (notadamente minério de ferro, bauxita, manganês, zinco, cobre, chumbo), exportados na forma bruta ou transformados em metais primários (lingotes de alumínio, ligas de ferro, aço)
O Estado brasileiro é conivente com os interesses econômicos das empresas e
omisso quanto aos sérios impactos causados. Ademais, quando parte dos requisitos
legais são cumpridos, por exemplo, através dos royalties3, o poder público desvirtua
esses recursos do destino primordial que deveria ser de ofertar serviços públicos à
saúde, educação, segurança pública, habitação.
No estado de Rondônia, 97,08% dos domicílios possuem energia elétrica, mas o
valor da tarifa é alto, equivale a R$ 0,49 KWh4, apesar de a empresa distribuidora desse
estado, a partir de 1997, ter sido federalizada com a compra pela Eletrobrás, que
controla 99,96% do capital social da CERON (Centrais Elétricas de Rondônia), também
conhecida como Eletrobrás Distribuição Rondônia.
Ademais, no estado de Rondônia são desenvolvidas duas das atividades mais
impactantes sobre os ecossistemas: a exploração madeireira e a pecuária bovina. Essas
atividades são realizadas de forma predatória e historicamente avançam sobre as terras
3 Significam compensações financeiras pela exploração de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica referente a uma porcentagem do valor da energia produzida. 4 Dados do ano de 2015. Disponíveis em: http://www.aneel.gov.br/ranking-das-tarifas.
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públicas, terras indígenas e unidades de conservação. Desse modo, a região onde foram
implantadas as usinas já sofria impactos ambientais devido às ações de madeireiros,
grileiros e pecuaristas.
O desmatamento e a perda de habitats aquáticos e terrestres causados pela
inundação dos reservatórios afetam a biodiversidade e a saúde dos homens.
Inicialmente, a cota prevista para o reservatório da UHE Santo Antônio era de 70,5
metros; foi aprovada a sua instalação com um aumento da cota do reservatório para
71,3 metros, o que implicou a incorporação de mais seis turbinas e maior potência
instalada. No ano de 2013, somada às “graves consequências da elevação do lençol
freático, o consórcio Santo Antônio Energia (SAE) deseja aumentar em 80 centímetros a
cota do espelho d’água do reservatório da hidrelétrica” (DUTRA, 2013).
Com importância para navegação (transporte de cargas e passageiros) e
economicamente explorado, o rio Madeira possui valores comercial e cultural para a
população local; assim, do rio se extrai a subsistência alimentar e a sobrevivência
financeira. A forma como a população usufrui desse recurso, a partir das condições do
seu modo de vida, tem sido substancialmente diferente da lógica empresarial.
O processo de implementação das hidrelétricas Santo Antônio e Jirau foi drástico
para os grupos sociais. De acordo com as informações do RIMA, elaborado pela Leme
Engenharia Ltda., a hidrelétrica de Santo Antônio localiza-se sobre a Ilha do Presídio, a
10 km de Porto Velho, e possui um reservatório de 421 km2 e a de Jirau está localizada
na Ilha do Padre, distante 120 km pelo rio Madeira da cidade de Porto Velho, com um
reservatório de 361 km2.
A previsão do número de atingidos pela UHE Santo Antônio para o IBAMA era de
1.762 pessoas, sendo 400 na área urbana, e da UHE Jirau era de 1.087 pessoas; destas,
700 na área urbana (GLASS, 2006). Contudo, esse número ultrapassou 20.000 pessoas.
O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e a Plataforma Dhesca Brasil
(2011) denunciaram que os procedimentos para Licença de Instalação e de Operação
nas duas usinas foram realizados às pressas e com atropelos. Assim, afirmam Zagallo e
Lisboa (2011, p. 16),
As obras das usinas hidrelétrica de Jirau e Santo Antônio estão sendo implementadas em prazo inferior ao previsto no leilão de venda de energia visando a maximização de lucros para os empreendedores, com a contratação de um contingente de trabalhadores superior ao previsto no EIA/RIMA, com uso intensivo de horas extras, adoção de medidas de segurança patrimonial
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abusivas e cuidados insuficientes das condições de saúde e segurança do trabalho.
Entre os grupos sociais diretamente impactados pelas barragens no rio Madeira,
os ribeirinhos tiveram sua forma de organização social alterada, pois sobrevivem da
pesca e da produção nas vazantes. Os garimpeiros5, que no período da cheia realizavam
atividades de pesca e agricultura, foram impactados por causa da relação de
dependência com o meio ambiente e pela quebra do vínculo proveniente do
deslocamento compulsório.
Os impactos em Porto Velho6, município sede dos empreendimentos, foram,
inicialmente, decorrentes do fluxo migratório intenso aliado à já instalada fragilidade de
infraestrutura, principalmente, nas áreas de transporte, saúde, educação e segurança
pública. Além disso, as propagandas dos empreendedores sobre os elevados índices de
emprego para a população local, quando realizados, possuem caráter temporário ou são
ocupados por trabalhadores de outras regiões que chegaram antes de as obras
começarem e as empresas divulgam como mão de obra local.
4 CONCLUSÃO
A construção dos empreendimentos, em todas as etapas, implica várias
transformações para a região, como: a grande demanda por moradias; a pressão sobre
o mercado imobiliário; serviços públicos saturados; confrontos entre a população local
e os migrantes; violência contra os indígenas; destruição do patrimônio cultural e
arqueológico; desgaste dos recursos naturais (fauna e flora); perda na qualidade de vida
da população, entre outros.
Embora estejam revestidos da proposta de impulsionar o desenvolvimento na
região Amazônica, a preocupação por parte dos empreendedores e do Estado tem sido
inexpressiva com relação às necessidades básicas da população de Rondônia, pois
desconsideram os impactos sociais e ambientais.
5 O rio Madeira possui abundância de ouro em seu leito e por isso atrai muitos garimpeiros, sobretudo, na época da vazante. 6 Cerca de ¼ do território do estado é ocupado pelo município da capital Porto Velho e mais onze distritos (Abunã, Calama, Demarcação, Extrema, Fortaleza do Abunã, Jacy-Paraná, Mutum Paraná, Nazaré, Nova Califórnia, São Carlos e Vista Alegre do Abunã), os quais foram atingidos.
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Quando ocorrem oposições à proposta de desenvolvimento anunciada pelos
empreendimentos, as vozes de resistência e luta são silenciadas ou nomeadas como
inimigas do desenvolvimento, pois vem à tona o argumento de que o Brasil precisa de
energia. A energia elétrica cumpre uma função imprescindível para a dinâmica societária
no âmbito das relações: tecnológica, humana e social. Contudo, sem que haja violação
de direitos, com abertura de diálogo com a população no sentido da participação
popular e controle sobre o planejamento energético brasileiro para usufruto da
coletividade. Esses projetos executados e em vigência inundam muitas vidas, sobretudo,
aquelas que possuem um vínculo afetivo e histórico com o ambiente, em prol da
satisfação do capital.
As empresas objetivam o lucro e, por isso, reduzem as indenizações, os custos
sociais e ambientais das obras e os direitos das populações afetadas; nesse rumo
interceptam informações e a participação nos processos decisórios. Fazem-se
necessárias muitas lutas, organização e resistência para que os atingidos obtenham
reparações materiais, a partir das medidas mitigadoras de impactos, ainda com várias
fragilidades na realização.
REFERÊNCIAS
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Doutorado em Ciências Sociais. Universidade Federal do Pará em co-tutela com a École Doctorale Vivant et Sócietés da Universidade Paris 13. Belém, 2007. NOBREGA, Renata da Silva. Os atingidos por barragem: refugiados de um guerra desconhecida. Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana. Brasília, Ano XIX, n. 36, p. 125-143, 2011. VERDUM, Ricardo. Obras de infra-estrutura no contexto da integração sul-americana. 2007. ZAGALLO, José Guilherme Carvalho; LISBOA, Marijane Vieira. Violações de direitos humanos nas hidrelétricas do rio Madeira: Relatório preliminar de missão de monitoramento. Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente, Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos Sociais Culturais e Ambientais (Plataforma Dhesca Brasil). Curitiba, 2011.
4723
EIXO TEMÁTICO 10 | QUESTÃO AGRÁRIA, URBANA E AMBIENTAL
O PROCESSO DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL DE GRANDES PROJETOS: impactos, contradições e sujeitos em disputa na
Usina Hidrelétrica Estreito
THE ENVIRONMENTAL LICENSING PROCESS FOR LARGE PROJECTS: impacts, contradictions and subjects in dispute at the Estreito Hydroelectric Plant
Mariana Cavalcanti Braz Berger1
RESUMO Este artigo tem como referência empírica a Usina Hidrelétrica Estreito com a proposta de problematizar o arcabouço normativo para regulamentação de grandes projetos, de analisar o aprofundamento da questão ambiental e o quão distante encontra-se o reconhecimento dos direitos humanos, sobretudo, dos sujeitos afetados, vez que prevalece os interesses econômicos. O modo de produção capitalista combina processos de violência entre os métodos da acumulação do capital, de modo que para o empreendimento, as famílias afetadas são consideradas um problema a ser resolvido e um empecilho para a concretização dos grandes projetos, enquanto estas lutam e resistem para concretizar seus direitos.
Palavras-Chaves: Licenciamento Ambiental, Hidrelétrica, Impactos, População Afetada. ABSTRACT This article has as its empirical reference the Estreito Hydroelectric Power Plant, its proposal is problematize the normative framework for the regulation of large projects, to analyze the deepening of the environmental issue and how far the recognition of human rights is of, above all, the affected subjects, economic interests prevail. The capitalist mode of production combines processes of violence between the methods of capital accumulation, so that for the enterprise, the affected families are considered a problem to be solved and an obstacle to the realization of the big projects, while they struggle and resist to realize their rights.
Keywords: Environmental Licensing, Hydroelectric, Impacts, Affected Population.
1 Assistente social, doutora em Políticas Públicas/UFMA, professora do Departamento de Serviço Social/UFMA, e-mail: [email protected].
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INTRODUÇÃO
A Usina Hidrelétrica Estreito (UHE Estreito), sétima hidrelétrica em operação no
rio Tocantins, gerou energia pela primeira vez em abril de 2011, mas só foi inaugurada
em outubro de 2012, com capacidade de potência de 1.087 MW e energia firme de 584,9
MW. Construída a montante do município maranhense de Estreito2, está localizada no
médio curso do rio Tocantins, na divisa dos estados do Maranhão e Tocantins, distante
766 km da cidade de São Luís (capital do Maranhão) e 513 km de Palmas (capital do
Tocantins).
Consiste em um empreendimento privado, que faz parte de um complexo
formado por grandes projetos para exploração da bacia hidrográfica Tocantins-Araguaia
com fins energéticos e hidroviários, potencializadores da exportação dos recursos
naturais da Amazônia brasileira. A proposta de construção de eclusas, vinculadas a esta
usina, reforça a hidrovia Araguaia-Tocantins que com a ferrovia Norte-Sul, objetivam
integrar regiões produtoras de commodities (soja, minério de ferro, celulose) para
escoar a produção ao exterior.
Essas iniciativas, em conjunto com a Estrada de Ferro Carajás e outros projetos,
fazem parte do grande eixo “integração e desenvolvimento” na ótica do planejamento
nacional. Planejada no início do século XXI3, em um contexto político e econômico
diferente da década de 1970, quando iniciaram os grandes projetos hidrelétricos no
Brasil. Dessa década, até meados dos anos 1980, o país intensificou a produção de
energia elétrica, mas nos anos seguintes os movimentos ambientalistas passaram a
criticar a construção de barragens e o financiamento dos organismos internacionais.
Estabeleceram-se restrições, assim como as legislações nacionais se expandiram e
muitos órgãos foram instituídos normatizando o planejamento dessas obras a fim de
minimizar os impactos e pressionar o cumprimento das responsabilidades dos
2 Em Estreito está localizada a casa de força, onde são instalados os equipamentos (turbina e gerador) para produção de energia. 3 No ano de 2001, foram realizados estudos para definir o local e as configurações gerais do empreendimento, bem como os sujeitos envolvidos no desenvolvimento do projeto. Posterior à realização do leilão de licitação pública, em abril de 2002, realizado pela Aneel, formou-se o Consórcio Estreito Energia, denominado CESTE, composto pelas empresas: Camargo Corrêa 4,4%; Alcoa 25,5%; Vale 30% e Tractebel - Suez 40,1%, responsável por operar a usina e com concessão de uso de bem público por 35 anos.
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empreendedores, articulados à atuação de Organizações Não Governamentais (ONGs),
institutos de pesquisa, entre outros.
Entretanto, apesar de a regulamentação da legislação ambiental e dos
instrumentos de verificação dos impactos, como o Estudo e Relatório de Impacto
Ambiental (EIA/RIMA), o governo neoliberal brasileiro nos anos 1990 incentivou a
geração de energia na bacia do Tocantins-Araguaia influenciado pela reorientação do
setor elétrico, direcionada para a iniciativa privada4, e pela conclusão de estudos sobre
a potencialidade hidrelétrica das bacias hidrográficas.
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA) e os institutos estaduais do
Maranhão, o Sistema Estadual do Meio Ambiente (SISEMA), e do Tocantins, o Instituto
de Natureza do Tocantins (NATURATINS) aprovaram as licenças ambientais para a UHE
Estreito. Contudo, denuncia o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) que
controvérsias não faltaram na liberação da usina de Estreito, uma delas que o EIA/RIMA
foi realizado pela CNEC Engenharia, da empresa Camargo Corrêa, sócia da obra5.
Nesse sentido, foram diversas as controvérsias em todo o processo (antes,
durante e após) da instalação da hidrelétrica Estreito, referência empírica que nos
propomos analisar neste artigo. Entre os desafios analíticos, a proposta é de
problematizar o necessário arcabouço normativo para regulamentação de grandes
projetos de desenvolvimento, não negamos essa importância, contudo, analisamos o
aprofundamento da questão ambiental e o quão distante encontra-se o
reconhecimento dos direitos humanos, sobretudo, dos sujeitos afetados, vez que
prevalece os interesses econômicos.
Este artigo, além da introdução e da conclusão, está dividido em dois itens
relacionados ao processo de licenciamento ambiental para construção da usina Estreito
e suas contradições e os impactos sociais, ambientais e econômicos para os grupos
sociais afetados pelo empreendimento.
4 A Lei de Concessões, 8.987/1995, dispõe sobre o regime concorrencial na licitação de concessões para projetos de geração e transmissão de energia elétrica. Ou seja, regulamenta a participação de capitais privados que antes eram permitidos apenas para as concessionárias estaduais ou federais. Essa abertura estimula a competição em busca de licitação das concessões para construção de novos projetos. 5 Informações disponíveis em: http://www.mabnacional.org.br/noticia/usina-estreito-acaba-com-pesca-no-tocantins.
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2. LICENCIAMENTO AMBIENTAL E GRANDES PROJETOS: instrumento normativo necessário e controverso na Usina Hidrelétrica Estreito
Os primeiros procedimentos para avaliação de projetos no Brasil, a partir da
década de 1960, eram realizados por causa das determinações do Banco Mundial, que
atuava como financiador. Posteriormente, o Departamento Nacional de Águas e Energia
Elétrica (DNAEE) acrescentou os elementos ambientais como requisitos para aprovação
de estudos de viabilidade de aproveitamentos hidrelétricos.
Na década de 1980, a legislação ambiental brasileira foi estruturada com a
regulamentação da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981), que constitui
o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA) e instituiu o Conselho Nacional de
Meio Ambiente (CONAMA), com o objetivo de preservar, melhorar e recuperar a
qualidade ambiental favorável à preservação das espécies. A Política Nacional do Meio
Ambiente, no artigo 10º, requer prévio licenciamento ambiental para “construção,
instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de
recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer
forma, de causar degradação ambiental” (BRASIL, 1981).
Segundo Magalhães (2007, p. 59),
até a publicação da Resolução n° 1 do CONAMA, que estabeleceu critérios e tornou obrigatória a realização do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), como condição para o “licenciamento de atividades modificadoras do meio-ambiente”, dentre as quais as hidrelétricas, as orientações relativas aos chamados impactos ambientais, entre os quais, no jargão do setor elétrico, inclui-se o deslocamento compulsório, eram provenientes do Banco Mundial – agente financiador – que, por sua vez, de acordo com a ELETROBRÁS (1986b, p. 3-11/3-12), seguia as diretrizes fixadas pela Organização das Nações Unidas (ONU), durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, em 1972.
Assim, com a Resolução do CONAMA nº 1, de 23 de janeiro de 1986, definiu-se
o conceito de impacto ambiental, as responsabilidades, os critérios básicos e as
diretrizes gerais de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA), bem como os Estudos de
Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). Também
importante a Resolução do CONAMA nº 6, de 16 de setembro de 1987, estabeleceu as
regras para o licenciamento ambiental, direcionado, principalmente, para os
empreendimentos de geração de energia elétrica, considerando a Licença Prévia (LP), a
Licença de Instalação (LI) e a Licença de Operação (LO).
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Desse modo, a avaliação técnica de impacto ambiental deve seguir três etapas:
a) verificação da viabilidade da obra; nesse momento são realizados estudos de
impacto6 e solicitada a licença prévia ambiental, a qual contém as medidas
compensatórias que a empresa terá que executar para realizar o projeto; b) com a
obtenção da licença de instalação, a obra pode ser iniciada e continua a ser monitorada,
podendo ser incluída outras medidas condicionantes; c) por fim, a licença de operação
autoriza a execução do empreendimento.
Tanto o EIA quanto o RIMA são documentos que propõem um diagnóstico da
localidade onde se pretende construir um empreendimento de impacto ambiental, a fim
de demonstrar indicadores argumentativos para a viabilidade da sua concretização. O
RIMA tem a função de detalhar e divulgar os resultados do EIA, deve ter uma linguagem
mais compreensível já que é o instrumento de comunicação à administração pública e à
população.
Apesar de exigida a regulamentação normativa, esses procedimentos técnicos
foram atendidos parcialmente para construção da hidrelétrica Estreito e não passaram
sem controvérsias. Dizem respeito ao arcabouço legal nacional que acompanha as
determinações internacionais no âmbito da “era verde” e da formalização da ideologia
do desenvolvimento sustentável, sendo a hidrelétrica Estreito a primeira usina
hidrelétrica construída na Amazônia Legal neste contexto.
O EIA/RIMA da UHE Estreito, elaborado em 2001, apresentou falhas, pois não
priorizou as populações locais (desconsiderando ou focalizando as ações mitigadoras) e
esteve restrito geograficamente nas áreas alagadas, quando deveria abranger “um
estudo integrado da Bacia do Araguaia-Tocantins, incluindo as hidrelétricas anteriores e
as intervenções futuras” (CAMARGO; HASHIZUME, 2008c). Ademais, a elaboração de
EIA/RIMA por técnicos de empresas de consultoria contratadas por empreiteiras
encarregadas das obras, conforme ocorreu na usina de Estreito, significa “que quase
sempre se constituem em documentos de propaganda do empreendimento, afastando-
se de seu objetivo de ser um levantamento dos impactos a fim de que os mesmos
possam ser mitigados, ressarcidos, compensados ou reparados” (VAINER, 2003, p. 13).
Sendo os mesmos empreendedores e responsáveis, ou por estes contratados, pela
6 Para subsidiar a decisão final devem ocorrer audiências públicas a fim de discutir as conclusões dos Estudos de Impacto Ambiental (EIA) com os diversos sujeitos envolvidos.
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elaboração dos instrumentos técnicos configura uma visão unilateral a respeito da
realidade impressa nos documentos.
Em 2005 o IBAMA emitiu a Licença Ambiental Prévia e, no ano seguinte, a Licença
de Instalação, autorizando o início da sua construção. Sobre a compensação pelo dano
ou impacto ambiental gerado pelo empreendimento, o EIA/RIMA da UHE Estreito (2001,
p. 90), no terceiro capítulo, item 3.4, afirmou que depois desse estudo “medidas
compensatórias passam a constituir os Programas Ambientais, que compõem o Projeto
Básico Ambiental (PBA), a ser executado pelo empreendedor ao longo do procedimento
de licenciamento”.
Entre outros descumprimentos, contudo, destaca-se que, para a formação do
reservatório, uma ampla área7 foi inundada, onde havia floresta, construções, vilas,
implicando um gradual processo de redução da biodiversidade, tornando esse impacto
bastante importante. Parte da vegetação que não foi retirada antes do enchimento do
reservatório está submersa; desse modo, “o programa de Desmatamento e Limpeza da
Área de inundação não estava apto a receber a licença”8, e mesmo assim foi dado
prosseguimento ao processo.
O que nos leva a questionar a missão da UHE Estreito definida pelo
empreendedor: “gerar energia limpa”9. Será mesmo limpa? De acordo com a CMB
(2000, p. 18), “das represas estudadas até o momento, todas emitem gases que
contribuem para o efeito estufa”, devido à decomposição do material orgânico
inundado. A inundação de árvores contribui para o efeito estufa, quando apodrecem
dentro d’água produzem gases nocivos, entre eles o dióxido de carbono (CO2) e o
metano (CH4).
Com base nos estudos de Fearnside e Pueyo (2015, p. 1), as usinas “tropicais,
como as da Amazônia, emitem quantidades significativas de gases de efeito estufa,
especialmente o metano. Essas emissões foram subestimadas ou ignoradas em muitas
computações de gases-estufa em nível global e nacional”. Ainda segundo esses
estudiosos,
7 Segundo o EIA/RIMA estava previsto uma área de mais de 434 km2 de terras a serem inundadas. 8 Informações disponíveis em: http://www.mabnacional.org.br/noticia/usina-estreito-acaba-com-pesca-no-tocantins. 9 O Consórcio CESTE define como missão “gerar energia limpa, contribuindo para o crescimento econômico do país”. Disponível em: http://www.uhe-estreito.com.br/ver_secao.php?session_id=70
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O carbono que é emitido na forma de CO2 pode vir de dois tipos de fontes: 1) fontes fixas que produzem uma emissão de uma só vez, tais como as árvores mortas por alagamento do reservatório e os estoques de carbono no solo; 2) de fontes renováveis, tais como o carbono que é retirado da atmosfera através da fotossíntese (FEARNSIDE; PUEYO, 2015, p. 2).
Denominam o processo que ocorre no reservatório de transformação de CO2 em
CH4 como “fábrica de metano”. O CO2 removido da atmosfera retorna em forma de
CH4 contribuindo ainda mais para o aquecimento global (FEARNSIDE; PUEYO, 2015, p.
1). Além disso, de acordo com Leilane Marinho (2011) 10, “analistas ambientais relatam
pendências no plano que faria o Monitoramento e o controle da qualidade da água
durante o enchimento do reservatório”, por causa da
falta de identificação nas áreas propensas à formação de paliteiros, a não comprovação da finalização dos processos de demolição, desinfecção e desinfestação, falta de detalhamento no plano de resgate da fauna terrestre, e pendências no esclarecimento das medidas a serem tomadas para os sistemas de tratamento de água e de esgotamento sanitário municipais que serão afetados pelo enchimento do reservatório.
O EIA/RIMA da UHE Estreito reconheceu a exigência de limpeza total da área a
ser inundada, cita a Lei 3.824/1960 que estabelece a obrigatoriedade da limpeza das
bacias hidrográficas e o risco de contaminação do rio, por substâncias tóxicas ou
organismos patogênicos causadores de doenças, além da mudança na dinâmica fluvial
devido à permanência da vegetação, de construções e instalações. Aponta também as
alterações na qualidade da água e todos os efeitos provocados, mas não cumpre as
determinações legais em detrimento do custo financeiro para realizá-las.
Os estados do Maranhão e Tocantins possuem uma riqueza de espécies da fauna
e flora características de três biomas nacionais: Amazônia, Caatinga e Cerrado, o que
contribui com a presença de uma variedade na região. No processo de construção da
usina muitas empresas foram atraídas à região, bem como um maior fluxo de pessoas.
A poluição decorrente do empreendimento afetou o solo e o subsolo, o ar e as águas
subterrâneas e superficiais. A emissão de ruídos e as trepidações provocadas pelas obras
afastaram os peixes e causaram mortalidade. Com o enchimento do reservatório, ocorre
uma elevação do nível da água; essa situação, junto à falta de saneamento básico,
10 Com base na reportagem publicada em: http://www.oeco.org.br/reportagens/24977-usina-acaba-com-pesca-no-tocantins/ e também disponível em: http://www.mabnacional.org.br/noticia/usina-estreito-acaba-com-pesca-no-tocantins.
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compromete o abastecimento de água nos municípios atingidos por causa da
contaminação do lençol freático. A disseminação de doenças foi proveniente do
aumento da densidade populacional, nos canteiros de obras e vilas residenciais, que
podem transmitir doenças endêmicas por vetores (entre os principais: os gêneros Aedes,
Phloebotomus, Anopheles e Culex), pela geração e acúmulo de lixo, por dejetos,
instalação incorreta de caixas d’água e cisternas.
Essa realidade demonstra o quanto as condições de vida dos grupos sociais são
afetadas e secundarizadas frente ao interesse primordial de concretizar o domínio do
capital privado sobre uma questão que é estratégica, que é a questão da energia.
3 IMPACTOS DA HIDRELÉTRICA ESTREITO: racionalidades antagônicas dos sujeitos envolvidos na disputa
A complexidade dos projetos se manifesta na grandiosidade da obra, nos
impactos causados e também nos confrontos (de forças desiguais) inseridos na região
diante do antagonismo entre o controle dos recursos e potenciais naturais; a resistência
em permanecer no território e a reivindicação das medidas de compensação e mitigação
pela repressão sofrida pelos afetados. A resistência a esses empreendimentos se
expressa no contraponto e na necessidade de desmontar a simulação e a perversidade
das estratégias da sustentabilidade, posto que a razão dos empreendedores difere da
representada pelos grupos sociais; fundada em um saber ambiental, questiona a
racionalidade do capital dominante na lógica das empresas.
A forma como têm sido construídas as hidrelétricas em nosso país resultam há
anos em nefastas violações de direitos humanos. Na luta árdua para abrir as negociações
e serem cumpridos os acordos com as empresas, os afetados são duramente violentados
e criminalizados ao lutarem por seus direitos.
O modo de produção capitalista desde sua origem sempre combinou processos
de violência entre os métodos da acumulação do capital, expressos por meio do
“domínio de bens públicos, assenhorear-se e apoderar-se de propriedades e
patrimônios públicos e privados em nome do progresso geral da sociedade são práticas
regulares em toda a história do capitalismo” (BRANDÃO, 2010, p. 45). Além disso, afirma
Brandão (2010, p. 48), os métodos de acumulação do capital são diversos, como:
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A expropriação e supressão de camponeses, de atividades domésticas e de produções e distribuições solidárias. A geração de uma massa redundante de proletários destituídos de propriedade. Os subterfúgios e mecanismos de exploração (territorial, de classe, de atributos naturais etc.). O uso do território e de seus recursos minerais, água, energia etc. até exauri-los. A apropriação do espaço urbano (de sua intra e interurbanidade) como locus privilegiado da acumulação espoliativa. Estes e muitos outros são mecanismos permanentes de expropriação, sustentados muitas vezes por Estados e organismos internacionais.
Para a região amazônica estão planejados (para construção ou expansão) ou já
foram implementados vários empreendimentos de grande porte, como: usinas
hidrelétricas, a hidrovia Araguaia-Tocantins, a ferrovia Norte-Sul e rodovias. As
influências de todos esses projetos aprofundam uma gama de dificuldades para a maior
parte da população ao impactar ambiental, social e economicamente os seus modos de
ser e de viver, posto que os lucros se restringem aos empreendedores.
Entre os principais impactos da usina Estreito destacam-se o desmatamento, a
contaminação da água, a expulsão da terra, a eliminação de postos de trabalho, a
proliferação de mosquitos, menos áreas agricultáveis, restrição dos pescados, violência,
poluição, degradação das condições de vida das populações. Nesse sentido,
consideramos o entrelaçamento presente nos aspectos ambiental, social e econômico
quando nos referimos aos impactos causados pela UHE Estreito. Assim, transcendem o
alagamento decorrente da formação do reservatório, e, deste, ocorrem tantos outros.
Os impactos dessa usina incidiram sobre a população urbana e rural. Após a
construção da barragem foram inundados extensos hectares, desaparecendo praias e
muitas ilhas, fauna e flora nativas. As famílias que habitavam esse território e extraiam
sua sobrevivência da agricultura; do extrativismo vegetal; da pesca e do garimpo foram
deslocadas compulsoriamente, expropriadas dos seus direitos, tiveram seus meios de
subsistência interrompidos e a fragmentação das comunidades.
O CESTE estabeleceu como modalidades compensatórias para as perdas
materiais: reassentamento rural agropecuário; reassentamento rural agrícola, aquisição
e carta de crédito e reconheceu como afetados: o pequeno proprietário rural, os
proprietários rurais e urbanos, os proprietários não residentes na propriedade. Na etapa
seguinte o consórcio estabeleceu os planos dos deslocamentos com as opções para as
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implantações dos reassentamentos (as dimensões dos imóveis seguindo padrões
específicos) e as indenizações para os proprietários.
Assim, o CESTE definiu as áreas alagadas, os sujeitos afetados e as formas de
compensação (dinheiro, carta de crédito ou reassentamento). O processo foi impositivo
e violento. As famílias que obtinham parte do seu sustento das plantações da vazante,
por exemplo, não foram “beneficiadas” porque a empresa alegou que a margem do rio
era uma área pública e por isso não seriam indenizadas.
Já as famílias consideradas “beneficiárias” assinaram um termo de opção entre
as modalidades apresentadas (leia-se impostas) pelo consórcio, no qual não havia
alternativa de mudança. O procedimento adotado pelo CESTE para a construção da
hidrelétrica Estreito demonstra a compreensão que o setor elétrico possui a respeito da
população afetada pelas barragens.
Uma compreensão bastante restrita, pois considera apenas os que possuem
propriedade com documentação, os denominados patrimonialistas, desconsiderando as
famílias de pescadores, extrativistas, posseiros, agricultores, agregados11, oleiros,
barqueiros, barraqueiros e muitos outros difíceis de classificar.
A questão é mais abrangente, vez que as relações sociais - durante décadas
estabelecidas por parentesco, amizade e vizinhança - que foram quebradas não são
possíveis de serem compensadas. Para as compensações materiais foram poucas as
famílias indenizadas e muitos os problemas, seja porque o consórcio demorou para
reassentar as famílias, e quando o fez não assegurou as condições mínimas para
moradia, seja porque, em alguns casos, as famílias já reassentadas foram novamente
deslocadas, pois estavam em uma área que também seria alagada. Entre aqueles que
receberam valores em dinheiro, ocorreu que, por falta de orientação e
acompanhamento gastaram rapidamente o recurso, bem como não conseguiram com o
valor da indenização adquirir outro imóvel na cidade (CAMARGO; HASHIZUME, 2008a).
No período que antecedeu o enchimento do reservatório, as famílias ribeirinhas
foram pressionadas e ameaçadas a venderem suas casas e deixarem o local. O
reassentamento ocorreu em condições inadequadas. Ademais, existe a dificuldade de
adaptação e de sobrevivência em outro território, onde é necessário desenvolver, por
11 Expressão utilizada na região para as pessoas que vivem e trabalham em uma parte da terra que um familiar cedeu, de modo que são agregados ao território e a outra família.
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4733
exemplo, no canteiro de obras, atividades diferentes das que estavam habituados no
campo. Embora o empreendedor divulgue os números de empregos criados com as
obras, são em sua maioria empregos temporários.
Os índices de violência e prostituição aumentaram devido ao crescimento
populacional, sobretudo, nas cidades de Estreito e Aguiarnópolis, que receberam muitos
homens, solteiros ou desacompanhados de suas famílias. A construção de um
empreendimento de grande porte, como a usina Estreito, não foi acompanhada de
melhoria dos indicadores sociais nem de ações estruturantes de enfrentamento aos
seus impactos sociais.
Assim, as ações executadas pelo empreendimento foram no sentido de
minimização dos impactos. Por outro lado, reforçam a negligência do poder público no
âmbito dos investimentos sociais, alimentando o jogo de interesses entre governo e
empresas privadas (CAMARGO; HASHIZUME, 2008b). Os governantes possuem
interesses nessas grandes obras por causa do pagamento dos royalties, com a
destinação de elevadas cifras para prefeituras, governos estaduais e federal.
Trata-se de projetos societários regidos por racionalidades em confronto. A
racionalidade econômica objetiva a acumulação do capital de modo que conduz e tem
sido conduzida por um processo tecnológico voltado para este fim. Segundo Leff (2009,
p. 155), “as aplicações práticas do desenvolvimento científico e do progresso
tecnológico foram fortemente orientadas pela racionalidade econômica capitalista”,
pois considera que “os modelos tecnológicos e os processos produtivos desenvolvidos
por esta racionalidade econômica não permitem um manejo ecologicamente racional
dos recursos naturais” (LEFF, 2009, p. 154). São expressões do fetiche do
desenvolvimento sustentável enquanto tentativas de harmonizar os contrários do
desenvolvimento: o crescimento econômico e a preservação do meio ambiente.
4 CONCLUSÃO
Apesar de estudos e relatórios de impacto ambiental prevaleceu na construção
da barragem para geração de energia hidrelétrica em Estreito a preocupação com
medidas de mitigação de impactos, marcadas por contradições. Para o
empreendimento, as famílias afetadas são consideradas um problema a ser resolvido e
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4734
um empecilho para a concretização dos grandes projetos, enquanto estas lutam e
resistem para concretizar seus direitos.
O empreendedor objetiva esvaziar a área expulsando a população, ao contrário
da relação que estabelece com o rio, que devido a sua abundância compatibiliza o
aproveitamento hidrelétrico a ser explorado e, portanto, dele depende. O rio passa a
exercer função de mediação para produção de energia elétrica, tornando-se (a água)
uma mercadoria da qual as empresas dependem no processo de compra e venda,
condição sine qua non. Dialeticamente, o mesmo rio atende a sobrevivência de parte da
população da região, entre outras funções.
Os impactos social, ambiental e econômico atingem os grupos sociais em todas
as fases da construção da barragem, e esses têm se deparado com o desprezo e descaso
dos empreendedores e do poder público, posto que as medidas compensatórias e os
acordos sobre indenizações e reassentamentos quase nunca são cumpridos. E essas
medidas, quando aparecem nos EIA/RIMA, acontecem de forma superficial e impositiva
(os valores, a estrutura das casas, a disposição dos cômodos, os locais), e distante de se
sobrepor às perdas sociais e ambientais.
REFERÊNCIAS
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4735
_________. Sob suspeita, compensações substituem políticas públicas. Repórter Brasil. 2008b. Publicada em 04/08/2008. Disponível em: http://reporterbrasil.org.br/2008/08/sob-suspeita-compensacoes-substituem-politicas-publicas/ _________. Barragem muda o ambiente e a vida de quem depende da bacia. Repórter Brasil. 2008c. Publicada em 08/08/2008. Disponível em: http://reporterbrasil.org.br/2008/08/barragem-muda-o-ambiente-e-a-vida-de-quem-depende-da-bacia/ COMISSÃO MUNDIAL DE BARRAGEM (CMB). Barragens e Desenvolvimento – Um novo modelo para Tomada de Decisões. Tradução de Carlos Afonso Malferrari, 2000. Disponível em: htpp://www.fboms.org.br/old/doc/resumo_barragens.pdf EIA/RIMA, CNEC Engenharia, 2001. FEARNSIDE, Philip M.; PUEYO, Salvador. Barragens Tropicais e Gases de Efeito Estufa 1: Emissões Subestimadas. 2015. Disponível em: http://amazoniareal.com.br/barragens-tropicais-e-gases-de-efeito-estufa-1-emissoes-subestimadas LEFF, Enrique. Ecologia, capital e cultura: a territorialização da racionalidade ambiental. Petrópolis: Vozes, 2009. MAGALHÃES, Sônia Barbosa. Lamento e Dor. Uma análise sócio-antropológica do deslocamento compulsório provocado pela construção de barragens. Tese de Doutorado em Ciências Sociais. Universidade Federal do Pará em co-tutela com a École Doctorale Vivant et Sócietés da Universidade Paris 13. Belém, 2007. VAINER, Carlos Bernardo. O conceito de atingido: uma revisão do debate e diretrizes. 2003. Disponível em: http://www.observabarragem.ippur.ufrj.br
4736
EIXO TEMÁTICO 10 | QUESTÃO AGRÁRIA, URBANA E AMBIENTAL
TEORIA MARXISTA DA DEPENDÊNCIA E AS CIDADES NA PERIFERIA DO CAPITAL
MARXIST THEORY OF DEPENDENCE AND CITIES IN THE PERIPHERY OF CAPITAL
Ada Kallyne Sousa Lopes1
RESUMO O presente trabalho analisa a relevância de apreendermos a produção capitalista do espaço urbano brasileiro, a partir das instigantes fundamentações teóricas elaboradas pelos autores da Teoria Marxista da Dependência (TMD), com destaque para os trabalhos de Vânia Bambirra e Ruy Mauro Marini. Por meio de uma revisão teórica buscamos evidenciar a atualidade do debate da reprodução do capitalismo dependente, com enfoque nas particularidades histórico-estruturais brasileiras, para a compreensão das complexidades e contradições presentes na conformação das cidades do capital dependente. Palavras-Chaves: Capitalismo Dependente. Teoria Marxista da Dependência. Cidades do Capital Dependente. ABSTRACT The present work analyzes the relevance of apprehending the limits and possibilities of the materialization of the right to the city in the Brazilian reality, from the instigating theoretical foundations elaborated by the authors of the Marxist Theory of Dependence (TMD), with emphasis on the works of Vânia Bambirra and Ruy Mauro Marini. Through a theoretical review we seek to highlight the current debate on the reproduction of dependent capitalism, with a focus on Brazilian historical-structural particularities, to understand the complexities and contradictions present in the production of urban space. Keywords: Dependent Capitalism. Marxist Dependency Theory. Right to the City.
1 Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Política Social na Universidade de Brasília. E-mail: [email protected].
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INTRODUÇÃO
Este trabalho tem o objetivo de debater a riqueza teórico-metodológica da
Teoria Marxista da Dependência para a análise do processo de produção e reprodução
do espaço urbano brasileiro. Nosso propósito é o de evidenciar a necessidade de
apreendermos - em nossas análises sobre as cidades – as determinações histórico-
sociais que conformam a natureza dependente do capitalismo latino-americano e as
particularidades que esse movimento assume na formação social brasileira.
Para alcançarmos nosso propósito, desenvolveremos uma revisão teórica em
nossa análise, dividindo-a em dois momentos: uma breve síntese sobre a TMD e o
capitalismo dependente latino-americano; e as particularidades que a produção do
espaço urbano apresenta em uma sociedade marcada pelo desenvolvimento desigual e
combinado, como o Brasil.
2 O CAPITALISMO DEPENDENTE LATINO-AMERICANO E A TEORIA MARXISTA DA DEPENDÊNCIA
O debate sobre a configuração do capitalismo dependente é diverso, não
consensual e composto por diferentes perspectivas teóricas. A variedade de concepções
e interpretações é extensa passando por teóricos como Fernando Henrique Cardoso e
Enzo Faletto em seu clássico estudo “dependência e desenvolvimento na América
Latina: ensaio de interpretações sociológica” até autores da teoria social crítica como
Ruy Mauro Marini, Vânia Bambirra, Theotônio dos Santos, André G. Frank, dentre
outros. Dentre a vasta produção dos autores da Teoria Marxista da Dependência (TMD)
destacamos as obras “Dialética da dependência”, “O capitalismo dependente latino-
americano” e “Imperialismo e dependência”.
A obra a “dialética da dependência” publicada pela primeira vez em 1973, no
México, representa a condensação de estudos e elaborações teóricas iniciadas no Chile,
por um grupo de estudiosos e militantes preocupados em apreender as relações de
dependência latino-americana. Este grupo de trabalho se dividia em eixos temáticos tais
como: as relações internacionais de dependência (Orlando Caputo e Roberto Pizarro), a
hegemonia estadunidense (Theotônio dos Santos), situação política do Chile (Sérgio
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Ramos), os fundamentos do capitalismo dependente (Vânia Bambirra), a economia
política da dependência (Ruy Mauro Marini).
De forma sintética podemos dizer que a TMD é uma corrente teórico-
metodológica e política que busca apreender a dinâmica interna do capitalismo nas
economias periféricas da América Latina, ao evidenciar as particularidades e
determinantes histórico-estruturais que conformam as relações sociais capitalistas nas
formações sociais e econômicas específicas de nossa região. Seus formuladores, ao
partirem da perspectiva de que existem peculiaridades no movimento do capital nos
países dependentes, nos revelam que a dimensão da totalidade é imprescindível para
compreendermos nossa realidade social. Logo, a apreensão das determinações sociais,
econômicas e políticas do capitalismo no Brasil, do papel do Estado Social, das
expressões da questão social e da luta de classe entre nós, requer uma apropriação dos
fundamentos teórico-analíticos da TMD.
Para Marini (1981) o processo de inserção das economias latino-americanas no
mercado mundial se deu, ainda no século XVI, com o início do capitalismo2. A primeira
forma de participação da América Latina no sistema econômico mundial ocorreu,
conforme o autor, enquanto colônias produtoras de materiais preciosos que contribuiu
para um aumento do fluxo de mercadorias e de formas de pagamento, em um processo
de dependência direto com suas metrópoles. Contudo, com o advento da revolução
industrial e da consolidação da Inglaterra como um dos principais centros econômicos e
políticos da Europa, as ex-colônias -agora países “independentes” politicamente -
passaram a estabelecer vínculos diretos com a principal potência capitalista.3
Por meio da exportação massiva de matérias-primas e de alimentos para as
nações capitalistas centrais, os países latino-americanos garantiram, segundo Marini
2 Em seu livro “Capitalismo Dependente” Florestan Fernandes desenvolve uma brilhante contribuição teórica sobre essas relações de dependência no Brasil pos independência. Entretanto, como enfatizado pelos teóricos da TMD e pelo próprio Florestan, as relações comerciais estabelecidas entre o Brasil e as metrópoles apesar de se configurar de forma subordinada e dependente não apresenta a mesma processualidade da dependência nos marcos do capitalismo em seu estágio já desenvolvido. Isto se deve ao fato de que o caráter dependente das economias latino-americanas é histórico e, portanto, não se reproduz de forma anacrônica. 3 Nota-se que no processo de consolidação do capitalismo enquanto modo de produção dominante e da hegemonia inglesa no mercado mundial, as economias dependentes entraram em um novo momento da dependência e do subdesenvolvimento, distintos dos estabelecidos no período colonial. Bambirra (2015) nos chama atenção para o fato de que quando falamos do caráter dependente das economias latino-americanas não nos referimos a um bloco homogêneo e uniforme. Existem particularidades histórico-estruturais de cada formação social, assim como semelhanças o que leva a autora a construir uma tipologia teórico-analítica para o estudo das sociedades dependentes latino-americanas. Para uma maior apreensão dos elementos trabalhados pela autora ver: BAMBIRRA, Vania. Capitalismo dependente latino-americano. Ed. Insular, 3º edição, Florianópolis. 2015
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(1981), as condições necessárias para que os países centrais materializassem a
passagem de uma acumulação capitalista assentada na produção de mais-valia absoluta
para a produção de mais-valia relativa4. Mas o que significa, em termos práticos – e
também teóricos – essa reorganização nas formas de extração de mais-valia?
Em suma, significa que a inserção da América Latina no mercado internacional –
por meio do fornecimento de alimentos e matérias-primas – proporcionou o aumento
da produtividade do trabalho nos países centrais. Em outras palavras, as nações
dominantes conseguiram aumentar a capacidade produtiva no seu processo de
acumulação do capital, sem, contudo, intensificar a exploração da força de trabalho. A
esse mecanismo de substituição de uma mais-valia absoluta para mais-valia relativa,
Marini (1981) denominou de transferência de valor.
Para Marini (1981) esta relação estabelecida entre os países centrais e os países
periféricos possui medidas desiguais, uma vez que os países dependentes necessitaram
desenvolver mecanismos para compensar a transferência de valor presente nesses tipos
de transações econômicas mundiais. Segundo o autor, o segredo dessa troca desigual
entre as economias centrais e periféricas está assentada na possibilidade aberta ao
aumento da produtividade e da produção de mais-valia relativa nos países industriais.
Entretanto, Marini (1981) nos chama atenção para o equívoco muito presente
nas análises deste processo de que o aumento da produtividade por si só seria
responsável pela criação de mais-valor. Na verdade, como salientado pelo autor, o
aumento da capacidade produtiva está diretamente relacionado à redução do valor
individual da mercadoria fabricada, que acaba por gerar uma mais-valia extraordinária
e não a produção de mais valor no processo produtivo.
Portanto, para Marini (1981) o predomínio da mais-valia relativa nos países
centrais só foi possível graças a alteração na relação entre tempo de trabalho
socialmente necessário e tempo de trabalho excedente. Ou seja, somente por meio da
desvalorização dos bens-salário o capitalista teve as condições necessárias para a
produção de mais-valia relativa, com o rebaixamento do valor real da força de trabalho.
Nesse sentido, a introdução de máquinas e tecnologias possibilitaram um aumento da
4 De forma suscinta – e até bastante simplista, podemos dizer que a mais-valia absoluta é a forma de extração de sobretrabalho, por meio de uma intensificação da exploração da força de trabalho empregada no processo produtivo, como por exemplo, o aumento da jornada de trabalho. Já a mais-valia relativa se dá por meio de incremento na produtividade do trabalho realizado, por meio de inovações tecnológicas. Ver o livro O capital, volume 1 de Karl Marx.
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produtividade do trabalhador, mas foi a desvalorização dos bens-salário, com uma
diminuição do tempo de trabalho necessário, o mecanismo responsável pela produção
da mais-valia relativa nesses países centrais.
Conforme Marini (1981) a participação da América Latina nesse processo se deu
de forma contraditória. Pois, na medida em que o aumento da produtividade acarreta
um consumo cada vez mais elevado de matérias-primas por parte dos países
industrializados, o valor do capital variável torna-se menor em relação ao capital
constante. Dessa forma, a composição orgânica do capital total (variável + constante)
acaba por gerar uma queda na taxa de mais-valia, uma vez a taxa apropriada pelo
capitalista, na forma de lucro, não está fixada apenas ao capital variável, mas sim a todo
o processo de produção do capital.
Para equacionar essa contradição do processo de acumulação do capital os
países industriais poderiam seguir dois procedimentos: em primeiro lugar uma
intensificação da exploração da força de trabalho e em segundo lugar buscar uma queda
nos custos com o capital constante. De acordo com Marini (1981) o caminho seguido
pelas nações capitalistas centrais foi de um barateamento cada vez maior no mercado
internacional do preço das matérias-primas e de alimentos.
Essa tentativa de estabilizar a composição orgânica do capital, com o
barateamento do capital constante a fim de evitar uma acentuada queda da taxa de
mais-valia, foi responsável pela deterioração das relações de troca entre esses países.
Entretanto, o autor questiona por que mesmo com a desvalorização dos preços dos
produtos exportados pelos países latino-americanos, estes continuaram a exercer esse
papel na divisão internacional do trabalho? A resposta é, conforme Marini (1981),
encontrada na debilidade destas nações e nos diferentes mecanismos existentes que
possibilitam a transferência de valor entre as nações industriais e não industriais.
O primeiro mecanismo está relacionado às transferências que correspondem a
aplicações especificas das leis de troca. Procedimento esse, presente com o aumento da
produtividade dos países centrais e nas relações de troca estabelecido entre esses. O
segundo mecanismo de transferência de valor enfatizado por Marini (1981) foi o
relacionado ao monopólio da produção, ou seja, nas relações de troca entre distintas
classes de mercadorias (matérias-primas e industriais) as nações que possuem o
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monopólio produtivo “ilude” a lei do valor ao vender seus produtos industriais a um
preço supervalorizado.
Dessa forma, para o autor os países de capitalismo dependente necessitaram
desenvolver mecanismos de compensação desta massiva transferência de valor para os
países centrais. A principal forma de compensação adotada pelas nações latino-
americanas e que se constituiu enquanto fundamento da dependência, foi a adoção de
uma maior exploração da força de trabalho por meio de um aumento da intensidade,
aumento da jornada de trabalho e da combinação da intensidade e aumento da jornada
conformando um quadro de expropriação das condições mínimas de existência desses
trabalhadores, denominado de superexploração da força de trabalho.
Segundo Marini (1981) as nações desfavorecidas nesse processo de troca
desigual não buscam responder o problema por meio de uma correção no preço de seus
produtos no mercado internacional, mas sim por meio de uma superexploração da força
de trabalho. Dessa forma, o consumo do operário foi reduzido além do seu limite
normal. Este procedimento só foi possível graças as próprias condições socioeconômicas
e políticas desses países que por não necessitarem da capacidade interna de consumo –
uma vez que a circulação da sua produção era voltada para o âmbito externo - podiam
rebaixar a níveis degradantes os bens-salário.
A materialização do desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo na
América Latina e de sua intrínseca superexploração do trabalho, necessitou, portanto,
de formas particulares para sua efetiva implementação. Bambirra (2015) destaca, em
sua análise, como os determinantes históricos, econômicos e sociais que conformaram
a industrialização latino-americana dependente evidenciaram a importância estratégica
que o setor agrário-exportador desempenhou nesse movimento ao barrar, em partes, a
consolidação da indústria no centro da dinâmica político-econômica destes países.
(...) a fraca – mas também bastante significativa – industrialização que se iniciou (nesses países) a partir do final do século XIX se realiza dentro do contexto de um sistema mundial, no qual esses países tem a função produtiva já definida como exportadores de produtos primários e, em cada um deles, o setor econômico fundamental é o setor exportador. Neste setor e naqueles que lhe são complementares se encontram as classes oligárquicas dominantes, compostas pelos latifundiários, proprietários das minas, comerciantes e financistas, que controlam e manipulam o poder econômico e político da sociedade em função de seus interesses e através do aparelho estatal (BAMBIRRA, 2012, p.76).
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O Estado, a burguesia e a classe trabalhadora – urbana e rural - serão os
principais sujeitos históricos para pensarmos as características e a natureza do
capitalismo dependente latino-americano. E se a natureza dependente do capitalismo
latino-americano traz em si uma dinâmica própria, é nesse chão histórico que a
produção e reprodução da vida social se desenvolve. Logo, a apreensão do processo de
urbanização das cidades do capital dependente será marcada por relações sociais que
se desenvolveram no seio do sistema de dominação oligárquico e imperialista e a partir
de uma superexploração da classe trabalhadora.
3 AS CIDADES DO CAPITAL DEPENDENTE E A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO BRASILEIRO
Como evidenciado na primeira parte deste trabalho, a natureza e particularidade
do capitalismo dependente condiciona as relações sociais, econômicas e políticas dos
países latino-americanos. Pensar sobre questões como Políticas Sociais, Fundo Público,
Desemprego, Desigualdades Regionais, Reforma agrária, Meio Ambiente e produção das
cidades em um país periférico é aceitar que, ao não incorporarmos as determinações
concretas da dinâmica da dependência em nossas análises, estamos incorrendo a um
equívoco teórico-metodológico. Pois, transportaríamos modelos analíticos elaborados
para a compreensão da complexidade do capital em outras realidades sociais.
Lefbvre (2001) em seu livro “A cidade do capital” - que nos serviu de inspiração
teórica para a construção da ideia de cidades do capital dependente - declara que “a
cidade concentra o que faz uma sociedade”. A máxima, não podia ser mais precisa. Ao
adotarmos a premissa de que os elementos histórico-estruturais de uma sociedade
condicionam a produção das cidades, estamos afirmando que, no capitalismo, portanto,
a produção e reprodução do espaço - seja ele urbano ou rural - é marcada por uma
profunda desigualdade econômica e social, assim como perpassada por luta de classes
e antagonismos.
Entretanto, se a cidade sintetiza as determinações de uma sociedade não
podemos admitir que toda cidade no capitalismo apresenta a mesma configuração. É
axiomático que apesar de existir pontos de convergência entre cidades como Paris, São
Paulo, Buenos Aires, ou Berlim, por exemplo, existem diversos pontos de ruptura entre
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as mesmas. Elementos que unem realidades históricas similares – mas não idênticas –
como São Paulo e Buenos Aires, as separam das grandes metrópoles do capitalismo
central.
A cidade do capital dependente é, dessa maneira, formada por uma classe
trabalhadora expropriada e superexplorada, por um racismo estrutural5, uma burguesia
autocrática subordinada aos interesses do capital6, um Estado que, como bem
evidenciado por Osório (2004), necessita exercer um poder político forte em suas
fronteiras nacionais, e uma soberania fraca nas relações estabelecidas com as
economias dominantes.
No Brasil, a produção capitalista do espaço ganha contornos próprios, uma vez
que um dos principais problemas estruturais do nosso país é a irresoluta e execrável
concentração fundiária7. A conformação e amadurecimento do capitalismo dependente
no Brasil foi concretizado, de acordo com Fernandes (2008), a partir da
interdependência entre setor latifundiário agrário-exportador e a nascente burguesia
industrial. Em outras palavras, a elite brasileira carrega em si uma simbiose de interesses
“agroindustriais”.
Esses elementos da nossa formação social nos dão base para compreendermos
a persistência da obscena concentração de renda e de terras existentes em nosso país.
As imensas dificuldades encontradas pelo Movimento Nacional pela Reforma Urbana
(MNRU) para garantir a materialização dos artigos constitucionais nº 182 e 183 - que
versam sobre a política urbana – que só se concretizou, em 2001, com o Estatuto da
Cidade advém justamente das contradições postas por essas determinações históricas.
A existência de imensas periferias e favelas, ou de uma sistemática e incessante
violência contra a classe trabalhadora urbana e rural só pode ser apreendida, em sua
totalidade, se dialogarmos com as particularidades do capitalismo dependente
brasileiro. A ausência de políticas sociais efetivas de urbanização, saneamento e
habitação constitui parcela importante do problema e sua reivindicação torna-se cada
5 Para uma compreensão a partir da perspectiva de totalidade sobre a questão racional no capitalismo ver: ALMEIDA, Silvio. Racismo estrutural, ed. Polén, São Paulo, 2ª reimpressão, 2019. 6 Infelizmente, não é possível desenvolver neste breve trabalho o fecundo debate travado pelos teóricos do pensamento social brasileiro sobre o caráter subordinado e subserviente das burguesias latino-americanas. Sobre esse elemento estrutural de nossa realidade ver: MAZZEO, Antônio C. Estado e Burguesia no Brasil: origens da autocracia burguesa. Boitempo, São Paulo. 7 Ver PRADO JR, Caio. A questão agrária. Ed. Braziliense.
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dia mais imprescindível em um contexto de imensos retrocessos civilizatórios.
Entretanto, a resolução desses problemas não depende, jamais, da institucionalização
deles.
É importante ressaltarmos que o caráter dependente do capitalismo brasileiro
não se apresenta de forma estática, inerte às transformações sociais, econômicas e
políticas próprias de cada especificidade histórica e conjuntural. Na verdade, as relações
de dependência são constantemente modificadas em consonância com o momento
histórico e as necessidades postas para a reprodução ampliada do capital. Logo, para
que possamos apreender as particularidades do movimento real que o capital assume
na sociedade brasileira atual e seus desdobramentos nas esferas subnacionais –
formada em sua maioria por pequenas e médias cidades, urge o debate sobre as
especificidades da dependência no contexto da mundialização financeira e suas
implicações para a configuração do Estado Social e da luta de classes.
Não poderemos travar esse debate neste trabalho, porém, a sinalização de que
a produção do espaço, na sociedade brasileira atual, acompanha as transformações da
dinâmica social e econômica mundial e passa por novas formas de dependência frente
a expansão do capital fictício nos revela a necessidade de apreendermos a implicação
dessas mudanças no processo de produção e reprodução das cidades brasileiras na
atualidade.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A luta pela construção de cidades justas, sustentáveis e democráticas como
preconizado pelo Estatuto da Cidade ou pela garantia da prevalência do interesse social
da propriedade urbana, pelo direito à moradia e saneamento ambiental perpassa pelo
enfrentamento teórico e prático dos elementos histórico-estruturais que conformam as
particularidades do capitalismo dependente brasileiro.
Dessa maneira, consideramos a Teoria Marxista da Dependência uma
fundamental corrente teórico-metodológica para o aprofundamento dos estudos e
análises que busquem investigar a produção e reprodução das cidades brasileiras e os
limites e possibilidades da materialização do direito à cidade. Especialmente em um
contexto histórico de acentuados retrocessos nos direitos sociais e marcos civilizatórios.
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A cidade do capital dependente, forjada nos marcos de uma sociabilidade
desigual e expropriadora, carrega em si as contradições do próprio capital dependente.
Sua apreensão em uma perspectiva de totalidade, requer, pois, uma compreensão das
particularidades de nossas formas sociais, econômicas e políticas. Nosso propósito, ao
resgatar o debate da TMD para o estudo dos fenômenos urbanos é o de apontar para a
importância de, coletivamente, aprofundarmos o debate sobre as cidades brasileiras em
seu movimento concreto.
REFERÊNCIAS
BAMBIRRA, Vania. Capitalismo dependente latino-americano. Ed. Insular, 3º edição, Florianópolis. 2015 FERNANDES, Florestan. Anotações sobre o capitalismo agrário e mudança social no Brasil. In: FERNANDES, Florestan. Sociedade de classes e subdesenvolvimento. Ed. Global, São Paulo, 2008. LEFEBVRE. Henry. A cidade do capital. DP&A, Rio de Janeiro, 2001. MARX, Karl. O capital, v.1, Ed. Boitempo, São Paulo, 2015. MARINI, Ruy Mauro. Dialética da dependência. Editora Era, México, 1981, 5º edição. OSÓRIO, Jaime. O Estado no centro da mundialização: a sociedade civil e o tema do poder. Expressão popular, 2004
4746
EIXO TEMÁTICO 10 | QUESTÃO AGRÁRIA, URBANA E AMBIENTAL
SANEAMENTO BÁSICO NO MARANHÃO: uma análise do financiamento e da gestão no período de 2009 a 2018
BASIC SANITATION IN MARANHÃO: an analysis of financing and management in the
period from 2009 to 2018
José Rui Moreira Reis1 RESUMO O artigo analisa o financiamento e a gestão do gasto público em saneamento básico executado pelo Estado do Maranhão no período de 2009 a 2018, destacando o montante, relevância, gestão e as fontes de financiamento dessa política. No plano metodológico fundamenta-se na análise crítica do financiamento e dos gastos orçamentários. Os resultados demonstram uma redução da relevância dos gastos em saneamento na última década, a Companhia de Saneamento Ambiental do Maranhão como principal instituição pública com atuação na área e as tarifas como principal fonte de recursos. Palavras-Chaves: Saneamento Básico; Maranhão; Financiamento; Gestão. ABSTRACT The article analyzes the financing and management of public spending on basic sanitation carried out by the State of Maranhão in the period from 2009 to 2018, highlighting the amount, relevance, management and funding sources of this policy. At the methodological level, it is based on the critical analysis of financing and budget expenditures. The results show a reduction in the relevance of sanitation expenditures in the last decade, the Maranhão Environmental Sanitation Company as the main public institution operating in the area, and tariffs as the main source of funds. Keywords: Basic Sanitation; Maranhão; Financing; Management.
1 Mestre em Desenvolvimento Socioespacial e Regional pela Universidade Estadual do Maranhão. Doutorando em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão. E-mail: [email protected]
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INTRODUÇÃO
Conforme disposto na Constituição Federal de 1988, as ações de melhoria das
condições habitacionais e de saneamento básico são de competência comum de todos
os entes federados, ou seja, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Munícipios
(BRASIL, 1988). Entretanto, o país apresenta uma situação preocupante no que diz
respeito às condições de saneamento básico.
De acordo com dados oficiais divulgados no Painel de Saneamento Brasil,
referentes ao ano de 2017, organizado pelo Instituto Trata Brasil, mais de trinta e três
milhões de pessoas não tem acesso à água potável, e mais de noventa e cinco milhões
não possuem nenhum sistema de coleta de esgotos em suas residências, o que por
consequência tem impacto direto nas condições ambientais e na qualidade de vida das
pessoas. No Estado do Maranhão a situação é ainda pior, mais de 5,2 milhões de pessoas
não tem coleta de esgotos, o que corresponde a mais 88% da população do Estado, e
mais de 2,7 milhões de pessoas não tem acesso à água tratada, o que corresponde a
mais 47% da população maranhense (INSTITUTO TRATA BRASIL, 2019).
Diante destes dados alarmantes e da responsabilidade solidária dos entes
federados, conforme disciplinado pela Carta Magna, este artigo tem como objetivo
analisar os gastos em saneamento básico efetuados pelo Governo do Estado do
Maranhão no período de 2009 a 2018, buscando identificar o montante de recursos
efetivamente aplicados, as principais fontes de financiamento e os principais órgãos
gestores e nos últimos dez anos.
Considerando que a atividade governamental constitui uma luta constante por
obter recursos e distribuí-los entre diferentes atividades estatais, a análise do
financiamento e da forma de gestão, pode revelar as características essenciais das
políticas de saneamento no Maranhão, apontando fatores que podem facilitar ou
restringir a formulação, a implementação e os resultados. Neste sentido, em
consonância com a metodologia de análise proposta por Evilásio Salvador e Sandra
Oliveira Teixeira (2014), este artigo busca responder as seguintes questões: qual é o
montante, a relevância e as fontes de financiamento do gasto público na área de
saneamento, efetuados pelo Governo do Estado do Maranhão?
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4748
Fagnani (2009, p. 123) aponta que “Na maior parte das vezes, a retórica oficial
procura ocultar os verdadeiros desígnios das ações governamentais. O gasto e o
financiamento das políticas sociais podem desmascarar esta retórica”. Neste mesmo
sentido, José Paulo Netto (2009) assinala que o conhecimento das Políticas Sociais
implica, antes de tudo, no conhecimento das suas fontes e formas de financiamento.
Assim, elaborou-se uma série histórica visando identificar a evolução dos gastos
com as ações de saneamento ao longo de dez anos, entre 2009 e 2018, bem como a
variação do comportamento deste gasto no período analisado, de modo a identificar
características gerais do gasto em diferentes contextos. Neste quesito específico,
efetuou-se o deflacionamento dos valores pelo Índice Geral de Preços (IGP-DI), de forma
a evidenciar os valores reais eliminando os efeitos da variação de preços e da
desvalorização da moeda no período.
A magnitude do gasto social corresponde à dimensão do gasto social no âmbito
da totalidade da intervenção do Estado, permitindo apreender a relevância do gasto
social na agenda estatal e verificar se os recursos são compatíveis ou não com as
necessidades sociais. No que tange a este aspecto, optou-se por comparar os valores
gastos nas ações de saneamento com o total executado pelo Governo do Estado do
Maranhão. Além disso, buscou-se identificar quais órgãos são responsáveis pela
condução dessa política. Por fim, foi analisado o financiamento das políticas de
saneamento, visando identificar as características e a origem dos recursos públicos
aplicados. Neste quesito realizou-se a discriminação dos gastos por fonte de recursos.
Considerando ainda que o orçamento público brasileiro tem caráter autorizativo,
os dados constantes deste artigo correspondem aos valores efetivamente executados/
liquidados e foram extraídos diretamente dos sistemas de execução financeira e
orçamentária do Estado do Maranhão e coletados junto à Secretaria de Estado do
Planejamento e Orçamento (SEPLAN), via Lei de Acesso a Informação.
Este artigo está organizado em três seções: esta introdução, a segunda seção
sumariza os dados e resultados da pesquisa, e a terceira e última seção apresenta
algumas notas conclusivas.
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2 FINANCIAMENTO E GESTÃO DO SANEAMENTO BÁSICO NO MARANHÃO
Os dados demonstram que no período de 2009 a 2018, enquanto o total dos
gastos realizados pelo Estado do Maranhão cresceu de 7,6 bilhões para 18,9 bilhões de
reais, os valores gastos com saneamento foram de 246,7 milhões em 2009 para 480,6
milhões em 2018. Quando se corrige esses valores pelo IGP-DI nota-se uma diferença
menor entre os montantes gastos, entre os anos de 2009 e 2018. O que num primeiro
momento poderia representar um aumento de quase 100% nos volumes de recursos
investidos, na verdade representa um acréscimo de apenas 11%. Considerando os
valores corrigidos, os dados apontam que durante esse período os gastos atingiram um
patamar mínimo de 348,2 milhões em 2010, e o maior valor foi no último ano da série
histórica quando atingiu a marca de 480,6 milhões. No conjunto, os piores anos foram
os de 2010, 2011 e 2015 quando os valores ficaram abaixo dos 400 milhões. Já os
melhores anos foram os de 2013, 2014, 2017 e 2018, quando o montante gasto
ultrapassou a barreira dos 460 milhões de reais.
Quando se analisa a relevância destes gastos, ou seja, sua representatividade no
conjunto da ação estatal nota-se uma redução significativa, visto que em 2009 os gastos
com saneamento representavam 3,24% do total, enquanto no ano de 2018 os gastos
representaram apenas 2,54%. Destaca-se ainda que o ano de 2009 foi a única vez, em
toda a série histórica, que os gastos com saneamento ultrapassaram a barreira dos 3%,
apresentando o maior volume de gastos relativos ao orçamento geral do estado,
enquanto o ano de 2015 foi o que apresentou menor valor, de 2,37%.
No geral, os gastos com saneamento giraram em torno de 2,6% dos gastos
realizados pelo Estado. Assim, apesar do leve acréscimo de 11% no montante dos gastos,
no período de 2009 a 2018, quando se analisa a relevância destes gastos perante o
orçamento geral do Estado nota-se uma redução significativa. Deste modo, pode-se
afirmar que durante a última década não houve uma forte intervenção do Estado na
questão do saneamento no Maranhão, mesmo diante dos péssimos indicadores que o
Estado apresenta.
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Tabela 1 – Montante dos gastos com saneamento no período de 2009 a 2018
CLASSIFICAÇÃO ANOS
FUNÇÃO/ SUBFUNÇÃO 2009 2010 2011 2012 2013
Saneamento 246.713.060 131.817.990 192.022.301 288.831.846 360.140.611
Saúde 0 88.819.635 69.667.136 4.204.975 577.500
Saneamento Rural 0 81.799.068 68.039.994 2.755.000 577.500
Saneamento Urbano 0 7.020.567 1.627.143 1.449.975 0
Total 246.713.060 220.637.624 261.689.437 293.036.821 360.718.111
Orçamento Geral 7.607.504.190 8.445.930.409 9.129.257.116 10.787.275.812 13.455.052.684
Participação no Orçamento em %
3,24% 2,61% 2,87% 2,72% 2,68%
Total Corrigido pelo IGP-DI
431.373.517 348.295.862 391.265.145 408.587.775 476.753.408
CLASSIFICAÇÃO ANOS
FUNÇÃO/ SUBFUNÇÃO
2014 2015 2016 2017 2018
Saneamento 368.013.569 322.411.779 368.174.478 432.187.728 474.579.318
Agricultura 0 0 0 1.381.196 0
Saneamento Rural 0 0 0 1.381.196 0
Assistência Social 0 0 4.795.716 8.160.624 5.851.691
Saneamento Rural 0 0 4.795.716 8.160.624 5.851.691
Saúde 1.652.651 0 498.068 162.256 154.206
Saneamento Rural 1.652.651 0 498.068 162.256 154.206
Saneamento Urbano 0 0 0 0 0
Total 369.666.220 322.411.779 373.468.262 441.891.804 480.585.216
Orçamento Geral 13.359.531.797 13.580.442.895 15.239.256.219 16.960.031.919 18.900.772.547
Participação no Orçamento em %
2,77% 2,37% 2,45% 2,61% 2,54%
Total Corrigido pelo IGP-DI
469.334.887 370.066.529 401.605.846 476.777.483 480.585.216
Fonte: Elaboração do autor, com base em dados fornecidos pela Secretaria de Estado do Planejamento e Orça- mento do Maranhão (SEPLAN).
No que tange a gestão, os dados demonstram que durante o período analisado
o principal órgão gestor dos gastos com saneamento é a Companhia de Saneamento
Ambiental do Maranhão – CAEMA, com mais de 97% dos gastos. Conforme informações
disponíveis no site da instituição, a CAEMA atende com água tratada cento e cinquenta
e seis sistemas de abastecimento de água dos duzentos e dezessete municípios
maranhenses, e as duas maiores cidades do Maranhão (São Luís e Imperatriz) no que se
refere ao esgotamento sanitário (CAEMA, 2019).
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Tabela 2 – Gastos por órgão gestor no período de 2009 a 2018
Órgãos 2009 2010 2011 2012 2013 2014
Companhia de Saneamento Ambiental do Maranhão
221.370.646 211.017.714 253.969.655 288.831.846 360.140.611 368.013.569
Fes/Unidade Central
23.778.202 9.619.910 7.719.782 4.204.975 577.500 1.652.651
Sec. de Planejamento e Orçamento
1.564.212 0 0 0 0 0
Total 246.713.060 220.637.624 261.689.437 293.036.821 360.718.111 369.666.220
Órgãos 2015 2016 2017 2018 Acumulado %
Companhia de Saneamento Ambiental do Maranhão
322.411.779 367.514.660 431.142.062 460.936.925 3.285.349.467 97,46%
Fes/Unidade Central
0 498.068 162.256 154.206 48.367.550 1,43%
Gerencia de Inclusão Socioprodutiva
0 4.795.716 8.160.624 10.108.629 23.064.969 0,68%
Secretaria de Agricultura Familiar
0 0 1.381.196 7.248.018 8.629.215 0,26%
Secretaria de Cidades Desenvol. Urbano
0 659.818 1.045.666 2.117.464 3.822.948 0,11%
Sec. de Planejamento Orçamento
0 0 0 0 1.564.212 0,05%
Fundo Penitenciário Estadual
0 0 0 19.974 19.974 0,00%
TOTAL 322.411.779 373.468.262 441.891.804 480.585.216 3.370.818.334 100%
Fonte: Elaboração do autor, com base em dados fornecidos pela Secretaria de Estado do Planejamento e Orçamento do Maranhão (SEPLAN).
A CAEMA é uma sociedade de economia mista, ou seja, uma sociedade anônima
que visa à exploração de atividade econômica, criada pelo Poder Executivo Estadual com
a finalidade de coordenar o planejamento e executar, operar e explorar serviços
públicos de esgotos e abastecimento de água potável, bem como realizar obras de
saneamento básico, no território do Estado, mediante convênios com os municípios
(MARANHÃO, 1966).
Em segundo plano, o Fundo Estadual de Saúde operado pela Secretária de Estado
da Saúde teve uma participação de apenas 1,43% dos gastos no período. Contudo,
destaca-se que esta Secretaria chegou a gerir mais de 23,7 milhões de reais no ano de
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2009, o que representou quase 10% dos recursos em saneamento, entretanto este valor
foi reduzido paulatina e drasticamente a partir de 2010. Os dados evidenciam ainda uma
diversificação dos órgãos que atuam na área de saneamento a partir do ano de 2016,
com destaque para Gerência de Inclusão Socioprodutiva e Secretaria de Agricultura
Familiar, contudo, com valores bem inferiores aos realizados pela CAEMA.
Para análise do financiamento se optou pela divisão em períodos, conforme os
Planos Plurianuais. No primeiro período analisado de 2009 a 2011, observou-se que a
maior parte dos gastos com saneamento tem como fonte de financiamento “Recursos
Diretamente Arrecadados”, que são aqueles recolhidos através da cobrança de tarifas
dos usuários do serviço público de abastecimento de água e coleta de esgotos. Esses
valores corresponderam a 59% dos recursos aplicados no período. Outra fonte de
recursos importante foram os vinculados a “Ações e Serviços Públicos de Saúde”, que
corresponderam a quase 36% dos recursos aplicados neste primeiro período. Destaca-
se ainda que essa fonte chegou a representar mais de 40% dos recursos investidos em
saneamento entre os anos de 2009 e 2010, mas a partir de 2011 passou a apresentar
uma trajetória descendente. A análise da série histórica demonstra claramente que
devido à redução de recursos originados da fonte “Ações e Serviços Públicos de Saúde”,
a utilização de “Recursos Ordinários - Tesouro” passa adquirir relevância. Esta fonte, que
não contribuiu com o financiamento do saneamento nos anos de 2009 e 2010, atinge a
marca de 11% em 2011, sendo a terceira principal fonte no período, com 4% dos
recursos.
A análise do período seguinte de 2012 a 2015 demonstra uma completa perda
de relevância da fonte “Ações e Serviços Públicos de Saúde” no financiamento do
saneamento, passando a representar apenas 0,24% do volume investido. Nota-se ainda
que os recursos originados dessa fonte, que chegaram a ultrapassar a marca de 100
milhões de reais em 2009, caíram de 2,7 milhões em 2012 para zero em 2015.
Possivelmente, essa redução é um efeito da Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro
de 2012, que dispõe sobre os valores mínimos a serem aplicados anualmente pela
União, Estados, Distrito Federal e Municípios em ações e serviços públicos de saúde, e
estabelece os critérios de rateio dos recursos de transferências e as normas de
fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas três esferas de governo.
Essa lei estabeleceu que as ações de saneamento básico, limpeza urbana e remoção de
resíduos, e preservação e correção do meio ambiente não constituem despesas com
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ações e serviços públicos de saúde para fim de apuração da aplicação dos recursos
(BRASIL, 2012). Assim, essa fonte de recursos deixou de contribuir com o financiamento
das ações de saneamento.
Os recursos diretamente arrecadados mantiveram o mesmo patamar, em torno
de 58%, entre as fontes financiamento. Observa-se ainda um aumento expressivo da
fonte “Recursos Ordinários – Tesouro”, que assume a segunda posição como principal
forma de financiamento do saneamento no Maranhão. Enquanto no período anterior
essa fonte representava 4% dos recursos investidos, no período de 2012 a 2015 estes
valores ultrapassaram a marca de 28%.
Os recursos decorrentes de “Convênios com Órgãos Federais” apresentaram um
aumento importante no conjunto das fontes de recursos, passando de 0,45% no período
de 2009 a 2011 para 8,6% no período seguinte, passando a condição de terceira principal
fonte de financiamento do saneamento. Este número foi puxado principalmente pelo
volume de gastos em 2013, que chegaram a mais de 67 milhões de reais, atingindo a
marca 18,7 % do total de recursos investidos, contudo esta fonte também apresentou
percentuais relevantes nos outros anos deste quadriênio, variando entre 3,8% e 5,9%.
Destaca-se ainda a fonte de recursos “Operações de Crédito Interna”, que até o ano de
2012 não teve nenhuma participação no volume de recursos aplicados em saneamento,
mas em 2013 teve uma participação de 5% e em 2014 de 9%, chegando a figurar como
a terceira principal fonte de financiamento neste ano, no período a participação desta
fonte foi de 4%.
A análise do período de 2016 a 2018 demonstra uma trajetória crescente,
constante e acentuada da importância dos “Recursos Diretamente Arrecadados” no
conjunto das fontes de recursos do saneamento, passando de 62,7% em 2016 para mais
de 92% em 2018. Os recursos dessa fonte praticamente dobraram neste período, indo
de 234 milhões de reais em 2016 para mais de 446 milhões em 2018. Em sentido oposto,
a importância dos “Recursos Ordinários – Tesouro” despencou de 22,9% em 2016 para
0,3% em 2018, em termos de valores a queda foi de 85 milhões para 1,6 milhões. Os
recursos dessa fonte representaram apenas 13,3% do valor investido no triênio,
enquanto no período anterior era de 28,7%. Os recursos advindos de “Convênios com
Órgãos Federais” passaram de 8,6% no período anterior para 5,4%, figurando ainda
como terceira fonte de recursos em termos de relevância
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Tabela 3 – Gastos por fonte de recursos no período de 2009 a 2011
FONTE 2009 % 2010 % 2011 % 2009-2011 %
Ações e Serviços Públicos de Saúde 101.724.219 41,23 88.819.635 40,26 69.667.136 26,62 260.210.990 35,69
Convênios com Órgãos Federais 497.848 0,20 0 0,00 2.791.848 1,07 3.289.696 0,45
Doações de Entidades Nacionais 1.564.212 0,63 0 0,00 0 0,00 1.564.212 0,21
Recursos Diretamente Arrecadados 142.839.974 57,90 131.817.990 59,74 157.601.626 60,22 432.259.590 59,29
Recursos Ordinários – Tesouro 0 0,00 0 0,00 29.870.560 11,41 29.870.560 4,10
Contrapartida Estadual Convênios Federais 86.807 0,04 0 0,00 1.758.268 0,67 1.845.075 0,25
Total 246.713.060 100 220.637.624 100 261.689.437 100 729.040.123 100
Fonte: Elaboração do autor, com base em dados fornecidos pela SEPLAN.
Tabela 4 – Gastos por fonte de recursos no período de 2012 a 2015
FONTE 2012 % 2013 % 2014 % 2015 % 2012-2015 %
Ações e Serviços Públicos de Saúde 2.755.000 0,94 385.000 0,11 67.758 0,02 0 0,00 3.207.758 0,24
Convênios com Órgãos Federais 17.344.113 5,92 67.419.771 18,69 18.441.339 4,99 12.347.145 3,83 115.552.369 8,59
Operações de Crédito Interna 0 0,00 17.733.114 4,92 34.139.765 9,24 3.356.851 1,04 55.229.729 4,10
Recursos Diretamente Arrecadados 173.803.965 59,31 184.807.161 51,23 224.232.877 60,66 200.538.565 62,20 783.382.567 58,21
Recursos Ordinários – Tesouro 96.412.736 32,90 90.342.361 25,05 92.784.482 25,10 106.169.218 32,93 385.708.797 28,66
Contr. Estadual Convênios Federais 2.721.007 0,93 30.704 0,01 0 0,00 0 0,00 2.751.711 0,20
Total 293.036.821 100 360.718.111 100 369.666.220 100 322.411.779 100 1.345.832.931 100
Fonte: Elaboração do autor, com base em dados fornecidos pela SEPLAN.
Tabela 5 – Gastos por fonte de recursos no período de 2016 a 2018
Fonte: Elaboração do autor, com base em dados fornecidos pela SEPLAN
FONTE 2016 % 2017 % 2018 % 2016-2018 %
Ações e Serviços Públicos de Saúde 256 0,00 20.466 0,00 0 0,00 20.722 0,00
Adicional ICMS – FUMACOP 7.772.367 2,08 6.720.959 1,52 6.325.384 1,32 20.818.709 1,61
Convênios com Órgãos Federais 32.083.848 8,59 18.171.127 4,11 20.193.878 4,20 70.448.852 5,44
Operações de Crédito Interna 14.023.748 3,76 8.432.302 1,91 5.588.606 1,16 28.044.656 2,16
Recursos Diretamente Arrecadados 234.132.195 62,69 322.711.615 73,03 446.833.577 92,98 1.003.677.387 77,45
Recursos Ordinários – Tesouro 85.455.848 22,88 85.835.336 19,42 1.643.772 0,34 172.934.955 13,34
Total 373.468.262 100 441.891.804 100 480.585.216 100 1.295.945.282 100
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3 CONCLUSÃO
Em síntese, os dados apontam que a política de saneamento ocupa um lugar
marginal na agenda governamental do Estado do Maranhão, como ficou evidenciado
pelo baixo volume de recursos aplicados. Além disso, na última década houve uma
redução significativa do percentual de recursos investidos nesta área. Esta redução pode
ser considerada uma das causas dos péssimos indicadores de saneamento básico que o
Maranhão apresenta.
Considerando que a Companhia de Saneamento Ambiental do Maranhão é o
principal órgão de atuação estatal na política de saneamento básico do Maranhão, e que
esta instituição é uma sociedade de economia mista, é importante problematizar e
compreender os efeitos desse modelo de organização e gestão no âmbito das políticas
de saneamento. Visto que na gestão empresarial, as decisões sobre a hierarquização das
ações tendem a ser presididas pelo critério da rentabilidade financeira, em detrimento
das carências sociais da população.
Por fim, a análise do financiamento demonstrou que em todo período estudado
a principal fonte de financiamento do saneamento são os recursos originados das tarifas
dos usuários, com um percentual de participação que variou entre 51,2% em 2013 e 93%
em 2018. Destaca-se que até 2011, os recursos oriundos de “Ações e Serviços Públicos
de Saúde” ocupavam um papel relevante entre as fontes de financiamento. Contudo,
em decorrência das limitações impostas pela legislação, o Estado se viu obrigado a
buscar outras fontes de recursos, visto que os recursos oriundos de tarifas dos usuários
não se mostraram suficientes ao custeio dessa política. A partir de 2018, há um aumento
expressivo do volume e da relevância de recursos diretamente arrecadados, o que pode
ser considerado um indício importante de melhoria da eficiência e da sustentabilidade
econômica desta política.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm Acesso em: 31 ago. 2019.
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________. Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012. Regulamenta o § 3º do art. 198 da Constituição Federal para dispor sobre os valores mínimos a serem aplicados anualmente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios em ações e serviços públicos de saúde; estabelece os critérios de rateio dos recursos de transferências para a saúde e as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas 3 (três) esferas de governo; revoga dispositivos das Leis nos 8.080, de 19 de setembro de 1990, e 8.689, de 27 de julho de 1993; e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp141.htm Acesso em: 31 ago. 2019. FAGNANI, E. Avaliação do ponto de vista do Gasto e Financiamento das Políticas Públicas. In: RICO, Elizabeth Melo (Org.). Avaliação de políticas sociais: uma questão em debate. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2009.p.119-130. INSTITUTO TRATA BRASIL. Painel Saneamento Brasil. Disponível em: https://www.painelsaneamento.org.br/localidade?id=21. Acesso em 31 ago. 2019. MARANHÃO. Lei nº 2.653, de 06 de junho de 1966. Autoriza o Poder Executivo a criar a Companhia de Aguas e Esgotos do Maranhão, e dá outras providências. Disponível em: http://www.caema.ma.gov.br/portalcaema/index.php?option=com_docman&task=doc_details&gid=1408&Itemid=328 Acesso em: 15 jul. 2019. MARANHÃO. Companhia de Saneamento Ambiental do Maranhão – CAEMA. Estatuto Social. Alterações aprovadas em Assembleia Geral Extraordinária, de 28 de setembro de 2018. Assessoria de Governança Corporativa. São Luís, 2018. Disponível em: http://www.caema.ma.gov.br/portalcaema/index.php?option=com_docman&Itemid=308 Acesso em: 31 ago. 2019. NETTO, J. P. Introdução ao método da teoria social. In: CFESS. ABEPSS. (Org.). Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília, DF, 2009. SALVADOR, E; TEIXEIRA, S. O. Orçamento e Políticas Sociais: metodologia de análise na perspectiva crítica. Revista de Políticas Públicas, v. 18, n. 1, 2014.
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ANAIS DO III SINESPP 2020 Simpósio Internacional sobre Estado, Sociedade e Políticas Públicas/: Teresina-PI: EDUFPI/LESTU, 2020) Editoração: Lestu Publishing Company Disponível versão digital: https://sinespp.ufpi.br/anais.php