ANÁLISE DE ESTRUTURAS GEOTÉCNICAS
Setembro de 2012
Nuno Manuel da Costa Guerra
2
Parte I
Introdução às Estruturas Geotécnicas
1
Capítulo 1
Introdução
1.1 A Análise de Estruturas Geotécnicas
O presente texto aborda as estruturas geotécnicas e a sua análise, e pretende servir de
apoio a uma disciplina de Introdução às Fundações, entendida como a segunda disciplina de
Geotecnia num curso clássico universitário de Engenharia Civil. Foi, em especial, escrito para
apoio a uma disciplina de um curso de Mestrado em Engenharia Civil (no espírito da Con-
venção de Bolonha), podendo igualmente servir de apoio a uma Licenciatura em Engenharia
Civil. Pretende dar uma formação básica em Estruturas de Suporte, Fundações e Taludes,
organizada de acordo com o programa que se indica em seguida:
• Introdução às Estruturas Geotécnicas
• Introdução ao colapso dos maciços – métodos de análise:
– Métodos de Análise limite.
– Métodos de Equilíbrio limite.
• Colapso dos maciços:
– Pressões de terras.
– Capacidade resistente ao carregamento vertical.
– Colapso de maciços em talude.
• Verificação da segurança das estruturas geotécnicas aos estados limites últimos:
– o Eurocódigo 7.
– Verificação da segurança de fundações superficiais.
– Verificação da segurança de taludes.
– Verificação da segurança de estruturas de suporte.
• Deslocamentos de estruturas geotécnicas.
3
4 Capítulo 1. Introdução
O leitor deste texto deverá ter noções elementares de Mecânica dos Solos, conhecendo as
propriedades básicas de um solo em função da sua granulometria e dos limites de consistência
e deve estar familiarizado com as propriedades índice mais comuns aos solos. Deve conhecer
o princípio das tensões efectivas e os problemas de escoamentos em meios porosos. Deve estar
familiarizado com os problemas de deformabilidade de solos e da sua resistência, em condições
drenadas e não drenadas.
Na disciplina básica de Mecânica dos Solos que os utilizadores deste texto deverão ter
frequentado, tomaram contacto, compreenderam e interpretaram a “mecânica dos materiais
geotécnicos”, tendo analisado esse comportamento sob o ponto de vista da sua resistência e da
sua deformabilidade, de forma integrada, recorrendo, por exemplo, à mecânica dos solos dos
estados críticos.
Pretende-se, com o presente texto, passar da mecânica do material – analisada habitual-
mente num ponto – para a mecânica da estrutura geotécnica, que exige a compreensão das
alterações dos estados de tensão e as suas consequências: determinação de cargas de colapso e
de deslocamentos. Tem igualmente como objectivo introduzir as noções de segurança e de ve-
rificação de segurança, com particular destaque para a aplicação dos conceitos e metodologias
do Eurocódigo 7 (NP EN 1997-1, 2010).
Para uma mais completa formação nesta área, deve seguir-se uma disciplina mais ligada
ao projecto e dimensionamento e que aborde Fundações especiais e Contenções, que o texto
não pretende cobrir.
Finalmente, para uma formação mais específica na área da Geotecnia, os cursos de Enge-
nharia Civil têm, habitualmente, formação opcional mais específica, das áreas da Engenharia
Sísmica, Obras Subterrâneas, Obras de Aterro, Modelação Avançada, etc.
1.2 As estruturas geotécnicas
Qualquer obra de Engenharia Civil tem uma componente geotécnica, dado que possui, pelo
menos, a fundação. É o caso das estruturas mais correntes, os edifícios, que possuem fundações
que podem ser superficiais, se o terreno possuir superficialmente características adequadas às
cargas e às dimensões das fundações ou profundas, caso seja necessário procurar a maiores
profundidades as características que não estão disponíveis à superfície. O tipo mais comum de
fundações superficiais são as “sapatas” e as fundações profundas são habitualmente designadas
por “estacas”. No que respeita a estes tipos de estruturas, há que efectuar o dimensionamento
dos próprios elementos estruturais e, do ponto de vista do solo, importa garantir, por um lado,
a segurança em relação à rotura e, por outro, que não ocorram assentamentos excessivos, que
possam provocar danos na super-estrutura (estrutura da obra a ser executada acima do nível
do terreno) ou impedir o seu normal funcionamento.
Um outro tipo de estrutura geotécnica muito comum é o caso dos muros de suporte. Con-
forme o seu nome indica, destinam-se a suportar os impulsos gerados pelo terreno suportado
e deverão ser estáveis, o que significa que não deverão, por exemplo, deslizar ou derrubar.
Capítulo 1. Introdução 5
Este tipo de estrutura designa-se habitualmente como estrutura de suporte rígida, pelo
facto de funcionar como corpo rígido, não sendo a sua deformabilidade muito significativa
nem tendo consequências importantes no seu comportamento. Não é, no entanto, o caso das
chamadas estruturas de contenção flexíveis, como as que são apresentadas na Figura 1.1. Com
este tipo de estrutura, conforme se pode verificar através da observação da referida Figura, é
possível realizar escavações de face vertical com o recurso a contenção adequada.
Figura 1.1: Estrutura de contenção flexível ancorada, em Seattle, nos EUA.
As escavações de face vertical com contenção flexível, no entanto, só são realizadas em
meios urbanos fortemente ocupados e em que não é possível o recurso a outras soluções que
utilizem taludes inclinados. Estes apresentam o inconveniente de envolverem uma área muito
mais significativa mas a vantagem de serem normalmente muito mais económicos. O estudo
da estabilidade e da estabilização de taludes é, assim, uma outra área tipicamente Geotécnica.
A Figura 1.2 mostra, numa representação esquemática, obras de estabilização de um talude,
necessárias no caso representado para que seja verificada a segurança da estabilidade da massa
de solo.
Figura 1.2: Representação esquemática de obras de estabilização de um talude.
Os problemas de taludes ocorrem quer em taludes naturais e de escavação quer em taludes
6 Capítulo 1. Introdução
de aterro, ou seja, em obras de terra. Os casos mais frequentes são os aterros de estradas e de
aeródromos, assim como os aterros de barragens de terra e, mais recentemente, os aterros de
resíduos sólidos. Note-se que nestes tipos de obra, o próprio solo é utilizado como material de
construção, exigindo, assim, a sua compactação e o adequado controlo das suas características.
Igualmente a própria escolha do material a utilizar é um aspecto fundamental. Dado que
servem objectivos diferentes, as características a exigir para um aterro de uma estrada são
consideravelmente diferentes das que se exigem no aterro de uma barragem. A compactação
de solos é, assim, uma matéria de grande importância, mas que não é abordada neste texto.
Uma outra actividade eminentemente geotécnica é o melhoramento de terrenos. Procede-se
ao melhoramento de terrenos quando as obras de engenharia civil que se pretendem fazer em
determinado local exigem solos com melhores características do que as ocorrem nesse local.
Um outro tipo de obra fundamentalmente geotécnica é o caso dos túneis. Estes são re-
alizados quando por razões económicas, sociais e (ou) ambientais, se tornam vantajosos em
relação às escavações a céu aberto ou a outras obras. Um caso particularmente mediático e
interessante foi o da execução do túnel sob a Mancha, a que se refere a Figura 1.3.
(a) Planta e corte longitudinal
(b) Corte transversal
Figura 1.3: Túnel sob a Mancha: planta, corte longitudinal e corte transversal.
Capítulo 1. Introdução 7
1.3 A importância da determinação das cargas de colapso e de
deslocamentos de estruturas geotécnicas
A variedade de obras geotécnicas justifica, por si só, a importância e o interesse da Geotec-
nia como área da Engenharia Civil. No entanto, essa importância torna-se talvez ainda mais
evidente se tivermos em consideração alguns casos em que ou os aspectos geotécnicos não foram
suficientemente considerados ou constituíram notável surpresa para os técnicos e a sociedade
e que resultaram em acidentes ou simplesmente em incidentes curiosos ou importantes.
Independentemente das causas que os provocaram, a análise e o estudo de acidentes e
incidentes constitui sempre um trabalho que conduz a uma importante aprendizagem.
Um dos casos mais curiosos e conhecidos é o da torre inclinada de Pisa, que apresenta
ainda a particularidade adicional de a sua história ter sofrido em tempos muito recentes,
importantes desenvolvimentos. Uma das publicações mais interessantes sobre esta Torre é o
texto da XIV Lição Manuel Rocha (Jamiolkowsky, 1999) e a maior parte da informação que
aqui se apresenta provém dessa interessantíssima Lição.
Contrariamente ao que se possa pensar, a torre de Pisa tornou-se inclinada ainda durante
a própria construção. Esta decorreu em três fases, conforme ilustra a Figura 1.4 e em algumas
zonas nota-se mesmo as tentativas de correcção da inclinação que se terá iniciado durante a
2a fase.
Figura 1.4: Fases de construção da Torre de Pisa (Jamiolkowsky, 1999).
As informações reunidas pela equipa responsável pelo estudo da Torre de Pisa sobre a sua
inclinação estão reunidas na Figura 1.5, mostrando claramente a tendência para o aumento
daquela, assim como a ocorrência de alguns períodos em que o incremento da inclinação é
particularmente significativo.
Um estudo aprofundado do terreno, da torre e da sua fundação mostrou que seria espec-
tável que o fenómeno fosse progressivo, isto é, que a excentricidade inicial da carga motivada
8 Capítulo 1. Introdução
Figura 1.5: Dados históricos sobre a inclinação da Torre de Pisa (Jamiolkowsky, 1999).
provavelmente por algum defeito geométrico durante a construção teria iniciado a inclinação
da torre, aumentando assim a excentricidade e assim sucessivamente. Em todo o caso, ficou
bem claro que o fenómeno era associado ao terreno de fundação e ao seu início de rotura. Os
mesmos estudos apontavam para coeficientes de segurança da Torre bastante baixos, entre
1.1 e 1.2, deixando antever que a ruína ocorreria provavelmente nos próximos 40 a 50 anos,
mantendo-se o ritmo de aumento da inclinação.
No entanto, esta previsão de ruína teria apenas em consideração a instabilidade da torre
como corpo rígido que perderia o equilíbrio, não considerando portanto a influência que a
inclinação teria nas tensões na própria estrutura da torre. Com efeito, o facto de a torre estar
inclinada provoca na própria alvenaria da sua estrutura tensões muito mais significativas do
que as que seriam de esperar se ela fosse perfeitamente vertical. Para além disso, a histórica
ruína ocorrida em 1902 da Torre do Sino da Praça de S. Marcos em Veneza e, mais recente-
mente, em 1989, a da Torre do Sino da Catedral de Pavia, parecem ter tido como origem um
modo de rotura deste tipo. A agravar tudo isto está ainda o facto de este modo de rotura
ocorrer de forma brusca, sem qualquer aviso.
Investigações realizadas na Torre permitiram prever que, efectivamente, este modo de
Capítulo 1. Introdução 9
rotura seria o mais provável, e foi identificada a zona crítica da estrutura. O processo de
recuperação e reabilitação da Torre iniciou-se, assim, em 1992, com a instalação de cabos de
aço na estrutura da Torre por forma a minorar as hipóteses de ocorrência de colapso estrutu-
ral. Entre Maio de 1993 e Janeiro de 1994, foram instalados pesos de chumbo para contrariar
a excentricidade da carga e, pela primeira vez na história da Torre, esta inverteu o sentido
de variação da inclinação. Em Fevereiro de 1999 iniciou-se uma outra intervenção, denomi-
nada de “subescavação” (“underexcavation”), que consiste na retirada de solo sob a fundação,
através de furos inclinados realizados a partir da superfície do terreno. A Figura 1.6 mostra
esquematicamente estas iniciativas, assim como uma solução de recurso, na eventualidade de
algum comportamento indesejável da torre, que consiste na aplicação de contrapesos através
dos cabos sub-horizontais visíveis na mesma Figura. Os desenvolvimentos recentes parecem
ser, assim, de acordo com a informação disponível, bastante favoráveis.
Figura 1.6: Representação esquemática da metodologia para corrigir parcialmente a inclinaçãoda Torre de Pisa.
O caso da Torre de Pisa é, portanto, bem elucidativo da importância da adequada consi-
deração dos mecanismos de rotura de fundações superficiais. Tais mecanismos serão objecto
de estudo do presente texto.
Um outro caso bastante conhecido é o da rotura da Barragem de Malpasset. Trata-se de
uma barragem de betão armado, em França, cujo acidente, de grande gravidade, foi provo-
cado por deficiente comportamento da fundação, tendo-se destacado uma cunha da margem
esquerda (Rocha, 1981) no dia 2 de Dezembro de 1959. A barragem tinha sido terminada
em 1954 e o enchimento da albufeira estava a ocorrer desde há 5 anos. Fotografias do local
da Barragem e das suas ruínas são apresentadas na Figura 1.7. Na sequência deste acidente,
morreram 420 pessoas. A barragem nunca foi reconstruída.
10 Capítulo 1. Introdução
Figura 1.7: Ruínas da Barragem de Malpasset.
Os sismos são das acções que podem causar maiores danos nas estruturas executadas pelo
Homem. A Figura 1.8 evidencia os efeitos desta acção sob a forma de liquefacção do solo
de fundação, em consequência do sismo de Niigata, em 1964. A liquefacção é resultado do
aumento das pressões da água no solo em consequência da acção sísmica e ocorre sobretudo
em areias finas soltas e submersas. Trata-se de um efeito que pode já ser parcialmente compre-
endido pelos conceitos de Mecânica dos Solos que o leitor deverá conhecer e que será também
aflorada ao longo do presente texto.
Figura 1.8: Efeitos da liquefacção do solo de fundação, no sismo de Niigata, em 1964.
De consequências menos devastadoras mas de inegável interesse é o caso da Cidade do
México. Esta cidade foi edificada num antigo lago, através da sucessiva deposição de material
de aterro sobre este e da construção sobre este meio pantanoso e altamente deformável. Como
consequência, as estruturas sofrem assentamentos muito significativos, conforme se pode ob-
servar, por exemplo, na Figura 1.9(a), que mostra o Palácio das Belas Artes. A fotografia, por
si só, talvez não seja suficientemente elucidativa, mas faz-se notar que os degraus descendentes
da rua para o Palácio foram, em tempos, ascendentes. O assentamento total foi, assim, da
ordem dos 3 m.
Estes assentamentos, conforme referido, são devidos à existência de uma camada compres-
Capítulo 1. Introdução 11
(a)
(b)
Figura 1.9: a) Palácio das Belas Artes, na Cidade do México. Os degraus visíveis na foto-grafia para acesso ao monumento foram, em tempos, ascendentes; b) Basílica e Convento dosCapuchinhos, na Cidade do México, onde são visíveis importantes assentamentos diferenciais.
sível na fundação. Sob o ponto de vista estrutural, se os assentamentos forem uniformes não
ocorrem danos, se bem que outro tipo de inconvenientes possam existir, como as ligações às
infra-estruturas. No entanto, quando há assentamentos elevados, há normalmente também as-
sentamentos diferenciais elevados, ou seja, assentamentos entre diferentes partes da estrutura.
Naturalmente que estes assentamentos diferenciais tenderão a ser maiores se houver variações
de espessura da camada de solo compressível. É o caso da Basílica e do Convento dos Capu-
chinhos que lhe é adjacente, também na Cidade do México, que se encontra representado na
Figura 1.9(b). O convento, à direita da Basílica, apresenta elevadíssimas deformações como
resultado deste fenómeno.
A Figura 1.10 representa um caso de rotura de uma cortina de contenção flexível, ocorrida
em Lisboa, em 1993, felizmente sem perda de vidas, que terá sido causada por perda de
equilíbrio vertical, isto é por perda de capacidade de carga vertical, face às componentes
12 Capítulo 1. Introdução
verticais das cargas impostas pelas ancoragens.
Figura 1.10: Rotura de cortina de contenção flexível em Lisboa.
Um outro tipo de acidente geotécnico bastante corrente e de consequências que podem ser
bastante graves é o caso dos escorregamentos de taludes, isto é, de instabilizações de massas
de solo ou rocha. Apresentam-se dois casos.
O primeiro ocorreu nos Estados Unidos da América, em La Conchita, no Colorado, e o
fenómeno ocorrido está bem evidenciado na Figura 1.11. Apesar das aparências, não houve
quaisquer vítimas mortais.
Figura 1.11: Deslizamento de talude em La Conchita, no Colorado (EUA).
Capítulo 1. Introdução 13
Este caso permite ter uma ideia bem clara do tipo de problemas com que a Engenharia
Geotécnica tem, por vezes, que lidar, assim como das enormes massas de solo que pode ser
necessário estabilizar. Os problemas de estabilidade de taludes serão abordados neste texto.
No entanto, o segundo caso que se apresenta é ainda mais impressionante, quer pelo volume
de terras envolvido quer pelas consequências no que respeita a vítimas humanas. Com efeito,
houve 2500 mortes a lamentar. Trata-se do escorregamento ocorrido na margem esquerda da
albufeira da Barragem de Vajont. Esta barragem foi construída entre 1956 e 1960. No dia 9 de
Outubro de 1963 uma enorme massa de material rochoso deslizou para o interior da albufeira.
A Figura 1.12 mostra a albufeira vista de montante, após o deslizamento. A Figura 1.13 é,
talvez, mais clara e permite um melhor entendimento do ocorrido.
Como consequência deste enorme escorregamento, com extensão aproximada de 1.7 km,
formou-se uma enorme onda, proveniente da água da albufeira, expulsa pelo material escor-
regado, que provocou grandes prejuízos humanos e materiais. A vila de Casso foi destruída,
assim como as de Longarone, Pirago, Villanova, Rivalta e Fae. A barragem resistiu e encon-
tra-se actualmente em funcionamento.
A causa para este comportamento parece estar na existência, entre o material rochoso
do vale na zona escorregada, de uma camada de argila de pequena espessura, ao longo da
qual se terá dado a instabilização, por insuficiente resistência ao corte, diminuída devido ao
enchimento da albufeira, por redução da tensão efectiva. Este conceito de tensão efectiva é já
do conhecimento do leitor deste texto e será amplamente utilizado.
As barragens de grandes dimensões são obras de grande importância e com grandes con-
sequências nas sociedades que delas beneficiam, mas podem ser igualmente obras envolvendo
inconvenientes importantes de ordem social ou ambiental ou mesmo os decorrentes dos casos
em que ocorrem acidentes, conforme foram os dois respeitantes a barragens anteriormente refe-
ridos (Malpasset e Vajont). Em nenhum destes casos, no entanto, se tratava de uma barragem
de terra (ou de aterro, como podem ser igualmente designadas). O caso que em seguida se
apresenta trata de uma barragem deste tipo.
É o caso da rotura da barragem de Teton. No caso das barragens de terra, é espectável
que ao fim de alguns anos se instale no próprio corpo da barragem um regime de percolação
(movimento da água nos solos) que, se a barragem tiver sido bem dimensionada e construída
e se estiver a ser adequadamente explorada, deverá implicar a passagem de um caudal rela-
tivamente pequeno pelo corpo da barragem. Uma questão especialmente importante quando
há escoamentos em solos (aterros ou não) é o caso da chamada “erosão interna”.
A barragem de Teton foi destruída por erosão interna. Tratava-se de uma barragem com
90 m de altura, construída no rio Teton, no Idaho, EUA. O enchimento da albufeira começou
em Novembro de 1975. O colapso deu-se a 5 de Junho de 1976, com a albufeira a 1 m da cota
máxima e a 9 m do coroamento da barragem. A Figura 1.14(a) mostra a barragem, vista de
jusante, após a construção.
A rotura da barragem foi precedida de um período de dois dias em que se verificou um
gradual aumento da água percolada. Na manhã do dia 5 de Junho começa a ser visível um
14 Capítulo 1. Introdução
Figura 1.12: Escorregamento de Vajont. Aspecto da albufeira vista de montante após odeslizamento.
Figura 1.13: Representação esquemática do escorregamento de Vajont. Estima-se que a massainstabilizada tenha atingido velocidades da ordem dos 30 m/s e que terá subido na margemdireita cerca de 140 m; 45 segundos após o início do escorregamento não havia qualquermovimento de terreno.
aumento da quantidade de água que atravessa o aterro na face de jusante da barragem. Cerca
das 11:00 tinha-se formado um “túnel” no corpo da barragem com cerca de 1.8 m de diâmetro.
A Figura 1.14(b) traduz esta situação.
Pouco antes das 12:00 horas formara-se uma brecha (Figura 1.14(c)) e a barragem estava
praticamente destruída (Figura 1.14(d)). Ao fim da tarde do dia 5, o aspecto da barragem era
o que está representado na Figura 1.14(e).
Capítulo 1. Introdução 15
(a) (b)
(c) (d) (e)
Figura 1.14: Rotura da Barragem de Teton.
A rotura da barragem, apesar de rápida, permitiu a evacuação das populações a jusante,
mas ainda assim 14 vidas humanas foram perdidas.
Muitos dos casos apresentados mostram a necessidade de se proceder ao dimensionamento
em relação aos modos de rotura que esses casos mostraram e em relação a outros modos de
rotura. Assim, os próximos capítulos irão focar os métodos de análise de colapso de estruturas
geotécnicas e a determinação das cargas de colapso dos casos mais simples dessas estruturas
geotécnicas. Com base no conhecimento dessas cargas de colapso far-se-á, posteriormente, a
introdução à verificação da segurança.
16 Capítulo 1. Introdução
Parte II
Métodos de análise do colapso de
estruturas geotécnicas
17
Capítulo 2
Introdução aos métodos de
determinação de cargas de colapso
2.1 Problemas geotécnicos “simples”: determinação de cargas
de colapso
No estudo clássico da Mecânica dos Solos, que o leitor deste texto terá feito, a rotura
do solo foi analisada ao nível pontual ou elementar, isto é, o estado de tensão foi assumido
constante no elemento de solo analisado, pelo que o estudo pôde ser feito como se se tratasse
de um ponto. Mesmo quando se procurou abordar a questão sob um ponto de vista dos
ensaios de laboratório e do comportamento de provetes de solo, o estado de tensão era sempre
constante, dado que as tensões aplicadas ao provete eram bem conhecidas e a geometria e
condições de fronteira relativamente simples.
No entanto, conforme se viu no Capítulo 1, a rotura das estruturas geotécnicas não se
verifica, naturalmente, porque o estado de tensão num ponto atingiu o correspondente à
rotura mas sim porque tal aconteceu ao longo de uma superfície ou ampla zona do maciço.
Na maior parte das situações analisadas, a rotura ocorreu de modo relativamente complexo,
em que diversos detalhes do problema influenciaram o ocorrido. Verifica-se, no entanto, que,
por um lado, na maior parte dos casos estiveram presentes pelo menos uma de três situações
geotécnicas simples, a que se fará referência em seguida e, por outro lado, o estudo destas
situações geotécnicas simples constitui uma base fundamental para a compreensão das mais
complexas.
Um dos objectivos deste texto é, portanto, a determinação de cargas de colapso de três
problemas geotécnicos “simples” e básicos, indicados na Figura 2.1:
• a determinação de impulsos de terras;
• a determinação de cargas verticais limites;
• a determinação da geometria ou do peso de terras que induz a rotura de maciços em
19
20 Capítulo 2. Introdução aos métodos de determinação de cargas de colapso
talude.
(a) (c)(b)
Figura 2.1: Determinação de cargas de colapso de problemas geotécnicos simples: a) deter-minação de impulsos de terras; b) determinação de carga vertical limite; c) estabilidade demaciços em talude
São estes os casos básicos que serão objecto de análise no texto, partindo-se, em cada
caso, da situação mais simples que vai, sucessivamente, sendo tornada mais complexa e mais
próxima de uma situação real.
A determinação de cargas de colapso será feita recorrendo a duas técnicas:
• a análise limite;
• o equilíbrio limite.
Ambas as técnicas implicam a utilização de simplificações que serão descritas e analisadas
em seguida.
2.2 Determinação de cargas de colapso através de análise limite
2.2.1 Algumas noções de plasticidade
As soluções para qualquer problema de mecânica devem respeitar três condições:
• o equilíbrio;
• a compatibilidade;
• as propriedades dos materiais.
O ideal seria que as soluções fossem completas, isto é, que respeitassem as três condições.
No entanto, dada a complexidade dos problemas, haverá que aceitar, em muitas situações, um
compromisso entre a possibilidade de obter soluções e a sua exactidão.
Assumir-se-á que as propriedades resistentes dos materiais geotécnicos podem ser escritas,
em condições drenadas, por:
τ = σ′tgφ′
ou, em condições não drenadas, por:
τ = cu (2.1)
Capítulo 2. Introdução aos métodos de determinação de cargas de colapso 21
O solo exibe comportamento elástico para deformações muito pequenas; a partir de de-
terminado valor de deformação, no entanto, o solo sofre deformações plásticas, permanentes,
irreversíveis.
A deformação total pode ser escrita através da soma da deformação elástica com a defor-
mação plástica, ou seja
dε = dεe + dεp (2.2)
Para determinar as deformações plásticas é necessário definir um critério de cedência, uma
lei de fluxo e uma lei de endurecimento, o que permite conhecer, respectivamente, quando
ocorrem as deformações plásticas, qual a sua direcção e qual o seu valor.
As deformações plásticas ocorrem quando, no espaço das tensões, é atingida a superfície
de cedência, de equação genérica
F(
σ′ij , εpij
)
= 0 (2.3)
A dependência do critério de cedência das deformações plásticas traduz o endurecimento.
Num material perfeitamente plástico não ocorre endurecimento e os incrementos de tensão,
uma vez atingida a superfície de cedência, têm que ocorrer na própria superfície. Caso tal não
ocorra, desenvolvem-se deformações plásticas de valor infinito.
Na análise limite, o material é considerado perfeitamente plástico.
Com o objectivo de simplificar os cálculos de estabilidade, é possível ignorar algumas das
condições de equilíbrio e de compatibilidade e usar dois importantes teoremas da teoria do
colapso plástico. Acontece que, ignorando a condição de equilíbrio, pode ser determinado
um limite superior da carga de colapso de forma a que se uma estrutura for carregada até
este nível, colapsará; de forma semelhante, ignorando a condição de compatibilidade, pode
determinar-se um limite inferior da carga de colapso, de forma a que uma estrutura carregada
até este valor não colapsará. Naturalmente que a verdadeira carga de colapso está entre estes
dois limites.
Habitualmente é possível obter limites inferiores e superiores da carga de colapso razoavel-
mente próximos um do outro. Considerando, então, o material como perfeitamente plástico
e com lei de fluxo associada ter-se-á que, na rotura, o solo sofre deformações plásticas de
incremento constante e, portanto, com vector de deformação plástica normal à envolvente de
rotura (Figura 2.2).
No caso não drenado, a envolvente de rotura é horizontal e não há deformações volumétricas
(a deformação ocorre a volume constante) e, portanto, o incremento de deformação plástica é
normal à envolvente, conforme sugere a Figura 2.2. No caso drenado, a envolvente de rotura
é do tipo da representada na mesma Figura e se a lei de fluxo for associada o ângulo de
dilatância ψ é tal que
tgψ = −δεpn
δγp= tgφ′ (2.4)
22 Capítulo 2. Introdução aos métodos de determinação de cargas de colapso
σσ′
τ
τ = cu
τ = cu
φ′
φ′
δεpn = 0δεpn
δγp
δγpδγp
ψ
τ, δγpτ, δγp
σ, δεpn σ′, δεpn
δεp −δεpn
Não drenado Drenado
Figura 2.2: Incrementos de deformação plástica de solo perfeitamente plástico com lei de fluxoassociada.
2.2.2 O princípio dos trabalhos virtuais
No caso de corpos rígidos, o princípio dos trabalhos virtuais estabelece que se um corpo
rígido está em equilíbrio, então o trabalho das forças exteriores para um deslocamento virtual
compatível com as condições de fronteira é nulo.
Para o caso de corpos deformáveis, o mesmo princípio estabelece que o trabalho das forças
exteriores para um deslocamento virtual compatível com as condições de fronteira é igual ao
trabalho realizado pelas tensões e deformações internas.
2.2.3 Teoremas do colapso plástico
Considere-se, então, um material com comportamento perfeitamente plástico e com lei de
fluxo associada. Na rotura, as forças e as tensões não se alteram, pelo que a componente
elástica das deformações é nula; qualquer incremento de deformação representa o incremento
de deformação plástica que é, como se viu, normal à envolvente de rotura.
Teorema cinemático ou da região superior
O teorema da região superior (ou do limite superior ou teorema cinemático) diz que se,
para um dado mecanismo de colapso compatível, o trabalho das forças exteriores for igual ao
trabalho das tensões internas, as forças exteriores aplicadas causam o colapso.
Para provar a veracidade deste teorema, considere-se um sistema de forças exteriores, Fucom as correspondentes tensões internas σ′u e um mecanismo de colapso associado a desloca-
mentos na fronteira δωu e deformações internas δεu. Se a linha SS da Figura 2.3 representar
a superfície de cedência, o incremento de deformação plástica, δεu será normal à referida
superfície.
Capítulo 2. Introdução aos métodos de determinação de cargas de colapso 23
σ′uσ′c
δεu
σ′, δε
σ′, δε
S
S
Figura 2.3: Teorema da região superior.
A aplicação do teorema superior conduz a que o sistema de forças Fu causa colapso se
∑
Fuδωu =
∫
σ′uδεudV (2.5)
Se Fc e σc forem, respectivamente, a verdadeira carga de colapso e as tensões internas
correspondentes, o princípio dos trabalhos virtuais estabelece igualmente que
∑
Fcδωu =
∫
σ′cδεudV (2.6)
Considerando, da Figura 2.3, que
σ′uδεu ≥ σ′cδεu (2.7)
Resulta, assim, que
Fu ≥ Fc (2.8)
conforme enunciado pelo teorema.
Para determinar um limite superior é, assim, necessário calcular o trabalho realizado pe-
las tensões internas e pelas forças exteriores para um incremento de deslocamento de um
mecanismo compatível. O trabalho de uma força é, simplesmente, o produto da força pelo
incremento de deslocamento na direcção da força no seu ponto de aplicação, pelo que, para
forças concentradas, o cálculo é normalmente simples de fazer.
O trabalho das tensões internas é o trabalho dissipado pela deformação plástica no ma-
terial, nas superfícies que formam o mecanismo compatível. Considere-se que na Figura 2.4
estão representadas pequenas porções de superfícies de deslizamento de um mecanismo de
colapso, que sofrem incrementos de deslocamento δw.
No caso drenado o trabalho das tensões internas (efectivas) é
δWi = τLδℓ− σ′Lδn (2.9)
24 Capítulo 2. Introdução aos métodos de determinação de cargas de colapso
σ σ′τ
τ = cu
φ′
δw
LL
yyψ
δℓ
δn
δγδγ
Não drenado Drenado
Figura 2.4: Trabalho das tensões internas em superfícies de deslizamento
Note-se que, para um comportamento dilatante o trabalho das tensões normais é negativo
dado que σ′ e δn têm sentidos opostos. Dado que o volume da superfície analisada é V = Ly,
δεn = − δny e δγ = δℓ
y a equação (2.9) pode escrever-se como
δWi = τ ′Lyδγ + σ′Lyδεn = V(
τδγ + σ′δεn)
(2.10)
Sendo o material puramente atrítico, tem-se que τ = σ tgφ′. Atendendo a que tgψ = − δεn
δγ
a equação anterior fica
δWi = V
(
τδγ − τ
tgφ′δγ tgψ′
)
= V τδγ
(
1 − tgψ
tgφ′
)
(2.11)
Para um material com lei de fluxo associada, tem-se que ψ = φ′ pelo que, sendo puramente
friccional, o trabalho dissipado pelas tensões internas é
δWi = 0 (2.12)
Poderia, igualmente, ter-se verificado, da Figura 2.4, que:
tgψ =δn
δw(2.13)
pelo que a equação (2.9) fica:
δWi = τLδℓ− σ′Lδn = σ′ tg φ′Lδℓ− σ′Lδℓ tgψ = σ′Lδℓ(
tg φ′ − tgψ)
(2.14)
que, pela razão exposta, é nula.
Em condições não drenadas o trabalho das tensões (totais) é
δWi = τLδw = cuLδw (2.15)
Teorema estático ou da Região Inferior
O teorema da região inferior (ou do limite inferior ou teorema estático) diz que se um
conjunto de forças exteriores está em equilíbrio com as tensões internas que em nenhum ponto
violam o critério de rotura, as forças exteriores aplicadas não causam o colapso.
Capítulo 2. Introdução aos métodos de determinação de cargas de colapso 25
Considere-se novamente a superfície de cedência SS, agora representada na Figura 2.5.
σ′l
σ′c
δεc
σ′, δε
σ′, δε
S
S
Figura 2.5: Teorema da região inferior.
Para a carga de colapso, ter-se-á que:
∑
Fcδωc =
∫
σ′cδεcdV (2.16)
e, para as forças Fl e tensões σ′l o princípio dos trabalhos virtuais permite concluir que:
∑
Flδωc =
∫
σ′lδεcdV (2.17)
Dado que
σ′lδεc ≤ σ′cδεc (2.18)
vem, conforme enunciado pelo teorema, que
Fl ≤ Fc (2.19)
2.2.4 Exemplos de aplicação
1. Utilizando o teorema da região superior e o mecanismo indicado na Figura 2.6 determine
a carga Q = quB, resultante da tensão qu distribuída na largura B que, nas condições
de um ensaio de compressão simples, leva ao colapso o provete de material argiloso
saturado, em condições não drenadas. Admita o solo com peso volúmico nulo e com
resistência não drenada cu = 50 kPa.
Considerando o mecanismo sugerido na Figura, admita-se o incremento de deslocamento
δw, com componente horizontal δh e componente vertical δv.
O trabalho das forças exteriores é o produto das forças exteriores pelos deslocamentos
que ocorrem com a sua direcção. A força exterior é a força Q, cuja estimativa (limite
superior) QLS se pretende determinar.
26 Capítulo 2. Introdução aos métodos de determinação de cargas de colapso
ququ
γ = O
cuξ
ξB
L
δw
δw δh
δv
Figura 2.6: Exemplo de aplicação do teorema cinemático: ensaio de compressão simples
O deslocamento com a direcção de Q é:
δv = δw sen ξ (2.20)
pelo que o trabalho das forças exteriores é
δWe = QLS × δv = qLSu B × δw sen ξ (2.21)
O trabalho das tensões internas é o trabalho dissipado pela deformação plástica no
material, nas superfícies que formam o mecanismo compatível:
δWi = cuLδw = cuB
cos ξδw (2.22)
De acordo com o teorema cinemático,
δWe = δWi ⇒ qLSu B × δw sen ξ = cuB
cos ξδw (2.23)
pelo que:QLS
B= qLSu = cu
1
sen ξ cos ξ(2.24)
Faz-se notar que a solução depende de ξ mas que o teorema é válido para qualquer
mecanismo, o que implica qualquer valor de ξ. Ou seja, qLSu causará o colapso qualquer
que seja ξ. Tome-se, assim, como exemplo, ξ = 20o e determine-se qLSu :
qLSu = 50 × 1
sen 20o cos 20o= 155.6 kPa (2.25)
Sendo esta uma solução do teorema cinemático, sabe-se que causa o colapso, ou seja,
neste caso, que:
qLSu = 155.6 ≥ qEXu (2.26)
sendo qEXu a solução exacta do problema, para já desconhecida (na realidade deve ser
conhecida do leitor, da Mecânica dos Solos, mas voltar-se-á a este resultado em seguida).
Ora se o teorema é válido para qualquer mecanismo, isso quer dizer que se se considerar
Capítulo 2. Introdução aos métodos de determinação de cargas de colapso 27
agora ξ = 30o se obterá igualmente um valor de qu superior ou igual à solução exacta:
qLSu = 50 × 1
sen 30o cos 30o= 115.5 kPa (2.27)
Qual das duas soluções de qu — 155.6 kPa ou 115.5 kPa — é, portanto, melhor? A
resposta é naturalmente a menor das duas. Com efeito, se ambas são superiores à
solução exacta, a melhor será a mais próxima da exacta, ou seja, a menor.
Pode, assim, analisar-se como varia 1sen ξ cos ξ com ξ. Representa-se, assim, na Figura 2.7
este parâmetro em função do ângulo ξ, constatando-se que possui o mínimo (igual a 2)
para ξ = 45o.
0
1
2
3
4
5
6
7
8
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90
1/[s
en ξ
cos ξ
]
ξ
Figura 2.7: Variação do parâmetro 1sen ξ cos ξ em função de ξ
Tal significa que a melhor solução para o tipo de mecanismo planar representado na
Figura 2.6 é:
qLSu = 2cu = 100 kPa ≥ qEXu (2.28)
2. Resolva-se, agora, o mesmo problema através do teorema estático. O estado de tensão
horizontal, na rotura (Figura 2.8), é nulo.
qu
ququ
γ = O
cu
Figura 2.8: Exemplo de aplicação do teorema estático: ensaio de compressão simples
Deste modo, a tensão vertical máxima que pode estar instalada no elemento em análise
é tal que o critério de rotura seja verificado, ou seja, conforme pode ser visto na Figura
2.9:
qLIu = 2cu ≤ qEXu (2.29)
28 Capítulo 2. Introdução aos métodos de determinação de cargas de colapso
τ
σ
cu
qLIu
Figura 2.9: Exemplo de aplicação do teorema estático: ensaio de compressão simples – estadode tensão.
Faz-se notar que, dado que
qLSu = qLIu (2.30)
se tem que foi encontrada a solução exacta para o problema, provavelmente já conhecida
do leitor:
qEXu = 2cu (2.31)
3. Pretende-se agora determinar o valor de σ′1 que causa o colapso de um provete de solo
com ângulo de resistência ao corte φ′ = 30o sujeito a um ensaio triaxial em condições
drenadas, sujeito a σ′3 = 100 kPa (Figura 2.10).
ξξ
B
h1
h2
σ′1
σ′3
δw
δw
δh
δv
φ′
ξ − φ′
Figura 2.10: Exemplo de aplicação do teorema cinemático: ensaio triaxial.
Admitindo que se forma uma superfície de deslizamento conforme indicado na figura,
fazendo um ângulo ξ com a horizontal, tem-se que a direcção do deslocamento δw faz
com a superfície de deslizamento um ângulo ψ = φ′ (condição de lei de fluxo associada,
como se viu) e, portanto, faz com a horizontal um ângulo ξ − φ′.
Tem-se, assim, que o trabalho das forças exteriores é:
δWe = σ′1Bδv + σ′3h2δh − σ′3(h2 + h1)δh = σ′1Bδv − σ′3h1δh (2.32)
Atendendo a que:
tg ξ =h1
B(2.33)
Capítulo 2. Introdução aos métodos de determinação de cargas de colapso 29
e que:
tg (ξ − φ′) =δv
δh(2.34)
a equação (2.32) fica:
δWe = σ′1Bδh tg (ξ − φ′) − σ′3B tg ξδh (2.35)
Como se viu, em condições drenadas a energia dissipada é nula, pelo que a aplicação do
teorema cinemático implica que:
δWe = σ′1Bδh tg (ξ − φ′) − σ′3B tg ξδh = 0 = δWi (2.36)
o que conduz a:
σ′LS1 = σ′3tg ξ
tg (ξ − φ′)(2.37)
Tratando-se de uma solução da região superior (do teorema cinemático), tal significa
que todos os resultados obtidos da equação anterior são soluções que causam o colapso,
ou seja, são superiores ou iguais à verdadeira carga de colapso. Para o caso em estudo
de φ′ = 30o e σ′3 = 100 kPa, fazendo, por exemplo, ξ = 50o, obtém-se:
σ′LS1 = 100 × tg 50
tg (50 − 30)= 327.4 kPa (2.38)
Ou, por exemplo, fazendo ξ = 65o obtém-se:
σ′LS1 = 306.3 kPa (2.39)
Sendo ambas cargas de colapso, superiores à solução exacta do problema, tem-se que
a melhor solução é a que conduz ao menor valor, ou seja, das duas a mais próxima da
exacta será a segunda. Convida-se o leitor a determinar a carga de colapso mínima dada
pela equação (2.37).
Convida-se igualmente o leitor a procurar a solução para o mesmo problema dada pelo
teorema estático.
2.2.5 Observações aos métodos de análise limite
Os métodos que recorrem à análise limite são dos mais bem fundamentados, teoricamente,
para a determinação de estimativas de cargas de colapso. Permitem, num caso (TRS), deter-
minar cargas que causam necessariamente o colapso e, no outro (TRI), determinar cargas que
não o provocam. Sempre que seja possível determinar valores das cargas iguais através de um
e outro método, ter-se-á encontrado a solução exacta.
Faz-se igualmente notar que, em muitas situações, tal não será possível e determinar-se-á
cargas de colapso por uma e outra via, obtendo-se resultados diferentes. Se as soluções esti-
verem próximas poderá concluir-se que, para efeitos práticos, qualquer das soluções fornece
30 Capítulo 2. Introdução aos métodos de determinação de cargas de colapso
valores adequados ao projecto.
Tal significa que algumas soluções de formulações para a determinação de cargas de co-
lapso que são correntemente usadas são soluções aproximadas, mas com suficiente grau de
aproximação para o seu uso corrente.
Recorda-se ainda que se considerou que a lei de fluxo do material era associada. Tal
corresponde bastante bem à realidade no caso de materiais saturados reagindo em condições
não drenadas; no entanto, solos em condições drenadas não exibem, normalmente, lei de fluxo
associada. Para estes materiais, assim, não há uma correspondência entre aquela hipótese da
análise limite e o comportamento real.
Refere-se, a esse propósito, que se pode demostrar, relativamente ao TRS, que um limite
superior para um material com ψ = φ′ é também um limite superior quando ψ < φ′. No
entanto, não se pode demonstrar o equivalente relativamente ao TRI, isto é, não se pode
demonstrar que um limite inferior para um material com ψ = φ′ o seja também para ψ < φ′.
Em qualquer caso, tanto boas soluções da região superior como boas soluções da região
inferior têm visto os seus resultados confirmados por resultados experimentais, o que permite
considerar esta metodologia de análise como bastante adequada.
2.3 Determinação de cargas de colapso por equilíbrio limite
2.3.1 Princípios do método
O método de equilíbrio limite é o mais correntemente utilizado na determinação de cargas
de colapso de estruturas geotécnicas.
A sua aplicação implica, em primeiro lugar, a consideração de um mecanismo de colapso
arbitrário, que no entanto deverá ser tão próximo quanto possível do mecanismo real. Em
seguida, procede-se ao cálculo do equilíbrio através da consideração das forças e (ou) momentos
aplicados ao bloco ou conjunto de blocos definidos pelo mecanismo.
O método combina características da região superior com características da região inferior.
É considerado um mecanismo, tal como no TRS, mas não necessita de ser completamente
compatível. Por outro lado, o equilíbrio de forças (global) é satisfeito, mas o equilíbrio local
não é investigado.
Os resultados das soluções de equilíbrio limite não se encontram necessariamente (como
acontece com a análise limite) de um ou outro lado da solução exacta, pelo que apenas permi-
tem obter um valor que, se o mecanismo for bem escolhido, a experiência tem demonstrado
ser um valor próximo da solução exacta.
Capítulo 2. Introdução aos métodos de determinação de cargas de colapso 31
2.3.2 Exemplo de aplicação
Retome-se o exemplo anteriormente visto em 2.2.4, da determinação da resistência à com-
pressão simples. Como se viu, é conhecida a solução exacta para este problema. Analise-se,
então, o mesmo caso do ponto de vista do equilíbrio limite (Figura 2.11). As forças aplicadas
no bloco indicado são Q, N e T , pelo que se pode escrever o sistema de equações seguinte,
fazendo equilíbrio de forças nas direcções de T e de N :
{
Q sen ξ = T
Q cos ξ = N
de que resulta, da primeira equação do sistema:
Q =T
sen ξ⇒ quB =
cuL
sen ξ=
cuB
sen ξ cos ξ⇒ qELu = cu
1
sen ξ cos ξ(2.40)
ququ
γ = O
cuξ
B
L
Q
T
N
Figura 2.11:
O resultado equivale à solução obtida através do teorema cinemático, pelo que, procuran-
do-se o mecanismo condicionante (o que corresponde ao menor valor), se obteria a mesma
solução:
qELu = 2cu (2.41)
32 Capítulo 2. Introdução aos métodos de determinação de cargas de colapso
Parte III
Cargas de colapso
33
Capítulo 3
Impulsos de terras
3.1 Introdução aos impulsos de terras
O problema da determinação de impulsos de terras foi brevemente descrito no Capítulo
2 como um dos três problemas geotécnicos “simples” que é objecto de análise neste texto.
O problema em questão pode resumir-se ao que se apresentou na Figura 2.1(a) mas, numa
situação mais genérica, pode ser apresentado da forma indicada na Figura 3.1.
i
δβ
I
h
Figura 3.1: Impulso de terras
Note-se que:
1. há um valor mínimo da carga I que deve estar aplicada ao terreno por forma a que este
esteja estável, pelo que, se valores inferiores a este forem aplicados, ocorre o colapso;
2. há um valor máximo da carga I que pode ser aplicada ao terreno por forma a que
este permaneça estável, pelo que, se valores superiores a este forem aplicados, ocorre o
colapso.
No primeiro caso, trata-se de um valor mínimo do impulso e este é designado por “impulso
activo” (Ia) e o estado de tensão a que tal corresponde no solo por “estado activo”. No segundo,
trata-se de um valor máximo do impulso e este é designado por “impulso passivo” (Ip), sendo
o estado de tensão a que corresponde esta situação designado por “estado passivo”.
A situação a que corresponde a Figura 3.1 é relativamente geral, podendo ainda genera-
lizar-se mais no caso de o terreno suportado ter superfície irregular ou suportar sobrecargas
aplicadas. Nesta Figura, i, β e h têm o significado indicado e δ é o ângulo de atrito entre
35
36 Capítulo 3. Impulsos de terras
o solo e a estrutura que o suporta. Este ângulo pode ter o sentido indicado na Figura ou o
oposto. Comece-se, no entanto, por analisar o problema simples sugerido pela Figura 3.2, com
terreno respondendo em condições drenadas, com envolvente de rotura dado pela equação
τ = σ′tgφ′ (3.1)
I
Figura 3.2: Impulso de terras: caso de paramento vertical, impulso horizontal, terreno supor-tado horizontal.
3.2 Impulso de solos respondendo em condições drenadas, com
superfície horizontal em paramento vertical sem atrito so-
lo-paramento
3.2.1 Introdução
O problema em análise será estudado recorrendo às técnicas de determinação de cargas de
colapso estudadas no Capítulo 2:
• através do teorema estático ou da região inferior (TRI) – solução de Rankine;
• através do teorema cinemático ou da região superior, usando um mecanismo do tipo
planar;
• através de método de equilíbrio limite, usando também um mecanismo de tipo planar –
método de Coulomb.
3.2.2 Aplicação do teorema estático (TRI): a solução de Rankine
Impulso activo
Considere-se, para as condições em estudo de solo respondendo em condições drenadas,
com superfície horizontal em paramento vertical e sem atrito solo-paramento, um elemento de
solo à profundidade z (Figura 3.3).
Dada a inexistência de atrito solo-paramento, o impulso é, como se viu, horizontal. As
tensões efectivas vertical e horizontal no elemento de solo são, assim principais. A tensão
efectiva vertical é, portanto, dada por
σ′v = γz (3.2)
Capítulo 3. Impulsos de terras 37
Ia
z
Figura 3.3: Geometria do problema: aplicação do teorema da região inferior à determinaçãodo impulso activo: teoria de Rankine
sendo γ o peso volúmico do solo. É, assim, conhecido um ponto do círculo de Mohr que
caracteriza o estado de tensão no elemento (Figura 3.4). Pode igualmente representar-se a
envolvente de rotura do solo, dado pela equação (3.1).
τ
φ′
σ′σ′vσ′ha
45o + φ′/2
Figura 3.4: Aplicação do teorema da região inferior à determinação do impulso activo: teoriade Rankine
Pretendendo-se conhecer o impulso activo, estão em causa as menores tensões efectivas
horizontais que podem estar aplicadas no elemento, σ′ha, sem violar o critério de rotura do
solo. Esta tensão é a outra tensão principal e é determinável atendendo a que
senφ′ =(σ′v − σ′ha) /2(
σ′v + σ′ha)
/2⇒ σ′ha =
1 − senφ′
1 + senφ′σ′v =
1 − senφ′
1 + senφ′γz (3.3)
O equilíbrio no elemento obriga a que a estimativa da tensão efectiva horizontal mínima que
necessita ser aplicada ao paramento vertical seja, portanto,
σ′LIha =1 − senφ′
1 + senφ′γz = KLI
a γz (3.4)
com
KLIa =
1 − senφ′
1 + senφ′(3.5)
O coeficiente KLIa é, portanto, a relação entre uma tensão efectiva horizontal e uma tensão
efectiva vertical, designando-se por “coeficiente de impulso”. Por ser a relação entre a tensão
38 Capítulo 3. Impulsos de terras
efectiva horizontal activa e a tensão efectiva vertical, é um “coeficiente de impulso activo”.
Trata-se do coeficiente de impulso activo obtido por Rankine em 1857.
A equação 3.4 mostra a dependência linear da tensão efectiva horizontal activa com a
profundidade, conforme ilustra a Figura 3.5. A resultante do diagrama é, assim, a estimativa
do impulso activo dada pela aplicação do TRI:
ILIa =
h∫
0
KLIa γzdz =
[
1
2KLIa γz2
]h
0
=1
2KLIa γh2 (3.6)
45o + φ′
2
h
h3
KLIa γh
ILIa = 12K
LIa γh2
Figura 3.5: Impulso activo de Rankine
A Figura 3.4 permite ainda concluir que os planos segundo os quais ocorrem as tensões
tangenciais que igualam as tensões resistentes (ponto de tangência do círculo de Mohr à
envolvente de rotura) fazem um ângulo de 45o + φ′/2 com a horizontal.
Impulso passivo
Se estiver em causa a determinação da estimativa do máximo valor do impulso (impulso
passivo), há que estudar o valor da tensão efectiva horizontal máxima que pode estar aplicada
no elemento de solo à profundidade z. Essa tensão será a tensão σ′hp, indicada na Figura 3.6.
τ
φ′
σ′σ′vσ′ha
σ′hp
45o + φ′/2
45o − φ′/2
Figura 3.6: Aplicação do teorema da região inferior à determinação do impulso passivo: teoriade Rankine
Capítulo 3. Impulsos de terras 39
Para haver equilíbrio no elemento, a tensão σ′hp é tal que:
senφ′ =(σ′hp − σ′v)/2
(σ′hp + σ′v)/2→ σ′hp =
1 + senφ′
1 − senφ′σ′v =
1 + senφ′
1 − senφ′γz (3.7)
O equilíbrio no elemento obriga a que a estimativa da tensão efectiva horizontal máxima que
pode ser aplicada ao paramento vertical seja, portanto,
σ′LIhp =1 + senφ′
1 − senφ′γz = KLI
p γz (3.8)
com
KLIp =
1 + senφ′
1 − senφ′(3.9)
O coeficiente KLIp é, portanto, a relação entre a tensão efectiva horizontal passiva e a tensão
efectiva vertical, pelo que é designado por “coeficiente de impulso passivo”.
De forma análoga à que foi usada para a determinação da estimativa do limite inferior do
impulso activo, a estimativa do impulso passivo pode ser obtida através de:
ILIp =
∫ h
0KLIp γzdz =
[
1
2KLIp γz2
]h
0
=1
2KLIp γh2 (3.10)
3.2.3 Aplicação do teorema cinemático (TRS)
Impulso activo
Para a determinação de uma estimativa do impulso activo (impulso mínimo que deve ser
aplicado por forma a evitar o colapso) através do teorema da região superior, propõe-se usar
o mecanismo de superfície planar sugerido pela Figura 3.7.
ILSa h
ℓ
Ws
δw
δxδy
ξ
ψ = φ′
Figura 3.7: Aplicação do TRS com mecanismo planar à determinação do impulso activo
O trabalho das forças exteriores, δWe é dado por:
δWe = −ILSa δx+Wsδy (3.11)
sendo que δx e δy são, respectivamente, as componentes horizontal e vertical de δw. O trabalho
das forças exteriores deve ser:
δWe = δWi = 0 (3.12)
40 Capítulo 3. Impulsos de terras
O comprimento ℓ é dado por
ℓ =h
tgξ(3.13)
e as componentes vertical e horizontal do deslocamento δw relacionam-se da seguinte forma:
δy
δx= tg
(
ξ − φ′)
(3.14)
Sendo o peso do solo, Ws, dado por
Ws =1
2γh2/tgξ (3.15)
e atendendo às equações (3.11), (3.13) e (3.14), a equação (3.12) resulta em:
ILSa =1
2γh2 tg(ξ − φ′)
tgξ=
1
2KLSa γh2 (3.16)
com
KLSa =
tg(ξ − φ′)
tgξ(3.17)
A estimativa da região superior do coeficiente de impulso KLSa depende do ângulo ξ, ou
seja, do ângulo que o plano que define o mecanismo faz com a horizontal. Tratando-se de uma
solução da região superior, todos os mecanismos definidos pelo ângulo ξ causam o colapso.
Por exemplo, para o caso de φ′ = 30o e ξ = 50o, obtém-se, através da equação (3.17):
KLSa =
tg(50 − 30)
tg50= 0.305 (3.18)
Tal significa que o impulso a que corresponde o coeficiente KLSa = 0.305 causará o colapso,
tal como todos os valores determinados pela equação (3.17).
Se todos os resultados dados pela equação (3.17) causam o colapso, então a melhor solução
será a que corresponde ao máximo dos valores fornecidos pela equação.
Assim, representando o coeficiente de impulso em função do ângulo ξ, obtém-se a Figura
3.8. Desta Figura conclui-se que o máximo de cada curva, traçada para cada ângulo de
resistência ao corte analizado, ocorre para ξ = 45 + φ′/2.
Assim, da equação (3.17) vem:
KLSa =
tg(45 + φ′/2 − φ′)
tg(45 + φ′/2)= tg(45 − φ′/2)tg(90 − 45 − φ′/2) = tg2(45 − φ′/2) (3.19)
Assim, para o caso de φ′ = 30o, vem, da equação (3.19):
KLSa = tg2(45 − 30/2) = 1/3 (3.20)
Capítulo 3. Impulsos de terras 41
0
0.1
0.2
0.3
0.4
0.5
20 30 40 50 60 70 80 90
KLS a
ξ (o)
φ’=25o
φ’=30o
φ’=35o
φ’=40o
φ’=45o
ξ=45o+φ’/2
Figura 3.8: Variação de KLSa com o ângulo ξ.
Impulso passivo
Para determinação do impulso máximo (impulso passivo), considere-se o mecanismo ilus-
trado pela Figura 3.9.
ILSp h
ℓ
Ws
δwδx
δy
ξ
ψ = φ′
Figura 3.9: Aplicação do TRS com mecanismo planar à determinação do impulso passivo
O deslocamento na superfície que define o mecanismo tem a direcção indicada por δw.
Assim, aplicando o teorema da região superior, há que determinar o trabalho das forças
exteriores:
δWe = Ipδx−Wsδy (3.21)
em que Ws é o peso do solo e δx e δy são, respectivamente, os deslocamentos segundo x e y.
Dado que ℓ = h/tgξ, o peso do solo é
Ws =1
2γh2/ tgξ (3.22)
em que γ é o peso volúmico do solo.
Tem-se, por outro lado, que o trabalho realizado pelas tensões internas é nulo, se o material
42 Capítulo 3. Impulsos de terras
for puramente atrítico. Sendo assim, aplicando o teorema, fica que
We = Wi = 0 (3.23)
Como se tem queδy
δx= tg
(
ξ + φ′)
(3.24)
a equação (3.23) conduz a
Ip =1
2γh2 tg
tg (ξ + φ′)
tgξ(3.25)
ou seja
ILSp =1
2KLSp γh2 (3.26)
com KLSp dado por
KLSp =
tg (ξ + φ′)
tgξ(3.27)
O valor assim obtido representa o limite superior da força horizontal, ou seja, se um valor
igual ou superior àquele for aplicado, ocorre colapso.
Aplique-se, então, a equação (3.27) a uma situação concreta de um solo com φ′ = 30o e
para um ângulo ξ = 20o. Para esta situação,
KLSp =
tg (20o + 30o)
tg20o= 3.274 (3.28)
Aplicando, assim, um impulso determinado com KLSp = 3.274, de acordo com o teorema
da região superior, ocorre rotura.
A equação (3.27) está representada graficamente através da Figura 3.10. Dado que todas as
soluções dadas pela referida equação causam o colapso, tal implica que todas as estimativas dos
impulsos (e, portanto, todas as estimativas dos coeficientes de impulso passivo) correspondem
a forças que causam o colapso. Assim, a melhor solução corresponde ao menor valor, que se
constata ser obtido para ξ = 45 − φ′/2.
A equação (3.27) fica, assim:
KLSp = tg2(45 + φ′/2) (3.29)
3.2.4 Aplicação de método de equilíbrio limite: o método de Coulomb
Impulso activo
O método de Coulomb, publicado em 1776, é um método de equilíbrio limite em que
o mecanismo é definido por uma superfície planar (Figura 3.11), tal como a usada para a
resolução do problema através do TRS.
Capítulo 3. Impulsos de terras 43
0
2
4
6
8
10
10 20 30 40 50 60
KLS p
ξ (o)
φ’=25o
φ’=30o
φ’=35o
φ’=40o
φ’=45o
ξ=45o−φ’/2
Figura 3.10: Variação de KLSp com o ângulo ξ.
Ia
Ws
ξ
φ′
R
ℓ
h90 − ξ
ξ − φ′
Figura 3.11: Aplicação do método de Coulomb à determinação de impulso activo
Como método de equilíbrio limite, implica o estudo do equilíbrio de forças sobre a cunha
de solo definida pelo mecanismo. Coulomb propôs que tal equilíbrio fosse estudado através
do traçado do polígono de forças, conforme se sugere na Figura 3.11. Para haver equilíbrio, o
polígono tem que fechar, uma vez que a soma vectorial das forças aplicadas à cunha de solo
tem que ser nula. A determinação gráfica do impulso de terras é, então, possível, através da
determinação do vector que representa esse impulso para vários valores do ângulo ξ que a
superfície que define o mecanismo faz com a horizontal e da escolha do maior valor do impulso
activo.
Atendendo a que
tg(ξ − φ′) = Rh/Rv (3.30)
que
ℓ = h/tgξ (3.31)
e que
Ws =1
2γh2/tgξ (3.32)
44 Capítulo 3. Impulsos de terras
tem-se que o equilíbrio de forças nas direcções vertical e horizontal, definido pelas equações
ΣV = 0 →Ws = Rv (3.33)
ΣH = 0 → IELa = Rh = Rvtg(ξ − φ′) (3.34)
conduz a
IELa =1
2γh2 tg(ξ − φ′)
tgξ=
1
2KELa γh2 (3.35)
sendo
KELa =
tg(ξ − φ′)
tgξ(3.36)
Pode notar-se que a equação (3.36) é exactamente a que se obteve a propósito da aplicação
do TRS com o mesmo mecanismo, pelo que o máximo dos valores de KELa é também dado
por
KELa = tg2(45 − φ′/2) (3.37)
Impulso passivo
A Figura 3.12 apresenta o mecanismo correspondente ao anteriormente apresentado, para
o caso do impulso passivo. A cunha de solo assim formada tenderá a deslocar-se para a direita
e para cima, pelo que a força R tem a direcção agora indicada na Figura (confrontar com a
Figura 3.11).
Ip
Ws
ξφ′
R
ℓ
hξ + φ′
Figura 3.12: Aplicação do método de Coulomb à determinação de impulso passivo
Da Figura pode concluir-se que:
tg(ξ + φ′) = Rh/Rv (3.38)
ℓ = h/tgξ (3.39)
Ws =1
2γh2/tgξ (3.40)
O equilíbrio de forças implica que:
ΣV = 0 →Ws = Rv (3.41)
ΣH = 0 → IELp = Rh = Rvtg(ξ + φ′) (3.42)
Capítulo 3. Impulsos de terras 45
de onde:
IELp =1
2γh2 tg(ξ + φ′)
tgξ=
1
2KELp γh2 (3.43)
com KELp atingindo o valor mais baixo para ξ = 45 − φ′/2, pelo que
KELp = tg2 (45 + φ′/2) (3.44)
3.2.5 Observações
A determinação de impulsos activos e passivos de solos respondendo em condições drena-
das, com superfície horizontal em paramento vertical, sem atrito solo-paramento foi realizada
recorrendo a três técnicas:
• análise limite, recorrendo ao teorema cinemático (ou da região superior);
• análise limite, recorrendo ao teorema estático (ou da região inferior);
• equilíbrio limite.
Em todos os casos foi possível escrever o resultado do impulso de terras recorrendo a uma
expressão do tipo
I =1
2Kγh2 (3.45)
sendo K um coeficiente de impulso (activo ou passivo) determinado através dos métodos atrás
referidos e cuja melhor solução é função, apenas, do ângulo de resistência ao corte.
A solução obtida por análise limite usando o teorema estático corresponde à de Rankine
e encontra-se expressa nas equações (3.5), para o activo, e (3.9), para o passivo. A solução
obtida por análise limite usando o teorema cinemático recorrendo a mecanismo definido por
superfície planar está expressa nas equações (3.19), para o activo, e (3.29), para o passivo.
Dado que1 − senφ′
1 + senφ′= tg2 (45 − φ′/2) (3.46)
e1 + senφ′
1 − senφ′= tg2 (45 + φ′/2) (3.47)
tem-se que, para o caso analisado,
KLSa = KLI
a (3.48)
e
KLSp = KLI
p (3.49)
pelo que é conhecida a solução exacta:
KEXa = tg2(45 − φ′/2) (3.50)
KEXp = tg2(45 + φ′/2) (3.51)
46 Capítulo 3. Impulsos de terras
É igualmente interessante verificar que também o método de equilíbrio limite utilizado
(método de Coulomb) permitiu obter a solução exacta. Verifica-se, na realidade, que a meto-
dologia de equilíbrio limite de Coulomb é equivalente à solução da região superior que recorre
a mecanismo definido com base numa superfície de deslizamento planar, pelo que, como se
verá, a solução de Coulomb é, assim, uma solução da região superior.
Por último, refere-se que os coeficientes de impulso determinados nas secções anteriores
são coeficientes a aplicar no caso de os impulsos serem dados pela equação 3.45, isto é, para
os impulsos devidos ao peso do solo. Podem ser, por esse motivo, representados por Kaγ ou
Kpγ , consoante se trate de coeficiente de impulso activo ou passivo. Utiliza-se esta simbologia
quando se pretenda distinguir dos coeficientes de impulso devidos a sobrecargas aplicadas na
superfície do terreno, que serão abordadas na secção seguinte,
3.2.6 Exemplo
Pretende-se determinar os impulsos mínimo (activo) e máximo (passivo) do problema
ilustrado na Figura 3.13, para o caso de γ = 18 kN/m3 e φ′ = 33o.
I
γ
φ′ h = 2 m
Figura 3.13: Caso de solo respondendo em condições drenadas, com superfície horizontal emparamento vertical, sem atrito solo-paramento: exemplo de determinação dos impulsos.
Como se viu, existe solução exacta para ambos os problemas, pelo que o impulso activo
pode ser determinado através de:
Ia =1
2Kaγh
2 =1
2tg2(45 − 33/2) × 18 × 22 = 10.6 kN/m (3.52)
e o impulso passivo através de:
Ip =1
2Kpγh
2 =1
2tg2(45 + 33/2) × 18 × 22 = 122.1 kN/m (3.53)
3.2.7 Pressões devidas a sobrecargas
Aplicação do teorema estático
Considere-se o problema esquematicamente representado na Figura 3.14, análogo ao ante-
riormente considerado mas em que existe uma sobrecarga vertical aplicada ao terreno. O caso
é, assim, semelhante ao da secção 3.2.2, mas em que a tensão efectiva vertical é dada por:
σ′v = γz + q (3.54)
Capítulo 3. Impulsos de terras 47
Ia
z
q
Figura 3.14: Geometria do problema: aplicação do teorema da região inferior à determinaçãodo impulso activo com sobrecarga aplicada à superfície do terreno: teoria de Rankine
Deste modo, a equação 3.3 fica:
σ′ha =1 − senφ′
1 + senφ′σ′v =
1 − senφ′
1 + senφ′(γz + q) (3.55)
ou, escrevendo-a de outro modo:
σ′ha = KLIaγ γz +KLI
aq q (3.56)
em que, para o caso em estudo:
KLIaγ = KLI
aq = KLIa =
1 − senφ′
1 + senφ′(3.57)
Análise semelhante poderia ser feita para o caso passivo, verificando-se que:
σ′hp = KLIpγ γz +KLI
pq q (3.58)
em que, para o caso em estudo:
KLIpγ = KLI
pq = KLIp =
1 + senφ′
1 − senφ′(3.59)
Aplicação do teorema cinemático
Resolva-se agora o mesmo problema através do teorema cinemático, conforme representado
na Figura 3.15. A resolução é análoga à apresentada na secção 3.2.3, em que Ws é substituído
por Ws +Q, sendo:
Q = qℓ (3.60)
O trabalho das forças exteriores, δWe é dado por:
δWe = −ILSa δx+ (Ws +Q) δy (3.61)
que deve ser
δWe = δWi = 0 (3.62)
48 Capítulo 3. Impulsos de terras
ILSa h
q
ℓ
Ws
δw
ξ
ψ = φ′
Figura 3.15: Aplicação do TRS com mecanismo planar à determinação do impulso activo parao caso de sobrecarga aplicada à superfície do terreno.
Atendendo às equações 3.13 e 3.14, a equação 3.62 fica:
ILSa =1
2KLSaγ γh
2 +KLSaq qh (3.63)
com
KLSaγ = KLS
aq = KLSa =
tg(ξ − φ′)
tgξ(3.64)
que é igual à equação 3.17 e, portanto, tem o seu valor máximo para ξ = 45 + φ′/2, o que
conduz a:
KLSaγ = KLS
aq = KLSa = tg2
(
45o − φ′/2)
(3.65)
Análise semelhante pode ser realizada para o caso do impulso passivo, conduzindo a:
ILSp =1
2KLSpγ γh
2 +KLSpq qh (3.66)
com
KLSpγ = KLS
pq = KLSp = tg2
(
45o + φ′/2)
(3.67)
Aplicação do método do equilíbrio limite
Considerando o mecanismo anteriormente adoptado em 3.2.4 com a sobrecarga aplicada
à superfície do terreno, tem-se que o equilíbrio de forças nas direcções vertical e horizontal é
dado por:
ΣV = 0 → Ws +Q = Rv (3.68)
ΣH = 0 → IELa = Rh = Rvtg(ξ − φ′) (3.69)
conduz a
IELa =1
2KELaγ γh
2 +KELaq qh (3.70)
com
KELaγ = KEL
aq = KELa = tg2(45 − φ′/2) (3.71)
Do mesmo modo, para o passivo, fica:
IELp =1
2KELpγ γh
2 +KELpq qh (3.72)
Capítulo 3. Impulsos de terras 49
com
KELpγ = KEL
pq = KELp = tg2(45 + φ′/2) (3.73)
Resumo
Verifica-se, assim, que para o caso de solos respondendo em condições drenadas, com
superfície horizontal em paramento vertical sem atrito solo-paramente, se tem que as soluções
exactas dos coeficientes de impulso activo e passivo são:
KEXaγ = KEX
aq =1 − senφ′
1 + senφ′= tg2 (45 − φ′/2) (3.74)
e
KEXpγ = KEX
pq =1 + senφ′
1 − senφ′= tg2 (45 + φ′/2) (3.75)
3.2.8 Pressões da água e meios estratificados
A presença de água aumenta as pressões totais sobre as estruturas de suporte. As pressões
de terras são determinadas aplicando o coeficiente de impulso, Ka ou Kp à tensão efectiva,
pelo que há que lhe somar a parcela do impulso da água.
A Figura 3.16 mostra o cálculo dos impulsos activos numa situação em que parte do solo
se encontra saturada. A tensão σa é, naturalmente, dada por
σa = Kaγhh1 (3.76)
uma vez que, acima do nível freático, se está a considerar que não há pressões intersticiais e,
consequentemente, as tensões efectivas são iguais às tensões totais. A tensão σb é dada por
σb = Ka(γsath2 − γwh2) = Kaγ′h2 (3.77)
e σc é, naturalmente, a pressão da água, pelo que é
σc = γwh2 (3.78)
h1
h2
σa σb σc
Figura 3.16: Pressões da água e influência da água nas pressões de terras.
Note-se que, à profundidade h1 +h2 a pressão de terras é σa+σb que é igual ao coeficiente
50 Capítulo 3. Impulsos de terras
de impulso activo, Ka, multiplicado pela tensão efectiva vertical à profundidade indicada, ou
seja:
σ′h1+h2
h = σa + σb = Kaσ′v = Ka(γhh1 + γ′h2) (3.79)
A tensão total é, conforme referido, esta tensão somada da parcela da pressão intersticial,
ou seja
σh1+h2
h = σ′h1+h2
h + uh1+h2 = σa + σb + σc = Ka(γhh1 + γ′h2) + γwh2 (3.80)
A teoria de Rankine permite determinar com facilidade o impulso de terras em meios
estratificados, conforme ilustra a Figura 3.17. A tensão σa é dada por
σa = Ka1γh1h1 (3.81)
conforme anteriormente apresentado, sendo γh1 o peso volúmico total do solo 1 e Ka1 o seu
coeficiente de impulso activo. Imediatamente abaixo do ponto à profundidade h1, no entanto,
o solo é diferente, com coeficiente de impulso activo Ka2, pelo que se verifica que
σb = Ka2γh1h1 (3.82)
Solo 1
Solo 2
q
h1
h2
σa
σb σc
σd
σe
σf
Figura 3.17: Meios estratificados e sobrecargas.
A Figura sugere que σb < σa, o que será possível se Ka2 < Ka1, o que significa que φ′2 > φ′1.
A tensão σc é dada por
σc = Ka2γh2h2 (3.83)
e σd tem o valor
σd = Ka2(γh1h1 + γh2h2) (3.84)
ou seja, o coeficiente de impulso activo do solo 2 – correspondente à zona onde se pretende
determinar a pressão de terras – multiplicado pela tensão efectiva vertical.
A mesma figura permite igualmente compreender como se calculam as pressões de terras
quando, à superfície do terreno, são aplicadas sobrecargas de extensão infinita. Com efeito,
como se viu, uma sobrecarga deste tipo provoca um incremento de tensão vertical igual ao
valor da sobrecarga transmitida, pelo que a pressão de terras a qualquer profundidade será
Capítulo 3. Impulsos de terras 51
somada de Kaq, pelo que as tensões σe e σf são dadas por
σe = Ka1q (3.85)
σf = Ka2q (3.86)
Faz-se notar que apesar da apresentação de meios estratificados, pressões da água e de-
vidas a sobrecargas ter sido apresentada tendo em atenção o cálculo de impulsos activos, a
determinação de impulsos passivos é feita de acordo com os mesmos princípios.
3.3 Impulso de solos respondendo em condições não drenadas,
com superfície horizontal em paramento vertical, sem ade-
são solo-paramento
3.3.1 Introdução
Tal como no caso do problema anterior, o problema será estudado recorrendo à solução de
Rankine, a uma solução do teorema cinemático (TRS) usando um mecanismo do tipo planar
e ao método de equilíbrio limite (Coulomb) com uma superfície do mesmo tipo.
3.3.2 Aplicação do teorema estático (TRI): a solução de Rankine
Impulso activo
Considere-se a situação esquematicamente representada na Figura 3.18. A menor tensão
horizontal que pode ser exercida pelo solo respondendo em condições não drenadas à profun-
didade z é
σha = σv − 2cu = γz − 2cu (3.87)
h
γh 2cu
cu
zA
τ
σσvσha
Figura 3.18: Impulso activo de Rankine em solo respondendo em condições não drenadas
De uma forma simples, ignorando o facto de, até certa profundidade z, a resultante da
tensão aplicada ser negativa, isto é, corresponder a tracção aplicada à estrutura de suporte,
pode dizer-se que o impulso activo é o integral das tensões dadas pela equação anterior. Assim,
52 Capítulo 3. Impulsos de terras
o impulso activo poderia ser escrito como:
ILIa =
∫ h
0σhadz =
∫ h
0(γz − 2cu) dz =
[
1
2γz2 − 2cuz
]h
0
=1
2γh2 − 2cuh (3.88)
Tendo, no entanto, a referida limitação em consideração, pode obter-se um resultado mais
realista. Assim, se até à profundidade z0 a resultante da tensão horizontal é negativa (tracção),
tal significa que não vai ocorrer até à referida profundidade, qualquer impulso de terras. Deste
modo, o impulso será apenas o que resulta do diagrama triangular indicado na Figura 3.19.
h
γh 2cu
zA
z0γ(h − z0)
Figura 3.19: Impulso activo de Rankine em solo respondendo em condições não drenadas:fendas por tracção.
A profundidade z0 (profundidade das fendas por tracção) é tal que
γz0 = 2cu ⇒ z0 =2cuγ
(3.89)
pelo que a tensão horizontal máxima do diagrama triangular resultante é
γh− 2cu = γh− γz0 = γ(h− z0) (3.90)
O impulso activo é, portanto,
ILIa =1
2γ(h− z0)
2 (3.91)
que pode ser escrito como
ILIa =1
2γh2 − 2cuh+
2c2uγ
(3.92)
Impulso passivo
Considerações semelhantes às que foram feitas a propósito do impulso activo permitem
concluir que a tensão horizontal máxima que pode actuar à profundidade z é
σhp = σv + 2cu = γz + 2cu (3.93)
Os diagramas de pressões têm, neste caso, o mesmo sentido, pelo que não há lugar a fendas
por tracção.
Capítulo 3. Impulsos de terras 53
O impulso passivo é, portanto:
ILIp =1
2γh2 + 2cuh (3.94)
3.3.3 Aplicação do teorema cinemático (TRS)
Impulso activo
Considere-se o mecanismo planar indicado na Figura 3.20.
ILSa h
ℓ
L
Ws
δw
ξ
Figura 3.20: Aplicação do TRS com mecanismo planar à determinação do impulso activo
Verifica-se que:
ℓ = h/tg ξ (3.95)
L = h/sen ξ (3.96)
δy = δxtg ξ (3.97)
sendo δy e δx as componentes vertical e horizontal do deslocamento virtual δw.
A força Ws é dada por
Ws =1
2γh2 1
tg ξ(3.98)
e o trabalho das forças exteriores é
δWe = −Iaδx+Wsδy = −Iaδx+1
2γh2 1
tg ξδxtg ξ (3.99)
A energia dissipada é
δWi = cuLδw = cuh
sen ξ
δx
cos ξ(3.100)
Do TRS resulta que
δWe = δWi ⇒ ILSa =1
2γh2 − cuh
1
sen ξ cos ξ(3.101)
Todas as soluções de Ia dadas por esta equação (para qualquer ξ) são soluções da região
superior, o que significa que fornecem resultados inferiores ou iguais ao valor exacto do impulso.
Pode constatar-se que o ângulo ξ que maximiza Ia é 45o, para o qual:
ILSa =1
2γh2 − 2cuh (3.102)
54 Capítulo 3. Impulsos de terras
Impulso passivo
Pode, de forma análoga à apresentada para o activo, obter-se
ILSp =1
2γh2 + 2cuh (3.103)
3.3.4 Aplicação de método de equilíbrio limite: o método de Coulomb
Conforme se disse, a solução do método de Coulomb é coincidente com a do teorema
cinemático de mecanismo planar. A solução obtida é, tanto para o caso activo como o passivo,
análoga à que acabou de se apresentar. Convida-se, assim, o leitor a demonstrá-lo.
3.4 Impulso de solos respondendo em condições drenadas: su-
perfície inclinada, em paramento inclinado com atrito solo-
paramento
3.4.1 Introdução
Para a geometria “genérica” e com atrito δ solo-estrutura que se apresenta esquematica-
mente na Figura não há solução de Rankine.
h
i
δ βI
Figura 3.21: Geometria para a determinação de impulso de solos respondendo em condiçõesdrenadas, com superfície inclinada, em paramento vertical, com atrito solo-paramento
Entre as soluções disponíveis referem-se:
• aplicação do teorema estático (TRI): solução publicada em tabela de Caquot-Kérisel;
• aplicação do teorema cinemático (TRS): pode mostrar-se, como se referiu, que a solução
de mecanismo planar coincide com a solução de Coulomb.
• aplicação de método de equilíbrio limite: há a solução de Coulomb.
O problema do cálculo das pressões correspondentes aos estados limites activo e passivo,
nas situações em que existe atrito entre o solo e a estrutura, foi formulado inicialmente por
Boussinesq. Admitindo um conjunto de hipóteses relativas às tensões no maciço, impondo
o equilíbrio estático, a condição de equilíbrio limite e as condições de fronteira adequadas
(Matos Fernandes, 1990) Boussinesq obteve um sistema de equações diferenciais.
Capítulo 3. Impulsos de terras 55
A resolução do sistema de equações foi conseguida por Caquot e Kérisel, adoptando algu-
mas hipóteses adicionais, e chegando assim a uma solução da região inferior. A partir desta
solução, Caquot e Kérisel elaboraram tabelas (Caquot e Kérisel, 1948; Caquot et al., 1972) de
impulsos activos e passivos que se tornaram bem conhecidas e divulgadas.
3.4.2 Método de Coulomb
Impulso activo
Considere-se a estrutura de suporte representada na Figura 3.22 e admita-se que a cunha
representada com superfície plana fazendo um ângulo ξ com a horizontal se destaca da restante
massa de solo causando um impulso activo sobre a estrutura de suporte.
A
B
C
h
i
δ
ξ
βα
φ′
Ia
Ia
WW
R
R
ξ − iα+ i
β − ξξ − φ′
180o − β − δ
β + δ − ξ + φ′
Figura 3.22: Cunha de solo para avaliação dos impulsos activos em solos respondendo emcondições drenadas, pela teoria de Coulomb.
Na referida Figura W é o peso da cunha de solo, R é a resultante das forças normal e
de corte na superfície BC e Ia é o impulso activo actuante no muro (e de valor igual à sua
reacção, aplicada à cunha de solo, que se representa na Figura). Este impulso tem direcção
inclinada de δ com a normal à superfície do muro que suporta o terreno. δ é o ângulo de atrito
solo–muro.
Para um dado valor de ξ é conhecido o valor de W . As outras duas forças actuantes na
cunha podem ser conhecidas através do método gráfico sugerido na Figura 3.22. Destas duas
forças sabe-se as linhas de acção mas desconhece-se o seu valor. O referido método gráfico
passa pelo desenho do chamado polígono de forças, da forma que se descreve:
1. representação da força W , à escala e com a direcção apropriada;
2. marcação, a partir da extremidade de W , da linha de acção da força R;
3. marcação, a partir da origem de W , da linha de acção da força Ia;
4. o triângulo formado permite definir o polígono de forças e, logo, o valor de cada uma
das forças envolvidas.
56 Capítulo 3. Impulsos de terras
Refere-se que a marcação da linha de acção das forças R e Ia, descrita nos pontos 2 e 3
pode naturalmente ser trocada, isto é, a marcação da linha de acção da força R pode ser feita
a partir do ponto de origem de W e a da linha de acção da força Ia pode realizar-se a partir
da extremidade de W .
As simplificações básicas da teoria de Coulomb são as seguintes:
• a superfície de deslizamento é plana e passa pela base da estrutura de suporte; verifica-se
na realidade que as superfícies são curvas, facto que não tem consequências importan-
tes no que respeita ao cálculo de impulsos activos mas, como se verá, assume especial
importância na estimativa de impulsos passivos;
• a direcção do impulso de terras faz um ângulo δ com a normal ao plano da estrutura de
suporte; este ângulo é o ângulo de atrito entre o solo e a estrutura; o impulso actua na
estrutura de suporte à altura de h3 relativa à base;
• o solo suportado é seco, homogéneo, isotrópico, de comportamento rígido–plástico.
• a cunha de solo actua como corpo rígido e o valor do impulso de terras considera o
equilíbrio limite da superfície de deslizamento.
A determinação do impulso é realizada através do equilíbrio das forças aplicadas à cunha
de solo da forma que se descreveu anteriormente. No entanto, a inclinação da superfície de
deslizamento, que forma a cunha, é desconhecida. Para a determinação do impulso activo há,
pois, que efectuar diversas tentativas de diferentes cunhas, correspondendo o impulso activo
ao maior valor obtido.
O método de Coulomb é facilmente aplicável igualmente a casos em que a geometria do
terreno suportado é irregular, como por exemplo no caso da existência de superfícies do terreno
com diferentes inclinações ou na presença de banquetas. A eventual presença destes elementos
em nada afecta o método, interferindo apenas no cálculo de W .
De forma semelhante, o método de Coulomb pode ser aplicado a casos de aplicação de
sobrecargas no terreno suportado, implicando tais sobrecargas a consideração no equilíbrio de
forças de uma força adicional correspondente à sua acção na cunha em análise.
A teoria de Coulomb pode igualmente ser estendida a casos com a presença de água (Figura
3.23).
Nestas situações, sendo a pressão intersticial em B igual a γwhw, tem-se que
Iwr =1
2× γwhw × hw
senξ=
1
2γwh
2w
1
senξ(3.104)
e
Iar =1
2× γwhw × hw
senα=
1
2γwh
2w
1
senα(3.105)
pelo que as componentes horizontais de Iwr e Iwa são
IwrH = Iwrsenξ =1
2γwh
2w (3.106)
Capítulo 3. Impulsos de terras 57
A
B
C
D EFh
S
T
i
δ
ξ
βα
φ′Ia
Ia
Iwa
IwaIwrIwr
W2
W ′2
W2w
W1
W1
R
Rhw
Figura 3.23: Cunha de solo para avaliação dos impulsos activos em solos respondendo emcondições drenadas, parcialmente submersos pela teoria de Coulomb.
e
IwaH = Iwasenα =1
2γwh
2w (3.107)
ou seja, como seria de esperar,
IwrH = IwaH (3.108)
As componentes verticais das forças IwaeIwr são
IwrV = Iwrcosξ =1
2γwh
2w
cosξ
senξ(3.109)
e
IwaV = Iwacosα =1
2γwh
2w
cosα
senα(3.110)
pelo que a força vertical total aplicada pelos impulsos da água é
IwV = IwrV + IwaV =1
2γwh
2w
(
1
tgα+
1
tgξ
)
(3.111)
Note-se, por outro lado, que a área do triângulo BDE é igual a
ABDE =1
2DEhw =
1
2(DF + FE)hw =
1
2
(
hwtgα
+hwtgξ
)
hw =1
2h2w
(
1
tgα+
1
tgξ
)
(3.112)
pelo que o peso da referida área (volume por unidade de comprimento) se estivesse completa-
mente preenchido com água é
W2w = ABDEγw (3.113)
o que significa que o peso W2w é igual à resultante das forças verticais devidas à água, dadas
pela equação (3.111), conforme seria de esperar e conforme sugerido pelo polígono de forças
da Figura 3.23.
Note-se ainda que na estrutura de suporte há que considerar que, para além dos impulsos
do terreno, estão aplicados impulsos devidos à água no tardoz da estrutura de suporte.
58 Capítulo 3. Impulsos de terras
De acordo com o referido, o método de Coulomb é um método essencialmente gráfico, em
que o impulso activo é determinado por traçado de um polígono de forças. Por este motivo,
alguns autores dedicaram-se à apresentação de metodologias gráficas para a obtenção mais ou
menos expedita do referido impulso. Citam-se os métodos de Poncelet (de 1840), de Culman
(de 1866) e de Rebhann (de 1871).
No entanto, a metodologia da definição do polígono de forças pode ser conseguida por via
analítica. Com efeito, da lei dos senos pode concluir-se, da Figura 3.22, que
Iasen (ξ − φ′)
=W
sen (β + δ − ξ + φ′)(3.114)
o que conduz a
Ia =W sen (ξ − φ′)
sen (β + δ − ξ + φ′)(3.115)
A expressão 3.115 pode ser, assim, usada para, em função de vários valores de ξ, determinar
o impulso e assim determinar o máximo valor para que ocorre.
A mesma expressão ou uma expressão equivalente poderia ser obtida através da escrita de
duas equações, uma correspondente ao equilíbrio das forças na horizontal e outra ao equilíbrio
de forças na vertical. Estas duas equações formam um sistema a duas incógnitas, Ia e R, do
qual a solução de Ia é a equação (3.115).
A resolução deste sistema (ou a aplicação da equação referida) é dependente de ξ, ou seja,
corresponde à solução para uma dada cunha. O impulso activo é, conforme referido, o máximo
desses impulsos. Tratando-se de um problema de maximização pode igualmente procurar-se
o valor de ξ que maximiza o impulso Ia, ou seja, resolver a equação
dIadξ
=d
dξ
[
W sen (ξ − φ′)
sen (β + δ − ξ + φ′)
]
= 0 (3.116)
Em 1906, Muller-Breslau concluíram que o impulso activo Ia que resulta da substituição
da solução da equação anterior na equação (3.115) é
ILS;ELa =
1
2KLS;ELaγ γh2 (3.117)
sendo h a altura da estrutura de suporte e KLS;ELa dado por
KLS;ELaγ =
cosecβ sen (β − φ′)√
sen (β + δ) +√
sen(φ′+δ) sen(φ′−i)sen(β−i)
2
(3.118)
O ângulo ξ a que corresponde este impulso pode ser determinado através de:
cotg (ξ− i) = −tg (φ′ +δ+β−90o− i)+sec(φ′ +δ+β−90o− i)
√
cos(β − 90o + δ)sen (φ′ + δ)
cos(i− β + 90o)sen (φ′ − i)
(3.119)
Capítulo 3. Impulsos de terras 59
A componente horizontal do impulso pode ser determinada através de
ILS;ELaH =
1
2KLS;ELaγH γh2 (3.120)
com
KLS;ELaγH = KLS;EL
aγ sen (β + δ) (3.121)
e a componente vertical através de
ILS;ELaV =
1
2KLS;ELaγV γh2 (3.122)
com
KLS;ELaγV = KLS;EL
aγ cos (β + δ) (3.123)
O ponto de aplicação do impulso activo total não é dado directamente pela teoria de
Coulomb mas pode ser determinada através da distribuição de tensões no tardoz da estrutura
de suporte. A distribuição de tensões pode ser deduzida determinando o impulso de terras
admitindo diversas profundidades de passagem do plano de rotura. Se o impulso de terras
for conhecido relativamente a duas cunhas de solo até às profundidades z e z + dz então o
incremento de impulso pode ser determinado através de
dIa = σadz (3.124)
em que σa é o valor médio das pressões activas em função da profundidade dz, pelo que
σa =dIadz
(3.125)
A distribuição de pressões activas pode, assim, ser avaliada através da equação (3.125) para
uma série de incrementos de profundidade entre o topo e a base da estrutura de suporte.
Este procedimento, no entanto, é apenas usado raramente, dado que se a inclinação do ter-
reno suportado é constante e não tem aplicada qualquer sobrecarga a distribuição de pressões
é triangular.
Impulso passivo
No caso de avaliação do impulso passivo, o método de Coulomb considera princípios se-
melhantes aos enunciados a propósito da determinação do impulso activo. A determinação
pode ser gráfica, por um processo de tentativas, de cunhas com diversas inclinações, conforme
sugerido pela Figura 3.24, ou analítica.
Através do método gráfico busca-se, agora, o valor mínimo do impulso. A solução analítica
foi obtida através da minimização do impulso, sendo avaliado através de
ILS;ELp =
1
2KLS;ELp γh2 (3.126)
60 Capítulo 3. Impulsos de terras
A
B
C
h
i
δ
ξ
βα
φ′
Ip
IpW
W
RR
ξ − i
α+ i
β − ξξ + φ′
180o − β + δ
β − δ − ξ − φ′
Figura 3.24: Cunha de solo para avaliação dos impulsos passivos pela teoria de Coulomb.
sendo KLS;ELp , o coeficiente de impulso passivo, dado por
KLS;ELp =
cosecβ sen (β + φ′)√
sen (β − δ) −√
sen(φ′+δ) sen(φ′+i)sen(β−i)
2
(3.127)
O ângulo ξ a que corresponde este impulso pode ser determinado através de:
cotg (ξ− i) = −tg (φ′−δ−β+90o + i)+sec(φ′−δ−β+90o + i)
√
cos(β − 90o + δ)sen (φ′ − δ)
cos(i− β + 90o)sen (φ′ + i)
(3.128)
3.4.3 Método de Coulomb: o efeito de sobrecargas
A consideração de uma sobrecarga uniformemente distribuída na superfície do terreno pode
ser tida em conta substituindo W por W +Q, sendo Q dado por (ver Figura 3.22):
Q = q AC (3.129)
Assim, a equação 3.115 fica:
Ia =(W +Q)sen (ξ − φ′)
sen (β + δ − ξ + φ′)(3.130)
o que conduz a:
ILS;ELa =
1
2KLS;ELaγ γh2 +KLS;EL
aq qh (3.131)
em que KLS;ELaγ é dado pela equação 3.118 e KLS;EL
aq é:
KLS;ELaq = KLS;EL
aγ
senβ
sen (β − i)(3.132)
A Figura 3.25 mostra a relação entre os dois coeficientes.
Capítulo 3. Impulsos de terras 61
0.7
0.8
0.9
1
1.1
1.2
1.3
1.4
1.5
1.6
1.7
50 60 70 80 90 100 110 120 130
Kaq
/Kaγ
β (o)
i=0i=10ºi=20ºi=30º
Figura 3.25: Relação KLS;ELaq /KLS;EL
aγ em função de β e i.
3.5 Comparação da solução de Coulomb com a de Caquot-Ké-
risel
Considerou-se o caso de β = 90o e i = 0 e, através da equação (3.118), calculou-se o
coeficiente de impulso activo através da teoria de Coulomb. Consultando as tabelas de Ca-
quot–Kérisel (Caquot et al., 1972) e sobrepondo os resultados pode obter-se a Figura 3.26,
ficando claro que os valores não são exactamente os mesmos.
A análise desta Figura permite retirar as seguintes conclusões:
• os resultados da teoria de Caquot e Kérisel coincidem, para efeitos práticos, com os da
teoria de Coulomb; por este motivo e pelo facto de a teoria de Coulomb ser de utilização
mais prática do que a teoria de Caquot e Kérisel (uso de expressão relativamente simples
face a consulta de tabelas) é habitual que o impulso activo seja determinado para efeitos
de dimensionamento através da teoria de Coulomb;
• as diferenças que se verificam entre os resultados estão, globalmente, de acordo com o
esperado: os resultados da teoria de Coulomb são inferiores aos da teoria de Caquot–Ké-
risel (veja-se, para maior clareza, o caso de φ′ = 20o); as excepções a esta regra deverão
ser apenas aparentes e devidas à diferença de precisão adoptada na representação dos
resultados (3 casas decimais no caso dos resultados da teoria de Coulomb e 2 casas
decimais no caso da teoria de Caquot–Kérisel).
De forma análoga procedeu-se ao traçado da Figura 3.27, referente à comparação, para o
caso do coeficiente de impulso passivo, da teoria de Coulomb com a teoria de Caquot–Kérisel.
62 Capítulo 3. Impulsos de terras
Desta Figura pode confirmar-se que os resultados da teoria de Coulomb estão substancial-
mente acima dos da teoria de Caquot–Kérisel. Sabe-se igualmente que a teoria de Coulomb
pode sobrestimar consideravelmente os impulsos passivos, em particular para valores elevados
de δ. É frequente afirmar-se que os resultados da teoria de Coulomb podem ser usados para
0
0.1
0.2
0.3
0.4
0.5
0.6
0 5 10 15 20 25 30 35 40
Ka
δ (º)
Coulomb φ’=20ºCoulomb φ’=30ºCoulomb φ’=40º
Caquot−Kérisel φ’=20ºCaquot−Kérisel φ’=30ºCaquot−Kérisel φ’=40º
Figura 3.26: Coeficientes de impulso activo determinados pela teoria de Coulomb (equação(3.118)) para β = 90o e i = 0 face aos valores obtidos por Caquot e Kérisel (1948).
1
10
100
0 5 10 15 20 25 30 35 40
Kp
δ (º)
Coulomb φ’=20ºCoulomb φ’=30ºCoulomb φ’=40ºCaquot−Kérisel φ’=20ºCaquot−Kérisel φ’=30ºCaquot−Kérisel φ’=40º
Figura 3.27: Coeficientes de impulso passivo determinados pela teoria de Coulomb (equação(3.127)) para β = 90o e i = 0 face aos valores obtidos por Caquot e Kérisel (1948).
Capítulo 3. Impulsos de terras 63
valores de δ inferiores ou iguais a φ′
3 ou, para outros autores, a φ′
2 . As razões para tais afir-
mações são claras a partir da Figura, em especial tendo em atenção o facto de a teoria de
Caquot–Kérisel constituir uma boa aproximação do impulso real.
3.6 A curvatura da superfície de deslizamento
Pelo que se mostrou até agora, sabe-se que:
• a teoria de Coulomb constitui uma aproximação do tipo da região superior, sendo por-
tanto espectável que sobrestime o impulso passivo e subestime o impulso activo;
• os resultados de Caquot e Kérisel são, para efeitos práticos, na avaliação de impulsos
activos, coincidentes com os da teoria de Coulomb; sendo os resultados de Caquot–Kérisel
do tipo da região inferior resulta que a solução exacta é, praticamente, conhecida;
• na avaliação de impulsos passivos os resultados de Coulomb diferem substancialmente
dos de Caquot–Kérisel para valores elevados do ângulo de atrito solo–muro, δ; sabendo-
-se, com base em resultados práticos, que a teoria de Caquot–Kérisel fornece resultados
mais próximos dos reais, tem-se que a teoria de Coulomb se afasta consideravelmente
daqueles.
A que se deve, então, o referido afastamento na estimativa do impulso passivo, em parti-
cular quando é sabido que tal afastamento não ocorre no caso do impulso activo?
A resposta está na questão da curvatura da superfície de deslizamento que define a cunha
de solo. Diversos autores abordaram esta questão, desde os próprios Caquot e Kérisel (uma
das hipóteses que assumiram para a resolução das equações diferenciais foi a existência de
curvatura na referida superfície) passando por Janbu (1957), Shields e Tolunay (1973) (através
de cálculos usando o método das fatias) até Sokolovski (1960) usando a resolução numérica
das equações diferenciais através do método das diferenças finitas ou ainda Rosenfarb e Chen
(1972), que consideram superfícies compostas por planos e espirais logarítmicas.
Por uma questão de facilidade de realização dos cálculos usou-se a metodologia proposta
por Rosenfarb e Chen (1972) para determinação dos impulsos passivos para o caso anterior-
mente referido de β = 90o e i = 0. A Figura 3.28 apresenta os resultados obtidos, compa-
rando-os com os resultados de Caquot e Kérisel. Os resultados de Rosenfarb e Chen (1972)
são do tipo da região superior, o que é consistente com a Figura, na qual estes resultados
são sistematicamente superiores (ou iguais) aos de Caquot e Kérisel. Apesar de, para valo-
res elevados de δ, haver diferenças significativas entre as duas metodologias, verifica-se que o
intervalo está agora muito mais estreito, concluindo-se então que os valores de Rosenfarb e
Chen (1972) são substancialmente melhores do que os de Coulomb. Volte-se, então, à questão
inicialmente colocada: porque motivo tal facto ocorre?
Conforme já se adiantou, a resposta reside na curvatura da superfície de deslizamento con-
siderada: em duas soluções da região superior, uma fornece “bons” resultados (a de Rosenfarb
64 Capítulo 3. Impulsos de terras
1
10
100
1000
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50
Kp
δ (º)
Rosenfarb e Chen φ’=20ºRosenfarb e Chen φ’=30ºRosenfarb e Chen φ’=40ºRosenfarb e Chen φ’=50ºCaquot−Kérisel φ’=20ºCaquot−Kérisel φ’=30ºCaquot−Kérisel φ’=40ºCaquot−Kérisel φ’=50º
Figura 3.28: Coeficientes de impulso passivo determinados pela teoria de Caquot e Kérisel(1948) e por Rosenfarb e Chen (1972) para β = 90o e i = 0.
e Chen (1972)) e a outra “maus” resultados (a de Coulomb), pelo facto de na primeira ser as-
sumida uma superfície de deslizamento curva plana e na segunda tal superfície ser considerada
plana.
Veja-se, em primeiro lugar, em que consiste a solução de Rosenfarb e Chen (1972), apenas
nos seus princípios básicos (Bowles, 1996). Na Figura 3.29 indica-se o mecanismo de colapso
adoptado, composto de duas superfícies planas entre as quais existe uma espiral logarítmica.
Este mecanismo é, assim, controlado pelos valores dos ângulos ρ e ψ, podendo os coeficientes de
impulso activo e passivo ser escritos em função destes ângulos e procedendo-se à minimização
(no caso passivo) ou maximização (no caso activo) em relação a estas duas variáveis.
ψ
ρ
i
βδ
espiral logarítmica
Figura 3.29: Mecanismo de colapso considerado por Rosenfarb e Chen (1972) para o casopassivo.
Aplique-se, agora, os métodos de Coulomb e de Rosenfarb e Chen a dois casos para o
cálculo dos coeficientes de impulso activo e passivo: um com ângulo de resistência ao corte de
Capítulo 3. Impulsos de terras 65
30o e ângulo de atrito solo–estrutura de 20o e outro com ângulo de resistência ao corte de 40o
e ângulo de atrito solo–estrutura de 26.67o. Os coeficientes de impulso foram já determinados
para o traçado de figuras anteriormente apresentadas mas resumem-se no Quadro 3.1.
Tabela 3.1: Coeficientes de impulso activo e passivo determinados pelos métodos de Coulombe de Rosenfarb e Chen
φ′ (o) 30 40δ (o) 20 26.67
KCoulomba 0.297 0.200
KRosenfarb&Chena 0.299 0.201KCoulombp 6.105 18.717
KRosenfarb&Chenp 5.444 13.078
As conclusões da análise do Quadro são as já anteriormente referidas: resultados pratica-
mente coincidentes no caso do coeficiente de impulso activo e diferenças significativas para o
caso do coeficiente de impulso passivo.
Para analisar estes resultados traçaram-se as superfícies de rotura obtidas dos dois métodos,
para as duas situações analisadas, para uma altura genérica da estrutura de suporte h. Os
resultados obtidos relativos ao impulso activo estão representados na Figura 3.30.
h
Iaδ
Rosenfarb e ChenCoulomb
(a) φ′ = 30o; δ = 20o
h
Iaδ
Rosenfarb e ChenCoulomb
(b) φ′ = 40o; δ = 26.67o
Figura 3.30: Superfícies de deslizamento correspondentes ao impulso activo obtidas pelosmétodos de Coulomb e de Rosenfarb e Chen.
Os resultados mostram superfícies praticamente coincidentes entre os métodos de Coulomb
e de Rosenfarb e Chen para os dois casos analisados. Os mecanismos são, assim, praticamente
os mesmos, pelo que a solução é, naturalmente, praticamente a mesma, justificando os resul-
tados referidos no Quadro, que podem ser generalizados a uma adequabilidade geral da teoria
de Coulomb para a determinação de impulsos activos.
Veja-se, agora, o que se passa relativamente aos impulsos passivos (Figura 3.31). Pode
verificar-se, da sua análise, que:
• as superfícies determinadas pelos dois métodos apresentam diferenças substanciais, cor-
respondentes a mecanismos consideravelmente diferentes e evidenciando a importância
da curvatura da superfície de cedência;
• as diferenças entre os mecanismos são maiores para o maior valor do ângulo de resistência
66 Capítulo 3. Impulsos de terras
ao corte.
h Ipδ
Rosenfarb e ChenCoulomb
(a) φ′ = 30o; δ = 20o
h Ipδ
Rosenfarb e ChenCoulomb
(b) φ′ = 40o; δ = 26.67o
Figura 3.31: Superfícies de deslizamento correspondentes ao impulso passivo obtidas pelosmétodos de Coulomb e de Rosenfarb e Chen.
Estas observações justificam, por um lado, as diferenças significativas entre os coeficientes
de impulso passivo que se apresentaram no Quadro 3.1 e, por outro, o facto de a diferença
ser maior no caso do maior ângulo de resistência ao corte. Estas conclusões podem ser gene-
ralizadas em relação à inadequabilidade da utilização da teoria de Coulomb para o cálculo de
impulsos passivos, em particular nos casos de elevados valores de δ.
3.7 Extensão da solução de Rankine a solos com superfície in-
clinada
3.7.1 Impulso activo
Viu-se em 3.3.2 a aplicação do teorema estático ao caso de superfície horizontal, sem atrito
solo-paramento e paramento vertical. A teoria de Rankine pode ser extendida ao caso de solo
com superfície do terreno inclinada, conforme se indica na Figura 3.32. Admita-se o prisma
de solo representado na Figura. O seu peso é:
W = γzb (3.133)
A força V é igual a W , N é
N = V cos i (3.134)
Capítulo 3. Impulsos de terras 67
b
b′
z
A
NV
T
i
Figura 3.32: Estado de Rankine em terreno com superfície inclinada.
e T é
T = V sen i (3.135)
A tensão vertical distribuída na largura b′ é:
σ′Av =V
b′=γzb
b′=
γzb
b/ cos i= γz cos i (3.136)
a tensão normal à mesma largura b′ é:
σ′An =N
b′=γzb cos i
b/ cos i= γz cos2 i (3.137)
e a tensão tangencial na mesma largura é:
τA =T
b′=γzb sen i
b/ cos i= γz sen i cos i (3.138)
O estado de tensão dado pelas equações (3.137) e (3.138) pode ser representado através
do ponto A do círculo de Mohr da Figura 3.33.
Atendendo a que o estado de tensão representado através do ponto A ocorre numa faceta
inclinada de i com a horizontal, o pólo é P . Faz-se notar que a linha AP passa por O,
atendendo a que:τAσ′An
=γz sen i cos i
γz cos2 i= tg i (3.139)
Note-se ainda que o comprimento OA é σ′Av.
O estado de tensão num plano vertical é determinado fazendo passar por P uma linha
vertical. A sua intersecção com o círculo de Mohr, B corresponde a este estado de tensão, que
tem componente horizontal σ′ha, componente tangencial τa e resultante σ′a = OB. Trata-se de
uma tensão correspondente a um estado activo porque é o menor valor possível da tensão no
plano vertical, uma vez que o círculo de Mohr é tangente à envolvente.
68 Capítulo 3. Impulsos de terras
C
D
F
PSfrag
O
A
B
P
σ′
τ
i
φ′
σ′An
τA
τa
τa
σ′ah
Figura 3.33: Extensão da teoria de Rankine a casos com superfície do terreno inclinada:representação do estado de tensão.
Atendendo a que OB = OP e a que DP = AD, pode escrever-se que:
K∗a =
σ′aσ′Av
=OB
OA=OP
OA=OD −AD
OD +AD(3.140)
(a utilização do símbolo K∗a em lugar do anteriormente usado Ka deve-se à reserva deste para o
tornar válido na expressão do impulso activo Ia = 12Kaγh
2, conforme se verá posteriormente).
Tendo-se que
OD = OC cos i (3.141)
e
AD =√
PC2 − CD2 =√
FC2 − CD2 =√
OC2 sen2 φ′ −OC2 sen2 i =
= OC√
sen2 φ′ − sen2 i = OC√
(1 − cos2 φ′) − (1 − cos2 i) =
= OC√
cos2 i− cos2 φ′ (3.142)
vem que
K∗a =
cos i−√
cos2 i− cos2 φ′
cos i+√
cos2 i− cos2 φ′(3.143)
sendo as pressões activas, actuantes paralelamente ao talude, iguais a
σa = K∗aγz cos i (3.144)
e o impulso activo numa superfície vertical de altura h
Ia =1
2K∗aγh
2 cos i (3.145)
Fazendo
Ka = K∗a cos i =
cos i−√
cos2 i− cos2 φ′
cos i+√
cos2 i− cos2 φ′cos i (3.146)
Capítulo 3. Impulsos de terras 69
assegura-se a validade da expressão
Ia =1
2Kaγh
2 (3.147)
Faz-se igualmente notar que para i = 0 a expressão (3.146) se reduz à equação (3.5).
3.7.2 Impulso passivo
De forma semelhante, é possível obter que o coeficiente de impulso passivo é dado por
K∗p =
cos i+√
cos2 i− cos2 φ′
cos i−√
cos2 i− cos2 φ′(3.148)
sendo as pressões passivas, actuantes paralelamente ao talude, iguais a
σp = K∗pγz cos i (3.149)
e o impulso passivo numa superfície vertical de altura h
Ip =1
2K∗pγh
2 cos i (3.150)
Fazendo
Kp = K∗p cos i =
cos i+√
cos2 i− cos2 φ′
cos i−√
cos2 i− cos2 φ′cos i (3.151)
tem-se que
Ip =1
2Kpγh
2 (3.152)
Refira-se que os valores de i da equação (3.151) correspondem a terreno com declive con-
forme indicado na Figura 3.34, à direita, isto é, com declive descendente.
Figura 3.34: Casos correspondentes às equações (3.146) — à esquerda — e (3.151) — à direita—, respectivamente para os impulsos activos e passivos.
Tal como para o coeficiente de impulso activo, a expressão (3.151) reduz-se à equação (3.9)
para i = 0.
70 Capítulo 3. Impulsos de terras
3.7.3 Comparação com os resultados da teoria de Coulomb
Para a teoria de Coulomb, em solos incoerentes, os coeficientes de impulso activo e passivo
são dados, respectivamente, pelas equações (3.118) e (3.127), escritas em função dos ângulos
β, i, φ′ e δ.
Pode, assim, comparar-se os resultados das teorias de Rankine e de Coulomb para as
condições – mais restritas – da teoria de Rankine, fazendo nas equações (3.118) e (3.127)
β = 90o e δ = i, para o caso activo, ou δ = −i, para o passivo.
Apresenta-se, na Figura 3.35, os resultados obtidos das teorias de Rankine e de Coulomb
para o coeficiente de impulso activo, nas condições indicadas, para alguns valores do ângulo
de resistência ao corte φ′. Verifica-se que os resultados obtidos das duas teorias coincidem
exactamente, o que, tratando-se o resultado de Rankine de uma solução do teorema estático e
o de Coulomb de uma solução do teorema cinemático, mostra que se trata da solução exacta.
0.1
0.2
0.3
0.4
0.5
0.6
0.7
0.8
0.9
1
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50
Ka
δ=i (º)
Rankine φ’=20ºRankine φ’=30ºRankine φ’=40ºRankine φ’=50ºCoulomb φ’=20ºCoulomb φ’=30ºCoulomb φ’=40ºCoulomb φ’=50º
Figura 3.35: Coeficientes de impulso activo determinados pelas teorias de Rankine (equação(3.146)) e de Coulomb (equação (3.118)) para β = 90o e δ = i.
A mesma constatação pode ser feita através da análise da Figura 3.36, onde são represen-
tados os coeficientes de impulso passivo.
3.8 Consideração da acção sísmica. Método de Mononobe–O-
kabe
O método de Mononobe–Okabe (Okabe, 1926; Mononobe e Matsuo, 1926) é uma extensão
da teoria de Coulomb, por forma a ter em conta as acções sísmicas. A acção sísmica é consi-
derada através da adição de forças fictícias obtidas através de coeficientes sísmicos horizontal
Capítulo 3. Impulsos de terras 71
0
2
4
6
8
10
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50
Kp
δ=−i (º)
Rankine φ’=20ºRankine φ’=30ºRankine φ’=40ºRankine φ’=50º
Coulomb φ’=20ºCoulomb φ’=30ºCoulomb φ’=40ºCoulomb φ’=50º
Figura 3.36: Coeficientes de impulso passivo determinados pelas teorias de Rankine (equação(3.151)) e de Coulomb (equação (3.127)) para β = 90o e δ = −i.
e vertical, kh e kv, respectivamente. Tal significa que o “peso” da cunha de solo de Coulomb
é uma força Ws, com componente horizontal
Wsh = khW (3.153)
e componente vertical
Wsh = (1 ± kv)W (3.154)
conforme se indica na Figura 3.37.
h
khW
(1 ± kv)W
Wsθ
Figura 3.37: Cunha de solo sujeita a acção sísmica.
A força resultante Ws é:
Ws =(1 ± kv)W
cos θ(3.155)
72 Capítulo 3. Impulsos de terras
sendo θ dado por:
θ = arctgkh
1 ± kv(3.156)
O método de Mononobe–Okabe admite que o efeito das acelerações sísmicas altera a força
gravítica W , rodando os planos de referência de um ângulo θ (3.38), por forma a que Ws seja
vertical e se possa usar a expressão analítica de Coulomb (equação 3.118).
hR
R
δ
Iaγs
Iaγs
φ′h∗
i
i+ θ
θθ
khW
(1 ± kv)WWs
Ws
Ws
β + θ
β
Figura 3.38: Cunha de solo sujeita a acção sísmica: rotação de ângulo θ (método de Monono-be–Okabe).
Deste modo, β dá lugar a β+θ e i a i+θ, pelo que o impulso pode ser determinado usando
o coeficiente de impulso K∗aγs dado pela equação (3.118) adaptada da forma descrita:
K∗aγs =
cosec(β + θ) sen (β + θ − φ′)√
sen (β + θ + δ) +√
sen(φ′+δ) sen(φ′−i−θ)sen(β−i)
2
(3.157)
A expressão do impulso, no entanto, deve ter em atenção que a altura do muro é h∗ em
lugar de H e que o peso da cunha de solo é Ws em vez de W , o que equivale a considerar um
peso volúmico γ∗:
Iaγs =1
2K∗aγsγ
∗h∗2 (3.158)
Atendendo a que:
h∗ =sen (β + θ)
sen βh (3.159)
e a que:
γ∗ =Ws
Wγ =
1 ± kvcos θ
γ (3.160)
vem que:
Iaγs =1
2Kaγsγh
2 (3.161)
Capítulo 3. Impulsos de terras 73
com
Kaγs =
[
1 ± kvcos θ
sen2(β + θ)
sen2 β
]
cosec(β + θ) sen (β + θ − φ′)√
sen (β + θ + δ) +√
sen(φ′+δ) sen(φ′−i−θ)sen(β−i)
2
(3.162)
Faz-se ainda notar que, em condições sísmicas, o ângulo φ′ − i− θ (cujo seno é calculado
dentro da raiz quadrada da expressão 3.162) tem que ser positivo (tal como, em condições
estáticas, φ′ − i tem que ser também positivo).
Refere-se finalmente que será facilmente compreensível que se adopte o sentido de khW
indicado na Figura 3.37, dado que o sentido oposto resultaria, claramente, num impulso menor
e, portanto, menos condicionante. Porque motivo, então, não se adopta apenas o sinal positivo
na componente vertical do peso da cunha de solo isto é, porque não se adopta, simplesmente,
Wsv = (1+kv)W , preconizando-se, pelo contrário, que se considere também que o sismo actue
de forma a reduzir o peso da cunha de solo que, claramente, provoca um menor impulso? O
sismo afecta quer o terreno quer a estrutura de suporte, pelo que o sinal positivo implica maior
impulso mas também melhores condições de estabilidade da estrutura de suporte, ao passo
que o sinal negativo implica menor impulso mas condições de menor estabilidade.
O impulso sísmico provoca, em relação ao impulso estático, um incremento de força na
estrutura de suporte que, de acordo com resultados de cálculos analíticos e de ensaios, está
situado acima de h/3. Deste modo, o procedimento habitual para o cálculo dos impulsos sob
a acção sísmica passa por determinar o acréscimo de impulso sísmico, ∆Iaγs, através de:
∆Iaγs = Iaγs − Iaγ (3.163)
sendo Iaγ considerado aplicado a h/3 e ∆Iaγs admitido aplicado a h/2.
74 Capítulo 3. Impulsos de terras
Capítulo 4
Capacidade resistente às acções
verticais
4.1 Introdução
O problema da determinação de cargas verticais de colapso (ou da capacidade resistente
às acções verticais) foi já apresentado brevemente no Capítulo 2 como um dos três problemas
geotécnicos que constituem o objecto de análise neste texto. Foi resumido, de forma simplifi-
cada, no problema indicado na Figura 2.1(b) mas, num caso genérico, pode ser apresentado
como o problema que se indica na Figura 4.1(a) e que corresponde à situação representada na
Figura 4.1(b).
q
B × L
F
e
(a)
B × L
F
D
(b)
Figura 4.1: Capacidade resistente às acções verticais. Como se verá, a inclinação da carga, asua excentricidade e a geometria da fundação condicionam a capacidade resistente às acçõesverticais.
O caso apresentado na Figura 4.1 é relativamente geral, salientando-se, desde já, que:
• B é a menor dimensão da fundação em planta e L é a maior;
• a base da fundação pode ser enterrada a uma profundidade tal que a tensão vertical
(total ou efectiva, consoante o cálculo seja não drenado ou drenado) seja q ou q′;
• a carga F pode ser inclinada e excêntrica.
75
76 Capítulo 4. Capacidade resistente às acções verticais
O caso que se irá analisar em primeiro lugar é, no entanto, bastante mais simples. Consi-
dera-se, assim, para início do estudo, que:
• a fundação tem largura B mas comprimento L infinito;
• a carga F é vertical e centrada;
• o solo responde em condições não drenadas, com uma resistência não drenada cu.
4.2 Capacidade resistente às acções verticais em condições não
drenadas, para fundação de comprimento infinito e carre-
gamento vertical e centrado
4.2.1 Introdução
Conforme se fez no capítulo anterior, este problema será analisado através dos métodos de
determinação de cargas de colapso estudados no Capítulo 2: teorema cinemático (ou da região
superior, TRS); teorema estático (ou da região inferior, TRI); método de equilíbrio limite.
O caso em análise, conforme referido, é o que se sugere na Figura 4.2.
q
B
F
γcu
Figura 4.2: Capacidade resistente às acções verticais: fundação de comprimento infinito,carregamento vertical e centrado, em solo argiloso respondendo em condições não drenadas.
4.2.2 Aplicação do teorema cinemático (TRS): primeiras abordagens
Considere-se, assim, a situação representada na Figura 4.2, assim como o mecanismo que
se mostra na Figura 4.3, Para esse mecanismo e para um deslocamento elementar δwF do
ponto de aplicação de F , o trabalho das forças exteriores é:
δWe = FLSδwF − q B δwF (4.1)
e a energia dissipada é
δWi = πBcu (δwF × 2) (4.2)
Fazendo, de acordo com o TRS, δWe = δWi vem:
FLSδwF − q B δwF = πBcu (δwF × 2) ⇒ FLS/B = 2πcu + q (4.3)
Capítulo 4. Capacidade resistente às acções verticais 77
q
B
F
γcur = B
Figura 4.3: Determinação da capacidade resistente vertical; condições não drenadas e meca-nismo circular.
Usando o mecanismo sugerido pela Figura 4.4 e o diagrama de deslocamentos indicado na
mesma figura, obtém-se:
δwaF = δwF ; δwba = 2δwF ; δwa = δwb =√
2δwF (4.4)
δWe = FLSδwF − q B δwF (4.5)
δWi =(
cuB√
2 ×√
2δwF
)
× 2 + cuB × 2δwF (4.6)
δWe = δWi ⇒ FLS/B = 6cu + q (4.7)
B
F
a b
q
45o45o
δwF
δwa
δwaδwb
δwb
δwba
δwaF
Figura 4.4: Determinação da capacidade resistente vertical através do teorema cinemático;condições não drenadas e mecanismo composto por dois blocos.
Atendendo a que ambos os resultados fornecidos pelas equações 4.3 e 4.7 são da região
superior, ambos provocam o colapso, pelo que o menor deles (equação 4.7) é o mais próximo
da solução exacta.
4.2.3 Aplicação do teorema estático (TRI): primeiras abordagens
Considere-se agora a solução do problema anteriormente exposto através do teorema es-
tático. Admita-se, assim, conforme indicado na Figura 4.5, a existência de dois planos de
descontinuidade de tensões verticais, com a localização indicada e analise-se metade do pro-
blema, conforme sugerido na figura do lado esquerdo.
A existência do plano de descontinuidade de tensões indicado implica que, por um lado,
78 Capítulo 4. Capacidade resistente às acções verticais
B
qr = F/Bqr = F/B
σv2σv1
σh2σh1
21
Figura 4.5: Determinação da capacidade resistente vertical através do teorema estático emcondições não drenadas e admitindo um plano de descontinuidade de tensões.
o campo de tensões é contínuo em cada uma das duas zonas 1 e 2 e que, apesar de haver
descontinuidade de tensões no plano, o estado de tensão neste é equilibrado.
Admite-se ainda que, sendo a carga qLIr transmitida à fundação uma estimativa da carga
de colapso, ambas as zonas 1 e 2 têm estados de tensão limites, ou seja, os círculos de Mohr
que os representam são tangentes às envolventes de rotura (neste caso em tensões totais).
Sendo o peso volúmico do solo igual a γ, tem-se que o estado de tensão vertical na zona
1, num ponto qualquer à profundidade z (por exemplo, num ponto próximo do plano de
descontinuidade de tensões) é
σv1 = γz + q (4.8)
e, sendo o terreno horizontal e não havendo aplicação de tensões tangenciais à superfície do
terreno (a tensão q é vertical), é uma tensão principal. É, portanto, conhecido um ponto do
círculo de Mohr correspondente ao estado de tensão na zona 1 (Figura 4.6).
P
cu
4cu
σv2 = qLIr + γzσv1 = γz + q = σh2σh1 σ
τ
90o
Figura 4.6: Determinação da capacidade resistente vertical através do teorema estático emcondições não drenadas e admitindo um plano de descontinuidade de tensões: círculos deMohr.
Conforme se disse, o círculo de Mohr deverá ser tangente à envolvente de rotura, pelo que
σh1 é também conhecido e o círculo de Mohr correspondente à zona 1 pode ser representado.
Atendendo a que tem que haver equilíbrio no plano de descontinuidade de tensões, a tensão
σh2 deverá ser igual a σh1, pelo que este ponto é também um ponto do círculo de Mohr
Capítulo 4. Capacidade resistente às acções verticais 79
correspondente ao estado de tensão na zona 2. Dado que este círculo de Mohr deve, também,
ser tangente à envolvente de rotura, o círculo de Mohr 2 fica definido.
Pode, assim, constatar-se que a tensão σv2 é:
σv2 = qLIr + γz = γz + q + 4cu (4.9)
o que implica que carga de rotura seja tal que
FLI/B = qLIr = 4cu + q (4.10)
4.2.4 Aplicação de equilíbrio limite: primeiras abordagens
Convida-se o leitor a, usando o mecanismo sugerido pela Figura 4.2, procurar o resultado
correspondente por equilíbrio limite, ou seja, escrevendo a equação de equilíbrio de momentos
e determinando o valor da carga qELr que a verifica. Para o referido mecanismo o resultado
será qELr = 2πcu + q.
4.2.5 Observações ao resultados obtidos nas primeiras abordagens
Analisando o melhor resultado obtido na secção 4.2.2 (teorema cinemático) e o resultado
da secção 4.2.3 (teorema estático) pode concluir-se que:
FLI/B = qLIr = 4cu + q ≤ FEX/B = qEXr ≤ 6cu + q = qLSr = FLS/B (4.11)
ou seja:
4cu + q ≤ qEXr ≤ 6cu + q (4.12)
4.2.6 Melhoria da solução obtida pelo teorema estático
A análise da representação do estado de tensão nas zonas 1 e 2 da Figura 4.5 através do
círculo de Mohr (Figura 4.6) permite concluir que, da zona 1 para a zona 2, se verifica uma
rotação de 90o nas tensões principais. Com efeito, na zona 1 a maior tensão principal é a
tensão horizontal, ao passo que na zona 2 a maior tensão principal é a vertical. A análise dos
círculos de Mohr recorrendo ao pólo permite concluir que as linhas indicadas a traço-ponto cor-
respondem às das facetas em que as tensões principais ocorrem (vertical na zona 1 e horizontal
na 2).
Tal rotação das tensões principais é possível devido à existência do plano de descontinui-
dade de tensões anteriormente referido. Pode compreender-se, no entanto, que é possível que
uma melhor solução possa ser obtida usando mais do que um plano de descontinuidade de
tensões e fazendo, com isso, com que a rotação das tensões principais se faça de forma mais
progressiva.
80 Capítulo 4. Capacidade resistente às acções verticais
Analise-se, assim, o caso de se considerarem dois planos de descontinuidade, que fazem
ângulos β1 e β2 com a horizontal, conforme sugerido pela Figura 4.7.
3
AB
qqr
12
β1β2
Figura 4.7: Determinação da capacidade resistente vertical através do teorema estático emcondições não drenadas e admitindo dois planos de descontinuidade de tensões.
Comece-se por admitir que β1 = 60o e, posteriormente, que β2 toma o valor necessário
para que a rotação das tensões principais seja, no total, igual a 90o. O estado de tensão na
zona 1 é conhecido, pelo que o círculo de Mohr pode ser representado (Figura 4.8):
σv1 = γz + q; σh1 = σv1 + 2cu (4.13)
1 32
cu
σ
τ
γz + q σh1 γz + qr60o
β1 = 60o
45o
75o
120o
P1
P2
P3
θA = 30o
θB = 60o
2cusen θA 2cusen θB
Figura 4.8: Determinação da capacidade resistente vertical através do teorema estático emcondições não drenadas e admitindo dois planos de descontinuidade de tensões: círculos deMohr.
O pólo do círculo de Mohr 1 é P1, pelo que o estado de tensão no plano A pode ser
conhecido graficamente rodando a faceta horizontal do ângulo β1 = 60o. O ponto assim
obtido, correspondendo ao estado de tensão no referido plano, é igualmente um ponto do
círculo de Mohr da zona 2. Este pode ser encontrado facilmente, buscando o círculo com raio
igual a cu e que passa neste ponto.
Encontrados os dois círculos de Mohr 1 e 2, pode verificar-se que a faceta em que ocorre a
maior tensão principal da zona 1 é uma faceta vertical (com a direcção da linha a traço-ponto
que passa por P1). Por outro lado, atendendo a que o pólo do círculo de Mohr 2 é P2,
constata-se que a faceta em que ocorre a maior tensão principal da zona 2 é a linha a traço
Capítulo 4. Capacidade resistente às acções verticais 81
ponto que passa por P2. Esta linha faz um ângulo de 30o com a faceta vertical (em que ocorre
a maior tensão principal na zona 1), pelo que se conclui que ocorreu uma rotação de tensões
de 30o, de 1 para 2.
Como encontrar, então, o círculo de Mohr da zona 3? Se β2 fosse conhecido, o procedimento
seria análogo ao anterior. No entanto, β2 não é conhecido e deverá ser tal que, de 2 para 3,
cause uma rotação da tensão principal de 60o. O leitor poderá verificar que isso obriga a que o
pólo do círculo de Mohr da zona 3 seja um ponto P3 localizado sobre o eixo das abcissas (para
que a direcção da faceta onde ocorre a máxima tensão principal da zona 3 seja horizontal).
Desta forma, tem-se que o círculo da zona 3 terá que ser o representado e o plano B o que se
indica, pelo que fica encontrada, graficamente, a tensão vertical na zona 3, igual a γz + qLIr .
Considerações geométricas que não estão no âmbito do presente texto permitem concluir
que as distâncias entre os centros dos círculos de Mohr estão relacionadas com o ângulo de
rotação das tensões principais da forma indicada na Figura 4.8. Tem-se, assim, que
γz + qLIr = γz + q + cu + 2cusen θA + 2cusen θB + cu (4.14)
pelo que
qLIr =FLI
B= (1 + 2sen 30o + 2sen 60o + 1) cu + q = 4.73cu + q
Note-se, no entanto, que a escolha da localização dos planos A e B poderia ser tal que
causasse, cada um deles, uma rotação das tensões principais idêntica, isto é, de 45o. Note-se,
igualmente, que tal como se considerou dois planos se poderia ter considerado três ou mais.
No caso de se pretender que esses planos provoquem uma rotação idêntica (isto é, de 45o se
forem dois planos, de 30o se forem três, etc.) pode chegar-se aos resultados que se apresenta
no Quadro 4.1.
Tabela 4.1: Estimativas da região inferior das cargas de colapso de fundações superficiais emcondições não drenadas em função do número de descontinuidades.
Número de descontinuidades FLI/B1 4.00cu + q2 4.83cu + q3 5.00cu + q5 5.09cu + q∞ 5.14cu + q [= (2 + π)cu + q]
Como se pode ver da análise deste quadro, os resultados tendem para
FLI/B = (2 + π)cu + q (4.15)
4.2.7 Melhoria da solução obtida pelo teorema cinemático
Considere-se o mecanismo representado na Figura 4.9(a). Utilizando-o para determinação
da carga de colapso, o leitor deverá obter qLSr = 6cu + q. Procure-se, então melhorar este
mecanismo considerando o que se representa na Figura 4.9(b). Trata-se de uma variante do
82 Capítulo 4. Capacidade resistente às acções verticais
anterior, em que o bloco central é dividido em dois, admitindo o desenvolvimento de uma
superfície de deslizamento vertical com o comprimento ℓ.
B
Fq
45o
45o
45o
45o
(a) Mecanismo A
B
Fq
ℓ
ℓ45
o
45o
45o
45o
(b) Mecanismo B
B
F
R
R
δθ
δa
δb
δf
δaδθ
45o
45o
45o
45o
(c) Mecanismo C
Figura 4.9: Mecanismos para determinação da capacidade resistente às acções verticais atravésdo teorema cinemático.
Usando este mecanismo, obtém-se:
qLSr = 5.314cu + q (4.16)
Atendendo a que o resultado assim obtido com o mecanismo B é melhor do que o que
se obtém do mecanismo A, pode tentar-se melhorar ainda este mecanismo através de nova
divisão dos dois blocos centrais. Tal divisão tem como limite o mecanismo C, representado na
Figura 4.9(c). Neste mecanismo, a zona central é dividida num número infinito de blocos e,
portanto, num número infinito de superfícies. Atendendo ao diagrama de deslocamentos que
se representa na mesma figura, tem-se que:
δWe = FLSδf − qBδf (4.17)
Capítulo 4. Capacidade resistente às acções verticais 83
e
δWi = 2 × cuR× δa+ ΣcuR× δaδθ + ΣcuRδθ × δa
= 2 × cuB
√2
2×
√2δf + 2 ×
∫ π/2
0cuB
√2
2
√2δfdθ
= 2cuBδf + [2cuBδfθ]π/20 = (2 + π)cuBδf (4.18)
Fazendo δWe = δWi obtém-se
FLS/B = (2 + π)cu + q (4.19)
4.2.8 Observações ao resultados obtidos
A análise do resultado obtido através do teorema da região inferior (teorema estático),
expresso na equação (4.15), e do resultado obtido através do teorema da região superior
(teorema cinemático), expresso na equação (4.19), mostra que a solução exacta foi obtida,
pelo que
FEX/B = (2 + π)cu + q (4.20)
4.3 Capacidade resistente às acções verticais em condições dre-
nadas, para fundação de comprimento infinito e carrega-
mento vertical e centrado
4.3.1 Introdução
O problema da determinação da capacidade resistente às acções verticais em condições
drenadas para um solo com peso volúmico γ, ângulo de resistência ao corte φ′ e com uma
sobrecarga q′ (tensão efectiva) aplicada ao nível da base da fundação é um problema complexo
que, habitualmente, não é resolvido com esta generalidade. Assim, as determinações tradici-
onais da capacidade resistente para o caso de um solo com ângulo de resistência ao corte φ′
procuram não uma solução, mas duas: uma solução, qr;q′=0;γ 6=0, para a situação com q′ = 0 e
γ 6= 0 e uma outra solução qr;q′ 6=0;γ=0, para o solo com q′ 6= 0 e γ = 0. É, depois, assumido,
simplificadamente e do lado da segurança, que
qr ≃ qr;q′=0;γ 6=0 + qr;q′ 6=0;γ=0 (4.21)
4.3.2 Aplicação do método de equilíbrio limite: primeiras abordagens
Considere-se, como primeira abordagem, o método do equilíbrio limite e o mecanismo
representado na Figura 4.10.
Considerando, em primeiro lugar, que q′ 6= 0 e γ = 0, tem-se que, admitindo que, do lado
esquerdo, se mobiliza um impulso activo de Rankine e, do lado direito, um impulso passivo
84 Capítulo 4. Capacidade resistente às acções verticais
F
B
q′
h
45o + φ′/2 45o − φ′/2
Figura 4.10: Mecanismo para determinação da capacidade resistente às acções verticais atravésde equilíbrio limite, em condições drenadas.
de Rankine, numa situação de equilíbrio limite, um é igual ao outro, pelo que:
KaqELr h = Kpq
′h⇒ qELr = K2pq
′ = q′NELq (4.22)
com
NELq = K2
p (4.23)
Para o caso q′ = 0 e γ 6= 0 vem:
1
2Kaγh
2 +KaqELr h =
1
2Kpγh
2 (4.24)
qELr =1
2γBNEL
γ (4.25)
com
NELγ =
[
1
2
(
K2p − 1
)√
Kp
]
(4.26)
De acordo com esta solução, fica, então:
qELr =1
2γBNEL
γ + q′NELq (4.27)
sendo NELγ e NEL
q dados pelas equações (4.23) e (4.26), respectivamente.
4.3.3 Aplicação do teorema cinemático: primeiras abordagens
Considere-se o mesmo mecanismo apresentado na Figura 4.10 para aplicação do teorema
cinemático (Figura 4.11).
Usando, tal como anteriormente, ξa = 45o+φ′/2 e ξb = 45o−φ′/2, obtém-se, para φ′ < 30o:
NLSq =
tg(
45o + 32φ
′)
tg 3(
45o − φ′
2
) (4.28)
e
NLSγ =
1
2
tg(
45o + 32φ
′)
tg 4(
45o − φ′
2
) − cotg
(
45o − φ′
2
)
(4.29)
Capítulo 4. Capacidade resistente às acções verticais 85
F
B
q′
h
a b
ξa ξb
δfδa
δb
δ′q
ξa − φ′
ξb + φ′
φ′
Figura 4.11: Mecanismo para determinação da capacidade resistente às acções verticais atravésdo teorema cinemático, em condições drenadas.
Convida-se o leitor a obter ambos os resultados.
4.3.4 Aplicação do teorema estático: primeiras abordagens
Considerando um plano de descontinuidade de tensões vertical, tal como anteriormente
apresentado na Figura 4.5 e considerando o caso γ = 0 e q′ 6= 0, tem-se que (Figura 4.12):
σ′v1 = q′
σ′h1 = σ′h2 = Kpq′
σ′v2 = σ′h2/Ka = Kpσ′h2 = K2
pq′ (4.30)
2
1φ′
σ′
v2 = qLIrσ′
v1 = q′ = σ′
h2σ′
h1 σ′
τ
Figura 4.12: Aplicação do teorema estático à determinação da capacidade resistente às acçõesverticais, em condições drenadas.
Tem-se, assim, que, para γ = 0 e q′ 6= 0:
qLIr = NLIq q (4.31)
com
NLIq = K2
p (4.32)
Faz-se notar que não é possível obter uma solução do mesmo tipo para o caso γ 6= 0 e
86 Capítulo 4. Capacidade resistente às acções verticais
q′ = 0.
4.3.5 Melhoria da solução obtida pelo teorema cinemático
Considere-se agora o mecanismo representado na Figura 4.13. A superfície curva tem a
forma de uma espiral logarítmica, pelo que
rb = raeπ2tg φ′ (4.33)
F
B
q′
a b
ℓ
δf
δa
δb
δq
ra rbr
Figura 4.13: Mecanismo para determinação da capacidade resistente às acções verticais atravésdo teorema cinemático, em condições drenadas.
De forma análoga, os deslocamentos dos blocos a e b podem ser relacionados através de:
δb = δaeπ2tg φ′ (4.34)
Atendendo a que
cos(45 + φ/2) =B/2
ra(4.35)
vem que:
ra =B
2
1
cos(45 + φ/2)(4.36)
pelo que
rb =B
2
1
cos(45 + φ′/2)e
π2tg φ′ (4.37)
Tem-se, também, que
sen (45 + φ′/2) =ℓ/2
rb(4.38)
o que conduz a
rb =ℓ
2
1
sen (45 + φ′/2)(4.39)
sendo
ℓ = Btg (45 + φ′/2)eπ2tg φ′ (4.40)
Capítulo 4. Capacidade resistente às acções verticais 87
Os deslocamentos são:
δa =δf
cos(45 + φ′/2)
δb =δf
cos(45 + φ′/2)e
π2tg φ′
δq = δbsen (45 + φ′/2) = δf tg (45 + φ′/2)eπ2tg φ′ (4.41)
O trabalho das forças exteriores é
δWe = FLSδf − q′ℓδq (4.42)
pelo que, sendo δWi = 0 e δWe = δWi
FLSδf = q′ℓδq (4.43)
FLS/B = q′NLSq (4.44)
com
NLSq = tg 2(45 + φ′/2)eπtg φ′ (4.45)
De uma forma análoga, poderia deduzir-se igualmente o valor de Nγ usando o mesmo
mecanismo. Tal dedução é, no entanto, substanciamente mais complexa e considera-se que
excede os objectivos do presente texto.
4.3.6 Observações
Se se procurasse melhorar a solução obtida para Nq através do teorema estático, chegar-
se-ia à conclusão de que este factor de capacidade de carga (admitindo um número infinito de
planos de descontinuidade, tal como se fez para o caso não drenado) tomaria um valor dado
pela mesma expressão (4.45) agora obtida para o teorema cinemático. Tal significa que seria,
portanto, encontrada a solução exacta de Nq:
NEXq = tg 2(45 + φ′/2)eπtg φ′ (4.46)
Mostra-se, na Figura 4.14, a comparação entre os resultados de Nq anteriormente obtidos.
Para o factor de capacidade de carga Nγ não é conhecida ainda solução formal exacta
(como se verá, a solução obtida por Martin (2005) pode considerar-se exacta, tendo sido
obtida numericamente).
A solução proposta pela formulação de capacidade resistente às acções verticais proposta
num anexo do Eurocódigo 7 é
NEC7γ = 2(Nq − 1)tg φ′ (4.47)
A Figura 4.15 apresenta os resultados dos valores de Nγ anteriormente referidos, assim como
da solução obtida usando resultados da região superior e da região inferior e que deverá estar
88 Capítulo 4. Capacidade resistente às acções verticais
0
10
20
30
40
50
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45
Nq
φ’ (o)
LI (1 plano); EL (mec. planar)LS (mec. planar)LS (mec. espiral); EX
Figura 4.14: Comparação entre valores de Nq
muito próxima da solução exacta (Hjiaj et al., 2005) e da solução numericamente exacta de
Martin (2005), aproximada através de uma equação por Salgado (2008):
Nγ = (Nq − 1) tg(
1.32φ′)
(4.48)
0
10
20
30
40
50
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45
Nγ
φ’ (o)
EL (mec. planar)LS (mec. planar)EC7Hjiaj et al. (2005)Martin (2005)Martin (2005); Salgado (2008)
Figura 4.15: Comparação entre valores de Nγ
Verifica-se da análise da figura que os valores de Nγ fornecidos pelo Eurocódigo 7 são
ligeiramente superiores à estimativa de Hjiaj et al. (2005), Martin (2005) e de Salgado (2008),
que, na prática, coincidem entre si.
Capítulo 4. Capacidade resistente às acções verticais 89
4.4 Nota à capacidade resistente para carregamento vertical e
centrado
A expressão de capacidade resistente às acções verticais, admitindo-se a simplificação an-
teriormente referida implícita na equação (4.21), fica, para o caso analisado de carregamento
vertical e centrado na forma
qr =1
2γBNγ + q′Nq (4.49)
para condições drenadas, com Nγ e Nq dados por expressões como as (4.47) e (4.46) e sendo
q′ a tensão efectiva transmitida pelo solo à profundidade do plano de fundação e
qr = (2 + π)cu + q (4.50)
em condições não drenadas, sendo q a tensão total transmitida pelo solo à profundidade do
plano de fundação.
Faz-se notar que os factores de capacidade resistente às acções verticais (factores de ca-
pacidade de carga – Nγ , Nq e, como se verá, Nc) são função, exclusivamente, do ângulo de
resistência ao corte.
Refere-se ainda que há uma outra simplificação implícita na equação 4.49. Com efeito,
como se viu, o solo acima do plano da fundação apenas é contabilizado pelo efeito do seu peso
na capacidade resistente; não é considerada qualquer resistência deste solo. Há, no entanto,
variantes da expressão assim definida que, directamente ou através de correcções, procuram
contabilizar esse efeito. Tais formulações não serão abordadas neste texto.
Apesar de omisso na descrição feita até ao momento, faz-se notar que as soluções de
Nγ anteriormente apresentadas são válidas para δ = φ′, isto é, para um ângulo de atrito
solo–base da sapata igual ao ângulo de resistência ao corte do solo, que corresponde à solução
habitualmente considerada. No entanto, este factor de capacidade resistente é dependente de
δ, conforme se ilustra através da Figura 4.16, que mostra que para valores baixos de δ o factor
de capacidade resistente Nγ é significativamente reduzido.
As soluções representadas na Figura 4.16 são obtidas numericamente, a de Martin (2005)
sendo numericamente exacta e a de Guerra et al. (2012) sendo obtida através de uma aplicação
numérica do teorema cinemático.
Os restantes factores de capacidade resistente, Nq e Nc, não dependem de δ.
4.5 Influência do nível freático
A equação (4.50) admite que o solo está saturado e que responde em condições não drena-
das, sem que se analise separadamente as tensões efectivas e as pressões intersticiais, devido
à dificuldade em estimar estas últimas e, portanto, em conhecer as primeiras.
A equação (4.49) admite que o solo apresenta o nível freático a grande profundidade, não
90 Capítulo 4. Capacidade resistente às acções verticais
0.5
0.55
0.6
0.65
0.7
0.75
0.8
0.85
0.9
0.95
1
1.05
0 0.2 0.4 0.6 0.8 1
Nγ
/ Nγ,
δ/φ’
=1
δ/φ’
Guerra et al. (2012): φ’=20o
φ’=30o
φ’=40o
Martin (2005): φ’=20o
φ’=30o
φ’=40o
Figura 4.16: Dependência de Nγ com δ/φ′ (adaptado de Guerra et al. (2012)).
afectando a zona envolvida pelas superfícies de deslizamento. Para o nível freático locali-
zado a profundidade coincidente com o plano definido pela base da fundação (Figura 4.17), a
expressão vem:
qr =1
2γ′BNγ + q′Nq (4.51)
em que γ′ é o peso volúmico submerso. Para casos em que o nível freático esteja um pouco
mais abaixo deste plano mas numa zona abrangida pelas eventuais superfícies de deslizamento
que se formarão em caso de rotura, o cálculo pode ser feito, simplificadamente e do lado da
segurança, admitindo-o coincidente com o plano da base da fundação.
q′
B
F
Figura 4.17: Capacidade resistente às acções verticais: nível freático coincidente com o planoda base da fundação.
Para nível freático acima do plano da base da fundação o cálculo da tensão q′ deve, na-
turalmente, ter isso em atenção. Por outro lado, como se verá, as acções devem considerar a
impulsão da água sobre a base da fundação.
Capítulo 4. Capacidade resistente às acções verticais 91
4.6 Influência da excentricidade da carga
A excentricidade, e, do carregamento (Figura 4.18) é tida em consideração através da
alteração da largura para o valor B′:
B′ = B − 2 e (4.52)
q
B
B′
e
F
Figura 4.18: Capacidade resistente às acções verticais: excentricidade do carregamento.
Esta largura B′ é a largura na qual a carga F , com excentricidade e fica centrada. Os
cálculos são, assim, realizados, substituindo a largura B pela largura B′.
Conforme se verá, quando, na secção seguinte, se abordar as fundações com comprimento
L finito, a excentricidade pode também existir segundo L. Se F tiver a excentricidade eL na
direcção de L, então considera-se um comprimento L′ tal que:
L′ = L− 2 eL (4.53)
4.7 Influência da forma da fundação e da inclinação da carga
A forma e a inclinação da carga são tidas em consideração através de factores correctivos
aplicados às parcelas da expressão de capacidade resistente em relação às acções verticais.
Desta forma, as expressões (4.50) e (4.49) assumem, respectivamente, a forma
qr = (2 + π)cuscic + q (4.54)
e
qr =1
2γBNγsγiγ + q′Nqsqiq (4.55)
Nestas expressões os factores s são os factores de forma, que corrigem a expressão para o
caso de fundação com comprimento L finito e os factores i corrigem a expressão para o caso
de carregamento inclinado.
Estes factores, dos quais há diversas propostas, foram obtidos de diversas formas, como
ensaios em modelo reduzido, cálculos numéricos, etc. A secção seguinte apresenta as expressões
da formulação da capacidade resistente proposta num anexo do Eurocódigo 7.
Refere-se ainda que os valores de qr determinados pelas expressões (4.54) e (4.55) corres-
92 Capítulo 4. Capacidade resistente às acções verticais
pondem a tensões de rotura normais à base da fundação, pelo que, quando multiplicados por
B′, fornecem o valor da componente vertical, V , da força F .
4.8 A formulação proposta no Eurocódigo 7
Apresenta-se nesta secção a formulação proposta no Eurocódigo 7. Esta formulação, na sua
versão em condições drenadas apresenta, como é o caso de outras formulações, uma terceira
parcela que tem em consideração a eventual existência de coesão efectiva c′ (ou seja, se se
pretender caracterizar a resistência do solo através de τ = c′ + σ′ tg φ′).
A formulação considera ainda outra correcção (a correspondente à inclinação da base), que
não se apresenta neste texto.
4.8.1 Em condições não drenadas
qr = (2 + π)cuscic + q (4.56)
sc = 1 + 0.2B′
L′(4.57)
em que sc é o factor de forma, sendo B′ e L′ as largura e comprimento efectivos da fundação
(B′ < L′), com
B′ = B − 2eB (4.58)
e
L′ = L− 2eL (4.59)
sendo eB e eL, respectivamente, as excentricidades do carregamento segundo B e segundo L.
ic =1
2+
1
2
√
1 − H
A′cu(4.60)
em que ic é o factor de inclinação do carregamento, com H ≤ A′cu e A′ = B′L′, sendo H a
componente horizontal da força aplicada F .
4.8.2 Em condições drenadas
qr =1
2γ′B′Nγsγiγ + c′Ncscic + q′Nqsqiq (4.61)
Nq = eπtg φ′tg 2(
45 + φ′/2)
(4.62)
Nc = (Nq − 1) cotg φ′ (4.63)
Nγ = 2 (Nq − 1) tg φ′ (4.64)
Capítulo 4. Capacidade resistente às acções verticais 93
em queNq, Nc eNγ são os factores de capacidade de carga (ou factores de capacidade resistente
às acções verticais).
sγ = 1 − 0.3B′
L′(4.65)
sq = 1 +B′
L′senφ′ (4.66)
sc =sqNq − 1
Nq − 1(4.67)
em que sγ , sc e sq são os factores de forma, que corrigem a expressão para o caso de fundação
com comprimento L′ finito. Nestas expressões B′ e L′ são, respectivamente, as largura e
comprimento efectivos, conforme anteriormente descritos.
iγ =
[
1 − H
V +A′c′cotg φ′
]m+1
(4.68)
iq =
[
1 − H
V +A′c′cotg φ′
]m
(4.69)
ic = iq −1 − iqNctg φ′
(4.70)
em que iγ , iq e ic são factores de inclinação do carregamento, sendo H e V as componentes
horizontal e vertical do carregamento, A′ a área efectiva (igual a B′ L′) e c′ a coesão efectiva
do solo e sendo:
m = mB =2 +B′/L′
1 +B′/L′H com direccao de B (4.71)
m = mL =2 + L′/B′
1 + L′/B′H com direccao de L (4.72)
94 Capítulo 4. Capacidade resistente às acções verticais
Capítulo 5
Colapso de maciços em talude
5.1 Introdução
O terceiro e último problema de colapso que será abordado neste texto é o de maciços
em talude (ver Figura 2.1(c)). Tal como a propósito da determinação de outras cargas de
colapso, utilizar-se-á as técnicas anteriormente descritas: análise limite (teoremas estático e
cinemático) e equilíbrio limite.
Aborda-se o problema do colapso de maciços em talude considerando as seguintes situações:
• talude vertical formado por solo respondendo em condições não drenadas;
• talude infinito formado por solo em condições drenadas ou não drenadas;
• talude com geometria genérica deslizando com superfície circular (solo em condições
drenadas e não drenadas).
5.2 Talude vertical, solo em condições não drenadas
5.2.1 Introdução
Considere-se, em primeiro lugar, o problema a que se refere a Figura 5.1, de um solo
argiloso, respondendo em condições não drenadas formando um talude vertical, caracterizado
por uma resistência não drenada cu e pelo peso volúmico γ.
hcu
γ
Figura 5.1: Talude vertical, solo em condições não drenadas.
95
96 Capítulo 5. Colapso de maciços em talude
Procure-se, assim, responder à seguinte questão: qual a altura h que causa o colapso
do talude? Este problema será resolvido recorrendo aos três métodos que têm vindo a ser
referidos: equilíbrio limite, teorema cinemático e teorema estático.
5.2.2 Aplicação do método do equilíbrio limite à análise não drenada da
estabilidade de um talude vertical
A análise por equilíbrio limite implica a consideração de um mecanismo e do estudo do
equilíbrio das forças que actuam sobre o bloco ou blocos que o mecanismo forma. Considere-se,
assim, o mecanismo sugerido pela Figura 5.2, correspondente a um bloco formado por uma
superfície planar, formando um ângulo ξ com a horizontal.
hcuγ
ξ
ξ
ξ
Ws
Ws N
NT
T
ℓ
L
Figura 5.2: Análise por equilíbrio limite da estabilidade de solo argiloso respondendo emcondições não drenadas formando um talude vertical.
As forças a actuar no bloco são o peso, Ws, a força T , resultante das tensões de corte ao
longo da superfície de contacto do bloco com o restante maciço, e a força N , normal à referida
superfície. O equilíbrio de forças segundo N exige que:
N = Ws cos ξ (5.1)
e o equilíbrio de forças segundo T que:
T = Ws sen ξ (5.2)
Tendo em atenção que:
tg ξ = h/ℓ⇒ ℓ = h/tg ξ; sen ξ = h/L⇒ L = h/sen ξ (5.3)
vem
Ws =1
2γhℓ =
1
2γh2/tg ξ (5.4)
Por outro lado, T toma o valor máximo:
cuL = cuh
sen ξ(5.5)
Capítulo 5. Colapso de maciços em talude 97
pelo que, atendendo às equações (5.2) e (5.4):
cuh
sen ξ=
1
2γh2 1
tg ξsen ξ (5.6)
resultando:
hEL =cuγ
2
sen ξ cos ξ=cuγNELs (5.7)
sendo
NELs =
2
sen ξ cos ξ(5.8)
Verifica-se que o valor mínimo de NELs é obtido para ξ = 45o e toma o valor de 4 (Figura 5.3)
0
2
4
6
8
10
12
14
16
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90
NE
Ls
ξ
Figura 5.3: Valores de NELs em função de ξ obtidos através de mecanismo planar.
5.2.3 Aplicação do teorema cinemático à análise não drenada da estabili-
dade de um talude vertical
Para a análise do problema através do teorema cinemático, adopte-se o mecanismo idêntico
ao considerado na secção anterior.
Assim, atendendo à Figura 5.4, tem-se que o peso do bloco é, como se viu na equação
(5.4):
Ws =1
2γh2/tg ξ
e o deslocamento virtual na direcção vertical δy relaciona-se com o deslocamento do bloco δw
através de:
δy = δwsen ξ (5.9)
98 Capítulo 5. Colapso de maciços em talude
hcuγ
ξξ
Ws
ℓ
L
δwδwδy
Figura 5.4: Análise através do teorema cinemático da estabilidade de solo argiloso respondendoem condições não drenadas formando um talude vertical.
O trabalho das forças exteriores é:
δWe = Wsδy = Wsδw sen ξ =1
2γh2 1
tgξδw sen ξ =
1
2γh2 cos ξ δw (5.10)
e a energia dissipada é:
δWi = cuLδw = cuh
sen ξδw (5.11)
Igualando o trabalho das forças exteriores à energia dissipada, para a aplicação do teorema
cinemático, obtém-se:
δWi = δWe ⇒ hLS =cuγ
2
sen ξ cos ξ=cuγNLSs (5.12)
ou seja,
hLS =cuγ
2
sen ξ cos ξ=cuγNLSs (5.13)
com
NLSs =
2
sen ξ cos ξ(5.14)
Atendendo a que se trata de resultados do teorema cinemático, esta expressão fornece, para
qualquer valor de ξ, resultados de NLSs que conduzem a hLS para os quais ocorre colapso.
Assim, a melhor solução será a que corresponde ao seu menor valor. Atendendo a que a
expressão (5.14) coincide com a que se obteve na secção anterior (equação 5.8), a Figura 5.3
mostra também os resultados da equação (5.14), pelo que o melhor resultado obtido através
deste mecanismo é, também, NLSs = 4.
5.2.4 Aplicação do teorema estático à análise não drenada da estabilidade
de um talude vertical
A aplicação do teorema estático implica o estudo do equilíbrio de tensões e a garantia de
que o critério de rotura não é violado. Desta forma, analisando o estado de tensão no elemento
à profundidade máxima h (Figura 5.5), tem-se que:
σv = γh (5.15)
σh = 0 (5.16)
Capítulo 5. Colapso de maciços em talude 99
σv
σv
σh
σh
h
τ
σ
cu cu
γ
Figura 5.5: Análise através do teorema estático da estabilidade de solo argiloso respondendoem condições não drenadas formando um talude vertical.
Logo, hLI é tal que
σv − 2cu = 0 ⇒ hLI =cuγNLIs =
2cuγ
(5.17)
o que implica, portanto, que
NLIs = 2 (5.18)
5.2.5 Observações
Nas secções anteriores verificou-se que, através do teorema cinemático, foi possível obter
uma solução para a profundidade a que se estima que ocorre o colapso, dada por:
hLS =4cuγ
(5.19)
e que, através do teorema estático, esta profundidade é
hLI =2cuγ
(5.20)
Dada a origem de cada uma destas soluções pode concluir-se que
2cuγ
= hLI ≤ hEX ≤ hLS =4cuγ
(5.21)
o que mostra, por um lado, resultados consistentes (a estimativa obtida pelo teorema estático
é inferior à estimativa obtida pelo teorema cinemático) e, por outro, que as duas soluções
estão bastante afastadas uma da outra (uma corresponde, na realidade, ao dobro da outra).
Diga-se, a este propósito, que para o problema em questão não se conhece solução exacta.
Há, no entanto, soluções melhores do que as apresentadas. A melhor solução obtida através
do teorema da região superior com uma superfície circular é devida a Taylor (1948) (Figura
5.6):
NLSs = 3.83, para xO = 1.41h e yO = 1.21h (5.22)
Os melhores resultados conhecidos são devidos a Lyamin e Sloan (2002) (região inferior) e
a Pastor et al. (2009) (região superior) e foram obtidos numericamente:
3.772 ≤ Ns ≤ 3.7776 (5.23)
100 Capítulo 5. Colapso de maciços em talude
h
RO
xO
yO
Figura 5.6: Solução da região superior obtida por Taylor (1948).
5.3 Talude infinito; solo em condições drenadas
A ocorrência de depósitos de vertente de espessura relativamente reduzida face à sua
extensão corresponde, aproximadamente, a um talude infinito, conforme se esquematiza na
Figura 5.7. Trata-se, assim, de um problema prático de grande interesse e aplicação.
5.3.1 Aplicação do teorema cinemático à análise drenada da estabilidade
de um talude infinito
Considere-se o talude esquematicamente representado na Figura 5.7. Sendo infinito, as
forças de interacção de uma fatia qualquer de largura B anulam-se, pelo que o peso é a
única força exterior aplicada. Procure-se, assim, a inclinação do talude, i, que conduz ao
escorregamento do talude.
h
B
L
F1
F2δw
δw
δy ii
i− φ′
Ws
γφ′
Figura 5.7: Aplicação do teorema cinemático à análise drenada de um talude infinito.
Atendendo a que o deslocamento δw faz um ângulo φ′ com a superfície inclinada, tem-se
que a componente vertical do deslocamento é
δy = δwsen (i− φ′) (5.24)
O trabalho das forças exteriores é igual à energia dissipada que, por sua vez, é nula. Fica,
assim:
δWe = Wsδy = δWi = 0 (5.25)
do que resulta
δy = 0 (5.26)
Capítulo 5. Colapso de maciços em talude 101
o que conduz a
sen (i− φ′) = 0 (5.27)
e a
iLS = φ′ (5.28)
Tem-se, assim, que de acordo com o teorema cinemático, o ângulo de inclinação do talude
para o qual este escorrega é igual ao ângulo de resistência ao corte do solo.
5.3.2 Aplicação do teorema estático à análise drenada da estabilidade de
um talude infinito
Analise-se, agora, o mesmo problema através do teorema estático. Considere-se, para isso,
uma fatia do talude com largura B (Figura 5.8). O peso da fatia é
Ws = γhB = γhL cos i (5.29)
h
B
L
F1
F2i
Ws
T
N
σ′
τ
γ
φ′
Figura 5.8: Aplicação do teorema estático à análise drenada de um talude infinito.
Sendo N a força normal à superfície inclinada, vem
N = Ws cos i = γhL cos2 i (5.30)
pelo que a tensão efectiva normal é
σ′n = γh cos2 i (5.31)
A força T , tangencial é
T = Wssen i = γhLsen i cos i (5.32)
pelo que
τn = γhsen i cos i (5.33)
Das equações (5.31) e (5.33) tira-se que
τn/σ′n = tg i (5.34)
102 Capítulo 5. Colapso de maciços em talude
e, por outro lado, a verificação do critério de rotura exige que, no máximo,
τn/σ′n = tg φ′ (5.35)
pelo que:
iLI = φ′ (5.36)
5.3.3 Aplicação do método de equilíbrio limite à análise drenada da esta-
bilidade de um talude infinito
Aplicando o método de equilíbrio limite (Figura 5.9), tem-se que o equilíbrio de forças
exige que:
h
B
L
F1
F2
ii
WsWs
T
T
N
N
γφ′
Figura 5.9: Aplicação do método de equilíbrio limite à análise drenada de um talude infinito.
N = Ws cos i (5.37)
T = Wssen i (5.38)
pelo que
N = Ws cos i = Bhγ cos i = (L cos ihγ) cos i = γhL cos2 i (5.39)
e
T = Wssen i = γhL cos i sen i (5.40)
O valor máximo de T é Ntg φ′, pelo que, nesta hipótese:
T = γhL cos i sen i = γhL cos2 i tg φ′ (5.41)
de onde resulta que
tg i = tg φ′ (5.42)
ou seja,
iEL = φ′ (5.43)
Capítulo 5. Colapso de maciços em talude 103
5.3.4 Observações
Os resultados obtidos aplicando o teorema cinemático e o teorema estático coincidem entre
si (e também com o resultado obtido pelo método de equilíbrio limite). A coincidência das
soluções obtidas por análise limite significa que foi encontrada a solução exacta, pelo que o
ângulo de inclinação do talude infinito que o conduz ao escorregamento é:
iEX = φ′ (5.44)
É interessante verificar que este resultado depende apenas do ângulo de resistência ao corte e
é, portanto, independente da altura da camada h e do peso volúmico γ.
Poderia igualmente constatar-se que análises semelhantes que considerassem o talude to-
talmente submerso conduziriam igualmente ao referido resultado.
5.4 Talude infinito; solo em condições não drenadas
Considera-se agora o caso de talude infinito de solo com espessura h, peso volúmico γ e
resistência não drenada cu.
5.4.1 Aplicação do método de equilíbrio limite à análise não drenada da
estabilidade de um talude infinito
Aplicando o método de equilíbrio limite (Figura 5.10), tem-se que, sendo a força T dada
pela expressão
T = γhL cos i sen i (5.45)
h
B
L
F1
F2
ii
WsWs
T
T
N
N
γcu
Figura 5.10: Aplicação do método de equilíbrio limite à análise não drenada de um taludeinfinito.
e o valor máximo desta força dado por
T = cuL (5.46)
104 Capítulo 5. Colapso de maciços em talude
se tem que, multiplicando ambas as equações por 2:
2γhL cos i sen i = 2cuL (5.47)
o que conduz a
γh sen 2i = 2cu (5.48)
e a
iEL =1
2arcsen
2cuγh
que corresponde à inclinação do talude, obtida por equilíbrio limite, que implica o escorrega-
mento deste.
5.4.2 Aplicação do teorema cinemático à análise não drenada da estabili-
dade de um talude infinito
Aplique-se agora o teorema cinemático ao mesmo problema. A Figura 5.11 mostra o
mecanismo adoptado.
h
B
L
F1
F2
δw
δwδy i
iWs
γcu
Figura 5.11: Aplicação do teorema cinemático à análise não drenada de um talude infinito.
A componente vertical do deslocamento, δy é
δy = δwsen i (5.49)
e o peso do solo é
Ws = γhL cos i (5.50)
O trabalho das forças exteriores é
δWe = Wsδy = γhL cos i δw sen i (5.51)
e o trabalho das tensões internas
δWi = cuLδw (5.52)
Igualando os dois, obtém-se
γhL cos i δw sen i = cuLδw (5.53)
Capítulo 5. Colapso de maciços em talude 105
ou seja,
2 cos i sen i =2cuγh
(5.54)
e
iLS =1
2arcsen
2cuγh
(5.55)
5.4.3 Aplicação do teorema estático à análise não drenada da estabilidade
de um talude infinito
A partir da Figura 5.12 e do que se viu anteriormente a propósito da análise drenada, as
tensões totais normal e tangencial são dadas por:
τ
σn
σh
cuB
N
T
L
F1
F2
i
iWs
σn
Figura 5.12: Aplicação do teorema estático à análise não drenada de um talude infinito.
σn = γh cos2 i (5.56)
τn = γhsen i cos i (5.57)
Aplicando o critério de rotura, tem-se que, no máximo, τn é igual a cu, pelo que:
τn = γhsen i cos i = cu (5.58)
Dado que
τn/σn = tg i
fica
τn/σn =cu
γh cos2 i= tg i (5.59)
o que conduz a:
iLI =1
2arcsen
2cuγh
(5.60)
5.4.4 Observações
Viu-se que as estimativas da inclinação do talude infinito em condições não drenadas
são idênticas usando os dois teoremas da análise limite (e, igualmente, usando o método de
equilíbrio limite).
106 Capítulo 5. Colapso de maciços em talude
A solução exacta ficou, portanto, encontrada:
iEX =1
2arcsen
2cuγh
(5.61)
5.5 Talude infinito; condições drenadas: percolação paralela ao
talude (EL)
Considere-se agora que um talude infinito de altura h de um material com peso volúmico
(saturado) γ e ângulo de resistência ao corte φ′ está sujeito a um regime de percolação per-
manente, paralela ao talude, de inclinação i (Figura 5.13). Qual a inclinação i que o conduz
ao colapso?
uP/γw
zPz = 0
hN = N ′ + U
N = N ′ + U
B
T
T
L
h cos ii
i
Ws
Ws φ′
N ′
U
P
Figura 5.13: Aplicação do método de equilíbrio limite à análise drenada de um talude infinitocom percolação paralela ao talude.
Resolvendo o problema através do método do equilíbrio limite, tem-se que, na fatia de
largura B:
N = γhL cos2 i (5.62)
e a força U (impulsão) na base da fatia é:
U = uL = γwh cos2 i× L (5.63)
Haverá escorregamento se a força T aplicada, Ntg i, igualar a resistência N ′tgφ′:
T = Ntg i = N ′tg φ′ (5.64)
pelo que
Ntg i = (N − U)tg φ′ (5.65)
e
tg i = tg φ′(
1 − U
N
)
(5.66)
ou seja
tg i = tg φ′ (1 − γw/γ) (5.67)
Capítulo 5. Colapso de maciços em talude 107
Atendendo a que γw/γ ≃ 1/2, tem-se que a inclinação i a que corresponde o escorregamento
para percolação paralela ao talude é cerca de metade da que se obteve para talude seco ou
totalmente submerso.
5.6 Talude com geometria genérica; condições não drenadas
(EL)
5.6.1 Análise por equilíbrio limite de superfície circular
Considere-se o talude com a geometria que se indica na Figura 5.14 e analise-se a superfície
circular aí representada.
O
τσ
A
B
xWs
Ws
r
γcu
Figura 5.14: Aplicação do método de equilíbrio limite à análise não drenada de um taludecom geometria genérica com superfície de escorregamento circular.
Aplicando o método do equilíbrio limite, pode verificar-se que, sendo o peso do solo Ws e
o seu ponto de aplicação conhecido (com braço xWs em relação a O), tem-se que o momento
actuante, MS , em relação ao ponto O é
MS = WsxWs (5.68)
e o momento resistente, MR, é o que resulta da mobilização das tensões de corte ao longo da
superfície de escorregamento circular. Se a resistência não drenada for cu tem-se que
MR = cuABr (5.69)
sendo AB o comprimento do arco de circunferência e r o seu raio.
Há escorregamento se
MS = MR ⇒WsxWs = cuABr (5.70)
Naturalmente que esta análise foi feita considerando uma dada superfície de escorrega-
mento. Conforme é habitual nos métodos de equilíbrio limite, deve procurar-se o mecanismo
(ou seja, a superfície) que conduz à menor relação entre os momentos resistentes e os actuantes.
108 Capítulo 5. Colapso de maciços em talude
Há programas de cálculo automático que permitem testar sistematicamente diversas su-
perfícies com centros numa área definida pelo utilizador e com raios variáveis.
5.6.2 Método de Taylor
Taylor (1948) apresentou ábacos baseados no método do círculo de atrito, que não é abor-
dado neste texto, que resolve o problema atrás referido, em condições não drenadas. Apresen-
ta-se esses ábacos na Figura 5.15.
Figura 5.15: Ábacos de Taylor.
A Figura apresenta, do lado esquerdo, um ábaco para solos saturados em condições não
drenadas e, do lado direiro, um ábaco que considera esta situação mas igualmente os casos
em que o ângulo de resistência ao corte em condições não drenadas é diferente de zero. O
leitor deve ignorar esta situação, que sai do âmbito do texto e deve considerar apenas, neste
segundo ábaco, o caso de ângulo nulo (ou seja, os materiais com envolvente de rotura dada
por uma recta horizontal de equação τ = cu).
O ábaco permite resolver um problema de um talude em solo com resistência não drenada
cu, peso volúmico γ, altura H, inclinação i com a horizontal e estrato rígido à profundidade
D×H. O número de estabilidade Ns é cu/γH. A utilização deste ábaco permite, por exemplo,
conhecendo-se D, H, i e γ, determinar a resistência não drenada que implica o colapso do
talude: o valor de D e de i permitem conhecer o valor de Ns no colapso e este permite conhecer
cu. Outros tipos de utilização podem fazer-se deste ábaco. Note-se que para i > 54o deve
usar-se o ábaco da direita. Note-se também que o método de Taylor fornece já resultados para
o círculo crítico, podendo dele retirar-se ainda informações relativas à sua localização.
Capítulo 5. Colapso de maciços em talude 109
5.7 Talude com geometria genérica; condições drenadas (EL)
5.7.1 Os métodos de fatias
O problema correspondente a este em condições não drenadas foi analisado de forma rela-
tivamente simples na secção 5.6.1. A simplicidade dessa análise foi possível pelo facto de as
tensões tangenciais serem conhecidas (e iguais a cu). Em situação drenada, no entanto, o pro-
blema é substancialmente mais complicado, pelo facto de as tensões tangenciais dependerem
agora do valor da tensão normal transmitida em cada ponto da superfície circular, através da
equação
τ = σ′tg φ′ = (σ − u)tg φ′ (5.71)
mas o valor de σ não pode ser determinado com facilidade.
Assim, o procedimento adoptado habitualmente recorre a métodos de fatias, isto é, a
métodos em que a massa potencialmente instável é dividida em fatias, da forma indicada na
Figura 5.16. Procede-se, então ao estudo do equilíbrio das fatias e considera-se, finalmente, o
somatório das contribuições das várias fatias.
rO
A
B
N
T
T
ℓℓ
α
θ
Ws
Ws
N ′
U
F
yF
φ′φ′
γ
Figura 5.16: Métodos de fatias.
Verifica-se, assim, que as forças actuantes em cada fatia são: Ws; N ; U ; T ; F1; F2, tendo
Ws, N e T o significado indicado na Figura, sendo U a resultante na base da fatia das pressões
da água e sendo F1 e F2 as forças de interacção, com resultante F , inclinação θ e actuando à
altura yF .
As forças Ws e U têm valor, direcção e ponto de aplicação conhecidos; as forças T e N
têm apenas direcção e ponto de aplicação conhecidos; há, portanto, 5 incógnitas: T , N , F , yFe θ.
Seria possível escrever 3 equações de equilíbrio e ainda atender a que:
T = (N − U)tg φ′ (5.72)
pelo que é necessário fazer pelo menos uma simplificação: as diferentes simplificações dão
origem aos diferentes métodos.
110 Capítulo 5. Colapso de maciços em talude
Tal como se fez para o caso do talude com superfície circular em condições não drenadas,
apresenta-se, separadamente, o cálculo do momento actuante e do momento resistente. Dado
que se procedeu à divisão em fatias, estes momentos têm agora a forma de somatórios.
O momento actuante é dado por:
ΣMS = ΣWsrsenα (5.73)
o que, no fundo, corresponde ao cálculo do momento dado pela equação (5.68) considerando
a divisão em fatias.
O momento resistente é:
ΣMR = ΣTr = Σ(N − U)tg φ′r (5.74)
em que o problema está na determinação de N .
Os diferentes métodos de fatias diferem entre si na forma como consideram o cálculo de
N , ou seja, na hipótese simplificativa que adoptam para permitir o cálculo de N .
Neste texto estudam-se apenas dois métodos:
• o Método de Fellenius;
• o Método de Bishop simplificado.
5.7.2 Método de Fellenius
O método de Fellenius é o mais simples dos métodos de fatias e considera a hipótese
simplificativa
F = 0 (5.75)
Tal significa que N é dado por
N = Ws cosα (5.76)
pelo que a equação (5.74) fica:
ΣMR = ΣTr = Σ(N − U)tg φ′r = Σ(Ws cosα− uℓ)tg φ′r (5.77)
A aplicação do método de Fellenius implica, portanto, a utilização da equação (5.73) para
determinação do momento actuante (que é uma expressão genérica) e da equação (5.77) para
o cálculo do momento resistente. Estima-se que ocorrerá colapso se o primeiro for superior
ao segundo. A aplicação destas equações pode fazer-se com facilidade através de uma tabela,
como a que se apresenta no Quadro 5.1, que pode ser adaptada a uma folha de cálculo para
maior facilidade de utilização.
Refere-se, finalmente, que apesar de o método de Fellenius ser especialmente adaptado
para a sua utilização em condições drenadas, nada impede a sua utilização em condições não
Capítulo 5. Colapso de maciços em talude 111
Tabela 5.1: Quadro para utilização do método de Fellenius.
Fatia A Ws α Wssenα u ℓ (Ws cosα− uℓ)tgφ′
(m2) (kN/m) (o) (kN/m) (kPa) (m) (kN/m)12...
drenadas. O que acontece, simplesmente, é que a sua divisão em fatias não é necessária,
como no caso de condições drenadas, a não ser como uma forma expedita de determinação do
momento actuante. Em qualquer caso, fica:
ΣMS = ΣWsrsenα
ΣMR = ΣTr = Σcuℓr
resultando, assim, na metodologia apresentada na secção 5.6.1.
5.7.3 Método de Bishop simplificado
A hipótese simplificativa adoptada no método de Bishop Simplificado é:
Fv = 0 (θ = 0) (5.78)
De acordo com esta hipótese, fazendo equilíbrio de forças verticais vem:
T senα+N cosα = Ws (5.79)
o que conduz a
N = (Ws − T senα)/ cosα (5.80)
Substituindo esta equação na equação (5.72) fica:
T = (N − U)tg φ′ = ((Ws − T senα)/ cos α− U) tg φ′ (5.81)
que, resolvendo em ordem a T , resulta em:
T =(Ws/ cosα− uℓ)tg φ′
1 + tgα tg φ′(5.82)
Os momentos resistentes ficam, portanto:
ΣMR = ΣT × r = Σ(Ws/ cosα− uℓ)tg φ′
1 + tgα tg φ′× r (5.83)
Tal como no caso do método de Fellenius, esta equação pode ser aplicada em condições
112 Capítulo 5. Colapso de maciços em talude
não drenadas, fazendo as adaptações necessárias, concluindo-se no entanto que o resultado é
equivalente ao dado pela equação (5.69).
Um Quadro semelhante ao 5.1 pode ser adoptado, com as devidas adaptações, ao cálculo
de taludes através do método de Bishop simplificado.
5.7.4 Observações
Faz-se ainda notar que os métodos de fatias, sendo métodos de equilíbrio limite, devem
ser usados procurando o círculo de deslizamento que conduz à menor relação entre os momen-
tos resistentes e os momentos actuantes. Ocorrerá, portanto, colapso, se estes igualarem os
primeiros.
Conforme se referiu, estão disponíveis programas de cálculo automático que permitem
testar diversos círculos, com posições de centros e valores de raios que podem ser controlados
pelo utilizador.
Parte IV
Verificação da segurança
113
Capítulo 6
Verificação da segurança em relação
aos estados limites últimos. O
Eurocódigo 7
6.1 Introdução
Viu-se nos capítulos anteriores a determinação de cargas de colapso de estruturas geo-
técnicas simples. Ter-se-á, portanto, colapso se, naquelas estruturas, as acções igualarem as
resistências.
Naturalmente que a verificação da segurança implica que as acções sejam inferiores à resis-
tência com uma margem adequada. A adopção da margem adequada faz-se, tradicionalmente,
recorrendo à noção de coeficiente de segurança global e, actualmente, com a utilização do Eu-
rocódigo 7 no Projecto Geotécnico, através da metodologia que recorre aos coeficientes de
segurança parciais.
A noção de coeficiente de segurança global é a forma como, tradicionalmente, a verificação
da segurança no projecto geotécnico era realizada. A sua utilização, conceptualmente, é
bastante simples: é determinada uma resistência, R e define-se acção admissível, Aadm como
Aadm =R
FS(6.1)
em que FS é o coeficiente de segurança global com um valor que depende do tipo de obra e
da verificação da segurança em causa mas que pode variar entre 1.5 e cerca de 3. É, portanto,
verificada a segurança garantindo que a acção efectivamente actuante, A, é inferior ou igual a
Aadm.
Este procedimento, apesar de ainda em prática em alguns meios, está em substituição pela
adopção dos coeficientes de segurança parciais, que é a metodologia proposta pelo Eurocó-
digo 7.
115
116 Capítulo 6. Verificação da segurança em relação aos estados limites últimos. O EC7
De acordo com esta metodologia, com base em coeficientes parciais que afectam (reduzem)
os parâmetros de resistência e (ou), eventualmente, as próprias resistências, é determinada uma
resistência de cálculo, Rd. De forma análoga, com base em coeficientes de segurança parciais
que afectam (majoram) as acções, é determinada uma acção de cálculo, Ad. A segurança fica
verificada se
Ad ≤ Rd (6.2)
É em relação a este último procedimento, que recorre aos coeficientes de segurança parciais,
que se fará referência neste texto. Muito do que se refere é, no entanto, aplicável a uma filosofia
de segurança com base em coeficientes de segurança globais.
6.2 Os estados limites
O Eurocódigo 7 prevê os seguintes estados limites:
• EQU – Perda de equilíbrio da estrutura ou do terreno; a resistência do terreno e da
estrutura não são relevantes.
• STR – Rotura ou deformação excessiva de elementos estruturais; a resistência dos ele-
mentos estruturais é relevante.
• GEO – Rotura ou deformação excessiva do terreno; a resistência do terreno é relevante.
• UPL – Perda de equilíbrio da estrutura ou do terreno devido a subpressões ou outras
acções verticais.
• HYD – Instabilidade hidráulica (erosão interna; “piping”).
Conforme, se referiu, a segurança é introduzida através de coeficientes parciais de segu-
rança:
• nas acções (A), majorando-as;
• nas propriedades dos materiais (M), minorando-as;
• nas resistências (R), minorando-as.
Para cada um dos estados limites apresentados o Eurocódigo 7 prevê valores (ou combina-
ções de valores) de coeficientes de segurança parciais adequados.
6.3 Os estados STR e GEO
Os estados STR e GEO (em especial o GEO) são os mais habitualmente usados no projecto
geotécnico. O Eurocódigo 7 prevê para estes estados limites 3 abordagens de cálculo, que são
Capítulo 6. Verificação da segurança em relação aos estados limites últimos. O EC7 117
3 formas de verificar a segurança, combinando diferentes valores dos coeficientes de segurança
parciais.
Para as estruturas que são abordadas neste texto (taludes, estruturas de suporte e funda-
ções superficiais) as abordagens de cálculo são:
• AC1:
– Combinação 1: A1 + M1 + R1
– Combinação 2: A2 + M2 + R1
• AC2: A1 + M1 + R2
• AC3: (A1 ou A2) + M2 + R3
em que “+” tem o significado de “combinado com” e em que A1, A2, M1, etc, são conjuntos
diferentes de coeficientes de segurança para as acções (A), para as propriedades dos materiais
(M) e para as resistências (R).
Cada país pode definir uma destas abordagens de cálculo para usar internamente; Portugal
adoptou a abordagem de cálculo 1 (AC1).
No caso da abordagem de cálculo 1 a combinação 2 é normalmente condicionante quando
o que está em causa é a verificação geotécnica (que implica a definição da geometria) e a
combinação 1 quando o que está em causa é o dimensionamento estrutural.
Os coeficientes parciais das acções (A) são os seguintes:
• γG – aplicado às cargas permanentes (favoráveis ou desfavoráveis);
• γQ – aplicado às cargas variáveis (favoráveis ou desfavoráveis).
Apresenta-se no Quadro 6.1 os valores dos coeficientes de segurança parciais aplicáveis às
acções para os estados limites STR e GEO e, no Quadro 6.2, os valores dos coeficientes de
segurança parciais aplicáveis às propriedades resistentes dos materiais.
Tabela 6.1: Valores dos coeficientes de segurança parciais aplicáveis às acções, nos estadoslimites GEO e STR.
Coeficiente tipo A1 A2γG desfavorável 1.35 1.00γG favorável 1.00 1.00γQ desfavorável 1.50 1.30γQ favorável 0 0
Refere-se ainda que Portugal inseriu no seu Anexo Nacional uma indicação de que sempre
que a ocorrência de estados limites de utilização nas estruturas ou nas infra-estruturas situadas
num talude natural ou na sua vizinhança seja evitada através da limitação da resistência ao
118 Capítulo 6. Verificação da segurança em relação aos estados limites últimos. O EC7
Tabela 6.2: Valores dos coeficientes de segurança parciais aplicáveis às propriedades dos ma-teriais, nos estados limites GEO e STR.
Coeficiente M1 M2γφ′ 1.00 1.25γc′ 1.00 1.25γcu
1.00 1.40
corte do terreno mobilizada, devem ser adoptados, na verificação da estabilidade global do
talude para a Combinação 2 os seguintes valores dos coeficientes de segurança parciais para
os parâmetros do terreno: γφ′ = γc′ = γcu = 1.5.
Os coeficientes de segurança aplicáveis às resistências dependem do tipo de estrutura e da
verificação em causa. Os valores destes coeficientes de segurança apresentam-se no Quadro
6.3.
Tabela 6.3: Valores dos coeficientes de segurança parciais aplicáveis às resistências nos estadoslimites GEO e STR.
Estrutura Resistência Coeficiente R1 R2 R3Talude terreno γR;e 1.00 1.10 1.00
Fundação superf./Estrut. suporte Resist. vert. γR;v 1.00 1.40 1.00Fundação superf./Estrut. suporte Deslizamento γR;h 1.00 1.10 1.00
Estrut. suporte terreno γR;e 1.00 1.40 1.00
As acções são, assim, majoradas com os coeficientes γG e γQ:
Ad = γGAG + γQAQ (6.3)
as propriedades resistentes são minoradas com os coeficientes γφ′ , γc′ ou γcu:
φ′d = arctgtgφ′
γφ′(6.4)
c′d =c′
γc′(6.5)
cud =cuγcu
(6.6)
e as resistências são minoradas com os coeficientes γR:
Rd = R/γR (6.7)
Capítulo 6. Verificação da segurança em relação aos estados limites últimos. O EC7 119
6.4 O estado EQU
Conforme referido, no estado EQU a resistência do terreno e da estrutura não são relevan-
tes. Trata-se, simplesmente, de uma verificação de equilíbrio da estrutura em que há acções
que tendem a causar a desestabilização (ou instabilização) e outras que tendem a causar a
estabilização.
Os coeficientes de segurança parciais são os indicados no Quadro 6.4 e os coeficientes
aplicados às propriedades dos materiais são os do Quadro 6.5.
Tabela 6.4: Valores dos coeficientes de segurança parciais aplicáveis às acções, no estado limiteEQU.
Coeficiente Acção ValorγG;dst desfavorável 1.10γG;stb favorável 0.90γQ;dst desfavorável 1.50γQ;stb favorável 0
Tabela 6.5: Valores dos coeficientes de segurança parciais aplicáveis às propriedades dos ma-teriais, no estado limite EQU.
Coeficiente Valorγφ′ 1.25γc′ 1.25γcu
1.40
A verificação que deve ser feita é:
Adst;d ≤ Astb;d (6.8)
em que Adst;d é o valor de cálculo da acção instabilizante e Astb;d é o valor de cálculo da acção
estabilizante.
6.5 Os estados UPL e HYD
Os estados UPL e HYD não são abordados neste texto. A consulta do Eurocódigo 7
permitirá conhecer os valores dos coeficientes de segurança e aplicá-los aos casos em que estes
estados possam ser relevantes, não apresentando dificuldade significativa.
120 Capítulo 6. Verificação da segurança em relação aos estados limites últimos. O EC7
Capítulo 7
Verificação da segurança em relação à
estabilidade de taludes. Estabilização
de taludes
Parte do capítulo é baseado em Guedes de Melo (1993).
7.1 Instabilização de taludes
Os taludes, sejam eles naturais, de escavação ou de aterro, quando são sujeitos a alterações
das condições de serviço (por exemplo a alteração da sua geometria, das solicitações aplica-
das, do nível de água no solo, etc.) podem instabilizar. Esta instabilização traduz-se pelo
movimento de uma massa do maciço, no sentido descendente, no qual a gravidade desenpenha
o papel de principal motor. Este fenómeno pode envolver pequenos ou grandes volumes do
maciço, limitados por superfícies mais ou menos profundas.
Os movimentos podem ser classificados em função da velocidade:
• desmoronamento:
– extremamente rápido (>3 m/s);
– muito rápido (0.3 m/min a 3 m/s);
• escorregamento:
– rápido (1.5 m/dia a 0.3 m/dia);
– moderado (1.5 m/mês a 1.5 m/dia);
• fluimento:
– lento (1.5 m/ano a 1.5 m/mês);
121
122 Capítulo 7. Verificação da segurança de taludes. Estabilização de taludes
– muito lento (0.06 m/ano a 1.5 m/ano);
– extremamente lento (<0.06 m/ano).
Os desmoronamentos estão em geral associados à queda de blocos rochosos, motivada pela
orientação desfavorável das descontinuidades existentes no maciço nas quais se verifica uma
sucessiva diminuição da resistência ao corte, motivada por processos de meteorização ou na
acção da vegetação (Figura 7.1(a)).
Figura 7.1: Exemplos de desmoronamentos.
Outra situação que pode levar ao desmoronamento é aquela em que a falésia de material
rochoso repousa sobre um meio mais deformável (Figura 7.1(b)) ou ainda por erosão diferencial
numa falésia. Neste caso, a erosão de estratos inferiores pode deixar os estratos superiores em
consola, originando assim a sua queda (Figura 7.1(c)).
Os escorregamentos são movimentos relativamente rápidos de massas de terreno, em regra
bem definidas quando ao seu volume, cuja duração é, na maioria dos casos, curta. O movi-
mento ocorre em geral em solos ou ao longo de descontinuidades de maciços rochosos, podendo
ser do tipo rotacional (associado a superfície de deslizamento curva (Figura 7.2(a)) ou planar
(associado a uma superfície de deslizamento plana (Figura 7.2(b)).
Os escorregamentos rotacionais ocorrem em taludes onde não existam anisotropias mar-
cadas e em maciços rochosos fracturados de forma aleatória. Os escorregamentos planares
Capítulo 7. Verificação da segurança de taludes. Estabilização de taludes 123
Figura 7.2: Exemplos de escorregamentos.
ocorrem em terrenos com anisotropias marcadas, nos quais as superfícies de instabilização
são condicionadas pela existência de planos de menor resistência que a do material sobreja-
cente. Este tipo de movimento pode ocorrer em taludes de inclinação relativamente suave e é
geralmente extenso, podendo atingir centenas ou milhares de metros.
Para além do tipo de movimento, os escorregamentos podem também ser classificados de
acordo com a máxima profundidade atingida pela superfície de deslizamento, podendo assim
ser superficiais (profundidade < 1.5 m), pouco profundos (1.5 a 5 m), profundos (5 a 20 m) e
muito profundos (profundidade > 20 m).
Os fluimentos são movimentos lentos e contínuos que ocorrem principalmente em taludes
naturais de solo. Podem envolver grandes massas de solo sem que, contudo, seja possível
definir a superfície de rotura, assemelhando-se o seu mecanismo de deformação ao de um
líquido muito viscoso).
7.2 Causas da instabilização de taludes
A instabilização de um talude pode ser determinada por causas externas (isto é, associada
a acções actuando exteriormente ao talude), a causas internas (associada a acções actuando no
interior do próprio talude) ou a causas intermédias (associadas a acções exteriores ao maciço
que desencadeiam mecanismos de instabilização actuando no seu interior).
124 Capítulo 7. Verificação da segurança de taludes. Estabilização de taludes
Figura 7.3: Exemplo de fluimento.
Nas causas externas estão incluídas as seguintes:
• aumento da inclinação dos taludes, por escavação ou por erosão provocada pela água ou
pelo vento;
• aumento da altura do talude, através da escavação no pé ou aterro na crista;
• aplicação de sobrecargas no talude, em particular na sua parte superior;
• variação sazonal da temperatura e humidade, podendo conduzir à abertura de fendas
superficiais de retracção no solo, que favorecem a infiltração de água nos terrenos;
• abalos sísmicos ou vibrações induzidas nos terrenos;
• erosão superficial do terreno, favorecendo a infiltração de água;
• efeito da vegetação no talude que constitui uma sobrecarga e causa uma perda de resis-
tência quando se dá o apodrecimento de raízes.
Nas causas internas estão incluídas:
• aumento das pressões intersticiais, com a consequente redução da resistência ao corte;
• aumento das tensões de origem tectónica.
Nas causas intermédias estão incluídos os efeitos de:
• rebaixamento rápido do nível das águas exteriores;
• erosão interna, provocada pela circulação de água no interior do talude;
• liquefacção do solo.
Capítulo 7. Verificação da segurança de taludes. Estabilização de taludes 125
7.3 Métodos de análise e verificação da segurança
7.3.1 Verificação da segurança com base em coeficientes parciais
Os métodos de análise da estabilidade de taludes foram já apresentados no Capítulo 5. Os
princípios de verificação da segurança baseados no Eurocódigo 7, que se viram no Capítulo 6,
recorrendo a coeficientes de segurança parciais, podem aplicar-se a quaisquer dos métodos e
casos de análise então referidos.
Exemplifica-se esta aplicação com o caso ilustrado pela Figura 7.4. Trata-se de um talude
de solo argiloso, respondendo em condições não drenadas, pretendendo-se verificar a segurança
para o círculo de escorregamento representado na Figura.
O
A
B
C
q
xWs
xQ
Ws
r
Figura 7.4: Verificação da segurança de taludes
Exemplificando a aplicação dos princípios referidos, o momento actuante de cálculo, MSd
é calculado através de:
MSd = γGWsxWs + γQqACxQ (7.1)
sendo os coeficientes de segurança γG e γQ obtidos a partir do Quadro 6.1.
O valor de cálculo da resistência (neste caso, a resistência não drenada) é determinado
através de:
cud = cu/γcu (7.2)
em que o coeficiente parcial γcu é obtido a partir do Quadro 6.2.
O valor de cálculo do momento resistente é, portanto:
MRd = cudAB r/γR;e (7.3)
sendo γR;e o coeficiente de segurança parcial obtido do Quadro 6.3.
126 Capítulo 7. Verificação da segurança de taludes. Estabilização de taludes
7.3.2 Verificação da segurança com base no coeficiente global
A verificação da segurança com base na noção de coeficiente de segurança global passaria
pela determinação de um momento admissível dado por
Madm =MR
FS(7.4)
em que FS é o coeficiente de segurança global e MR o momento resistente, dado por:
MR = cuAB r (7.5)
A segurança seria verificada através do controlo da veracidade da inequação
MS ≤Madm (7.6)
Equivalente a este procedimento seria o cálculo do valor do coeficiente de segurança do
talude e da comparação desse coeficiente com um valor mínimo:
FS =MR
MS≤ FSmin (7.7)
A definição de coeficiente de segurança subjacente às equações anteriores tem, no caso do
método de Fellenius a forma:
FS =ΣMR
ΣMS=
Σ(Ws cosα− uℓ)tg φ′ × r
ΣWssenα× r(7.8)
e, no caso do método de Bishop Simplificado
FS =ΣMR
ΣMS=
Σ (Ws/ cosα−uℓ)tg φ′
1+tgα tg φ′ × r
ΣWssenα× r(7.9)
Acontece, no entanto, que no caso dos taludes, era prática corrente a definição do coefici-
ente de segurança global não propriamente como a relação entre a acção resistente e a acção
actuante mas sim como um factor de redução das propriedades resistentes. Os programas
de cálculo automático a que se fez referência no Capítulo 5 usam, de facto esta definição de
coeficiente de segurança global.
No caso do método de Fellenius, essa definição implicava a forma:
1 =Σ(Ws cosα− uℓ)tg φ′/FS × r
ΣWssenα× r(7.10)
que, na realidade, é equivalente à expressa pela equação (7.8), que lhe é matematicamente
equivalente.
Capítulo 7. Verificação da segurança de taludes. Estabilização de taludes 127
No caso do método de Bishop simplificado, no entanto, tal definição implica que:
1 =Σ (Ws/ cosα−uℓ)tg φ′/FS
1+tg α tg φ′/FS × r
ΣWssenα× r(7.11)
que, como se pode ver, não é matematicamente equivalente à equação (7.9).
A consequência prática mais relevante desta diferença (para além de os valores dos coeficien-
tes definidos de um outro modo serem diferentes) é o facto de a determinação do coeficiente FS
a partir da equação (7.11) implicar a adopção de um procedimento interativo (habitualmente
associado ao método de Bishop), ao passo que a partir da equação (7.9) a sua determinação
seria imediata.
7.4 Técnicas de estabilização de taludes
Uma vez detectada uma potencial situação de instabilização num talude e quantificado o
coeficiente de segurança a ela associado é necessário conceber e dimensionar uma solução de
estabilização que permita evitar o seu escorregamento ou travar o movimento, aumento o nível
de segurança. As técnicas de estabilização de taludes podem ser englobadas em cinco grupos:
alteração da geometria do talude, drenagem, reforço com inclusões, construção de estruturas
de suporte e colocação de recobrimento vegetal.
7.4.1 Alteração da geometria do talude
A alteração da geometria de um talude, através da execução de aterros e (ou) escavações
é, em muitos casos, a forma mais eficaz de aumentar a estabilidade, em particular nos casos
em que as superfícies de deslizamento estiverem localizadas a elevada profundidade.
A forma de actuação mais directa consiste em remover o solo instabilizado, com eventual
substituição por outro com melhores características mecânicas. Nos casos em que tal não é
possível a alteração da geometria pode consistir na redução da inclinação média do talude,
removendo material do topo da zona instável e colocando-o no pé do talude (ver Figura 7.5).
Figura 7.5: Estabilização de um talude através da alteração da sua geometria.
128 Capítulo 7. Verificação da segurança de taludes. Estabilização de taludes
7.4.2 Drenagem
A acção da água sobre um talude constitui normalmente um factor instabilizador, quer pe-
los efeitos erosivos quer pela diminuição na resistência ao corte quando aumentam as pressões
intersticiais no interior.
A água superficial deve ser intersectada e desviada por forma a diminuir os efeitos da
erosão superficial e reduzir o volume de água infiltrada no talude. A intersecção do escoa-
mento é conseguida com sistemas de retenção e captação de água constituídos por valetas,
que poerão ser simplesmente abertas no terreno natural, preenchidas por materiais granulares
ou revestidas por betão, por vezes com elementos pré-fabricados (Figura 7.6).
Figura 7.6: Secção tipo de uma valeta revestida com betão
As valas (Figura 7.7) e os contrafortes drenantes (Figura 7.8) são aplicáveis em taludes
com superfície freática relativamente próxima da superfície do terreno, pretendendo rebaixar a
referida superfície freática. Os contrafortes drenantes, podendo ser levados a profundidades re-
lativamente elevadas, poderão intersectar potenciais superfícies de deslizamento, aumentando
assim a resistência ao corte.
Figura 7.7: Secção tipo de uma vala drenante.
As máscaras drenantes são dispositivos de drenagem aplicáveis quando a água emerge à
superfície do terreno, sendo constituídas por uma cobertura de material drenante, colocada
sobre o talude, com espessura crescente do topo para a base e com interposição de um elemento
filtrante sempre que julgado conveniente (Figura 7.9). As águas emergentes captadas pelo
sistema são recolhidas em colector colocado no pé e são conduzidas a um exutor natural. Para
além do efeito drenante, a máscara constitui um sobrecarga no pé do talude, funcionando como
um elemento estabilizador e como uma protecção do terreno natural contra o ravinamento.
Os drenos sub-horizontais (Figura 7.10) são utilizados em taludes com o objectivo de re-
Capítulo 7. Verificação da segurança de taludes. Estabilização de taludes 129
Figura 7.8: Estabilização de um talude com contrafortes drenantes.
Figura 7.9: Máscara drenante.
baixarem a superfície freática quando esta se encontra a uma profundidade não acessível por
qualquer outra técnica de drenagem, permitindo actuar sobre massas de solo relativamente
importantes, apesar do raio de acção de cada dreno ser limitado quando aplicado em terrenos
relativamente pouco permeáveis. São constituídos por furos com 10 a 12 cm de diâmetro, aber-
tos no talude com uma orientação aproximadamente horizontal mas permitindo o escoamento
gravítico das águas. Para evitar o seu colapso são colocados no interior dos furos tubos de aço
ou PVC, perfurados em vários metros na sua extremidade de montante.
A estabilidade de um talude pode ser melhorada através da abertura de uma galeria de
pequenas dimensões, que assegura a drenagem profunda do talude. Representa, no entanto, um
investimento bastante elevado, estando por isso a sua aplicação limitada a obras importantes
ou de grande porte. Normalmente não são utilizadas em obras recentes mas sim como medida
correctiva das já existentes.
7.4.3 Reforço com inclusões
A estabilização de taludes pode ser conseguida recorrendo ao reforço dos solos pela in-
trodução de inclusões, que se traduz numa melhoria do comportamento global do conjunto
solo-inclusões. O efeito é, assim, essencialmente estrutural, podendo ser realizado com pre-
gagens (Figura 7.11), ancoragens (Figuras 7.12 e 7.13), estacas (Figura 7.14) e micro-estacas
(Figura 7.15).
130 Capítulo 7. Verificação da segurança de taludes. Estabilização de taludes
Figura 7.10: Estabilização de um talude com drenos sub-horizontais.
7.4.4 Construção de estruturas de suporte
O reforço da estabilidade de um talude pode ser conseguido com o aumento da força
resistente no pé do talude através da colocação de uma estrutura de suporte (Figuras 7.16
e 7.17). Esta estrutura deverá estar fundada abaixo das superfícies críticas e num estrado
com boas características de resistência, que permita a mobilização de uma reacção eficaz às
solicitações. É indispensável que nestas estruturas seja instalado um eficiente sistema de
drenagem, uma vez que a água através da diminuição da resistência ao corte que provoca (por
aumento das pressões intersticiais) e pelo significativo aumento dos impulsos por acumulação
Capítulo 7. Verificação da segurança de taludes. Estabilização de taludes 131
Figura 7.11: Estabilização de um talude com pregagens
Figura 7.12: Estabilização de um talude com ancoragens
Figura 7.13: Estabilização de um talude com ancoragens associadas a revestimento contínuode betão
no tardoz da estrutura constitui um importante elemento instabilizador.
7.4.5 Colocação de recobrimento vegetal
O recobrimento vegetal dos taludes é normalmente realizado com o objectivo de fornecer
uma protecção superficial contra a erosão. No entanto, os seus efeitos benéficos podem ser
bastante mais alargados. As folhas das plantas, interceptando a água das chuvas, reduzem por
absorção e evaporação a quantidade de água que atinge o talude. Por outro lado, as raízes,
fazendo diminuir o teor em água no solo, aumentam a sua resistência ao corte. As plantas
132 Capítulo 7. Verificação da segurança de taludes. Estabilização de taludes
Figura 7.14: Estabilização de um talude com estacas
Figura 7.15: Estabilização de um talude com micro-estacas
Figura 7.16: Estabilização de um talude com um muro de suporte gravidade.
de grande porte podem ainda ter uma contribuição mecânica para a estabilidade, através das
suas raízes (Figura 7.18).
A presença de vegetação pode, no entanto, ter efeitos negativos, devido à secagem super-
ficial do terreno, dando origem à abertura de fendas que aumenta a capacidade de infiltração
da áhua. Por outro lado, funciona como sobrecarga, podendo o seu efeito não ser desprezável,
principalmente em zonas densamente arborizadas.
Capítulo 7. Verificação da segurança de taludes. Estabilização de taludes 133
Figura 7.17: Estabilização de um talude com uma estrutura de suporte ancorada.
Figura 7.18: Efeito de “ancoragem” das raizes de uma árvore.
134 Capítulo 7. Verificação da segurança de taludes. Estabilização de taludes
Capítulo 8
Verificação da segurança de fundações
superficiais
8.1 Tipos e funções
As fundações, assegurando a ligação de qualquer estrutura ao terreno, são elementos funda-
mentais na estabilidade daquelas. A forma como se dá a transmissão depende da geometria da
fundação, sendo os vários tipos de fundação determinados pelas diferenças da sua geometria.
A caracterização de uma fundação pode ser realizada, num caso simples, através da menor
dimensão em planta, B e da profundidade da base da fundação, D (Figura 8.1).
ELEMENTO DEFUNDAÇÃO
D
B
Figura 8.1: Representação esquemática de uma fundação superficial.
Desta forma, é corrente dividir as fundações em três tipos:
• fundações superficiais ou directas (D < 4B);
• fundações semi-profundas (4B < D < 10B);
• fundações profundas ou indirectas (D > 10B).
Neste capítulo tratar-se-á de fundações superficiais. O caso mais corrente de fundação superfi-
cial é o caso de uma sapata isolada, de dimensão B ×L, sendo B, conforme referido, a menor
dimensão em planta e L a dimensão na outra direcção (Figura 8.2).
Se considerarmos o caso de um edifício, uma situação comum será a de fundar em elementos
separados cada um dos pilares do edifício. Se, no entanto, se verificar a proximidade dos
pilares num determinado alinhamento, poderá considerar-se a hipótese de realizar uma sapata
135
136 Capítulo 8. Verificação da segurança de fundações superficiais
Corte
Planta
Figura 8.2: Representação esquemática de uma sapata isolada.
“corrida”, isto é, uma sapata em que L >> B (na prática, em que L > 10B), tal como se
mostra na Figura 8.3. Este será o tipo de fundação que, naturalmente, será utilizado numa
estrutura de suporte ou numa parede.
Corte
Planta
Figura 8.3: Representação esquemática de uma sapata corrida ou contínua.
Voltando ao caso dos edifícios, uma outra hipótese de fundação é a de ensoleiramento
geral, isto é, a situação em que todos os pilares são fundados numa única laje de fundação,
conforme se exemplifica na Figura 8.4. Mesmo sem atender a considerações geotécnicas, esta
solução é habitualmente adoptada quando a área em planta ocupada pela solução de sapatas
for superior a 60% da área em planta da edificação.
8.2 Critérios de segurança
A verificação da segurança de uma fundação superficial deverá passar pela consideração
dos seguintes estados limites:
• rotura global
• carregamento vertical
• deslizamento
• assentamentos excessivos
Capítulo 8. Verificação da segurança de fundações superficiais 137
Planta
Corte
Figura 8.4: Representação esquemática de um ensoleiramento geral.
O problema dos assentamentos excessivos não é abordado neste capítulo.
8.3 Rotura global
O problema da verificação da segurança em relação à rotura global (Figura 8.5) é analisado
como a verificação da segurança de um talude. Deve ser analisada esta possibilidade sempre
que seja considerada relevante. Trata-se de uma verificação que envolve a zona da obra e a
sua vizinhança e tem em atenção o efeito que a obra tem nesta mas igualmente o efeito do
meio envolvente no problema em estudo.
Figura 8.5: Verificação da segurança em relação à rotura global
8.4 Carregamento vertical
A observação do comportamento de fundações sujeitas a carregamento normal ao plano de
fundação tem mostrado que a ocorrência de rotura por corte do solo de fundação pode dar-se
de três modos diferentes:
• por rotura “geral”;
• por rotura local;
138 Capítulo 8. Verificação da segurança de fundações superficiais
• por punçoamento.
A existência destes três modos de rotura está associada à compressibilidade do terreno e à
geometria da fundação. A rotura “geral” caracteriza-se pela existência de uma figura de rotura
bem definida, constituída por uma superfície contínua entre o canto da fundação e a superfície
do terreno; a rotura local ocorre demonstrando a existência de uma zona imediatamente
abaixo da fundação com plastificação e com tendência para se prolongar até à superfície sem,
no entanto, a atingir; a rotura por punçoamento é caracterizada pela zona muito limitada de
ocorrência de plastificação, restringindo-se apenas à região imediatamente abaixo da fundação,
com desenvolvimento de superfícies de rotura verticais. Neste último tipo de rotura não
ocorrem indícios de plastificação à superfície do terreno, ao contrário do que se passa com as
roturas “geral” e local.
Apesar da nítida influência da deformabilidade no modo como ocorre a rotura, o método
de avaliação da capacidade de carga de fundações superficiais mais correntemente utilizado
parte do comportamento rígido-plástico, com rotura “geral” (ver Capítulo 4).
O problema da verificação da segurança em relação ao carregamento vertical (Figuras 8.6
e 8.7) pode, assim, traduzir-se pela verificação da inequação:
Vd ≤ Rvd (8.1)
em que Vd é o valor de cálculo da componente vertical da acção e Rvd o valor de cálculo da
resistência.
V
Figura 8.6: Verificação da segurança em relação ao carregamento vertical. Caso de carrega-mento vertical e centrado.
F
Figura 8.7: Verificação da segurança em relação ao carregamento vertical e ao deslizamento.
O valor de cálculo da acção, Vd, é determinado através das componentes verticais das acções
permanentes e variáveis VG e VQ, adequadamente majorados pelos coeficientes de segurança
parciais γG e γQ obtidos do Quadro 6.1:
Vd = γGVG + γQVQ (8.2)
O valor de cálculo da resistência é calculado com base nos valores minorados dos parâmetros
resistentes (através dos coeficientes parciais obtidos do Quadro 6.2) e reduzido do coeficiente
parcial γR;v (Quadro 6.3).
Capítulo 8. Verificação da segurança de fundações superficiais 139
A resistência pode ser determinada através de formulações de capacidade resistente como
as que se apresentam na secção 4.8. A título de exemplo, o valor de cálculo da resistência
em condições não drenadas seria calculado, para fundação corrida e carregamento vertical e
centrado, através de:
Rvd = B
[
1
2γBNγd + c′dNcd + q′Nqd
]
/γR;v (8.3)
e, em condições não drenadas, seria:
Rvd = B [(2 + π)cud + q] /γR;v (8.4)
Para outras situações, as adaptações ao referido podem ser facilmente compreendidas pelo
leitor.
8.5 Deslizamento
Quando o carregamento é inclinado, para além da verificação da segurança em relação ao
carregamento vertical, há que fazer a verificação da segurança ao deslizamento:
Hd ≤ Rhd +Rpd (8.5)
em que Hd é o valor de cálculo da componente horizontal da acção (que, para este efeito,
não deve incluir impulsos passivos), Rhd é o valor de cálculo da resistência ao deslizamento
desenvolvida na base da fundação e Rpd é o valor de cálculo da resistência passiva, que pode
ser desprezada.
Em condições drenadas o valor de cálculo da resistência ao deslizamento na base é:
Rhd = V ′d tg δd/γR;h (8.6)
e, em condições não drenadas:
Rhd = A′cud/γR;h (8.7)
Nestas expressões os coeficientes γR;h devem ser obtidos do Quadro 6.3, δd é o valor de
cálculo do ângulo de atrito entre o solo e a estrutura, dado por:
δd = arctgtgδ
γφ′(8.8)
e A′ é o produto A′ = B′ × L′ (ver Capítulo 4).
140 Capítulo 8. Verificação da segurança de fundações superficiais
Capítulo 9
Verificação da segurança de estruturas
de suporte
9.1 Introdução
Considera-se, no presente texto, dois tipos de estruturas de suporte:
• as estruturas de suporte “rígidas”;
• as estruturas de suporte “flexíveis”.
Os muros de suporte rígidos são, nos casos mais comuns, muros de alvenaria, muros de be-
tão não armado, muros de betão armado e muros de gabiões (Figura 9.1). Poderá estranhar-se
a inclusão dos muros de gabiões na categoria de “estrutura de suporte rígida”, sobretudo se
se tiver em atenção que aqueles muros sofrem, em serviço, deformações muito significativas.
No entanto, como se verá, a expressão “estrutura de suporte flexível” está associada a um
outro tipo de estruturas, verificando-se adicionalmente que os mesmos princípios aplicáveis a
estruturas de suporte como as de alvenaria, as de betão não armado ou as de betão armado,
são-no também aos muros de gabiões.
É igualmente comum a designação de “muros gravidade” para os casos dos muros de alve-
naria, de betão não armado e de gabiões, não se incluindo nesta designação, habitualmente,
os muros de betão armado. Faz-se notar que em todos os casos, no entanto, as forças graví-
ticas assumem um importante papel na estabilidade das estruturas. Verifica-se, contudo, que
no caso das estruturas de betão armado o próprio terreno é, de alguma forma, envolvido na
estabilidade da estrutura, ao passo que nas restantes (“muros gravidade”) as forças gravíticas
envolvidas são sobretudo as do próprio muro.
Os muros de betão armado são frequentemente designados por “muros em L” ou “em T
invertido”, dada a sua forma. Uma variante destes muros é a dos muros de contrafortes ou de
gigantes, usados para muros bastante altos (habitualmente a partir dos 8 a 10 m de altura),
por razões económicas.
141
142 Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte
���������������������������������������������
���������������������������������������������
(a) Muro de alvenaria������������������������������������
������������������������������������
(b) Muro de betão não armado
���������������������������������������������������������������
���������������������������������������������������������������
(c) Muro de betão armado (d) Muro de gabiões
Figura 9.1: Muros de suporte “rígidos”.
No caso de estruturas de suporte “rígidas”, os movimentos mais importantes a que es-
tão sujeitas são, sobretudo, movimentos de corpo rígido e as pressões de terras que neles se
desenvolvem puderam ser determinadas por diversas teorias de cálculos de impulsos.
As “estruturas de suporte flexíveis”, são aquelas que experimentam em serviço deformações
por flexão susceptíveis de condicionar a grandeza e a distribuição das pressões de terras que
actuam sobre elas e, logo, dos esforços para que são dimensionadas (Terzaghi, 1943). Assim,
a deformabilidade da estrutura de suporte altera o diagrama de pressões, o que modifica os
esforços e novamente as deformações da estrutura. Nestes casos, o problema em causa é de
interacção solo-estrutura.
Refere-se ainda que a grandeza e distribuição das pressões de terras dependem, para além
da deformabilidade da cortina, das suas condições de apoio (posição e rigidez de escoras e
ancoragens) e, como se verá, do estado de tensão inicial do terreno.
No que respeita ao procedimento construtivo, as cortinas de contenção flexíveis podem
ser de diversos tipos: estacas-pranchas, paredes moldadas, paredes de estacas, paredes tipo
Berlim, etc. No que respeita à forma como é assegurada a estabilidade (e, portanto, no que
respeita também ao tipo de dimensionamento realizado) podem ser:
• simplesmente encastradas, ou auto-portantes (Figura 9.2(a));
• mono-apoiadas – mono-ancoradas ou mono-escoradas (Figura 9.2(b));
• multi-apoiadas – multi-ancoradas ou multi-escoradas (Figura 9.2(c)).
Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte 143
(a) Auto-portante (b) Mono-apoiada (c) Multi-apoiada
Figura 9.2: Tipos de estruturas de suporte flexíveis.
Em qualquer caso, uma cortina flexível é normalmente uma estrutura esbelta e, por isso,
funcionando sobretudo à flexão.
As verificações de segurança fundamentais são, nas estruturas de suporte, às verificações:
• à rotura global;
• a movimentos excessivos;
• nos muros “gravidade” e em “L”:
– ao deslizamento;
– ao carregamento vertical;
– ao derrubamento
• nas paredes de contenção (estruturas flexíveis):
– à rotação e (ou) translação da estrutura
– por perda de equilíbrio vertical.
9.2 Verificação da segurança de estruturas de suporte rígidas
9.2.1 Introdução
O processo de dimensionamento de uma estrutura de suporte rígida traduz-se, na maioria
dos casos, numa série de verificações de segurança em que a sua geometria é sucessivamente
alterada até ser obtido o nível de segurança desejado.
Os impulsos de terras são normalmente determinados com base nas teorias que se apresen-
taram no Capítulo 3.
Conforme se viu, a estabilidade de muros de suporte deve ser verificada atendendo aos
seguintes estados limites:
• rotura global;
144 Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte
• deslizamento;
• carregamento vertical.
• derrubamento;
Nos três primeiros o muro de suporte é analisado como uma fundação pelo que, como se
verá, a sua análise é análoga à apresentada no capítulo anterior. O caso do derrubamento é
específico das estruturas de suporte.
Tratando-se de verificações da segurança em que os aspectos geotécnicos são os relevantes,
o dimensionamento destas estruturas deverá ser condicionado pela combinação 2, se se adoptar
a abordagem de cálculo 1.
9.2.2 Verificação da segurança em relação à rotura global
A verificação da segurança em relação à rotura global (Figura 9.3) faz-se da mesma forma
anteriormente apresentada para a rotura global de fundações e para os taludes. Não se fará,
portanto, qualquer referência adicional.
Figura 9.3: Verificação da segurança em relação à rotura global (NP EN 1997-1, 2010)
9.2.3 Verificação da segurança em relação ao deslizamento
A verificação da segurança em relação ao deslizamento faz-se da forma anteriormente
apresentada na secção 8.5. Apresenta-se neste ponto a adaptação do que então se viu ao caso
de uma estrutura de suporte.
Considere-se, assim, a estrutura de suporte que se representa esquematicamente na Figura
9.4.
Para a verificação da segurança ao deslizamento de uma estrutura de suporte como a
da Figura, há que determinar os parâmetros de resistência de cálculo do terreno. De forma
análoga, há que determinar o valor de cálculo do ângulo de atrito entre o solo e a estrutura,
δd.
Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte 145
δ
Fa
Ia
Ip
Figura 9.4: Verificação da segurança ao deslizamento de uma estrutura de suporte rígida.
Com base nestes parâmetros de resistência, são avaliados os impulsos activos de cálculo,
determinados com os parâmetros de resistência minorados e considerando os coeficientes de
majoração de acções, γG e γQ, respectivamente para as acções permanentes e variáveis. Os
impulsos passivos são considerados resistências, na verificação da segurança ao deslizamento.
Deve, assim, verificar-se que a acção de cálculo na direcção da base da estrutura de suporte
(horizontal, na Figura) seja inferior à resistência de cálculo no contacto solo estrutura acrescida
do impulso passivo, ou seja, que:
Hd ≤ Rhd +Rpd (9.1)
em que Hd é a resultante dos impulsos activos na direcção da base da estrutura de suporte,
Rhd é a resistência ao deslizamento de cálculo que se desenvolve na base da estrutura e Rpda resistência passiva de cálculo. No caso da Figura 9.4 Hd toma o valor Hd = IaHd (sendo
IaHd a componente horizontal de cálculo do impulso activo) e Rd é a força de corte na base
da estrutura. Em condições drenadas, esta força toma o valor:
Rhd = Vdtgδd/γR;h (9.2)
em que Vd é o valor de cálculo da carga efectiva normal à base da fundação. Em condições
não drenadas Rd é o resultado da adesão na superfície efectiva da base da estrutura:
Rhd = A′cad/γR;h (9.3)
em que A′ é o produto A′ = B′ × L′.
9.2.4 Verificação da segurança em relação ao carregamento vertical
O assunto da verificação da segurança em relação ao carregamento vertical foi já abordado
na secção 8.4. O que se apresenta neste ponto é apenas a adaptação do que se referiu para o
caso das estruturas de suporte rígidas.
Para a verificação da segurança em relação à rotura da fundação usando a metodologia
dos coeficientes de segurança parciais, há que determinar as acções de cálculo, ou seja, Vd,
Hd e Md, respectivamente as cargas vertical, horizontal e momento de cálculo (calculado no
centro da fundação).
146 Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte
No caso da Figura 9.5 estas cargas podem ser determinadas a partir de:
Vd = Wd + IaV d (9.4)
Hd = IaHd − Ipd (9.5)
(note-se que o impulso passivo é, para este efeito, uma acção).
Md = IaHd ×H
3− IaV d ×
B
2− Ipd ×
h
3−W × b (9.6)
δ
Ia
Iph
h/3
H
B
B′
H/3
b
2e
Wb
Figura 9.5: Verificação da segurança ao carregamento vertical de uma estrutura de suporterígida.
A partir dos parâmetros de resistência de cálculo e da utilização de uma formulação de
capacidade de carga de fundações (ver secção 4.8) estima-se a tensão resistente de cálculo, q′rd.
Sendo B′ a largura efectiva da fundação (igual a B−2ed), a verificação da segurança exige
o respeito pela inequação:
Vd ≤ Rvd = B′qrd (9.7)
9.2.5 Verificação da segurança em relação ao derrubamento
Considere-se a estrutura de suporte representada na Figura 9.6. Admitindo a possibilidade
de rotação da estrutura em torno do ponto O, há que garantir que os momentos instabilizadores
de cálculo em relação a este ponto são inferiores ou iguais aos momentos estabilizadores de
cálculo, ou seja, que se verifica a inequação:
Mdst,d ≤Mstb,d (9.8)
Trata-se de um caso de equilíbrio, EQU, que foi abordado na secção 6.4.
No exemplo da Figura, o momento instabilizador de cálculo é dado por:
Mdst,d = IaHd ×H
3− IaV d ×B (9.9)
Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte 147
δ
Fa
Ia
Iph
h/3
O
H
B
H/3
aWb
Figura 9.6: Verificação da segurança ao derrubamento de uma estrutura de suporte rígida.
e o momento estabilizador de cálculo é:
Mstb,d = Wbd × a+ Ipd ×h
3(9.10)
Os parâmetros resistentes devem ser minorados de acordo com o coeficientes de segurança
indicados no Quadro 6.5. As acções estabilizantes devem considerar os coeficientes indicados
no Quadro 6.4.
Faz-se notar que não há, aqui, resistência; apenas acções favoráveis e desfavoráveis.
9.3 Verificação da segurança de estruturas de suporte em “L”
ou “T invertido”
9.3.1 Impulsos de terras
As estruturas de suporte de betão armado em “L” ou em “T invertido” podem ser conside-
radas estruturas de suporte de gravidade, na medida em que a sua estabilidade é assegurada
pelo seu peso próprio e pelo peso do solo que funciona como parte integrante do muro. O
que se referiu na secção anterior mantém-se, portanto, válido. Há, no entanto, que clarificar
a questão da definição da referida massa de solo. Este assunto está tratado com clareza em
Matos Fernandes (2011) a partir dos trabalhos de Barghouthi (1990), Greco (1992), Greco
(1999) e Greco (2001).
Admitindo um movimento da estrutura de suporte que se representa na Figura 9.7, ins-
tala-se, sobre esta, um impulso do tipo activo, formando-se uma superfície AB que separa a
parte do solo que “acompanha” a estrutura da suporte – e que, portanto, se considera que
faz parte deste – do restante maciço. Considera-se, neste texto, que a referida superfície é,
simplificadamente, AB em lugar de A′B. Admita-se, para já, que a superfície AB intersecta
a superfície do terreno e não o paramento vertical do muro de betão armado, bastando, para
tal, que a sapata do muro seja suficientemente larga. O maciço forma uma cunha activa ABC.
Verifica-se que:
α = 45o +φ′
2+
1
2
(
arcsensen i
senφ′− i
)
(9.11)
148 Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte
e que
ξ = 45o +φ′
2− 1
2
(
arcsensen i
senφ′− i
)
(9.12)
al
A
B
C
DB
A
B
A
C
B
A
D
1 2
A’
DE E
ξ
i
i
i
ICaICa
ICa
ICa
IRa
IRa
φ′φ′φ′
φ′
W = W1 +W2
W1W1
W2
R
R
h h′h′′
Figura 9.7: Muro de suporte em “L”: impulsos.
Sabendo-se o valor de α pode determinar-se o impulso sobre AB, através de
ICa =1
2Kaγγh
′2 (9.13)
podendo Kaγ ser determinado através da solução de Coulomb, fazendo na equação 3.118
β = 180o − α e δ = φ′.
Este impulso equilibra, naturalmente, com W e R, a cunha de solo ABC. Considere-se,
no entanto, que esta cunha é dividida em duas – 1 e 2 – conforme se representa na figura.
Considere-se, então o equilíbrio da cunha 1 (cunha ABD). Sobre esta cunha estão aplicadas as
forças ICa , W1 e a acção da cunha 2 sobre a cunha 1, que se designa por IRa . Pode mostrar-se
que esta acção corresponde ao impulso de Rankine na superfície AD, formando portanto
um ângulo i com a horizontal. O cálculo do impulso de terras pode, assim, ser realizado
na superfície AD, evitando-se a determinação da superfície AB e simplificando-se, assim, o
cálculo. O impulso IRa será, assim:
IRa =1
2Kaγγh
′′2 (9.14)
sendo Kaγ dado pela equação 3.146.
Admita-se agora que a superfície AB intersecta o paramento vertical do muro de betão
armado. Para este caso o ângulo α já não é dado pela equação 9.11 e passa a depender, para
além de φ′ e de i, do ângulo de atrito solo–estrutura, δ. Pode facilmente compreender-se que
o impulso para esta situação esteja compreendido entre o impulso de Rankine (para o caso
limite em que o plano AB intersecte o ponto E, e o impulso de Coulomb, para o caso limite
em que os pontos A e E estariam sobre a mesma linha vertical. Pode notar-se que se δ > i, a
adopção dos impulsos de Rankine em AD (como para o caso anterior) é conservativa e uma
boa estimativa do impulso.
Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte 149
9.3.2 Estabilidade interna
As estruturas de suporte devem ainda ser dimensionadas internamente, isto é, para os
esforços estruturais a que ficam sujeitos. No caso de um muro em “L” (Figura 9.8) haverá,
por exemplo, que determinar o momento actuante na base da parede, conforme representado
na Figura.
Figura 9.8: Dimensionamento estrutural.
Naturalmente que, neste caso, os impulsos que são relevantes são os que actuam direc-
tamente no paramento da parede de betão armado. Para este dimensionamento é habitual
admitir-se como impulsos actuantes sobre o paramento vertical os determinados a partir de um
coeficiente de impulso intermédio entre o activo e o em repouso, ou seja, com K = (Ka+K0)/2.
Refere-se ainda que será natural que seja, para esta verificação, a combinação 1 a condici-
onante, se se adoptar a abordagem de cálculo 1.
9.4 Drenagem
A existência de uma toalha freática no maciço suportado é altamente desfavorável, uma vez
que agrava substancialmente o impulso total. Muitos acidentes envolvendo muros de suporte
estão, aliás, relacionados com a acumulação de água no solo contido.
A construção de sistemas de drenagem eficientes é um aspecto de fundamental importância
para o comportamento adequado de estruturas de suporte. A escolha do sistema mais ade-
quado depende sobretudo da permeabilidade do terreno suportado pela estrutura de suporte.
Em solos muito permeáveis, é suficiente a construção de boeiros, se não houver inconveni-
ente em que a água seja drenada para a frente do muro, e um dreno longitudinal (Figuras 9.9(a)
e (b)). A escolha do diâmetro e do afastamento dos boeiros deve ter em atenção a necessidade
de escoar o caudal que aflui à estrutura. O dreno longitudinal é constituído por tubo furado
na zona superior e funciona como caleira na zona inferior, conduzindo a água por gravidade.
Deverão ser envolvidos por material de filtro constituído por material granular ou geotêxtil,
para impedir a colmatação e o arraste de partículas.
No caso de solos menos permeáveis, para além dos dispositivos já indicados, devem ser
colocadas faixas drenantes verticais (Figuras 9.9(c) e (d)), havendo, nos solos finos que instalar
150 Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte
Figura 9.9: Dispositivos de drenagem (adaptado de Brito (1988)).
tapete drenante subvertical ou inclinado (Figuras 9.9(e) e (f)).
9.5 Verificação da segurança de estruturas de suporte flexíveis
9.5.1 Introdução
As estruturas de suporte analisadas nas secções anteriores são estruturas rígidas. Com
efeito, os movimentos a que estão sujeitos são, sobretudo, movimentos de corpo rígido e as
pressões de terras que neles se desenvolvem puderam ser determinadas por diversas teorias de
cálculos de impulsos.
Isto significa que os impulsos de terras foram calculados independentemente da estrutura de
suporte, uma vez que o aspecto que condiciona a determinação desses impulsos é a ocorrência
do referido deslocamento de corpo rígido.
Há, no entanto, estruturas de suporte que não podem ser consideradas rígidas. Estas
estruturas, habitualmente designadas genericamente por “estruturas de suporte flexíveis” têm
tratamento diferente sob dois pontos de vista:
• em primeiro lugar porque os diagramas de pressões a que estão sujeitos, devido à flexi-
bilidade da cortina, não são, em alguns casos, os provenientes das teorias de cálculo de
Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte 151
impulsos estudadas;
• em segundo lugar porque, como se viu na secção 9.1, as verificações da segurança são
diferentes.
Em relação ao primeiro destes aspectos, faz-se notar que para as estruturas que serão ana-
lisadas neste texto (cortinas auto-portantes e mono-apoiadas) e para as metodologias simples
que serão abordadas, ele não será considerado. Isto é, as pressões de terras são determinadas
usando as teorias de cálculo de impulso estudadas. Quanto ao segundo, haverá, naturalmente,
que o ter em atenção e será a verificação em relação à rotação e (ou) translação da estrutura
que ditará a verificação da segurança (não se aborda neste texto a questão da verificação em
relação ao equilíbrio vertical).
Faz-se ainda uma outra observação em relação à abordagem que tem sido seguida. Colocou-
-se, até aqui, os diferentes problemas de verificação da segurança na perspectiva de definição
de uma geometria e de, posteriormente, verificação da segurança nos seus vários aspectos.
Será fácil de compreender, no entanto, que na maioria das situações o trabalho que é exigido
aos engenheiros é o de definição dessa geometria, procurando a economia da solução.
Naturalmente que, em determinadas situações, há que proceder a um pré-dimensionamento
e, posteriormente, à verificação da segurança, seguindo-se a eventual correcção da geometria.
Noutros casos, no entanto, é possível proceder-se à determinação das dimensões que fazem
com que a segurança fique verificada. Por ser o caso das cortinas flexíveis que se apresentam
neste texto e por ser útil o leitor ficar com essa perspectiva do problema, será assim que estas
estruturas serão abordadas.
9.5.2 Dimensionamento de cortinas simplesmente encastradas ou auto-por-
tantes
Considere-se a estrutura de suporte simplesmente encastrada esquematicamente represen-
tada na Figura 9.10. Para o dimensionamento deste tipo de estrutura, admite-se que do
lado do terreno suportado se desenvolvem impulsos activos e, do lado da escavação, impulsos
passivos (ver Figura 9.10 à esquerda).
f0
f = 1.2f0
R
O
Figura 9.10: Dimensionamento de cortinas simplesmente encastradas (ou auto-portantes).
Para o cálculo de impulsos é habitualmente usada a teoria de Rankine. A determinação
152 Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte
destes impulsos e o respeito pelas condições de equilíbrio permite escrever a equação:
∑
MO = 0 (9.15)
que tem f0 como incógnita. O coeficiente de segurança pode ser considerado, tradicionalmente,
aplicado ao impulso passivo ou, de acordo com o Eurocódigo 7, o cálculo pode ser realizado
através de coeficientes de segurança parciais. O valor de f0 assim obtido é, portanto, o valor
de cálculo.
Uma vez conhecido f0, a equação de equilíbrio de forças horizontais conduz a um valor de
R com a direcção indicada na Figura 9.10 à direita e que é designada como “contra-impulso
passivo”.
A materialização da possibilidade de mobilização desta força implica, necessariamente, o
prolongamento da altura enterrada f0 para um valor f que, do lado da segurança, se considera
habitualmente igual a 1.2f0. Note-se que este coeficiente de 1.2 não é um coeficiente de
segurança. A sua aplicação tem implícita a necessidade de mobilização no pé da cortina
do referido “contra-impulso passivo”, pelo que não está relacionado com qualquer noção de
segurança (a não ser, naturalmente, pelo facto de ser superior ao estritamente necessário).
O diagrama de momentos flectores tem a configuração também esquematicamente represen-
tada na Figura 9.10. Com base neste diagrama pode, assim, proceder-se ao dimensionamento
da cortina.
Apesar de, na maior parte das situações, se recorrer à teoria de Rankine para o cálculo
de impulsos, pode, naturalmente, querer considerar-se, na avaliação dos impulsos de terras, o
atrito solo–estrutura, pelo que outras teorias de cálculo de impulsos, como a de Coulomb ou
a de Caquot–Kérisel poderão ser usadas.
Tratando-se de uma estrutura de suporte cuja segurança está muito dependente do impulso
passivo e, portanto, da altura enterrada, o Eurocódigo 7 prevê que a profundidade de escavação
de cálculo hd seja igual a
hd = h+ ∆h (9.16)
em que ∆h é dado por
∆h = min(0.5 m; 0.1h) (9.17)
Exemplo de cálculo
Considere-se a estrutura de suporte simplesmente encastrada esquematicamente represen-
tada na Figura 9.11. O solo é uma areia com φ′ = 30o, γh = 18kN/m3 e γsat = 20kN/m3.
Usando a abordagem de cálculo 1 do Eurocódigo 7 (combinação 2) e a teoria de Rankine
para o cálculo de impulsos, tem-se que:
φ′d = 24.79o; Kad = 0.409; Kpd = 2.445 (9.18)
Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte 153
f0f
O
x
H1 = 4m
H2 = 2m
Ia1d
Ia2d
Ia3dIpd
Figura 9.11: Exemplo de cálculo de uma cortina de contenção auto-portante.
sendo os impulsos (admitindo que são tomadas medidas especialmente cuidadosas para con-
trolo da profundidade de escavação e, portanto, não considerando o acréscimo de profundidade
∆h dado pela equação 9.17):
Ia1d = γG1
2KadγhH
21 = 1.0 × 1
2× 0.409 × 18 × 42 = 58.9kN/m (9.19)
Ia2d = γGKadγhH1 (H2 + f0) = 1.0 × 0.409 × 18 × 4 × (2 + f0) = 29.448 (2 + f0)(9.20)
Ia3d = γG1
2Kadγ
′ (H2 + f0)2 = 1.0 × 1
2× 0.409 × 10 × (2 + f0)
2 = 2.045 (2 + f0)2(9.21)
Ipd =1
2Kpdγ
′f20 /γR;e =
1
2× 2.445 × 10 × f2
0 /1.0 = 12.225f20 (9.22)
A equação de equilíbrio de momentos em relação ao ponto O conduz a:
∑
M0 = 0 ⇒ 58.9 ×(
2 +4
3+ f0
)
+ 29.448 (2 + f0)2 + f0
2+ 2.045 (2 + f0)
2 2 + f0
3
− 12.225f20
f0
3= 0 ⇒ f0 = 10.02m (9.23)
o que resulta em:
f = 1.2f0 = 1.2 × 10.02 = 12.02m (9.24)
Sento frequentemente este tipo de estrutura associada à utilização de estacas-pranchas
metálicas, é habitual pretender-se, simplesmente, determinar o momento máximo, em lugar
do diagrama de momentos que seria preferível obter se se tratasse de uma estrutura de betão
armado. A determinação do ponto em que o momento flector é máximo pode ser feita através
da procura do ponto em que o esforço transverso é nulo. Este ponto localiza-se à distância
x da superfície do terreno do lado passivo, conforme se poderá concluir da observação da
Figura 9.11.
A equação de esforço transverso nulo conduz a:
VSd = 0 ⇒ 58.9 + 29.448(2 + x) + 2.045(2 + x)2 − 12.225x2 = 0 ⇒ x = 5.82m (9.25)
154 Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte
e o momento máximo é:
MmaxSd = 58.9
(
4
3+ 2 + x
)
+29.448(2+x)2 + x
2+2.045(2+x)2
2 + x
3−12.225x2 x
3= 962kNm/m
(9.26)
Convida-se o leitor a fazer os mesmos cálculos usando a combinação 1 da mesma abordagem
de cálculo.
A verificação da segurança obriga a que MRd ≥ MSd pelo que haverá que escolher uma
cortina (perfil metálico) que verifique esta condição.
9.5.3 Dimensionamento de cortinas mono-apoiadas através do método do
apoio simples
O dimensionamento de cortinas mono-apoiadas é tradicionalmente feito recorrendo a dois
tipos de métodos: métodos de apoio simples, que consideram a existência, no pé da cortina,
de um apoio simples (ou móvel) e métodos de apoio fixo, que consideram a existência, no pé
da cortina, de um apoio fixo. Neste texto apenas se aborda o primeiro.
Conforme referido, o método do apoio simples considera que, no pé da cortina, existe
um apoio simples (ver Figura 9.12), o que significa que não existe a mobilização de uma
força horizontal do tipo “contra-impulso passivo” que se descreveu a propósito das cortinas
simplesmente encastradas ou auto-portantes.
AF
f0
Figura 9.12: Dimensionamento de cortinas mono-apoiadas através do método do apoio móvel.
Tal como para o cálculo das cortinas simplesmente encastradas, admite-se que, no caso da
Figura, se mobilizam impulsos activos do lado direito da cortina e impulsos passivos do lado
esquerdo.
Também como no cálculo de cortinas simplesmente encastradas, considera-se habitual-
mente a teoria de Rankine para o cálculo de impulsos. A equação de equilíbrio de momentos
relativamente ao ponto A permite conhecer a altura enterrada f = f0.
Tal como para as cortinas auto-portantes, o Eurocódigo 7 considera um valor de cálculo
Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte 155
da profundidade dado também pela equação (9.16), sendo ∆h dado por:
∆h = min(0.5 m; 0.1h′) (9.27)
em que h′ é a distância entre o nível de escoras ou ancoragens e o fundo da escavação.
A equação de equilíbrio de forças horizontais permite determinar a força no apoio (escora
ou ancoragem) que, habitualmente, para efeitos de dimensionamento, deverá ser multiplicada
por 1.2 a 1.3.
O diagrama de momentos flectores tem o andamento aproximado apresentado na Figura
9.12, podendo, com base neste diagrama, proceder-se ao dimensionamento da cortina.
Exemplo de cálculo
Considere-se a estrutura de suporte mono-apoiada esquematicamente representada na Fi-
gura 9.13. O solo é uma areia com φ′ = 30o, γh = 18kN/m3 e γsat = 20kN/m3.
f0
x
H1 = 4m
H2 = 2m
H3 = 2mAF
Ia1d
Ia2d
Ia3dIpd
Figura 9.13: Exemplo de cálculo de uma cortina de contenção mono-apoiada.
Usando a AC1 (comb, 2) do Eurocódigo 7 e a teoria de Rankine para o cálculo de impulsos,
tem-se que:
φ′d = 24.79o; Kad = 0.409; Kpd = 2.445 (9.28)
sendo os impulsos (admitindo que são tomadas medidas especialmente cuidadosas para con-
trolo da profundidade de escavação e, portanto, não considerando o acréscimo de profundidade
∆h dado pela equação 9.27):
Ia1d = 58.9kN/m (9.29)
Ia2d = 29.448 (2 + f0) (9.30)
Ia3d = 2.045 (2 + f0)2 (9.31)
Ipd = 12.225f20 (9.32)
156 Capítulo 9. Verificação da segurança de estruturas de suporte
A equação de equilíbrio de momentos em relação ao ponto A:
∑
Ma = 0 ⇒
0 = 58.9 × 2
3+ 29.448 (2 + f0)
(
3 +f0
2
)
+ 2.045 (2 + f0)2
(
10
3+
2
3f0
)
−(9.33)
− 12.225f20
(
4 +2
3f0
)
conduz a:
f0 = 4.16m (9.34)
A equação de equilíbrio de forças horizontais:
∑
H = 0 ⇒ Fd + 12.225f20 − 58.9 − 29.448 (2 + f0) − 2.045 (2 + f0)
2 = 0 (9.35)
que conduz a a:
Fd = 106.3kN/m (9.36)
Pretendendo-se conhecer o momento máximo, há que conhecer a localização do ponto da
cortina em que o esforço transverso é nulo. Considerando este ponto à distância x do nível de
água, tem-se que:
V = 0 ⇒ 58.9 + 29.448x + 2.045x2 − 106.3 = 0 (9.37)
que resulta em:
x = 1.46m (9.38)
O momento máximo é, assim:
MmaxSd = 58.9
(
x+4
3
)
+ 29.448xx
2+ 2.045x2 x
3− 106.3(x + 2) = −169.8kNm/m (9.39)
Com base neste momento (ou no que se obteria da combinação 1, cujos cálculos se convida
o leitor a realizar), poderá proceder-se ao dimensionamento estrutural da estrutura de suporte.
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