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ANTROPOFAGIA PÓS-MODERNA – OS PAITER SURUÍ E AS
TECNOLOGIAS DO SÉCULO XXI
Kelli Carvalho Melo1 Rubia Elza Martins Sousa2
Resumo: Os indígenas que vamos estudar são os Paiter Suruí, habitam a Terra Indígena Sete de
Setembro, localizada no município de Cacoal/RO e município de Rondolândia/MT. O trabalho tem o
objetivo de analisar o uso das tecnologias realizadas pelos Paiter Suruí, como tentativa de estratégia
transcultural-territorial para o fortalecimento cultural-identitário e enfrentamento dos discursos pós-
colonial. Na atualidade os Paiter Suruí se tornaram referência na luta incessante de reconhecimento
cultural por meio de projetos grandiosos como o REED+ (Redução de Emissões por Desmatamento),
Ecoturismo Paiter Suruí, e parceria com a Google Earth no desenvolvimento do mapa cultural Paiter
Suruí.
Palavras-Chave: Paiter Suruí, Tecnologias, Antropofagia.
Abstract: Indigenous we will study are the Surui, inhabit the Indigenous Sete de Setembro, located in
the municipality of Cacoal / RO and county Rondolândia / MT. The work aims to analyze the use of
technology made by Surui, in an attempt to cross-cultural-territorial strategy for the cultural identity-
building and addressing the post-colonial discourse. At present the Surui have become reference in
the endless struggle for cultural recognition through grandiose projects such as REDD + (Reducing
Emissions from Deforestation), Ecotourism Surui, and partnership with Google Earth in the
development of cultural Surui map.
Key-words: Surui, Technologies, Antropofagia.
1 - Introdução
Os coletivos indígenas de Rondônia buscam sua sobrevivência, que se torna
um desafio, essa é uma situação que não se diferencia em muito às demais etnias
que se encontram em território brasileiro. Entre os múltiplos desafios encontram-se a
luta para a demarcação do território; a superação dos impactos do colonizador na
cultura, marcada em muitos casos pela discriminação étnica-racial. Todavia, a
relação estreita com a natureza e os valores cosmogônicos e espirituais são
1 Mestre em Geografia pela Universidade Federal de Rondônia – UNIR/RO. Doutoranda em
Geografia na Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD/MS 2 Mestre em Geografia pela Universidade Federal de Rondônia – UNIR/RO. Doutoranda em
Geografia na Universidade Federal de Goiás – UFG/GO
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algumas das características que unem os coletivos entre si em sua forma de
apreensão e compreensão de mundo.
Os Paiter Suruí que se autodenominam de “Gente de Verdade” ou “Povo
Verdadeiro”, vivenciam um cenário que se encontra em constante processo de
novas representações e apropriações culturais, no entanto, alguns de seus rituais
permanecem ainda que tenham se adaptado a cultura e aos valores dos não
indígenas. Eles vivem na Terra Indígena Sete de Setembro (autodenominada
Paiterey Garah) nos municípios de Cacoal/RO e Rondolândia/MT, espacialmente
distribuídos, atualmente em 27 aldeias, ver imagem 1.
Figura 01: Localização da Terra Indígena Sete de setembro. Fonte: http://www.equipe.org.br/mapas_dentro.php?tipoid=5
Sua organização sociopolítica é ordenada por um sistema clânico de
parentesco e matrimônio, composto pelos Gameby (marimbondos pretos), Gabgir
(marimbondos amarelos), Makor (taboca) e Kaban (marindiba). Este último é
considerado parentes distantes dos demais clãs, pelo fato de serem originários de
um enlace entre uma indígena Cinta Larga e um Suruí.
Para compor essa estrutura estruturante social, a exogamia clânica é
fundamental. O casamento só é permitido entre clãs diferentes. A organização
política da chefia dos Paiter Suruí é muito generalizada, cada clã e aldeia possui um
chefe. A chefia é passada de pai para filho, além de poder ser transmitida a um
irmão no caso do chefe não possuir filhos do sexo masculino.
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1º SETOR – CONSELHO DE CLÃS -
Constituído por três representantes de cada clã
LABIWAY eSAGA - Indicado pelo
Conselho de clãs
10 LABIWAY - Sendo dois por
zona eleitos pelos clãs
2° SETOR ONGs indígenas (Associações
Clânicas)
3° SETOR ONGs indígenas e
ambientais (parceiros)
FUNDO PAITER SURUÍ
ZONA 01 - Cinco aldeias
ZONA 02 - Cinco aldeias
ZONA 03 - Cinco aldeias
ZONA 04 - Cinco aldeias
ZONA 05 - Sete
aldeias
Figura 01: Organização política da chefia dos Paiter Suruí e distribuição de poderes. Fonte: Cardozo (2011).
Assim, pode-se constatar duas formas de organização, a interna e a externa
que reflete as preocupações com a sociedade envolvente e que não estão
diretamente vinculadas ao contexto cosmogônico. Logo, as lideranças que atuam
externamente mudam de tempos em tempos, sendo que na atualidade os mais
jovens são escolhidos para chefiar devido à facilidade com a língua portuguesa.
É preciso asseverar que o contato com a sociedade envolvente fez com que
alguns rituais e valores fossem esquecidos, outros permaneceram, porém
sincretizados devido principalmente aos conflitos ideológicos, e interesses causados
pela inserção de religiões introduzidas na TIPG, configurando o que Sahlins (1997,
1997a, 2003 [1985]) conceitua como “mudanças e permanências”, e Galvão (1979)
entende como “encontro de sociedades”.
Anteriormente ao contato oficial, ocorreram contatos esporádicos, sendo que
alguns marcados por embates acirrados com outros povos indígenas, seringueiros e,
com os telegrafistas de Marechal Rondon, acontecidos nas primeiras décadas do
século XX. O primeiro contato oficial dos Paiter Suruí se deu em 1969. Após este
contato, cerca de metade da população veio a óbito devido a uma série de novas
doenças até então desconhecidas dos indígenas, de forma que no início dos anos
1980, contavam com uma população muito reduzida.
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O Programa Integrado de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil –
POLONOROESTE foi um dos principais responsáveis pelas mudanças sociais,
políticas e territoriais entre os Paiter Suruí, isto porque os indígenas perderam
significativa parte de seu território original para os migrantes que foram beneficiados
com lotes de terras doados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária – INCRA, além da abertura de novas estradas próximas à TIPG causaram
intensos e constantes impactos sociais e ambientais.
O contato provocou mudanças que são vistas e sentidas pelo povo Paiter
Suruí, sendo que as pressões sofridas contribuíram para diversas e novas
representações internas. Este povo ainda mantém muito de seus valores culturais e
cosmogônicos, que se relacionam ambos, com a cultura de outros Tupi Mondé.
O trabalho tem o objetivo de analisar o uso das tecnologias realizadas pelos
Paiter Suruí, como tentativa de estratégia transcultural-territorial para o
fortalecimento cultural-identitário e enfrentamento dos discursos pós-colonial.
Na atualidade os Paiter Suruí se tornaram referência na luta incessante de
reconhecimento cultural por meio de projetos grandiosos como o REED+ (Redução
de Emissões por Desmatamento), Ecoturismo Paiter Suruí, e a parceria com o
Google Earth no desenvolvimento do mapa cultural Paiter Suruí.
O uso de objetos tecnológicos para o desenvolvimento desses projetos se
tornou regular na terra indígena, o que faz com que os Paiter Suruí passem por um
processo de transculturalidade, em que a própria identidade se ressignifica no
espaço/território. Para entendermos esse processo de ressignificação utilizamos no
trabalho do conceito de antropofagização, ou seja, o devorar dos objetos externos a
sua cultura, como as tecnologias e os projetos. Para entendermos os conceitos de
transculturalidade, identidade e antropofagização na pós-modernidade utilizaremos
os autores, Rolnik (1998), Haesbaert (2008, 2011), Mondardo e Haesbaert (2010).
2 - Os Paiter e o século XXI
Alguns períodos importantes ajudaram no desenvolvimento da região
Amazônica, e consequentemente tiveram impacto sobre os povos indígenas, e
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provocaram mudanças em seus modos de vida, bem como redução de seus
territórios ancestrais.
A Amazônia, desde o início de sua colonização, sofreu fluxos migratórios
oriundos diretamente dos ciclos econômicos, como os ciclos da borracha, da
mineração, e ainda devido aos assentamentos do INCRA, que geraram povoados e
cidades (OLIVEIRA, 1991).
Os coletivos indígenas em Rondônia até o início da década de 1970 foram
massacrados pelos seringalistas, isso devido à ascensão da borracha que tinha
grande valor. Com o fim do ciclo da borracha, outros atores se fizeram presentes no
território rondoniense, como os assentados pelo INCRA.
Através dos projetos de assentamentos como os PICs (Projetos Integrados de
Colonização), colocaram o Estado como o grande indutor de transformações sócio-
espaciais, esses projetos foram implantados pelo Governo Militar na década de 1970
e foi instrumento geopolítico importante para a ocupação de Rondônia. Esses
instrumentos tiveram impactos nas terras indígenas e ocasionaram em embates
emblemáticos.
O Estado de Rondônia ainda apresenta uma diversidade grande de povos
indígenas, o que leva as discussões de demarcação e ampliação de suas terras. A
demarcação e ampliação de reservas ainda é uma questão debatida, isso porque
causa impactos na atividade agrícola do Estado.
As demarcações coincidiram com o período da chegada de grande
contingente de migrantes em busca de oportunidades e espaços para produzir,
ampliou e gerou conflitos interétnicos, além do aumento do desmatamento e das
queimadas, cuja finalidade voltou-se para a agropecuária.
Os Paiter Suruí é um dos coletivos que compõem o mosaico indígena no
estado de Rondônia e Mato Grosso. Faz-se necessário o reconhecimento da
organização como atores da construção territorial como ocorrem o diálogo das suas
relações históricas dentro de sua área de convívio.
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No século XIX os Paiter Suruí teriam emigrado de Cuiabá para Rondônia,
fugindo da perseguição de não indígenas, o que ocasionou choque com outros
grupos indígenas e consequentemente batalhas acirradas. O início do século XX foi
marcado por várias intervenções estratégicas que provocaram mudanças no
território rondoniense. O ciclo da borracha, a construção da estrada de ferro
Madeira-Mamoré e a instalação das linhas telegráficas, o que culminou num
crescente fluxo migratório para essa região, e os efeitos nas populações indígenas
foi de diminuição substancial ocasionado por conflitos interétnicos (OLIVEIRA,
1991).
As migrações forçadas que os Paiter Suruí realizaram ajudaram na
demarcação da sua terra, entretanto, com excessivos movimentos migratórios pelos
Estados de Rondônia e Mato Grosso a fixação do seu território não compreende sua
porção original.
O primeiro contato foi feito pela expedição oficial da FUNAI, chefiada pelo
sertanista Francisco Meirelles, em sete de setembro de 1969. Daí o nome dado à
Terra Indígena, que primeiro deu nome a uma das aldeias dos Paiter Suruí. Após
este contato, cerca de metade da população veio a óbito devido às doenças
transmitidas pelos colonizadores, de forma que nas décadas seguintes, a partir dos
anos 1980, os indígenas contavam com uma população muito reduzida. Uma
redução na população de cerca de 5.000 para 250 indivíduos (CARDOZO, 2011).
O choque com o colonizador causou impactos tanto nas estruturas físicas,
como doenças adquiridas que levaram a óbito grande parte dessa população, como
também nas representações do coletivo. A redução drástica desses indígenas, a
impotência diante de tamanha pressão que se apresentou de distintas formas.
No entanto, os Paiter Suruí conseguiram se firmar nesse contexto de
insegurança, de (o)pressão, conseguiram reverter ao seu favor as consequências
inevitáveis do sistema capitalista. Discursos do tipo que os indígenas são parados
no tempo, primitivos, não se aplicam nos dias atuais, os Paiter Suruí são exemplos,
hoje são os indígenas mais bem organizados do Brasil política e economicamente, o
uso das tecnologias se tornou cotidiano na Terra Sete de Setembro.
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Tecnologias que são utilizadas justamente como forma de proteção do seu
território ancestral, fortalecimento cultural, e afirmação identitária da luta indígena.
Com o uso das tecnologias ao seu favor, os Paiter Suruí propagam o discurso do
“desenvolvimento sustentável”, pois, os projetos que atualmente são desenvolvidos
em sua terra estão pautados no conceito de “economia verde”.
A nova geração de lideranças com o atual Labiway E-Saga (chefe maior)
Almir Narayamoga Suruí, levaram a luta indígena ao um patamar antes impensável.
Hoje os indígenas têm suas próprias associações que os representam, buscam suas
parcerias com ONGs tanto nacionais quanto internacionais. Os Paiter Suruí
conseguirem se posicionar no século XXI com o advento da globalização do modo
capitalista de viver. Eles possuem projetos grandiosos como o Carbono Florestal
Suruí, pautado no REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação),
o objetivo desse projeto é aumentar sua renda e proteger a floresta e
consequentemente a cultura.
Segundo Romero (2014) esse projeto foi validado em 2012 sob o Padrão de
Carbono Verificado (VCS) e o Padrão Ouro de Clima, Comunidade e Biodiversidade
(CCB), que são os principais para creditar projetos que visam reduzir as emissões
de gases do efeito estufa produzidos pelo desmatamento e pela degradação
florestal.
Outro projeto que está sendo desenvolvido é o Mapa Cultural Suruí em
parceria com o Google Earth. A parceria já é de longo prazo, mas de 7 anos. O
objetivo foi usar o gigante da tecnologia e informação Google, e tudo que oferece ao
seu favor, de forma, a expressarem sua cultura à sociedade envolvente que nunca
tiveram um contato com povos indígenas, ou o contato é raro. Essa parceria se
mostra muito promissora, porque ao mesmo tempo que os Paiter Suruí valorizam
sua cultura eles a protegem, protegendo o território, que está totalmente
georeferenciado. O mapa mostra pontos essências para se entender a cultura
desses indígenas.
O Plano de Negócio de Turismo do Povo Indígena Paiter Suruí é fruto de três
anos de pesquisas e discussões participativas, com vários estudos e levantamentos
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de campo para a implantação do Ecoturismo Indígena. Faz parte das atividades do
Projeto Garah Itxa – Corredores Etnoambientais na Amazônia Brasileira. O objetivo
desse projeto é fortalecer as ações dos indígenas e suas associações, assim
consistindo em uma estratégia de conservação baseada no conceito de corredores
etnoambientais.
Esse plano de turismo, é apenas um plano que os Paiter Suruí esperam
implantar em seu território, é uma iniciativa que está a buscar apoios municipal,
estadual, nacional e internacional. O Ecoturismo Paiter Suruí com os apoios
necessários vai se configurar como geração de renda, e consequentemente como
uma forma de visualização cultural o que vai fortalecer sua identidade diante da
sociedade envolvida.
A incorporação desses projetos ressignificados a sua cultura, com o uso das
tecnologias, e até da própria língua portuguesa brasileira é uma forma de
protagonismo. Essas incorporações são estratégias antropofágicas, que auxiliam no
fortalecimento do coletivo Paiter Suruí.
Dessa forma, as transformações advindas da incorporação das tecnologias,
celulares, computadores, internet, e-mail, GPS, até mesmo de projetos e conceitos
não-indígenas, como “economia verde”, “desenvolvimento sustentável”, ocorre a
transculturação identitária. Ao entendemos a identidade como um conjunto de
práticas sociais vivenciadas entre os membros de um grupo, e quando há a inserção
desse conjunto de tecnologias se territorializando no meio dessas práticas sócias já
existentes, ao invés de enfraquecer fortalece o grupo e a luta.
Entendemos que os reflexos dessas estratégias antropofágicas utilizadas
pelos Paiter Suruí são para o fortalecimento transcultural-sócio-ambiental-político-
territorial e que dará cada vez mais autonomia e liberdade ao coletivo e, que não
tem pretensão de ser modelo único aos demais povos indígenas, mas serve para
reflexão e estratégia.
3 - Antropofagia pós-moderna
As relações que se apresentam na atualidade nas mais diferentes dimensões,
política, econômica, cultural, ambiental, vem sempre atreladas aos discursos
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culturalistas de dimensão identitária. A questão da identidade se tornou um fator
preponderante nas discussões de políticas públicas, ainda mais relacionadas às
minorias étnicas.
Os povos indígenas tem grande importância nesses discursos culturalistas
identitários, uma vez que suas novas articulações em suas terras indígenas tomam
outras proporções, estes se tornaram protagonistas, realizando suas próprias
articulações políticas, nos fazendo pensar a identidade indígena, ou melhor, o que é
a identidade na pós-modernidade.
Entendemos a identidade como algo não folclórica. Ou identificado por
aspectos particulares como no senso comum. Mas, enquanto práticas sociais
vivenciadas cotidianamente pelas pessoas. De acordo com Carvalho (2009, p. 5),
“(...) a visão do índio defendida por muitos leigos é a “mítica”, a qual o índio “puro”
deve viver nu, morar nas matas, usar adereços constantemente, pintar o corpo, falar
línguas ou dialetos diferentes etc”. Essa visão equivocada de isolamento não faz
mais parte dos grupos indígenas, pois estes mantêm relações com a sociedade
envolvente e nem por isto, perdem sua identidade.
A identidade que caracteriza os grupos humanos é importante para leitura da
organização e lutas, pois cada vez mais as lutas se dão não apenas pelas
organizações de classe, mas por grupos étnicos, como fazem os Paiter Suruí.
Em nosso trabalho vamos abordar a identidade relacionada ao conceito de
antropofagização. É a partir da metáfora “antropofagia” utilizada e discutida por
Rolnik (1998) que vamos pensar essas estratégias dos Paiter Suruí. Esse conceito
colabora como ferramenta estratégica para o entendimento de questões territoriais e
indentitárias no contexto que os grupos étnicos vivenciam na atualidade.
A antropofagia é a seleção de elementos potenciais, daqueles que chamam a
atenção, que consiste segundo Rolnik (1998, p. 2) “deixar-se afetar por estes outros
elementos desejados a ponto de absorvê-lo no corpo, para que partículas de sua
virtude se integrassem à química da alma e promovessem seu refinamento”. O
pensamento antropofágico considera que todos os elementos culturais são
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potencialmente equivalentes enquanto fornecedores de recursos para produzir
sentidos, sem hierarquia cultural. De acordo com o mesmo autor,
Esta estratégia do desejo definida pela justaposição irreverente que cria uma tensão entre mundos que não se roçam no mapa oficial da existência, que desmistifica todo e qualquer valor a priori, que descentraliza e torna tudo igualmente bastardo – esta estratégia do desejo põe em funcionamento um modo de subjetivação que chamarei de “antropofágico”(Rolnik, 1998, p.7).
Dessa forma o espaço se apresenta como “esfera da possibilidade da
existência da multiplicidade, no sentido de pluralidade contemporânea (...) no qual
distintas trajetórias coexistem” (Massey, 2008, p. 29), o espaço é produto das inter-
relações dos sujeitos, é no espaço que as reinvenções se fazem, reinvenção do
território e da territorialidade. Pensamos o território Paiter Suruí como uma entidade
aberta, possibilitando encontros, desencontros e confrontos, que se dão na
estratégia de antropofagização dos projetos como o REED, Mapa Cultural e o Plano
de Negócio de Turismo.
Diante do sistema capitalista e dos processos globalizantes há uma maior
circulação das pessoas, mercadorias e informações, o que leva a uma grande
interação entre as culturas. Levando um processo de transculturação dos grupos
étnicos, isto é, o contato com outras culturas diferentes da sua, mas sem a perda de
sua identidade.
Segundo Young (2005\1995), Haesbaert (2011), existe uma autoconsciência
e segurança identitária, mesmo ao aderir elementos externos, o faz para
fortalecimento do grupo e como estratégias de resistência, como no processo
antropofágico. Assim os Paiter Suruí, ao apropriarem do discurso de
“desenvolvimento sustentável e economia verde”, que os levam a gerir a floresta de
outras formas possíveis, é uma antropofagização de estratégia, resistência,
manutenção e divulgação de sua cultura.
Esses projetos são estratégias de fortalecimento cultural/identitária para o
indígena do/no século XXI. Os Paiter Suruí como qualquer outra etnia indígena, faz
uso da antropofagia pós-moderna, “devora” os elementos e territórios pertencentes a
outros grupos culturais, tornando de alguma forma “seu”, mas de um jeito do “Gente
de Verdade”.
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4 - Considerações Finais
Esse trabalho teve por objetivo analisar o uso das tecnologias realizadas
pelos Paiter Suruí, como tentativa de estratégia transcultural-territorial para o
fortalecimento cultural-identitário e enfrentamento dos discursos pós-colonial do
indígena como atrasado, bárbaro, primitivo. A colonialidade ainda existe, por mais
que o colonialismo não se apresente nos moldes do século XIV, e a quebra desses
discursos homogeneizadores se fazem necessária.
Entendemos que as estratégias antropofágicas utilizadas pelos Paiter Suruí,
são uma quebra desses discursos, e ainda cria um ambiente mais autônomo e
preparado para enfrentar as demandas que o futuro impõe aos povos indígenas. As
utilizações das tecnologias auxiliam na autonomia, e em um não assistencialismo do
Estado Brasileiro em relação a esse povo indígena e que torna uma alternativa a ser
seguida por outros indígenas.
Essa transculturação ocasionada pela antropofagização reforça a alteridade
do coletivo tanto no contexto sócio-ambiental-político-territorial, pois suas políticas
superam o avanço do desmatamento e do agronegócio. Questões essas que nos
colocam a pensar a identidade na pós-modernidade.
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