PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
JULIANA MUNIZ PACHECO
ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE
EM ZONA URBANA
E REGULARIZAÇÃO DA MORADIA
MESTRADO EM DIREITO
São Paulo
2013
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
JULIANA MUNIZ PACHECO
ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE
EM ZONA URBANA
E REGULARIZAÇÃO DA MORADIA
MESTRADO EM DIREITO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito das Relações Sociais, na área de concentração em Direitos Difusos e Coletivos, sob a orientação do Professor Doutor Marcelo Gomes Sodré.
São Paulo
2013
Banca Examinadora:
______________________________________
______________________________________
______________________________________
Aos meus pais, que sempre apoiaram
minhas decisões, pelo amor incondicional;
ao meu eterno companheiro, que, além do
constante e fundamental apoio, traz mais
luz e sentido aos meus dias;
e ao meu filho, que me apresentou um
novo significado de vida
simplesmente por existir.
AGRADECIMENTOS
A Deus, pelas oportunidades que coloca em minha vida e pela força.
Meus sinceros agradecimentos ao meu orientador, Professor Marcelo
Gomes Sodré, pelas aulas ministradas no curso de Mestrado, pelas incríveis leituras
sugeridas e pelo empenho e dedicação na orientação, que foram fundamentais para
obter o resultado apresentado.
À Professora Daniela Libório Di Sarno, pelas contribuições dadas na banca
de qualificação, que, certamente, foram decisivas e muito auxiliaram a ampliar a
abrangência da presente pesquisa.
Às Professoras Daniela Libório e Norma Sueli Padilha, por aceitarem
gentilmente o convite para a banca de defesa.
À Professora Consuelo Yoshida, por sua generosidade, ao me conceder
especial oportunidade de trabalhar ao seu lado durante dois anos, pelos
ensinamentos dentro e fora de sala de aula, pela inspiração e pelas sugestões que
muito enriqueceram o trabalho.
Às colegas do mestrado Laura Lícia Vicente, Cristiane Queli, Renata Falson,
Gisele Lenzi, Renata Ogasawara pela companhia durante e depois da conclusão do
curso de Mestrado, pelas dicas preciosas e por tornarem os momentos
especialmente agradáveis.
Especiais agradecimentos aos amigos Regina Vincent e Marcelo Guena, por
seus esclarecimentos técnicos, que contribuíram muito quando a insegurança de
pesquisar por outras searas do conhecimento estagnava meus trabalhos.
A todos meus familiares e amigos, que souberam entender meus momentos
de ausência e de dedicação à vida acadêmica.
E, finalmente, a todos aqueles que contribuíram, direta ou indiretamente,
para a realização e conclusão deste trabalho.
RESUMO
PACHECO, Juliana Muniz. Área de Preservação Permanente em Zona Urbana e
Regularização da Moradia. 2013. 136 f. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2013.
A presente pesquisa se baseou nas principais discussões havidas na vigência do
Código Florestal de 1965, época em que não era nada pacífica a tese de existência
das áreas de preservação permanente nas cidades. Com este pano de fundo,
buscou a origem histórica do instituto dessas áreas ambientalmente sensíveis, bem
como seu fundamento (ou ratio legis), hoje denominada função ambiental ou
ecológica. Utilizando tais conceitos como base, progrediu-se em direção ao Direito
Urbanístico e sua relação com as normas ambientais, discussão bastante atual e de
necessário enfrentamento ante a persistente tese de exclusão de uma ordem
jurídica em prol da outra. Para tanto, visitaram-se o rol de competências
constitucionais e o princípio do desenvolvimento sustentável. Sob o aspecto
urbanístico, priorizou-se o foco no Direito à Moradia e à sua regularização, ponto
mais sensível no que tange à lesão ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e
gerador de demandas em prol da dignidade da pessoa humana. Durante o
desenvolvimento das pesquisas, sobreveio a Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012,
com suas posteriores alterações, o que refletiu nas premissas, diretrizes e
conclusões finais da presente dissertação, de modo que a regularização da moradia
ganhou nova abordagem tanto da lei, quanto das pesquisas levadas a cabo. Com
isso, conclui-se que o Poder Público, na qualidade de gestor do meio ambiente
equilibrado, ganhou procedimentos mais adequados para concretizar o Direito à
Moradia, através da regularização fundiária e da manutenção não só do equilíbrio
ambiental, mas também do direito à vida, à segurança e à saúde da população
envolvida.
Palavras-chave: Código Florestal. Área de Preservação Permanente. Função
Ambiental ou Ecológica. Direito à Moradia. Regularização da Moradia.
ABSTRACT
PACHECO, Juliana Muniz. Permanent preservation area in urban zone and housing
ownership. 2012. 136 f. Dissertation (Law Master) – Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo. São Paulo, 2013.
The present research was based in discussions which took place when Forestry
Code of 1965 took force, a time when the thesis of permanent preservation areas in
cities was not anywhere peaceful. Within this background, it was pursued the historic
institute source of this environmentally sensitive areas, as well as its fundamental (or
ratio legis), nowadays denominated environmental or ecological function. Using such
concepts as base ground (delataria ground), the study has progressed towards
Urban Planning Law and its relationship with environmental regulation, an updated
discussion with needed confrontation before the persistent thesis of excluding one
legal order in place of another. For this purpose, it was addressed the constitutional
competences array (delataria array) and the sustainable development principle. From
the urban planning perspective, it was prioritized focus in Housing Ownership and its
regularization, most sensitive point regarding harm to ecologically balanced
environment and demand generator towards human being dignity. During the
research development, Law nº 12.651, from 25th May, 2012 stood out, with its
subsequent modification, reflecting in the premises, guidelines and final conclusions
of the present dissertation, in a way that housing regularization achieved a new
approach both for the law and research followed. In this way, one may conclude that
the Public Power, in the role of managing a balanced environment, won more
adequate procedures to achieve Housing Ownership, through landing regularization
and not only environmental balance but life quality, security and health of the
involved population.
Key-words: Forestry Code, Permanent Preservation Area, Environmental or
Ecological Function, Housing Ownership, Housing Regularization.
LISTA DE SIGLAS
ABC – Academia Brasileira de Ciências
ANA – Agência Nacional de Águas
APP – Área de Preservação Permanente
CF – Constituição Federal
CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente
ECO/92 – Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento
EIA – Estudo de Impacto Ambiental
EIA/RIMA – Estudo de Impacto Ambiental / Relatório de Impacto ao Meio Ambiente
ETEPs – Espaços Territoriais Especialmente Protegidos
GEE – Gases de Efeito Estufa
IBDF – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPTU – Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana
MP – Medida Provisória
PSA – Pagamento por Serviços Ambientais
REDD – Reducing Emissions from Deflorestation and Forest Degradation
SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
SEMA – Secretaria Especial do Meio Ambiente
SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente
SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação
UNCED – Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE EM ZONA URBANA
E REGULARIZAÇÃO DA MORADIA
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 12
CAPÍTULO 1. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE ........................... 15
1.1. Caracterização da Área de Preservação Permanente .............................. 15
1.2. Função Ambiental das Áreas de Preservação Permanente ...................... 18
1.3. Natureza Jurídica da Área de Preservação Permanente .......................... 26
1.4. Origem da Área de Preservação Permanente: Código Florestal de 1934 . 30
1.5. Código Florestal de 1965 .......................................................................... 35
1.6. Código Florestal de 2012 .......................................................................... 42
1.7. Alteração e Supressão das Áreas de Preservação Permanente ............... 49
1.8. Utilidade Pública, Interesse Social e Baixo Impacto Ambiental ................. 61
CAPÍTULO 2. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE NAS CIDADES .. 67
2.1. Desenvolvimento Sustentável das Cidades .............................................. 68
2.2. Competências Constitucionais .................................................................. 71
2.2.1. Competências Constitucionais Ambientais .................................. 73
2.2.2. Competências Constitucionais Urbanísticas ................................ 76
2.3. Harmonização entre Normas Ambientais e Urbanísticas .......................... 81
2.4. Aplicação do Código Florestal às Áreas Urbanas ..................................... 83
CAPÍTULO 3. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA .............................................. 88
3.1. Déficit Habitacional e Ordem Jurídica ....................................................... 89
3.2. Histórico Legislativo do Direito à Moradia ................................................. 91
3.2.1. Direito à Moradia na Comunidade Internacional .......................... 91
3.2.2. Direito à Moradia em Território Nacional ..................................... 94
3.3. Função Social da Propriedade .................................................................. 97
3.4. Função Socioambiental da Propriedade.................................................. 101
3.5. Atual Conteúdo do Direito à Moradia ...................................................... 104
3.6. Regularização Fundiária e Direito Ambiental .......................................... 106
CONCLUSÃO ................................................................................................ 120
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................. 127
12
INTRODUÇÃO
A ideia da presente pesquisa teve como início os primeiros estudos sobre o
Código Florestal de 1965 e a divergência jurisprudencial e doutrinária a respeito de
sua aplicação ou não em áreas urbanas, em especial no que tange as áreas de
proteção permanente (APPs) por atributos naturais (art. 2º da Lei nº 4.771/65).
Desde o início, para a autora, parecia bastante claro que, ante a função ambiental
dessas áreas (necessidade de manutenção de certas características naturais para
proteção de ecossistemas), não teria sentido a discussão acerca da aplicação
espacial da norma: por óbvio a regra de proteção permanente deveria ser aplicada
em qualquer imóvel, rural ou urbano.
Mas, uma vez admitido isto, tornava-se incoerente (ou ilegal) a concessão
de licença ambiental para construção nessas áreas, como se vê costumeiramente
ocorrer. A levar em consideração este entendimento, as margens dos rios deveriam
ser repletas de mata ciliar (ou ripária), ainda que em área urbana; e a ocupação dos
entornos de mananciais nunca deveriam ser tolerados, nem pela população, nem
pelo Poder Público. Ilícita, então, a obra que pavimentou as APPs às margens dos
rios Tietê e Pinheiros, na cidade de São Paulo? E o que dizer, então, das
regularizações fundiárias? E, se é verdade que as APPs hoje podem ser suprimidas
quando for o caso de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto, também é
sabido que em incontáveis casos de supressão não houve a regular autorização do
Poder Público. O tema, sob a égide do Código Florestal de 1965, nunca foi pacífico:
a legislação foi alterada algumas vezes, havia jurisprudência de várias vertentes,
assim como posições doutrinárias diversas.
Há que se considerar que, a partir de 2001, a ocupação de espaços urbanos
passou a contar com a regulamentação do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01),
marco do Direito Urbanístico e do Direito Ambiental Artificial, que traz dentre suas
diretrizes gerais o respeito às normas ambientais e a “recuperação do meio
ambiente natural” (art. 2º, inciso XII). Daí é possível concluir que o Estatuto da
Cidade procura conviver harmonicamente com as leis ambientais e, ainda, fomentar
a restauração de vegetação nas áreas urbanas, como princípio básico. Desse modo,
13
quer-se dizer que é necessário considerar a situação ora sob análise também à luz
das normas urbanísticas, assim como dos princípios de Direito Urbanístico. Ao
adentrar por estes meandros, a pesquisa se deparou com o Direito à Moradia, que,
por sua qualidade de direito fundamental, justifica que o ordenamento jurídico confira
maior elasticidade ao regime jurídico da área de preservação permanente.
Partindo destas premissas, a pesquisa foi desenvolvida permeando não só o
Direito Ambiental, mas também o Direito Urbanístico, com seu sistema jurídico
próprio, e com princípios muitas vezes semelhantes aos do Direito Ambiental, mas
com suas evidentes distinções. Veja como exemplo de temas em comum a função
social da propriedade, que é princípio ordenador de ambos os ramos do Direito, mas
possui facetas distintas conforme o aspecto abordado. É nesta região de intersecção
entre as áreas do saber que a pesquisa foi desenvolvida, buscando a interação entre
as normas urbanísticas e ambientais, o que é, de fato, uma tendência, não obstante
as posições divergentes.
Curioso e enriquecedor foi o fato de que, no curso da pesquisa, sobreveio a
promulgação da Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, conhecido como “Novo
Código Florestal” (antes: “Projeto Micheletto”), sendo certo que um de seus pontos
mais polêmicos é justamente a redução das matas ciliares e áreas de preservação
permanente, o que causou mobilização de diversos setores da sociedade civil. No
mesmo dia da publicação da Lei, com inúmeros vetos do Poder Executivo, foi
também editada Medida Provisória nº 571/12 suprindo lacunas deixadas pelos vetos.
O trâmite legislativo da Medida Provisória foi bastante discutido pela mídia, em razão
da relevância do tema e da tensão havida na Câmara dos Deputados, e, ao final, foi
convertida na Lei nº 12.727/12, não sem alteração no Parlamento, e novamente com
vetos presidenciais. Em razão destes acontecimentos, foi incluído na presente
análise o passo a passo das alterações legislativas, não por outro motivo, senão
com o intuito de documentá-lo. Considerando que as últimas alterações foram
aprovadas e publicadas pelo Poder Legislativo durante a elaboração desta pesquisa,
é apresentado também comentário sobre o novo texto da Lei nº 12.651/12 (com as
alterações trazidas pela Lei nº 12.727/12), muito embora, em algumas passagens,
seja mais explorado o texto do Código Florestal revogado.
14
Se, por um lado, a Lei nova veio dissipar discussões, na medida em que
tornou mais claro em seu texto que as APPs também devem ser respeitadas na
cidade; doutro lado, tem gerado críticas e apontamentos de insegurança pela
doutrina, o que poderá acarretar muita conflituosidade. Dentre as poucas certezas
que se tem no atual estágio legislativo destacam-se: que a discussão não está
pacificada; que a lei nova reduziu a proteção das APPs, em nome do
desenvolvimento agropecuário; e que a nova Lei restou concluída com algumas
incoerências e distorções, o que foi apontado em ação direta de
inconstitucionalidade proposta pelo Ministério Público Federal em janeiro de 2013.
15
1. Áreas de Preservação Permanente
Neste capítulo inaugural, tem-se a apresentação das principais
características da área de preservação permanente (APP), sua evolução histórica, e
algumas das principais discussões presentes na doutrina a respeito do instituto, com
o objetivo de que o desenvolvimento do tema perpasse por seus pontos principais,
sem, contudo, ter a pretensão de exaurir o assunto.
1.1. Caracterização da Área de Preservação Permanente
Inicialmente, com o objetivo de caracterizar a área de preservação
permanente, observa-se que, embora a Área de Preservação Permanente esteja
legalmente prevista no Código Florestal, não se confunde com floresta, nem se
resume a um conjunto de árvores. Seu conceito vai além. Para tanto, a doutrina
ambientalista1 costuma apresentar a distinção entre flora, floresta e APP, conforme
segue. Em geral, afirma-se que flora é um conceito genérico, do qual floresta é uma
espécie, o que pode ser exemplificado por José Afonso da Silva, que defende que
flora é coletivo que se refere ao conjunto das espécies vegetais do país ou de
determinada localidade, e que floresta é um tipo de flora2. Comprova sua posição
por meio do texto constitucional. Ao final, o autor destaca que “o conceito [de
1 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 737-
739; MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pp. 236-244; SILVA,
José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011, pp. 167-168;
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009, p.
157; ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, pp. 503-510;
DEUS, Teresa Cristina de. Tutela da Flora em Face do Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Juarez
de Oliveira, 2003, pp. 96-104; SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. São Paulo:
Saraiva, 2009, pp. 423-424 e 437-438. 2 Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011, pp. 167-168.
16
floresta] não compreende as áreas verdes urbanas, que ficam sob o regime dos
Planos Diretores e de leis municipais de uso do solo, respeitados os princípios e
limites a que se refere o art. 2º, parágrafo único, do Código Florestal.” Ele se refere
ao Código Florestal de 19653.
Osny Duarte Pereira nos informa que floresta “não se confunde com outras
vegetações, como os gramados das pastagens, impondo-se a diferenciação, porque,
em diferentes passos da lei, existem disposições diretamente dirigidas às florestas,
no seu caráter de mata e bosques”4.
Em alguns autores5, encontra-se remissão ao Anexo I da Portaria 486-P, de
28.10.1986, do antigo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), o
qual conceituava floresta como “a formação arbórea densa, de alto porte, que
recobre área de terra mais ou menos extensa”. Ocorre, contudo, que referida
Portaria 486-P foi revogada pela Portaria 39-P, de 04.02.886, também expedida pelo
IBDF. Por sua vez, tal Instituto foi extinto pela Lei nº 7.732, de 14.02.89, e
3 “A Constituição distingue entre flora e floresta. Menciona-as em um único dispositivo apenas uma
vez, quando prevê a competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios para
preservar as florestas, a fauna e a flora (art. 23, VII). Quando trata da legislação concorrente entre
União e Estados apenas menciona as florestas, não fala na flora. Já, no art. 225, § 1º, VII, incumbe ao
Poder Público proteger a fauna e a flora, não se refere destacadamente à floresta. Note-se, por
importante à compreensão conceitual, que ‘flora’ é termo sempre empregado no singular, enquanto
a palavra ‘floresta’ está sempre no plural. Vem daí a ideia de que flora é um coletivo que se refere ao
conjunto das espécies vegetais do país ou de determinada localidade. A flora brasileira compõe-se,
assim, de todas as formas de vegetação úteis à terra que revestem, o que inclui as florestas,
cerrados, caatingas, brejos e mesmo as forrageiras nativas que cobrem os nossos campos naturais.
Floresta é um tipo de flora. Já foi conceituada como toda a vegetação alta e densa cobrindo uma área
de grande extensão. Mas esse conceito não satisfaz, porque o fato de cobrir área de grande extensão
não é característica essencial da floresta.” (Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros,
2011, pp. 167-168). Neste mesmo sentido: FINK, Daniel Roberto; PEREIRA, Márcio Silva. Vegetação
de preservação permanente e meio ambiente urbano. In: Revista de Direito Ambiental. São Paulo:
Revista dos Tribunais, vol. 2, p. 77, abr. / 1996, p. 79. 4 Direito Florestal Brasileiro. p. 180, apud SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 168. 5 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009,
p. 157. 6 Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal. Portaria nº 39-P, de 04 de fevereiro de 1988.
Disponível em: <http://www.ibama.gov.br/sophia/cnia/legislacao/IBDF/PT0039-040288.PDF>.
Acesso em 03 set. 2012, 16h 47min.
17
substituído pela também já extinta Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA),
que era vinculada ao Ministério do Interior. Desta forma, considera-se que não é
possível utilizar tal conceito para fins de pesquisa acadêmica, porque o regulamento
foi revogado, muito embora o conceito seja bastante proveitoso.
A Classificação Vegetal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) procura definir o termo floresta em seu item 3.2.18, devendo ser destacado
que sua conceituação é bastante divergente, conforme o próprio texto afirma,
confira:
termo semelhante à mata no sentido popular, tem conceituação bastante divergente, mas firmada cientificamente como sendo um conjunto de sinúsias dominado por fanerófitos de alto porte, com quatro estratos bem definidos. Porém, além destes parâmetros, acrescenta-se o sentido de altura para diferenciá-la das outras formações lenhosas campestres. Assim, então, uma formação florestal apresenta dominância de duas subformas de vida de fanerófitos: macrofanerófitos, com alturas variando entre 30 e 50 m, e mesofanerófitos, cujo porte situa-se entre 20 e 30 m de altura.7
Pode-se ver que a conceituação utiliza a característica de altura da
vegetação para definir e diferenciar o termo de outras formações lenhosas
campestres (o que coincide com parte da definição da Portaria 486-P do IBDF).
Além disto, são características da floresta: o conjunto de plantas de estruturas
semelhantes, com homogeneidade ecossistêmica (“sinúsias”), e plantas lenhosas
(“fanerófitos”)8.
Como se vê, a definição mais técnica de floresta confirma a diferenciação
que a doutrina jurídica faz em relação à flora (floresta é espécie de flora), e também
abarca parcialmente o conceito antes utilizado pela norma infralegal (formação
arbórea de alto porte), ainda que acrescente outros aspectos não considerados pelo
ordenamento jurídico (conjunto de plantas com estruturas semelhantes, com
homogeneidade ecossistêmica, dominado por plantas lenhosas). Outrossim, a
extensão da área de cobertura da floresta (“área de terra mais ou menos extensa”)
7 VELOSO, Henrique Pimenta; et al. Classificação da vegetação brasileira..., Rio de Janeiro: IBGE,
1991, p. 45, itálicos nossos. 8 Idem, ibdem, pp. 41-45.
18
não encontra guarida na Classificação da Vegetação Brasileira do IBGE (ainda que
fizesse parte da Portaria do IBDF).
O mais importante é que a floresta é apenas um aspecto da área de
preservação permanente, pois esta última é integrada também por seus aspectos
ecossistêmicos. A este respeito, verifica-se que, conforme ressalta o Professor Paulo
Affonso Leme Machado, a área de preservação permanente pode ou não estar
coberta por vegetação. Quer-se dizer com isto que o fato de a área estar desmatada
não retira sua proteção legal especial. Assim, se está desflorestada, deve ser
recoberta de vegetação, por sua relevância para outros recursos ambientais: solo,
água, biodiversidade, fluxo gênico da fauna e flora, paisagem, entre outros. Nas
palavras do ilustre professor:
a ideia de permanência não está vinculada só à floresta, mas também ao solo, no qual ela está ou deve estar inserida, e à fauna (micro ou macro). [...] a vegetação, nativa ou não, e a própria área são objeto de preservação não só por si mesmas, mas pelas suas funções protetoras9.
Neste sentido, é importante destacar que são diversos os bens ambientais
que integram a área de preservação permanente e que, portanto, estão protegidos
sob o manto da lei: não só a flora, ou florestas, mas também o solo, as águas, o ar,
a paisagem, o fluxo gênico, a biodiversidade (embora estes dois últimos não estejam
enquadrados na definição de bem ambiental), etc10. Tais benefícios, que
fundamentam a proteção legal especial, são também denominados de função
ambiental ou função ecológica da APP, que merece tópico especial, conforme
segue.
1.2. Função Ambiental das Áreas de Preservação Permanente
A função ambiental (ou função ecológica11) das áreas de preservação
9 Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 737. 10 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 691; METZGER, Jean
Paul. Entrevista concedida à Rádio CBN, em 24.abr.2012 (arquivo de áudio). 11 Preferimos utilizar a expressão “função ambiental” pelo simples fato de que é a expressão eleita
pela lei.
19
permanente é apontada como a justificativa para que a lei tutele especialmente
estas áreas, ou, em outras palavras, é a ratio legis para elevar tais áreas a um plano
especial de proteção pelo ordenamento jurídico. No Código Florestal de 1965, já
estava expressa no texto normativo e, no Código de 2012, foi assim reproduzida:
Art. 3º. Para os efeitos desta Lei, entende-se por: [...] II – Área de Preservação Permanente: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas. (destaque nosso)
A doutrina12 também sempre valorizou o fundamento da proteção da APP:
A vegetação, nativa ou não, e a própria área são objeto de preservação não só por si mesmas, mas pelas suas funções protetoras das águas do solo, da biodiversidade (aí compreendido o fluxo gênico da fauna e da flora), da paisagem e do bem-estar humano. A área de preservação permanente – APP não é um favor da lei, é um ato de inteligência social, e é de fácil adaptação às condições ambientais.13
A função ambiental das APPs está diretamente relacionada com a função
social da propriedade14, na medida em que, se a função social da propriedade traz à
propriedade imobiliária a necessidade de ser utilizada (usufruída) com ética perante
a comunidade em que está inserida, a função ambiental é a faceta ambiental desta
utilização ética: o imóvel atenderá à sua função ambiental sempre que condições
mínimas ecossistêmicas forem mantidas (manutenção do solo com o fim de evitar
erosão, por exemplo), com o fim de manutenção não só do imóvel em si, mas dos
recursos ambientais em geral (flora, fauna, ar, solo, recursos hídricos, ciclos
climáticos, fluxo gênico, ecossistema etc.), visando, ao fim, o equilíbrio ecológico
para as presentes e futuras gerações. Vale dizer, é o interesse público (difuso) que
12 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, pp.
736-737; MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pp. 240-241;
FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A Propriedade no Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2010, pp. 212-213; ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2006, pp. 483 et seq.; DEUS, Teresa Cristina de. Tutela da Flora..., São Paulo: Juarez de Oliveira,
2003, pp. 17-18; MARCHESAN, Ana Maria Moreira. Áreas de “Degradação Permanente”, Escassez e
Riscos. In: Revista de Direito Ambiental. vol. 35, Jul./ 2004, pp. 190 et seq. 13 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 737. 14 O conceito de função social da propriedade está desenvolvido no capítulo 3.
20
se sobrepõe ao interesse egoístico do proprietário do imóvel. Assim, consta também
no Código Civil:
Art. 1228. § 1º. O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. (destaque nosso)
A melhor contribuição sobre este tema foi dada, sem dúvida, pelo trabalho
elaborado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e
Academia Brasileira de Ciências (ABC)15, em 2011, para auxiliar nos debates
ocorridos ao longo do processo de elaboração do Novo Código Florestal, atual Lei nº
12.651/12. Sua contribuição é da mais alta qualidade, não só porque reúne o
parecer de cientistas extremamente gabaritados, mas também porque foi concebido
de forma direcionada para a elaboração da lei florestal, visando auxiliar o legislador
no desenvolvimento de institutos das áreas de preservação permanente e da
reserva legal, de acordo com o atual conhecimento científico de ponta. Assim, foram
consideradas, na análise, a necessidade e a possibilidade de expansão da produção
agrícola, a importância da manutenção das APPs nas áreas rurais e urbanas e a
relevância da conservação da biodiversidade brasileira.
No que tange ao tema proposto – função ambiental das APPs –, o texto
inicia sua abordagem através da premissa de que as áreas de preservação
permanente são necessárias, não só à manutenção de outros recursos naturais,
mas também tem relevância econômica para a produção agrícola, isto é, parte da
preponderância do desenvolvimento econômico. Os benefícios são inúmeros e
insubstituíveis, especialmente quando levado em conta o ecossistema global nesta
avaliação.
Vale lembrar que a APP não é caracterizada pela floresta originária, como
pode parecer numa primeira leitura. O que qualifica uma área como de preservação
permanente é sua função de auxílio na conservação de diversos recursos
15 SILVA, José Antonio Aleixo da (Coord.). O Código Florestal e a Ciência: Contribuições para o
Diálogo. São Paulo: SBPC e ABC, 2011, pp. 12 e 13.
21
ambientais, seja por sua localização (topo de morro, margem de rio, por exemplo),
por suas características topográficas (encostas íngremes, verba gratia) ou
ecossistêmicas (manguezais), entre outras. Assim, são diversos os fatores que
devem ser levados em conta ao definir um determinado ecossistema como área de
preservação permanente. É justamente esta qualificação de sua função que se
denomina função ambiental ou função ecológica.
Diante disto, extrai-se que uma de suas principais funções é a manutenção e
a perpetuação da diversidade de um dado ecossistema (considerando a dinâmica
envolvida), com todos os seus elementos: fauna, vegetação e elementos abióticos
(água, ar e solo), assim como a interação entre estes elementos. Isto porque é esta
interação que caracteriza um ecossistema primordialmente, de modo que a ausência
de um dos elementos altera sobremaneira o equilíbrio do meio (homeostase),
afetando, por conseguinte, todos os demais elementos em interação, como num
sistema autorregulador, extremamente complexo16.
Assim, no que diz respeito à fauna (tanto a terrestre, como a aquática e a
semiaquática), sua proteção é relevante na medida em que a APP serve aos
animais como ambiente de transporte, alimentação, reprodução e abrigo; assim
como serve também na manutenção das espécies e no controle de pragas e
contenção de doenças (serviços ambientais).
A erosão e o assoreamento de rios podem ser evitados, na medida em que a
vegetação tem a função de amortecimento para a água das chuvas tropicais
torrenciais e as raízes fixam o solo, evitando, destarte, dispersão de suas partículas
pelas enxurradas. A vegetação adensada, em conjunto com o sistema radicular e
serrapilheira também auxiliam na retenção das águas das chuvas, regularizam a
vazão dos rios e o regime hidrológico e reduzem o escoamento superficial. O
impacto financeiro da erosão foi estimado num prejuízo anual de R$ 9,3 bilhões ao
16 Sobre ecossistema como sistema autorregulador e homeostase, cf. LOVELOCK,James. Gaia: cura
para um planeta doente. Trad. Aleph Teruya Eichemberg e Newton Roberval Eichemberg. São Paulo:
Editora Cultrix, 2006, pp. 57-72.
22
país, em 200217. A título de ilustração, cita-se passagem do relatório comentado:
A importância da manutenção da APP ripária para minimizar a perda de solo por erosão superficial e o consequente assoreamento de riachos, ribeirões e rios foi demonstrada experimentalmente por Joly e colaboradores (2000), trabalhando na bacia do rio Jacaré-Pepira, no município de Brotas (SP). O grupo de pesquisadores determinou em campo, a partir do uso de parcelas de erosão, que a perda anual de solo em uma pastagem é da ordem de 0,24 t ha-1, enquanto que no mesmo tipo de solo, com a mesma declividade e distância do rio, a perda anual de solo no interior da mata ciliar foi da ordem de 0,0009 t ha-1 (JOLY ET al., 2000).18
Ainda, quando da existência de diversas APPs próximas, é possível a
formação de corredores ecológicos, que auxiliam as espécies de fauna e flora no
seu fluxo gênico, o que favorece a reprodução e perpetuação de espécies, já que
torna possível a diversificação do cruzamento entre diversas sociedades distintas,
independentemente de fronteiras políticas. A potencialização da conservação da
água, do solo e da biodiversidade também traz reflexos importantes para o
agronegócio, na medida em que acarreta melhoria da qualidade desses recursos
ambientais.
A APP também auxilia na manutenção do controle dos gases de efeito
estufa (GEE), de modo a colaborar com a redução da poluição atmosférica, com o
clima local, regional e global19, através da regulação das temperaturas e umidade do
ar, o que, mais uma vez, carrega aspecto econômico, na medida em que reduz as
possibilidades de estiagem para agricultura, por exemplo. Outros efeitos também
podem ser notados, tais como a contenção de ventos por força das florestas mais
densas, prevenção contra estiagens, inundações e deslizamento de terras, que nos
últimos anos têm feito inúmeras vítimas fatais no Brasil.
Em termos de efeitos indiretos, podem ser citados os gastos com saúde e
emergências decorrentes dos acidentes (inundações, deslizamento de terras e
17 HERNANI, L. C.; et al. A erosão e seu impacto. In: MANZATTO, C. V. et al. (Orgs.). Uso agrícola dos
solos brasileiros. Rio de Janeiro: Embrapa Solos, 2002, pp. 47-60 apud SILVA, José Antonio Aleixo da
(Coord.). O Código Florestal e a Ciência... São Paulo: SBPC e ABC, 2011. 18 SILVA, José Antonio Aleixo da (Coord.). Op. cit., p. 39, destacamos. 19 Ibid., pp. 33 e 34.
23
estiagens), que poderiam ser poupados; assim como também eventualmente
poderia ter sido evitada a crise energética de 2001 (popularmente conhecido como
“Apagão”) e outras crises energéticas, a partir da contribuição das APPs com a
regularidade do sistema hidrológico.
Sobre a pressão alimentar (um dos argumentos utilizados para reduzir a
proteção das APPs no novo Código Florestal), o relatório dos cientistas apresenta
cenário bastante otimista para o Brasil, ao informar que:
[...] a área atualmente ocupada com lavouras é relativamente pequena se comparada com a área potencial de que o país dispõe especialmente no Centro-Oeste. [...] A associação dessa expansão [das áreas destinadas ao cultivo de cereais, leguminosas e oleaginosas, nos últimos vinte anos] com ganho de produtividade resultou ainda em aumento de mais de 100% na produção de grãos quando comparada à safra 1996, atingindo cerca de 148 milhões de toneladas em 2010.20
No que tange à atividade de pecuária, os estudos apontam que a taxa de
lotação das pastagens é baixa, (cerca de 1 cabeça/ha, conforme Censo
Agropecuário de 2006). Assim, “um pequeno investimento tecnológico [...] pode
ampliar essa capacidade, liberando terras para outras atividades produtivas, ou
mesmo evitando novos desmatamentos”21.
Visando a diminuição da pressão da agricultura sobre as terras de APP, os
cientistas sugerem a melhoria da produtividade, por exemplo, através da
implantação de irrigação nas culturas, que pode representar incremento significativo
– estudo produzido pela Agência Nacional de Águas, citado no texto, dá conta de
que “no Brasil, cada hectare irrigado equivale a três hectares de sequeiro em
produtividade física e a sete em produtividade econômica”22. Neste aspecto, conclui-
se que a irrigação “está muito abaixo dos padrões mundiais e das oportunidades que
o país oferece, configurando-se em uma alternativa para a intensificação das terras
atualmente em uso pela agropecuária mediante a adoção de sistemas sustentáveis
20 SILVA, José Antonio Aleixo da (Coord.). O Código Florestal e a Ciência... São Paulo: SBPC e ABC,
2011, p. 25. 21 Ibid., p. 33. 22 Ibid., p. 29.
24
e o uso racional da água”23.
Há, ainda, outros destaques sobre a necessidade de estímulo da
produtividade no setor primário brasileiro. Neste sentido, os autores do relatório
alertam que:
mesmo considerando os ganhos de produtividade ao longo das últimas décadas, o Brasil foi um dos poucos países do mundo a aumentar suas áreas agrícolas, estimadas em cerca de 278 milhões de hectares ou 27,1% de seu território. Segundo Sparovek et al. (2010), desse montante, cerca de 61 milhões de hectares com baixa e média produtividade agrícola poderiam ser usados na produção intensiva de alimentos. Do total geral, pelo menos 83 milhões de hectares estariam em situação de não conformidade com o Código Florestal e deveriam ser recuperados24.
É interessante destacar que o relatório sob comento, apresenta a seguinte
conclusão:
Trata-se de uma clara questão de escolha, que está nas mãos da sociedade: optar pela atividade agropecuária nos moldes tradicionais, incorporando os custos ambientais relatados ou generalizar os exemplos que garantem a rentabilidade e a sustentabilidade agrícola pelo uso pleno do conhecimento tecnológico, pelo planejamento do uso da terra, de manejo do solo e da água e pela degeneração mínima do sistema planta-solo-clima. Assim é possível promover uma atividade agrícola em harmonia com a natureza, através do uso de preceitos biológicos e agronômicos adaptados à nossa realidade edafoambiental.25
Sobre a relevância econômica das APPs, tem-se que um estudo coordenado
por Taylor Ricketts, pesquisador da Universidade de Stanford e do WWF, citado por
Guilherme José Purvin de Figueiredo26, dá conta de que:
a presença de florestas tropicais na vizinhança de áreas agrícolas pode ser lucrativa, além de ecologicamente correta. Para uma fazenda de café na Costa Rica, o benefício foi estimado em cerca de US$60 mil, por conta do aumento da produtividade nos cafezais, provocado pelos insetos que habitam a mata.
Além disto, Purvin complementa que:
23 SILVA, José Antonio Aleixo da (Coord.). O Código Florestal e a Ciência... São Paulo: SBPC e ABC,
2011, p. 29. 24 Ibid., p. 33, destacamos. 25 Ibid., p. 42, destacamos. 26 A Propriedade no Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 212.
25
os estudos destinaram-se à medição da produtividade de cafeeiros em uma fazenda de mais de 1.000 hectares no Vale Geral da Costa Rica, tendo sido constatado que as plantas localizadas num raio de um quilômetro de um fragmento de floresta nativa produziam 20% mais grãos.27
Adicionalmente, os reflexos das áreas de preservação permanentes podem
ser sentidos nas cidades, pois, quando ausentes, atentam contra a vida, à saúde e o
bem-estar da população. Grande parte dos acidentes e catástrofes ocorridos nas
cidades brasileiras em época de chuvas – tais como: deslizamento de terras,
desmoronamento de casas e outras construções, inundações, alagamentos,
enchentes etc. – têm como origem a ocupação antrópica em áreas de preservação
permanente, em especial, encostas com grandes declives e margens de rios que
cortam as cidades. A este respeito, a doutrina é pacífica e pode ser bem
exemplificada por este excelente texto de Daniel Fink e Márcio Silva Pereira, que
destacam os enormes prejuízos à população:
a não conservação das áreas de preservação permanente traz reflexos não só ao meio ambiente, mas à segurança e à saúde pública. [...] Ademais, as faixas marginais de cursos d'água destinam-se a perenizá-los pela importância que os recursos hídricos têm para a vida, especialmente a humana. Ora, se essas faixas marginais são verdadeiramente importantes, o são em quaisquer circunstâncias, seja em zona rural ou urbana. Se assim não for, cabe responder às indagações: por qual razão, em zona urbana, os limites podem ser inferiores aos do Código Florestal? Quais melhores atributos teria a zona urbana para necessitar de uma faixa marginal inferior ao da zona rural e, ainda assim, preservar os cursos d'água que contém? Ao contrário. A impermeabilização do solo em zona urbana, facilitando um escoamento direto das águas pluviais aos cursos d'água, demandam faixas marginais maiores – várzeas –, facilitando o espraiamento das águas desses cursos, evitando-se enchentes e seus consequentes efeitos: transtorno para os habitantes, provocando congestionamentos imensos; perecimento de bens e valores, normalmente de população de baixa renda; e lamentáveis eventos fatais. O mesmo se diga da valiosa função dos cursos d'água e da vegetação que os cerca, para sua purificação. Suprimi-la, demandará, em razão direta, maiores recursos do contribuinte para despoluir e limpar rios e cursos d'água e para com a saúde pública. Acrescente-se, ainda, o importante papel dos cursos d'água e da vegetação marginal em regular o clima das cidades. Ao enterrarmos os rios, canalizando-os e edificando sobre eles caríssimas avenidas, estamos matando pouco a pouco fatores ambientais que contribuem
27 A Propriedade no Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pp. 212-213.
26
decisivamente para a qualidade de vida dos habitantes da cidade.28
A função ambiental e econômica da APP também é ressaltada na obra de
Paulo Affonso Leme Machado:
Não diria que essas florestas deixam de ter finalidade econômica, pois que melhor investimento do que, através dessas florestas, assegurar-se o bem-estar psíquico, moral, espiritual e físico das populações? Além disso, conservando-se os espécimes da fauna em seu habitat, pode-se mensurar e quantificar economicamente a existência das florestas de preservação permanente.29
Como se pode verificar, as áreas de preservação permanente possuem
função ambiental não só no campo, mas também nas cidades. Adicionalmente,
prestam serviços ambientais. Dependendo da região, sua ausência poderá gerar
lesões a diversos bens difusos: na zona rural, verificam-se danos à fauna, ao
sistema hidrológico, ao solo e perda financeira para a produção agrícola; na zona
urbana, lesa o direito à moradia, à saúde, à segurança e à função de circulação da
população, entre outros. Não é por outro motivo que a Constituição Federal
apresenta severa proteção às APPs, assim também o ordenamento
infraconstitucional.
1.3. Natureza Jurídica da Área de Preservação Permanente
No direito pátrio, a orientação doutrinária30 é no sentido de que são bens
ambientais as florestas e as áreas de preservação permanente, pois são bens de
natureza difusa, uma vez que o seu titular é o povo.
28 FINK, Daniel Roberto; PEREIRA, Márcio Silva. Vegetação de preservação permanente e meio
ambiente urbano. In: Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 2, p. 77,
abril. / 1996 (grifos nossos). 29 Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 749-750. 30 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pp. 198 et seq.;
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2009, p.
159; DEUS, Teresa Cristina de. Tutela da Flora em Face do Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo:
Juarez de Oliveira, 2003, pp. 43 et seq.
27
Na mesma linha, o Código Florestal31 dispõe que “as florestas existentes no
território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidades às
terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País
[...]”, o que também está em consonância com o que determina a Constituição
Federal que afirma que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é “bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”. Guilherme José Purvin de
Figueiredo32 faz acertada interpretação de que as expressões “bem de interesse
comum a todos os habitantes do País”, assim como “bem de uso comum do povo”
denotam a titularidade difusa do bem ambiental que são as florestas.
Na mesma toada, é a magistral lição de Antonio Herman V. Benjamin33, que
esclarece que o bem ambiental é identificado ora com o meio ambiente, considerado
como gênero amplo, categoria única e global (ou macrobem), ocasião em que é tido
como bem público de uso comum34, de titularidade difusa35; ora é mencionado para
designar seus componentes (partes ou fragmentos), tais como um rio, o ar, o mar, o
solo, um ecossistema etc., mais concretos e menos genéricos (microbens), os quais
podem ser de propriedade pública (como é o caso de um parque estadual, por
exemplo) ou particular (a mata localizada em propriedade particular, para ilustrar). E
o autor desce a minúcias, salientando que o macrobem ambiental é bem público em
sentido objetivo (e não subjetivo):
Logo, o meio ambiente, como macrobem, é bem público, não porque pertença ao Estado (pode até pertencê-lo), mas porque se apresenta no ordenamento, constitucional e infraconstitucional, como “direito de todos”, como bem destinado a satisfazer as necessidades de todos. É bem público em sentido objetivo e não em sentido subjetivo, integrando uma certa “dominialidade coletiva”, desconhecida do Direito tradicional Público, então porque incapaz de apropriação exclusivista, porque destinado à satisfação de todos e porque, por
31 Antes através do art. 1º da Lei nº 4.771/65 e, atualmente, através do art. 2º da Lei nº 12.651/12. 32 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Comentários ao art. 2º. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo
Affonso Leme (Coords.). Novo Código Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 42. 33 BENJAMIN, Antonio Herman V. Função Ambiental. In: BENJAMIN, Antonio Herman V. (coord.).
Dano Ambiental... São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, passim. 34 Nos termos do art. 99, inciso I, do Código Civil. 35 No mesmo sentido (porém sem utilizar a terminologia de macrobem): MILARÉ, Édis. Direito do
Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 196.
28
isso mesmo, de domínio coletivo, o que não quer dizer de domínio estatal.36
O mesmo autor ensina que os microbens (recursos bióticos, abióticos e
ecossistêmicos) quando relacionados com o macrobem (meio ambiente
abstratamente considerado) “ganham, como regra a mesma natureza pública de uso
comum que o caracteriza [o macrobem]”37, e exemplifica:
Assim, um prédio tombado ou uma floresta preservada, vistos pelo ângulo ambiental (como integrantes do conglomerado abstrato que compõe a qualidade ambiental), são bens públicos de uso comum, mesmo que para outros fins (como, p. ex., com vistas à possibilidade de sua exploração ou alienação) sejam regidos pelo regime próprio dos bens privados.38
Ou seja, de acordo com as lições do eminente professor39, quando se está
diante de um microbem ambiental sobre o qual recai regime jurídico de direito
privado (isto é, de propriedade particular), haverá a incidência de “dupla afiliação
simultânea a dois regimes patrimoniais”40, isso porque o interesse público do
macrobem ambiental contamina os elementos que o compõem, “contaminação esta
que ocorre apenas em relação ao valor ou interface ambiental do bem”41. Assim,
mesmo que o microbem seja de propriedade particular, será submetido a regime
especial de interesse público, ao qual fica subordinado42.
Nessa esteira, prossegue Herman Benjamin, o macrobem (o meio ambiente
36 BENJAMIN, Antonio Herman V. Ibdem, p. 66, destaques nossos. Neste mesmo artigo, o autor
destaca, com propriedade científica, que o objeto da função ambiental é o bem ambiental, o que não
pode ser confundido com a finalidade da função ambiental, que é a qualidade ambiental como valor
importante da qualidade de vida (p. 60). 37 BENJAMIN, Antonio Herman V. Função Ambiental. In: BENJAMIN, Antonio Herman V. (Coord.).
Dano Ambiental..., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 70. 38 BENJAMIN, Antonio Herman V. Ibid., p. 70. 39 Ibid., passim. 40 Ibid., p. 70. Em outro trecho: “Dizer-se que o meio ambiente é um bem público de uso comum não
implica desconhecer que os elementos que o compõem, quando perquiridos isoladamente, se filiam
a regimes jurídicos múltiplos, ora como – na acepção do Código Civil – bens de propriedade pública,
ora como bens privados de interesse público, ora como meros bens privados.” (p. 77). 41 Ibid., p. 77. 42 No capítulo 2 é retomado o tema da incidência de múltiplos diplomas sobre um mesmo fato
jurídico.
29
abstrato), sendo bem público de uso comum – lembre-se: público em sentido
objetivo, de domínio coletivo (e não estatal) –, é insuscetível de apropriação
individual, embora seja passível de utilização, tanto individual, como coletivamente.
“O termo uso comum opõe-se a uso privado”43. E, como tal, se o bem de uso comum
fosse abandonado à própria sorte, continuam as lições do magistrado, “poderia dar
ensejo a imensos conflitos entre os cidadãos, todos igualmente titulares do direito de
dele fazer uso.”44 E conclui, utilizando-se da doutrina de Ruy Cirne Lima: “A fim de
assegurar a normal distribuição, no tempo e no espaço, dos utentes, serve-se a
administração da intervenção reguladora da polícia”45. Assim, pode-se dizer, em
outras palavras, que o Poder Público atua como administrador, ou gestor, dos
microbens ambientais, verbi gratia, quando a Constituição Federal atribui alguns
recursos ambientais à União (art. 20)46.
Assim, é possível concluir que bem ambiental é espécie do bem difuso, e
assim são classificados quando analisados sob a ótica da função ou destinação que
é dada ao bem. Não se trata, portanto, de um tertium genus ao lado de bens
particulares e bens públicos (quando vistos sob o enfoque da titularidade ou
dominialidade)47, mas, doutro modo, trata-se de finalidade de interesse público que
recai sobre o bem (público ou particular), e, em consequência, outro regime jurídico
43 BENJAMIN, Antonio Herman V. Função Ambiental. In: BENJAMIN, Antonio Herman V. (Coord.).
Dano Ambiental..., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 67. 44 Ibid., pp. 67-68. 45 LIMA, Ruy Cirne. Princípios de Direito Administrativo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p.
193, apud BENJAMIN, Antonio Herman V. Função Ambiental. In: BENJAMIN, Antonio Herman V.
(Coord.). Dano Ambiental..., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 68. 46 YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato. A Efetividade da Proteção do Meio Ambiente e a
Participação do Judiciário. In: YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato. Tutela dos Interesses difusos
e Coletivos. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2006, p. 136. 47 Neste sentido: FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A Propriedade no Direito Ambiental. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pp. 207-208. Registre-se que, em sentido diverso, Celso Antonio
Pacheco Fiorillo entende, fundamentando-se no Código de Defesa do Consumidor (art. 81) que o
bem difuso é um terium genus, de titularidade do povo, nova categoria que difere dos bens públicos
(de titularidade do Estado) e dos particulares. Assim, os bens difusos, segundo Fiorillo, quando
situados em propriedades privadas, devem sofrer limitações por pertencer a todos (Curso de Direito
Ambiental Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 105-108; 159).
30
deve-lhe ser aplicado48. Em outras palavras, bem difuso é classificação distinta, que
não leva em consideração a qualidade do titular do bem, mas sim a funcionalidade
do objeto: o bem difuso tem função pública, e, quando representado pelo bem
ambiental, é considerado bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de
vida, nos exatos dizeres da Constituição Federal (art. 225). Ou seja, ao lado da
classificação de sua dominialidade, é possível acrescentar a classificação com
relação à sua função ambiental, como é feito pelo Código Civil, que, em seu artigo
98, apresenta distinção legal entre bens públicos e particulares (classificação pela
titularidade), e, em seu art. 99, apresenta classificação dos bens públicos de acordo
com sua função ou destinação.
Nesta esteira, é de se admitir que há incidência de duplo regime jurídico
sobre o mesmo imóvel, por força do interesse público que grava o bem particular:
um regime jurídico de direito privado, por se tratar de bem particular, porém limitado
por normas de ordem pública, por estar diante de microbem ambiental, que a todos
interessa. É nestes termos que devem ser tratadas as áreas de preservação
permanente, quando sediadas sobre terras particulares: embora seus microbens
possam ser utilizados conforme as regras do Direito Privado, tal utilização é limitada
pelo interesse público, consubstanciado nas regras dispostas no Código Florestal e
outras leis pertinentes.
1.4. Origem da Área de Preservação Permanente: Código Florestal de 1934
Data do início do século XX, mais precisamente da década de 1930, as
primeiras leis ambientais sistematizadas, quando ocorreu a criação de diversos
diplomas protetivos, tais como Código de Caça e Pesca (Decreto nº 23.672/34),
Código de Águas (Decreto nº 24.643/34), lei de proteção do patrimônio histórico e
artístico (Decreto-lei nº 25/37), assim como o Código Florestal (Decreto nº 48 Neste sentido: BENJAMIN, Antonio Herman V. Função Ambiental. Op. cit., p. 79; FIGUEIREDO,
Guilherme José Purvin de. Op. cit., pp. 207-208.
31
23.793/34).
Em pesquisa mais remota, Teresa Cristina de Deus49 reconhece a proteção
legal das florestas desde as Ordenações Filipinas, de 1603; contudo, é reconhecido,
por esta mesma autora, que a motivação das Ordenações Filipinas era mais no
sentido de poupar bens de valor econômico para seu proprietário, do que no sentido
de manutenção de bem ambiental. Os relatos de Warren Dean50 sobre a ocupação
da Mata Atlântica deixam claro que, nos primeiros séculos de colonização
portuguesa, a floresta não foi poupada, tendo sido extraída tanta madeira quanto
possível, ocasionando grande devastação florestal, em virtude da busca por ouro.
Nota-se aí a existência do pensamento individualista que vigia nos séculos
anteriores.
Por tais motivos, considera-se mais criterioso dizer que a proteção legal da
época monárquica recaía sobre árvores específicas, por seu valor econômico
(frutíferas, em geral), e não sobre florestas propriamente ditas. Isso porque,
naqueles tempos, a sociedade se voltava somente para valores relacionados à
proteção da propriedade privada, das posses, do senhorio e da monarquia, e não
aos valores ligados aos benefícios coletivos e difusos, os quais apenas vieram à
tona na História Moderna e Pós-Moderna, ou melhor, a partir da década de 1970,
quando os direitos difusos foram concebidos conceitualmente. Não havia, portanto,
ideia de preservação ambiental, ainda que rudimentar. Por este motivo, é que
preferimos manter como origem histórica do instituto sob análise a legislação a partir
de 193451, que, embora não traga o conceito de bem ambiental difuso (porque
inexistente neste período), insere no ordenamento jurídico a proteção legal das
florestas, vistas como conjunto de espécies vegetais de estrutura semelhante, ideia
mais próxima do que há nos dias atuais.
49 Tutela da flora em face do direito ambiental brasileiro. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira,
2003, pp. 93-94. 50 A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. Trad. Cid Knipel Moreira.
São Paulo: Companhia das Letras, 1996, pp. 63-64; 113-115. 51 No mesmo sentido: SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros,
2011, pp.36-38.
32
O Código Florestal de 1934 (promulgado por meio do Decreto nº 23.793/34),
mesmo não concretizando a ideia de ambientalismo – o que veio a florescer apenas
na década de 1970 –, já trazia uma ideia mais publicista, ao tratar as florestas como
“bem de interesse comum a todos os habitantes do país, exercendo-se os direitos de
propriedade com as limitações que as leis em geral, e especialmente este código,
estabelecem” (art. 1º). A partir disto, é possível relacionar aquele Código diretamente
com os direitos difusos. Nessa toada, o Decreto nº 23.793/34 classificou as florestas,
dispôs sobre sua exploração intensiva e limitada, e criou a Polícia Florestal, as
“infrações florestais” (e seu processo de apuração), o Fundo Florestal e o Conselho
Florestal. Foi o primeiro diploma que reuniu as normas referentes à flora.
E é neste Código de 1934 que se encontra a primeira menção legislativa às
áreas de preservação permanente, que, à época, eram chamadas de “florestas de
conservação perene”, nos termos do seu art. 8º:
Art. 8º. Consideram-se de conservação perenne, e são inalienaveis, salvo se o adquirente se obrigar, por si, seus herdeiros e successores, a mantel-as sob o regimen legal respectivo, as florestas protectoras e as remanescentes.52
Como se vê, já naquele tempo, mereciam proteção especial as florestas que
prestavam serviços ambientais, tais como conservação do regime das águas,
prevenção da erosão, fixação de dunas, defesa de fronteiras, favorecimento das
condições de saúde pública, proteção de sítios de beleza natural e proteção de
espécies da fauna indígena. Por sua relevância, a lei qualificava tais florestas como
inalienáveis (arts. 4º e 8º do Decreto 23.793/3453). E vale destacar que o
52 Conforme texto disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-
1949/D23793impressao.htm>. Acesso em: 27 jun. 2012, 16h52min. 53 ”Art. 4º Serão consideradas florestas protectoras as que, por sua localização, servirem conjuncta
ou separadamente para qualquer dos fins seguintes:
a) conservar o regimen das aguas;
b) evitar a erosão das terras pela acção dos agentes naturaes;
c) fixar dunas;
d) auxiliar a defesa das fronteiras, de modo julgado necessario pelas autoridades militares;
e) assegurar condições de salubridade publica;
f) proteger sitios que por sua belleza mereçam ser conservados;
g) asilar especimens raros de fauna indigena.”
33
desmatamento igualmente era considerado crime, de acordo com os arts. 22, b54, e
8655, ambos do mesmo Código, cuja pena era detenção de até noventa dias. Neste
contexto, o Decreto nº 23.793/34 conferiu os primeiros traços do conceito até hoje
utilizado para as áreas de preservação permanente. O Decreto também classificou
as florestas em quatro espécies, a saber:
(a) protetoras – equivalentes às atuais APPs, eram reconhecidas quando,
por sua localização, servissem conjunta ou separadamente para conservar o
regime das águas, evitar erosão, fixar dunas, auxiliar defesa de fronteiras,
assegurar saúde pública, preservar sítio de beleza natural e abrigar espécies
raras da fauna;
(b) remanescentes – sempre que abrigassem parques, contivessem
espécies preciosas que devessem ser preservadas (o que no Código
seguinte seriam as APPs por declaração do Poder Público, como está
adiante explicado);
(c) modelo – as artificiais, constituída por uma ou por limitado número de
54 “Art. 22. É prohibido mesmo aos proprietarios: [...] b) derrubar, nas regiões de vegetação escassa,
para transformar em lenha, ou carvão, mattas ainda existentes ás margens dos cursos dagua, lagos e
estradas de qualquer natureza entregues á serventia publica” 55 “Art. 86. As contravenções previstas nos arts. 9º, § 1º, 21, 22 e § 1º, 23 e paragrapho unico, 24 a
30, 31 a 34, 37, 43 a 45, 49 e paragrapho unico, 51, 54 e paragrapho unico, 55 e 64 deste codigo,
quando não se caracterizarem especialmente algumas figuras delictuosas definidas no art. 83, ou no
art. 87, sujeitas seus autores ás penas seguintes:
1º, pelas da letra c do art. 22 e arts. 21, 43 e 55 - detenção até 30 dias e multa até 200$000;
2º, pelas das letras a, b, d, e, do art. 22 - detenção até 90 dias e multa até 2:000$000;
3º, pela letra f, e § 1º, do art. 22, e arts. 28, 29 e 31 - detenção até 45 dias e multa até 500$000;
4º, pelas das letras g, h, do art. 22 e arts. 23 e 44 - detenção até 60 dias e multa até 10:000$000;
5º, pelas do art. 9º, §§ 1º e 2,º arts. 26; 49 e paragrapho unico e 54, e paragrapho unico - detenção
até 45 dias e multa até 5:000$000;
6º, pelas dos arts. 26, 27, 30, 32 e 45 - detenção até 30 dias e multa até 1:000$000;
7º, pelas dos arts. 25, § 2º, 33, 34 e 51 - detenção até 10 dias e multa até 1:000$000;
8º, pelas do art. 64 - detenção até 10 dias e multa até 5:000$000;
9º, pela recusa de auxilio a que se refere o art. 67, quando se tratar de prestação de serviço -
detenção até 10 dias e multa até 100$000; e quando se tratar de requisição de material - detenção
até 30 dias e multa até 1:000$000.”
34
essências florestais, indígenas e exóticas, cuja disseminação fosse
conveniente na região, e
(d) de rendimento – as que não se enquadrassem nas classificações
anteriores.
Adicionalmente, o art. 8º considerava como “de conservação perene” as
florestas protetoras e as remanescentes.
Guilherme José Purvin de Figueiredo nos ensina que o Código de 1934:
assentava-se em bases claramente voltadas ao princípio da função social da propriedade [...]. Se era certo que o proprietário das terras continuava a ter o livre uso, gozo e disposição das florestas que nelas existissem, por outro lado, considerando que tais florestas constituíam bem que não era de seu interesse exclusivo, mas de toda a coletividade, o exercício do direito de propriedade ficava condicionado ao respeito às leis em geral e, especialmente, àquele Código.56
E, citando Osny Duarte Pereira, leciona que tal Código representou “o maior
passo que se deu no Brasil, em favor da proteção de suas matas”57. É correto dizer
que o enfoque dado pela Lei era mais no sentido de defesa de bens nacionais, como
ocorria normalmente naquela época, do que dos interesses difusos propriamente
ditos. Isto porque não havia, ainda, a consciência acerca dos direitos e interesses
coletivos lato sensu.
E, naquele Código, havia previsão de APP em área urbana: o Código proibia
ao proprietário “devastar a vegetação das encostas de morros que sirvam de
moldura e sítios e paisagens pitorescas dos centros urbanos e seus arredores ou as
matas, mesmo em formação, plantadas por conta da Administração Pública” (art. 22,
alínea ‘h’). Os arts. 23 e 3358 corroboram este entendimento, ao mencionar
56 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A Propriedade no Direito Ambiental. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010, p. 211. 57 Direito Florestal Brasileiro. Rio de Janeiro: Borsoi, 1950, p. 155, apud FIGUEIREDO, Guilherme José
Purvin de. Op. cit., p. 211. 58 “Art. 23. Nenhum proprietário de terras cobertas de matas poderá abater mais de três quartas
partes da vegetação existente, salvo o disposto nos arts. 24, 31 e 52. § 1º O dispositivo do artigo não
35
expressamente sua ocorrência em “zonas urbanas”.
Destas citações é possível concluir que, desde sua primeira concepção, as
áreas de preservação permanente eram pensadas não só na área rural, mas
também na área urbana, onde apenas poderiam ser devastadas mediante critérios
impostos pela lei e pelo Poder Público.
1.5. Código Florestal de 1965
O Decreto nº 23.793/34 foi revogado pela Lei nº 4.771/65, também
denominado Código Florestal59, que aprimorou as disposições referentes ao tema,
cunhando o nome de “área de preservação permanente”, como ficou conhecido, e
deu os principais contornos ao instituto tal como hoje é estudado.
Em seu art. 1º, a Lei nº 4.771/65 delimitava seu objeto:
Art. 1º. As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem.
Segundo Guilherme José Purvin de Figueiredo60, a expressão “reconhecidas
de utilidade às terras que revestem” demonstra o caráter preponderantemente
se aplica, a juízo das autoridades florestais competentes, às pequenas propriedades isoladas que
estejam próximas de florestas ou situadas em zona urbana.” e “Art. 33. O corte de árvores de
considerável ancianidade, raridade, ou beleza de porte, em prédio de zona urbana, dependerá
sempre do requerimento à autoridade florestal da localidade, com a justificativa dos motivos que a
determinam, considerando-se deferido se a mesma autoridade não despachar, em outros termos, o
requerimento, dentro de 15 dias, após sua apresentação.” 59 O Código Florestal de 1965 ainda estava vigente durante a maior parte da presente pesquisa,
porém, em 25 de maio de 2012, foi publicado o novo Código Florestal (Lei nº 12.651/12), revogando
expressamente a Lei de 1965. 60 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A Propriedade no Direito Ambiental. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010, pp. 212 et seq.
36
agrário e utilitarista do Código; ao passo que Paulo Affonso Leme Machado61 vê na
expressão “bens de interesse comum a todos os habitantes do País” uma
antecipação à noção de interesse difuso, e aponta que o Código de 1965 foi
precursor em relação à Constituição Federal, que conceitua meio ambiente como
“bem de uso comum do povo”. Este último autor também reverencia o § 1º do art. 1º
do Código Florestal de 1965 (conforme redação dada pela Medida Provisória nº
2.166-67/2001), que considerava como uso nocivo da propriedade qualquer ação ou
omissão contrária às suas disposições na utilização e exploração das florestas e
demais formas de vegetação62. Este artigo foi reproduzido, com pequenas
modificações, pela Lei nº 12.651/12 (art. 2º, § 1º63).
O Código Florestal de 1965 criou duas espécies de APP: (a) a do art. 2º, que
assim era considerada por seus atributos naturais e (b) a do art. 3º, que eram áreas
classificadas por ato do Poder Público como APP. Em comparação com o rol contido
na Lei de 1934, é visível a evolução dos institutos.
As APPs do art. 2º são assim consideradas por suas características
naturais64: (1) para proteção das águas (elencadas na lei nas alíneas a, b e c), isto é,
são as florestas e demais formas de vegetação natural situadas ao longo de rios e
cursos d’água, ao redor de lagos, lagoas e reservatórios d’água naturais ou
artificiais, e nas nascentes e olhos d’água; (2) também aqui são incluídas as
florestas e demais formas de vegetação que protegem o solo de erosão,
deslizamento etc. (alíneas d, e, f, g e h), sempre que estivessem localizadas nos
topos de morro, montes, montanhas e serras; nas encostas com mais de 45° de
declive, restingas, fixadoras de dunas e estabilizadoras de mangues, bordas de
tabuleiros ou chapadas, e as terras que se localizassem em altitude superior a 1800
61 Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 736. 62 Ibid., p. 736. 63 “§ 1º. Na utilização e exploração da vegetação, as ações ou omissões contrárias às disposições
desta Lei são consideradas uso irregular da propriedade, aplicando-se o procedimento sumário
previsto no inciso II do art. 275 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil,
sem prejuízo da responsabilidade civil, nos termos do § 1o do art. 14 da Lei no 6.938, de 31 de agosto
de 1981, e das sanções administrativas, civis e penais.” 64 Ainda é possível manter esta classificação para as áreas de preservação permanente do atual art.
4º do atual Código Florestal (Lei nº 12.651/12).
37
(mil e oitocentos metros).
No art. 3º, constava previsão das APPs por ato do Poder Público, que assim
eram declaradas com o fim de atenuar erosão, fixar dunas, formar faixas de
proteção ao longo de rodovias e ferrovias, auxiliar a defesa do território nacional,
proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico ou histórico, asilar
exemplares de fauna e flora ameaçados de extinção, manter o ambiente necessário
à vida das populações silvícolas, e assegurar as condições de bem-estar público.
Este tipo de APP perdeu parte de sua relevância após a criação do Sistema
Nacional de Unidades de Conservação pela Lei nº 9.985/00, uma vez que tal
Sistema oferece instrumentos mais atuais e mais aptos a preservar florestas por ato
do Poder Público. Trata-se de sistema mais complexo e completo, que praticamente
tornou menos relevante esta espécie de APP. Contudo, ainda assim esta espécie
subsistiu à reforma legislativa, como pode ser visto adiante.
Destaque para a APP ripária ou ciliar, aquela que margeia rios e cursos
d’água (art. 2º, alínea a), que provoca inúmeras discussões no âmbito do Poder
Legislativo federal. O que se nota é que esta Lei não fomentava muitas polêmicas
durante suas primeiras décadas de existência, pois era norma que, inicialmente, não
era respeitada, nem exigida, nem pelo Poder Público, nem pelos administrados65.
Somente na década de 1980 é que se iniciou movimento para sua implantação, por
exemplo, a partir de regulamentação do Conselho Nacional do Meio Ambiente
(CONAMA), que editou resolução dispondo expressamente sobre a definição de
topo de morro66.
Um fator que certamente impulsionou a exigência do Código Florestal de 65
foi o advento da Política Nacional do Meio Ambiente, com a promulgação da Lei nº
6.938, de 31 de agosto de 1981, que instituiu o Sistema Nacional do Meio Ambiente
(SISNAMA) e o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), possibilitando a
65 Essa “tolerância” foi destacada pelo Professor Fernando Cavalcanti Walcacer, que ressaltou que
durante seus primeiros 20 anos, a Lei passou praticamente despercebida. (In: Debates sobre o
Código Florestal, 2012, São Paulo, Procuradoria Geral do Estado de São Paulo). 66 Resolução nº 04, de 18 de setembro de 1985.
38
fiscalização contra o desmatamento. Além disto, referida Política materializou a
responsabilidade objetiva para aqueles que causem danos ao meio ambiente (art.
14, parágrafo 1º). Gradualmente, a Lei nº 4.771/65 ganhava espaço e se
concretizava.
Reformas Legislativas do Código Florestal de 1965
A paulatina exigência (fiscalização) das disposições do Código Florestal de
1965 e da manutenção e recuperação das APPs trouxe o simultâneo
descontentamento com a legislação florestal para diversos segmentos da sociedade,
dando início a polêmicas teses jurídicas sobre a referida lei. Dentre tantas teses
contrárias à proteção das áreas ecossistêmicas sensíveis, a discussão sobre a
existência ou não de APPs em zona urbana sempre esteve dentre os temas
polêmicos. E as matas que margeiam os corpos d’água é fonte de destaque,
especialmente porque sua disciplina legal passou por diversas reformas legislativas,
que demonstram quão sensível é também a discussão67. Assim, segue breve relato
sobre as inúmeras reformas legislativas sofridas pelo texto de 1965.
As APPs ripárias (situadas ao longo de rios e cursos d’água), de acordo com
o texto original da Lei nº 4.771/65, deveriam ter largura mínima de cinco metros
(para os rios de até 10 metros de largura). Havia três limites mínimos, que
obedeciam a seguinte escala / gradação:
Largura do curso
d’água
Largura da APP ciliar
até 10 metros 5 metros
entre 10 e 200 metros metade da largura do curso d’água
maior que 200 metros 100 metros
67 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 691.
39
Posteriormente, a Lei nº 7.511/86 alterou a redação deste dispositivo legal
(art. 2º, alínea ‘a’), aumentando, substancialmente, a metragem mínima da largura
da APP de cinco, para trinta metros, e ainda acrescentou outras faixas mais
protetivas:
Largura do curso
d’água
Largura da APP ciliar
até 10 metros 30 metros
entre 10 e 50 metros 50 metros
entre 50 e 100 metros 100 metros
entre 100 e 200 metros 150 metros
mais de 200 metros igual à distância entre as margens
Paulo Affonso Leme Machado68, lastreado em Nota Técnica da Agência
Nacional de Águas (ANA)69, ensina que a fixação no patamar mínimo de trinta
metros não foi arbitrária, mas sim partiu de estudos realizados a partir da década de
1980, em diferentes países, quando foi detectado que as larguras adequadas
(mínima e máxima) variam de acordo com cada função ecológica da mata ripária
(por exemplo, estabilização de taludes, sombreamento, proteção da qualidade da
água etc.). Assim, foi verificado que não há apenas uma faixa ideal para todas as
funções ambientais. Nesse sentido, a vegetação mínima de 30 (trinta) metros
atende, em níveis médios (não de modo absoluto), as funções analisadas nos
estudos, de modo que reduz substancialmente os impactos negativos sobre os
recursos hídricos70, podendo ser considerado este um avanço na legislação.
68 Comentários ao art. 4º. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Novo Código
Florestal..., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 146. 69 Nota técnica nº 12/2012/Geusa/Sip – Agência Nacional de Águas (ANA). Disponível em:
<http://arquivos.ana.gov.br/imprensa/noticias/20120509_NT_n_012-2012-CodigoFlorestal.pdf>.
Acesso em: 09 fev. 2013, às 18h 08min. 70 Nota técnica nº 12/2012/Geusa/Sip – Agência Nacional de Águas (ANA). Disponível em:
<http://arquivos.ana.gov.br/imprensa/noticias/20120509_NT_n_012-2012-CodigoFlorestal.pdf>.
Acesso em: 09 fev. 2013, às 18h 08min.
40
Registre-se que, em 1988, com a promulgação da Constituição da República
Federativa do Brasil, as áreas especialmente protegidas ganharam tratamento
especial pelo § 1º, inciso III, do art. 225, que incumbiu o Poder Público de definir
espaços especialmente protegidos, e determinou que sua “alteração e supressão
[seriam] permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que
comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção”. Com isso,
parte majoritária da doutrina71 passou a defender que as áreas de preservação
permanente do Código Florestal deveriam ser incluídas no conceito constitucional de
“espaços territoriais especialmente protegidos”, de modo que, a cada alteração e
supressão, deveria ser discutida perante o Poder Legislativo federal. Esta discussão
doutrinária está descrita mais à frente, valendo apenas a citação neste ponto, a título
de registro de mais uma modificação no regime jurídico das APPs.
Poucos anos depois, a Lei nº 7.803/89 trouxe nova disciplina ao art. 2º do
Código Florestal, reduzindo a largura das APPs de rios e cursos d’água que
tivessem mais de cem metros de largura, mantendo, contudo, a largura das APPs
dos rios e cursos d’água menores (com menos de cem metros de largura):
Largura do curso
d’água
Largura da APP
ciliar
até 10 metros 30 metros
entre 10 e 50 metros 50 metros
entre 50 e 200 metros 100 metros
entre 200 e 600 metros 200 metros
mais de 600 metros 500 metros
Com esta normatização, todos os rios com mais de 100 metros de largura
71 Neste sentido: MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiro,
2008, pp. 740-742; FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A Propriedade no Direito Ambiental. São
Paulo, 2010, pp. 230-231; FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro.
São Paulo: Saraiva, 2009, p. 161; DEUS, Teresa Cristina de. Tutela da Flora em Face do Direito
Ambiental Brasileiro. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 120. Em sentido contrário: MILARÉ, Édis.
Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pp. 689-690 e 696; SIRVINSKAS, Luís
Paulo. Manual de Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 444.
41
tiveram suas APPs ripárias reduzidas. Além disto, a Lei nº 7.803/89 também instituiu
que a medição da mata ciliar deveria, então, ser feita a partir do nível mais alto do rio
ou curso d’água, o que, por vezes, representava diferença considerável no momento
da medição e delimitação da APP, favorecendo sua proteção. Esta mesma Lei de
1989 também acrescentou texto visando aplicação das áreas de proteção
permanente em zonas urbanas, tema que está exposto com mais detalhes à frente,
em capítulo próprio. Em conclusão: a partir de 1989, embora as APPs ripárias para
rios com mais de cem metros de largura tivessem reduzidas suas metragem, a
introdução de critério objetivo para o início da medição trouxe vantagens à sua
proteção. Esta discussão a respeito do ponto inicial da medição da APP foi retomada
quando da votação do novo Código Florestal, como está relatado no item próprio à
frente.
Nova reforma se deu em novembro de 1998, com a edição da Medida
Provisória nº 1.605-30 (reeditada inúmeras vezes, até que, alguns anos depois,
ficaria conhecida sob nº 2.166-67, quando foi “congelada” pelo art. 2º da Emenda
Constitucional nº 32/200172-73).
72 “Art. 2º. As medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda
continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação
definitiva do Congresso Nacional.” (A Emenda Constitucional nº 32/01 foi publicada no dia 12 de
setembro de 2001.) 73 Guilherme José Purvin de Figueiredo se pronunciou no sentido de que a Medida Provisória nº
2.166-97/01 foi utilizada como moeda de troca política para aumentar menos o salário-mínimo
naquele ano. (In: Debates sobre o Código Florestal, 2012, São Paulo, Procuradoria Geral do Estado
de São Paulo.) Também foi nesta época que se iniciaram as mobilizações sociais em torno do tema.
Mais detalhes sobre a movimentação política que envolveu a reforma do Código Florestal, ver:
FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Comentários ao art. 1º do novo Código Florestal, in: MILARÉ,
Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme (Coords.). Novo Código Florestal... São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2012, pp. 30-31. A discussão que havia entre os constitucionalistas era no sentido de que,
no lugar de medida provisória, deveria ser lei ordinária, uma vez que ausente a urgência
caracterizadora da medida provisória. A base ruralista do Congresso Nacional não ficou satisfeita com
a Medida Provisória nº 2.166 por não autorizar a sobreposição de APP com as áreas destinadas à
reserva legal. Ainda na mesma época, Aldo Rebelo começa a criticar publicamente a legislação
ambiental, publicando o discurso de pequenos proprietários rurais (contrários aos organismos
geneticamente modificados). Por conta disto, fortaleceu-se o vínculo entre a imagem dos
ambientalistas e dos reacionários contrários ao desenvolvimento das células tronco. Além disso,
iniciou-se uma associação entre os interesses nacionais e organizações não-governamentais
42
Esta reforma legislativa conferiu ao Código Florestal de 1965 seus principais
contornos durante os últimos dez anos de vigência, inclusive no que diz respeito ao
regime de alteração e supressão das APPs, o que, a partir de então, estava
permitido sempre que fosse o caso de utilidade pública ou interesse social. Em
razão de sua relevância, dedicamos item especial mais à frente para as reformas
empreendidas pela referida Medida Provisória, no que tange à alteração e
supressão dessas áreas sensíveis.
1.6. Código Florestal de 2012
Em 11 de maio de 2012, o novo Código Florestal (Lei nº 12.651/12) foi
aprovado pelo Congresso Nacional e enviado para sanção e veto presidencial,
revogando expressamente a Lei nº 4.771/65. De início, é de se destacar a
peculiaridade que envolveu a Lei nesta fase: houve legítimo movimento social,
através da divulgação de mensagens em redes sociais e manifestações livres da
população, pugnando pelo veto do Poder Executivo74. Quando da sanção pela
estrangeiras, quebrando, por conseguinte, a relação entre agronegócio e tradicionalistas e
conservadores. Quando proferida a palestra, era a referida Medida Provisória que dava os principais
contornos para a lei até então em vigor (Lei nº 4.771/65), em especial por força de sucessivas
prorrogações dos prazos. 74 Em junho de 2011, o Instituto Datafolha, havia feito pesquisa de opinião encomendada pelas
organizações Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, IMAFLORA, IMAZON, Instituto Socioambiental,
SOS Mata Atlântica e WWF-Brasil, que revelou que 85% (oitenta e cinco por cento) dos entrevistados
preferem “dar prioridade para a proteção das florestas e rios, mesmo que isso limite a produção
agropecuária”. Um exemplo bastante representativo deste movimento social foi o pedido feito pela
atriz Camila Pitanga, em cerimônia oficial em que cinco universidades públicas fluminenses
concederam o título de Doutor honoris causa ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ocorrida no
dia 04 de maio de 2012. A atriz foi mestre de cerimônia do evento e, ao anunciar a Presidente da
República em meio a conclamações, pediu licença para quebrar o protocolo do evento e rogou:
“Veta, Dilma!” (a frase que circulou nas redes sociais da internet, que identificou o movimento
social). (CAMILA Pitanga pede “Veta, Dilma!” em cerimônia oficial. UOL Notícia. São Paulo: TV UOL,
04 mai. 2012. Disponível em: <http://tvuol.tv/bfc6w2>. Acesso em: 29 set. 2012.) Cf. Movimento
43
Presidência da República, não houve veto integral como pugnava a sociedade civil,
mas foram numerosos os vetos (19 ao todo), de modo que, para supri-los, o Poder
Executivo lançou mão da edição da Medida Provisória (MP) nº 571/12, a qual
regulava os pontos vetados do Código novo (que restariam omissos, se não fosse a
MP).
Não obstante inúmeras polêmicas e desencontros entre o Poder Executivo e
a Câmara dos Deputados75, a referida Medida Provisória foi convertida na Lei nº
12.727/12, que deu a disciplina definitiva do atual Código Florestal, sem que
restasse satisfeito qualquer dos interessados: ambientalistas, ruralistas,
empreendedores, Poder Público ou mesmo a sociedade civil. Importa destacar que o
texto da MP nº 571/12 sofreu alterações em sua redação durante o trâmite no âmbito
do Poder Legislativo, e ainda houve novos vetos presidenciais.
O texto definitivo merece louvor em alguns pontos e críticas em outros
tantos. Inicialmente, destaca-se sua principiologia: no art. 1º-A, parágrafo único,
ficou consagrado como objetivo da Lei o desenvolvimento sustentável, ou seja, o
modelo de desenvolvimento econômico eleito pela Constituição Federal (art. 170),
"Veta, Dilma!", sobre o Código Florestal, vira fenômeno nas redes sociais. UOL, São Paulo, 04 mai.
2012. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/ciencia/ultimas-noticias/redacao/2012/05/04
/movimento-veta-dilma-sobre-o-codigo-florestal-ganha-as-redes-sociais.htm>. Acesso em: 29 set.
2012. O Professor da PUC-RJ Fernando Cavalcanti Walcacer (em debates sobre o Código Florestal na
PGE, em 11.05.12) alertou para o fato de que o Congresso Nacional vem atuando em flagrante
violação aos interesses da população, como é o exemplo claro da divergência entre a lei aprovada e a
manifestação da população sobre o novo Código Florestal. Segundo o Professor carioca, a tendência
é que os congressistas continuem atuando desta forma ilegítima, “privilegiando o latifúndio e a
manutenção da miséria”; e cita como exemplo que, em 2011, foi aprovado um decreto sobre
cavernas, que seria fruto de lobby dos setores imobiliário e minerário. Neste sentido, Walcacer
propõe repensar a Constituição, mesmo havendo risco de ser uma discussão natimorta, por “afronta
à cláusula pétrea”. 75 MADUEÑO, Denise. Câmara aprova Código Florestal que beneficia grandes donos de terra. O
Estado de São Paulo. São Paulo, 18 set. 2012, Planeta. Disponível em: <http://www.estadao.com.br
/noticias/nacional,camara-aprova-codigo-florestal-que-beneficia-grandes-donos-de-terra,932475,0.
htm>. Acesso em: 19 set. 2012; COSTA, Rosa; DOMINGOS, João. Senado tem recesso suspenso para
votar Código Florestal. O Estado de São Paulo. São Paulo, 19 set. 2012, Planeta. Disponível em:
<http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,senado-tem-recesso-suspenso-para-votar-codigo-
florestal, 932938,0.htm>. Acesso em: 19 set. 2012.
44
em que a liberdade econômica não pode se sobrepor ao desenvolvimento social e à
proteção do meio ambiente, mas sim devem ser harmonizados estes axiomas. O
desenvolvimento sustentável, em realidade, é princípio, na medida em que se
configura como “mandato de otimização” do sistema normativo76, e, como tal, deve
nortear a interpretação e a aplicação do novo Código Florestal. Vale dizer, é sob a
luz dos ideais do desenvolvimento sustentável que devem ser vistas as regras
dispostas na Lei nº 12.651/12.
Em contrapartida, o mesmo artigo elenca em seis incisos os princípios que a
aplicação da lei deve seguir, muito embora tais incisos não consagrem exatamente
princípios jurídicos do Direito Ambiental, tampouco princípios gerais do Direito (o
texto vetado possuía mais rigor técnico). Afinal, não é o legislador que cria os
princípios de determinado regime jurídico, já que os princípios (na qualidade de
“mandamentos de otimização”77 do ordenamento jurídico, como acima lembrado)
são frutos de “longo processo de aplicação e interpretação das leis, principalmente
pela jurisprudência e pela doutrina”78. Melhor seria se se classificassem os incisos
do art. 1º-A como diretrizes gerais, por exemplo.
Além disso, ressalte-se que, dentre os princípios elencados, seria
recomendável que estivesse expresso o princípio da função social da propriedade.
Guilherme José Purvin de Figueiredo pondera que “levando-se em consideração que
a lei sob comento destina-se a disciplinar os direitos de propriedade das florestas e
de outras formas de vegetação nativa existentes no país, é inconcebível que haja o
legislador olvidado o princípio da função social da propriedade.”79 Como lembra o
autor, trata-se de princípio basilar do direito atual, além de se caracterizar como
direito fundamental da pessoa humana, princípio norteador do direito ambiental, do
76 ALEXY, Robert. Colisão de Direitos Fundamentais e Realização de Direitos Fundamentais no Estado
de Direito Democrático. In: Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, n. 217, jul. /
set. 1999, pp. 74-75. 77 Ibid., p. 75. 78 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Comentários ao art. 1º-A. In: MILARÉ, Édis; MACHADO,
Paulo Affonso Leme. Novo Código Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 35. 79 Comentários ao art. 1º-A. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Novo Código
Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 35.
45
direito econômico e imposição ao proprietário rural80. Ainda que não esteja expresso
na Lei nº 12.651/12, o princípio da função social da propriedade deve também
nortear sua aplicação e interpretação, uma vez que emana diretamente da
Constituição Federal (art. 5º, inciso XXIII; art. 170, inciso III; art. 185, parágrafo
único; e art. 186), devendo irradiar seus efeitos por todo o ordenamento jurídico81.
Já o § 2º do art. 2º da Lei nº 12.651/12 andou bem ao esclarecer que as
obrigações constantes do novo Código Florestal “têm natureza real82 e são
transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de
domínio ou posse do imóvel rural”. Se, por um lado, deve-se indagar porque esta
disposição se refere apenas ao imóvel rural83, por outro lado, deve-se reverenciar a
norma neste ponto, já que este tema é rico em discussões judiciais: uma vez que o
proprietário do imóvel era instado a restaurar a área de preservação permanente
degradada, insurgia-se, com fulcro na regulamentação anterior, alegando inexistir
nexo causal entre sua ação e o desmatamento realizado pelo antigo proprietário.
Inúmeros são os julgados que reafirmaram a obrigação do proprietário,
independente de haver liame entre sua conduta e o dano ao meio ambiente.
Contudo, deve-se lembrar que a jurisprudência nunca foi uníssona. A partir da nova
Lei, o Poder Judiciário possui fundamento legal positivado para unificar a
jurisprudência que vinha se consolidando nos últimos tempos. Guilherme José
Purvin de Figueiredo adiciona, como consequência da natureza real da obrigação, a
imprescritibilidade do direito de exigir o cumprimento desta obrigação:
80 No Capítulo 3 deste trabalho, foi desenvolvido tópico exclusivo à função social da propriedade,
onde são encontrados detalhes a seu respeito. 81 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Comentários ao art. 1º-A. In: MILARÉ, Édis; MACHADO,
Paulo Affonso Leme. Novo Código Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, pp. 35-36. 82 Sinônimo de obrigação propter rem ou obrigação reipersecutória, a obrigação real é gerada pelo
fato de o devedor ser proprietário de um imóvel, ou seja, não se obrigou por sua própria vontade.
Trata-se de uma obrigação híbrida, tertium genus, ao lado dos direitos pessoais e dos direitos reais.
Assim, é transmitida junto com a propriedade do imóvel, independentemente de anuência do credor
ou do adquirente do bem, seja por ato inter vivos ou mesmo causa mortis (DINIZ, Maria Helena.
Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Obrigações – v. 2. São Paulo: Saraiva, 2011,pp. 27-31.) 83 FRANCO, Ana Claudia La Plata de Mello; GIACOMOLLI, Gabriela Silveira. Comentários ao art. 7º. In:
MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Novo Código Florestal..., São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2012, p. 165.
46
Não se trata aqui de estabelecer o nexo de causalidade entre ato (omissivo ou comissivo) e dano, isto é, não se trata de fixar a responsabilidade do degradador – matéria tratada no parágrafo anterior deste artigo. Aqui, tem-se em mira a irregularidade, a situação em desacordo com o comando legal, que acompanha o bem imóvel e não é passível de convalidação. Decorre daí a imprescritibilidade do direito de exigir o cumprimento desta obrigação por quem estiver no domínio do bem.84
No que tange às áreas de preservação permanente, o novo Código Florestal
trouxe seu conceito legal no art. 3º, inciso II, que reproduz o texto que já constava na
Lei nº 4.771/65 (art. 1º, § 2º, inciso II, com redação dada pela MP nº 2.166-67/01),
com destaque a sua função ambiental: “área protegida, coberta ou não por
vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a
paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de
fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”. A
regulamentação do instituto é encontrada nos artigos 4º a 6º (caracterização e
disposições gerais), 15 (cômputo com a reserva legal), 7º a 9º (supressão), 41 a 50
(preservação e recuperação) e 61-A a 65 (áreas consolidadas em região rural e
urbana). Verifica-se que o novo Código manteve as duas espécies de áreas de
preservação permanente: (1) aquelas assim consideradas por suas características
naturais (antigo art. 2º) agora estão previstas no atual art. 4º, com poucas alterações
em seus incisos (ver abaixo) e (2) as APPs assim declaradas por ato do Poder
Público (antigo art. 3º) tem previsão legal no art. 6º.
A nova lei tratou de liquidar algumas discussões travadas sob a égide da Lei
nº 4.771/65, como por exemplo: deixou claro no art. 4º a existência de APP em
região urbana, pois assim dispõe o caput: “Considera-se Área de Preservação
Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei [...]” (itálico
nosso). Além do mais, ao longo de todo o texto normativo, podem-se encontrar
diversas referências às áreas de preservação permanente em zonas urbanas, como
se verifica nos arts. 64 e 6585. Outro exemplo de discussão pacificada é colhido no
art. 15, em que ficou expressa a tese que possibilita o cômputo de APP no cálculo
do percentual de Reserva Legal, o que gerava muitos embates judiciais na
84 Comentários ao art. 2º. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Novo Código Florestal...
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 44. 85 O tema de APP em zona urbana está detalhado no capítulo 2 que segue.
47
legislação antiga.
No que tange à caracterização das APPs, seu regime jurídico permaneceu
semelhante ao que vigia sob a Lei de 1965, tendo sido mantida a metragem das
matas ciliares de rios, por exemplo. Poucos pontos foram alterados, sendo que, num
saldo final, foi reduzida a proteção às áreas sensíveis86, destacando-se dois pontos:
(1) foi alterada a forma de cômputo das APPs das faixas marginais de rios, que
agora deve ser feito “desde a borda da calha do leito regular”87 (na legislação
anterior, o cômputo era feito “desde seu nível mais alto”88), (2) e foi completamente
excluída a proteção da área do entorno de nascentes e olhos d’água intermitentes.
O ponto mais polêmico da nova lei reside nos artigos 61-A e 61-B, que
tratam da consolidação de APPs em zona rural desmatadas antes de 22 de julho de
2008, tema que ficou conhecido como “anistia aos desmatadores”89. Isto porque o
novo Código Florestal possibilitou a continuidade das atividades agrossilvipastoris
nas áreas de preservação permanente consolidadas até referida data. Com esta
disposição, a lei criou dois tratamentos distintos para proprietários de áreas rurais,
em afronta direta ao princípio da igualdade: por um lado, para aqueles que sempre
respeitaram a legislação florestal, mantendo intocada a APP de seu imóvel, a lei
determinou que assim seja mantido, ou seja, não pode derrubar a vegetação ou
instituir atividade econômica na área protegida. Doutro lado, para aqueles que já
haviam suprimido a vegetação da área de preservação permanente para fins de
atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou de turismo rural (isto é, para os que
se mantinham ilegais há algum tempo), a lei tornou lícitas tais atividades, restando
apenas a obrigação de recomposição de parte da vegetação originária, de acordo
86 Parte respeitável da doutrina considera que esta redução da proteção do meio ambiente configura
como afronta ao princípio do não retrocesso, ou seja, violação direta à Constituição Federal (SARLET,
Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Considerações a respeito da (in)constitucionalidade do
projeto de lei de alteração do Código Florestal Brasileiro em face da garantia da proibição de
retrocesso (sócio)ambiental. Disponível em: <http://aprodab.blogspot.com.br/search/label/
Ingo%20Wolfgang%20Sarlet>. Acesso em: 11 jun. 2012, 17h 20min.) 87 Art. 4º, inciso I, Lei nº 12.651/12 88 Alínea ‘a’ do art. 2º da Lei nº 4.771/65 89 Sobre a consolidação de APP em zona urbana, aprofundaremos a discussão em tópico próprio no
Capítulo 3.
48
com o tamanho do imóvel90. Estes tratamentos diferenciados prejudicam os
produtores rurais cumpridores da Lei nº 4.771/65, na medida em que podem utilizar
menos áreas de sua propriedade do que aqueles que mantiveram práticas ilegais há
anos e reduziram a proteção ao meio ambiente, causando, por conseguinte, ofensa
aos princípios da igualdade e do não retrocesso91.
Ademais, vale lembrar que a preponderância do aspecto econômico que
marcou a conduta do legislador não guarda relação com a Constituição Federal, art.
170, inciso VI, haja vista que é determinação constitucional o respeito ao “meio
ambiente, mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental da
atividade desenvolvida”, ou, como dito alhures, é o princípio do desenvolvimento
sustentável, que determina que não haja prevalência da atividade econômica em
detrimento do meio ambiente, mas que tais valores sejam igualmente respeitados
(aplicados em sua máxima extensão).
Outrossim, quando observado pelo prisma do pragmatismo, a lei, tendo
criado inúmeros critérios (data do desmatamento, tamanho do imóvel, tipo de APP
desmatada etc.) para estabelecer a obrigação de recuperação (se total ou parcial),
dificulta sobremaneira a fiscalização da referida obrigação, dando margem para
diversas discussões judiciais sobre as futuras autuações (leia-se: aumento de
demandas judiciais). É exemplo da dificuldade criada a inexistência de mapas de
satélite de cobertura nacional, na data de 22 de julho de 2008 (data que altera a
90 SENISE, Walter José. Comentários ao art. 61-A. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme.
Novo Código Florestal..., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 415. Antonio Herman V.
Benjamin, em artigo escrito em 1993, afirmou com propriedade que “a ninguém é lícito ‘adquirir’ o
direito de poluir sob o fundamento de que já o faz ininterruptamente há anos sem que o Estado o
importune.” (Função Ambiental, in: BENJAMIN, Antonio Herman V. (Coord.). Dano Ambiental... São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 81). 91 VALLE, Raul do. O novo Código e o remendo florestal. Disponível em
<http://www.socioambiental.org/nsa/direto/direto_html?codigo=2012-10-19-090312>, acesso em
09 fev. 2013.; SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Considerações a respeito da
(in)constitucionalidade do projeto de lei de alteração do Código Florestal Brasileiro em face da
garantia da proibição de retrocesso (sócio)ambiental. Disponível em: <http://aprodab.blogspot.
com.br/search/label/Ingo%20Wolfgang%20Sarlet>. Acesso em: 11 jun. 2012, 17h 20min.
49
obrigação de recuperação, segundo o art. 61-A)92, para que a fiscalização possa, de
modo transparente, exigir do proprietário rural a recuperação total ou parcial.
Outro ponto que foi bastante discutido no âmbito do Poder Legislativo foi a
possibilidade de recomposição de APP por frutíferas, mas este texto foi vetado pela
Presidência da República, quando da sanção da Lei nº 12.727/12 (lei fruto da
conversão da Medida Provisória nº 571/12).
Uma inovação trazida pela Lei, e que é bem-vinda, é a previsão de políticas
públicas de estímulos e incentivos econômicos (remuneratórios e de isenção fiscal)
para os proprietários que conservam a floresta (arts. 41 a 50). Para tanto, o novo
Código Florestal incorpora os conceitos de pagamento por serviços ambientais
(PSA), de sequestro de carbono – que permite a negociação de créditos de carbono
no programa internacional conhecido como Reducing Emissions from Deflorestation
and Forest Degradation (REDD), no âmbito da Convenção-Quadro sobre Mudanças
Climáticas –, de instrumentos econômicos (tais como melhoria nas condições de
contratação de crédito e seguro agrícolas, redução e isenção tributárias) e de
incentivos específicos para a regularização dos imóveis rurais. No entanto, tais
políticas públicas de preservação e recuperação pendem de regulamentação para
que sejam viabilizadas.
No que tange à supressão de vegetação para uso alternativo do solo (arts.
7º a 9º), o tema está abordado no próximo tópico, numa perspectiva histórica do
desenvolvimento do instituto.
1.7. Alteração e Supressão das Áreas de Preservação Permanente
Como já mencionado antes, a doutrina do Direito Ambiental93,
92 VALLE, Raul do. O novo Código e o remendo florestal. Disponível em:
<http://www.socioambiental.org/nsa/direto/direto_html?codigo=2012-10-19-090312>. Acesso em:
09 fev. 2013. 93 Neste sentido: MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo:
Malheiros, 2008, pp. 740-742; FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A Propriedade no Direito
50
majoritariamente, condiciona a alteração e supressão de APP à existência de lei em
sentido formal, uma vez que a exigência se fundamenta na redação do art. 225, § 1º,
inciso III, da Constituição Federal:
Art. 225. § 1º. Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público: [...] III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justificam sua proteção. (grifo nosso)
Para dar sustentação à tese, estes doutrinadores consideram a APP como
espaço territorial especialmente protegido (ETEPs) e, portanto, incluído na
supratranscrita hipótese constitucional. Assim, a ratio legis deste dispositivo reside
no fato de que os ETEPs (e seus componentes), em regra, não podem ser alterados
ou suprimidos, uma vez que são extremamente importantes ao ecossistema em que
estão inseridos, em razão de sua função ambiental (nas palavras da Carta Magna:
em razão “dos atributos que justificam sua proteção”). Neste sentido, quando houver
necessidade de alteração ou supressão, tal necessidade deverá se curvar ao
princípio da reserva de lei94, de maneira a ser discutida no âmbito do Congresso
Nacional, mediante regular processo legislativo ordinário, com a participação popular
e a publicidade que lhe são inerentes.
O Professor Paulo Affonso Leme Machado atribui esta opção ao poder
constituinte originário, que consignou este texto intencionalmente, visando conferir
Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pp. 230-231; BENJAMIN, Antônio Herman de
Vasconcellos. O Regime Brasileiro das Unidades de Conservação. In: Revista de Direito Ambiental.
São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 21, 2001, pp. 44-45; FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de
Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 161; SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de
Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 421-452; DEUS, Teresa Cristina de. Tutela da Flora
em Face do Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 120. Sob a vigência
da Lei nº 12.651/12: FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Comentários ao art. 1º-A. In: MILARÉ,
Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Novo Código Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais,
2012, p. 36. 94 A doutrina mais acurada do Direito Constitucional diferencia o princípio da legalidade do princípio
da reserva de lei (ou da reserva legal), razão pela qual preferimos utilizar esta denominação em
detrimento daquela (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo:
Malheiros, 2005, pp. 422-424).
51
mais tempo e qualidade à discussão com a sociedade, quando se tratar de espaços
ecologicamente protegidos, afinal trata-se de “bem de interesse comum a todos os
habitantes do País”, consoante art. 1º do Código Florestal de 1965 e art. 2º do novo
Código Florestal:
O Poder Legislativo precisa discutir sobre um bem que está caracterizado como ‘permanente’. Uma floresta de preservação permanente não é para ser suprimida ou alterada precipitadamente, a todo momento ou ao sabor do interesse somente do partido político que administre o meio ambiente. [...] é de ser ponderado que uma vegetação de tal importância não se elimina todos os dias. A seca que expulsa as pessoas e os desmoronamentos que matam têm como uma de suas causas o corte da vegetação de preservação permanente. O processo legislativo dá chance de maior participação social para a decisão de manter ou suprimir a vegetação.95
De modo diverso, Édis Milaré diferencia os espaços territoriais
especialmente protegidos lato sensu (que são as APPs e as áreas de reserva legal
florestal) dos ETEPs stricto sensu (que, por sua vez, englobam as unidades de
conservação, a reserva da biosfera e unidades de conservação atípicas). Nesta
dicotomia, considera o autor que o aludido preceito constitucional (art. 225, § 1º,
inciso III) apenas se aplica a esta última categoria (espaços territoriais
especialmente protegidos stricto sensu)96. Milaré parte do conceito legal de “unidade
de conservação”97, em que se compreendem características de “particularidade e
especificidade” de cada unidade de conservação, devendo ter seu “propósito e
finalidade específicos, o que exigiria, por consequência, um ato legal de sua
instituição pelo Poder Público, visando a delimitar e a dispor exclusivamente a
respeito de cada uma”98. Nesse sentir, continua o doutrinador, na definição de
“unidade de conservação” não se pode incluir outras figuras legais, como APP,
reserva legal florestal, etc., pois tais espaços territoriais não necessitam de ato legal
do Poder Público específico para sua existência, o que, no entender do doutrinador,
95 Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 739-740. 96 Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pp. 689-690 e 695-696. 97 Art. 2º, inciso I, da Lei nº 9.985/00: “Art. 2º. Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I –
unidade de conservação: espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas
jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com
objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se
aplicam garantias adequadas de proteção”. 98 MILARÉ, Édis. Op. cit., p. 689, itálico nosso.
52
seria um “requisito essencial” para a constituição de unidade de conservação
imposto pela Lei nº 9.985/00, justificando a distinção em relação aos outros espaços
territoriais99. Em poucas palavras, seu entendimento se baseia no seguinte
raciocínio: se é necessária lei para instituição de um espaço protegido, também é
necessária lei formal para sua alteração; ao passo que, se é necessário ato (ou
processo) administrativo, a supressão ou alteração também ocorrerá mediante mero
ato (ou processo) administrativo.
Com todo respeito à opinião do eminente doutrinador, há que se considerar
que este fundamento não é suficiente para afastar a aplicação da norma
constitucional (art. 225, § 1º, inciso III) aos espaços territoriais que possuem
proteção especial por força do Código Florestal100. A uma, porque seu fundamento
parte do ordenamento infraconstitucional para dar sentido ao texto da Carta Magna –
ao passo que julga-se mais adequado interpretar as normas infraconstitucionais à
luz da Constituição –; a duas, porque as APPs e reservas legais florestais são
criadas, sim, por lei em sentido formal, que é o próprio Código Florestal101; e a três,
porque aquilo que a lei (in casu, a Constituição Federal) não distingue não cabe ao
intérprete distinguir102.
Esta discussão tinha como pano de fundo a redação original do Código
Florestal de 1965, cujo art. 3º, § 1º, assim determinava:
99 Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 689. 100 Retome-se que as APPs possuem duas espécies: (a) aquelas existentes por seus atributos naturais
(art. 2º da Lei nº 4.771/65 e do art. 4º da Lei nº 12.651/12) e (b) aquelas classificadas por ato do
Poder Público como APP (do art. 3º da Lei nº 4.771/65 e do 6º da Lei nº 12.651/12). As primeiras são
constituídas diretamente pela aplicação da lei, de pleno direito; as segundas dependem de ato
administrativo do Poder Público, mas, ainda assim, decorrem da aplicação da lei, tanto quanto as
unidades de conservação. Curioso observar que, apesar de Milaré não considerar o Código Florestal
como lei ordinária criadora das APPs por atributos naturais, ele considera (com fundamento em
Paulo de Bessa Antunes) que “a lei autorizativa para uma eventual alteração ou supressão das
florestas de preservação estabelecidas pelo art. 3º [do Código Florestal de 1965] é o próprio Código
Florestal” (Op. cit., p. 695). 101 SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2009,p. 442. 102 É o que recomenda o brocardo jurídico: “Ubi lex non distinguit nec non distinguere debemus.” (Cf.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2011, p.
411.)
53
§ 1º. A supressão total ou parcial de florestas de preservação permanente só será admitida com prévia autorização do Poder Executivo Federal, quando for necessária à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social.
É de se destacar que a disposição legal supra transcrita se localizava no §
1º do art. 3º, artigo este que tratava apenas das APPs por ato do Poder Público. Por
interpretação, entendia-se que apenas seria permitida a supressão por utilidade
pública ou interesse social nesta categoria de APP (e que não seria permitida
supressão quando se tratasse de APP por seus atributos naturais)103.
No texto original da Lei nº 4.771/65, embora a supressão de florestas
(declaradas por ato do Poder Público) estivesse subordinada à utilidade pública ou
ao interesse social, não havia um conceito legal destes termos. À época, a doutrina
remetia o preenchimento destes significados ao Poder Judiciário: Paulo Affonso
Leme Machado, em artigo publicado em maio de 1980, quando ainda incipiente a
referida legislação, escreveu que “o controle da finalidade da supressão parcial ou
total da floresta de preservação permanente do art. 3º poderá ser feito pelo Poder
Judiciário, evitando-se o desvio de poder.”104 Para as APPs do art. 2º, o autor
defendia que “só [poderiam] ser alteradas ou suprimidas parcial ou totalmente por
força de lei. Incompetente [seria] o Poder Executivo federal, estadual ou municipal
para autorizar a supressão parcial ou total dessas florestas ou formas de
vegetação.”105
Foi a já comentada Medida Provisória nº 2.166-67/01 que alterou
substancialmente o regime jurídico incidente sobre a supressão de APP. Em
primeiro lugar, porque remanejou a disposição legal do art. 3º (que tratava apenas
das APPs por ato do Poder Público) para o art. 4º, ao conferir nova redação a este
artigo:
Art. 4º. A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e
103 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Florestas de Preservação Permanente e o Código Florestal
Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 26. 104 Ibid., p. 25. 105 Ibid., p. 26, destaque nosso.
54
motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto. [...]
Desse modo, o que antes se referia apenas a uma das espécies de APP
passou a viger para ambas as espécies, possibilitando, a partir de então, a
supressão de APP por atributos naturais.
Em segundo lugar, condicionou a supressão a: (1) autorização do órgão
ambiental106 – leia-se: licenciamento –, (2) inexistência de alternativa técnica e
locacional do empreendimento107, e (3) as medidas mitigadoras e compensatórias108.
Pela interpretação integrativa (ou sistemática)109 do ordenamento, a supressão da
APP apenas seria autorizada quando atendido os requisitos constitucionais, quais
sejam: (4) estaria “vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos
atributos que justifiquem sua proteção”110, e (5) elaboração de prévio Estudo de
Impacto Ambiental / Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (EIA/RIMA)111. Neste
novo cenário, os ambientalistas112 afirmavam que tais requisitos já existiam, desde o
advento da Constituição Federal, ou seja, a Medida Provisória apenas ratificava o
que já era exigido pela Lei Maior (exceto a necessidade de lei formal para tanto).
106 Art. 4º da Lei nº 4.771/65, com redação dada pela MP nº 2.166-67/01: “§ 1º. A supressão de que
trata o caput deste artigo dependerá de autorização do órgão ambiental estadual competente, com
anuência prévia, quando couber, do órgão federal ou municipal de meio ambiente, ressalvado o
disposto no § 2º deste artigo. § 2º. A supressão de vegetação em área de preservação permanente
situada em área urbana, dependerá de autorização do órgão ambiental competente, desde que o
município possua conselho de meio ambiente com caráter deliberativo e plano diretor, mediante
anuência prévia do órgão ambiental estadual competente fundamentada em parecer técnico.” 107 Art. 4º, caput, da Lei nº 4.771/65, com redação dada pela MP nº 2.166-67/01, acima transcrito. 108 Art. 4º, § 4º, da Lei nº 4.771/65, com redação dada pela MP nº 2.166-67/01: “O órgão ambiental
competente indicará, previamente à emissão da autorização para a supressão de vegetação em área
de preservação permanente, as medidas mitigadoras e compensatórias que deverão ser adotadas
pelo empreendedor.” 109 A interpretação integrativa ou sistemática é a técnica de interpretação da norma, pela qual uma
regra é analisada não isoladamente, mas integrada, relacionada com outras pertinentes ao mesmo
objeto (Cf. DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva,
2009, 440-441). 110 Art. 225, § 1º, inciso III. 111 Por determinação do inciso IV do art. 225, da Constituição Federal. 112 Cf. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, p.
742.
55
Em terceiro lugar, a MP positivou no Código Florestal o conceito de utilidade
pública e de interesse social (art. 1º, § 2º, da Lei nº 4.771). A partir destes conceitos
legais, foi aberto caminho para redução de APP em qualquer obra ou projeto que
estivesse previsto em resolução do CONAMA, tema que é retomado com mais
profundidade no item a seguir, em razão de sua relevância para o tema ora
estudado.
Mas é importante observar o conflito que permaneceu entre a Medida
Provisória e a Constituição Federal: enquanto a Lei Maior exige lei em sentido formal
(princípio da reserva de lei) para alteração e supressão de APP, uma Medida
Provisória – isto é, um ato unipessoal temporário, da lavra do Chefe do Poder
Executivo federal, que ganhou força de lei com a Emenda Constitucional nº. 32/01 –
recomendava apenas a adoção de procedimento administrativo próprio, formalidade
muito mais simples e menos protetiva. Vale dizer: o que, pela Constituição, era
competência do Poder Legislativo federal (“somente através de lei”), passou, por
meio de Medida Provisória, a ser de competência, não da chefia do Poder Executivo
das diversas esferas da Administração Pública, mas ao corpo técnico dos órgãos
ambientais (federal, estaduais, distrital ou municipal).
E tal não passou despercebido pela Procuradoria‐Geral da República, que
intentou Ação Direta de Inconstitucionalidade113, em julho de 2005, com este
fundamento. Contudo, em apreciação perfunctória, o Pleno do Supremo Tribunal
Federal negou referendo à liminar, mantendo a vigência do art. 4º do Código
Florestal com a redação dada pela Medida Provisória nº 2.166‐67/01. Com isto,
restou vitorioso o entendimento de que as APPs são espaços territoriais
especialmente protegidos latu sensu, que não estão vinculados ao princípio
constitucional da reserva de lei e que, portanto, podem ser alterados e suprimidos
mediante procedimento administrativo no âmbito do órgão ambiental competente114.
113 Supremo Tribunal Federal. Medida Liminar em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.540.
Requerente: Ministério Público Federal. Requerido: Presidente da República. Relator: Ministro Celso
de Mello. Brasília: 1º de setembro de 2005, DJU 13.09.2005. Até a revogação da Lei nº 4.771/65 o
mérito desta ação não havia sido apreciado pelo Supremo. 114 Curioso notar, entretanto, que o Pleno do Supremo, em 09.08.1989, diante da mesma discussão
(todavia, tratava-se de um Decreto paulista), já havia reconhecido a possibilidade de danos
56
Neste ponto, é esclarecedora a lição de Édis Milaré:
Tal entendimento decorre do fato de diversas atividades de infraestrutura (obras de saneamento, transporte, energia etc.) – assim como outras vitais para o desenvolvimento econômico e social do País –, muitas vezes sem qualquer alternativa locacional, só serem viáveis e exequíveis mediante intervenção em áreas classificadas como de preservação permanente (margens de cursos de água, nascentes e reservatórios, entre outras tantas situações previstas no Código Florestal).115
Deve-se ressaltar que, ao adotar este entendimento, o Supremo Tribunal
Federal, segundo o voto do Ministro Relator, não pretendeu retirar a proteção
constitucional de que o corte de vegetação não poderia “[comprometer] a integridade
dos atributos que justifiquem sua proteção”116. Esta garantia constitucional é de
extrema relevância para as áreas de preservação permanente, uma vez que: (1) são
os seus atributos que justificam sua proteção; (2) o novo Código Florestal repete a
disciplina constitucional ao manter no conceito legal de APP sua função
ambiental117; e (3) trata-se de critério de grande valia para manter a intocabilidade
dessas áreas. Segue pequeno trecho esclarecedor do voto do Relator Ministro Celso
de Mello:
Quando se tratar, porém, de execução de obras ou de serviços a serem realizados em tais espaços territoriais, cumpre reconhecer que, observadas as restrições, limitações e exigências abstratamente estabelecidas em lei, tornar-se-á lícito ao Poder Público – qualquer que seja o nível em que se posicione na estrutura federativa (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) – autorizar, licenciar ou permitir a realização de tais atividades no âmbito dos espaços territoriais especialmente protegidos, desde que não resulte comprometida a integridade dos atributos que justificaram, quanto a tais territórios, a instituição de um regime jurídico de proteção
ecológicos de difícil reparação, e, por vezes, de reparação impossível e, assim, concedeu medida
liminar para suspender texto de lei muito semelhante ao do Código Florestal de 1965 (Supremo
Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 73-SP. Requerente: Procurador Geral da
República. Requerido: Governador do Estado de São Paulo. Relator: Ministro Moreira Alves. Brasília:
09 de setembro 1989, v.u., DJU 15.9.1989. Até outubro de 2012 o mérito desta ação não havia sido
apreciado). 115 Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 959. 116 parte final do inciso III do § 1º do art. 25, CF. 117 Art. 3º, inciso II, Lei nº 12.651/12
57
especial.118
A posição do Pleno do Supremo de 2005, embora dotada de caráter liminar
e, portanto, fruto de análise superficial e sem o crivo do contraditório, parece ter
finalizado a polêmica acerca do princípio da reserva de lei, de maneira que, com
base nesta decisão, foi editada a Resolução CONAMA nº 369/06, regulamentando
os casos excepcionais de utilidade pública, interesse social e baixo impacto
ambiental para fins de alteração e supressão de APP119.
A mencionada Resolução dá instruções aos órgãos ambientais a respeito do
conteúdo dos conceitos indeterminados120 referentes a utilidade pública e interesse
social, porém nada dispõe a respeito das atividades de baixo impacto ambiental. A
Resolução também reforça a necessidade de medidas mitigadoras e
compensatórias prévias à autorização para supressão e intervenção (art. 5º),
esclarecendo que estas medidas não prejudicam as exigências de compensação
florestal constante da Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação
(SNUC) (Lei nº. 9.985/00, art. 36121). Outra disposição importante da Resolução em
comento é a determinação para realizar as medidas compensatórias na mesma sub-
bacia hidrográfica do empreendimento.
O tema de alteração e supressão de APP também foi motivo de muita
discussão e inovação no âmbito do novo Código Florestal. Tratado pela nova lei
inicialmente nos arts. 7º a 9º, tais artigos devem ser lidos em conjunto com os arts.
118 Supremo Tribunal Federal. Medida Liminar em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.540.
Requerente: Ministério Público Federal. Requerido: Presidente da República. Relator: Ministro Celso
de Mello. Brasília: 1º de setembro de 2005, DJU 13.09.2005, voto do relator, pp. 33-34 (fls. 560-561
dos autos), itálico nosso. 119 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 697. 120 Cf. FERRAZ JÚNIOR. Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito... São Paulo: Atlas, 2010, p.
294. 121 “Art. 36. Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto
ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de
impacto ambiental e respectivo relatório – EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a
implantação e manutenção de unidade de conservação do grupo de Proteção Integral, de acordo
com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei.”
58
61-A a 65, quando for o caso de “áreas consolidadas rurais ou urbanas”122: no que
diz respeito às alterações e supressões perpetradas até 22 de julho de 2008 em
área rural, o regulamento encontra-se nos arts. 61-A a 63 (objeto de comentários no
item anterior), e para as áreas urbanas consolidadas, foram destinados os arts. 64 e
65, os quais são objeto de análise no último capítulo desta dissertação.
No que se refere às supressões posteriores à data de 22 de julho de 2008, o
Código Florestal novo foi claro ao vedá-las, em regra, quando tornou expressa a
obrigação de manter a vegetação de APP e instituiu o dever de recomposição123 (o
que não havia na lei anterior). Estas obrigações foram legalmente qualificadas como
de natureza real e, por consequência, são transmitidas ao sucessor inter vivos ou
causa mortis, no caso de imóvel rural124-125.
O art. 8º dispõe que as supressões futuras somente serão autorizadas nas
hipóteses de utilidade pública, interesse social ou de baixo impacto ambiental, nos
termos dos conceitos legais descritos dos incisos VIII, IX e X, todos do art. 3º, da
mesma lei. Em suma, tais conceitos foram ampliados, novas atividades econômicas
foram contempladas nas hipóteses legais (não só atividades agrossilvipastoris, mas
também atividades de construção civil), reduzindo, por conseguinte, a proteção
destas áreas especiais. Estes conceitos legais serão discutidos com mais
122 Para os efeitos da Lei nº 12.651/12, consideram-se áreas consolidadas aquelas descritas em seu
art. 3º incisos IV e XXVI (“IV – área rural consolidada: área de imóvel rural com ocupação antrópica
preexistente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris,
admitida, neste último caso, a adoção do regime de pousio” [...] “XXVI – área urbana consolidada:
aquela de que trata o inciso II do caput do art. 47 da Lei nº 11.977/09”, ou seja, “parcela da área
urbana com densidade demográfica superior a 50 habitantes por hectare e malha viária implantada e
que tenha, no mínimo, 2 dos seguintes equipamentos de infraestrutura urbana implantados: a)
drenagem de águas pluviais urbanas; b) esgotamento sanitário; c) abastecimento de água potável; d)
distribuição de energia elétrica; ou e) limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos”,
conforme redação do art. 47, inciso II da Lei nº 11.977/09). 123 Art. 7º, caput e §§ 1º e 3º. 124 É o que determina o § 2º do art. 7 combinado com § 2º do art. 2º. 125 Como destacado por Ana Claudia La Plata de Mello Franco e Gabriela Silveira Giacomolli, cabe
indagar: por qual motivo teria o legislador restringido esta disposição legal aos imóveis rurais?
(Comentários ao art. 7º. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Novo Código Florestal...,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 165.)
59
profundidade no item seguinte, mas, desde já é interessante registrar que há
doutrina126 que considera que, nos conceitos legais de utilidade pública, interesse
social e baixo impacto ambiental consta referência à função ambiental das APPs, o
que possibilita “o uso ou intervenção em APP desde que, dentre outros requisitos,
não prejudiquem sua função ambiental”127.
A supressão de vegetação protetora de nascentes, dunas, restingas e de
mangues tem suas condições especiais tratadas nos §§ 1º e 2º do art. 8º. Por sua
vez, o art. 9º cuida apenas de autorizar o acesso de pessoas e animais para
obtenção de água e realização de atividades de baixo impacto ambiental.
Pelo que se verifica do exposto, os requisitos128 existentes durante a
regulamentação anterior (Lei nº 4.771/65) não foram reproduzidos pela nova
legislação; contudo entendemos, em consonância com a doutrina mais abalizada129,
que tais requisitos, por serem de ordem constitucional, não podem ser afastados
pela legislação ordinária. Nesta linha de ideias, porque a Lei Maior determina que
seja realizado Estudo de Impacto Ambiental (EIA) para a instalação de qualquer
atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental (art. 225,
§ 1º, inciso IV), o EIA é indispensável em caso de supressão de APP, até mesmo
126 GOUVÊA, Yara Maria Gomide. Comentários ao art. 3º. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso
Leme. Novo Código Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, pp. 60-68. Utilizando o
fundamento diretamente da Constituição Federal para concluir no mesmo sentido, Guilherme José
Purvin de Figueiredo leciona: “Nesse sentido, comprovado cientificamente que a proteção dos
atributos que justificam a proteção dos espaços territoriais não é atendida, por exemplo, pelos
parágrafos do art. 61-A da Lei 12.651/12, restará confirmada a afronta ao princípio da vedação de
retrocesso, daí resultando a confirmação da inconstitucionalidade de referido dispositivo.”
(Comentários ao art. 1º-A. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Novo Código
Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 36). 127 GOUVÊA, Yara Maria Gomide. Comentários ao art. 3º. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso
Leme. Novo Código Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 65. 128 Referimo-nos aos requisitos já expostos alhures: (1) alteração e supressão permitida somente
através de lei, (2) é vedada a utilização da APP que comprometa a integridade dos atributos que
justificam sua proteção, e (3) elaboração de prévio EIA / RIMA. 129 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, pp.
741-742.
60
para comprovação de utilidade pública ou interesse social130. Por conseguinte, no
bojo deste procedimento administrativo, devem ser verificadas as alternativas
técnicas e locacionais131 e as medidas mitigatórias ou compensatórias132.
No que tange ao requisito da autorização do órgão ambiental competente
(antes prevista no art. 4º, § 2º, Lei 4.771/65), embora não haja na nova lei tal
exigência, a leitura a contrario sensu do § 3º do art. 8º dá a entender que a regra
geral é a autorização administrativa. Confira a redação do mencionado parágrafo:
§ 3º. É dispensada a autorização do órgão ambiental competente para a execução, em caráter de urgência, de atividades de segurança nacional e obras de interesse da defesa civil destinadas à prevenção e mitigação de acidentes em áreas urbanas.
Se, para casos urgentes de segurança e defesa (situações excepcionais), é
dispensável a autorização do órgão ambiental competente, não é demais concluir (a
contrario sensu) que a autorização é indispensável, como regra geral. Além do mais,
no art. 31133 da mesma lei, consta determinação expressa para licenciamento para a
exploração florestal (de áreas que não possuem proteção especial). Mais uma vez,
por inferência: se para exploração da floresta sem proteção especial é necessário
licenciamento, mais justificada está a necessidade desta autorização do órgão
ambiental quando for o caso de exploração de floresta com proteção especial. De
todo modo, a previsão de obrigatoriedade de licenciamento ambiental consta do art.
10 da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81)134, que vige também nos
casos de supressão de área de preservação permanente.
130 A atividade de baixo impacto ambiental está fora da previsão constitucional do art. 225, § 1º,
inciso IV. 131 Em atendimento ao art. 9º, inciso II, da Resolução CONAMA nº 1/1986. 132 Em atendimento ao art. 6º, inciso III, da Resolução CONAMA nº 1/1986. 133 “Art. 31. A exploração de florestas nativas e formações sucessoras, de domínio público ou
privado, ressalvados os casos previstos nos arts. 21, 23 e 24, dependerá de licenciamento pelo órgão
competente do SISNAMA, mediante aprovação prévia de Plano de Manejo Florestal Sustentável -
PMFS que contemple técnicas de condução, exploração, reposição florestal e manejo compatíveis
com os variados ecossistemas que a cobertura arbórea forme.” 134 “Art. 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades
utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer
forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental.”
61
Por fim, no que diz respeito ao atendimento da função ambiental, é a
Constituição, mais uma vez, que veda a utilização de espaços territoriais
especialmente protegidos que comprometa a integridade dos atributos que
justifiquem sua proteção (art. 225, § 1º, inciso III). Reitere-se que a função ambiental
está reproduzida na Lei nº 12.651/12 no art. 3º, inciso II; inciso IX, alínea ‘b’ e inciso
X, alíneas ‘i’ e ‘j’. A doutrina nos orienta no mesmo sentido:
Finalmente, é inarredável a necessidade de se lembrar o princípio da proibição de retrocesso que, no campo do direito ambiental das áreas protegidas, encontra-se presente no art. 225, § 1º IV, fine, da Constituição Federal: a definição, em todas as unidades da Federação, de espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, é infensa a alteração e a supressão, ainda que por meio de lei ordinária, se sua utilização comprometer a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.135
Deste modo, conclui-se pela manutenção dos requisitos constitucionais para
autorização de supressão de áreas de preservação permanente, ainda que o novo
Código Florestal tenha silenciado a este respeito.
Ao que se vê, a Lei nº 12.651/12, no que tange ao tema de alteração e
supressão de APP, foi mais branda do que a regulamentação anterior, não só por se
omitir quanto aos requisitos constitucionais, mas também porque criou critérios que
tendem a dificultar a fiscalização (desmatamento até 22 de julho de 2008,
percentuais diversos de recuperação, tamanho da propriedade rural etc.); assim
como ampliou as hipóteses de utilidade pública, interesse social e de baixo impacto
ambiental. No que diz respeito a este último tema, segue com mais detalhes no
próximo tópico.
1.8. Utilidade Pública, Interesse Social e Baixo Impacto Ambiental
Considerando que desde o Código Florestal de 1965 restou autorizada a
135 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Comentários ao art. 1º-A. In: MILARÉ, Édis; MACHADO,
Paulo Affonso Leme. Novo Código Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 36.
62
alteração e supressão de APP em casos de utilidade pública e de interesse social, a
análise destes conceitos discricionários136 se torna imprescindível ao presente
estudo.
Como já exposto anteriormente, a redação original da Lei nº 4.771/65
apenas continha a previsão de que as APPs declaradas por ato do Poder Público
poderiam ser alteradas e suprimidas por utilidade pública e interesse social. Não
trazia o conceito legal dessas expressões, razão pela qual a doutrina remetia seu
preenchimento ao Poder Judiciário137.
Com a Medida Provisória nº 2.166-67/01, foi alterada a redação de alguns
dispositivos do Código Florestal, de modo a permitir a supressão de qualquer
espécie de APP, por força de utilidade pública e interesse social. Além disto, foi
positivado no Código Florestal o conceito legal de utilidade pública e interesse
social, conforme segue (art. 1º da Lei nº 4.771/65, com redação dada pela MP nº
2.166-67/01):
§ 2º. Para os efeitos deste Código, entende-se por: [...]
IV – utilidade pública:
a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária;
b) as obras essenciais de infraestrutura destinadas aos serviços públicos de transporte, saneamento e energia e aos serviços de telecomunicações e de radiodifusão; e
c) demais obras, planos, atividades ou projetos previstos em resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA;
V – interesse social:
a) as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação nativa, tais como: prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação de invasoras e proteção de plantios com espécies nativas, conforme resolução do CONAMA;
b) as atividades de manejo agroflorestal sustentável praticadas na pequena propriedade ou posse rural familiar, que não
136 Sobre conceitos discricionários, ver FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do
Direito. São Paulo: Atlas, 2010, pp. 294-295; PADILHA, Norma Sueli. Colisão de Direitos
Metaindividuais e a Decisão Judicial. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2006, pp. 71-72. 137 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Florestas de Preservação Permanente e o Código Florestal
Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, pp. 25-26.
63
descaracterizem a cobertura vegetal e não prejudiquem a função ambiental da área; e
c) demais obras, planos, atividades ou projetos definidos em resolução do CONAMA. (itálicos nossos)
Houve o questionamento judicial das alterações trazidas pela Medida
Provisória nº 2.166-67/01, por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade, que
resultou na confirmação da constitucionalidade de todo o teor da referida MP. Com
isso, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) editou a Resolução nº
369/06, a qual “dispõe sobre os casos excepcionais de utilidade pública, interesse
social ou baixo impacto ambiental, que possibilitam a intervenção ou supressão de
vegetação em APP.” No bojo da Resolução, foram conceituados os termos utilidade
pública e interesse social. Quanto às atividades eventuais e de baixo impacto
ambiental, apenas houve a previsão regulamentar, sem apresentação de um
conceito propriamente dito.
Os textos da Medida Provisória nº 2.166-67/01 e da Resolução CONAMA nº
369/06 vigeram até a promulgação do novo Código Florestal, em 25 de maio de
2012. Desde então, é o art. 8º da Lei nº 12.651/12 que possibilita a supressão e
alteração de APP nos casos de utilidade pública, interesse social e quando houver
baixo impacto ambiental:
Art. 8º. A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas nesta Lei.
Tais expressões (utilidade pública, interesse social e baixo impacto
ambiental) estão legalmente conceituadas no art. 3º, incisos VIII138, IX139 e X140,
138 “VIII – utilidade pública: a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária; b) as obras de
infraestrutura destinadas às concessões e aos serviços públicos de transporte, sistema viário,
inclusive aquele necessário aos parcelamentos de solo urbano aprovados pelos Municípios,
saneamento, gestão de resíduos, energia, telecomunicações, radiodifusão, instalações necessárias à
realização de competições esportivas estaduais, nacionais ou internacionais, bem como mineração,
exceto, neste último caso, a extração de areia, argila, saibro e cascalho; c) atividades e obras de
defesa civil; d) atividades que comprovadamente proporcionem melhorias na proteção das funções
ambientais referidas no inciso II deste artigo; e) outras atividades similares devidamente
caracterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa
64
respectivamente. Tais dispositivos praticamente reproduzem os termos da
Resolução CONAMA nº 369/06, apresentando, porém, novas hipóteses, que variam
desde “obras de infraestrutura destinadas às concessões e aos serviços públicos de
[...] gestão de resíduos” até “instalações necessárias à realização de competições
esportivas estaduais, nacionais ou internacionais” (ambas hipóteses estão previstas
técnica e locacional ao empreendimento proposto, definidas em ato do Chefe do Poder Executivo
federal.” 139 “IX – interesse social: a) as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação
nativa, tais como prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação de
invasoras e proteção de plantios com espécies nativas; b) a exploração agroflorestal sustentável
praticada na pequena propriedade ou posse rural familiar ou por povos e comunidades tradicionais,
desde que não descaracterize a cobertura vegetal existente e não prejudique a função ambiental da
área; c) a implantação de infraestrutura pública destinada a esportes, lazer e atividades educacionais
e culturais ao ar livre em áreas urbanas e rurais consolidadas, observadas as condições estabelecidas
nesta Lei; d) a regularização fundiária de assentamentos humanos ocupados predominantemente
por população de baixa renda em áreas urbanas consolidadas, observadas as condições estabelecidas
na Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009; e) implantação de instalações necessárias à captação e
condução de água e de efluentes tratados para projetos cujos recursos hídricos são partes
integrantes e essenciais da atividade; f) as atividades de pesquisa e extração de areia, argila, saibro e
cascalho, outorgadas pela autoridade competente; g) outras atividades similares devidamente
caracterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa
técnica e locacional à atividade proposta, definidas em ato do Chefe do Poder Executivo federal.” 140 “X – atividades eventuais ou de baixo impacto ambiental: a) abertura de pequenas vias de acesso
interno e suas pontes e pontilhões, quando necessárias à travessia de um curso d’água, ao acesso de
pessoas e animais para a obtenção de água ou à retirada de produtos oriundos das atividades de
manejo agroflorestal sustentável; b) implantação de instalações necessárias à captação e condução
de água e efluentes tratados, desde que comprovada a outorga do direito de uso da água, quando
couber; c) implantação de trilhas para o desenvolvimento do ecoturismo; d) construção de rampa de
lançamento de barcos e pequeno ancoradouro; e) construção de moradia de agricultores familiares,
remanescentes de comunidades quilombolas e outras populações extrativistas e tradicionais em
áreas rurais, onde o abastecimento de água se dê pelo esforço próprio dos moradores; f) construção
e manutenção de cercas na propriedade; g) pesquisa científica relativa a recursos ambientais,
respeitados outros requisitos previstos na legislação aplicável; h) coleta de produtos não madeireiros
para fins de subsistência e produção de mudas, como sementes, castanhas e frutos, respeitada a
legislação específica de acesso a recursos genéticos; i) plantio de espécies nativas produtoras de
frutos, sementes, castanhas e outros produtos vegetais, desde que não implique supressão da
vegetação existente nem prejudique a função ambiental da área; j) exploração agroflorestal e
manejo florestal sustentável, comunitário e familiar, incluindo a extração de produtos florestais não
madeireiros, desde que não descaracterizem a cobertura vegetal nativa existente nem prejudiquem
a função ambiental da área; k) outras ações ou atividades similares, reconhecidas como eventuais e
de baixo impacto ambiental em ato do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA ou dos
Conselhos Estaduais de Meio Ambiente.”
65
na alínea ‘b’, inciso VIII, art. 3º). Diante destas novas disposições legislativas, é
recomendável que o CONAMA revise a Resolução nº 369/06, com vistas a adequá-
la à nova lei141.
Um ponto que se destaca na nova legislação refere-se à possibilidade de
supressão de APP em caso de “exploração agroflorestal sustentável praticada na
pequena propriedade ou posse rural familiar ou por povos e comunidades
tradicionais” (art. 3º, inciso IX, alínea ‘b’). Na vigência do regime jurídico anterior
(Resolução CONAMA nº 369/06), era possível a autorização de “manejo
agroflorestal, ambientalmente sustentável, praticado na pequena propriedade ou
posse rural familiar”. A diferença entre manejo agroflorestal e exploração
agroflorestal é que, no manejo, respeitam-se os mecanismos de sustentação do
ecossistema142, o que não é observado na exploração agroflorestal, que, por sua
vez, pode ser muito impactante ao ecossistema da APP (por exemplo, pode ensejar
contaminação do solo e dos recursos hídricos por insumos químicos)143.
Ponto de maior relevância é a inserção de cláusulas abertas nos três incisos
sob comento (inciso VIII, IX e X do art. 3º), que permitem o órgão ambiental a
autorizar supressão e alteração de APP discricionariamente, desde que: (1) sejam
atividades similares àquelas elencadas no inciso; (2) estejam caracterizadas e
motivadas em procedimento administrativo próprio; (3) inexista alternativa técnica e
locacional à atividade proposta e (4) esteja definida em ato do Chefe do Poder
Executivo federal, quando for o caso de utilidade pública ou interesse social (incisos
VIII, alínea ‘e’ e IX, alínea ‘g’). Quando se tratar de atividade eventual de baixo
impacto ambiental, são condições para autorização: (1) sejam atividades similares
àquelas elencadas no inciso; (2) estejam caracterizadas como eventuais e de baixo
impacto ambiental em ato do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) ou
dos Conselhos Estaduais (inciso X, alínea ‘k’).
141 Até fevereiro de 2013, não havia nenhuma chamada no sítio da internet do CONAMA
(http://www.mma.gov.br/port/conama) para debates acerca da revisão da mencionada Resolução. 142 Art. 3º, inciso VII, Lei nº 12.651/12. 143 MELO NETO, João Evangelista de. Comentários ao art. 3º, inciso X. In: MILARÉ, Édis; MACHADO,
Paulo Affonso Leme. Novo Código Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 92.
66
É recomendável também que, ao autorizar determinada atividade, tanto o
Chefe do Poder Executivo federal, como o órgão ambiental levem em consideração
a função ambiental da área de preservação permanente, assim como a função
socioambiental da propriedade, uma vez que são requisitos constitucionais que
devem nortear a função pública.
Como se vê, conceitos legais de utilidade pública, interesse social e baixo
impacto ambiental foram alargados, novas atividades econômicas foram
contempladas nas hipóteses legais, reduzindo, por conseguinte, a proteção das
áreas especiais ao ecossistema. Neste diapasão, entendemos que o princípio do
desenvolvimento sustentável, constante do parágrafo único do art. 1º-A do atual
Código, deverá exercer papel preponderante quando da interpretação e aplicação
dos dispositivos legais referentes à alteração e supressão de APP, visando
precipuamente a evitar que as atividades econômicas se sobreponham de modo
devastador aos ecossistemas que devem ser preservados permanentemente.
67
2. Área de Preservação Permanente nas Cidades
A análise deste capítulo torna necessário revolver, além de temas de Direito
Ambiental, outros que residem no âmbito do Direito Urbanístico. Trata-se de
matérias que possuem interface nestes dois ramos do Direito, de modo que, para
um estudo mais abrangente, é imprescindível deixar consignados alguns conceitos
do Direito Urbanístico, visando à compreensão holística da matéria, com vistas, em
especial, ao capítulo 3, que trata do Direito à Moradia.
No cumprimento deste mister, verificou-se que o Direito Ambiental e o Direito
Urbanístico, embora sejam áreas do conhecimento distintas, possuem, muitas
vezes, correlação íntima, já que em ambos os casos são estudadas as normas com
vistas ao bem-estar do indivíduo e da sociedade, buscando a melhor ordenação
territorial e, portanto, o equilíbrio do ambiente. Neste sentido, são as lições de Odete
Medauar:
A questão ambiental e a questão urbana apresentam-se intrincadas de modo forte e o ordenamento dos espaços urbanos aparece, sem dúvida, como instrumento da política ambiental. A implantação de uma política urbana hoje não pode ignorar a questão ambiental, sobretudo nas cidades de grande porte, onde adquirem maior dimensão os problemas relativos ao meio ambiente.144
Neste intento, o enfoque que permeia o presente estudo é uma visão
urbanística-ambiental, isto é, a conciliação entre regimes jurídicos distintos, porém
que perpassam pelas mesmas problemáticas quando de sua aplicação e, que,
portanto, devem ser interpretados em harmonia, em atendimento aos princípios da
máxima efetividade das normas constitucionais145 e da interpretação sistemática146.
144 MEDAUAR, Odete; ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de (Coords.). Estatuto da Cidade... São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 25. 145 O princípio da máxima efetividade é também chamado de princípio da eficiência ou da
interpretação efetiva. Na lição de José Joaquim Gomes Canotilho é assim definido: “a uma norma
constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. […] no caso de duvidas deve
preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais.” (Direito
Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2003, p. 1224.) 146 O método da interpretação sistemática é também conhecido como método da unidade do
sistema. Tercio Sampaio Ferra Jr. assim o define: “qualquer preceito isolado deve ser interpretado
em harmonia com os princípios gerais do sistema, para que se preserve a coerência do todo”.
(Introdução ao Estudo do Direito... São Paulo: Atlas, 2010, p. 257.)
68
2.1. Desenvolvimento Sustentável das Cidades
A ideia de desenvolvimento sustentável tem seu embrião na Conferência de
Estocolmo147 (Suécia), ocorrida em 1972, ocasião em que ficou evidenciada tensão
entre os países desenvolvidos (que propunham cuidados com o meio ambiente, em
detrimento do crescimento econômico) e países subdesenvolvidos ou em
desenvolvimento (que defendiam o crescimento econômico a qualquer custo). Ficou
marcada, a partir de então, uma falaciosa oposição entre desenvolvimento
econômico e social e desenvolvimento ambiental.
Posteriormente, em abril de 1987, a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente
e Desenvolvimento (UNCED)148 apresenta o relatório “Nosso Futuro Comum” (no
original: “Our Common Future”), que ficou conhecido como “Relatório Brundtland”,
no qual ficou consignada a possibilidade (e necessidade) de conciliação entre
desenvolvimento econômico e preservação ambiental, culminando no conceito de
desenvolvimento sustentável. A partir de então, esta expressão passou a veicular o
sentido de que o desenvolvimento econômico deve se dar de forma a atender as
necessidades das gerações presentes, sem comprometer a capacidade de produção
para as gerações futuras149. Para tanto, é imprescindível imprimir práticas de
produção que respeitem mais o meio ambiente, ante a finitude dos recursos
naturais. A doutrina150 ensina que este princípio se aplica apenas aos recursos
147 A rigor, Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano. Os conflitos decorreram
da visão de desenvolvimento econômico e a relevância que o meio ambiente possuía para cada um
dos países presentes. Como resultado, os dirigentes desta Conferência procuraram aproveitar as
contribuições positivas de ambos os blocos, foi criado o Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (PNUMA) e foi elaborada a Declaração sobre o Meio Ambiente Humano (ou Declaração de
Estocolmo, como ficou conhecida) – declaração constante de 26 princípios norteadores para as
decisões relacionadas aos temas ambientais. 148 Criada em 1983, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, presidida por Gro Harlem Brundtland
(primeira-ministra da Noruega à época), com o objetivo reexaminar os principais problemas do meio
ambiente e do desenvolvimento, em âmbito mundial, e formular propostas realistas para solucioná-
los. 149 DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Saraiva, 2008, pp. 110-111. 150 Ibid., p. 111.
69
renováveis; aos recursos não renováveis ou às atividades capazes de produzir
danos irreversíveis este princípio não se aplica.
Em termos de Brasil, verifica-se que este conceito foi integrado à
Constituição Federal de 1988, em seu art. 225, em que se consignou expressamente
o dever do Poder Público e da coletividade de defender e preservar o meio ambiente
“para as presentes e futuras gerações”.
Cristiane Derani151, citando Franco Archibugi et al., observa que a
implementação do desenvolvimento sustentável requer uma justa distribuição de
riquezas, nos países e entre os países. Com isso, agrega-se ao conceito de
desenvolvimento sustentável a busca pelo equilíbrio social, firmando-se suas bases
num tripé (triple bottom line) descrito como econômico-social-ambiental152.
É possível dizer que este ideal também está presente em nossa Carta
Magna, em seu art. 170, ao fundar as bases do desenvolvimento econômico em
bases sociais (valorização do trabalho), ao impor como objetivo da ordem
econômica “a existência digna, conforme os ditames da justiça social”, e, destacar
como princípios da economia tanto a “defesa do meio ambiente”, quanto a “redução
das desigualdades regionais e sociais”.
E este conceito foi trazido para o Direito Urbanístico quando o Estatuto da
Cidade (Lei nº 10.257/01) consignou como uma das diretrizes gerais da política
urbana:
[a] garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações153.
Com isto, têm-se incorporado no texto legal direitos sociais e difusos, e, com
isto, a busca pela dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, CF).
Neste tema, a doutrina nos ensina que “por cidades sustentáveis pode-se
entender aquelas em que o desenvolvimento urbano ocorre com ordenação, sem
caos e destruição, sem degradação. Possibilitando uma vida urbana digna para
151 DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 111. 152 Ignacy Sachs, economista contemporâneo, é um dos principais idealizadores do triple bottom line. 153 art. 2º, inciso I
70
todos”154 e que as “diretrizes de desenvolvimento urbano e diretrizes da política
urbana se equiparam”155. Assim, o desenvolvimento sustentável das cidades (ou o
desenvolvimento das cidades sustentáveis) está atrelado ao desenvolvimento da
política urbana. O parágrafo único do art. 1º do Estatuto da Cidade também reafirma
esta posição, na medida em que submete a propriedade urbana às suas normas de
ordem pública, normas estas que buscam, prioritariamente, o bem-estar social e o
equilíbrio ambiental, confira:
Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental. [destaques nossos]
Neste sentido, não é demais dizer que, para que as políticas públicas (leia-
se: planos urbanísticos) atendam aos objetivos constitucionais (garantia do bem-
estar dos habitantes das cidades) e do Estatuto da Cidade (equilíbrio ambiental,
direito às cidades sustentáveis, manutenção do meio ambiente), deverão também
atender as normas ambientais. E no intuito de atingir a sustentabilidade da urbe, o
Poder Público não poderá se esquivar de seu dever de preservação e defesa do
meio ambiente.
Adicionalmente, retoma-se a função ambiental das áreas de preservação
permanente: são áreas (incluindo solo, vegetação, bioma etc.) que receberam
proteção legal especial porque são imprescindíveis ao bem-estar da sociedade,
como por exemplo, evitar cheias, inundações e deslizamento de terras (erosão),
quando da ocorrência de chuvas torrenciais.
Com base nestes fundamentos, busca-se concluir que para que o Poder
Público atinja o bem comum fixado pelas leis urbanísticas, deverá conferir especial
atenção aos aspectos ambientais da cidade, cumprindo seus deveres legais
estampados nas normas de Direito Ambiental, inclusive no que tange ao respeito às
áreas de preservação permanente. Há, contudo, forte resistência, por parte dos
estudiosos do Direito Urbanístico, a aceitar a ingerência de normas federais na
esfera municipal, razão pela qual dedicamos o próximo tópico ao estudo da
distribuição das competências constitucionais.
154 MEDAUAR, Odete; ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de (Coords.). Estatuto da Cidade... São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 27. 155 Ibid., p. 22.
71
2.2. Competências Constitucionais
Ao tratar das áreas de preservação permanente nas cidades, faz-se
necessário tratar da divisão constitucional de competências dos entes federativos,
uma vez que há divergência na doutrina sobre a invasão de competência municipal
por parte da União156. A este respeito, José Afonso da Silva, através de sua
abordagem constitucional do Direito Ambiental157, assevera que a estrutura do
Federalismo brasileiro é deveras complexa, assim como o é o sistema de repartição
de competências158, e ensina que:
A Constituição de 1988 busca realizar o equilíbrio federativo por meio de uma repartição de competências que se fundamenta na técnica da enumeração dos poderes da União (arts. 21 e 22), com poderes remanescentes para os Estados (art. 25, § 1º) e poderes definidos indicativamente para os Municípios (arts. 29 e 30), mas combina, com essa reserva de campos específicos, áreas comuns em que se prevêem atuações paralelas da União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 23) e setores concorrentes entre União e Estados, em que a competência para estabelecer políticas gerais, diretrizes gerais e normas gerais cabe à União, enquanto se defere aos Estados e até aos Municípios a competência suplementar (arts. 24 e 30).159
No que tange à competência para legislar (formal) e administrar (material),
os poderes para atuar foram distribuídos segundo os arts. 21 a 24 e 30, todos da
Constituição Federal, sendo que os princípios que nortearam a distribuição de tais
poderes foram o da predominância de interesse – segundo o qual a União ingere no
que é de interesse geral, os Estados-membros, no que é de interesse regional, e os
Municípios, no que tange o interesse local; o Distrito Federal, por sua característica
híbrida, cumula os temas de interesses regionais e locais – e o da territorialidade –
156 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pp. 698-699;
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 744-
745; FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A Propriedade no Direito Ambiental. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010, pp. 222-230. 157 Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011, pp. 09-10. 158 Ibid., pp. 73-74. 159 Ibid., p. 74, itálicos nossos.
72
pelo qual cada ente federativo exerce seus poderes apenas e tão-somente em seus
limites territoriais160.
Daniela Libório, ao analisar as competências constitucionais, ensina que não
há hierarquia entre esses poderes, já que:
[...] as competências constitucionais assumem uma estrutura verticalizada, porém não hierarquizada. Significa dizer que naquelas matérias nas quais deva haver normas federais os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios devem respeitar as orientações gerais para após particularizarem seus interesses.161
Nesse diapasão, a mesma autora discorre acerca da sobreposição de
interesses, que poderá ocorrer diante de duas hipóteses: (a) quando se tratar do
mesmo assunto ou (b) de assuntos diferentes. Na primeira hipótese, continua a
autora, “a repartição de interesses (geral, regional e local) faz com que cada um atue
nos limites de suas atribuições (arts. 23-24 da CF, por exemplo)”162. Havendo
sobreposição de interesses em assuntos diferentes, “prevalecerá o interesse
nacional sempre. Resguardado tal interesse, o interesse local deverá sempre ser
respeitado, e a eventual divergência deverá ser composta dentro de uma expectativa
de respeito à instância municipal.”163
Estas são as recomendações acerca das competências constitucionais em
geral. A seguir, apresenta-se o entendimento doutrinário acerca das competências
ambientais e urbanísticas e da relação entre elas.
160 DI SARNO, Daniela Campos Libório. Competências Urbanísticas. In: DALLARI, Adilson Abreu;
FERRAZ, Sérgio. (Coords.) Estatuto da Cidade... São Paulo: Malheiros, 2006, p. 62. No mesmo
sentido: FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva,
2009, p. 129. 161 Ibid., p. 62. 162 Ibid., pp. 63-64. 163 Ibid., p. 64. No mesmo sentido: GRAF, Ana Cláudia Bento; LEUZINGER, Márcia Dieguez. A
Autonomia Municipal e a Repartição Constitucional de Competências em Matéria Ambiental. In:
FIGUEIREDO, José Guilherme Purvin de. Temas de Direito Ambiental e Urbanístico. São Paulo: Max
Limonad, 1998, p. 49.
73
2.2.1. Competências Constitucionais Ambientais
Em termos de meio ambiente, tem-se no caput do art. 225 a descrição de
competência material comum a todos os entes federativos: impõe-se “ao Poder
Público [...] o dever de defendê-lo e preservá-lo [o meio ambiente]”, o que é repetido
no art. 23, incisos VI e VII (proteger o meio ambiente e combater a poluição em
qualquer de suas formas, e preservar as florestas, fauna e flora). Segundo José
Afonso da Silva, “essa é uma competência mais voltada para a execução das
diretrizes, políticas e preceitos relativos à proteção ambiental”.164 Esta competência
material foi regulamentada pela Lei Complementar nº 140, de 08 de dezembro de
2011, que criou comissões para a cooperação entre os entes federativos (além de
consórcios, convênios etc.) para o tema de licenciamento ambiental especialmente.
Ao seu turno, a competência legislativa de cada um dos entes é encontrada
nos arts. 21 a 24 e 30 (todos da Constituição Federal), e estão dispostas conforme
segue:
a) A União possui posição de supremacia em relação aos demais entes
federativos, uma vez que a ela incumbem as normas gerais de meio
ambiente165 (art. 24, incisos VI a VIII, e § 1º), planos nacionais e regionais de
ordenação do território (art. 21, IX), entre outras competências não menos
relevantes, mas que desviam do objeto desta dissertação. Com base nesta
competência, foram elaborados, verbi gratia: Política Nacional do Meio
Ambiente (Lei nº 6.983/81), Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01), Política
Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/10), etc.
b) Estados-membros e Distrito Federal possuem o poder de legislar
supletivamente às normas gerais da União, nos termos do art. 24, VI a VIII, e
§ 2º:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: [...]
164 Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 79. 165 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 78.
74
VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição; VII – proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico; VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; [...] § 2º. A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.
Observe-se que eventuais normas de caráter supletivo deverão estar em
consonância com as normas gerais e com as políticas estabelecidas pelo ente
federal, não podendo contrariá-las, o que, em termos de meio ambiente, significa
dizer que os Estados podem estabelecer normas mais protetivas ao meio ambiente,
porém nunca poderão flexibilizar o tratamento dado pela União, pois aqui a
competência é para proteger o meio ambiente (pela dicção do art. 225), e não
simplesmente para regulamentar o uso dos bens ambientais166.
c) Os Municípios, por sua vez, possuem competência formal mais voltada
para o meio ambiente urbano (o que coincide com a competência
urbanística): nos termos do art. 30, inciso VIII, da Lei Maior, que lhe atribui o
poder de promover, no que couber, o adequado ordenamento territorial,
mediante planejamento e controle do uso, parcelamento e ocupação do solo
urbano, assim como o art. 182, CF, lhe confere a competência para
estabelecer o plano diretor e a Política de Desenvolvimento Urbano.
Adicionalmente, poderá o Município legislar sobre assuntos de interesse
local e suplementar a legislação federal e estadual (art. 30, incisos I e II, CF),
aplicando-se a mesma observação feita em relação aos Estados: a
suplementação deverá ser no sentido de proteger o meio ambiente (e não de
flexibilização da norma ambiental).
Importante notar que tanto no caso da competência para promover o
ordenamento territorial e para planejar o uso e parcelamento do solo urbano, como
no caso da Política de Desenvolvimento Urbano, ainda que o Município detenha a
competência derivada diretamente da Constituição Federal, deverá obedecer às
166 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, pp.
114-115; DEUS, Teresa Cristina de. Tutela da Flora... São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 110.
75
normas gerais instituídas pela União Federal, em virtude das expressões “no que
couber” do art. 30, inciso VIII, e “conforme diretrizes gerais fixadas em lei”, constante
da redação do caput do art. 182. São leis federais que devem ser observadas pelos
municípios, por exemplo: Lei nº 6.766/79 (Lei de Parcelamento do Solo), Lei nº
10.257/01 (Estatuto da Cidade), Lei nº 11.977/09 (Lei de Regularização Fundiária) e
Lei nº 12.651/12 (novo Código Florestal). Considerando que este é um tema
precipuamente urbanístico (não obstante sua forte aplicação em casos ambientais),
a abordagem mais completa é apresentada no tópico que segue. Por ora, fica
apenas o registro.
Uma vez apontadas as competências constitucionais dos entes federativos,
vale lembrar que a edição do Código Florestal se deu no exercício da competência
concorrente outorgada pelo art. 24, inciso VI, em combinação com o disposto no
caput do art. 225, ambos da Constituição Federal, de modo que evidentemente a Lei
nº 12.651/12 é uma norma geral, não só porque assim dispõe em seu art. 1º-A167,
mas também pelo seu conteúdo de diretrizes gerais, princípios, etc.168. Assim, deve
ser respeitada pelos Estados-membros, Distrito Federal e Municípios e pode ser por
eles suplementada (art. 24, § 2º, e art. 30, inciso II, ambos da Constituição Federal).
Por fim, destaca-se que, em se tratando de meio ambiente, há uma
peculiaridade: os efeitos e as repercussões dos danos ambientais ultrapassam as
fronteiras políticas dos entes federados e até mesmo das nações, de forma que é
corriqueiro envolver mais de um ente político quando da ocorrência de dano ao
ambiente de monta. E isso se reflete na distribuição de competências, na medida em
que alguns Estados podem proteger seu meio ambiente com mais eficiência do que
outros, de modo a levar à evasão da atividade regulada para outro Estado, onde não
encontra regulação ou onde ela é menos rigorosa169. Daí destaca-se a importância
167 “Art. 1º-A. Esta Lei estabelece normas gerais sobre a proteção da vegetação [...]” (destaque
nosso). 168 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Comentário ao art. 1º-A. In: Novo Código Florestal... São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 34. 169 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011, pp. 74-75.
No mesmo sentido: “Interessante verificarmos que o Texto Constitucional, ao atribuir ao Município
competências para legislar sobre assuntos de interesse locais, está-se referindo aos interesses que
atendem de modo imediato às necessidades locais, ainda que tenham repercussão sobre as
necessidades gerais do Estado ou do País. Com isso, questões como o fornecimento domiciliar de
água potável, o serviço de coleta de lixo, o trânsito de veículos e outros temas típicos do meio
ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho no âmbito do Município, embora de interesse local,
76
de haver uma normatização oriunda da União, em ordem de estabelecer um
patamar mínimo de proteção ambiental e, por conseguinte, minimizar eventuais
tratamentos díspares entre Estados sobre determinada atividade econômica.
Do que se expôs, é de se concluir que a competência material em Direito
Ambiental é comum a todos os entes federativos, enquanto que a competência
legislativa é distribuída entre os entes em diferentes graduações: à União,
competem as normas gerais; aos Estados, as regionais e aos Municípios, as locais,
sempre havendo respeito de todas as regras, isto é, ao adaptar uma regra nacional
às realidades regionais ou locais, não podem Estados e Municípios abrandarem a
proteção ao meio ambiente, mas apenas tornar mais rígidos os padrões de
preservação.
2.2.2. Competências Constitucionais Urbanísticas
Em termos de competências urbanísticas, aplica-se igualmente o que foi
exposto anteriormente a respeito da complexidade da distribuição de competências
na Constituição Federal: embora as peculiaridades do Direito Urbanístico imponham
que os interesses por ele tutelado sejam predominantemente da alçada do
Município, certas competências são distribuídas entre a União e Estados-membros,
tornando o tema tão complexo quanto o anterior. Por isso, de início, são elencadas
as normas dispostas no Texto Constitucional a respeito das competências
urbanísticas170:
a) A União possui competência material exclusiva para instituir diretrizes
para o desenvolvimento urbano (art. 21, incisos IX e XX), isto é, para
elaborar normas gerais de urbanismo, planos nacionais e regionais de
ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social;
competência material comum para proteger paisagens naturais notáveis,
proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas
‘não deixam de afetar o Estado e mesmo o país’.” (FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de
Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 133). 170 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 64-65.
77
formas e promover programas de construção de moradias e a melhoria das
condições habitacionais e de saneamento básico (art. 23, incisos III, VI e IX);
e competência concorrente para legislar sobre direito urbanístico, defesa do
solo, proteção do meio ambiente e controle da poluição, e ainda, proteção ao
patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico (art. 24, incisos
I, VI e VII).
b) Estados-membros e Distrito Federal possuem igualmente a
competência material comum para proteger o meio ambiente e combater a
poluição em qualquer de suas formas e promover programas de construção
de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento
básico (art. 23, incisos VI e IX); competência concorrente para legislar,
suplementarmente, sobre direito urbanístico, florestas, flora, conservação da
natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio
ambiente e controle da poluição, e ainda, proteção ao patrimônio histórico,
cultural, artístico, turístico e paisagístico (art. 24, incisos I, VI e VII); e apenas
os Estados-membros possuem competência exclusiva para criar regiões
metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões (art. 25, § 3º).
c) Municípios possuem competência própria para promover, no que
couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle
do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art. 30, inciso VIII) e
para promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a
legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual (art. 30, inciso IX), bem
como competência material para executar a política de desenvolvimento
urbano (art. 182) e formal para elaborar o plano diretor (art. 182, § 1º, CF).
Além de, é claro, poderem suplementar normas gerais federais ou normas
estaduais, com fundamento no art. 30, inciso II.
Diante desta distribuição de competências, verifica-se que, no que tange o
direito urbanístico, é a competência concorrente de grande importância. Nessa linha
de ideias, José Afonso da Silva apresenta especial preocupação com o conteúdo
das normas gerais. Inicia sua lição definindo normas gerais como “normas de leis,
ordinárias ou complementares, produzidas pelo legislador federal nas hipóteses
previstas na Constituição, que estabelecem princípios e diretrizes da ação legislativa
78
da União, dos Estados e dos Municípios”171 e alerta que as normas gerais, por
serem limitadoras da autonomia dos Estados e Municípios, devem ser
“compreendidas em sentido estrito”172, visando evitar a invasão de competência do
Município por parte do legislativo federal173. Para tanto, o doutrinador entende que o
conteúdo da norma geral deve ser cautelosamente fixado, através de algumas
diretrizes que ele mesmo indica, a saber, (1) devem estar expressamente previstas
na Constituição, (2) devem fixar princípios e diretrizes para o desenvolvimento
urbano nacional, (3) estabelecendo conceitos básicos de atuação, (4) indicando os
instrumentos para sua execução.
No que tange os instrumentos para execução dos planos urbanísticos, em
especial, os instrumentos de estímulo e desestímulo de comportamentos dos
jurisdicionados, Daniela Libório destaca o papel fundamental da norma geral para
contribuir para o desenvolvimento equilibrado do país:
[o] incentivo a certas atividades degradantes ou que ofereçam um grande potencial de risco aos trabalhadores ou à região em que são instaladas deve ser feito com cautela. O ente federal, neste sentido, pode estimular ou desestimular certas atividades ou condutas tendo como princípio o desenvolvimento equilibrado da região, considerando o contexto regional perante a Nação.174
Com isto, a doutrinadora relaciona o poder federal de editar normas gerais
com o dever de buscar o desenvolvimento equilibrado das atividades em seu
território. Neste mesmo sentido, José Afonso da Silva entende que o
desenvolvimento urbano a ser elaborado pelo legislativo federal deve obedecer ao
limite das diretrizes gerais para a adequada distribuição espacial da população e das
atividades econômicas:
O desenvolvimento urbano consiste na ordenada criação, expansão, renovação e melhoria dos núcleos urbanos. Não é objeto das normas gerais promover em concreto esse desenvolvimento, mas apenas apontar o rumo geral a ser seguido, visando a orientar a adequada distribuição espacial da população e das atividades econômicas com vistas à estruturação do sistema nacional de cidades e à melhoria da qualidade de vida da população.175
171 Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 67. 172 Ibid., p. 67. 173 Ibid., p. 67-68. 174 DI SARNO, Daniela Campos Libório. Competências Urbanísticas. In: DALLARI, Adilson Abreu;
FERRAZ, Sérgio (Coords.). Estatuto da Cidade... São Paulo: Malheiros, 2006, p. 67. 175 Op. cit., p. 68.
79
Não se pode deixar de mencionar artigo de Diogo de Figueiredo Moreira
Neto que, baseado em diversos autores, bem explorou o delicado tema dos limites
da competência entre Município e União. Após extensa análise do tema, o autor
elenca características que encontrou na doutrina que percorreu, para identificação,
caracterização e definição da norma geral, a saber:
(a) estabelecem princípios, diretrizes, linhas mestras e regras jurídicas
gerais;
(b) não podem entrar em pormenores ou detalhes, nem esgotar o assunto
legislado;
(c) devem ser regras nacionais, uniformemente aplicáveis a todos os entes
públicos;
(d) devem ser regras uniformes para todas as situações homogêneas;
(e) só são cabíveis quando preencham lacunas constitucionais ou
disponham sobre áreas de conflito;
(f) devem referir-se a questões fundamentais;
(g) são limitadas, no sentido de não poderem violar a autonomia dos
Estados e
(h) não são normas de aplicação direta176.
Este mesmo autor elenca uma “sobrecaracterística” da norma geral, que,
tamanha sua importância, merece ser tratada separadamente: trata-se de um
“conceito-limite”. E ele mesmo explica:
As normas gerais, enquanto normas, são impositivas de limites. O que as torna peculiares, todavia, são seus endereçamentos no contexto de poder organizado numa federação. Elas endereçam limites, ao mesmo tempo, para os legisladores federais e estaduais embora possam estendê-los para os aplicadores federais e, eventualmente, os estaduais: nessa plurivalência, sua
176 Competência concorrente limitada: O problema da conceituação das normas gerais. In: Revista de
Informação Legislativa. Brasília, ano 25, nº 100, out.-dez. / 1988, pp. 149-150.
80
peculiaridade; que a torna, como procuraremos demonstrar, um tertium genus normativo.177
Por oportuno, reiteramos aqui que tanto no caso da competência para
promover o ordenamento territorial e para planejar o uso e parcelamento do solo
urbano, como no caso da Política de Desenvolvimento Urbano, ainda que o
Município detenha a competência derivada diretamente da Constituição Federal,
deverá obedecer às normas gerais instituídas pela União Federal178, em virtude da
expressão “no que couber” do art. 30, inciso VIII, e “conforme diretrizes gerais
fixadas em lei”, constante da redação do caput do art. 182. São leis federais que
devem ser observadas pelos municípios a Lei nº 6.766/79 (Lei de Parcelamento do
Solo) e a Lei nº 10.257/01 (Estatuto da Cidade).
A este respeito, convém colacionar uma peculiaridade consignada ainda por
Diogo de Figueiredo Moreira Neto, à época da promulgação da Constituição de
1988: este autor considerava “redundante [a] ressalva [contida nas Cartas de 1967 e
1969] de que deveria ser ‘respeitada a lei federal’, obviamente inafastável em
qualquer das modalidades de competência concorrente”179. A partir da leitura deste
artigo, pode-se inferir que foi excluído, por ser considerado “redundante”, o art. 77 do
Anteprojeto da Comissão Afonso Arinos180, que assim estava redigido: “No exercício
da legislação suplementar, os Estados observarão a lei federal de normas gerais
preexistentes. [...]” Corrobora este entendimento outro trecho do mesmo artigo que,
ao comentar a então novel competência comum do atual art. 24, CF, assim ficou
registrado:
Uma consideração preliminar desse instituto [competência comum do art. 24] nos mostra que, sucessivamente, a lei federal (Bundes) prevalece sobre a estadual (Landes) e (peculiaridade nacional agora ainda mais acentuada) sobre a municipal (Kreis), de modo que a conhecida expressão, que resume tão bem as soluções de conflitos na competência clássica poderia estender-se assim: ‘Bundesrecht bricht Landesrecht und Kreisrecht; landesrecht bricht Kreisrecht’.181
177 Competência concorrente limitada: O problema da conceituação das normas gerais. In: Revista de
Informação Legislativa. Brasília, ano 25, nº 100, out.-dez. / 1988, p. 152. 178 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009,
pp. 342-343. 179 Op. cit., p. 135, itálicos nossos. 180 O Anteprojeto da Comissão Afonso Arinos deu origem ao texto da Constituição Federal de 1988. 181 Op. cit., p. 139. Neste ponto, o autor destaca o surgimento da autonomia administrativa e
legislativa dos Municípios na Carta de 1988, novidade à época.
81
Com isto, pretende-se demonstrar que a competência urbanística está
concentrada em poder dos Municípios. Não obstante, a edição de normas gerais por
parte da União não importa em automática invasão de competência das esferas
locais. A norma geral deve, sim, se manter nos estritos limites de fixação de
parâmetros nacionais, enunciadora de molduras de comportamentos a serem
preenchidas pelos Estados, Distrito Federal e Municípios. E, assim, devem os
legisladores estaduais, distritais e municipais obediência à norma geral, pois a eles é
destinada, como norma que estabelece um padrão, um limite, um standard jurídico a
ser observado em todo o território nacional. E esta obediência não fere a autonomia
municipal ou estadual; em verdade, reforça o vínculo federativo, na medida em que
centraliza, na União, poderes para manter a unidade da economia, da justiça social
e da proteção ao meio ambiente, isto é, os padrões nacionais de sustentabilidade.
2.3. Harmonização entre Normas Ambientais e Urbanísticas
A partir das considerações feitas a respeito das competências
constitucionais em matéria ambiental e urbanística, verificou-se que à União sempre
compete estipular normas gerais e planos nacionais e setoriais, os quais devem ser
respeitados e seguidos pelos Estados e Municípios, ainda que estes últimos
exerçam sua competência supletiva. Para o exercício desta competência da União,
alguns limites devem se seguidos, evitando-se, assim, a indesejável invasão de
competência da atividade legiferante de um entre sobre os demais.
A par disto, no nível infraconstitucional, ou seja, no exercício desta
competência para expedir normas gerais, constata-se que o legislador
frequentemente recomenda a aplicação de diversos diplomas legais em uma mesma
situação concreta, confira-se:
(a) o Estatuto da Cidade expressamente finca suas bases na proteção,
preservação e recuperação do meio ambiente natural (art. 2º, inciso XII).
Com isto, quer o legislador nacional englobar não só os princípios
ambientais decorrentes do art. 225 da Constituição Federal, como também
todo o arcabouço legislativo descrito nas normas ambientais, sendo os
82
principais a Política Nacional do Meio Ambiente, Política Nacional de
Resíduos Sólidos, Código Florestal, o Código de Águas182 etc.;
(b) a Lei de Parcelamento de Solo Urbano (Lei nº 6.766/79), por sua vez,
deixa expresso que “Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão
estabelecer normas complementares relativas ao parcelamento do solo
municipal para adequar o previsto nesta Lei às peculiaridades regionais e
locais” (art. 1º) e determina que sejam observadas as legislações estaduais
e municipais pertinentes (art. 2º, caput);
(c) o Código Florestal atual também faz constar o respeito às normas de
urbanismo: note que faz diversas remissões à Lei de Regularização
Fundiária (art. 3º, incisos IX e XXVI; arts. 64 e 65) e ao Estatuto da Cidade
(art. 25, inciso I) e outras leis municipais (art. 3º, inciso VIII, alínea ‘b’; art.
19) etc. Outros exemplos poderiam aqui ser citados, mas preferiu-se manter
o foco sobre os diplomas normativos abordados nesta dissertação.
Como se vê, a harmonização entre normas ambientais e urbanísticas é
estimulada pelo legislador nacional. A doutrina de Victor Carvalho Pinto corrobora
este entendimento, ao sugerir que as leis municipais sejam elaboradas levando-se
em consideração as diretrizes e objetivos fixados em lei federal:
[...] incumbe ao município promover o ordenamento territorial do solo urbano. A aplicação direta dos critérios definidos em lei federal nas áreas urbanas resultaria em um ordenamento territorial urbano federal, o que é inconstitucional. As normas federais devem, isso sim, ser levadas em consideração pelo município na elaboração do plano diretor e demais planos urbanísticos, como uma diretriz a ser compatibilizada com os demais objetivos da política urbana.183
Deste modo, o autor recomenda o atendimento às competências
constitucionais, seguindo-se as normas gerais ambientais elaboradas pelo Poder
Legislativo federal e respeitando também o poder normativo dos municípios, na
esfera de suas atribuições, qual seja, o ordenamento territorial urbano, de forma
182 SUNDFELD, Carlos Ari. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais. In: DALLARI, Adilson Abreu;
FERRAZ, Sérgio (Coords.). Estatuto da Cidade... São Paulo: Malheiros, 2006, pp. 49-50; CAROLO,
Fabiana. As Regularizações Fundiárias de Interesse Social... In: Revista da Fundação Escola Superior
do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Brasília, Ano 19, Edição Especial, pp. 100-131,
nov. 2011, p. 104. 183 PINTO, Vitor Carvalho. Direito Urbanístico... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 134,
destacamos.
83
mais concreta184. Pode-se dizer, portanto, que a solução apontada pelo autor
encontra apoio na Constituição Federal (como apresentado no tópico anterior), na
medida em que a norma geral nacional não pode ter aplicação imediata, já que é
endereçada ao legislador estadual e municipal, que a utilizará como parâmetro para
sua regulamentação regional e local.
Todas essas evidências nos levam à uma mesma conclusão: a sociedade
contemporânea, considerando seu nível de complexidade e tecnicidade, não
comporta mais normas jurídicas estanques em si mesmas e fechadas à interação
com outros diplomas normativos, mas sim deve ter a aplicação articulada das leis
pertinentes ao caso concreto, melhor dizendo: de tantas leis quantas forem as
pertinentes ao caso concreto. Com isto, é evidente que, assim como vem ocorrendo
em qualquer profissão, o papel do aplicador do Direito torna-se também mais
complexo, a exigir conhecimento multidisciplinar (de diversos ramos do Direito) e,
muitas vezes, até mesmo conhecimento específico de outras áreas do saber
(Economia, Arquitetura, Urbanismo, Geografia, Biologia etc.). E este movimento
culmina, necessariamente, na harmonização das normas ambientais e urbanísticas
quando da atividade de solução de um caso prático.
2.4. Aplicação do Código Florestal às Áreas Urbanas
Em continuidade, visando retornar ao tema principal de estudo, passa-se à
análise da aplicação do Código Florestal às áreas urbanas, com o fim de conferir
mais concretude ao quanto se argumentou até este ponto. Para tanto, introduz-se o
tema em perspectiva histórica, para sua melhor compreensão.
Quando da vigência do Código Florestal de 1965, o texto da Lei possibilitou
interpretações diferentes a respeito da aplicação de áreas de preservação
permanente em zona urbana. Isto porque a Lei, ao trazer a definição da APP, não
dizia expressamente que se aplicava à área urbana (como hoje ocorre no art. 4º da
Lei nº 12.651/12).
184 PINTO, Vitor Carvalho. Direito Urbanístico... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 134.
84
Deste modo, ainda que o legislador tivesse a intenção de tornar área
permanentemente protegida aquelas situadas nas cidades, críticas existiram, assim
como forte corrente contrária. Visando pacificar os entendimentos, a Lei nº 6.535/78
alterou o Código Florestal para incluir no conceito de APP “as florestas e demais
formas de vegetação natural situadas: [...] i) nas áreas metropolitanas definidas em
lei.” Porém, tal modificação foi revogada pela Lei nº 7.803, de 18 de julho de 1989,
que também acrescentou parágrafo único ao art. 2º, com a seguinte redação:
No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, obervar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo.
Ou seja, a aplicação do Código Florestal, no que tange às APPs em cidades,
seria, então, subordinada às leis municipais (leia-se: subordinada ao interesse das
administrações locais), em especial, ao plano diretor e à regulamentação de uso do
solo. Não obstante, a legislação municipal também deveria respeitar os princípios e
limites do art. 2º do Código Florestal. Contudo, este entendimento nunca foi pacífico.
Em que pese a orientação da legislação185, a redação do parágrafo acima
transcrito não foi suficiente para aplacar as alegações daqueles que entendiam
inexistir APP nas áreas urbanas. Parte da doutrina e da jurisprudência entendia que
deveria viger, nas cidades, o disposto no art. 4º, inciso III, da Lei de Parcelamento do
Solo Urbano (Lei nº 6.766/79)186; enquanto que nas zonas rurais, aplicável o Código
Florestal. Com isto, as áreas que margeassem rios, rodovias, ferrovias e dutos em
cidades estariam dispensadas da manutenção das áreas de preservação
permanente, mas teriam que manter área non aedificandi, que, por sua vez, seria
sempre de quinze metros. Tal entendimento era defendido, em geral, pelos
loteadores, que não tinham interesse em obedecer ao Código Florestal.
185 O trecho final do parágrafo único do art. 2º da Lei nº 4.771/65 dizia: “obervar-se-á o disposto nos
respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere
este artigo”, enquanto que a Lei nº 6.766/79 também fazia a ressalva: “salvo maiores exigências da
legislação específica”. 186 “Art. 4º. Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos: (...)III - ao longo
das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio público das rodovias, ferrovias e dutos,
será obrigatória a reserva de uma faixa non aedificandi de 15 (quinze) metros de cada lado, salvo
maiores exigências da legislação específica;”
85
Por sua vez, a doutrina ambientalista187 entendia serem aplicáveis
simultaneamente ambas as regras, sempre que fosse o caso de loteamento urbano,
de modo que as áreas non aedificandi não derrogavam as APPs. Neste
entendimento, a margem de rio, verba gratia, deveria ser mantida sem construção
por quinze metros (referentes à área non aedificandi) e, quando a APP fosse de
trinta metros, outros quinze metros adicionais deveriam ser preservados, por força
do Código Florestal.
Pior situação ocorria nos casos de águas dormentes (lagos, lagoas e
reservatórios naturais e artificiais), para as quais o Código Florestal de 1965
determinava a preservação permanente do entorno, porém não indicava a
metragem, o que foi definido através de regulamentação do Conselho Nacional do
Meio Ambiente (Resolução CONAMA nº 004/85). Para tais casos, havia ainda o
argumento de que resolução não poderia se sobrepor à lei ordinária, objeto de
discussão no âmbito do Poder Legislativo, representativo da sociedade.
Não apenas esta era a discussão posta, mas também havia quem
entendesse que os limites referidos no art. 2º da Lei nº 4.771/65 eram limites
máximos (e não mínimos); assim, leis municipais poderiam estabelecer limites
inferiores, legitimando, uma vez mais, apenas a aplicação da Lei de Uso do Solo
Urbano. Daniel Fink e Márcio Pereira, ao tratarem desta celeuma, rebateram de
forma bem objetiva e clara a este argumento falacioso:
Fosse a vontade da lei que, em se tratando de propriedade urbana, os limites pudessem ser inferiores aos do Código Florestal, seriam absolutamente inúteis as expressões ‘respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo’, bastando deixar para as normas locais e planos diretores o estabelecimento de tais limites.188
Adicionalmente, note que a mesma Lei de Parcelamento de Solo Urbano
proíbe o parcelamento do solo em áreas de preservação ecológica, em seu art. 3º,
187 Neste sentido: ver MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo:
Malheiros, 2008; SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros,
2011; FINK, Daniel Roberto; PEREIRA, Márcio Silva. Vegetação de preservação permanente e meio
ambiente urbano. In: Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 2, p. 77,
abr. / 1996. 188 Ibid., p. 6.
86
parágrafo único, inciso V189, o que, repita-se, reforça a possibilidade de vigência
simultânea das leis e demonstra o respeito recíproco entre a lei urbanística e a lei
ambiental.
Ainda em sentido contrário à orientação do Código Florestal e do Estatuto da
Cidade, vale mencionar a tentativa do Congresso Nacional de tornar mais flexível a
ocupação de áreas de preservação permanente em áreas urbanas, ao aprovar a Lei
nº 10.931/04, que, em seu art. 64, dispunha que “Na produção imobiliária, seja por
incorporação ou parcelamento do solo, em áreas urbanas e de expansão urbana,
não se aplicam os dispositivos da Lei 4.771, de 15.09.1965”. Contudo, este artigo foi
vetado pelo Presidente da República, por contrariar o previsto no art. 225 da
Constituição Federal. Com efeito, a manutenção do referido dispositivo acabaria por
afastar boa parte das condicionantes ambientais referentes à ocupação do espaço
urbano e, consequentemente, permitiria o desmatamento quase que sem restrições,
a partir da simples declaração de uma área como urbana ou de expansão urbana.190
Victor Carvalho Pinto191 oferece mais uma solução deveras adequada, no
sentido de que as áreas de preservação permanente sejam ocupadas pelo plano de
ordenamento territorial aproveitando-se sua função ecológica, sob o regime de
parques, como exemplifica. Tal sugestão contribui também para evitar a ocupação
irregular por população de baixa renda. Com isso, poderão os municípios evitar a
transgressão da norma federal.
E, finalmente, a partir de 2012, com o advento do novo Código Florestal, a
tendência é a pacificação deste entendimento, já que o art. 4º da Lei 12.651/12
dispõe expressamente que “Considera-se Área de Preservação Permanente, em
zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei: [...]” (destacamos). Neste sentido,
andou bem a lei em tornar explícito que as APPs devem ser protegidas também nas
cidades, evitando textos ambíguos, que geravam inúmeras interpretações e
contendas judiciais. Esta proteção também deve ser estendida às áreas mais
ocupadas, em razão de sua função ambiental, já destacada no capítulo 1.
189 Art. 3º, parágrafo único: “Não será permitido o parcelamento do solo: (...) V – em áreas de
preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a
sua correção.” 190 MOREIRA, Danielle de Andrade. O conteúdo ambiental dos planos diretores e o Código Florestal.
In: Revista de Direito Ambiental. Vol. 49, p. 73-95, jan. / 2008, p. 80. 191 Direito Urbanístico... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 134.
87
Neste novo cenário legal, observa-se que o texto expresso da lei (art. 4º
acima mencionado) anda em consonância com os princípios do Direito Ambiental e
do Direito Urbanístico, que recomendam a interação entre suas normas, como
mencionado no tópico anterior (Lei de Parcelamento do Solo, Estatuto da Cidade,
Lei de Regularização Fundiária, etc.) e, por este motivo, espera-se que o dilema que
ocorria no passado seja superado com a contribuição dada pela nova
regulamentação.
88
3. Regularização Fundiária
Nos grandes centros urbanos do Brasil, desde a década de 1970, houve a
consolidação da situação de moradia irregular, em condições precárias, por meio de
loteamentos clandestinos e invasões de terras urbanas disponíveis (públicas ou
particulares), o que, por conseguinte, gerou (e ainda gera) aglomerados urbanos que
crescem diariamente e se tornaram verdadeiros bairros informais (por exemplo
Heliópolis, na cidade de São Paulo, e a Rocinha, no Rio de Janeiro), como relata
Lígia Melo192. Estes aglomerados urbanos – inobstante a falta de infraestrutura
básica de equipamentos de infraestrutura – se configuram como a melhor solução
encontrada por parte da população, quando ausentes condições econômico-
financeiras para custear uma moradia adequada. Segundo a mesma autora, a
execução de obras pontuais nestas comunidades é feita após reivindicação da
população assentada, mediante troca por votos em época de eleições: neste
contexto, não há um plano de inserção dos bairros no planejamento urbano do
município193, mas apenas alterações pontuais e frequentemente oportunistas.
Nesses quadros é frequente a ausência de sistema de saneamento básico, o
que causa, como consequência, a poluição de rios, riachos, lagos, represas e
mares, que afetam não apenas a referida comunidade, mas também toda a região
em que se desenvolve a ocupação regular, e até mesmo outros Estados da
Federação. Além disto, quando a ocupação se dá em área de risco – tais como
encostas de morro, áreas geologicamente instáveis, beira de rios, charcos e
várzeas, isto é, em alguns tipos de áreas de preservação permanente –, a
vulnerabilidade desta população é ainda maior, em razão da ocorrência de
deslizamentos e inundações, que destroem vidas e o pouco de bens acumulados. E,
não bastando a tragédia, aqueles que passam por esta situação são, muitas vezes,
realocados pelo Poder Público em local impróprio, segundo a mesma autora194.
192 Direito à Moradia no Brasil... Belo Horizonte: Fórum, 2010, pp. 28, 255-257. 193 Ibid., p. 256. 194 Ibid., p. 257.
89
Trata-se de eventos que, não raras vezes, ocorrem nas cidades e metrópoles
brasileiras, em especial em épocas de chuvas. Em tempos de valorização do
mercado imobiliário, a remoção é feita sempre que necessário para receber
investimentos, e sem qualquer planejamento.
3.1. Déficit Habitacional e Ordem Jurídica
Considerando a situação precária de habitação de milhões de pessoas no
Brasil, a sistematização das leis que dizem respeito à moradia é assunto de relevo,
uma vez que se trata de tema que reflete a desigualdade social e econômica e que
mantém grande contingente da população à margem de condições mínimas de
sobrevivência195. Isto porque parte da população economicamente desfavorecida,
como já mencionado, sem condições financeiras de pagar pelo preço da terra em
bairros dotados de infraestrutura pública – ou seja, com arruamento organizado e
interligado à rede de transporte público, instalações de saneamento básico,
iluminação pública, coleta de resíduos, estabelecimentos de ensino público e saúde,
entre outros –, buscou estabelecer sua moradia em áreas e terrenos públicos e
particulares mais distantes, que não estivessem sendo utilizados ou vigiados.
Em trabalho desenvolvido em 2002 pelo Instituto Pólis196, apontou-se que
esta urbanização informal traz consequências socioeconômicas, urbanísticas e
ambientais graves, que afetam, além dos assentamentos informais, a cidade e a
população urbana como um todo. No que toca o aspecto ambiental, que é o que se
destaca no presente estudo, o Instituto Pólis informa que é comum que os
assentamentos irregulares tomem as áreas ambientalmente frágeis, já que
normalmente são protegidas legalmente por fortes restrições de uso e, portanto,
195 Segundo o Censo Demográfico de 2010 do IBGE, mais de 11 milhões de brasileiros vivem em
“aglomerados subnormais” no País, termo utilizado pelo Instituto para identificar assentamentos
irregulares em geral, tais como favelas, invasões, palafitas etc. 196 Regularização da Terra e Moradia. Pólis, 2002, pp. 12-13.
90
deixam de ser atrativas ao mercado imobiliário formal. Estas áreas caem, então,
num vazio demográfico que as torna propícias à ocupação clandestina197. Neste
sentido, conclui o estudo que a ordem jurídica também possui importante papel na
produção da informalidade urbana, na medida em que a propriedade, quando
desprovida de sua função social, resulta num “padrão essencialmente especulativo
do crescimento urbano”, que traz ainda segregação social, espacial e ambiental. A
dificuldade de acesso ao Poder Judiciário também foi destacada como fator para a
consolidação da ilegalidade e da segregação198.
Embora o estudo aponte que a ocupação irregular pode ocorrer de várias
formas (favelas, ocupação, loteamentos clandestinos ou irregulares, cortiços etc.),
concluiu que podem ocorrer em áreas loteadas e ainda não ocupadas, áreas
alagadas, áreas de preservação ambiental, áreas de risco e terrenos destinados a
uso coletivo, a equipamentos comunitários, a programas habitacionais, a praças ou
parques. Pela diversidade, infere que não é possível traçar critérios e estratégias
válidos para todas as situações, razão pela qual recomenda que cada situação fática
seja analisada por meio de vários fatores, visando à melhor solução. Chama a
atenção o fato de que as irregularidades urbanísticas tendem aos espaços
ambientalmente frágeis – tais como áreas alagadas (área de várzea, manguezal,
salgados, apicuns, áreas úmidas, etc.), áreas de preservação ambiental199 e áreas
de risco (encostas íngremes, por exemplo). E vale reproduzir aqui um alerta:
A informalidade entre os mais pobres precisa ser urgentemente enfrentada. Mesmo sendo a única opção de moradia permitida aos pobres nas cidades, não se trata de uma boa opção, em termos urbanísticos, sociais e ambientais, e nem sequer de uma opção
197 No mesmo sentido: MELO, Lígia. Direito à Moradia no Brasil... Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.
255. 198 É importante observar que o trabalho do Instituto Pólis data de 2002 e, na última década, houve
evolução tanto com relação à função socioambiental da propriedade – uma vez que o Novo Código
Civil passou a viger em 10.01.2003 –, quanto ao acesso ao Judiciário – em especial em virtude da
sedimentação do Estatuto da Cidade e das Defensorias Públicas estaduais, atuantes nas áreas de
regularização fundiária. Esta evolução não invalida, contudo, o levantamento feito pelo trabalho de
pesquisa. 199 CAROLO, Fabiana. As Regularizações Fundiárias de Interesse Social... In: Revista da Fundação
Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Brasília, Ano 19, Edição
Especial, pp. 100-131, nov. 2011, p. 100.
91
barata, já que o crescimento das práticas de informalidade e o adensamento das áreas ocupadas têm gerado custos elevados de terrenos e aluguéis nessas áreas, além de altos custos e baixa qualidade de gestão das próprias cidades. Em outras palavras, os pobres no Brasil têm pago um preço muito alto – em vários sentidos – para viverem em condições precárias, indignas e cada vez mais inaceitáveis.200
Como se vê, a urbanização informal envolve a lesão a fundamentos e
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, expressos nos arts. 1º e
3º da Constituição Federal, a saber: a cidadania, a dignidade da pessoa humana, a
construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento
nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das
desigualdades sociais e regionais, bem como a promoção do bem de todos201. Por
este motivo também é que o Instituto Pólis aponta que:
os programas de regularização devem objetivar a integração dos assentamentos informais ao conjunto da cidade, e não apenas ao reconhecimento da segurança individual da posse para os ocupantes. [...] a remoção pura e simples da população, para atender ao estabelecido na lei, se mostra socialmente insustentável – ao mesmo tempo [em] que a regularização das ocupações não tem como atender aos parâmetros legais.202
Neste contexto, é necessária – senão imprescindível – uma legislação
dedicada ao tema que proteja o direito à moradia e viabilize a regularização das
ocupações ilegais, e mais, dê efetividade e concretude a este direito. Veremos nos
próximos itens a evolução do ordenamento jurídico, no que tange a estes temas.
3.2. Histórico Legislativo do Direito à Moradia
3.2.1. Direito à Moradia na Comunidade Internacional
A partir da Carta de Atenas203, o Urbanismo e o Direito Urbanístico tomaram
uma nova concepção, mais moderna. Neste movimento, foram definidas como
200 INSTITUTO PÓLIS. Regularização da Terra e Moradia. Pólis, 2002, p. 13. 201 “A irregularidade mais significativa nos assentamentos informais é, justamente, estar muito
abaixo dos padrões estabelecidos pela legislação” (INSTITUTO PÓLIS. Ibid.,p. 18). 202 Ibid., pp. 16-18. 203 A Carta de Atenas foi um manifesto urbanístico, redigido pelo arquiteto Le Corbusier, resultante
do IV Congresso Internacional de Arquitetura Moderna, realizado em Atenas, em 1933. A Carta de
Atenas é referência atual para o urbanismo moderno.
92
funções essenciais da cidade a habitação, o trabalho, o lazer e o transporte. Lígia
Melo informa que:
a cidade apenas exerce sua função quando permite a todos aqueles que nela residem ou por ela circulem o acesso aos direitos fundamentais garantidos não somente em nossa Constituição, mas em grande parte dos textos legais pelo mundo. Seu pleno desenvolvimento pode ser verificado quando houver redução das desigualdades sociais, promoção da justiça social, em que políticas públicas de desenvolvimento urbano prevejam a modificação da realidade excludente e segregatória.204
Destaca-se, no presente estudo, a função de moradia, com seu respectivo
direito205. É o ponto de partida para uma sociedade justa e solidária proposta pela
Constituição da República Federativa do Brasil, visto que a moradia adequada é
imprescindível para reduzir a pobreza, a marginalização e as desigualdades sociais,
objetivos fundamentais estampados no art. 3º, inciso III da Constituição. Novamente
é Lígia Melo que acrescenta que “a garantia do direito de morar dignamente faz
parte do direito ao pleno desenvolvimento e emancipação econômica, social e
cultural do indivíduo, tendo fonte no direito que toda pessoa tenha um nível
adequado de vida”206. Antes deste movimento urbanista, já existiam normas
urbanísticas, porém com preocupação mais voltada para as questões sanitárias e
estéticas. Aos poucos, a legislação evoluiu para incorporar elementos publicistas,
tais como o conceito de função social da propriedade (peça-chave ou princípio
fundamentador do direito urbanístico207 e importante direito fundamental) e de uso e
ocupação do solo208.
Ao lado destes elementos, a função social da cidade, o direito a cidades
sustentáveis, o bem-estar de seus habitantes e sua gestão democrática também
foram paulatinamente incorporados ao ordenamento jurídico pátrio, dando suporte
para o enfrentamento da questão dos assentamentos urbanos irregulares
(regularização fundiária), um dos problemas mais complexos existentes na maioria
204 Direito à Moradia no Brasil... Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 32. 205 O direito à moradia é o verso da moeda das ocupações irregulares, a serem remediadas mediante
processo de regularização fundiária. 206 Ibid., p. 34. 207 PINTO, Victor Carvalho. Direito Urbanístico... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 161. 208 DI SARNO, Daniela Campos Libório. Direito Urbanístico Moderno... São Paulo: PUC/SP, 2002, pp.
19-44.
93
das cidades brasileiras, viabilizando a concretização do direito à moradia
adequada209.
A moradia, no Direito contemporâneo, foi reconhecida no rol de Direitos
Humanos, como se vê no art. 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (de
1948), no art. 11 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
(de 1966) e item 31 da Declaração de Viena (de 1993), Agenda 21 (de 1992), para
mencionar os principais diplomas internacionais. Mas foi através do citado Pacto
Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966 (ratificado pelo
Brasil mediante o Decreto nº 592, de 6 de julho de 1992), que houve a assunção de
obrigações e responsabilidades pelos Estados membros de promover e proteger o
direito à moradia, seja por seus esforços próprios, seja por meio de assistência e
cooperação internacional (arts. 2º e 11).
Conferências específicas sobre o tema moradia ocorreram em 1976
(Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos – HABITAT I) e
1996 (Conferência sobre Assentamentos de Istambul – HABITAT II, donde surgiu a
Agenda Habitat, relevante documento a este respeito, com princípios, metas,
compromissos e um plano global para as nações sobre a melhoria dos
assentamentos humanos). A partir de então, o direito à moradia foi reafirmado como
um direito humano, o que confere ao Estado o dever de assegurá-lo210, e confere ao
próprio direito a possibilidade de ser defendido no plano internacional em face do
Estado descumpridor de suas responsabilidades.
E mais: uma vez alçado ao plano de direito humano, o direito à moradia não
pode ter seu conteúdo restringido ou suprimido, mas apenas aprimorados e
fortalecidos, como ensina Flávia Piovesan211. Lígia Melo deixa expresso que:
209 SAULE JÚNIOR, Nelson. Prefácio. In: MELO, Lígia. Direito à Moradia no Brasil... Belo Horizonte:
Fórum, 2010, p. 15. 210 SAULE JÚNIOR, Nelson. O Direito à Moradia como Responsabilidade do Estado Brasileiro. In:
SAULE JÚNIOR, Nelson (Coord.). Direito à Cidade... São Paulo: Max Limonad e Pólis – Assessoria,
Formação e Estudos em Políticas Sociais, 1999, p.64. 211 Temas de Direitos Humanos. São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 56.
94
A demonstração da previsão internacional sobre o direito à moradia ilustra a densidade que ele possui, identificando-o como inerente ao exercício da cidadania, a qual não se completa sem o acesso da moradia adequada. [...] A moradia é um direito inerente à pessoa humana, vinculado ao direito humano a um padrão de vida adequado, e não se extingue com a violação de quaisquer regras de direito por seu detentor, pois inalienável 212.
3.2.2. Direito à Moradia em Território Nacional
Sobre este tema, a legislação que vigia até o século XX não só era
insuficiente, como agravava a exclusão das comunidades de baixa renda: em
primeiro lugar, porque a definição legal da propriedade privada (assim com sua
aplicação pelos tribunais pátrios), até então, não contava com o conceito de função
social da propriedade – prevista constitucionalmente no art. 5º, inciso XXIII, mas não
descrita pela legislação ordinária: isto resultava num padrão essencialmente
especulativo de crescimento urbano213. Em segundo lugar, as poucas leis
urbanísticas existentes à época não levavam em conta seu impacto socioambiental,
mantendo a população mais carente em situação de ilegalidade, sem possibilitar sua
inclusão social ou mesmo a instalação de sua moradia em local adequado. Lígia
Melo acrescenta que:
A ausência de políticas públicas para a habitação aumentou a procura da população pobre e desprovida de recursos materiais pelo acesso à habitação, sem a capacidade de atender ao exigido pelo mercado imobiliário. Tal conjuntura, provocada pela atuação especuladora e livre do mercado, com o apoio ativo ou omisso do Poder Público, levou tais pessoas a ocupar irregularmente imóveis sem infraestrutura, situados, muitas vezes, em áreas ambientalmente frágeis, que só pioram a situação de exclusão social e degradação ambiental e humana.214
212 Direito à Moradia no Brasil... Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 37-39. 213 INSTITUTO PÓLIS. Regularização de Terra e Moradia. Pólis, 2002, pp. 12-13. 214 Op. cit., p. 22.
95
Como já se viu, o aspecto legal deste quadro está em constante alteração no
cenário internacional, desde a segunda metade do século XX. No Brasil, as
alterações ocorreram de forma mais concreta na primeira década deste século XXI,
a partir do advento da Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000.
Esta Emenda reforçou a característica do direito à moradia como um direito social
fundamental, e, por conseguinte, colocou fim a qualquer tese contrária a isto. Além
disto, a Emenda nº 26 trouxe o fundamento constitucional necessário para a
promulgação de importantes leis imprescindíveis ao processo de regularização
fundiária, a saber:
a) O novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002), que
confere os contornos da função socioambiental da propriedade privada,
b) O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001), que
trouxe diversos instrumentos para que o Poder Público possa realizar, em
concreto, a regularização fundiária,
c) A Lei nº 11.977, de 07 de julho de 2009, que institucionalizou o
Programa Minha Casa Minha Vida e os programas de regularização
fundiária, foi importante ao integrar as licenças urbanísticas e ambientais,
d) Mais recentemente, o novo Código Florestal (Lei nº 12.651, de 25 de
maio de 2012, com as alterações da Lei nº 12.727, de 17 de outubro de 12)
conferiu uma sistematização mais coerente para os casos em que a
regularização fundiária deve ser efetuada em áreas ambientalmente
sensíveis.
Este aparato legislativo equipou o Poder Público para operar as
transformações sociais e efetivar o direito à moradia nas áreas de mais risco social,
ambiental e à saúde, através dos processos de regularização fundiária. Isto porque,
embora os direitos humanos sociais estejam na base da Constituição da República
Brasileira, assim como ocorre na maioria dos Estados contemporâneos, Nelson
96
Saule Júnior esclarece que isto não significa sua efetivação e concretização em seu
pleno gozo e exercício215. Esta ausência de efetividade ou concretude para os
direitos fundamentais (individuais, políticos e sociais) também foi anotada por Ana
Paula de Barcellos:
Desde o início do século XX, portanto, tem-se procurado transformar o atendimento dessas necessidades em direitos, introduzindo-os no ordenamento jurídico. Esta foi a fórmula encontrada para afirmar que esses bens fundamentais formam imperativos da dignidade humana, não podendo depender da provisão do mercado. Apesar das previsões normativas, o problema não foi resolvido ao longo do século XX. A sociedade contemporânea (de forma mais grave nos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos, embora o fenômeno não seja desconhecido das grandes potências) convive com um contingente humano que, embora dispondo de um arsenal de direitos e garantias assegurados pelo Estado, simplesmente não tem como colher esses frutos da civilização.216
Esta autora inclui expressamente o direito à moradia no conteúdo do
“mínimo existencial” da dignidade da pessoa humana, no mais constituído também
pelo direito à saúde, à educação e à assistência social aos necessitados. Segundo
ela, é no bojo da assistência social que se insere o direito à moradia (junto com os
demais direitos sociais do art. 6º da Constituição Federal), imprescindível para que o
indivíduo não caia em situação de indignidade217. A partir disto, a autora sintetiza:
A conclusão a que se pode chegar neste ponto é que a assistência social constitucionalmente determinada pretende produzir um efeito no mundo dos fatos, a saber: socorrer os desamparados, como último recurso para garantir a dignidade humana, evitando sua total deterioração.218
Assim é que o direito à moradia faz parte do núcleo rígido, do piso mínimo
vital necessário à manutenção da dignidade humana. Para tanto, o arcabouço
legislativo novo trouxe instrumentos que se transformaram em marcos institucionais
para a implementação da regularização fundiária e, com isto, dar efetividade ao
direito à moradia e à função social da propriedade.
215 O Direito à Moradia como Responsabilidade do Estado Brasileiro. In: SAULE JÚNIOR, Nelson
(Coord.). Direito à Cidade... São Paulo: Max Limonad e Pólis, 1999, p. 68. 216 A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, pp. 115-116. 217 Ibid., pp. 148-190. 218 Ibid., p. 190.
97
3.3. Função Social da Propriedade
Considerando a relevância da função social da propriedade, não só por se
tratar de direito fundamental estampado no art. 5º, inciso XXIII da atual Constituição
Federal, mas também por ser princípio formador do direito urbanístico, do direito
ambiental e da ordem econômica, é indispensável tecer alguns comentários a este
respeito, ainda que sem a pretensão de exaurir o tema.
A função social da propriedade, apesar de já estar presente no ordenamento
jurídico brasileiro desde a Constituição de 1934219, somente deixou de ser mera
citação retórica com a promulgação da Constituição da República de 1988, que
trouxe transformações profundas na disciplina da propriedade privada, ao integrar os
ideais de Estado Social Democrático, isto é, ao prever maior intervenção estatal na
economia, sem deixar de garantir a propriedade privada e a livre iniciativa220. Assim,
foi arrolada no art. 5º, incisos XXII e XXIII, a garantia do direito à propriedade privada
seguida do imperativo: “a propriedade atenderá a sua função social” (itálico nosso).
Adicionalmente, no art. 170, a função social da propriedade foi designada
como princípio formador da ordem econômica, ao lado da livre iniciativa e da
propriedade privada (incisos II e III) – assim como ocorre com a defesa do meio
ambiente (elencado no inciso VI do mesmo artigo) –, e, portanto, deve ser tomada
como premissa das atividades desenvolvimentistas (por exemplo, mercado
imobiliário e de construção civil), colocando limites às ideias liberais extremadas221.
219 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Novos Aspectos da Função Social da Propriedade no Direito
Público. In: Revista de Direito Público. n. 84, 1987, pp, 40-41. 220 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 381; SILVA,
José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 76-77; HUMBERT,
Georges Louis Hage. Direito Urbanístico e Função Socioambiental da Propriedade Imóvel Urbana.
Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 93; LEVIN, Alexandre. Parcelamento, Edificação e Utilização
Compulsórios de Imóveis Públicos Urbanos. Belo Horizonte: Fórum, 2010, pp. 26-27. 221 LEVIN, Alexandre. Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios de Imóveis Públicos
Urbanos, pp. 57-58. Georges Louis Hages Humbert (baseado em J. J. Gomes Canotilho e Vital
98
Numa interpretação sistemática da Constituição sobre o tema, Victor
Carvalho Pinto ensina que a leitura do art. 170 em conjunto com o texto do art. 174
do Texto Magno reflete “um limite preciso à função social da propriedade”, uma vez
que, no que tange as atividades econômicas, não se pode “impor comportamentos
específicos ao setor privado, embora sejam aceitos incentivos a determinadas
atividades, desde que decorram de um planejamento anterior”222. Porém, o mesmo
autor esclarece que o planejamento de políticas urbanas e agrárias se mostra como
exceção a tal regra (do art. 174), porque o exercício da propriedade urbana foi
vinculado constitucionalmente ao plano diretor223, inclusive com a previsão de
sanções para os proprietários que não atenderem ao aproveitamento planificado
(parcelamento e edificação compulsórios, IPTU progressivo no tempo e
desapropriação sanção, conforme consta do art. 182, § 4º.), de modo que o plano
diretor é determinante para a atuação do setor privado224. Corroboram este
entendimento os esclarecimentos de Georges Louis Hage Humbert:
Dessarte, como princípio jurídico da ordem econômica, [a função social da propriedade] tem incidência destacada sobre as matérias pertinentes à política urbana e agrícola, fundiária e de reforma agrária. Neste sentido, funciona como verdadeiro vetor a influir e irradiar sobre todos os atos jurídicos desta natureza. Em outros termos: tanto o legislador, na elaboração da lei, o julgador, ao proferir decisões judiciais, quanto o administrador, ao expedir atos administrativos, devem observar, em última instância, o referido princípio [...].225
Moreira) destaca que a função social da propriedade é princípio jurídico “mais por sua nítida
natureza de norma basilar, dotada de alto grau de generalidade e abstração que se irradia por todo o
sistema” do que por força da dicção do art. 170 da Constituição (Direito Urbanístico e Função
Socioambiental da Propriedade Imóvel Urbana. Belo Horizonte: Fórum, 2010, pp. 99-100). 222 PINTO, Victor Carvalho. Direito Urbanístico... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 179. 223 Art. 182, § 2º.: “A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências
fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.” 224 Ibid., p. 179. Neste mesmo sentido, ver também SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico
Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 79. 225 Direito Urbanístico e Função Socioambiental da Propriedade Imóvel Urbana. Belo Horizonte:
Fórum, 2009, p. 101.
99
A doutrina226 entende que o cumprimento da função social da propriedade
está relacionado com a subordinação dos interesses privados do proprietário ao
interesse coletivo (ou social)227. José Afonso da Silva relaciona também este
cumprimento à realização das funções urbanísticas (habitação, trabalho, recreação e
circulação) ou função social da cidade228. Esta subordinação aos interesses
coletivos ou públicos reflete-se na obrigação do proprietário de se abster de praticar
atos contrários à lei, ao interesse coletivo, assim como a adotar condutas positivas
com o fim de dar destinação ao bem que atenda aos interesses públicos (e não
apenas aos seus próprios interesses)229. E isto pode ser exemplificado com o
atendimento às exigências fundamentais do plano diretor – por determinação do art.
182, § 2º, CF –, assim como da legislação federal, tal como o Código Florestal230.
Cristiane Derani esclarece que:
O direito de propriedade, isto é, o direito de um sujeito para a detenção de determinado bem, só é protegido pelo ordenamento jurídico se este sujeito detentor do jus utendi, fruendi et abutendi, limitado pelas disposições jurídicas, desenvolver seu domínio
226 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 75-82;
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Novos aspectos da função social da propriedade no direito
público. In: Revista de Direito Público. N. 84, 1987; BEZNOS, Clóvis. Desapropriação em Nome da
Política Urbana. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio (Coords.) Estatuto da Cidade... São
Paulo: Malheiros e SBDP, 2006, pp. 120-123; PINTO, Victor Carvalho. Direito Urbanístico... São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2011, pp. 175-178; LEVIN, Alexandre. Parcelamento, Edificação e Utilização
Compulsórios de Imóveis Públicos Urbanos. Belo Horizonte: Fórum, 2010, pp. 39-47; HUMBERT,
Georges Louis Hage. Direito Urbanístico e Função Socioambiental da Propriedade Imóvel Urbana.
Belo Horizonte: Fórum, 2009, pp. 101-111. 227 Sobre a evolução história do direito de propriedade, ver LEVIN, Alexandre. Op. cit., pp. 39-47. Ele
esclarece que desde o direito romano, assim como na Idade Média a propriedade já tinha esta
concepção social. Segundo o mesmo autor, foi o pensamento liberal que trouxe o caráter mais
individualista para a propriedade privada, mas ainda assim não deixou de haver subordinação a
determinados bens coletivos (como o direito de vizinhança, por exemplo) (pp. 21-30). Sobre a
distinção entre a função social da propriedade e as limitações (ou restrições) ao direito de
propriedade, ver excelente análise feita por FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A Propriedade
no Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pp. 100-104, ocasião em que o autor
aborda o tema, inclusive as divergências conceituais da doutrina administrativista sobre limitações e
restrições administrativas. 228 Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 77. 229 HUMBERT, Georges Louis Hage. Op. cit., p. 107. 230 FIGUEIREDO, José Guilherme Purvin de. Op. cit., p. 103.
100
mantendo o bem-estar conquistado da sociedade e acrescentando vantagens para a vida social.231
Guilherme José Purvin de Figueiredo232 faz um paralelo entre a teoria da
função social da propriedade e a teoria do abuso de direito (esta última desenvolvida
por Josserand), para concluir que a utilização da propriedade sem respeitar sua
função social pode ser equiparada ao exercício do direito com abuso: trata-se de
ilícitos que devem ser igualmente sancionados pelo ordenamento jurídico.
Não é demais ressaltar que a atual Constituição brasileira conferiu o status
de direito fundamental à função social da propriedade233, ao elencá-la no art. 5º,
inciso XXIII, promovendo-lhe proteção especial, como é de se destacar, por
exemplo, a cláusula pétrea234, constante do art. 60, § 4º, inciso IV, da
Constituição235. E isso reflete diretamente no direito à moradia, uma vez que a
função social da propriedade urbana apenas será cumprida quando do atendimento
ao direito à moradia, visando à melhoria das condições de vida da população que
atualmente habita regiões distantes e desprovidas de infraestruturas básicas.
Mas a função social da propriedade apenas ganhou regulamentação
infraconstitucional com a promulgação do Código Civil de 2002236, que assim dispõe
em seu art. 1228, parágrafo 1º:
Art. 1228. § 1º. O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
231 A Propriedade na Constituição de 1988 e o Conteúdo da “Função Social”. In: Revista de Direito
Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 63 (itálicos do original). 232 A Propriedade no Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pp. 96-100. 233 HUMBERT, Georges Louis Hage. Direito Urbanístico e Função Socioambiental da Propriedade
Imóvel Urbana. Belo Horizonte: Fórum, 2009, pp. 95-98. 234 LEVIN, Alexandre. Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios de Imóveis Públicos
Urbanos. Belo Horizonte: Fórum, 2010, pp. 55-57. 235 Art. 60. § 4º: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...] os
direitos e garantias individuais.” 236 LEVIN, Alexandre. Op. cit., pp. 52-55.
101
Nos termos propostos pelo Código Civil de 2002, a função social da
propriedade marcou a ruptura com a concepção extremamente individualista da
propriedade privada que vigia sob a regência do Código Civil de 1916, ao subordinar
a posse ao bem-estar social – ou, conforme os termos da lei: “finalidades
econômicas e sociais” e preservação do meio ambiente. E o acréscimo do ideário
ambientalista à função social da propriedade foi bastante significativo para a doutrina
do Direito Ambiental237, que trouxe até mesmo um neologismo: a função
socioambiental da propriedade.
3.4. Função Socioambiental da Propriedade
A utilização da propriedade de acordo com os interesses públicos, dotado
também do viés ambiental, levou Georges Louis Hage Humbert a cunhar a
expressão “função socioambiental da propriedade urbana”, por entender que a
expressão pode ser extraída do ordenamento jurídico (não se trata, portanto, de
mera elucubração extrajurídica)238.
No que diz respeito à função socioambiental da propriedade rural, a própria
Constituição tratou de incluir expressamente o respeito ao meio ambiente no
conceito de função social da propriedade, quando, no seu art. 186, dispõe que “a
função social é cumprida quando a propriedade rural atende [...] utilização adequada
dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente”. Além disto, o
237 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pp. 774-776. Este
autor lembra também que o Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64) estabelece há décadas que “a
propriedade da terra desempenha integralmente sua função social quando”, dentre outros requisitos
“assegura a conservação dos recursos naturais” (art. 2º, § 1º, alínea c). 238 Direito Urbanístico e Função Socioambiental da Propriedade Imóvel Urbana. Belo Horizonte:
Fórum, 2009, pp. 115-138.
102
Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64) já rezava no mesmo sentido (art. 2º, §1º, alínea
c239). Mas o mesmo não ocorre com relação à função social da propriedade urbana.
Para construir seu raciocínio, Humbert fundamenta sua interpretação a partir
da Constituição Federal, altamente rica em referências ao meio ambiente, o que foi
elevado ao status de direito fundamental na Carta de 1988, assim como a
propriedade e sua função social240. Ele destaca que:
Estamos diante de um princípio jurídico, implícito, e que, por esta natureza, já repisada alhures, tem caráter prescritivo, é dever-ser do qual resultam direitos e obrigações (positivas e / ou negativas).241
Auxilia na fundamentação deste entendimento a disciplina constante do
Código Civil de 2002, que, como já visto, engloba a preservação ambiental no
conceito de função social da propriedade disciplinado no art. 1228, § 1º. E, com isto,
é possível asseverar que a função social da propriedade (rural ou urbana) não será
atendida enquanto não forem “preservados, de conformidade com o estabelecido em
lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o
patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.”
Outras normas já mencionadas neste estudo trazem implícito este princípio
da função socioambiental, a saber: o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01) e a Lei
de Regularização Fundiária (Lei nº 11.977/09), que fazem (ambas) inúmeras
menções substanciais à preservação do meio ambiente, confira: o Estatuto da
Cidade aponta, desde logo, que (1) regula o uso da propriedade urbana em prol do
equilíbrio ambiental (art. 1º, § 1º) e que (2) a política urbana tem por objetivo ordenar
o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana,
mediante diversas diretrizes gerais (art. 2º), dentre elas, destaca-se o planejamento
das cidades, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus
239 “Art. 2º. § 1°. A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando,
simultaneamente: [...] assegura a conservação dos recursos naturais”. 240 Direito Urbanístico e Função Socioambiental da Propriedade Imóvel Urbana. Belo Horizonte:
Fórum, 2009, pp. 119-122. 241 Direito Urbanístico e Função Socioambiental da Propriedade Imóvel Urbana. Belo Horizonte:
Fórum, 2009, p. 124.
103
efeitos negativos sobre o meio ambiente (inciso IV). Quando disciplina o plano
diretor (arts. 39 e ss.), esta Lei dispõe que:
Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2º desta Lei. [destaque nosso]
Ou seja, o próprio Estatuto da Cidade submete o cumprimento da função
social da propriedade urbana ao atendimento das diretrizes de seu art. 2º, dentre as
quais se encontra arrolada a preservação ambiental (inciso XII). Noutras palavras, é
possível dizer que o respeito ao meio ambiente é princípio formador das normas do
Estatuto da Cidade.
Por sua vez, a Lei nº 11.977/09 prevê que o projeto de regularização
fundiária deverá definir as medidas de sustentabilidade ambiental (art. 51, inciso III);
assim como que seja feito o licenciamento ambiental do projeto (art. 53, § 1º), dentre
outras previsões que demonstram a preocupação pela preservação ambiental
quando o caso de regularização fundiária.
Odete Medauar e Guilherme José Purvin de Figueiredo242 corroboram este
entendimento, ao admitirem a “funcionalização social” decorrente da evolução do
direito de propriedade, o que pode ser sentido em matéria urbanística, agrária e
ambiental. Purvin exemplifica sua exposição com o Código de Águas, o Código de
Mineração, o primeiro Código Florestal e a Lei de Tombamento de Bens Culturais
(diplomas da década de 1930), ressalta a intensificação da evolução da década de
1960, com o Estatuto da Terra, o segundo Código Florestal, o Código de Pesca e a
Lei de Proteção à Fauna, e demonstra a continuidade do movimento nos anos mais
recentes, com a Política Nacional do Meio Ambiente, a Lei de Crimes Ambientais
(Lei nº 9.605/98), a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei nº
242 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p.
342; FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A Propriedade no Direito Ambiental. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010, p. 100.
104
9.985/00), Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01) e a Lei da Mata Atlântica (Lei nº
11.428/06).
Além deste arcabouço jurídico elencado, não é demais concluir que no
atendimento do interesse público e no cumprimento da ordem legal, a propriedade
urbana também está subordinada à legislação ambiental (além, é claro, das
restrições urbanísticas) – afinal, uma propriedade urbana que desrespeite lei
ambiental estará certamente classificada como ilegal, o que não pode coexistir com
o cumprimento de sua função social.
3.5. Atual Conteúdo do Direito à Moradia
Derivado do direito à vida, o direito à moradia nos dias atuais é expresso
como “direito à moradia adequada”, uma vez que o seu conteúdo não se restringe à
faculdade de morar sob um teto, mas é composto pelo direito de viver com
segurança, paz e dignidade243, visando propiciar melhora nas condições econômicas
e sociais, acesso a transporte público eficiente, à saúde e à educação de qualidade,
ao saneamento básico, à energia elétrica, ao lazer, à cultura e aos esportes244. Para
tanto, a moradia adequada deve ser composta das seguintes condições245:
(a) segurança jurídica da posse;
243 Comentário Geral nº 4 sobre Direito à Moradia Adequada expedido pelo Comitê dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais; SAULE JÚNIOR, Nelson. A Proteção Jurídica da Moradia nos
Assentamentos Irregulares. São Paulo: PUC/SP, 2003, pp. 113-116; SAULE JÚNIOR, Nelson;
CARDOSO, Patrícia de Menezes. O Direito à Moradia no Brasil. São Paulo: Instituto Pólis, 2005, p. 22;
MELO, Lígia. Direito à Moradia no Brasil... Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 38; CAROLO, Fabiana. As
Regularizações Fundiárias de Interesse Social... In: Revista da Fundação Escola Superior do
Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Brasília, 2011, p. 101. 244 MELO, Lígia. Op. cit., pp. 30-31. 245 De acordo com o Comentário Geral nº 4 (expedida pelo Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais da Organização das Nações Unidas); cf. SAULE JÚNIOR, Nelson. Op. cit., p. 116-117; SAULE
JÚNIOR, Nelson; CARDOSO, Patrícia de Menezes. Op. cit., p. 22; Lígia Melo, Op. cit., pp. 37-38.
105
(b) disponibilidade de serviços e infraestrutura, tais como acesso à água
potável, energia elétrica, iluminação pública etc;
(c) custo acessível da moradia;
(d) habitabilidade, com condições básicas de saúde e de proteção contra
intempéries climáticas;
(e) acessibilidade, isto é, a moradia deve ser acessível a todo ser humano,
seja por seus próprios esforços ou através de políticas públicas, com
destaque para pessoas consideradas em desvantagem (idosos, portadores
de necessidades especiais, vítimas de desastres naturais, pessoas que
vivem em áreas de risco, crianças, etc.);
(f) localização que possibilite acesso a emprego, escolas, tratamento de
saúde, áreas de lazer etc., isto é, inserção (ou integração) social;
(g) adequação cultural, para garantia do respeito à identidade cultural da
comunidade, incluindo toda a diversidade possível.
Acrescente-se, também, que o direito à moradia compõe o padrão de vida
adequado ao indivíduo (piso mínimo vital), ao lado de outros direitos, tais como o
direito à alimentação, educação, saúde e assistência social246. Como direito humano
social que é, Nelson Saule Júnior ensina que o Estado brasileiro tem obrigação de
garanti-lo, sob dois aspectos: o primeiro, no sentido de impedir a regressão deste
direito, impedindo ações e medidas que dificultem ou impossibilitem seu exercício; e,
no segundo aspecto, tem-se a obrigação de promover e proteger o direito à moradia,
regulando as atividades econômicas referentes à política habitacional (Estado
246 BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002, pp. 148-190.
106
regulador)247. Além disto, por se tratar de desdobramento do direito à vida, está
diretamente relacionado ao direito à saúde, direito à alimentação, ao saneamento
básico e ao meio ambiente saudável248.
Para o enfoque dado no presente estudo, destaca-se que a moradia
adequada deve respeitar a segurança e a saúde de seus habitantes. A adequação
também pode ser verificada quando a moradia não está inserida em área
ambientalmente protegida, para que fique configurada a segurança jurídica da
posse.
Lígia Melo conclui que “trata-se de identificação de interesses difusos,
configurando, portanto, que a todos interessa a ordenação urbana parametrizada
nos direitos fundamentais do indivíduo”249. Vale lembrar: mais do que um direito
difuso, faz parte do rol de direitos humanos, e como tal deve ser tratado pelo Poder
Público, que não pode se escusar de tomar as medidas apropriadas para sua
concretização250. Nesta linha de ideias, a lesão ao direito à moradia se configura
como uma lesão aos demais direitos também251.
3.6. Regularização Fundiária e Direito Ambiental
Caracterizado como direito fundamental, também consagrado no plano
internacional do rol dos direitos humanos, tanto quanto o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, o direito à moradia deve ser sempre sopesado quando
estiver em conflito com o previsto no art. 225 da Constituição Federal. É a
247 SAULE JÚNIOR, Nelson. O Direito à Moradia como Responsabilidade do Estado Brasileiro. In:
SAULE JÚNIOR, Nelson (Coord.). Direito à Cidade... São Paulo: Max Limonad e Pólis, 1999,p. 78. 248 SAULE JÚNIOR, Nelson. A Proteção Jurídica da Moradia nos Assentamentos Irregulares. São
Paulo: PUC/SP, 2003, p. 150. 249 MELO, Lígia. Direito à Moradia no Brasil... Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 31. 250 Ibid., p. 39. 251 Ibid., p. 40.
107
doutrina252 que recomenda que, nos casos difíceis (ou hard cases253), isto é, quando
houver aparente conflito entre princípios jurídicos ou constitucionais consagrados,
que seja aplicada a técnica da ponderação. Quer-se dizer com isso que não há
derrogação de um princípio em prol da aplicação integral de outro: a ponderação
implica na adequação dos princípios envolvidos (aparentemente em conflito), dando-
lhes, a ambos, a máxima aplicação possível no caso em concreto. E isto, quando for
o caso de conflito entre o direito á moradia adequada e o direito ao meio ambiente
equilibrado, deve ser resolvido a partir dos textos principiológicos das normas legais
e constitucionais já apresentadas antes neste estudo.
Assim é que, em termos de política urbana, deve ser invocado inicialmente o
Estatuto da Cidade – na qualidade de “conjunto normativo intermediário”, como nos
ensina Carlos Ari Sundfeld254 –, que expressamente finca suas bases na proteção,
preservação e recuperação do meio ambiente natural (art. 2º, inciso XII, entre outras
diretrizes). Com isto, quer o legislador nacional englobar não só os princípios
ambientais decorrentes do art. 225 da Constituição Federal, como também todo o
arcabouço legislativo descrito nas normas ambientais, sendo as principais a Política
Nacional do Meio Ambiente, o Código Florestal, o Código de Águas255 etc. Em
outras palavras, é de se verificar que o legislador infraconstitucional, utilizando sua
competência para o estabelecimento de diretrizes gerais fixada pelo caput do art.
182 da Constituição, determinou ao legislador municipal, através do Estatuto da
Cidade, que observe, quando da elaboração de sua política urbana municipal (plano
diretor, verbi gratia), as normas federais e nacionais que tratam da proteção e
recuperação do meio ambiente natural, por ser também seu dever defendê-lo e
252 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y
Constitucionales, 2001, pp. 111-115; CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da
Constituição. Coimbra: Edições Almedina, 2003, pp. 1182-1183 e 1240-1241; PADILHA, Norma Sueli.
Colisão de Direitos Metaindividuais e a Decisão Judicial. Porto Alegre: Sergio Antonio Frabris Editor,
2006, pp. 116-121. 253 HART, Herbert L. A. O Conceito do Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007, passim. 254 SUNDFELD, Carlos Ari. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais. In: DALLARI, Adilson Abreu;
FERRAZ, Sérgio (coords.). Estatuto da Cidade... São Paulo: Malheiros e SBDP, 2006, pp. 52-54. 255 Ibid., pp. 49-50; CAROLO, Fabiana. As Regularizações Fundiárias de Interesse Social... Revista da
Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Brasília, nov. 2011,
Edição Especial, p. 104.
108
preservá-lo, por ordem do art. 225 da Carta Magna (“Todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à
sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”, itálicos nossos).
Como já discutido no capítulo anterior, Daniela Libório256 esclarece esta
questão: no que tange à competência concorrente constante do art. 24 da
Constituição Federal, tal competência é designada a mais de um ente federativo,
sem que haja conflito entre suas atribuições: “o termo ‘concorrência’ é aqui
entendido como uma soma de atribuições diferenciadas sobre um mesmo
assunto”257, havendo desdobramento de uma competência complementar e outra
suplementar, da seguinte forma: a União edita normas gerais (§ 2º do art. 24); na
ausência de normas gerais da União, Estados-membros e Distrito Federal podem
editar normas gerais (que terão sua eficácia suspensa quando a União normatizar o
tema, conforme § 4º do mesmo artigo); em havendo normas gerais da União,
Estados-membros e Distrito Federal legislarão sobre seus interesses, editando
normas complementares; e, por fim, o Município suplementará tais normas, com
fundamento no art. 30, inciso II.
É certo que os temas aqui tratados (direito urbanístico e proteção do meio
ambiente) estão elencados no rol das competências concorrentes do art. 24 (incisos
I e VI, respectivamente) e em capítulos próprios (arts. 182-183 e art. 225,
respectivamente). E conclui a autora: “Nestes artigos [referindo-se apenas aos arts.
182-183] o texto constitucional impõe ao legislador federal a elaboração de normas
gerais sobre política urbana e determina que o Município será o responsável pelo
desenvolvimento urbano local.”258 Embora a douta professora faça referência
apenas à política urbana, não é demais utilizar o mesmo raciocínio para a política
ambiental, de modo que se considera, mais uma vez, justificada a tese de
intercâmbio harmonioso entre a legislação ambiental e urbanística, sem que haja
256 DI SARNO, Daniela Campos Libório. Competências Urbanísticas. In: DALLARI, Adilson Abreu;
FERRAZ, Sérgio (Coords.). Estatuto da Cidade... São Paulo: Malheiros e SBDP, 2006, p. 64-65. 257 Ibid., p. 64. 258 Ibid., p. 65.
109
implicação de conflito de competências legislativas entre as esferas federal e
municipal.
Por todos estes motivos é que se considera afastada a tese defendida em
alguns artigos259 de invasão de competência municipal por lei federal quando é
aplicado o Código Florestal em área urbana.
Corrobora com o posicionamento aqui exposto o princípio da função
socioambiental da propriedade, já comentado anteriormente, que determina que,
seja em área urbana, seja em área rural, a propriedade, pública ou privada, deve
preservar, “em conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as
belezas naturais, o equilíbrio ecológico”260. Vê-se neste dispositivo legal mais uma
manifestação do legislador infraconstitucional de inclusão do caráter de preservação
ambiental na conduta do proprietário de qualquer imóvel, agora no âmbito civil, ou
seja, no que respeita a relação que o proprietário tem com a coisa, assim como na
relação que ele tem com a comunidade, em razão do imóvel.
Até aqui se defendeu que o Código Florestal deve ser respeitado seja na
propriedade rural, seja na propriedade urbana; e com isso as áreas de preservação
permanente devem ser restauradas. Porém, como se viu nos tópicos anteriores, há
casos em que o direito à moradia entra em aparente conflito com o direito ao meio
ambiente equilibrado, especialmente porque é frequente que as ocupações
irregulares se instaurem em áreas ambientalmente frágeis, como é o caso da APP.
Nestes casos, é comum que haja judicialização da situação, em especial porque a
Administração Pública municipal, ao regularizar a situação fundiária de um grupo de
moradores (ou posseiros), esbarrará no direito de propriedade dos titulares das
259 PIETRE, Ronald. O Código Florestal e as Zonas Urbanas. Revista de Direito Ambiental, São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2006, p. 355; MAIA, Leonardo Castro. A Reserva Legal Florestal e os Imóveis
Situados em Zona Rual, Urbana e de Expansão Urbana. Revista de Direito Ambiental, São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2011, p. 375. Esta tese era bastante propalada durante a vigência do Código
Florestal de 1965. Com a edição da Lei nº 12.651/12 e o texto do seu art. 4º, tornou-se incontroversa
a existência de APP em área urbana, embora possa ainda subsistir a discussão sobre configuração ou
não de invasão de competência da legislação federal (Código Florestal) sobre matéria de
competência municipal (interesse local de definir as áreas non aedificandi). 260 Art. 1.228, § 2º, do Código Civil.
110
terras (direito registrário), no direito de posse daqueles que estão ali vivendo (direito
de posse e urbanístico), em áreas de mananciais de responsabilidade do Estado-
membro ou em áreas de matas ciliares de rios estaduais, áreas de marinha (direito
ambiental), etc. Ou seja, são muitos os interesses envolvidos, e, via de regra, tais
interesses são difusos, complexos, conflitantes, colidentes, o que, por conseguinte,
deverá ser resolvido pelo Poder Judiciário, no exercício de suas funções
precípuas261.
Nestas situações, andou bem a Lei nº 11.977/09 ao regulamentar, em
âmbito nacional, o instituto da regularização fundiária. Nesse mister, dispõe em seu
art. 46 que a regularização fundiária visa “garantir o direito social à moradia, o pleno
desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado”, ou seja, estes três valores embasadores do
Estado Democrático de Direito – moradia, propriedade urbana e meio ambiente –,
todos eleitos como direito fundamental pela Carta Magna, deverão ser o objetivo da
regularização fundiária e deverão permanecer garantidos, vale dizer, concretizados.
E mais, ao estabelecer os princípios da regularização fundiária (art. 48), a mesma
Lei determinou que sejam respeitadas as diretrizes gerais do Estatuto da Cidade,
bem como as “políticas setoriais ambientais [...] nos diferentes níveis de governo”
(inciso II). Retome-se que, por “políticas setoriais ambientais” deve-se entender: a
Política Nacional do Meio Ambiente, o Código Florestal, o Código de Águas etc.
261 Norma Sueli Padilha, ao analisar a colisão de direitos metaindividuais, ressaltou a dificuldade do
Poder Judiciário para solucionar lides que envolvem direitos difusos, quando comparado com lides
individuais, em suas palavras: “Sendo assim, trata-se de lides que se diferenciam, nitidamente, das
lides de natureza privada, pois implicam conflitos que envolvem novas tarefas promocionais ao
Poder Judiciário, referidas no campo afeto, usualmente, às políticas públicas. Nesse sentido, afirma
Cappelletti que as lides ambientais obrigam o juiz ‘[...] a aceitar a tarefa de ultrapassar o papel
tradicional de decidir conflitos de natureza essencialmente privada’, advertindo entretanto para os
riscos decorrentes do crescimento dos poderes judiciais, dado que tal transformação, no papel do
Judiciário, não pode implicar simplesmente na troca da discricionariedade administrativa e
legislativa, pela judiciária, especialmente nas hipóteses em que ‘[...] um sério controle exija o
emprego de conhecimentos sofisticados ou técnicas especializadas, as quais, embora possam estar à
disposição do legislador e da administração pública, são, amiúde, dificilmente acessíveis aos tribunais
judiciários’.” (Colisão de Direitos Metaindividuais e a Decisão Judicial. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris Editor, 2006, pp. 47-48.)
111
Com isso, pode-se subsumir que, em regra, a regularização fundiária deverá
respeitar, preservar e restaurar as áreas de preservação permanente, nos termos da
legislação pertinente.
Contudo, as situações excepcionais já vistas (ocupação de população de
baixa renda em áreas ambientalmente sensíveis) impedem a manutenção ou
restauração da APP. A ocupação pode se dar em Unidade de Conservação ou
mesmo em área de preservação permanente assim considerada por seus atributos
naturais. Para cada um desses casos, há previsão legal, na legislação pertinente,
com respectivas soluções.
Nesse sentido, a Lei nº 9.985/00 (Lei do Sistema Nacional de Unidades de
Conservação) já previa a possibilidade de ocupação em Área de Preservação
Ambiental (APA) (art. 15) e Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) (art. 16),
por populações tradicionais já residentes na Unidade de Conservação no momento
de sua criação (art. 36 do Decreto nº 4.340, de 22 de agosto de 2002). Para tais
casos, a Lei nº 11.977/09 estendeu suas disposições referentes ao procedimento de
regularização, consoante art. 53, § 3º, em especial no que tange a necessidade de
anuência do órgão gestor da Unidade de Conservação (UC): “No caso de o projeto
abranger área de Unidade de Conservação de Uso Sustentável que, nos termos da
Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, admita a regularização, será exigida também
anuência do órgão gestor da unidade.”
Quer-se dizer com isto que a Unidade de Conservação não é, em tese,
incompatível com ocupação humana e regularização fundiária, porém, deverá
respeitar alguns critérios e requisitos legais mais rígidos – por exemplo: manter os
ecossistemas naturais, com objetivo de conservação da natureza, como dispõe o
mencionado art. 16 –, não podendo o processo ocorrer de forma arbitrária e apenas
considerando o aspecto da moradia.
Quando for o caso de regularização fundiária em APP, verifica-se que a Lei
nº 11.977/09 também se preocupou em regulamentar o tema especificamente em
seu art. 54. A lei prevê, então, condições de ordem objetiva (a saber, que a
ocupação tenha ocorrido até 31 de dezembro de 2007 e apenas em área urbana
112
consolidada262) e condições de ordem subjetiva (quais sejam: decisão motivada do
município e a comprovação de que as condições ambientais serão melhoradas com
a regularização). Confira o texto do § 1º do art. 54:
§ 1º. O Município poderá, por decisão motivada, admitir a regularização fundiária de interesse social em Áreas de Preservação Permanente, ocupadas até 31 de dezembro de 2007 e inseridas em área urbana consolidada, desde que estudo técnico comprove que esta intervenção implica a melhoria das condições ambientais em relação à situação de ocupação irregular anterior.
Como se vê, nestes pontos da legislação, a proteção ao meio ambiente e a
busca por seu equilíbrio cedem espaço para o direito à moradia, como forma de
harmonizar os valores constitucionais em aparente colisão.
Nesse diapasão, o tema foi incluído no Novo Código Florestal (Lei nº
12.651/12, com a redação dada pela Lei nº 12.727/12). Por este diploma legal, a
intervenção ou supressão das Áreas de Preservação Permanente em áreas urbanas
ou rurais foi autorizada expressamente pelo art. 8º263. Porém está condicionada às
hipóteses de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental, como já
se viu anteriormente. A chamada regularização fundiária está compreendida nos
casos de interesse social, consoante art. 3º, inciso IX, alínea ‘d’, da Lei nº
262 O conceito legal de área urbana consolidada consta da mesma Lei, em seu art. 47, inciso II: “área
urbana consolidada: parcela da área urbana com densidade demográfica superior a 50 (cinquenta)
habitantes por hectare e malha viária implantada e que tenha, no mínimo, 2 (dois) dos seguintes
equipamentos de infraestrutura urbana implantados: a) drenagem de águas pluviais urbanas; b)
esgotamento sanitário; c) abastecimento de água potável; d) distribuição de energia elétrica; ou e)
limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos”. O Novo Código Florestal, alinhado com a Lei nº
11.977/09, faz remissão ao conceito descrito na Lei de Regularização Fundiária. Sobre crítica aos
critérios eleitos pela lei, ver comentários de BASTOS, Marina Montes. Comentários ao art. 3º, inciso
XXVII. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme (Coord.). Novo Código Florestal..., São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, pp. 135-137. 263 “Art. 8º. A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente
somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto
ambiental previstas nesta Lei.”
113
12.651/12264. Os arts. 64 e 65 da mesma Lei também disciplinam a regularização
fundiária de interesse social e de interesse específico.
Quando for o caso de ocupação de APP em área com restinga ou
manguezais em região urbana, a previsão legal para regularização está no parágrafo
2º do mesmo art. 8º265. Em tais hipóteses, a intervenção ou supressão pode ser,
excepcionalmente, autorizada, quando a função ecológica do manguezal estiver
comprovadamente comprometida, e apenas para fins exclusivos de obras de
habitação ou urbanização, inseridas em projetos de regularização fundiária de
interesse social, em áreas urbanas consolidadas ocupadas por população de baixa
renda.
Com o objetivo expresso de harmonizar a regularização ambiental com a
regularização fundiária da Lei nº 11.977/09 – isto é, nos casos em que estiver
presente o direito à moradia adequada –, o legislador traçou detalhes da
regularização ambiental em áreas de interesse social nos arts. 64 e 65, vinculando o
procedimento às disposições da Lei nº 11.977/09266. Assim, vê-se que a
regularização ambiental de supressão de APP somente é autorizada pelo novo
Código Florestal quando ocorrer em benefício do direito de moradia, no estrito
contexto da regularização fundiária da Lei nº 11.977/09.
264 “Art. 3º. Para os efeitos desta Lei, entende-se por: [...] IX - interesse social: [...] d) a regularização
fundiária de assentamentos humanos ocupados predominantemente por população de baixa renda
em áreas urbanas consolidadas, observadas as condições estabelecidas na Lei nº 11.977, de 7 de
julho de 2009” 265 “§ 2º. A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente de
que tratam os incisos VI e VII do caput do art. 4º poderá ser autorizada, excepcionalmente, em locais
onde a função ecológica do manguezal esteja comprometida, para execução de obras habitacionais e
de urbanização, inseridas em projetos de regularização fundiária de interesse social, em áreas
urbanas consolidadas ocupadas por população de baixa renda.” 266 Diz o caput destes artigos: “a regularização ambiental será admitida por meio da aprovação do
projeto de regularização fundiária, na forma da Lei 11.977, de 7 de julho de 2009”.
114
Para tanto, a lei trata de modo diferenciado a regularização fundiária de
interesse social (art. 64267) e de interesse específico (art. 65268), que, não por acaso,
estão correlacionadas à disciplina dos arts. 53 a 60-A, e arts. 61 e 62
(respectivamente), da Lei nº 11.977/09.
267 “Art. 64. Na regularização fundiária de interesse social dos assentamentos inseridos em área
urbana de ocupação consolidada e que ocupam Áreas de Preservação Permanente, a regularização
ambiental será admitida por meio da aprovação do projeto de regularização fundiária, na forma da
Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009. § 1º. O projeto de regularização fundiária de interesse social
deverá incluir estudo técnico que demonstre a melhoria das condições ambientais em relação à
situação anterior com a adoção das medidas nele preconizadas. § 2º. O estudo técnico mencionado
no § 1º deverá conter, no mínimo, os seguintes elementos: I - caracterização da situação ambiental
da área a ser regularizada; II - especificação dos sistemas de saneamento básico; III - proposição de
intervenções para a prevenção e o controle de riscos geotécnicos e de inundações; IV - recuperação
de áreas degradadas e daquelas não passíveis de regularização; V - comprovação da melhoria das
condições de sustentabilidade urbano-ambiental, considerados o uso adequado dos recursos
hídricos, a não ocupação das áreas de risco e a proteção das unidades de conservação, quando for o
caso; VI - comprovação da melhoria da habitabilidade dos moradores propiciada pela regularização
proposta; e VII - garantia de acesso público às praias e aos corpos d'água.” 268 “Art. 65. Na regularização fundiária de interesse específico dos assentamentos inseridos em área
urbana consolidada e que ocupam Áreas de Preservação Permanente não identificadas como áreas
de risco, a regularização ambiental será admitida por meio da aprovação do projeto de regularização
fundiária, na forma da Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009. § 1º. O processo de regularização
ambiental, para fins de prévia autorização pelo órgão ambiental competente, deverá ser instruído
com os seguintes elementos: I - a caracterização físico-ambiental, social, cultural e econômica da
área; II - a identificação dos recursos ambientais, dos passivos e fragilidades ambientais e das
restrições e potencialidades da área; III - a especificação e a avaliação dos sistemas de infraestrutura
urbana e de saneamento básico implantados, outros serviços e equipamentos públicos; IV - a
identificação das unidades de conservação e das áreas de proteção de mananciais na área de
influência direta da ocupação, sejam elas águas superficiais ou subterrâneas; V - a especificação da
ocupação consolidada existente na área; VI - a identificação das áreas consideradas de risco de
inundações e de movimentos de massa rochosa, tais como deslizamento, queda e rolamento de
blocos, corrida de lama e outras definidas como de risco geotécnico; VII - a indicação das faixas ou
áreas em que devem ser resguardadas as características típicas da Área de Preservação Permanente
com a devida proposta de recuperação de áreas degradadas e daquelas não passíveis de
regularização; VIII - a avaliação dos riscos ambientais; IX - a comprovação da melhoria das condições
de sustentabilidade urbano-ambiental e de habitabilidade dos moradores a partir da regularização; e
X - a demonstração de garantia de acesso livre e gratuito pela população às praias e aos corpos
d’água, quando couber. § 2º. Para fins da regularização ambiental prevista no caput, ao longo dos
rios ou de qualquer curso d’água, será mantida faixa não edificável com largura mínima de 15
(quinze) metros de cada lado. § 3º. Em áreas urbanas tombadas como patrimônio histórico e cultural,
a faixa não edificável de que trata o § 2º poderá ser redefinida de maneira a atender aos parâmetros
do ato do tombamento.”
115
Não é demais destacar que a regularização ambiental em APPs é medida
excepcional que terá lugar apenas quando for o caso de interesse social (consoante
caput do art. 8º e alínea ‘d’, inciso IX do art. 3º269), já que a regra de manutenção das
áreas de preservação permanente é mantida também nos casos de zonas urbanas
(como se verifica pela redação do art. 4º combinado com art. 8º). Em sendo medida
excepcional, a interpretação legal deve ser feita de forma restritiva, não
comportando interpretação extensiva ou integração analógica. Se é excepcional, é
porque a regularização fundiária em tais áreas não é a solução mais adequada, seja
do ponto de vista socioambiental, seja do ponto de vista urbanístico, de forma que é
responsabilidade do administrador verificar previamente a viabilidade de outras
soluções mais adequadas para a população (visando a inclusão social e
urbanística), para a organização territorial e para o meio ambiente. Vale dizer: dentro
do âmbito da discricionariedade da Administração Pública, antes de optar pela
regularização fundiária, deverá certificar-se de que a regularização é a melhor
alternativa para aquela população270.
269 “Art. 3º. Para os efeitos desta Lei, entende-se por: [...] IX – interesse social: [...] d) a regularização
fundiária de assentamentos humanos ocupados predominantemente por população de baixa renda
em áreas urbanas consolidadas, observadas as condições estabelecidas na Lei nº 11.977, de 7 de
julho de 2009.”
270 Isto porque, há autores que apontam efeito indesejável da regularização funidária: em alguns
casos, pode se tornar inadequada por estimular a ocupação irregular de novos terrenos ou o
fomento de regiões já ocupadas irregularmente. É a posição de Consuelo Yatsuda Moromizato
Yoshida e Vicente de Abreu Amadei (Área de Preservação Permanente (APP) em zona urbana. In:
MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme (Coord.). Novo Código Florestal... São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2012, p. 440): “O ideal é tentar reverter a ocupação irregular em APP sempre que
possível, e não possibilitar novas ocupações em desacordo com a legislação em vigor, na tentativa de
gerar ‘novas’ situações consolidadas. [...] É preciso, pois, ter em conta que a regra é a imutabilidade
do perfil ambiental natural protegido das APP, quer estejam situadas em zona rural ou em zona
urbana. Mas essa diretiva – que se há de respeitar, em prol da cidade sustentável – comporta
exceção legal controlada, mediante autorização específica, como se vislumbra em hipótese de
regularização fundiária de assentamentos localizados em área urbana consolidada, na razão maior do
desenvolvimento humano dos cidadãos.”
116
Ainda que presentes os requisitos legais, Consuelo Yoshida e Vicente de
Abreu Amadei271 entendem que a avaliação do administrador deve ser feita
casuisticamente, de modo que, mesmo que a situação fática esteja dentro dos
limites impostos pela lei (subsunção do caso concreto à lei em tese), o Poder
Público poderá optar por não efetuar a regularização da área, se constatados
impedimentos de outras ordens (interesse público, saúde, segurança, ordem
urbanística, ambiental, social entre outras).
Estes mesmos autores ponderam ainda que: (a) se não estiver configurada a
área urbana consolidada, tal como a legislação a caracteriza272, “não há razoável
irreversibilidade para justificar a prevalência do valor social da ocupação irregular
sobre o valor ambiental da área sensível”273; e (b) devem ser observados outros
critérios trazidos pela Lei nº 11.977/09, em especial a necessidade de assegurar o
nível adequado de habitabilidade e a melhoria das condições de sustentabilidade
urbanística, social e ambiental (art. 48, inciso I). Concordamos com este
posicionamento, especialmente porque a Lei de Regularização Fundiária e o novo
Código Florestal são complementares, ou seja, tais leis devem ser interpretadas e
aplicadas como um microssistema jurídico.
Uma vez ultrapassada a fase de discricionariedade da Administração
Pública, tendo havido a opção pela regularização das moradias, a área em
referência deverá:
271 Área de Preservação Permanente (APP) em zona urbana. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo
Affonso Leme (Coord.). Novo Código Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, pp. 440-441.
No mesmo sentido, porém numa abordagem mais teórica, Norma Sueli Padilha fundamenta: nos
casos que versam sobre meio ambiente, por se tratar de direitos difusos, tem-se um típico hard case,
em que o julgador deve escolher entre possíveis alternativas de decisão (em oposição à mera
subsunção da norma ao fato jurídico), “pois tais casos possuem textura aberta, já que é impossível
pretender-se, até mesmo de forma ideal, a concepção de regras tão detalhadas que a questão sobre
sua aplicação ou não a um caso particular sempre esteja resolvida antecipadamente, e nunca abranja
uma escolha entre alternativas abertas.” (Colisão de Direitos Metaindividuais e a Decisão Judicial.
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2006, p. 79). 272 Cf. art. 47 da lei nº 11.977/09. 273 YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato; AMADEI, Vicente de Abreu. Op. cit., pp. 441-442.
117
(a) se constituir de um assentamento humano em área urbana (assim
definida na lei municipal, conforme art. 47, inciso I, Lei nº 11.977/09) com
densidade demográfica superior a 50 (cinquenta) habitantes por hectare (art.
47, inciso II, Lei nº 11.977/09);
(b) ser composto predominantemente por população de baixa renda (art. 3º,
inciso IX, alínea ‘d’, Lei nº 12.651/12);
(c) ter como finalidade precípua a moradia da população (art. 47, inciso VI,
Lei nº 11.977/09);
(d) ter malha viária implantada (art. 47, inciso II, Lei nº 11.977/09);
(e) ter implantados, no mínimo, 2 (dois) equipamentos de infraestrutura
(dentre estes: drenagem de águas pluviais urbanas, esgotamento sanitário,
abastecimento de água potável, distribuição de energia elétrica ou limpeza
urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos) (art. 47, inciso II, Lei nº
11.977/09)274;
(f) ter se constituído em data anterior a 31 de dezembro de 2007 (art. 54, §
1º, Lei nº 11.977/09);
(g) após a intervenção, implicar em melhoria das condições ambientais (art.
54, § 1º, Lei nº 11.977/09); e
(h) ter nível adequado de habitabilidade e melhores condições de
sustentabilidade urbanística, social e ambiental, após a intervenção (art. 54,
§ 1º, Lei nº 11.977/09).
274 Tais critérios, ao que se vê, são mais brandos do que aqueles fixados pelo CONAMA, na Resolução
nº 303/2002, que exigia a existência de quatro equipamentos de infraestrutura urbana (e não dois,
como trazidos pela lei de 2009).
118
Este último critério (“nível adequado de habitabilidade e melhoria das
condições de sustentabilidade urbanística”) se relaciona com a segurança ou risco
da área a ser regularizada (princípio da precaução). É a mesma orientação dada
pelas outras normas já citadas: a Organização das Nações Unidas chama de
habitabilidade275, o Estatuto da Cidade descreve como “direito às cidades
sustentáveis”276, a Lei de Regularização Fundiária cita “nível adequado de
habitabilidade e a melhoria das condições de sustentabilidade urbanística, social e
ambiental”277. Curioso notar que até mesmo a Lei de Parcelamento do Solo Urbano
(Lei nº 6.766/79) contém disposições semelhantes (redação incluída pela Lei nº
9.785/99):
Art. 3º. Somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, assim definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal. Parágrafo único - Não será permitido o parcelamento do solo: I – em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as providências para assegurar o escoamento das águas; Il – em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública, sem que sejam previamente saneados; III – em terrenos com declividade igual ou superior a 30% (trinta por cento), salvo se atendidas exigências específicas das autoridades competentes; IV – em terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edificação; V – em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a sua correção.
Ou seja, a saúde e segurança da população, por se tratarem de valores
máximos da Constituição Federal, sempre devem ser preservadas, seja sob o viés
ambiental, seja sob o viés urbanístico. Esta preocupação nasce a partir de desastres
naturais, tais como desmoronamento ou deslizamentos de terras, enchentes,
inundações, etc., muito comuns em épocas de chuvas em nosso País de clima
predominantemente tropical. São desastres comuns, entre outros fatores, porque a
população que habita as áreas sujeitas à regularização fundiária é empurrada para
montar suas moradias em regiões de encostas de morro e margens de rio, por
exemplo, regiões estas muito suscetíveis a tais desastres quando da ocorrência de 275 Comentário Geral nº 4 sobre Direito à Moradia Adequada expedido pelo Comitê dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais. 276 Art. 2º, inciso I, Lei nº 10.257/01 277 Art. 48, inciso I, Lei nº 11.977/09
119
chuvas torrenciais. Consuelo Yoshida e Vicente de Abreu Amadei, no que tange tal
risco, alerta que “sem a prévia eliminação deste elemento de insegurança
habitacional não há regularização: a segurança habitacional há de preponderar.
Ademais, regularização sem esse cuidado até poderia aumentar a insegurança
habitacional na área.”278
Por isto, não é demais inferir que a ratio legis da norma ambiental reside na
saúde e segurança dos cidadãos, que devem ser preservadas acima de tudo. São,
portanto, valores (leia-se: princípios) que dão fundamento às leis tratadas neste
capítulo – vale dizer, são sobreprincípios constitucionalmente previstos (arts. 1º,
incisos II e III, e art. 6º, caput, da Constituição Federal) e, por este motivo, estão
autorizados a dar mais elasticidade ao regime jurídico das APPs.
Neste mesmo sentido, retome-se que a função ambiental das áreas de
preservação permanente corrobora na manutenção dos princípios fundamentais da
saúde e da segurança da população, podendo ser também considerada como ratio
legis da norma urbanística, verificando-se, mais uma vez, a intersecção dos valores
ambientais e urbanísticos em prol do desenvolvimento sustentável das cidades.
278 YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato; AMADEI, Vicente de Abreu. Área de Preservação
Permanente (APP) em zona urbana. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme (Coord.). Novo
Código Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 442.
120
CONCLUSÃO
A partir da análise do instituto da Área de Preservação Permanente (APP)
em perspectiva histórica realizada no capítulo 1, verificou-se que sua proteção
nasceu sob a égide do ideal economicista e utilitarista e, posteriormente, foi
construída a concepção difusa do instituto e de seu arcabouço legal, à medida que a
consciência ambiental foi se disseminando na sociedade, a partir da segunda
metade do século XX.
No início das ondas ambientalistas, surgiu, em movimento antagônico, o
desenvolvimentismo, caracterizado pelo pensamento de priorização do crescimento
econômico a qualquer custo. Foram necessários estudos acadêmicos e científicos
para desconstruí-lo e fundamentar a nova concepção de desenvolvimento
sustentável, em que se busca conciliar incremento econômico, promoção de
melhorias sociais e preservação ambiental, simultaneamente.
Sob este viés e a partir da identificação da função ambiental, verifica-se que
a legislação referente à APP protege não um exemplar arbóreo avulso, mas sim todo
o ecossistema envolvido, ainda que a vegetação tenha sofrido corte raso. A floresta
– caracterizada por um conjunto de plantas de estruturas semelhantes, com
homogeneidade ecossistêmica e de plantas lenhosas de porte alto – revelou sua
importância por desempenhar papel preponderante na manutenção de diversos
ecossistemas (fauna, serviços ambientais de contenção de pragas na lavoura,
sistema de regulação do ciclo hidrológico e de contenção do solo, dispersão do fluxo
gênico, manutenção dos gases de efeito estufa, regulação de temperaturas e
umidade, redução da poluição atmosférica, etc.), assim como papel de evitar
catástrofes naturais nas regiões urbanas (deslizamento de terras, desmoronamento
de casas e outras construções, inundações, alagamentos, enchentes etc.).
Partindo desta premissa, o interesse público difuso orientou o legislador
pátrio a conferir status de bem ambiental à APP, dando-lhe especial proteção, por se
tratar de interesse comum a todos os habitantes do país, porque essencial à
qualidade de vida da população. Com isso, o particular que possui área de
121
preservação permanente em seu imóvel (por seus atributos naturais ou por ato de
declaração do Poder Público), não obstante possa exercer seus poderes de
proprietário, deve-se curvar ao regime jurídico de interesse público
(simultaneamente) – vale dizer: às normas de ordem pública – que dão contornos
mais restritos ao seu poder de usufruto da propriedade. É o que a doutrina denomina
de “dupla afiliação simultânea a dois regimes patrimoniais”279. Esta concepção já
existia quando da vigência do Código Florestal de 1965, o que não foi modificado
com a sua revogação, quando aprovado o novo Código Florestal (Lei nº 12.651/12).
A este respeito, conclui-se que o atual Código Florestal, após polêmicas
discussões no Congresso Nacional, foi promulgado utilizando parte do regramento
anterior a respeito de APP, porém introduzindo inovações no que diz respeito ao
tema de áreas de proteção permanente:
(a) foi ratificada a vigência de suas normas na área urbana, de modo que
hoje é inequívoca a redação do art. 4º, que prevê a APP em zona urbana;
(b) foi ampliado o rol de hipóteses legais que caracterizam as áreas de
utilidade pública, de interesse social e os casos de baixo impacto ambiental,
de modo que foram acrescentadas diversas situações em que é possível
suprimir APP;
(c) foram incluídas disposições específicas a respeito do tema de
regularização fundiária de áreas ambientalmente sensíveis nas zonas
urbanas, integrando o procedimento com aquele introduzido pela Lei nº
11.977/09.
Embora tenha havido um progresso ao agregar a lei ambiental com a
regularização da moradia, não se pode deixar de consignar que a promulgação do
novo Código Florestal foi, em linhas gerais, um retrocesso em termos de proteção
jurídica às áreas de preservação permanente, uma vez que tais áreas estão menos
279 BENJAMIN, Antonio Herman V. Função Ambiental. In: BENJAMIN, Antonio Herman V. (Coord.).
Dano Ambiental... São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 70.
122
protegidas pelo texto normativo, o que afronta o princípio da proibição do retrocesso.
Tal retrocesso decorreu de fortes movimentos desenvolvimentistas presentes no
Poder Legislativo atual, o que se espera seja corrigido no futuro próximo. Esta crítica
não se baseia apenas em considerações a respeito de princípios jurídicos: está
abalizada no relatório da Associação Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC),
em que está contradito o argumento do desenvolvimentismo (a saber, necessidade
de terras para o abastecimento alimentar no futuro): os estudos apresentam
pesquisas que concluem pelo excesso de áreas disponíveis para agropecuária e
apontam como solução a modernização das técnicas de criação e cultivo, com o fim
de aumento da produtividade no campo, que, em nosso país, possui baixo índice,
em especial quando confrontado com a quantidade de recursos naturais, humanos e
financeiros disponíveis.
Ao realizar este movimento de integração entre suas próprias normas e as
regras de regularização fundiária (Lei nº 11.977/09), o Código Florestal tornou-se
mais um exemplo de diploma legal que proporciona o encontro do Direito Ambiental
com o Direito Urbanístico, tendência que pode ser constatada através da análise de
outras leis, tais como o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01, art. 2º, inciso XII); a Lei
de Parcelamento de Solo Urbano (Lei nº 6.766/79, arts. 1º e 2º, caput); etc. Reforça
também esta tendência a ideia do desenvolvimento sustentável das cidades,
atualmente difundida no intento de conciliar crescimento econômico, proteção
ambiental e desenvolvimento social (triple bottom line).
Ocorre que esta integração verificada entre diferentes normas e áreas do
Direito deve se dar de modo a não causar invasão de competência
constitucionalmente atribuída aos entes federativos. Para tanto, é necessário que as
competências constitucionais sejam minuciosamente observadas pela União,
Estados-membros, Distrito Federal e Municípios quando da elaboração de suas
próprias normas.
No que toca este tema, verifica-se que o Código Florestal foi concebido no
exercício da competência concorrente outorgada pelo art. 24, inciso VI, e § 1º, em
combinação com o disposto no caput do art. 225, ambos da Constituição Federal,
isto é, foi fruto do poder de edição de normas gerais por parte da União. É possível
123
caracterizar a Lei nº 12.651/12 como norma geral, não só porque assim dispõe seu
texto, mas também pelo seu conteúdo de diretrizes gerais, princípios e regras
uniformes. Ao dispor uniformemente sobre as áreas que devem ser
permanentemente preservadas, com metragens mínimas e exceções a serem
obedecidas em todo o território nacional, a União exerceu regularmente sua
competência legislativa sobre florestas, conservação da natureza, defesa do solo e
dos recursos naturais e proteção do meio ambiente, visando à defesa do bem
ambiental para as presentes e futuras gerações. Por este motivo, a lei deve ser
respeitada pelos Estados-membros, Distrito Federal e Municípios (este último
inclusive por ser precípuo destinatário da norma geral) e pode por eles ser
suplementada (art. 24, § 2º, e art. 30, inciso II, ambos da Constituição Federal). E
como norma geral que é, referido Código deve ser levado em conta quando da
elaboração das políticas de desenvolvimento urbano e plano diretor por parte dos
Municípios, conforme orientação do art. 182 da Carta Magna, objetivando garantir o
bem-estar dos seus habitantes.
Esta interpretação apresentada é fundada nos princípios da máxima
efetividade das normas constitucionais e da interpretação sistemática (ou método da
unidade do sistema) e visa a maior eficácia dos direitos fundamentais, assim como a
harmonização e coerência de todo o sistema normativo. Os direitos fundamentais
aqui em debate, vale dizer, são o direito ao meio ambiente (natural e artificial)
equilibrado, direito à vida, à saúde, à segurança e o direito à moradia.
E foi no Direito Urbanístico em que se encontrou o fator limitador para
implantação e manutenção das APPs nas cidades: o direito à moradia e sua
regularização, direito consagrado constitucionalmente, imprescindível à dignidade da
pessoa humana e ao desenvolvimento da cidadania. Nesta qualidade, não pode ficar
margeado quando em colisão com o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado especialmente diante do atual quadro deficitário de moradia no Brasil,
mormente em áreas de maior concentração populacional.
Neste cenário, verifica-se que atualmente, com a promulgação das Leis nº
10.257/01 (Estatuto da Cidade), 11.977/09 (Lei de Regularização Fundiária) e
12.651/12 (novo Código Florestal), o arcabouço jurídico está mais bem estruturado
para que a Administração Pública e o Poder Judiciário possam enfrentar estas
situações de alta conflituosidade (hard cases) com instrumentos jurídicos
124
adequados. O Estatuto da Cidade, na qualidade de norma geral urbanística,
proporciona e estimula a integração entre o planejamento urbanístico e a proteção
ambiental em nível municipal. Por sua vez, a Lei de Regularização Fundiária tem
como escopo a concretização do direito à moradia adequada, em consonância com
a busca pelo equilíbrio do meio ambiente. Neste intento, fixa critérios para viabilizar
o procedimento administrativo, seja no âmbito do Município, do Estado, Distrito
Federal ou da União. E, por fim, o Código Florestal complementa as demais leis, ao
autorizar a regularização fundiária em áreas de preservação permanente em zonas
urbanas, e ao estipular critérios objetivos, em nítido sopesamento in abstracto entre
o direito ao meio ambiente equilibrado e o direito à moradia, desde que respeitados
os requisitos da Lei nº 11.977/09, bem como aqueles outros apresentados pelos
arts. 64 e 65 da Lei nº 12.651/12. Tais critérios, antes inexistentes, funcionam como
um “manual” para a Administração Pública nesta difícil tarefa de trazer moradia
adequada a um contingente populacional que ultrapassou o razoável.
Neste diapasão, é necessário que esteja presente e devidamente
caracterizado o interesse social, nos seguintes termos:
(a) Deve haver assentamento humano em área urbana (assim definida na lei
municipal, conforme art. 47, inciso I, Lei nº 11.977/09) com densidade
demográfica superior a 50 (cinquenta) habitantes por hectare (art. 47, inciso
II, Lei nº 11.977/09);
(b) O assentamento deve ser composto predominantemente por população
de baixa renda (art. 3º, inciso IX, alínea ‘d’, Lei nº 12.651/12);
(c) As ocupações irregulares devem ter como finalidade a moradia da
população (art. 47, inciso VI, Lei nº 11.977/09);
(d) A área deve ter malha viária implantada (art. 47, inciso II, Lei nº
11.977/09);
(e) O assentamento deve ter implantados no mínimo 2 (dois) equipamentos
de infraestrutura (dentre estes: drenagem de águas pluviais urbanas,
125
esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, distribuição de
energia elétrica ou limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos) (art.
47, inciso II, Lei nº 11.977/09);
(f) a ocupação deve ter sido anterior a 31 de dezembro de 2007 (art. 54, §
1º, Lei nº 11.977/09);
(g) a intervenção deve implicar em melhoria das condições ambientais (art.
54, § 1º, Lei nº 11.977/09); e
(h) devem ser assegurados o nível adequado de habitabilidade e a melhoria
das condições de sustentabilidade urbanística, social e ambiental (art. 54, §
1º, Lei nº 11.977/09).
Não obstante a eleição de critérios objetivos, observa-se que alguns deles
são mais abstratos (melhoria das condições ambientais, por exemplo). Tais
cláusulas conferem ao administrador maior margem de liberdade para atuar, isto é,
sempre haverá discricionariedade para atuação do administrador ou do julgador
diante do caso concreto sob análise, uma vez que os conflitos de interesses
transindividuais, por se caracterizarem como hard cases, devem ser decididos por
“escolha entre alternativas de decisão”, ou seja, é a técnica da ponderação, a busca
por um equilíbrio razoável entre diversas formas de solução do caso280.
E, para que esta busca se configure como razoável, a regularização da
moradia deve se basear nos direitos fundamentais da função social da propriedade,
do meio ambiente equilibrado, consoante os ditames do art. 225 da Carta Magna,
bem como deve estar compreendido no plano urbanístico do município em questão,
com vistas a inserir a comunidade nas demais funções da cidade (trabalho, lazer e
circulação). No mesmo sentido, a segurança e a saúde da população deve ser
incluída no sopesamento daquele que proferirá a decisão, uma vez que são os
280 PADILHA, Norma Sueli. Colisão de Direitos Metaindividuais e a Decisão Judicial. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor, 2006, pp. 79-80.
126
valores constitucionais máximos que orientam todo o ordenamento jurídico
estudado.
127
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGRELLI, Vanusa Murta; SILVA, Bruno Campos (Coords.). Direito urbanístico e ambiental: estudos em homenagem ao Professor Toshio Mukai. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2008.
ALEXY, Robert. Colisão de direitos fundamentais e realização de direitos fundamentais no estado de direito democrático. In: Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Renovar, n. 217, p. 67-79, jul./set. 1999.
______. Derechos, razonamiento jurídico y discurso racional. In: Isonomía: Revista de Teoría y Filosofia dey Derecho, Alicante. n. 1, oct. 1994. Disponível em <http://bib.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/public/01338308644248274088802/isonomia01/isonomia01_03.pdf?portal=0> Acesso em: 20.04.2012, 12h54min.
______. Direitos fundamentais no estado constitucional democrático. Tradução Luis Afonso Heck. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, n. 217, 55-66, jul./set. 1999.
______. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2001.
AMADEI, Vicente de Abreu. Urbanismo realista: a lei e a cidade, princípios de direito urbanísticos, instrumentos da política urbana e questões controvertidas. Campinas: Millennium, 2006.
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 9ª ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
______. Dano Ambiental: Uma Abordagem Conceitual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Novos aspectos da função social da propriedade no direito público. In: Revista de Direito Público. v. 20, n. 84, out./dez. de 1987, pp. 39-45.
BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
BENJAMIN, Antônio Herman Vasconcellos. Código Florestal: a reforma proposta pelo Conama e a nova MP n. 1.956-50. In: Congresso Internacional de Direito Ambiental, Agricultura e Meio Ambiente, 4º, 2000, São Paulo: Imesp, p. 405.
______. Função Ambiental. In: BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcellos (Coord.). Dano Ambiental: Prevenção, Reparação e Repressão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, pp. 09-82.
______. O Regime Brasileiro das Unidades de Conservação. In: Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 21, pp. 27-56, 2001.
128
______; FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de (Coords.). Direito Ambiental e as Funções Essenciais à Justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
BEZNOS, Clovis; CAMMAROSANO, Marcio (Coords). Direito ambiental e urbanístico: estudos do Fórum Brasileiro de Direito Ambiental e Urbanístico. Belo Horizonte: Fórum, 2010.
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico. Tradução Marcio Pugliesi; Edson Bini, Carlos E. Rodrigues, São Paulo: Ícone, 1995.
______. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. Trad. Marco Aurélio Nogueira. 4ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1992.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 27ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2012.
BRASIL. Agência Nacional de Águas. Nota técnica nº 12/2012/Geusa/Sip. Disponível em: <http://arquivos.ana.gov.br/imprensa/noticias/20120509_NT_n_012-2012-CodigoFlorestal.pdf>. Acesso em: 09 fev. 2013, 18h 08min.
BRASIL. Conselho Nacional de Meio Ambiente. Resolução nº 1, de 23 de janeiro de 1986. Disponível em: <http://portal2.tcu.gov.br/portal/pls/portal/docs/2060632.PDF>. Acesso em 10 jun.2010.
BRASIL. Conselho Nacional de Meio Ambiente. Resolução nº 04, de 18 de setembro de 1985. Disponível em: <http://licenciamento.cetesb.sp.gov.br /legislacao/federal/resolucoes/1985_Res_CONAMA_4.pdf>. Acesso em: 24 set. 2012.
BRASIL. Conselho Nacional de Meio Ambiente. Resolução nº 303, de 20 de março de 2002. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res02/res30302. html>. Acesso em 11 jul.2012, 15h02min.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 08 dez. 2010.
BRASIL. Decreto-Lei nº 23.793, de 23 de janeiro de 1934 (Código Florestal). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/D23793 impressao.htm>. Acesso em 27 jun.2012, 16h52min.
BRASIL. Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal. Portaria nº 39-P, de 04 de fevereiro de 1988. Disponível em: <http://www.ibama.gov.br/sophia/cnia/ legislacao/IBDF/PT0039-040288.PDF>. Acesso em 03 set. 2012, 16h 47min.
BRASIL. Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4771impressao.htm>. Acesso em: 18 nov. 2010.
BRASIL. Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6766.htm>. Acesso em: 22 out. 2010.
BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Disponível em:
129
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938compilada.htm>. Acesso em: 10 dez. 2010.
BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10257.htm>. Acesso em: 16 mai. 2010.
BRASIL. Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L11977compilado.ht m>. Acesso em: 08 dez. 2010.
BRASIL. Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12651compilado. htm>. Acesso em: 03 fev. 2013.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 73-SP. Requerente: Procurador Geral da República. Requerido: Governador do Estado de São Paulo. Relator: Ministro Moreira Alves. Brasília: 09 de setembro 1989, v.u., DJU 15.9.1989.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Liminar em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.540. Requerente: Ministério Público Federal. Requerido: Presidente da República. Relator: Ministro Celso de Mello. Brasília: 1º de setembro de 2005, DJU 13.09.2005.
CAMILA Pitanga pede “Veta, Dilma!” em cerimônia oficial. UOL Notícia. São Paulo: TV UOL, 04 mai. 2012. Disponível em: <http://tvuol.tv/bfc6w2>. Acesso em: 29 set. 2012.
CANEPA, Carla. Cidades sustentáveis: a concretização de um comando constitucional – O Município: Locus da sustentabilidade. São Paulo, 2006.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes et al. (Orgs.). Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007.
______. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed., 4ª reimpressão, Coimbra: Edições Almedina, 2003.
______. Direito constitucional. Coimbra: Livraria Almedina, 1993.
CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores. Tradução de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999.
CAROLO, Fabiana. As Regularizações Fundiárias de Interesse Social e de Interesse Específico em Áreas de Preservação Permanente sob o Enfoque do Desenvolvimento Sustentável. In: Revista da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Brasília, Ano 19, Edição Especial, pp. 100-131, nov. 2011. Disponível em: <http://www.fesmpdft. org.br/arquivos/a2_fabaiana_carolo.pdf>. Acesso em 21 jan. 2013, 11h 42min.
CARTA DE ATENAS. In: Congresso Internacional de Arquitetura Moderna. Nov. 1933, Atenas, disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?
130
id=233>. Acesso em 10 dez. 2012, 10h 55min.
COSTA, Rosa; DOMINGOS, João. Senado tem recesso suspenso para votar Código Florestal. O Estado de São Paulo. São Paulo, 19 set. 2012, Planeta. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,senado-tem-recesso-suspenso-para-votar-codigo-florestal, 932938,0.htm>. Acesso em: 19 set. 2012.
DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio (Coords.). Estatuto da Cidade: Comentários à Lei Federal 10.257/2001. 2ª ed., São Paulo: Malheiros e SBDP, 2006.
______; DI SARNO, Daniela Campos Libório (Coords.). Direito Urbanístico e Direito Ambiental. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2007.
DATAFOLHA Instituto de Pesquisas. Código Florestal: pesquisa de opinião pública... Junho/2011. Disponível em: <http://uc.socioambiental.org/sites/uc. socioambiental.org/files/ Relatorio_Datafolha_Codigo_Florestal.pdf>. Acesso em: 11 jun. 2011, 11h 34min.
DEAN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. Trad. Cid Knipel Moreira. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2008.
______. A Propriedade na Constituição de 1988 e o Conteúdo da “Função Social”. In: Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 7, n. 27, jul.-set. de 2002, pp. 58-69.
DEUS, Teresa Cristina de. Tutela da flora em face do direito ambiental brasileiro. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003.
DI SARNO, Daniela Campos Libório. Elementos de Direito Urbanístico. Barueri, SP: Manole, 2004.
______. Direito Urbanístico Moderno: Meio Ambiente Urbano e Qualidade de Vida. São Paulo: PUC/SP, 2002, Tese de Doutorado, 162 p.
______. Competências Urbanísticas. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio (Coords.). Estatuto da Cidade: Comentários à Lei Federal 10.257/2001. 2ª ed., São Paulo: Malheiros e SBDP, 2006. p. 61-70.
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 20ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009.
______. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Obrigações – v. 2. 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
______. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Coisas – v. 4. 21ª ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006.
______. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada. São Paulo:
131
Saraiva, 2009.
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução Nelson Boeira. 3ª. ed. São Paulo: Editora WMF Marins Fontes, 2010.
______. Uma questão de princípio. Tradução Luis Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
ENGISH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Tradução J. Baptista Machado. 8ª. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1983.
FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. A Ciência do Direito. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1980.
______. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2010.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 37ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011.
FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A propriedade no direito ambiental. 4ª. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
______ et al. Código Florestal: 45 anos – estudos e reflexões. Curitiba: Arte e Letra, 2012.
______. Temas de Direito Ambiental e Urbanístico. São Paulo: Max Limonad, 1998.
______. In: Debates sobre o Código Florestal, 2012, São Paulo, Procuradoria Geral do Estado de São Paulo.
FINK, Daniel Roberto; PEREIRA, Márcio Silva. Vegetação de preservação permanente e meio ambiente urbano. In: Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 2, p. 77, abr. / 1996.
FIGUEIREDO, Lucia Valle. Disciplina urbanística da propriedade. São Paulo: Malheiros, 2005.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 10ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009.
______. Estatuto da Cidade comentado: Lei 10.257/2001 – Lei do Meio Ambiente Artificial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 2ª. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 3ª. ed. São Paulo: Celso Bastos, 2003.
HART, Herbert L. A. O conceito do direito. Tradução A. Ribeiro Mendes. 3ª. ed.
132
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007.
HOBSBAWN, Eric John Ernst. Era dos extremos: breve século XX: 1914-1991. Trad. Marcos Santarrita. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letra, 2008.
HUMBERT, Georges Louis Hage. Direito Urbanístico e Função Socioambiental da Propriedade Imóvel Urbana. Belo Horizonte: Fórum, 2009.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico 2010: Aglomerados subnormais. Primeiros Resultados. Rio de Janeiro: IBGE, 2011. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/ populacao /censo2010/aglomerados_subnormais/agsn2010.pdf>. Acesso em 10 dez. 2012, 12h 08min.
INSTITUTO PÓLIS. Regularização da Terra e Moradia. Ago. – out. / 2002. Disponível em: <http://www.polis.org.br/uploads/949/949.pdf>. Acesso em 10 dez. 2012, 16h 55min.
LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
LEVIN, Alexandre. Parcelamento, edificação e utilização de imóveis públicos urbanos. Belo Horizonte: Fórum, 2010.
LOVELOCK, James. Gaia: cura para um planeta doente. Trad. Aleph Teruya Eichemberg e Newton Roberval Eichemberg. São Paulo: Editora Cultrix, 2006.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 16ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2008.
______. Florestas de Preservação Permanente e o Código Florestal Brasileiro. In: Revista dos Tribunais, mai. / 1980, vol. 535, São Paulo: Revista dos Tribunais, pp. 19-32.
MADUEÑO, Denise. Câmara aprova Código Florestal que beneficia grandes donos de terra. O Estado de São Paulo. São Paulo, 18 set. 2012, Planeta. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,camara-aprova-codigo-florestal-que-beneficia-grandes-donos-de-terra,932475,0.htm>. Acesso em: 19 set. 2012.
MAIA, Leonardo Castro. A Reserva Legal Florestal e os Imóveis Situados em Zona Rual, Urbana e de Expansão Urbana. In: Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 63, jul. / 2011, p. 375.
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos, conceitos e legitimação para agir. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
MARCHESAN, Ana Maria Moreira. Áreas de “Degradação Permanente”, Escassez e Riscos. In: Revista de Direito Ambiental. vol. 35, Jul./ 2004, pp. 190 e ss.
MEDAUAR Odete. Direito Administrativo Moderno. 11ª ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
133
______; ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de (Coords.). Estatuto da Cidade: Lei 10.257, de 10.07.2001: comentários. 2ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de Construir. 6ª ed., São Paulo: RT, 1994.
______. Direito Municipal Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008.
MELO, Lígia. Direito à Moradia no Brasil: Política Urbana e Acesso por meio da Regularização Fundiária. Belo Horizonte: Fórum, 2010.
METZGER, Jean Paul. Entrevista à Rádio CBN em 24.04.12 (arquivo de áudio). Disponível em: <www.cbn.com.br>. Acesso em 25 abr. 2012, 20h 38min.
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 5ª ed. reform., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2007.
______; MACHADO, Paulo Affonso Leme (Coord.). Novo Código Florestal: Comentários à Lei 12.651, de 25 de maio de 2012 e à MedProv 571, de 25 de maio de 2012. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
MORAES, Luís Carlos Silva de. Código Florestal comentado. São Paulo: Atlas, 1999.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Introdução ao direito ecológico e ao direito urbanístico. Rio de Janeiro-São Paulo: Forense, 1975.
______. Competência concorrente limitada: o problema da conceituação das normas gerais. In: Revista de Informação Legislativa. Brasília, ano 25, nº 100, out.-dez. / 1988, p. 127-162. Disponível em <http://www2.senado.gov.br/bdsf/bitstream /id/181992/1/000857523.pdf>. Acesso em: 15.02.2013, 11h 02min.
MOREIRA, Danielle de Andrade. O conteúdo ambiental dos planos diretores e o Código Florestal. In: Revista de Direito Ambiental. Vol. 49, p. 73-95, jan. / 2008.
Movimento "Veta, Dilma!", sobre o Código Florestal, vira fenômeno nas redes sociais. UOL. São Paulo, 04 mai. 2012. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/ciencia/ultimas-noticias/redacao/2012/05/04/movimento-ve ta-dilma-sobre-o-codigo-florestal-ganha-as-redes-sociais.htm>. Acesso em: 29 set. 2012.
NERY JUNIOR, Nelson; D'ISEP, Clarissa Ferreira Macedo; MEDAUAR, Odete. (Coords.) Políticas públicas ambientais: estudo em homenagem ao professor Michel Prieur. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Comentários ao Estatuto da Cidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Comentário Geral nº 4 sobre o Direito à Moradia Adequada. Disponível em: <http://www.unhchr.ch/tbs/doc.nsf/(Symbol)/469f4d91a9378221c12563ed00535 47e?Opendocument>. Acesso em 27 dez. 2012, 12h 48min.
134
______. Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano. Declaração de Estocolmo. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/doc/estoc72.htm>. Acesso em 20 dez. 2009, 12h 36min.
PADILHA, Norma Sueli. Colisão de Direitos Metaindividuais e a Decisão Judicial. Porto Alegre: Sergio Antonio Frabris Editor, 2006.
PERELMAN, Chaim. Ética e direito. Tradução Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
PIETRE, Ronald. O Código Florestal e as Zonas Urbanas. In: Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 43, jul./2006, p. 355.
PINTO, Victor Carvalho. Direito Urbanístico: plano diretor e direito de propriedade. 3ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. São Paulo: Max Limonad, 2003.
REALE, Miguel. Fontes e modelos do direito: para um novo paradigma hermenêutico. São Paulo: Saraiva, 1994.
REMÉDIO JÚNIOR, José Ângelo. O Princípio da Socialidade e Direitos Metaindividuais: Responsabilidade Social. Disponível em: <http://www2.pucpr.br/reol/index.php/DIREITOECONOMICO?dd1=5809&dd99=view>. Acesso em 17 out. 2012.
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Considerações a respeito da (in)constitucionalidade do projeto de lei de alteração do Código Florestal Brasileiro em face da garantia da proibição de retrocesso (sócio)ambiental. Disponível em: <http://aprodab.blogspot.com.br/search/label/Ingo%20Wolfgang%20 Sarlet>. Acesso em: 11 jun. 2012, 17h 20min.
SAULE JÚNIOR, Nelson. A Proteção Jurídica da Moradia nos Assentamentos Irregulares. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, 2003, Tese de Doutorado. 545 p.
_______. O Direito à Moradia como Responsabilidade do Estado Brasileiro. In: SAULE JÚNIOR, Nelson (Coord.). Direito à Cidade: Trilhas Legais para o Direito às Cidades Sustentáveis. São Paulo: Max Limonad e Pólis – Assessoria, Formação e Estudos em Políticas Sociais, 1999, pp. 63-126.
_______; CARDOSO, Patrícia de Menezes. O Direito à Moradia no Brasil. São Paulo: Instituto Pólis, 2005.
_______; NAKANO, Kazuo; et. al. O planejamento do município e o território rural. São Paulo: Instituto Pólis, 2004.
SILVA, Danny Monteiro da. Dano Ambiental e sua Reparação. Curitiba: Juruá, 2011.
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 9ª ed. atual. São Paulo:
135
Malheiros, 2011.
______. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005.
______. Direito Urbanístico Brasileiro. 5ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2008.
SILVA, José Antonio Aleixo da (Coord.). O Código Florestal e a Ciência: Contribuições para o Diálogo. São Paulo: Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Academia Brasileira de Ciências, 2011. Disponível em: <http://www.sbpcnet.org.br/site/arquivos/codigo _florestal_e_a_ciencia.pdf>, acesso em 3 mai. 2012, 17h 14min.
SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. 7ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009.
STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade Civil Ambiental: As Dimensões do Dano Ambiental no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2ª ed. rev., atual. e ampl. 2011.
STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
SUNDFELD, Carlos Ari. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio (Coords.). Estatuto da Cidade: Comentários à Lei Federal 10.257/2001. 2ª ed. São Paulo: Malheiros e SBDP, 2006.
VALLE, Raul do. O novo Código e o remendo florestal. Disponível em <http://www.socioambiental.org/nsa/direto/direto_html?codigo=2012-10-19-090312>. Acesso em 09 fev. 2013.
VELOSO, Henrique Pimenta; RANGEL FILHO, Antonio Lourença Rosa; LIMA, Jorge Carlos Alves. Classificação da vegetação brasileira, adaptada a um sistema universal. Rio de Janeiro: IBGE, Departamento de Recursos Naturais e Estudos Ambientais, 1991. Disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao /monografias/GEBIS%20-%20RJ/classificacaovegetal.pdf>. Acesso em 27 ago.2012, 17h 10min.
VIEIRA, Oscar Vilhena. A globalização e o direito: realinhamento constitucional. Disponível em <http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/oscarvilhena/vilhena _unidir.html>. Acesso em 20 abr. 2012, 13h29min.
______. Discricionariedade judicial e direitos fundamentais. Disponível em <http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/oscarvilhena/vilhena_discricionalidade.html>. Acesso em 20 abr. 2012, 17h44min.
______. Os limites da autoridade do direito. In: FIGUEIREDO, Marcelo; PONTES FILHO, Valmir (Orgs.). Estudos de Direito Público em homenagem a Celso Antonio Bandeira de Mello. São Paulo: Malheiros, 2006.
WAINER, Ann Helen. Legislação ambiental brasileira: subsídios para a história
136
do direito ambiental. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991.
WALCACER, Fernando Cavalcanti. In: Debates sobre o Código Florestal, 2012, São Paulo, Procuradoria Geral do Estado de São Paulo.
WOLKMER, Antonio Carlos; LEITE, José Rubens Morato Leite (Orgs.). Os 'novos' direitos no Brasil: natureza e perspectivas, uma visão básica das novas conflituosidades jurídicas. São Paulo: Saraiva, 2003.
YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato. A Efetividade da Proteção do Meio Ambiente e a Participação do Judiciário. In: YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato. Tutela dos Interesses difusos e Coletivos. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2006.
______; AMADEI, Vicente de Abreu. Área de Preservação Permanente (APP) em zona urbana. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme (Coords.). Novo Código Florestal: comentários à Lei 12.651, de 25 de maio de 2012 e à MedProv 571, de 25 de maio de 2012. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, pp. 436-448.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
JULIANA MUNIZ PACHECO
ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE
EM ZONA URBANA
E REGULARIZAÇÃO DA MORADIA
MESTRADO EM DIREITO
São Paulo
2013
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
JULIANA MUNIZ PACHECO
ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE
EM ZONA URBANA
E REGULARIZAÇÃO DA MORADIA
MESTRADO EM DIREITO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito das Relações Sociais, na área de concentração em Direitos Difusos e Coletivos, sob a orientação do Professor Doutor Marcelo Gomes Sodré.
São Paulo
2013
Banca Examinadora:
______________________________________
______________________________________
______________________________________
Aos meus pais, que sempre apoiaram
minhas decisões, pelo amor incondicional;
ao meu eterno companheiro, que, além do
constante e fundamental apoio, traz mais
luz e sentido aos meus dias;
e ao meu filho, que me apresentou um
novo significado de vida
simplesmente por existir.
AGRADECIMENTOS
A Deus, pelas oportunidades que coloca em minha vida e pela força.
Meus sinceros agradecimentos ao meu orientador, Professor Marcelo
Gomes Sodré, pelas aulas ministradas no curso de Mestrado, pelas incríveis leituras
sugeridas e pelo empenho e dedicação na orientação, que foram fundamentais para
obter o resultado apresentado.
À Professora Daniela Libório Di Sarno, pelas contribuições dadas na banca
de qualificação, que, certamente, foram decisivas e muito auxiliaram a ampliar a
abrangência da presente pesquisa.
Às Professoras Daniela Libório e Norma Sueli Padilha, por aceitarem
gentilmente o convite para a banca de defesa.
À Professora Consuelo Yoshida, por sua generosidade, ao me conceder
especial oportunidade de trabalhar ao seu lado durante dois anos, pelos
ensinamentos dentro e fora de sala de aula, pela inspiração e pelas sugestões que
muito enriqueceram o trabalho.
Às colegas do mestrado Laura Lícia Vicente, Cristiane Queli, Renata Falson,
Gisele Lenzi, Renata Ogasawara pela companhia durante e depois da conclusão do
curso de Mestrado, pelas dicas preciosas e por tornarem os momentos
especialmente agradáveis.
Especiais agradecimentos aos amigos Regina Vincent e Marcelo Guena, por
seus esclarecimentos técnicos, que contribuíram muito quando a insegurança de
pesquisar por outras searas do conhecimento estagnava meus trabalhos.
A todos meus familiares e amigos, que souberam entender meus momentos
de ausência e de dedicação à vida acadêmica.
E, finalmente, a todos aqueles que contribuíram, direta ou indiretamente,
para a realização e conclusão deste trabalho.
RESUMO
PACHECO, Juliana Muniz. Área de Preservação Permanente em Zona Urbana e
Regularização da Moradia. 2013. 136 f. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2013.
A presente pesquisa se baseou nas principais discussões havidas na vigência do
Código Florestal de 1965, época em que não era nada pacífica a tese de existência
das áreas de preservação permanente nas cidades. Com este pano de fundo,
buscou a origem histórica do instituto dessas áreas ambientalmente sensíveis, bem
como seu fundamento (ou ratio legis), hoje denominada função ambiental ou
ecológica. Utilizando tais conceitos como base, progrediu-se em direção ao Direito
Urbanístico e sua relação com as normas ambientais, discussão bastante atual e de
necessário enfrentamento ante a persistente tese de exclusão de uma ordem
jurídica em prol da outra. Para tanto, visitaram-se o rol de competências
constitucionais e o princípio do desenvolvimento sustentável. Sob o aspecto
urbanístico, priorizou-se o foco no Direito à Moradia e à sua regularização, ponto
mais sensível no que tange à lesão ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e
gerador de demandas em prol da dignidade da pessoa humana. Durante o
desenvolvimento das pesquisas, sobreveio a Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012,
com suas posteriores alterações, o que refletiu nas premissas, diretrizes e
conclusões finais da presente dissertação, de modo que a regularização da moradia
ganhou nova abordagem tanto da lei, quanto das pesquisas levadas a cabo. Com
isso, conclui-se que o Poder Público, na qualidade de gestor do meio ambiente
equilibrado, ganhou procedimentos mais adequados para concretizar o Direito à
Moradia, através da regularização fundiária e da manutenção não só do equilíbrio
ambiental, mas também do direito à vida, à segurança e à saúde da população
envolvida.
Palavras-chave: Código Florestal. Área de Preservação Permanente. Função
Ambiental ou Ecológica. Direito à Moradia. Regularização da Moradia.
ABSTRACT
PACHECO, Juliana Muniz. Permanent preservation area in urban zone and housing
ownership. 2012. 136 f. Dissertation (Law Master) – Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo. São Paulo, 2013.
The present research was based in discussions which took place when Forestry
Code of 1965 took force, a time when the thesis of permanent preservation areas in
cities was not anywhere peaceful. Within this background, it was pursued the historic
institute source of this environmentally sensitive areas, as well as its fundamental (or
ratio legis), nowadays denominated environmental or ecological function. Using such
concepts as base ground (delataria ground), the study has progressed towards
Urban Planning Law and its relationship with environmental regulation, an updated
discussion with needed confrontation before the persistent thesis of excluding one
legal order in place of another. For this purpose, it was addressed the constitutional
competences array (delataria array) and the sustainable development principle. From
the urban planning perspective, it was prioritized focus in Housing Ownership and its
regularization, most sensitive point regarding harm to ecologically balanced
environment and demand generator towards human being dignity. During the
research development, Law nº 12.651, from 25th May, 2012 stood out, with its
subsequent modification, reflecting in the premises, guidelines and final conclusions
of the present dissertation, in a way that housing regularization achieved a new
approach both for the law and research followed. In this way, one may conclude that
the Public Power, in the role of managing a balanced environment, won more
adequate procedures to achieve Housing Ownership, through landing regularization
and not only environmental balance but life quality, security and health of the
involved population.
Key-words: Forestry Code, Permanent Preservation Area, Environmental or
Ecological Function, Housing Ownership, Housing Regularization.
LISTA DE SIGLAS
ABC – Academia Brasileira de Ciências
ANA – Agência Nacional de Águas
APP – Área de Preservação Permanente
CF – Constituição Federal
CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente
ECO/92 – Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento
EIA – Estudo de Impacto Ambiental
EIA/RIMA – Estudo de Impacto Ambiental / Relatório de Impacto ao Meio Ambiente
ETEPs – Espaços Territoriais Especialmente Protegidos
GEE – Gases de Efeito Estufa
IBDF – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPTU – Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana
MP – Medida Provisória
PSA – Pagamento por Serviços Ambientais
REDD – Reducing Emissions from Deflorestation and Forest Degradation
SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
SEMA – Secretaria Especial do Meio Ambiente
SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente
SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação
UNCED – Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE EM ZONA URBANA
E REGULARIZAÇÃO DA MORADIA
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 12
CAPÍTULO 1. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE ........................... 15
1.1. Caracterização da Área de Preservação Permanente .............................. 15
1.2. Função Ambiental das Áreas de Preservação Permanente ...................... 18
1.3. Natureza Jurídica da Área de Preservação Permanente .......................... 26
1.4. Origem da Área de Preservação Permanente: Código Florestal de 1934 . 30
1.5. Código Florestal de 1965 .......................................................................... 35
1.6. Código Florestal de 2012 .......................................................................... 42
1.7. Alteração e Supressão das Áreas de Preservação Permanente ............... 49
1.8. Utilidade Pública, Interesse Social e Baixo Impacto Ambiental ................. 61
CAPÍTULO 2. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE NAS CIDADES .. 67
2.1. Desenvolvimento Sustentável das Cidades .............................................. 68
2.2. Competências Constitucionais .................................................................. 71
2.2.1. Competências Constitucionais Ambientais .................................. 73
2.2.2. Competências Constitucionais Urbanísticas ................................ 76
2.3. Harmonização entre Normas Ambientais e Urbanísticas .......................... 81
2.4. Aplicação do Código Florestal às Áreas Urbanas ..................................... 83
CAPÍTULO 3. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA .............................................. 88
3.1. Déficit Habitacional e Ordem Jurídica ....................................................... 89
3.2. Histórico Legislativo do Direito à Moradia ................................................. 91
3.2.1. Direito à Moradia na Comunidade Internacional .......................... 91
3.2.2. Direito à Moradia em Território Nacional ..................................... 94
3.3. Função Social da Propriedade .................................................................. 97
3.4. Função Socioambiental da Propriedade.................................................. 101
3.5. Atual Conteúdo do Direito à Moradia ...................................................... 104
3.6. Regularização Fundiária e Direito Ambiental .......................................... 106
CONCLUSÃO ................................................................................................ 120
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................. 127
12
INTRODUÇÃO
A ideia da presente pesquisa teve como início os primeiros estudos sobre o
Código Florestal de 1965 e a divergência jurisprudencial e doutrinária a respeito de
sua aplicação ou não em áreas urbanas, em especial no que tange as áreas de
proteção permanente (APPs) por atributos naturais (art. 2º da Lei nº 4.771/65).
Desde o início, para a autora, parecia bastante claro que, ante a função ambiental
dessas áreas (necessidade de manutenção de certas características naturais para
proteção de ecossistemas), não teria sentido a discussão acerca da aplicação
espacial da norma: por óbvio a regra de proteção permanente deveria ser aplicada
em qualquer imóvel, rural ou urbano.
Mas, uma vez admitido isto, tornava-se incoerente (ou ilegal) a concessão
de licença ambiental para construção nessas áreas, como se vê costumeiramente
ocorrer. A levar em consideração este entendimento, as margens dos rios deveriam
ser repletas de mata ciliar (ou ripária), ainda que em área urbana; e a ocupação dos
entornos de mananciais nunca deveriam ser tolerados, nem pela população, nem
pelo Poder Público. Ilícita, então, a obra que pavimentou as APPs às margens dos
rios Tietê e Pinheiros, na cidade de São Paulo? E o que dizer, então, das
regularizações fundiárias? E, se é verdade que as APPs hoje podem ser suprimidas
quando for o caso de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto, também é
sabido que em incontáveis casos de supressão não houve a regular autorização do
Poder Público. O tema, sob a égide do Código Florestal de 1965, nunca foi pacífico:
a legislação foi alterada algumas vezes, havia jurisprudência de várias vertentes,
assim como posições doutrinárias diversas.
Há que se considerar que, a partir de 2001, a ocupação de espaços urbanos
passou a contar com a regulamentação do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01),
marco do Direito Urbanístico e do Direito Ambiental Artificial, que traz dentre suas
diretrizes gerais o respeito às normas ambientais e a “recuperação do meio
ambiente natural” (art. 2º, inciso XII). Daí é possível concluir que o Estatuto da
Cidade procura conviver harmonicamente com as leis ambientais e, ainda, fomentar
a restauração de vegetação nas áreas urbanas, como princípio básico. Desse modo,
13
quer-se dizer que é necessário considerar a situação ora sob análise também à luz
das normas urbanísticas, assim como dos princípios de Direito Urbanístico. Ao
adentrar por estes meandros, a pesquisa se deparou com o Direito à Moradia, que,
por sua qualidade de direito fundamental, justifica que o ordenamento jurídico confira
maior elasticidade ao regime jurídico da área de preservação permanente.
Partindo destas premissas, a pesquisa foi desenvolvida permeando não só o
Direito Ambiental, mas também o Direito Urbanístico, com seu sistema jurídico
próprio, e com princípios muitas vezes semelhantes aos do Direito Ambiental, mas
com suas evidentes distinções. Veja como exemplo de temas em comum a função
social da propriedade, que é princípio ordenador de ambos os ramos do Direito, mas
possui facetas distintas conforme o aspecto abordado. É nesta região de intersecção
entre as áreas do saber que a pesquisa foi desenvolvida, buscando a interação entre
as normas urbanísticas e ambientais, o que é, de fato, uma tendência, não obstante
as posições divergentes.
Curioso e enriquecedor foi o fato de que, no curso da pesquisa, sobreveio a
promulgação da Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, conhecido como “Novo
Código Florestal” (antes: “Projeto Micheletto”), sendo certo que um de seus pontos
mais polêmicos é justamente a redução das matas ciliares e áreas de preservação
permanente, o que causou mobilização de diversos setores da sociedade civil. No
mesmo dia da publicação da Lei, com inúmeros vetos do Poder Executivo, foi
também editada Medida Provisória nº 571/12 suprindo lacunas deixadas pelos vetos.
O trâmite legislativo da Medida Provisória foi bastante discutido pela mídia, em razão
da relevância do tema e da tensão havida na Câmara dos Deputados, e, ao final, foi
convertida na Lei nº 12.727/12, não sem alteração no Parlamento, e novamente com
vetos presidenciais. Em razão destes acontecimentos, foi incluído na presente
análise o passo a passo das alterações legislativas, não por outro motivo, senão
com o intuito de documentá-lo. Considerando que as últimas alterações foram
aprovadas e publicadas pelo Poder Legislativo durante a elaboração desta pesquisa,
é apresentado também comentário sobre o novo texto da Lei nº 12.651/12 (com as
alterações trazidas pela Lei nº 12.727/12), muito embora, em algumas passagens,
seja mais explorado o texto do Código Florestal revogado.
14
Se, por um lado, a Lei nova veio dissipar discussões, na medida em que
tornou mais claro em seu texto que as APPs também devem ser respeitadas na
cidade; doutro lado, tem gerado críticas e apontamentos de insegurança pela
doutrina, o que poderá acarretar muita conflituosidade. Dentre as poucas certezas
que se tem no atual estágio legislativo destacam-se: que a discussão não está
pacificada; que a lei nova reduziu a proteção das APPs, em nome do
desenvolvimento agropecuário; e que a nova Lei restou concluída com algumas
incoerências e distorções, o que foi apontado em ação direta de
inconstitucionalidade proposta pelo Ministério Público Federal em janeiro de 2013.
15
1. Áreas de Preservação Permanente
Neste capítulo inaugural, tem-se a apresentação das principais
características da área de preservação permanente (APP), sua evolução histórica, e
algumas das principais discussões presentes na doutrina a respeito do instituto, com
o objetivo de que o desenvolvimento do tema perpasse por seus pontos principais,
sem, contudo, ter a pretensão de exaurir o assunto.
1.1. Caracterização da Área de Preservação Permanente
Inicialmente, com o objetivo de caracterizar a área de preservação
permanente, observa-se que, embora a Área de Preservação Permanente esteja
legalmente prevista no Código Florestal, não se confunde com floresta, nem se
resume a um conjunto de árvores. Seu conceito vai além. Para tanto, a doutrina
ambientalista1 costuma apresentar a distinção entre flora, floresta e APP, conforme
segue. Em geral, afirma-se que flora é um conceito genérico, do qual floresta é uma
espécie, o que pode ser exemplificado por José Afonso da Silva, que defende que
flora é coletivo que se refere ao conjunto das espécies vegetais do país ou de
determinada localidade, e que floresta é um tipo de flora2. Comprova sua posição
por meio do texto constitucional. Ao final, o autor destaca que “o conceito [de
1 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 737-
739; MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pp. 236-244; SILVA,
José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011, pp. 167-168;
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009, p.
157; ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, pp. 503-510;
DEUS, Teresa Cristina de. Tutela da Flora em Face do Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Juarez
de Oliveira, 2003, pp. 96-104; SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. São Paulo:
Saraiva, 2009, pp. 423-424 e 437-438. 2 Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011, pp. 167-168.
16
floresta] não compreende as áreas verdes urbanas, que ficam sob o regime dos
Planos Diretores e de leis municipais de uso do solo, respeitados os princípios e
limites a que se refere o art. 2º, parágrafo único, do Código Florestal.” Ele se refere
ao Código Florestal de 19653.
Osny Duarte Pereira nos informa que floresta “não se confunde com outras
vegetações, como os gramados das pastagens, impondo-se a diferenciação, porque,
em diferentes passos da lei, existem disposições diretamente dirigidas às florestas,
no seu caráter de mata e bosques”4.
Em alguns autores5, encontra-se remissão ao Anexo I da Portaria 486-P, de
28.10.1986, do antigo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), o
qual conceituava floresta como “a formação arbórea densa, de alto porte, que
recobre área de terra mais ou menos extensa”. Ocorre, contudo, que referida
Portaria 486-P foi revogada pela Portaria 39-P, de 04.02.886, também expedida pelo
IBDF. Por sua vez, tal Instituto foi extinto pela Lei nº 7.732, de 14.02.89, e
3 “A Constituição distingue entre flora e floresta. Menciona-as em um único dispositivo apenas uma
vez, quando prevê a competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios para
preservar as florestas, a fauna e a flora (art. 23, VII). Quando trata da legislação concorrente entre
União e Estados apenas menciona as florestas, não fala na flora. Já, no art. 225, § 1º, VII, incumbe ao
Poder Público proteger a fauna e a flora, não se refere destacadamente à floresta. Note-se, por
importante à compreensão conceitual, que ‘flora’ é termo sempre empregado no singular, enquanto
a palavra ‘floresta’ está sempre no plural. Vem daí a ideia de que flora é um coletivo que se refere ao
conjunto das espécies vegetais do país ou de determinada localidade. A flora brasileira compõe-se,
assim, de todas as formas de vegetação úteis à terra que revestem, o que inclui as florestas,
cerrados, caatingas, brejos e mesmo as forrageiras nativas que cobrem os nossos campos naturais.
Floresta é um tipo de flora. Já foi conceituada como toda a vegetação alta e densa cobrindo uma área
de grande extensão. Mas esse conceito não satisfaz, porque o fato de cobrir área de grande extensão
não é característica essencial da floresta.” (Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros,
2011, pp. 167-168). Neste mesmo sentido: FINK, Daniel Roberto; PEREIRA, Márcio Silva. Vegetação
de preservação permanente e meio ambiente urbano. In: Revista de Direito Ambiental. São Paulo:
Revista dos Tribunais, vol. 2, p. 77, abr. / 1996, p. 79. 4 Direito Florestal Brasileiro. p. 180, apud SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 168. 5 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009,
p. 157. 6 Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal. Portaria nº 39-P, de 04 de fevereiro de 1988.
Disponível em: <http://www.ibama.gov.br/sophia/cnia/legislacao/IBDF/PT0039-040288.PDF>.
Acesso em 03 set. 2012, 16h 47min.
17
substituído pela também já extinta Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA),
que era vinculada ao Ministério do Interior. Desta forma, considera-se que não é
possível utilizar tal conceito para fins de pesquisa acadêmica, porque o regulamento
foi revogado, muito embora o conceito seja bastante proveitoso.
A Classificação Vegetal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) procura definir o termo floresta em seu item 3.2.18, devendo ser destacado
que sua conceituação é bastante divergente, conforme o próprio texto afirma,
confira:
termo semelhante à mata no sentido popular, tem conceituação bastante divergente, mas firmada cientificamente como sendo um conjunto de sinúsias dominado por fanerófitos de alto porte, com quatro estratos bem definidos. Porém, além destes parâmetros, acrescenta-se o sentido de altura para diferenciá-la das outras formações lenhosas campestres. Assim, então, uma formação florestal apresenta dominância de duas subformas de vida de fanerófitos: macrofanerófitos, com alturas variando entre 30 e 50 m, e mesofanerófitos, cujo porte situa-se entre 20 e 30 m de altura.7
Pode-se ver que a conceituação utiliza a característica de altura da
vegetação para definir e diferenciar o termo de outras formações lenhosas
campestres (o que coincide com parte da definição da Portaria 486-P do IBDF).
Além disto, são características da floresta: o conjunto de plantas de estruturas
semelhantes, com homogeneidade ecossistêmica (“sinúsias”), e plantas lenhosas
(“fanerófitos”)8.
Como se vê, a definição mais técnica de floresta confirma a diferenciação
que a doutrina jurídica faz em relação à flora (floresta é espécie de flora), e também
abarca parcialmente o conceito antes utilizado pela norma infralegal (formação
arbórea de alto porte), ainda que acrescente outros aspectos não considerados pelo
ordenamento jurídico (conjunto de plantas com estruturas semelhantes, com
homogeneidade ecossistêmica, dominado por plantas lenhosas). Outrossim, a
extensão da área de cobertura da floresta (“área de terra mais ou menos extensa”)
7 VELOSO, Henrique Pimenta; et al. Classificação da vegetação brasileira..., Rio de Janeiro: IBGE,
1991, p. 45, itálicos nossos. 8 Idem, ibdem, pp. 41-45.
18
não encontra guarida na Classificação da Vegetação Brasileira do IBGE (ainda que
fizesse parte da Portaria do IBDF).
O mais importante é que a floresta é apenas um aspecto da área de
preservação permanente, pois esta última é integrada também por seus aspectos
ecossistêmicos. A este respeito, verifica-se que, conforme ressalta o Professor Paulo
Affonso Leme Machado, a área de preservação permanente pode ou não estar
coberta por vegetação. Quer-se dizer com isto que o fato de a área estar desmatada
não retira sua proteção legal especial. Assim, se está desflorestada, deve ser
recoberta de vegetação, por sua relevância para outros recursos ambientais: solo,
água, biodiversidade, fluxo gênico da fauna e flora, paisagem, entre outros. Nas
palavras do ilustre professor:
a ideia de permanência não está vinculada só à floresta, mas também ao solo, no qual ela está ou deve estar inserida, e à fauna (micro ou macro). [...] a vegetação, nativa ou não, e a própria área são objeto de preservação não só por si mesmas, mas pelas suas funções protetoras9.
Neste sentido, é importante destacar que são diversos os bens ambientais
que integram a área de preservação permanente e que, portanto, estão protegidos
sob o manto da lei: não só a flora, ou florestas, mas também o solo, as águas, o ar,
a paisagem, o fluxo gênico, a biodiversidade (embora estes dois últimos não estejam
enquadrados na definição de bem ambiental), etc10. Tais benefícios, que
fundamentam a proteção legal especial, são também denominados de função
ambiental ou função ecológica da APP, que merece tópico especial, conforme
segue.
1.2. Função Ambiental das Áreas de Preservação Permanente
A função ambiental (ou função ecológica11) das áreas de preservação
9 Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 737. 10 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 691; METZGER, Jean
Paul. Entrevista concedida à Rádio CBN, em 24.abr.2012 (arquivo de áudio). 11 Preferimos utilizar a expressão “função ambiental” pelo simples fato de que é a expressão eleita
pela lei.
19
permanente é apontada como a justificativa para que a lei tutele especialmente
estas áreas, ou, em outras palavras, é a ratio legis para elevar tais áreas a um plano
especial de proteção pelo ordenamento jurídico. No Código Florestal de 1965, já
estava expressa no texto normativo e, no Código de 2012, foi assim reproduzida:
Art. 3º. Para os efeitos desta Lei, entende-se por: [...] II – Área de Preservação Permanente: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas. (destaque nosso)
A doutrina12 também sempre valorizou o fundamento da proteção da APP:
A vegetação, nativa ou não, e a própria área são objeto de preservação não só por si mesmas, mas pelas suas funções protetoras das águas do solo, da biodiversidade (aí compreendido o fluxo gênico da fauna e da flora), da paisagem e do bem-estar humano. A área de preservação permanente – APP não é um favor da lei, é um ato de inteligência social, e é de fácil adaptação às condições ambientais.13
A função ambiental das APPs está diretamente relacionada com a função
social da propriedade14, na medida em que, se a função social da propriedade traz à
propriedade imobiliária a necessidade de ser utilizada (usufruída) com ética perante
a comunidade em que está inserida, a função ambiental é a faceta ambiental desta
utilização ética: o imóvel atenderá à sua função ambiental sempre que condições
mínimas ecossistêmicas forem mantidas (manutenção do solo com o fim de evitar
erosão, por exemplo), com o fim de manutenção não só do imóvel em si, mas dos
recursos ambientais em geral (flora, fauna, ar, solo, recursos hídricos, ciclos
climáticos, fluxo gênico, ecossistema etc.), visando, ao fim, o equilíbrio ecológico
para as presentes e futuras gerações. Vale dizer, é o interesse público (difuso) que
12 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, pp.
736-737; MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pp. 240-241;
FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A Propriedade no Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2010, pp. 212-213; ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2006, pp. 483 et seq.; DEUS, Teresa Cristina de. Tutela da Flora..., São Paulo: Juarez de Oliveira,
2003, pp. 17-18; MARCHESAN, Ana Maria Moreira. Áreas de “Degradação Permanente”, Escassez e
Riscos. In: Revista de Direito Ambiental. vol. 35, Jul./ 2004, pp. 190 et seq. 13 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 737. 14 O conceito de função social da propriedade está desenvolvido no capítulo 3.
20
se sobrepõe ao interesse egoístico do proprietário do imóvel. Assim, consta também
no Código Civil:
Art. 1228. § 1º. O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. (destaque nosso)
A melhor contribuição sobre este tema foi dada, sem dúvida, pelo trabalho
elaborado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e
Academia Brasileira de Ciências (ABC)15, em 2011, para auxiliar nos debates
ocorridos ao longo do processo de elaboração do Novo Código Florestal, atual Lei nº
12.651/12. Sua contribuição é da mais alta qualidade, não só porque reúne o
parecer de cientistas extremamente gabaritados, mas também porque foi concebido
de forma direcionada para a elaboração da lei florestal, visando auxiliar o legislador
no desenvolvimento de institutos das áreas de preservação permanente e da
reserva legal, de acordo com o atual conhecimento científico de ponta. Assim, foram
consideradas, na análise, a necessidade e a possibilidade de expansão da produção
agrícola, a importância da manutenção das APPs nas áreas rurais e urbanas e a
relevância da conservação da biodiversidade brasileira.
No que tange ao tema proposto – função ambiental das APPs –, o texto
inicia sua abordagem através da premissa de que as áreas de preservação
permanente são necessárias, não só à manutenção de outros recursos naturais,
mas também tem relevância econômica para a produção agrícola, isto é, parte da
preponderância do desenvolvimento econômico. Os benefícios são inúmeros e
insubstituíveis, especialmente quando levado em conta o ecossistema global nesta
avaliação.
Vale lembrar que a APP não é caracterizada pela floresta originária, como
pode parecer numa primeira leitura. O que qualifica uma área como de preservação
permanente é sua função de auxílio na conservação de diversos recursos
15 SILVA, José Antonio Aleixo da (Coord.). O Código Florestal e a Ciência: Contribuições para o
Diálogo. São Paulo: SBPC e ABC, 2011, pp. 12 e 13.
21
ambientais, seja por sua localização (topo de morro, margem de rio, por exemplo),
por suas características topográficas (encostas íngremes, verba gratia) ou
ecossistêmicas (manguezais), entre outras. Assim, são diversos os fatores que
devem ser levados em conta ao definir um determinado ecossistema como área de
preservação permanente. É justamente esta qualificação de sua função que se
denomina função ambiental ou função ecológica.
Diante disto, extrai-se que uma de suas principais funções é a manutenção e
a perpetuação da diversidade de um dado ecossistema (considerando a dinâmica
envolvida), com todos os seus elementos: fauna, vegetação e elementos abióticos
(água, ar e solo), assim como a interação entre estes elementos. Isto porque é esta
interação que caracteriza um ecossistema primordialmente, de modo que a ausência
de um dos elementos altera sobremaneira o equilíbrio do meio (homeostase),
afetando, por conseguinte, todos os demais elementos em interação, como num
sistema autorregulador, extremamente complexo16.
Assim, no que diz respeito à fauna (tanto a terrestre, como a aquática e a
semiaquática), sua proteção é relevante na medida em que a APP serve aos
animais como ambiente de transporte, alimentação, reprodução e abrigo; assim
como serve também na manutenção das espécies e no controle de pragas e
contenção de doenças (serviços ambientais).
A erosão e o assoreamento de rios podem ser evitados, na medida em que a
vegetação tem a função de amortecimento para a água das chuvas tropicais
torrenciais e as raízes fixam o solo, evitando, destarte, dispersão de suas partículas
pelas enxurradas. A vegetação adensada, em conjunto com o sistema radicular e
serrapilheira também auxiliam na retenção das águas das chuvas, regularizam a
vazão dos rios e o regime hidrológico e reduzem o escoamento superficial. O
impacto financeiro da erosão foi estimado num prejuízo anual de R$ 9,3 bilhões ao
16 Sobre ecossistema como sistema autorregulador e homeostase, cf. LOVELOCK,James. Gaia: cura
para um planeta doente. Trad. Aleph Teruya Eichemberg e Newton Roberval Eichemberg. São Paulo:
Editora Cultrix, 2006, pp. 57-72.
22
país, em 200217. A título de ilustração, cita-se passagem do relatório comentado:
A importância da manutenção da APP ripária para minimizar a perda de solo por erosão superficial e o consequente assoreamento de riachos, ribeirões e rios foi demonstrada experimentalmente por Joly e colaboradores (2000), trabalhando na bacia do rio Jacaré-Pepira, no município de Brotas (SP). O grupo de pesquisadores determinou em campo, a partir do uso de parcelas de erosão, que a perda anual de solo em uma pastagem é da ordem de 0,24 t ha-1, enquanto que no mesmo tipo de solo, com a mesma declividade e distância do rio, a perda anual de solo no interior da mata ciliar foi da ordem de 0,0009 t ha-1 (JOLY ET al., 2000).18
Ainda, quando da existência de diversas APPs próximas, é possível a
formação de corredores ecológicos, que auxiliam as espécies de fauna e flora no
seu fluxo gênico, o que favorece a reprodução e perpetuação de espécies, já que
torna possível a diversificação do cruzamento entre diversas sociedades distintas,
independentemente de fronteiras políticas. A potencialização da conservação da
água, do solo e da biodiversidade também traz reflexos importantes para o
agronegócio, na medida em que acarreta melhoria da qualidade desses recursos
ambientais.
A APP também auxilia na manutenção do controle dos gases de efeito
estufa (GEE), de modo a colaborar com a redução da poluição atmosférica, com o
clima local, regional e global19, através da regulação das temperaturas e umidade do
ar, o que, mais uma vez, carrega aspecto econômico, na medida em que reduz as
possibilidades de estiagem para agricultura, por exemplo. Outros efeitos também
podem ser notados, tais como a contenção de ventos por força das florestas mais
densas, prevenção contra estiagens, inundações e deslizamento de terras, que nos
últimos anos têm feito inúmeras vítimas fatais no Brasil.
Em termos de efeitos indiretos, podem ser citados os gastos com saúde e
emergências decorrentes dos acidentes (inundações, deslizamento de terras e
17 HERNANI, L. C.; et al. A erosão e seu impacto. In: MANZATTO, C. V. et al. (Orgs.). Uso agrícola dos
solos brasileiros. Rio de Janeiro: Embrapa Solos, 2002, pp. 47-60 apud SILVA, José Antonio Aleixo da
(Coord.). O Código Florestal e a Ciência... São Paulo: SBPC e ABC, 2011. 18 SILVA, José Antonio Aleixo da (Coord.). Op. cit., p. 39, destacamos. 19 Ibid., pp. 33 e 34.
23
estiagens), que poderiam ser poupados; assim como também eventualmente
poderia ter sido evitada a crise energética de 2001 (popularmente conhecido como
“Apagão”) e outras crises energéticas, a partir da contribuição das APPs com a
regularidade do sistema hidrológico.
Sobre a pressão alimentar (um dos argumentos utilizados para reduzir a
proteção das APPs no novo Código Florestal), o relatório dos cientistas apresenta
cenário bastante otimista para o Brasil, ao informar que:
[...] a área atualmente ocupada com lavouras é relativamente pequena se comparada com a área potencial de que o país dispõe especialmente no Centro-Oeste. [...] A associação dessa expansão [das áreas destinadas ao cultivo de cereais, leguminosas e oleaginosas, nos últimos vinte anos] com ganho de produtividade resultou ainda em aumento de mais de 100% na produção de grãos quando comparada à safra 1996, atingindo cerca de 148 milhões de toneladas em 2010.20
No que tange à atividade de pecuária, os estudos apontam que a taxa de
lotação das pastagens é baixa, (cerca de 1 cabeça/ha, conforme Censo
Agropecuário de 2006). Assim, “um pequeno investimento tecnológico [...] pode
ampliar essa capacidade, liberando terras para outras atividades produtivas, ou
mesmo evitando novos desmatamentos”21.
Visando a diminuição da pressão da agricultura sobre as terras de APP, os
cientistas sugerem a melhoria da produtividade, por exemplo, através da
implantação de irrigação nas culturas, que pode representar incremento significativo
– estudo produzido pela Agência Nacional de Águas, citado no texto, dá conta de
que “no Brasil, cada hectare irrigado equivale a três hectares de sequeiro em
produtividade física e a sete em produtividade econômica”22. Neste aspecto, conclui-
se que a irrigação “está muito abaixo dos padrões mundiais e das oportunidades que
o país oferece, configurando-se em uma alternativa para a intensificação das terras
atualmente em uso pela agropecuária mediante a adoção de sistemas sustentáveis
20 SILVA, José Antonio Aleixo da (Coord.). O Código Florestal e a Ciência... São Paulo: SBPC e ABC,
2011, p. 25. 21 Ibid., p. 33. 22 Ibid., p. 29.
24
e o uso racional da água”23.
Há, ainda, outros destaques sobre a necessidade de estímulo da
produtividade no setor primário brasileiro. Neste sentido, os autores do relatório
alertam que:
mesmo considerando os ganhos de produtividade ao longo das últimas décadas, o Brasil foi um dos poucos países do mundo a aumentar suas áreas agrícolas, estimadas em cerca de 278 milhões de hectares ou 27,1% de seu território. Segundo Sparovek et al. (2010), desse montante, cerca de 61 milhões de hectares com baixa e média produtividade agrícola poderiam ser usados na produção intensiva de alimentos. Do total geral, pelo menos 83 milhões de hectares estariam em situação de não conformidade com o Código Florestal e deveriam ser recuperados24.
É interessante destacar que o relatório sob comento, apresenta a seguinte
conclusão:
Trata-se de uma clara questão de escolha, que está nas mãos da sociedade: optar pela atividade agropecuária nos moldes tradicionais, incorporando os custos ambientais relatados ou generalizar os exemplos que garantem a rentabilidade e a sustentabilidade agrícola pelo uso pleno do conhecimento tecnológico, pelo planejamento do uso da terra, de manejo do solo e da água e pela degeneração mínima do sistema planta-solo-clima. Assim é possível promover uma atividade agrícola em harmonia com a natureza, através do uso de preceitos biológicos e agronômicos adaptados à nossa realidade edafoambiental.25
Sobre a relevância econômica das APPs, tem-se que um estudo coordenado
por Taylor Ricketts, pesquisador da Universidade de Stanford e do WWF, citado por
Guilherme José Purvin de Figueiredo26, dá conta de que:
a presença de florestas tropicais na vizinhança de áreas agrícolas pode ser lucrativa, além de ecologicamente correta. Para uma fazenda de café na Costa Rica, o benefício foi estimado em cerca de US$60 mil, por conta do aumento da produtividade nos cafezais, provocado pelos insetos que habitam a mata.
Além disto, Purvin complementa que:
23 SILVA, José Antonio Aleixo da (Coord.). O Código Florestal e a Ciência... São Paulo: SBPC e ABC,
2011, p. 29. 24 Ibid., p. 33, destacamos. 25 Ibid., p. 42, destacamos. 26 A Propriedade no Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 212.
25
os estudos destinaram-se à medição da produtividade de cafeeiros em uma fazenda de mais de 1.000 hectares no Vale Geral da Costa Rica, tendo sido constatado que as plantas localizadas num raio de um quilômetro de um fragmento de floresta nativa produziam 20% mais grãos.27
Adicionalmente, os reflexos das áreas de preservação permanentes podem
ser sentidos nas cidades, pois, quando ausentes, atentam contra a vida, à saúde e o
bem-estar da população. Grande parte dos acidentes e catástrofes ocorridos nas
cidades brasileiras em época de chuvas – tais como: deslizamento de terras,
desmoronamento de casas e outras construções, inundações, alagamentos,
enchentes etc. – têm como origem a ocupação antrópica em áreas de preservação
permanente, em especial, encostas com grandes declives e margens de rios que
cortam as cidades. A este respeito, a doutrina é pacífica e pode ser bem
exemplificada por este excelente texto de Daniel Fink e Márcio Silva Pereira, que
destacam os enormes prejuízos à população:
a não conservação das áreas de preservação permanente traz reflexos não só ao meio ambiente, mas à segurança e à saúde pública. [...] Ademais, as faixas marginais de cursos d'água destinam-se a perenizá-los pela importância que os recursos hídricos têm para a vida, especialmente a humana. Ora, se essas faixas marginais são verdadeiramente importantes, o são em quaisquer circunstâncias, seja em zona rural ou urbana. Se assim não for, cabe responder às indagações: por qual razão, em zona urbana, os limites podem ser inferiores aos do Código Florestal? Quais melhores atributos teria a zona urbana para necessitar de uma faixa marginal inferior ao da zona rural e, ainda assim, preservar os cursos d'água que contém? Ao contrário. A impermeabilização do solo em zona urbana, facilitando um escoamento direto das águas pluviais aos cursos d'água, demandam faixas marginais maiores – várzeas –, facilitando o espraiamento das águas desses cursos, evitando-se enchentes e seus consequentes efeitos: transtorno para os habitantes, provocando congestionamentos imensos; perecimento de bens e valores, normalmente de população de baixa renda; e lamentáveis eventos fatais. O mesmo se diga da valiosa função dos cursos d'água e da vegetação que os cerca, para sua purificação. Suprimi-la, demandará, em razão direta, maiores recursos do contribuinte para despoluir e limpar rios e cursos d'água e para com a saúde pública. Acrescente-se, ainda, o importante papel dos cursos d'água e da vegetação marginal em regular o clima das cidades. Ao enterrarmos os rios, canalizando-os e edificando sobre eles caríssimas avenidas, estamos matando pouco a pouco fatores ambientais que contribuem
27 A Propriedade no Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pp. 212-213.
26
decisivamente para a qualidade de vida dos habitantes da cidade.28
A função ambiental e econômica da APP também é ressaltada na obra de
Paulo Affonso Leme Machado:
Não diria que essas florestas deixam de ter finalidade econômica, pois que melhor investimento do que, através dessas florestas, assegurar-se o bem-estar psíquico, moral, espiritual e físico das populações? Além disso, conservando-se os espécimes da fauna em seu habitat, pode-se mensurar e quantificar economicamente a existência das florestas de preservação permanente.29
Como se pode verificar, as áreas de preservação permanente possuem
função ambiental não só no campo, mas também nas cidades. Adicionalmente,
prestam serviços ambientais. Dependendo da região, sua ausência poderá gerar
lesões a diversos bens difusos: na zona rural, verificam-se danos à fauna, ao
sistema hidrológico, ao solo e perda financeira para a produção agrícola; na zona
urbana, lesa o direito à moradia, à saúde, à segurança e à função de circulação da
população, entre outros. Não é por outro motivo que a Constituição Federal
apresenta severa proteção às APPs, assim também o ordenamento
infraconstitucional.
1.3. Natureza Jurídica da Área de Preservação Permanente
No direito pátrio, a orientação doutrinária30 é no sentido de que são bens
ambientais as florestas e as áreas de preservação permanente, pois são bens de
natureza difusa, uma vez que o seu titular é o povo.
28 FINK, Daniel Roberto; PEREIRA, Márcio Silva. Vegetação de preservação permanente e meio
ambiente urbano. In: Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 2, p. 77,
abril. / 1996 (grifos nossos). 29 Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 749-750. 30 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pp. 198 et seq.;
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2009, p.
159; DEUS, Teresa Cristina de. Tutela da Flora em Face do Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo:
Juarez de Oliveira, 2003, pp. 43 et seq.
27
Na mesma linha, o Código Florestal31 dispõe que “as florestas existentes no
território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidades às
terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País
[...]”, o que também está em consonância com o que determina a Constituição
Federal que afirma que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é “bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”. Guilherme José Purvin de
Figueiredo32 faz acertada interpretação de que as expressões “bem de interesse
comum a todos os habitantes do País”, assim como “bem de uso comum do povo”
denotam a titularidade difusa do bem ambiental que são as florestas.
Na mesma toada, é a magistral lição de Antonio Herman V. Benjamin33, que
esclarece que o bem ambiental é identificado ora com o meio ambiente, considerado
como gênero amplo, categoria única e global (ou macrobem), ocasião em que é tido
como bem público de uso comum34, de titularidade difusa35; ora é mencionado para
designar seus componentes (partes ou fragmentos), tais como um rio, o ar, o mar, o
solo, um ecossistema etc., mais concretos e menos genéricos (microbens), os quais
podem ser de propriedade pública (como é o caso de um parque estadual, por
exemplo) ou particular (a mata localizada em propriedade particular, para ilustrar). E
o autor desce a minúcias, salientando que o macrobem ambiental é bem público em
sentido objetivo (e não subjetivo):
Logo, o meio ambiente, como macrobem, é bem público, não porque pertença ao Estado (pode até pertencê-lo), mas porque se apresenta no ordenamento, constitucional e infraconstitucional, como “direito de todos”, como bem destinado a satisfazer as necessidades de todos. É bem público em sentido objetivo e não em sentido subjetivo, integrando uma certa “dominialidade coletiva”, desconhecida do Direito tradicional Público, então porque incapaz de apropriação exclusivista, porque destinado à satisfação de todos e porque, por
31 Antes através do art. 1º da Lei nº 4.771/65 e, atualmente, através do art. 2º da Lei nº 12.651/12. 32 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Comentários ao art. 2º. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo
Affonso Leme (Coords.). Novo Código Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 42. 33 BENJAMIN, Antonio Herman V. Função Ambiental. In: BENJAMIN, Antonio Herman V. (coord.).
Dano Ambiental... São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, passim. 34 Nos termos do art. 99, inciso I, do Código Civil. 35 No mesmo sentido (porém sem utilizar a terminologia de macrobem): MILARÉ, Édis. Direito do
Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 196.
28
isso mesmo, de domínio coletivo, o que não quer dizer de domínio estatal.36
O mesmo autor ensina que os microbens (recursos bióticos, abióticos e
ecossistêmicos) quando relacionados com o macrobem (meio ambiente
abstratamente considerado) “ganham, como regra a mesma natureza pública de uso
comum que o caracteriza [o macrobem]”37, e exemplifica:
Assim, um prédio tombado ou uma floresta preservada, vistos pelo ângulo ambiental (como integrantes do conglomerado abstrato que compõe a qualidade ambiental), são bens públicos de uso comum, mesmo que para outros fins (como, p. ex., com vistas à possibilidade de sua exploração ou alienação) sejam regidos pelo regime próprio dos bens privados.38
Ou seja, de acordo com as lições do eminente professor39, quando se está
diante de um microbem ambiental sobre o qual recai regime jurídico de direito
privado (isto é, de propriedade particular), haverá a incidência de “dupla afiliação
simultânea a dois regimes patrimoniais”40, isso porque o interesse público do
macrobem ambiental contamina os elementos que o compõem, “contaminação esta
que ocorre apenas em relação ao valor ou interface ambiental do bem”41. Assim,
mesmo que o microbem seja de propriedade particular, será submetido a regime
especial de interesse público, ao qual fica subordinado42.
Nessa esteira, prossegue Herman Benjamin, o macrobem (o meio ambiente
36 BENJAMIN, Antonio Herman V. Ibdem, p. 66, destaques nossos. Neste mesmo artigo, o autor
destaca, com propriedade científica, que o objeto da função ambiental é o bem ambiental, o que não
pode ser confundido com a finalidade da função ambiental, que é a qualidade ambiental como valor
importante da qualidade de vida (p. 60). 37 BENJAMIN, Antonio Herman V. Função Ambiental. In: BENJAMIN, Antonio Herman V. (Coord.).
Dano Ambiental..., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 70. 38 BENJAMIN, Antonio Herman V. Ibid., p. 70. 39 Ibid., passim. 40 Ibid., p. 70. Em outro trecho: “Dizer-se que o meio ambiente é um bem público de uso comum não
implica desconhecer que os elementos que o compõem, quando perquiridos isoladamente, se filiam
a regimes jurídicos múltiplos, ora como – na acepção do Código Civil – bens de propriedade pública,
ora como bens privados de interesse público, ora como meros bens privados.” (p. 77). 41 Ibid., p. 77. 42 No capítulo 2 é retomado o tema da incidência de múltiplos diplomas sobre um mesmo fato
jurídico.
29
abstrato), sendo bem público de uso comum – lembre-se: público em sentido
objetivo, de domínio coletivo (e não estatal) –, é insuscetível de apropriação
individual, embora seja passível de utilização, tanto individual, como coletivamente.
“O termo uso comum opõe-se a uso privado”43. E, como tal, se o bem de uso comum
fosse abandonado à própria sorte, continuam as lições do magistrado, “poderia dar
ensejo a imensos conflitos entre os cidadãos, todos igualmente titulares do direito de
dele fazer uso.”44 E conclui, utilizando-se da doutrina de Ruy Cirne Lima: “A fim de
assegurar a normal distribuição, no tempo e no espaço, dos utentes, serve-se a
administração da intervenção reguladora da polícia”45. Assim, pode-se dizer, em
outras palavras, que o Poder Público atua como administrador, ou gestor, dos
microbens ambientais, verbi gratia, quando a Constituição Federal atribui alguns
recursos ambientais à União (art. 20)46.
Assim, é possível concluir que bem ambiental é espécie do bem difuso, e
assim são classificados quando analisados sob a ótica da função ou destinação que
é dada ao bem. Não se trata, portanto, de um tertium genus ao lado de bens
particulares e bens públicos (quando vistos sob o enfoque da titularidade ou
dominialidade)47, mas, doutro modo, trata-se de finalidade de interesse público que
recai sobre o bem (público ou particular), e, em consequência, outro regime jurídico
43 BENJAMIN, Antonio Herman V. Função Ambiental. In: BENJAMIN, Antonio Herman V. (Coord.).
Dano Ambiental..., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 67. 44 Ibid., pp. 67-68. 45 LIMA, Ruy Cirne. Princípios de Direito Administrativo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p.
193, apud BENJAMIN, Antonio Herman V. Função Ambiental. In: BENJAMIN, Antonio Herman V.
(Coord.). Dano Ambiental..., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 68. 46 YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato. A Efetividade da Proteção do Meio Ambiente e a
Participação do Judiciário. In: YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato. Tutela dos Interesses difusos
e Coletivos. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2006, p. 136. 47 Neste sentido: FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A Propriedade no Direito Ambiental. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pp. 207-208. Registre-se que, em sentido diverso, Celso Antonio
Pacheco Fiorillo entende, fundamentando-se no Código de Defesa do Consumidor (art. 81) que o
bem difuso é um terium genus, de titularidade do povo, nova categoria que difere dos bens públicos
(de titularidade do Estado) e dos particulares. Assim, os bens difusos, segundo Fiorillo, quando
situados em propriedades privadas, devem sofrer limitações por pertencer a todos (Curso de Direito
Ambiental Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 105-108; 159).
30
deve-lhe ser aplicado48. Em outras palavras, bem difuso é classificação distinta, que
não leva em consideração a qualidade do titular do bem, mas sim a funcionalidade
do objeto: o bem difuso tem função pública, e, quando representado pelo bem
ambiental, é considerado bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de
vida, nos exatos dizeres da Constituição Federal (art. 225). Ou seja, ao lado da
classificação de sua dominialidade, é possível acrescentar a classificação com
relação à sua função ambiental, como é feito pelo Código Civil, que, em seu artigo
98, apresenta distinção legal entre bens públicos e particulares (classificação pela
titularidade), e, em seu art. 99, apresenta classificação dos bens públicos de acordo
com sua função ou destinação.
Nesta esteira, é de se admitir que há incidência de duplo regime jurídico
sobre o mesmo imóvel, por força do interesse público que grava o bem particular:
um regime jurídico de direito privado, por se tratar de bem particular, porém limitado
por normas de ordem pública, por estar diante de microbem ambiental, que a todos
interessa. É nestes termos que devem ser tratadas as áreas de preservação
permanente, quando sediadas sobre terras particulares: embora seus microbens
possam ser utilizados conforme as regras do Direito Privado, tal utilização é limitada
pelo interesse público, consubstanciado nas regras dispostas no Código Florestal e
outras leis pertinentes.
1.4. Origem da Área de Preservação Permanente: Código Florestal de 1934
Data do início do século XX, mais precisamente da década de 1930, as
primeiras leis ambientais sistematizadas, quando ocorreu a criação de diversos
diplomas protetivos, tais como Código de Caça e Pesca (Decreto nº 23.672/34),
Código de Águas (Decreto nº 24.643/34), lei de proteção do patrimônio histórico e
artístico (Decreto-lei nº 25/37), assim como o Código Florestal (Decreto nº 48 Neste sentido: BENJAMIN, Antonio Herman V. Função Ambiental. Op. cit., p. 79; FIGUEIREDO,
Guilherme José Purvin de. Op. cit., pp. 207-208.
31
23.793/34).
Em pesquisa mais remota, Teresa Cristina de Deus49 reconhece a proteção
legal das florestas desde as Ordenações Filipinas, de 1603; contudo, é reconhecido,
por esta mesma autora, que a motivação das Ordenações Filipinas era mais no
sentido de poupar bens de valor econômico para seu proprietário, do que no sentido
de manutenção de bem ambiental. Os relatos de Warren Dean50 sobre a ocupação
da Mata Atlântica deixam claro que, nos primeiros séculos de colonização
portuguesa, a floresta não foi poupada, tendo sido extraída tanta madeira quanto
possível, ocasionando grande devastação florestal, em virtude da busca por ouro.
Nota-se aí a existência do pensamento individualista que vigia nos séculos
anteriores.
Por tais motivos, considera-se mais criterioso dizer que a proteção legal da
época monárquica recaía sobre árvores específicas, por seu valor econômico
(frutíferas, em geral), e não sobre florestas propriamente ditas. Isso porque,
naqueles tempos, a sociedade se voltava somente para valores relacionados à
proteção da propriedade privada, das posses, do senhorio e da monarquia, e não
aos valores ligados aos benefícios coletivos e difusos, os quais apenas vieram à
tona na História Moderna e Pós-Moderna, ou melhor, a partir da década de 1970,
quando os direitos difusos foram concebidos conceitualmente. Não havia, portanto,
ideia de preservação ambiental, ainda que rudimentar. Por este motivo, é que
preferimos manter como origem histórica do instituto sob análise a legislação a partir
de 193451, que, embora não traga o conceito de bem ambiental difuso (porque
inexistente neste período), insere no ordenamento jurídico a proteção legal das
florestas, vistas como conjunto de espécies vegetais de estrutura semelhante, ideia
mais próxima do que há nos dias atuais.
49 Tutela da flora em face do direito ambiental brasileiro. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira,
2003, pp. 93-94. 50 A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. Trad. Cid Knipel Moreira.
São Paulo: Companhia das Letras, 1996, pp. 63-64; 113-115. 51 No mesmo sentido: SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros,
2011, pp.36-38.
32
O Código Florestal de 1934 (promulgado por meio do Decreto nº 23.793/34),
mesmo não concretizando a ideia de ambientalismo – o que veio a florescer apenas
na década de 1970 –, já trazia uma ideia mais publicista, ao tratar as florestas como
“bem de interesse comum a todos os habitantes do país, exercendo-se os direitos de
propriedade com as limitações que as leis em geral, e especialmente este código,
estabelecem” (art. 1º). A partir disto, é possível relacionar aquele Código diretamente
com os direitos difusos. Nessa toada, o Decreto nº 23.793/34 classificou as florestas,
dispôs sobre sua exploração intensiva e limitada, e criou a Polícia Florestal, as
“infrações florestais” (e seu processo de apuração), o Fundo Florestal e o Conselho
Florestal. Foi o primeiro diploma que reuniu as normas referentes à flora.
E é neste Código de 1934 que se encontra a primeira menção legislativa às
áreas de preservação permanente, que, à época, eram chamadas de “florestas de
conservação perene”, nos termos do seu art. 8º:
Art. 8º. Consideram-se de conservação perenne, e são inalienaveis, salvo se o adquirente se obrigar, por si, seus herdeiros e successores, a mantel-as sob o regimen legal respectivo, as florestas protectoras e as remanescentes.52
Como se vê, já naquele tempo, mereciam proteção especial as florestas que
prestavam serviços ambientais, tais como conservação do regime das águas,
prevenção da erosão, fixação de dunas, defesa de fronteiras, favorecimento das
condições de saúde pública, proteção de sítios de beleza natural e proteção de
espécies da fauna indígena. Por sua relevância, a lei qualificava tais florestas como
inalienáveis (arts. 4º e 8º do Decreto 23.793/3453). E vale destacar que o
52 Conforme texto disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-
1949/D23793impressao.htm>. Acesso em: 27 jun. 2012, 16h52min. 53 ”Art. 4º Serão consideradas florestas protectoras as que, por sua localização, servirem conjuncta
ou separadamente para qualquer dos fins seguintes:
a) conservar o regimen das aguas;
b) evitar a erosão das terras pela acção dos agentes naturaes;
c) fixar dunas;
d) auxiliar a defesa das fronteiras, de modo julgado necessario pelas autoridades militares;
e) assegurar condições de salubridade publica;
f) proteger sitios que por sua belleza mereçam ser conservados;
g) asilar especimens raros de fauna indigena.”
33
desmatamento igualmente era considerado crime, de acordo com os arts. 22, b54, e
8655, ambos do mesmo Código, cuja pena era detenção de até noventa dias. Neste
contexto, o Decreto nº 23.793/34 conferiu os primeiros traços do conceito até hoje
utilizado para as áreas de preservação permanente. O Decreto também classificou
as florestas em quatro espécies, a saber:
(a) protetoras – equivalentes às atuais APPs, eram reconhecidas quando,
por sua localização, servissem conjunta ou separadamente para conservar o
regime das águas, evitar erosão, fixar dunas, auxiliar defesa de fronteiras,
assegurar saúde pública, preservar sítio de beleza natural e abrigar espécies
raras da fauna;
(b) remanescentes – sempre que abrigassem parques, contivessem
espécies preciosas que devessem ser preservadas (o que no Código
seguinte seriam as APPs por declaração do Poder Público, como está
adiante explicado);
(c) modelo – as artificiais, constituída por uma ou por limitado número de
54 “Art. 22. É prohibido mesmo aos proprietarios: [...] b) derrubar, nas regiões de vegetação escassa,
para transformar em lenha, ou carvão, mattas ainda existentes ás margens dos cursos dagua, lagos e
estradas de qualquer natureza entregues á serventia publica” 55 “Art. 86. As contravenções previstas nos arts. 9º, § 1º, 21, 22 e § 1º, 23 e paragrapho unico, 24 a
30, 31 a 34, 37, 43 a 45, 49 e paragrapho unico, 51, 54 e paragrapho unico, 55 e 64 deste codigo,
quando não se caracterizarem especialmente algumas figuras delictuosas definidas no art. 83, ou no
art. 87, sujeitas seus autores ás penas seguintes:
1º, pelas da letra c do art. 22 e arts. 21, 43 e 55 - detenção até 30 dias e multa até 200$000;
2º, pelas das letras a, b, d, e, do art. 22 - detenção até 90 dias e multa até 2:000$000;
3º, pela letra f, e § 1º, do art. 22, e arts. 28, 29 e 31 - detenção até 45 dias e multa até 500$000;
4º, pelas das letras g, h, do art. 22 e arts. 23 e 44 - detenção até 60 dias e multa até 10:000$000;
5º, pelas do art. 9º, §§ 1º e 2,º arts. 26; 49 e paragrapho unico e 54, e paragrapho unico - detenção
até 45 dias e multa até 5:000$000;
6º, pelas dos arts. 26, 27, 30, 32 e 45 - detenção até 30 dias e multa até 1:000$000;
7º, pelas dos arts. 25, § 2º, 33, 34 e 51 - detenção até 10 dias e multa até 1:000$000;
8º, pelas do art. 64 - detenção até 10 dias e multa até 5:000$000;
9º, pela recusa de auxilio a que se refere o art. 67, quando se tratar de prestação de serviço -
detenção até 10 dias e multa até 100$000; e quando se tratar de requisição de material - detenção
até 30 dias e multa até 1:000$000.”
34
essências florestais, indígenas e exóticas, cuja disseminação fosse
conveniente na região, e
(d) de rendimento – as que não se enquadrassem nas classificações
anteriores.
Adicionalmente, o art. 8º considerava como “de conservação perene” as
florestas protetoras e as remanescentes.
Guilherme José Purvin de Figueiredo nos ensina que o Código de 1934:
assentava-se em bases claramente voltadas ao princípio da função social da propriedade [...]. Se era certo que o proprietário das terras continuava a ter o livre uso, gozo e disposição das florestas que nelas existissem, por outro lado, considerando que tais florestas constituíam bem que não era de seu interesse exclusivo, mas de toda a coletividade, o exercício do direito de propriedade ficava condicionado ao respeito às leis em geral e, especialmente, àquele Código.56
E, citando Osny Duarte Pereira, leciona que tal Código representou “o maior
passo que se deu no Brasil, em favor da proteção de suas matas”57. É correto dizer
que o enfoque dado pela Lei era mais no sentido de defesa de bens nacionais, como
ocorria normalmente naquela época, do que dos interesses difusos propriamente
ditos. Isto porque não havia, ainda, a consciência acerca dos direitos e interesses
coletivos lato sensu.
E, naquele Código, havia previsão de APP em área urbana: o Código proibia
ao proprietário “devastar a vegetação das encostas de morros que sirvam de
moldura e sítios e paisagens pitorescas dos centros urbanos e seus arredores ou as
matas, mesmo em formação, plantadas por conta da Administração Pública” (art. 22,
alínea ‘h’). Os arts. 23 e 3358 corroboram este entendimento, ao mencionar
56 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A Propriedade no Direito Ambiental. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010, p. 211. 57 Direito Florestal Brasileiro. Rio de Janeiro: Borsoi, 1950, p. 155, apud FIGUEIREDO, Guilherme José
Purvin de. Op. cit., p. 211. 58 “Art. 23. Nenhum proprietário de terras cobertas de matas poderá abater mais de três quartas
partes da vegetação existente, salvo o disposto nos arts. 24, 31 e 52. § 1º O dispositivo do artigo não
35
expressamente sua ocorrência em “zonas urbanas”.
Destas citações é possível concluir que, desde sua primeira concepção, as
áreas de preservação permanente eram pensadas não só na área rural, mas
também na área urbana, onde apenas poderiam ser devastadas mediante critérios
impostos pela lei e pelo Poder Público.
1.5. Código Florestal de 1965
O Decreto nº 23.793/34 foi revogado pela Lei nº 4.771/65, também
denominado Código Florestal59, que aprimorou as disposições referentes ao tema,
cunhando o nome de “área de preservação permanente”, como ficou conhecido, e
deu os principais contornos ao instituto tal como hoje é estudado.
Em seu art. 1º, a Lei nº 4.771/65 delimitava seu objeto:
Art. 1º. As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem.
Segundo Guilherme José Purvin de Figueiredo60, a expressão “reconhecidas
de utilidade às terras que revestem” demonstra o caráter preponderantemente
se aplica, a juízo das autoridades florestais competentes, às pequenas propriedades isoladas que
estejam próximas de florestas ou situadas em zona urbana.” e “Art. 33. O corte de árvores de
considerável ancianidade, raridade, ou beleza de porte, em prédio de zona urbana, dependerá
sempre do requerimento à autoridade florestal da localidade, com a justificativa dos motivos que a
determinam, considerando-se deferido se a mesma autoridade não despachar, em outros termos, o
requerimento, dentro de 15 dias, após sua apresentação.” 59 O Código Florestal de 1965 ainda estava vigente durante a maior parte da presente pesquisa,
porém, em 25 de maio de 2012, foi publicado o novo Código Florestal (Lei nº 12.651/12), revogando
expressamente a Lei de 1965. 60 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A Propriedade no Direito Ambiental. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010, pp. 212 et seq.
36
agrário e utilitarista do Código; ao passo que Paulo Affonso Leme Machado61 vê na
expressão “bens de interesse comum a todos os habitantes do País” uma
antecipação à noção de interesse difuso, e aponta que o Código de 1965 foi
precursor em relação à Constituição Federal, que conceitua meio ambiente como
“bem de uso comum do povo”. Este último autor também reverencia o § 1º do art. 1º
do Código Florestal de 1965 (conforme redação dada pela Medida Provisória nº
2.166-67/2001), que considerava como uso nocivo da propriedade qualquer ação ou
omissão contrária às suas disposições na utilização e exploração das florestas e
demais formas de vegetação62. Este artigo foi reproduzido, com pequenas
modificações, pela Lei nº 12.651/12 (art. 2º, § 1º63).
O Código Florestal de 1965 criou duas espécies de APP: (a) a do art. 2º, que
assim era considerada por seus atributos naturais e (b) a do art. 3º, que eram áreas
classificadas por ato do Poder Público como APP. Em comparação com o rol contido
na Lei de 1934, é visível a evolução dos institutos.
As APPs do art. 2º são assim consideradas por suas características
naturais64: (1) para proteção das águas (elencadas na lei nas alíneas a, b e c), isto é,
são as florestas e demais formas de vegetação natural situadas ao longo de rios e
cursos d’água, ao redor de lagos, lagoas e reservatórios d’água naturais ou
artificiais, e nas nascentes e olhos d’água; (2) também aqui são incluídas as
florestas e demais formas de vegetação que protegem o solo de erosão,
deslizamento etc. (alíneas d, e, f, g e h), sempre que estivessem localizadas nos
topos de morro, montes, montanhas e serras; nas encostas com mais de 45° de
declive, restingas, fixadoras de dunas e estabilizadoras de mangues, bordas de
tabuleiros ou chapadas, e as terras que se localizassem em altitude superior a 1800
61 Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 736. 62 Ibid., p. 736. 63 “§ 1º. Na utilização e exploração da vegetação, as ações ou omissões contrárias às disposições
desta Lei são consideradas uso irregular da propriedade, aplicando-se o procedimento sumário
previsto no inciso II do art. 275 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil,
sem prejuízo da responsabilidade civil, nos termos do § 1o do art. 14 da Lei no 6.938, de 31 de agosto
de 1981, e das sanções administrativas, civis e penais.” 64 Ainda é possível manter esta classificação para as áreas de preservação permanente do atual art.
4º do atual Código Florestal (Lei nº 12.651/12).
37
(mil e oitocentos metros).
No art. 3º, constava previsão das APPs por ato do Poder Público, que assim
eram declaradas com o fim de atenuar erosão, fixar dunas, formar faixas de
proteção ao longo de rodovias e ferrovias, auxiliar a defesa do território nacional,
proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico ou histórico, asilar
exemplares de fauna e flora ameaçados de extinção, manter o ambiente necessário
à vida das populações silvícolas, e assegurar as condições de bem-estar público.
Este tipo de APP perdeu parte de sua relevância após a criação do Sistema
Nacional de Unidades de Conservação pela Lei nº 9.985/00, uma vez que tal
Sistema oferece instrumentos mais atuais e mais aptos a preservar florestas por ato
do Poder Público. Trata-se de sistema mais complexo e completo, que praticamente
tornou menos relevante esta espécie de APP. Contudo, ainda assim esta espécie
subsistiu à reforma legislativa, como pode ser visto adiante.
Destaque para a APP ripária ou ciliar, aquela que margeia rios e cursos
d’água (art. 2º, alínea a), que provoca inúmeras discussões no âmbito do Poder
Legislativo federal. O que se nota é que esta Lei não fomentava muitas polêmicas
durante suas primeiras décadas de existência, pois era norma que, inicialmente, não
era respeitada, nem exigida, nem pelo Poder Público, nem pelos administrados65.
Somente na década de 1980 é que se iniciou movimento para sua implantação, por
exemplo, a partir de regulamentação do Conselho Nacional do Meio Ambiente
(CONAMA), que editou resolução dispondo expressamente sobre a definição de
topo de morro66.
Um fator que certamente impulsionou a exigência do Código Florestal de 65
foi o advento da Política Nacional do Meio Ambiente, com a promulgação da Lei nº
6.938, de 31 de agosto de 1981, que instituiu o Sistema Nacional do Meio Ambiente
(SISNAMA) e o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), possibilitando a
65 Essa “tolerância” foi destacada pelo Professor Fernando Cavalcanti Walcacer, que ressaltou que
durante seus primeiros 20 anos, a Lei passou praticamente despercebida. (In: Debates sobre o
Código Florestal, 2012, São Paulo, Procuradoria Geral do Estado de São Paulo). 66 Resolução nº 04, de 18 de setembro de 1985.
38
fiscalização contra o desmatamento. Além disto, referida Política materializou a
responsabilidade objetiva para aqueles que causem danos ao meio ambiente (art.
14, parágrafo 1º). Gradualmente, a Lei nº 4.771/65 ganhava espaço e se
concretizava.
Reformas Legislativas do Código Florestal de 1965
A paulatina exigência (fiscalização) das disposições do Código Florestal de
1965 e da manutenção e recuperação das APPs trouxe o simultâneo
descontentamento com a legislação florestal para diversos segmentos da sociedade,
dando início a polêmicas teses jurídicas sobre a referida lei. Dentre tantas teses
contrárias à proteção das áreas ecossistêmicas sensíveis, a discussão sobre a
existência ou não de APPs em zona urbana sempre esteve dentre os temas
polêmicos. E as matas que margeiam os corpos d’água é fonte de destaque,
especialmente porque sua disciplina legal passou por diversas reformas legislativas,
que demonstram quão sensível é também a discussão67. Assim, segue breve relato
sobre as inúmeras reformas legislativas sofridas pelo texto de 1965.
As APPs ripárias (situadas ao longo de rios e cursos d’água), de acordo com
o texto original da Lei nº 4.771/65, deveriam ter largura mínima de cinco metros
(para os rios de até 10 metros de largura). Havia três limites mínimos, que
obedeciam a seguinte escala / gradação:
Largura do curso
d’água
Largura da APP ciliar
até 10 metros 5 metros
entre 10 e 200 metros metade da largura do curso d’água
maior que 200 metros 100 metros
67 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 691.
39
Posteriormente, a Lei nº 7.511/86 alterou a redação deste dispositivo legal
(art. 2º, alínea ‘a’), aumentando, substancialmente, a metragem mínima da largura
da APP de cinco, para trinta metros, e ainda acrescentou outras faixas mais
protetivas:
Largura do curso
d’água
Largura da APP ciliar
até 10 metros 30 metros
entre 10 e 50 metros 50 metros
entre 50 e 100 metros 100 metros
entre 100 e 200 metros 150 metros
mais de 200 metros igual à distância entre as margens
Paulo Affonso Leme Machado68, lastreado em Nota Técnica da Agência
Nacional de Águas (ANA)69, ensina que a fixação no patamar mínimo de trinta
metros não foi arbitrária, mas sim partiu de estudos realizados a partir da década de
1980, em diferentes países, quando foi detectado que as larguras adequadas
(mínima e máxima) variam de acordo com cada função ecológica da mata ripária
(por exemplo, estabilização de taludes, sombreamento, proteção da qualidade da
água etc.). Assim, foi verificado que não há apenas uma faixa ideal para todas as
funções ambientais. Nesse sentido, a vegetação mínima de 30 (trinta) metros
atende, em níveis médios (não de modo absoluto), as funções analisadas nos
estudos, de modo que reduz substancialmente os impactos negativos sobre os
recursos hídricos70, podendo ser considerado este um avanço na legislação.
68 Comentários ao art. 4º. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Novo Código
Florestal..., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 146. 69 Nota técnica nº 12/2012/Geusa/Sip – Agência Nacional de Águas (ANA). Disponível em:
<http://arquivos.ana.gov.br/imprensa/noticias/20120509_NT_n_012-2012-CodigoFlorestal.pdf>.
Acesso em: 09 fev. 2013, às 18h 08min. 70 Nota técnica nº 12/2012/Geusa/Sip – Agência Nacional de Águas (ANA). Disponível em:
<http://arquivos.ana.gov.br/imprensa/noticias/20120509_NT_n_012-2012-CodigoFlorestal.pdf>.
Acesso em: 09 fev. 2013, às 18h 08min.
40
Registre-se que, em 1988, com a promulgação da Constituição da República
Federativa do Brasil, as áreas especialmente protegidas ganharam tratamento
especial pelo § 1º, inciso III, do art. 225, que incumbiu o Poder Público de definir
espaços especialmente protegidos, e determinou que sua “alteração e supressão
[seriam] permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que
comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção”. Com isso,
parte majoritária da doutrina71 passou a defender que as áreas de preservação
permanente do Código Florestal deveriam ser incluídas no conceito constitucional de
“espaços territoriais especialmente protegidos”, de modo que, a cada alteração e
supressão, deveria ser discutida perante o Poder Legislativo federal. Esta discussão
doutrinária está descrita mais à frente, valendo apenas a citação neste ponto, a título
de registro de mais uma modificação no regime jurídico das APPs.
Poucos anos depois, a Lei nº 7.803/89 trouxe nova disciplina ao art. 2º do
Código Florestal, reduzindo a largura das APPs de rios e cursos d’água que
tivessem mais de cem metros de largura, mantendo, contudo, a largura das APPs
dos rios e cursos d’água menores (com menos de cem metros de largura):
Largura do curso
d’água
Largura da APP
ciliar
até 10 metros 30 metros
entre 10 e 50 metros 50 metros
entre 50 e 200 metros 100 metros
entre 200 e 600 metros 200 metros
mais de 600 metros 500 metros
Com esta normatização, todos os rios com mais de 100 metros de largura
71 Neste sentido: MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiro,
2008, pp. 740-742; FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A Propriedade no Direito Ambiental. São
Paulo, 2010, pp. 230-231; FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro.
São Paulo: Saraiva, 2009, p. 161; DEUS, Teresa Cristina de. Tutela da Flora em Face do Direito
Ambiental Brasileiro. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 120. Em sentido contrário: MILARÉ, Édis.
Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pp. 689-690 e 696; SIRVINSKAS, Luís
Paulo. Manual de Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 444.
41
tiveram suas APPs ripárias reduzidas. Além disto, a Lei nº 7.803/89 também instituiu
que a medição da mata ciliar deveria, então, ser feita a partir do nível mais alto do rio
ou curso d’água, o que, por vezes, representava diferença considerável no momento
da medição e delimitação da APP, favorecendo sua proteção. Esta mesma Lei de
1989 também acrescentou texto visando aplicação das áreas de proteção
permanente em zonas urbanas, tema que está exposto com mais detalhes à frente,
em capítulo próprio. Em conclusão: a partir de 1989, embora as APPs ripárias para
rios com mais de cem metros de largura tivessem reduzidas suas metragem, a
introdução de critério objetivo para o início da medição trouxe vantagens à sua
proteção. Esta discussão a respeito do ponto inicial da medição da APP foi retomada
quando da votação do novo Código Florestal, como está relatado no item próprio à
frente.
Nova reforma se deu em novembro de 1998, com a edição da Medida
Provisória nº 1.605-30 (reeditada inúmeras vezes, até que, alguns anos depois,
ficaria conhecida sob nº 2.166-67, quando foi “congelada” pelo art. 2º da Emenda
Constitucional nº 32/200172-73).
72 “Art. 2º. As medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda
continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação
definitiva do Congresso Nacional.” (A Emenda Constitucional nº 32/01 foi publicada no dia 12 de
setembro de 2001.) 73 Guilherme José Purvin de Figueiredo se pronunciou no sentido de que a Medida Provisória nº
2.166-97/01 foi utilizada como moeda de troca política para aumentar menos o salário-mínimo
naquele ano. (In: Debates sobre o Código Florestal, 2012, São Paulo, Procuradoria Geral do Estado
de São Paulo.) Também foi nesta época que se iniciaram as mobilizações sociais em torno do tema.
Mais detalhes sobre a movimentação política que envolveu a reforma do Código Florestal, ver:
FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Comentários ao art. 1º do novo Código Florestal, in: MILARÉ,
Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme (Coords.). Novo Código Florestal... São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2012, pp. 30-31. A discussão que havia entre os constitucionalistas era no sentido de que,
no lugar de medida provisória, deveria ser lei ordinária, uma vez que ausente a urgência
caracterizadora da medida provisória. A base ruralista do Congresso Nacional não ficou satisfeita com
a Medida Provisória nº 2.166 por não autorizar a sobreposição de APP com as áreas destinadas à
reserva legal. Ainda na mesma época, Aldo Rebelo começa a criticar publicamente a legislação
ambiental, publicando o discurso de pequenos proprietários rurais (contrários aos organismos
geneticamente modificados). Por conta disto, fortaleceu-se o vínculo entre a imagem dos
ambientalistas e dos reacionários contrários ao desenvolvimento das células tronco. Além disso,
iniciou-se uma associação entre os interesses nacionais e organizações não-governamentais
42
Esta reforma legislativa conferiu ao Código Florestal de 1965 seus principais
contornos durante os últimos dez anos de vigência, inclusive no que diz respeito ao
regime de alteração e supressão das APPs, o que, a partir de então, estava
permitido sempre que fosse o caso de utilidade pública ou interesse social. Em
razão de sua relevância, dedicamos item especial mais à frente para as reformas
empreendidas pela referida Medida Provisória, no que tange à alteração e
supressão dessas áreas sensíveis.
1.6. Código Florestal de 2012
Em 11 de maio de 2012, o novo Código Florestal (Lei nº 12.651/12) foi
aprovado pelo Congresso Nacional e enviado para sanção e veto presidencial,
revogando expressamente a Lei nº 4.771/65. De início, é de se destacar a
peculiaridade que envolveu a Lei nesta fase: houve legítimo movimento social,
através da divulgação de mensagens em redes sociais e manifestações livres da
população, pugnando pelo veto do Poder Executivo74. Quando da sanção pela
estrangeiras, quebrando, por conseguinte, a relação entre agronegócio e tradicionalistas e
conservadores. Quando proferida a palestra, era a referida Medida Provisória que dava os principais
contornos para a lei até então em vigor (Lei nº 4.771/65), em especial por força de sucessivas
prorrogações dos prazos. 74 Em junho de 2011, o Instituto Datafolha, havia feito pesquisa de opinião encomendada pelas
organizações Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, IMAFLORA, IMAZON, Instituto Socioambiental,
SOS Mata Atlântica e WWF-Brasil, que revelou que 85% (oitenta e cinco por cento) dos entrevistados
preferem “dar prioridade para a proteção das florestas e rios, mesmo que isso limite a produção
agropecuária”. Um exemplo bastante representativo deste movimento social foi o pedido feito pela
atriz Camila Pitanga, em cerimônia oficial em que cinco universidades públicas fluminenses
concederam o título de Doutor honoris causa ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ocorrida no
dia 04 de maio de 2012. A atriz foi mestre de cerimônia do evento e, ao anunciar a Presidente da
República em meio a conclamações, pediu licença para quebrar o protocolo do evento e rogou:
“Veta, Dilma!” (a frase que circulou nas redes sociais da internet, que identificou o movimento
social). (CAMILA Pitanga pede “Veta, Dilma!” em cerimônia oficial. UOL Notícia. São Paulo: TV UOL,
04 mai. 2012. Disponível em: <http://tvuol.tv/bfc6w2>. Acesso em: 29 set. 2012.) Cf. Movimento
43
Presidência da República, não houve veto integral como pugnava a sociedade civil,
mas foram numerosos os vetos (19 ao todo), de modo que, para supri-los, o Poder
Executivo lançou mão da edição da Medida Provisória (MP) nº 571/12, a qual
regulava os pontos vetados do Código novo (que restariam omissos, se não fosse a
MP).
Não obstante inúmeras polêmicas e desencontros entre o Poder Executivo e
a Câmara dos Deputados75, a referida Medida Provisória foi convertida na Lei nº
12.727/12, que deu a disciplina definitiva do atual Código Florestal, sem que
restasse satisfeito qualquer dos interessados: ambientalistas, ruralistas,
empreendedores, Poder Público ou mesmo a sociedade civil. Importa destacar que o
texto da MP nº 571/12 sofreu alterações em sua redação durante o trâmite no âmbito
do Poder Legislativo, e ainda houve novos vetos presidenciais.
O texto definitivo merece louvor em alguns pontos e críticas em outros
tantos. Inicialmente, destaca-se sua principiologia: no art. 1º-A, parágrafo único,
ficou consagrado como objetivo da Lei o desenvolvimento sustentável, ou seja, o
modelo de desenvolvimento econômico eleito pela Constituição Federal (art. 170),
"Veta, Dilma!", sobre o Código Florestal, vira fenômeno nas redes sociais. UOL, São Paulo, 04 mai.
2012. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/ciencia/ultimas-noticias/redacao/2012/05/04
/movimento-veta-dilma-sobre-o-codigo-florestal-ganha-as-redes-sociais.htm>. Acesso em: 29 set.
2012. O Professor da PUC-RJ Fernando Cavalcanti Walcacer (em debates sobre o Código Florestal na
PGE, em 11.05.12) alertou para o fato de que o Congresso Nacional vem atuando em flagrante
violação aos interesses da população, como é o exemplo claro da divergência entre a lei aprovada e a
manifestação da população sobre o novo Código Florestal. Segundo o Professor carioca, a tendência
é que os congressistas continuem atuando desta forma ilegítima, “privilegiando o latifúndio e a
manutenção da miséria”; e cita como exemplo que, em 2011, foi aprovado um decreto sobre
cavernas, que seria fruto de lobby dos setores imobiliário e minerário. Neste sentido, Walcacer
propõe repensar a Constituição, mesmo havendo risco de ser uma discussão natimorta, por “afronta
à cláusula pétrea”. 75 MADUEÑO, Denise. Câmara aprova Código Florestal que beneficia grandes donos de terra. O
Estado de São Paulo. São Paulo, 18 set. 2012, Planeta. Disponível em: <http://www.estadao.com.br
/noticias/nacional,camara-aprova-codigo-florestal-que-beneficia-grandes-donos-de-terra,932475,0.
htm>. Acesso em: 19 set. 2012; COSTA, Rosa; DOMINGOS, João. Senado tem recesso suspenso para
votar Código Florestal. O Estado de São Paulo. São Paulo, 19 set. 2012, Planeta. Disponível em:
<http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,senado-tem-recesso-suspenso-para-votar-codigo-
florestal, 932938,0.htm>. Acesso em: 19 set. 2012.
44
em que a liberdade econômica não pode se sobrepor ao desenvolvimento social e à
proteção do meio ambiente, mas sim devem ser harmonizados estes axiomas. O
desenvolvimento sustentável, em realidade, é princípio, na medida em que se
configura como “mandato de otimização” do sistema normativo76, e, como tal, deve
nortear a interpretação e a aplicação do novo Código Florestal. Vale dizer, é sob a
luz dos ideais do desenvolvimento sustentável que devem ser vistas as regras
dispostas na Lei nº 12.651/12.
Em contrapartida, o mesmo artigo elenca em seis incisos os princípios que a
aplicação da lei deve seguir, muito embora tais incisos não consagrem exatamente
princípios jurídicos do Direito Ambiental, tampouco princípios gerais do Direito (o
texto vetado possuía mais rigor técnico). Afinal, não é o legislador que cria os
princípios de determinado regime jurídico, já que os princípios (na qualidade de
“mandamentos de otimização”77 do ordenamento jurídico, como acima lembrado)
são frutos de “longo processo de aplicação e interpretação das leis, principalmente
pela jurisprudência e pela doutrina”78. Melhor seria se se classificassem os incisos
do art. 1º-A como diretrizes gerais, por exemplo.
Além disso, ressalte-se que, dentre os princípios elencados, seria
recomendável que estivesse expresso o princípio da função social da propriedade.
Guilherme José Purvin de Figueiredo pondera que “levando-se em consideração que
a lei sob comento destina-se a disciplinar os direitos de propriedade das florestas e
de outras formas de vegetação nativa existentes no país, é inconcebível que haja o
legislador olvidado o princípio da função social da propriedade.”79 Como lembra o
autor, trata-se de princípio basilar do direito atual, além de se caracterizar como
direito fundamental da pessoa humana, princípio norteador do direito ambiental, do
76 ALEXY, Robert. Colisão de Direitos Fundamentais e Realização de Direitos Fundamentais no Estado
de Direito Democrático. In: Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, n. 217, jul. /
set. 1999, pp. 74-75. 77 Ibid., p. 75. 78 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Comentários ao art. 1º-A. In: MILARÉ, Édis; MACHADO,
Paulo Affonso Leme. Novo Código Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 35. 79 Comentários ao art. 1º-A. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Novo Código
Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 35.
45
direito econômico e imposição ao proprietário rural80. Ainda que não esteja expresso
na Lei nº 12.651/12, o princípio da função social da propriedade deve também
nortear sua aplicação e interpretação, uma vez que emana diretamente da
Constituição Federal (art. 5º, inciso XXIII; art. 170, inciso III; art. 185, parágrafo
único; e art. 186), devendo irradiar seus efeitos por todo o ordenamento jurídico81.
Já o § 2º do art. 2º da Lei nº 12.651/12 andou bem ao esclarecer que as
obrigações constantes do novo Código Florestal “têm natureza real82 e são
transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de
domínio ou posse do imóvel rural”. Se, por um lado, deve-se indagar porque esta
disposição se refere apenas ao imóvel rural83, por outro lado, deve-se reverenciar a
norma neste ponto, já que este tema é rico em discussões judiciais: uma vez que o
proprietário do imóvel era instado a restaurar a área de preservação permanente
degradada, insurgia-se, com fulcro na regulamentação anterior, alegando inexistir
nexo causal entre sua ação e o desmatamento realizado pelo antigo proprietário.
Inúmeros são os julgados que reafirmaram a obrigação do proprietário,
independente de haver liame entre sua conduta e o dano ao meio ambiente.
Contudo, deve-se lembrar que a jurisprudência nunca foi uníssona. A partir da nova
Lei, o Poder Judiciário possui fundamento legal positivado para unificar a
jurisprudência que vinha se consolidando nos últimos tempos. Guilherme José
Purvin de Figueiredo adiciona, como consequência da natureza real da obrigação, a
imprescritibilidade do direito de exigir o cumprimento desta obrigação:
80 No Capítulo 3 deste trabalho, foi desenvolvido tópico exclusivo à função social da propriedade,
onde são encontrados detalhes a seu respeito. 81 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Comentários ao art. 1º-A. In: MILARÉ, Édis; MACHADO,
Paulo Affonso Leme. Novo Código Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, pp. 35-36. 82 Sinônimo de obrigação propter rem ou obrigação reipersecutória, a obrigação real é gerada pelo
fato de o devedor ser proprietário de um imóvel, ou seja, não se obrigou por sua própria vontade.
Trata-se de uma obrigação híbrida, tertium genus, ao lado dos direitos pessoais e dos direitos reais.
Assim, é transmitida junto com a propriedade do imóvel, independentemente de anuência do credor
ou do adquirente do bem, seja por ato inter vivos ou mesmo causa mortis (DINIZ, Maria Helena.
Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Obrigações – v. 2. São Paulo: Saraiva, 2011,pp. 27-31.) 83 FRANCO, Ana Claudia La Plata de Mello; GIACOMOLLI, Gabriela Silveira. Comentários ao art. 7º. In:
MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Novo Código Florestal..., São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2012, p. 165.
46
Não se trata aqui de estabelecer o nexo de causalidade entre ato (omissivo ou comissivo) e dano, isto é, não se trata de fixar a responsabilidade do degradador – matéria tratada no parágrafo anterior deste artigo. Aqui, tem-se em mira a irregularidade, a situação em desacordo com o comando legal, que acompanha o bem imóvel e não é passível de convalidação. Decorre daí a imprescritibilidade do direito de exigir o cumprimento desta obrigação por quem estiver no domínio do bem.84
No que tange às áreas de preservação permanente, o novo Código Florestal
trouxe seu conceito legal no art. 3º, inciso II, que reproduz o texto que já constava na
Lei nº 4.771/65 (art. 1º, § 2º, inciso II, com redação dada pela MP nº 2.166-67/01),
com destaque a sua função ambiental: “área protegida, coberta ou não por
vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a
paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de
fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”. A
regulamentação do instituto é encontrada nos artigos 4º a 6º (caracterização e
disposições gerais), 15 (cômputo com a reserva legal), 7º a 9º (supressão), 41 a 50
(preservação e recuperação) e 61-A a 65 (áreas consolidadas em região rural e
urbana). Verifica-se que o novo Código manteve as duas espécies de áreas de
preservação permanente: (1) aquelas assim consideradas por suas características
naturais (antigo art. 2º) agora estão previstas no atual art. 4º, com poucas alterações
em seus incisos (ver abaixo) e (2) as APPs assim declaradas por ato do Poder
Público (antigo art. 3º) tem previsão legal no art. 6º.
A nova lei tratou de liquidar algumas discussões travadas sob a égide da Lei
nº 4.771/65, como por exemplo: deixou claro no art. 4º a existência de APP em
região urbana, pois assim dispõe o caput: “Considera-se Área de Preservação
Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei [...]” (itálico
nosso). Além do mais, ao longo de todo o texto normativo, podem-se encontrar
diversas referências às áreas de preservação permanente em zonas urbanas, como
se verifica nos arts. 64 e 6585. Outro exemplo de discussão pacificada é colhido no
art. 15, em que ficou expressa a tese que possibilita o cômputo de APP no cálculo
do percentual de Reserva Legal, o que gerava muitos embates judiciais na
84 Comentários ao art. 2º. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Novo Código Florestal...
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 44. 85 O tema de APP em zona urbana está detalhado no capítulo 2 que segue.
47
legislação antiga.
No que tange à caracterização das APPs, seu regime jurídico permaneceu
semelhante ao que vigia sob a Lei de 1965, tendo sido mantida a metragem das
matas ciliares de rios, por exemplo. Poucos pontos foram alterados, sendo que, num
saldo final, foi reduzida a proteção às áreas sensíveis86, destacando-se dois pontos:
(1) foi alterada a forma de cômputo das APPs das faixas marginais de rios, que
agora deve ser feito “desde a borda da calha do leito regular”87 (na legislação
anterior, o cômputo era feito “desde seu nível mais alto”88), (2) e foi completamente
excluída a proteção da área do entorno de nascentes e olhos d’água intermitentes.
O ponto mais polêmico da nova lei reside nos artigos 61-A e 61-B, que
tratam da consolidação de APPs em zona rural desmatadas antes de 22 de julho de
2008, tema que ficou conhecido como “anistia aos desmatadores”89. Isto porque o
novo Código Florestal possibilitou a continuidade das atividades agrossilvipastoris
nas áreas de preservação permanente consolidadas até referida data. Com esta
disposição, a lei criou dois tratamentos distintos para proprietários de áreas rurais,
em afronta direta ao princípio da igualdade: por um lado, para aqueles que sempre
respeitaram a legislação florestal, mantendo intocada a APP de seu imóvel, a lei
determinou que assim seja mantido, ou seja, não pode derrubar a vegetação ou
instituir atividade econômica na área protegida. Doutro lado, para aqueles que já
haviam suprimido a vegetação da área de preservação permanente para fins de
atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou de turismo rural (isto é, para os que
se mantinham ilegais há algum tempo), a lei tornou lícitas tais atividades, restando
apenas a obrigação de recomposição de parte da vegetação originária, de acordo
86 Parte respeitável da doutrina considera que esta redução da proteção do meio ambiente configura
como afronta ao princípio do não retrocesso, ou seja, violação direta à Constituição Federal (SARLET,
Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Considerações a respeito da (in)constitucionalidade do
projeto de lei de alteração do Código Florestal Brasileiro em face da garantia da proibição de
retrocesso (sócio)ambiental. Disponível em: <http://aprodab.blogspot.com.br/search/label/
Ingo%20Wolfgang%20Sarlet>. Acesso em: 11 jun. 2012, 17h 20min.) 87 Art. 4º, inciso I, Lei nº 12.651/12 88 Alínea ‘a’ do art. 2º da Lei nº 4.771/65 89 Sobre a consolidação de APP em zona urbana, aprofundaremos a discussão em tópico próprio no
Capítulo 3.
48
com o tamanho do imóvel90. Estes tratamentos diferenciados prejudicam os
produtores rurais cumpridores da Lei nº 4.771/65, na medida em que podem utilizar
menos áreas de sua propriedade do que aqueles que mantiveram práticas ilegais há
anos e reduziram a proteção ao meio ambiente, causando, por conseguinte, ofensa
aos princípios da igualdade e do não retrocesso91.
Ademais, vale lembrar que a preponderância do aspecto econômico que
marcou a conduta do legislador não guarda relação com a Constituição Federal, art.
170, inciso VI, haja vista que é determinação constitucional o respeito ao “meio
ambiente, mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental da
atividade desenvolvida”, ou, como dito alhures, é o princípio do desenvolvimento
sustentável, que determina que não haja prevalência da atividade econômica em
detrimento do meio ambiente, mas que tais valores sejam igualmente respeitados
(aplicados em sua máxima extensão).
Outrossim, quando observado pelo prisma do pragmatismo, a lei, tendo
criado inúmeros critérios (data do desmatamento, tamanho do imóvel, tipo de APP
desmatada etc.) para estabelecer a obrigação de recuperação (se total ou parcial),
dificulta sobremaneira a fiscalização da referida obrigação, dando margem para
diversas discussões judiciais sobre as futuras autuações (leia-se: aumento de
demandas judiciais). É exemplo da dificuldade criada a inexistência de mapas de
satélite de cobertura nacional, na data de 22 de julho de 2008 (data que altera a
90 SENISE, Walter José. Comentários ao art. 61-A. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme.
Novo Código Florestal..., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 415. Antonio Herman V.
Benjamin, em artigo escrito em 1993, afirmou com propriedade que “a ninguém é lícito ‘adquirir’ o
direito de poluir sob o fundamento de que já o faz ininterruptamente há anos sem que o Estado o
importune.” (Função Ambiental, in: BENJAMIN, Antonio Herman V. (Coord.). Dano Ambiental... São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 81). 91 VALLE, Raul do. O novo Código e o remendo florestal. Disponível em
<http://www.socioambiental.org/nsa/direto/direto_html?codigo=2012-10-19-090312>, acesso em
09 fev. 2013.; SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Considerações a respeito da
(in)constitucionalidade do projeto de lei de alteração do Código Florestal Brasileiro em face da
garantia da proibição de retrocesso (sócio)ambiental. Disponível em: <http://aprodab.blogspot.
com.br/search/label/Ingo%20Wolfgang%20Sarlet>. Acesso em: 11 jun. 2012, 17h 20min.
49
obrigação de recuperação, segundo o art. 61-A)92, para que a fiscalização possa, de
modo transparente, exigir do proprietário rural a recuperação total ou parcial.
Outro ponto que foi bastante discutido no âmbito do Poder Legislativo foi a
possibilidade de recomposição de APP por frutíferas, mas este texto foi vetado pela
Presidência da República, quando da sanção da Lei nº 12.727/12 (lei fruto da
conversão da Medida Provisória nº 571/12).
Uma inovação trazida pela Lei, e que é bem-vinda, é a previsão de políticas
públicas de estímulos e incentivos econômicos (remuneratórios e de isenção fiscal)
para os proprietários que conservam a floresta (arts. 41 a 50). Para tanto, o novo
Código Florestal incorpora os conceitos de pagamento por serviços ambientais
(PSA), de sequestro de carbono – que permite a negociação de créditos de carbono
no programa internacional conhecido como Reducing Emissions from Deflorestation
and Forest Degradation (REDD), no âmbito da Convenção-Quadro sobre Mudanças
Climáticas –, de instrumentos econômicos (tais como melhoria nas condições de
contratação de crédito e seguro agrícolas, redução e isenção tributárias) e de
incentivos específicos para a regularização dos imóveis rurais. No entanto, tais
políticas públicas de preservação e recuperação pendem de regulamentação para
que sejam viabilizadas.
No que tange à supressão de vegetação para uso alternativo do solo (arts.
7º a 9º), o tema está abordado no próximo tópico, numa perspectiva histórica do
desenvolvimento do instituto.
1.7. Alteração e Supressão das Áreas de Preservação Permanente
Como já mencionado antes, a doutrina do Direito Ambiental93,
92 VALLE, Raul do. O novo Código e o remendo florestal. Disponível em:
<http://www.socioambiental.org/nsa/direto/direto_html?codigo=2012-10-19-090312>. Acesso em:
09 fev. 2013. 93 Neste sentido: MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo:
Malheiros, 2008, pp. 740-742; FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A Propriedade no Direito
50
majoritariamente, condiciona a alteração e supressão de APP à existência de lei em
sentido formal, uma vez que a exigência se fundamenta na redação do art. 225, § 1º,
inciso III, da Constituição Federal:
Art. 225. § 1º. Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público: [...] III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justificam sua proteção. (grifo nosso)
Para dar sustentação à tese, estes doutrinadores consideram a APP como
espaço territorial especialmente protegido (ETEPs) e, portanto, incluído na
supratranscrita hipótese constitucional. Assim, a ratio legis deste dispositivo reside
no fato de que os ETEPs (e seus componentes), em regra, não podem ser alterados
ou suprimidos, uma vez que são extremamente importantes ao ecossistema em que
estão inseridos, em razão de sua função ambiental (nas palavras da Carta Magna:
em razão “dos atributos que justificam sua proteção”). Neste sentido, quando houver
necessidade de alteração ou supressão, tal necessidade deverá se curvar ao
princípio da reserva de lei94, de maneira a ser discutida no âmbito do Congresso
Nacional, mediante regular processo legislativo ordinário, com a participação popular
e a publicidade que lhe são inerentes.
O Professor Paulo Affonso Leme Machado atribui esta opção ao poder
constituinte originário, que consignou este texto intencionalmente, visando conferir
Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pp. 230-231; BENJAMIN, Antônio Herman de
Vasconcellos. O Regime Brasileiro das Unidades de Conservação. In: Revista de Direito Ambiental.
São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 21, 2001, pp. 44-45; FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de
Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 161; SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de
Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 421-452; DEUS, Teresa Cristina de. Tutela da Flora
em Face do Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 120. Sob a vigência
da Lei nº 12.651/12: FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Comentários ao art. 1º-A. In: MILARÉ,
Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Novo Código Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais,
2012, p. 36. 94 A doutrina mais acurada do Direito Constitucional diferencia o princípio da legalidade do princípio
da reserva de lei (ou da reserva legal), razão pela qual preferimos utilizar esta denominação em
detrimento daquela (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo:
Malheiros, 2005, pp. 422-424).
51
mais tempo e qualidade à discussão com a sociedade, quando se tratar de espaços
ecologicamente protegidos, afinal trata-se de “bem de interesse comum a todos os
habitantes do País”, consoante art. 1º do Código Florestal de 1965 e art. 2º do novo
Código Florestal:
O Poder Legislativo precisa discutir sobre um bem que está caracterizado como ‘permanente’. Uma floresta de preservação permanente não é para ser suprimida ou alterada precipitadamente, a todo momento ou ao sabor do interesse somente do partido político que administre o meio ambiente. [...] é de ser ponderado que uma vegetação de tal importância não se elimina todos os dias. A seca que expulsa as pessoas e os desmoronamentos que matam têm como uma de suas causas o corte da vegetação de preservação permanente. O processo legislativo dá chance de maior participação social para a decisão de manter ou suprimir a vegetação.95
De modo diverso, Édis Milaré diferencia os espaços territoriais
especialmente protegidos lato sensu (que são as APPs e as áreas de reserva legal
florestal) dos ETEPs stricto sensu (que, por sua vez, englobam as unidades de
conservação, a reserva da biosfera e unidades de conservação atípicas). Nesta
dicotomia, considera o autor que o aludido preceito constitucional (art. 225, § 1º,
inciso III) apenas se aplica a esta última categoria (espaços territoriais
especialmente protegidos stricto sensu)96. Milaré parte do conceito legal de “unidade
de conservação”97, em que se compreendem características de “particularidade e
especificidade” de cada unidade de conservação, devendo ter seu “propósito e
finalidade específicos, o que exigiria, por consequência, um ato legal de sua
instituição pelo Poder Público, visando a delimitar e a dispor exclusivamente a
respeito de cada uma”98. Nesse sentir, continua o doutrinador, na definição de
“unidade de conservação” não se pode incluir outras figuras legais, como APP,
reserva legal florestal, etc., pois tais espaços territoriais não necessitam de ato legal
do Poder Público específico para sua existência, o que, no entender do doutrinador,
95 Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 739-740. 96 Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pp. 689-690 e 695-696. 97 Art. 2º, inciso I, da Lei nº 9.985/00: “Art. 2º. Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I –
unidade de conservação: espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas
jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com
objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se
aplicam garantias adequadas de proteção”. 98 MILARÉ, Édis. Op. cit., p. 689, itálico nosso.
52
seria um “requisito essencial” para a constituição de unidade de conservação
imposto pela Lei nº 9.985/00, justificando a distinção em relação aos outros espaços
territoriais99. Em poucas palavras, seu entendimento se baseia no seguinte
raciocínio: se é necessária lei para instituição de um espaço protegido, também é
necessária lei formal para sua alteração; ao passo que, se é necessário ato (ou
processo) administrativo, a supressão ou alteração também ocorrerá mediante mero
ato (ou processo) administrativo.
Com todo respeito à opinião do eminente doutrinador, há que se considerar
que este fundamento não é suficiente para afastar a aplicação da norma
constitucional (art. 225, § 1º, inciso III) aos espaços territoriais que possuem
proteção especial por força do Código Florestal100. A uma, porque seu fundamento
parte do ordenamento infraconstitucional para dar sentido ao texto da Carta Magna –
ao passo que julga-se mais adequado interpretar as normas infraconstitucionais à
luz da Constituição –; a duas, porque as APPs e reservas legais florestais são
criadas, sim, por lei em sentido formal, que é o próprio Código Florestal101; e a três,
porque aquilo que a lei (in casu, a Constituição Federal) não distingue não cabe ao
intérprete distinguir102.
Esta discussão tinha como pano de fundo a redação original do Código
Florestal de 1965, cujo art. 3º, § 1º, assim determinava:
99 Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 689. 100 Retome-se que as APPs possuem duas espécies: (a) aquelas existentes por seus atributos naturais
(art. 2º da Lei nº 4.771/65 e do art. 4º da Lei nº 12.651/12) e (b) aquelas classificadas por ato do
Poder Público como APP (do art. 3º da Lei nº 4.771/65 e do 6º da Lei nº 12.651/12). As primeiras são
constituídas diretamente pela aplicação da lei, de pleno direito; as segundas dependem de ato
administrativo do Poder Público, mas, ainda assim, decorrem da aplicação da lei, tanto quanto as
unidades de conservação. Curioso observar que, apesar de Milaré não considerar o Código Florestal
como lei ordinária criadora das APPs por atributos naturais, ele considera (com fundamento em
Paulo de Bessa Antunes) que “a lei autorizativa para uma eventual alteração ou supressão das
florestas de preservação estabelecidas pelo art. 3º [do Código Florestal de 1965] é o próprio Código
Florestal” (Op. cit., p. 695). 101 SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2009,p. 442. 102 É o que recomenda o brocardo jurídico: “Ubi lex non distinguit nec non distinguere debemus.” (Cf.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2011, p.
411.)
53
§ 1º. A supressão total ou parcial de florestas de preservação permanente só será admitida com prévia autorização do Poder Executivo Federal, quando for necessária à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social.
É de se destacar que a disposição legal supra transcrita se localizava no §
1º do art. 3º, artigo este que tratava apenas das APPs por ato do Poder Público. Por
interpretação, entendia-se que apenas seria permitida a supressão por utilidade
pública ou interesse social nesta categoria de APP (e que não seria permitida
supressão quando se tratasse de APP por seus atributos naturais)103.
No texto original da Lei nº 4.771/65, embora a supressão de florestas
(declaradas por ato do Poder Público) estivesse subordinada à utilidade pública ou
ao interesse social, não havia um conceito legal destes termos. À época, a doutrina
remetia o preenchimento destes significados ao Poder Judiciário: Paulo Affonso
Leme Machado, em artigo publicado em maio de 1980, quando ainda incipiente a
referida legislação, escreveu que “o controle da finalidade da supressão parcial ou
total da floresta de preservação permanente do art. 3º poderá ser feito pelo Poder
Judiciário, evitando-se o desvio de poder.”104 Para as APPs do art. 2º, o autor
defendia que “só [poderiam] ser alteradas ou suprimidas parcial ou totalmente por
força de lei. Incompetente [seria] o Poder Executivo federal, estadual ou municipal
para autorizar a supressão parcial ou total dessas florestas ou formas de
vegetação.”105
Foi a já comentada Medida Provisória nº 2.166-67/01 que alterou
substancialmente o regime jurídico incidente sobre a supressão de APP. Em
primeiro lugar, porque remanejou a disposição legal do art. 3º (que tratava apenas
das APPs por ato do Poder Público) para o art. 4º, ao conferir nova redação a este
artigo:
Art. 4º. A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e
103 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Florestas de Preservação Permanente e o Código Florestal
Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 26. 104 Ibid., p. 25. 105 Ibid., p. 26, destaque nosso.
54
motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto. [...]
Desse modo, o que antes se referia apenas a uma das espécies de APP
passou a viger para ambas as espécies, possibilitando, a partir de então, a
supressão de APP por atributos naturais.
Em segundo lugar, condicionou a supressão a: (1) autorização do órgão
ambiental106 – leia-se: licenciamento –, (2) inexistência de alternativa técnica e
locacional do empreendimento107, e (3) as medidas mitigadoras e compensatórias108.
Pela interpretação integrativa (ou sistemática)109 do ordenamento, a supressão da
APP apenas seria autorizada quando atendido os requisitos constitucionais, quais
sejam: (4) estaria “vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos
atributos que justifiquem sua proteção”110, e (5) elaboração de prévio Estudo de
Impacto Ambiental / Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (EIA/RIMA)111. Neste
novo cenário, os ambientalistas112 afirmavam que tais requisitos já existiam, desde o
advento da Constituição Federal, ou seja, a Medida Provisória apenas ratificava o
que já era exigido pela Lei Maior (exceto a necessidade de lei formal para tanto).
106 Art. 4º da Lei nº 4.771/65, com redação dada pela MP nº 2.166-67/01: “§ 1º. A supressão de que
trata o caput deste artigo dependerá de autorização do órgão ambiental estadual competente, com
anuência prévia, quando couber, do órgão federal ou municipal de meio ambiente, ressalvado o
disposto no § 2º deste artigo. § 2º. A supressão de vegetação em área de preservação permanente
situada em área urbana, dependerá de autorização do órgão ambiental competente, desde que o
município possua conselho de meio ambiente com caráter deliberativo e plano diretor, mediante
anuência prévia do órgão ambiental estadual competente fundamentada em parecer técnico.” 107 Art. 4º, caput, da Lei nº 4.771/65, com redação dada pela MP nº 2.166-67/01, acima transcrito. 108 Art. 4º, § 4º, da Lei nº 4.771/65, com redação dada pela MP nº 2.166-67/01: “O órgão ambiental
competente indicará, previamente à emissão da autorização para a supressão de vegetação em área
de preservação permanente, as medidas mitigadoras e compensatórias que deverão ser adotadas
pelo empreendedor.” 109 A interpretação integrativa ou sistemática é a técnica de interpretação da norma, pela qual uma
regra é analisada não isoladamente, mas integrada, relacionada com outras pertinentes ao mesmo
objeto (Cf. DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva,
2009, 440-441). 110 Art. 225, § 1º, inciso III. 111 Por determinação do inciso IV do art. 225, da Constituição Federal. 112 Cf. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, p.
742.
55
Em terceiro lugar, a MP positivou no Código Florestal o conceito de utilidade
pública e de interesse social (art. 1º, § 2º, da Lei nº 4.771). A partir destes conceitos
legais, foi aberto caminho para redução de APP em qualquer obra ou projeto que
estivesse previsto em resolução do CONAMA, tema que é retomado com mais
profundidade no item a seguir, em razão de sua relevância para o tema ora
estudado.
Mas é importante observar o conflito que permaneceu entre a Medida
Provisória e a Constituição Federal: enquanto a Lei Maior exige lei em sentido formal
(princípio da reserva de lei) para alteração e supressão de APP, uma Medida
Provisória – isto é, um ato unipessoal temporário, da lavra do Chefe do Poder
Executivo federal, que ganhou força de lei com a Emenda Constitucional nº. 32/01 –
recomendava apenas a adoção de procedimento administrativo próprio, formalidade
muito mais simples e menos protetiva. Vale dizer: o que, pela Constituição, era
competência do Poder Legislativo federal (“somente através de lei”), passou, por
meio de Medida Provisória, a ser de competência, não da chefia do Poder Executivo
das diversas esferas da Administração Pública, mas ao corpo técnico dos órgãos
ambientais (federal, estaduais, distrital ou municipal).
E tal não passou despercebido pela Procuradoria‐Geral da República, que
intentou Ação Direta de Inconstitucionalidade113, em julho de 2005, com este
fundamento. Contudo, em apreciação perfunctória, o Pleno do Supremo Tribunal
Federal negou referendo à liminar, mantendo a vigência do art. 4º do Código
Florestal com a redação dada pela Medida Provisória nº 2.166‐67/01. Com isto,
restou vitorioso o entendimento de que as APPs são espaços territoriais
especialmente protegidos latu sensu, que não estão vinculados ao princípio
constitucional da reserva de lei e que, portanto, podem ser alterados e suprimidos
mediante procedimento administrativo no âmbito do órgão ambiental competente114.
113 Supremo Tribunal Federal. Medida Liminar em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.540.
Requerente: Ministério Público Federal. Requerido: Presidente da República. Relator: Ministro Celso
de Mello. Brasília: 1º de setembro de 2005, DJU 13.09.2005. Até a revogação da Lei nº 4.771/65 o
mérito desta ação não havia sido apreciado pelo Supremo. 114 Curioso notar, entretanto, que o Pleno do Supremo, em 09.08.1989, diante da mesma discussão
(todavia, tratava-se de um Decreto paulista), já havia reconhecido a possibilidade de danos
56
Neste ponto, é esclarecedora a lição de Édis Milaré:
Tal entendimento decorre do fato de diversas atividades de infraestrutura (obras de saneamento, transporte, energia etc.) – assim como outras vitais para o desenvolvimento econômico e social do País –, muitas vezes sem qualquer alternativa locacional, só serem viáveis e exequíveis mediante intervenção em áreas classificadas como de preservação permanente (margens de cursos de água, nascentes e reservatórios, entre outras tantas situações previstas no Código Florestal).115
Deve-se ressaltar que, ao adotar este entendimento, o Supremo Tribunal
Federal, segundo o voto do Ministro Relator, não pretendeu retirar a proteção
constitucional de que o corte de vegetação não poderia “[comprometer] a integridade
dos atributos que justifiquem sua proteção”116. Esta garantia constitucional é de
extrema relevância para as áreas de preservação permanente, uma vez que: (1) são
os seus atributos que justificam sua proteção; (2) o novo Código Florestal repete a
disciplina constitucional ao manter no conceito legal de APP sua função
ambiental117; e (3) trata-se de critério de grande valia para manter a intocabilidade
dessas áreas. Segue pequeno trecho esclarecedor do voto do Relator Ministro Celso
de Mello:
Quando se tratar, porém, de execução de obras ou de serviços a serem realizados em tais espaços territoriais, cumpre reconhecer que, observadas as restrições, limitações e exigências abstratamente estabelecidas em lei, tornar-se-á lícito ao Poder Público – qualquer que seja o nível em que se posicione na estrutura federativa (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) – autorizar, licenciar ou permitir a realização de tais atividades no âmbito dos espaços territoriais especialmente protegidos, desde que não resulte comprometida a integridade dos atributos que justificaram, quanto a tais territórios, a instituição de um regime jurídico de proteção
ecológicos de difícil reparação, e, por vezes, de reparação impossível e, assim, concedeu medida
liminar para suspender texto de lei muito semelhante ao do Código Florestal de 1965 (Supremo
Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 73-SP. Requerente: Procurador Geral da
República. Requerido: Governador do Estado de São Paulo. Relator: Ministro Moreira Alves. Brasília:
09 de setembro 1989, v.u., DJU 15.9.1989. Até outubro de 2012 o mérito desta ação não havia sido
apreciado). 115 Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 959. 116 parte final do inciso III do § 1º do art. 25, CF. 117 Art. 3º, inciso II, Lei nº 12.651/12
57
especial.118
A posição do Pleno do Supremo de 2005, embora dotada de caráter liminar
e, portanto, fruto de análise superficial e sem o crivo do contraditório, parece ter
finalizado a polêmica acerca do princípio da reserva de lei, de maneira que, com
base nesta decisão, foi editada a Resolução CONAMA nº 369/06, regulamentando
os casos excepcionais de utilidade pública, interesse social e baixo impacto
ambiental para fins de alteração e supressão de APP119.
A mencionada Resolução dá instruções aos órgãos ambientais a respeito do
conteúdo dos conceitos indeterminados120 referentes a utilidade pública e interesse
social, porém nada dispõe a respeito das atividades de baixo impacto ambiental. A
Resolução também reforça a necessidade de medidas mitigadoras e
compensatórias prévias à autorização para supressão e intervenção (art. 5º),
esclarecendo que estas medidas não prejudicam as exigências de compensação
florestal constante da Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação
(SNUC) (Lei nº. 9.985/00, art. 36121). Outra disposição importante da Resolução em
comento é a determinação para realizar as medidas compensatórias na mesma sub-
bacia hidrográfica do empreendimento.
O tema de alteração e supressão de APP também foi motivo de muita
discussão e inovação no âmbito do novo Código Florestal. Tratado pela nova lei
inicialmente nos arts. 7º a 9º, tais artigos devem ser lidos em conjunto com os arts.
118 Supremo Tribunal Federal. Medida Liminar em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.540.
Requerente: Ministério Público Federal. Requerido: Presidente da República. Relator: Ministro Celso
de Mello. Brasília: 1º de setembro de 2005, DJU 13.09.2005, voto do relator, pp. 33-34 (fls. 560-561
dos autos), itálico nosso. 119 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 697. 120 Cf. FERRAZ JÚNIOR. Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito... São Paulo: Atlas, 2010, p.
294. 121 “Art. 36. Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto
ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de
impacto ambiental e respectivo relatório – EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a
implantação e manutenção de unidade de conservação do grupo de Proteção Integral, de acordo
com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei.”
58
61-A a 65, quando for o caso de “áreas consolidadas rurais ou urbanas”122: no que
diz respeito às alterações e supressões perpetradas até 22 de julho de 2008 em
área rural, o regulamento encontra-se nos arts. 61-A a 63 (objeto de comentários no
item anterior), e para as áreas urbanas consolidadas, foram destinados os arts. 64 e
65, os quais são objeto de análise no último capítulo desta dissertação.
No que se refere às supressões posteriores à data de 22 de julho de 2008, o
Código Florestal novo foi claro ao vedá-las, em regra, quando tornou expressa a
obrigação de manter a vegetação de APP e instituiu o dever de recomposição123 (o
que não havia na lei anterior). Estas obrigações foram legalmente qualificadas como
de natureza real e, por consequência, são transmitidas ao sucessor inter vivos ou
causa mortis, no caso de imóvel rural124-125.
O art. 8º dispõe que as supressões futuras somente serão autorizadas nas
hipóteses de utilidade pública, interesse social ou de baixo impacto ambiental, nos
termos dos conceitos legais descritos dos incisos VIII, IX e X, todos do art. 3º, da
mesma lei. Em suma, tais conceitos foram ampliados, novas atividades econômicas
foram contempladas nas hipóteses legais (não só atividades agrossilvipastoris, mas
também atividades de construção civil), reduzindo, por conseguinte, a proteção
destas áreas especiais. Estes conceitos legais serão discutidos com mais
122 Para os efeitos da Lei nº 12.651/12, consideram-se áreas consolidadas aquelas descritas em seu
art. 3º incisos IV e XXVI (“IV – área rural consolidada: área de imóvel rural com ocupação antrópica
preexistente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris,
admitida, neste último caso, a adoção do regime de pousio” [...] “XXVI – área urbana consolidada:
aquela de que trata o inciso II do caput do art. 47 da Lei nº 11.977/09”, ou seja, “parcela da área
urbana com densidade demográfica superior a 50 habitantes por hectare e malha viária implantada e
que tenha, no mínimo, 2 dos seguintes equipamentos de infraestrutura urbana implantados: a)
drenagem de águas pluviais urbanas; b) esgotamento sanitário; c) abastecimento de água potável; d)
distribuição de energia elétrica; ou e) limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos”,
conforme redação do art. 47, inciso II da Lei nº 11.977/09). 123 Art. 7º, caput e §§ 1º e 3º. 124 É o que determina o § 2º do art. 7 combinado com § 2º do art. 2º. 125 Como destacado por Ana Claudia La Plata de Mello Franco e Gabriela Silveira Giacomolli, cabe
indagar: por qual motivo teria o legislador restringido esta disposição legal aos imóveis rurais?
(Comentários ao art. 7º. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Novo Código Florestal...,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 165.)
59
profundidade no item seguinte, mas, desde já é interessante registrar que há
doutrina126 que considera que, nos conceitos legais de utilidade pública, interesse
social e baixo impacto ambiental consta referência à função ambiental das APPs, o
que possibilita “o uso ou intervenção em APP desde que, dentre outros requisitos,
não prejudiquem sua função ambiental”127.
A supressão de vegetação protetora de nascentes, dunas, restingas e de
mangues tem suas condições especiais tratadas nos §§ 1º e 2º do art. 8º. Por sua
vez, o art. 9º cuida apenas de autorizar o acesso de pessoas e animais para
obtenção de água e realização de atividades de baixo impacto ambiental.
Pelo que se verifica do exposto, os requisitos128 existentes durante a
regulamentação anterior (Lei nº 4.771/65) não foram reproduzidos pela nova
legislação; contudo entendemos, em consonância com a doutrina mais abalizada129,
que tais requisitos, por serem de ordem constitucional, não podem ser afastados
pela legislação ordinária. Nesta linha de ideias, porque a Lei Maior determina que
seja realizado Estudo de Impacto Ambiental (EIA) para a instalação de qualquer
atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental (art. 225,
§ 1º, inciso IV), o EIA é indispensável em caso de supressão de APP, até mesmo
126 GOUVÊA, Yara Maria Gomide. Comentários ao art. 3º. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso
Leme. Novo Código Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, pp. 60-68. Utilizando o
fundamento diretamente da Constituição Federal para concluir no mesmo sentido, Guilherme José
Purvin de Figueiredo leciona: “Nesse sentido, comprovado cientificamente que a proteção dos
atributos que justificam a proteção dos espaços territoriais não é atendida, por exemplo, pelos
parágrafos do art. 61-A da Lei 12.651/12, restará confirmada a afronta ao princípio da vedação de
retrocesso, daí resultando a confirmação da inconstitucionalidade de referido dispositivo.”
(Comentários ao art. 1º-A. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Novo Código
Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 36). 127 GOUVÊA, Yara Maria Gomide. Comentários ao art. 3º. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso
Leme. Novo Código Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 65. 128 Referimo-nos aos requisitos já expostos alhures: (1) alteração e supressão permitida somente
através de lei, (2) é vedada a utilização da APP que comprometa a integridade dos atributos que
justificam sua proteção, e (3) elaboração de prévio EIA / RIMA. 129 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, pp.
741-742.
60
para comprovação de utilidade pública ou interesse social130. Por conseguinte, no
bojo deste procedimento administrativo, devem ser verificadas as alternativas
técnicas e locacionais131 e as medidas mitigatórias ou compensatórias132.
No que tange ao requisito da autorização do órgão ambiental competente
(antes prevista no art. 4º, § 2º, Lei 4.771/65), embora não haja na nova lei tal
exigência, a leitura a contrario sensu do § 3º do art. 8º dá a entender que a regra
geral é a autorização administrativa. Confira a redação do mencionado parágrafo:
§ 3º. É dispensada a autorização do órgão ambiental competente para a execução, em caráter de urgência, de atividades de segurança nacional e obras de interesse da defesa civil destinadas à prevenção e mitigação de acidentes em áreas urbanas.
Se, para casos urgentes de segurança e defesa (situações excepcionais), é
dispensável a autorização do órgão ambiental competente, não é demais concluir (a
contrario sensu) que a autorização é indispensável, como regra geral. Além do mais,
no art. 31133 da mesma lei, consta determinação expressa para licenciamento para a
exploração florestal (de áreas que não possuem proteção especial). Mais uma vez,
por inferência: se para exploração da floresta sem proteção especial é necessário
licenciamento, mais justificada está a necessidade desta autorização do órgão
ambiental quando for o caso de exploração de floresta com proteção especial. De
todo modo, a previsão de obrigatoriedade de licenciamento ambiental consta do art.
10 da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81)134, que vige também nos
casos de supressão de área de preservação permanente.
130 A atividade de baixo impacto ambiental está fora da previsão constitucional do art. 225, § 1º,
inciso IV. 131 Em atendimento ao art. 9º, inciso II, da Resolução CONAMA nº 1/1986. 132 Em atendimento ao art. 6º, inciso III, da Resolução CONAMA nº 1/1986. 133 “Art. 31. A exploração de florestas nativas e formações sucessoras, de domínio público ou
privado, ressalvados os casos previstos nos arts. 21, 23 e 24, dependerá de licenciamento pelo órgão
competente do SISNAMA, mediante aprovação prévia de Plano de Manejo Florestal Sustentável -
PMFS que contemple técnicas de condução, exploração, reposição florestal e manejo compatíveis
com os variados ecossistemas que a cobertura arbórea forme.” 134 “Art. 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades
utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer
forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental.”
61
Por fim, no que diz respeito ao atendimento da função ambiental, é a
Constituição, mais uma vez, que veda a utilização de espaços territoriais
especialmente protegidos que comprometa a integridade dos atributos que
justifiquem sua proteção (art. 225, § 1º, inciso III). Reitere-se que a função ambiental
está reproduzida na Lei nº 12.651/12 no art. 3º, inciso II; inciso IX, alínea ‘b’ e inciso
X, alíneas ‘i’ e ‘j’. A doutrina nos orienta no mesmo sentido:
Finalmente, é inarredável a necessidade de se lembrar o princípio da proibição de retrocesso que, no campo do direito ambiental das áreas protegidas, encontra-se presente no art. 225, § 1º IV, fine, da Constituição Federal: a definição, em todas as unidades da Federação, de espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, é infensa a alteração e a supressão, ainda que por meio de lei ordinária, se sua utilização comprometer a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.135
Deste modo, conclui-se pela manutenção dos requisitos constitucionais para
autorização de supressão de áreas de preservação permanente, ainda que o novo
Código Florestal tenha silenciado a este respeito.
Ao que se vê, a Lei nº 12.651/12, no que tange ao tema de alteração e
supressão de APP, foi mais branda do que a regulamentação anterior, não só por se
omitir quanto aos requisitos constitucionais, mas também porque criou critérios que
tendem a dificultar a fiscalização (desmatamento até 22 de julho de 2008,
percentuais diversos de recuperação, tamanho da propriedade rural etc.); assim
como ampliou as hipóteses de utilidade pública, interesse social e de baixo impacto
ambiental. No que diz respeito a este último tema, segue com mais detalhes no
próximo tópico.
1.8. Utilidade Pública, Interesse Social e Baixo Impacto Ambiental
Considerando que desde o Código Florestal de 1965 restou autorizada a
135 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Comentários ao art. 1º-A. In: MILARÉ, Édis; MACHADO,
Paulo Affonso Leme. Novo Código Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 36.
62
alteração e supressão de APP em casos de utilidade pública e de interesse social, a
análise destes conceitos discricionários136 se torna imprescindível ao presente
estudo.
Como já exposto anteriormente, a redação original da Lei nº 4.771/65
apenas continha a previsão de que as APPs declaradas por ato do Poder Público
poderiam ser alteradas e suprimidas por utilidade pública e interesse social. Não
trazia o conceito legal dessas expressões, razão pela qual a doutrina remetia seu
preenchimento ao Poder Judiciário137.
Com a Medida Provisória nº 2.166-67/01, foi alterada a redação de alguns
dispositivos do Código Florestal, de modo a permitir a supressão de qualquer
espécie de APP, por força de utilidade pública e interesse social. Além disto, foi
positivado no Código Florestal o conceito legal de utilidade pública e interesse
social, conforme segue (art. 1º da Lei nº 4.771/65, com redação dada pela MP nº
2.166-67/01):
§ 2º. Para os efeitos deste Código, entende-se por: [...]
IV – utilidade pública:
a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária;
b) as obras essenciais de infraestrutura destinadas aos serviços públicos de transporte, saneamento e energia e aos serviços de telecomunicações e de radiodifusão; e
c) demais obras, planos, atividades ou projetos previstos em resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA;
V – interesse social:
a) as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação nativa, tais como: prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação de invasoras e proteção de plantios com espécies nativas, conforme resolução do CONAMA;
b) as atividades de manejo agroflorestal sustentável praticadas na pequena propriedade ou posse rural familiar, que não
136 Sobre conceitos discricionários, ver FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do
Direito. São Paulo: Atlas, 2010, pp. 294-295; PADILHA, Norma Sueli. Colisão de Direitos
Metaindividuais e a Decisão Judicial. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2006, pp. 71-72. 137 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Florestas de Preservação Permanente e o Código Florestal
Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, pp. 25-26.
63
descaracterizem a cobertura vegetal e não prejudiquem a função ambiental da área; e
c) demais obras, planos, atividades ou projetos definidos em resolução do CONAMA. (itálicos nossos)
Houve o questionamento judicial das alterações trazidas pela Medida
Provisória nº 2.166-67/01, por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade, que
resultou na confirmação da constitucionalidade de todo o teor da referida MP. Com
isso, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) editou a Resolução nº
369/06, a qual “dispõe sobre os casos excepcionais de utilidade pública, interesse
social ou baixo impacto ambiental, que possibilitam a intervenção ou supressão de
vegetação em APP.” No bojo da Resolução, foram conceituados os termos utilidade
pública e interesse social. Quanto às atividades eventuais e de baixo impacto
ambiental, apenas houve a previsão regulamentar, sem apresentação de um
conceito propriamente dito.
Os textos da Medida Provisória nº 2.166-67/01 e da Resolução CONAMA nº
369/06 vigeram até a promulgação do novo Código Florestal, em 25 de maio de
2012. Desde então, é o art. 8º da Lei nº 12.651/12 que possibilita a supressão e
alteração de APP nos casos de utilidade pública, interesse social e quando houver
baixo impacto ambiental:
Art. 8º. A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas nesta Lei.
Tais expressões (utilidade pública, interesse social e baixo impacto
ambiental) estão legalmente conceituadas no art. 3º, incisos VIII138, IX139 e X140,
138 “VIII – utilidade pública: a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária; b) as obras de
infraestrutura destinadas às concessões e aos serviços públicos de transporte, sistema viário,
inclusive aquele necessário aos parcelamentos de solo urbano aprovados pelos Municípios,
saneamento, gestão de resíduos, energia, telecomunicações, radiodifusão, instalações necessárias à
realização de competições esportivas estaduais, nacionais ou internacionais, bem como mineração,
exceto, neste último caso, a extração de areia, argila, saibro e cascalho; c) atividades e obras de
defesa civil; d) atividades que comprovadamente proporcionem melhorias na proteção das funções
ambientais referidas no inciso II deste artigo; e) outras atividades similares devidamente
caracterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa
64
respectivamente. Tais dispositivos praticamente reproduzem os termos da
Resolução CONAMA nº 369/06, apresentando, porém, novas hipóteses, que variam
desde “obras de infraestrutura destinadas às concessões e aos serviços públicos de
[...] gestão de resíduos” até “instalações necessárias à realização de competições
esportivas estaduais, nacionais ou internacionais” (ambas hipóteses estão previstas
técnica e locacional ao empreendimento proposto, definidas em ato do Chefe do Poder Executivo
federal.” 139 “IX – interesse social: a) as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação
nativa, tais como prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação de
invasoras e proteção de plantios com espécies nativas; b) a exploração agroflorestal sustentável
praticada na pequena propriedade ou posse rural familiar ou por povos e comunidades tradicionais,
desde que não descaracterize a cobertura vegetal existente e não prejudique a função ambiental da
área; c) a implantação de infraestrutura pública destinada a esportes, lazer e atividades educacionais
e culturais ao ar livre em áreas urbanas e rurais consolidadas, observadas as condições estabelecidas
nesta Lei; d) a regularização fundiária de assentamentos humanos ocupados predominantemente
por população de baixa renda em áreas urbanas consolidadas, observadas as condições estabelecidas
na Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009; e) implantação de instalações necessárias à captação e
condução de água e de efluentes tratados para projetos cujos recursos hídricos são partes
integrantes e essenciais da atividade; f) as atividades de pesquisa e extração de areia, argila, saibro e
cascalho, outorgadas pela autoridade competente; g) outras atividades similares devidamente
caracterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa
técnica e locacional à atividade proposta, definidas em ato do Chefe do Poder Executivo federal.” 140 “X – atividades eventuais ou de baixo impacto ambiental: a) abertura de pequenas vias de acesso
interno e suas pontes e pontilhões, quando necessárias à travessia de um curso d’água, ao acesso de
pessoas e animais para a obtenção de água ou à retirada de produtos oriundos das atividades de
manejo agroflorestal sustentável; b) implantação de instalações necessárias à captação e condução
de água e efluentes tratados, desde que comprovada a outorga do direito de uso da água, quando
couber; c) implantação de trilhas para o desenvolvimento do ecoturismo; d) construção de rampa de
lançamento de barcos e pequeno ancoradouro; e) construção de moradia de agricultores familiares,
remanescentes de comunidades quilombolas e outras populações extrativistas e tradicionais em
áreas rurais, onde o abastecimento de água se dê pelo esforço próprio dos moradores; f) construção
e manutenção de cercas na propriedade; g) pesquisa científica relativa a recursos ambientais,
respeitados outros requisitos previstos na legislação aplicável; h) coleta de produtos não madeireiros
para fins de subsistência e produção de mudas, como sementes, castanhas e frutos, respeitada a
legislação específica de acesso a recursos genéticos; i) plantio de espécies nativas produtoras de
frutos, sementes, castanhas e outros produtos vegetais, desde que não implique supressão da
vegetação existente nem prejudique a função ambiental da área; j) exploração agroflorestal e
manejo florestal sustentável, comunitário e familiar, incluindo a extração de produtos florestais não
madeireiros, desde que não descaracterizem a cobertura vegetal nativa existente nem prejudiquem
a função ambiental da área; k) outras ações ou atividades similares, reconhecidas como eventuais e
de baixo impacto ambiental em ato do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA ou dos
Conselhos Estaduais de Meio Ambiente.”
65
na alínea ‘b’, inciso VIII, art. 3º). Diante destas novas disposições legislativas, é
recomendável que o CONAMA revise a Resolução nº 369/06, com vistas a adequá-
la à nova lei141.
Um ponto que se destaca na nova legislação refere-se à possibilidade de
supressão de APP em caso de “exploração agroflorestal sustentável praticada na
pequena propriedade ou posse rural familiar ou por povos e comunidades
tradicionais” (art. 3º, inciso IX, alínea ‘b’). Na vigência do regime jurídico anterior
(Resolução CONAMA nº 369/06), era possível a autorização de “manejo
agroflorestal, ambientalmente sustentável, praticado na pequena propriedade ou
posse rural familiar”. A diferença entre manejo agroflorestal e exploração
agroflorestal é que, no manejo, respeitam-se os mecanismos de sustentação do
ecossistema142, o que não é observado na exploração agroflorestal, que, por sua
vez, pode ser muito impactante ao ecossistema da APP (por exemplo, pode ensejar
contaminação do solo e dos recursos hídricos por insumos químicos)143.
Ponto de maior relevância é a inserção de cláusulas abertas nos três incisos
sob comento (inciso VIII, IX e X do art. 3º), que permitem o órgão ambiental a
autorizar supressão e alteração de APP discricionariamente, desde que: (1) sejam
atividades similares àquelas elencadas no inciso; (2) estejam caracterizadas e
motivadas em procedimento administrativo próprio; (3) inexista alternativa técnica e
locacional à atividade proposta e (4) esteja definida em ato do Chefe do Poder
Executivo federal, quando for o caso de utilidade pública ou interesse social (incisos
VIII, alínea ‘e’ e IX, alínea ‘g’). Quando se tratar de atividade eventual de baixo
impacto ambiental, são condições para autorização: (1) sejam atividades similares
àquelas elencadas no inciso; (2) estejam caracterizadas como eventuais e de baixo
impacto ambiental em ato do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) ou
dos Conselhos Estaduais (inciso X, alínea ‘k’).
141 Até fevereiro de 2013, não havia nenhuma chamada no sítio da internet do CONAMA
(http://www.mma.gov.br/port/conama) para debates acerca da revisão da mencionada Resolução. 142 Art. 3º, inciso VII, Lei nº 12.651/12. 143 MELO NETO, João Evangelista de. Comentários ao art. 3º, inciso X. In: MILARÉ, Édis; MACHADO,
Paulo Affonso Leme. Novo Código Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 92.
66
É recomendável também que, ao autorizar determinada atividade, tanto o
Chefe do Poder Executivo federal, como o órgão ambiental levem em consideração
a função ambiental da área de preservação permanente, assim como a função
socioambiental da propriedade, uma vez que são requisitos constitucionais que
devem nortear a função pública.
Como se vê, conceitos legais de utilidade pública, interesse social e baixo
impacto ambiental foram alargados, novas atividades econômicas foram
contempladas nas hipóteses legais, reduzindo, por conseguinte, a proteção das
áreas especiais ao ecossistema. Neste diapasão, entendemos que o princípio do
desenvolvimento sustentável, constante do parágrafo único do art. 1º-A do atual
Código, deverá exercer papel preponderante quando da interpretação e aplicação
dos dispositivos legais referentes à alteração e supressão de APP, visando
precipuamente a evitar que as atividades econômicas se sobreponham de modo
devastador aos ecossistemas que devem ser preservados permanentemente.
67
2. Área de Preservação Permanente nas Cidades
A análise deste capítulo torna necessário revolver, além de temas de Direito
Ambiental, outros que residem no âmbito do Direito Urbanístico. Trata-se de
matérias que possuem interface nestes dois ramos do Direito, de modo que, para
um estudo mais abrangente, é imprescindível deixar consignados alguns conceitos
do Direito Urbanístico, visando à compreensão holística da matéria, com vistas, em
especial, ao capítulo 3, que trata do Direito à Moradia.
No cumprimento deste mister, verificou-se que o Direito Ambiental e o Direito
Urbanístico, embora sejam áreas do conhecimento distintas, possuem, muitas
vezes, correlação íntima, já que em ambos os casos são estudadas as normas com
vistas ao bem-estar do indivíduo e da sociedade, buscando a melhor ordenação
territorial e, portanto, o equilíbrio do ambiente. Neste sentido, são as lições de Odete
Medauar:
A questão ambiental e a questão urbana apresentam-se intrincadas de modo forte e o ordenamento dos espaços urbanos aparece, sem dúvida, como instrumento da política ambiental. A implantação de uma política urbana hoje não pode ignorar a questão ambiental, sobretudo nas cidades de grande porte, onde adquirem maior dimensão os problemas relativos ao meio ambiente.144
Neste intento, o enfoque que permeia o presente estudo é uma visão
urbanística-ambiental, isto é, a conciliação entre regimes jurídicos distintos, porém
que perpassam pelas mesmas problemáticas quando de sua aplicação e, que,
portanto, devem ser interpretados em harmonia, em atendimento aos princípios da
máxima efetividade das normas constitucionais145 e da interpretação sistemática146.
144 MEDAUAR, Odete; ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de (Coords.). Estatuto da Cidade... São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 25. 145 O princípio da máxima efetividade é também chamado de princípio da eficiência ou da
interpretação efetiva. Na lição de José Joaquim Gomes Canotilho é assim definido: “a uma norma
constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. […] no caso de duvidas deve
preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais.” (Direito
Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2003, p. 1224.) 146 O método da interpretação sistemática é também conhecido como método da unidade do
sistema. Tercio Sampaio Ferra Jr. assim o define: “qualquer preceito isolado deve ser interpretado
em harmonia com os princípios gerais do sistema, para que se preserve a coerência do todo”.
(Introdução ao Estudo do Direito... São Paulo: Atlas, 2010, p. 257.)
68
2.1. Desenvolvimento Sustentável das Cidades
A ideia de desenvolvimento sustentável tem seu embrião na Conferência de
Estocolmo147 (Suécia), ocorrida em 1972, ocasião em que ficou evidenciada tensão
entre os países desenvolvidos (que propunham cuidados com o meio ambiente, em
detrimento do crescimento econômico) e países subdesenvolvidos ou em
desenvolvimento (que defendiam o crescimento econômico a qualquer custo). Ficou
marcada, a partir de então, uma falaciosa oposição entre desenvolvimento
econômico e social e desenvolvimento ambiental.
Posteriormente, em abril de 1987, a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente
e Desenvolvimento (UNCED)148 apresenta o relatório “Nosso Futuro Comum” (no
original: “Our Common Future”), que ficou conhecido como “Relatório Brundtland”,
no qual ficou consignada a possibilidade (e necessidade) de conciliação entre
desenvolvimento econômico e preservação ambiental, culminando no conceito de
desenvolvimento sustentável. A partir de então, esta expressão passou a veicular o
sentido de que o desenvolvimento econômico deve se dar de forma a atender as
necessidades das gerações presentes, sem comprometer a capacidade de produção
para as gerações futuras149. Para tanto, é imprescindível imprimir práticas de
produção que respeitem mais o meio ambiente, ante a finitude dos recursos
naturais. A doutrina150 ensina que este princípio se aplica apenas aos recursos
147 A rigor, Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano. Os conflitos decorreram
da visão de desenvolvimento econômico e a relevância que o meio ambiente possuía para cada um
dos países presentes. Como resultado, os dirigentes desta Conferência procuraram aproveitar as
contribuições positivas de ambos os blocos, foi criado o Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (PNUMA) e foi elaborada a Declaração sobre o Meio Ambiente Humano (ou Declaração de
Estocolmo, como ficou conhecida) – declaração constante de 26 princípios norteadores para as
decisões relacionadas aos temas ambientais. 148 Criada em 1983, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, presidida por Gro Harlem Brundtland
(primeira-ministra da Noruega à época), com o objetivo reexaminar os principais problemas do meio
ambiente e do desenvolvimento, em âmbito mundial, e formular propostas realistas para solucioná-
los. 149 DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Saraiva, 2008, pp. 110-111. 150 Ibid., p. 111.
69
renováveis; aos recursos não renováveis ou às atividades capazes de produzir
danos irreversíveis este princípio não se aplica.
Em termos de Brasil, verifica-se que este conceito foi integrado à
Constituição Federal de 1988, em seu art. 225, em que se consignou expressamente
o dever do Poder Público e da coletividade de defender e preservar o meio ambiente
“para as presentes e futuras gerações”.
Cristiane Derani151, citando Franco Archibugi et al., observa que a
implementação do desenvolvimento sustentável requer uma justa distribuição de
riquezas, nos países e entre os países. Com isso, agrega-se ao conceito de
desenvolvimento sustentável a busca pelo equilíbrio social, firmando-se suas bases
num tripé (triple bottom line) descrito como econômico-social-ambiental152.
É possível dizer que este ideal também está presente em nossa Carta
Magna, em seu art. 170, ao fundar as bases do desenvolvimento econômico em
bases sociais (valorização do trabalho), ao impor como objetivo da ordem
econômica “a existência digna, conforme os ditames da justiça social”, e, destacar
como princípios da economia tanto a “defesa do meio ambiente”, quanto a “redução
das desigualdades regionais e sociais”.
E este conceito foi trazido para o Direito Urbanístico quando o Estatuto da
Cidade (Lei nº 10.257/01) consignou como uma das diretrizes gerais da política
urbana:
[a] garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações153.
Com isto, têm-se incorporado no texto legal direitos sociais e difusos, e, com
isto, a busca pela dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, CF).
Neste tema, a doutrina nos ensina que “por cidades sustentáveis pode-se
entender aquelas em que o desenvolvimento urbano ocorre com ordenação, sem
caos e destruição, sem degradação. Possibilitando uma vida urbana digna para
151 DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 111. 152 Ignacy Sachs, economista contemporâneo, é um dos principais idealizadores do triple bottom line. 153 art. 2º, inciso I
70
todos”154 e que as “diretrizes de desenvolvimento urbano e diretrizes da política
urbana se equiparam”155. Assim, o desenvolvimento sustentável das cidades (ou o
desenvolvimento das cidades sustentáveis) está atrelado ao desenvolvimento da
política urbana. O parágrafo único do art. 1º do Estatuto da Cidade também reafirma
esta posição, na medida em que submete a propriedade urbana às suas normas de
ordem pública, normas estas que buscam, prioritariamente, o bem-estar social e o
equilíbrio ambiental, confira:
Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental. [destaques nossos]
Neste sentido, não é demais dizer que, para que as políticas públicas (leia-
se: planos urbanísticos) atendam aos objetivos constitucionais (garantia do bem-
estar dos habitantes das cidades) e do Estatuto da Cidade (equilíbrio ambiental,
direito às cidades sustentáveis, manutenção do meio ambiente), deverão também
atender as normas ambientais. E no intuito de atingir a sustentabilidade da urbe, o
Poder Público não poderá se esquivar de seu dever de preservação e defesa do
meio ambiente.
Adicionalmente, retoma-se a função ambiental das áreas de preservação
permanente: são áreas (incluindo solo, vegetação, bioma etc.) que receberam
proteção legal especial porque são imprescindíveis ao bem-estar da sociedade,
como por exemplo, evitar cheias, inundações e deslizamento de terras (erosão),
quando da ocorrência de chuvas torrenciais.
Com base nestes fundamentos, busca-se concluir que para que o Poder
Público atinja o bem comum fixado pelas leis urbanísticas, deverá conferir especial
atenção aos aspectos ambientais da cidade, cumprindo seus deveres legais
estampados nas normas de Direito Ambiental, inclusive no que tange ao respeito às
áreas de preservação permanente. Há, contudo, forte resistência, por parte dos
estudiosos do Direito Urbanístico, a aceitar a ingerência de normas federais na
esfera municipal, razão pela qual dedicamos o próximo tópico ao estudo da
distribuição das competências constitucionais.
154 MEDAUAR, Odete; ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de (Coords.). Estatuto da Cidade... São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 27. 155 Ibid., p. 22.
71
2.2. Competências Constitucionais
Ao tratar das áreas de preservação permanente nas cidades, faz-se
necessário tratar da divisão constitucional de competências dos entes federativos,
uma vez que há divergência na doutrina sobre a invasão de competência municipal
por parte da União156. A este respeito, José Afonso da Silva, através de sua
abordagem constitucional do Direito Ambiental157, assevera que a estrutura do
Federalismo brasileiro é deveras complexa, assim como o é o sistema de repartição
de competências158, e ensina que:
A Constituição de 1988 busca realizar o equilíbrio federativo por meio de uma repartição de competências que se fundamenta na técnica da enumeração dos poderes da União (arts. 21 e 22), com poderes remanescentes para os Estados (art. 25, § 1º) e poderes definidos indicativamente para os Municípios (arts. 29 e 30), mas combina, com essa reserva de campos específicos, áreas comuns em que se prevêem atuações paralelas da União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 23) e setores concorrentes entre União e Estados, em que a competência para estabelecer políticas gerais, diretrizes gerais e normas gerais cabe à União, enquanto se defere aos Estados e até aos Municípios a competência suplementar (arts. 24 e 30).159
No que tange à competência para legislar (formal) e administrar (material),
os poderes para atuar foram distribuídos segundo os arts. 21 a 24 e 30, todos da
Constituição Federal, sendo que os princípios que nortearam a distribuição de tais
poderes foram o da predominância de interesse – segundo o qual a União ingere no
que é de interesse geral, os Estados-membros, no que é de interesse regional, e os
Municípios, no que tange o interesse local; o Distrito Federal, por sua característica
híbrida, cumula os temas de interesses regionais e locais – e o da territorialidade –
156 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pp. 698-699;
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 744-
745; FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A Propriedade no Direito Ambiental. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010, pp. 222-230. 157 Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011, pp. 09-10. 158 Ibid., pp. 73-74. 159 Ibid., p. 74, itálicos nossos.
72
pelo qual cada ente federativo exerce seus poderes apenas e tão-somente em seus
limites territoriais160.
Daniela Libório, ao analisar as competências constitucionais, ensina que não
há hierarquia entre esses poderes, já que:
[...] as competências constitucionais assumem uma estrutura verticalizada, porém não hierarquizada. Significa dizer que naquelas matérias nas quais deva haver normas federais os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios devem respeitar as orientações gerais para após particularizarem seus interesses.161
Nesse diapasão, a mesma autora discorre acerca da sobreposição de
interesses, que poderá ocorrer diante de duas hipóteses: (a) quando se tratar do
mesmo assunto ou (b) de assuntos diferentes. Na primeira hipótese, continua a
autora, “a repartição de interesses (geral, regional e local) faz com que cada um atue
nos limites de suas atribuições (arts. 23-24 da CF, por exemplo)”162. Havendo
sobreposição de interesses em assuntos diferentes, “prevalecerá o interesse
nacional sempre. Resguardado tal interesse, o interesse local deverá sempre ser
respeitado, e a eventual divergência deverá ser composta dentro de uma expectativa
de respeito à instância municipal.”163
Estas são as recomendações acerca das competências constitucionais em
geral. A seguir, apresenta-se o entendimento doutrinário acerca das competências
ambientais e urbanísticas e da relação entre elas.
160 DI SARNO, Daniela Campos Libório. Competências Urbanísticas. In: DALLARI, Adilson Abreu;
FERRAZ, Sérgio. (Coords.) Estatuto da Cidade... São Paulo: Malheiros, 2006, p. 62. No mesmo
sentido: FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva,
2009, p. 129. 161 Ibid., p. 62. 162 Ibid., pp. 63-64. 163 Ibid., p. 64. No mesmo sentido: GRAF, Ana Cláudia Bento; LEUZINGER, Márcia Dieguez. A
Autonomia Municipal e a Repartição Constitucional de Competências em Matéria Ambiental. In:
FIGUEIREDO, José Guilherme Purvin de. Temas de Direito Ambiental e Urbanístico. São Paulo: Max
Limonad, 1998, p. 49.
73
2.2.1. Competências Constitucionais Ambientais
Em termos de meio ambiente, tem-se no caput do art. 225 a descrição de
competência material comum a todos os entes federativos: impõe-se “ao Poder
Público [...] o dever de defendê-lo e preservá-lo [o meio ambiente]”, o que é repetido
no art. 23, incisos VI e VII (proteger o meio ambiente e combater a poluição em
qualquer de suas formas, e preservar as florestas, fauna e flora). Segundo José
Afonso da Silva, “essa é uma competência mais voltada para a execução das
diretrizes, políticas e preceitos relativos à proteção ambiental”.164 Esta competência
material foi regulamentada pela Lei Complementar nº 140, de 08 de dezembro de
2011, que criou comissões para a cooperação entre os entes federativos (além de
consórcios, convênios etc.) para o tema de licenciamento ambiental especialmente.
Ao seu turno, a competência legislativa de cada um dos entes é encontrada
nos arts. 21 a 24 e 30 (todos da Constituição Federal), e estão dispostas conforme
segue:
a) A União possui posição de supremacia em relação aos demais entes
federativos, uma vez que a ela incumbem as normas gerais de meio
ambiente165 (art. 24, incisos VI a VIII, e § 1º), planos nacionais e regionais de
ordenação do território (art. 21, IX), entre outras competências não menos
relevantes, mas que desviam do objeto desta dissertação. Com base nesta
competência, foram elaborados, verbi gratia: Política Nacional do Meio
Ambiente (Lei nº 6.983/81), Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01), Política
Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/10), etc.
b) Estados-membros e Distrito Federal possuem o poder de legislar
supletivamente às normas gerais da União, nos termos do art. 24, VI a VIII, e
§ 2º:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: [...]
164 Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 79. 165 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 78.
74
VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição; VII – proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico; VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; [...] § 2º. A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.
Observe-se que eventuais normas de caráter supletivo deverão estar em
consonância com as normas gerais e com as políticas estabelecidas pelo ente
federal, não podendo contrariá-las, o que, em termos de meio ambiente, significa
dizer que os Estados podem estabelecer normas mais protetivas ao meio ambiente,
porém nunca poderão flexibilizar o tratamento dado pela União, pois aqui a
competência é para proteger o meio ambiente (pela dicção do art. 225), e não
simplesmente para regulamentar o uso dos bens ambientais166.
c) Os Municípios, por sua vez, possuem competência formal mais voltada
para o meio ambiente urbano (o que coincide com a competência
urbanística): nos termos do art. 30, inciso VIII, da Lei Maior, que lhe atribui o
poder de promover, no que couber, o adequado ordenamento territorial,
mediante planejamento e controle do uso, parcelamento e ocupação do solo
urbano, assim como o art. 182, CF, lhe confere a competência para
estabelecer o plano diretor e a Política de Desenvolvimento Urbano.
Adicionalmente, poderá o Município legislar sobre assuntos de interesse
local e suplementar a legislação federal e estadual (art. 30, incisos I e II, CF),
aplicando-se a mesma observação feita em relação aos Estados: a
suplementação deverá ser no sentido de proteger o meio ambiente (e não de
flexibilização da norma ambiental).
Importante notar que tanto no caso da competência para promover o
ordenamento territorial e para planejar o uso e parcelamento do solo urbano, como
no caso da Política de Desenvolvimento Urbano, ainda que o Município detenha a
competência derivada diretamente da Constituição Federal, deverá obedecer às
166 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, pp.
114-115; DEUS, Teresa Cristina de. Tutela da Flora... São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 110.
75
normas gerais instituídas pela União Federal, em virtude das expressões “no que
couber” do art. 30, inciso VIII, e “conforme diretrizes gerais fixadas em lei”, constante
da redação do caput do art. 182. São leis federais que devem ser observadas pelos
municípios, por exemplo: Lei nº 6.766/79 (Lei de Parcelamento do Solo), Lei nº
10.257/01 (Estatuto da Cidade), Lei nº 11.977/09 (Lei de Regularização Fundiária) e
Lei nº 12.651/12 (novo Código Florestal). Considerando que este é um tema
precipuamente urbanístico (não obstante sua forte aplicação em casos ambientais),
a abordagem mais completa é apresentada no tópico que segue. Por ora, fica
apenas o registro.
Uma vez apontadas as competências constitucionais dos entes federativos,
vale lembrar que a edição do Código Florestal se deu no exercício da competência
concorrente outorgada pelo art. 24, inciso VI, em combinação com o disposto no
caput do art. 225, ambos da Constituição Federal, de modo que evidentemente a Lei
nº 12.651/12 é uma norma geral, não só porque assim dispõe em seu art. 1º-A167,
mas também pelo seu conteúdo de diretrizes gerais, princípios, etc.168. Assim, deve
ser respeitada pelos Estados-membros, Distrito Federal e Municípios e pode ser por
eles suplementada (art. 24, § 2º, e art. 30, inciso II, ambos da Constituição Federal).
Por fim, destaca-se que, em se tratando de meio ambiente, há uma
peculiaridade: os efeitos e as repercussões dos danos ambientais ultrapassam as
fronteiras políticas dos entes federados e até mesmo das nações, de forma que é
corriqueiro envolver mais de um ente político quando da ocorrência de dano ao
ambiente de monta. E isso se reflete na distribuição de competências, na medida em
que alguns Estados podem proteger seu meio ambiente com mais eficiência do que
outros, de modo a levar à evasão da atividade regulada para outro Estado, onde não
encontra regulação ou onde ela é menos rigorosa169. Daí destaca-se a importância
167 “Art. 1º-A. Esta Lei estabelece normas gerais sobre a proteção da vegetação [...]” (destaque
nosso). 168 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Comentário ao art. 1º-A. In: Novo Código Florestal... São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 34. 169 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011, pp. 74-75.
No mesmo sentido: “Interessante verificarmos que o Texto Constitucional, ao atribuir ao Município
competências para legislar sobre assuntos de interesse locais, está-se referindo aos interesses que
atendem de modo imediato às necessidades locais, ainda que tenham repercussão sobre as
necessidades gerais do Estado ou do País. Com isso, questões como o fornecimento domiciliar de
água potável, o serviço de coleta de lixo, o trânsito de veículos e outros temas típicos do meio
ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho no âmbito do Município, embora de interesse local,
76
de haver uma normatização oriunda da União, em ordem de estabelecer um
patamar mínimo de proteção ambiental e, por conseguinte, minimizar eventuais
tratamentos díspares entre Estados sobre determinada atividade econômica.
Do que se expôs, é de se concluir que a competência material em Direito
Ambiental é comum a todos os entes federativos, enquanto que a competência
legislativa é distribuída entre os entes em diferentes graduações: à União,
competem as normas gerais; aos Estados, as regionais e aos Municípios, as locais,
sempre havendo respeito de todas as regras, isto é, ao adaptar uma regra nacional
às realidades regionais ou locais, não podem Estados e Municípios abrandarem a
proteção ao meio ambiente, mas apenas tornar mais rígidos os padrões de
preservação.
2.2.2. Competências Constitucionais Urbanísticas
Em termos de competências urbanísticas, aplica-se igualmente o que foi
exposto anteriormente a respeito da complexidade da distribuição de competências
na Constituição Federal: embora as peculiaridades do Direito Urbanístico imponham
que os interesses por ele tutelado sejam predominantemente da alçada do
Município, certas competências são distribuídas entre a União e Estados-membros,
tornando o tema tão complexo quanto o anterior. Por isso, de início, são elencadas
as normas dispostas no Texto Constitucional a respeito das competências
urbanísticas170:
a) A União possui competência material exclusiva para instituir diretrizes
para o desenvolvimento urbano (art. 21, incisos IX e XX), isto é, para
elaborar normas gerais de urbanismo, planos nacionais e regionais de
ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social;
competência material comum para proteger paisagens naturais notáveis,
proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas
‘não deixam de afetar o Estado e mesmo o país’.” (FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de
Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 133). 170 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 64-65.
77
formas e promover programas de construção de moradias e a melhoria das
condições habitacionais e de saneamento básico (art. 23, incisos III, VI e IX);
e competência concorrente para legislar sobre direito urbanístico, defesa do
solo, proteção do meio ambiente e controle da poluição, e ainda, proteção ao
patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico (art. 24, incisos
I, VI e VII).
b) Estados-membros e Distrito Federal possuem igualmente a
competência material comum para proteger o meio ambiente e combater a
poluição em qualquer de suas formas e promover programas de construção
de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento
básico (art. 23, incisos VI e IX); competência concorrente para legislar,
suplementarmente, sobre direito urbanístico, florestas, flora, conservação da
natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio
ambiente e controle da poluição, e ainda, proteção ao patrimônio histórico,
cultural, artístico, turístico e paisagístico (art. 24, incisos I, VI e VII); e apenas
os Estados-membros possuem competência exclusiva para criar regiões
metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões (art. 25, § 3º).
c) Municípios possuem competência própria para promover, no que
couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle
do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art. 30, inciso VIII) e
para promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a
legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual (art. 30, inciso IX), bem
como competência material para executar a política de desenvolvimento
urbano (art. 182) e formal para elaborar o plano diretor (art. 182, § 1º, CF).
Além de, é claro, poderem suplementar normas gerais federais ou normas
estaduais, com fundamento no art. 30, inciso II.
Diante desta distribuição de competências, verifica-se que, no que tange o
direito urbanístico, é a competência concorrente de grande importância. Nessa linha
de ideias, José Afonso da Silva apresenta especial preocupação com o conteúdo
das normas gerais. Inicia sua lição definindo normas gerais como “normas de leis,
ordinárias ou complementares, produzidas pelo legislador federal nas hipóteses
previstas na Constituição, que estabelecem princípios e diretrizes da ação legislativa
78
da União, dos Estados e dos Municípios”171 e alerta que as normas gerais, por
serem limitadoras da autonomia dos Estados e Municípios, devem ser
“compreendidas em sentido estrito”172, visando evitar a invasão de competência do
Município por parte do legislativo federal173. Para tanto, o doutrinador entende que o
conteúdo da norma geral deve ser cautelosamente fixado, através de algumas
diretrizes que ele mesmo indica, a saber, (1) devem estar expressamente previstas
na Constituição, (2) devem fixar princípios e diretrizes para o desenvolvimento
urbano nacional, (3) estabelecendo conceitos básicos de atuação, (4) indicando os
instrumentos para sua execução.
No que tange os instrumentos para execução dos planos urbanísticos, em
especial, os instrumentos de estímulo e desestímulo de comportamentos dos
jurisdicionados, Daniela Libório destaca o papel fundamental da norma geral para
contribuir para o desenvolvimento equilibrado do país:
[o] incentivo a certas atividades degradantes ou que ofereçam um grande potencial de risco aos trabalhadores ou à região em que são instaladas deve ser feito com cautela. O ente federal, neste sentido, pode estimular ou desestimular certas atividades ou condutas tendo como princípio o desenvolvimento equilibrado da região, considerando o contexto regional perante a Nação.174
Com isto, a doutrinadora relaciona o poder federal de editar normas gerais
com o dever de buscar o desenvolvimento equilibrado das atividades em seu
território. Neste mesmo sentido, José Afonso da Silva entende que o
desenvolvimento urbano a ser elaborado pelo legislativo federal deve obedecer ao
limite das diretrizes gerais para a adequada distribuição espacial da população e das
atividades econômicas:
O desenvolvimento urbano consiste na ordenada criação, expansão, renovação e melhoria dos núcleos urbanos. Não é objeto das normas gerais promover em concreto esse desenvolvimento, mas apenas apontar o rumo geral a ser seguido, visando a orientar a adequada distribuição espacial da população e das atividades econômicas com vistas à estruturação do sistema nacional de cidades e à melhoria da qualidade de vida da população.175
171 Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 67. 172 Ibid., p. 67. 173 Ibid., p. 67-68. 174 DI SARNO, Daniela Campos Libório. Competências Urbanísticas. In: DALLARI, Adilson Abreu;
FERRAZ, Sérgio (Coords.). Estatuto da Cidade... São Paulo: Malheiros, 2006, p. 67. 175 Op. cit., p. 68.
79
Não se pode deixar de mencionar artigo de Diogo de Figueiredo Moreira
Neto que, baseado em diversos autores, bem explorou o delicado tema dos limites
da competência entre Município e União. Após extensa análise do tema, o autor
elenca características que encontrou na doutrina que percorreu, para identificação,
caracterização e definição da norma geral, a saber:
(a) estabelecem princípios, diretrizes, linhas mestras e regras jurídicas
gerais;
(b) não podem entrar em pormenores ou detalhes, nem esgotar o assunto
legislado;
(c) devem ser regras nacionais, uniformemente aplicáveis a todos os entes
públicos;
(d) devem ser regras uniformes para todas as situações homogêneas;
(e) só são cabíveis quando preencham lacunas constitucionais ou
disponham sobre áreas de conflito;
(f) devem referir-se a questões fundamentais;
(g) são limitadas, no sentido de não poderem violar a autonomia dos
Estados e
(h) não são normas de aplicação direta176.
Este mesmo autor elenca uma “sobrecaracterística” da norma geral, que,
tamanha sua importância, merece ser tratada separadamente: trata-se de um
“conceito-limite”. E ele mesmo explica:
As normas gerais, enquanto normas, são impositivas de limites. O que as torna peculiares, todavia, são seus endereçamentos no contexto de poder organizado numa federação. Elas endereçam limites, ao mesmo tempo, para os legisladores federais e estaduais embora possam estendê-los para os aplicadores federais e, eventualmente, os estaduais: nessa plurivalência, sua
176 Competência concorrente limitada: O problema da conceituação das normas gerais. In: Revista de
Informação Legislativa. Brasília, ano 25, nº 100, out.-dez. / 1988, pp. 149-150.
80
peculiaridade; que a torna, como procuraremos demonstrar, um tertium genus normativo.177
Por oportuno, reiteramos aqui que tanto no caso da competência para
promover o ordenamento territorial e para planejar o uso e parcelamento do solo
urbano, como no caso da Política de Desenvolvimento Urbano, ainda que o
Município detenha a competência derivada diretamente da Constituição Federal,
deverá obedecer às normas gerais instituídas pela União Federal178, em virtude da
expressão “no que couber” do art. 30, inciso VIII, e “conforme diretrizes gerais
fixadas em lei”, constante da redação do caput do art. 182. São leis federais que
devem ser observadas pelos municípios a Lei nº 6.766/79 (Lei de Parcelamento do
Solo) e a Lei nº 10.257/01 (Estatuto da Cidade).
A este respeito, convém colacionar uma peculiaridade consignada ainda por
Diogo de Figueiredo Moreira Neto, à época da promulgação da Constituição de
1988: este autor considerava “redundante [a] ressalva [contida nas Cartas de 1967 e
1969] de que deveria ser ‘respeitada a lei federal’, obviamente inafastável em
qualquer das modalidades de competência concorrente”179. A partir da leitura deste
artigo, pode-se inferir que foi excluído, por ser considerado “redundante”, o art. 77 do
Anteprojeto da Comissão Afonso Arinos180, que assim estava redigido: “No exercício
da legislação suplementar, os Estados observarão a lei federal de normas gerais
preexistentes. [...]” Corrobora este entendimento outro trecho do mesmo artigo que,
ao comentar a então novel competência comum do atual art. 24, CF, assim ficou
registrado:
Uma consideração preliminar desse instituto [competência comum do art. 24] nos mostra que, sucessivamente, a lei federal (Bundes) prevalece sobre a estadual (Landes) e (peculiaridade nacional agora ainda mais acentuada) sobre a municipal (Kreis), de modo que a conhecida expressão, que resume tão bem as soluções de conflitos na competência clássica poderia estender-se assim: ‘Bundesrecht bricht Landesrecht und Kreisrecht; landesrecht bricht Kreisrecht’.181
177 Competência concorrente limitada: O problema da conceituação das normas gerais. In: Revista de
Informação Legislativa. Brasília, ano 25, nº 100, out.-dez. / 1988, p. 152. 178 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009,
pp. 342-343. 179 Op. cit., p. 135, itálicos nossos. 180 O Anteprojeto da Comissão Afonso Arinos deu origem ao texto da Constituição Federal de 1988. 181 Op. cit., p. 139. Neste ponto, o autor destaca o surgimento da autonomia administrativa e
legislativa dos Municípios na Carta de 1988, novidade à época.
81
Com isto, pretende-se demonstrar que a competência urbanística está
concentrada em poder dos Municípios. Não obstante, a edição de normas gerais por
parte da União não importa em automática invasão de competência das esferas
locais. A norma geral deve, sim, se manter nos estritos limites de fixação de
parâmetros nacionais, enunciadora de molduras de comportamentos a serem
preenchidas pelos Estados, Distrito Federal e Municípios. E, assim, devem os
legisladores estaduais, distritais e municipais obediência à norma geral, pois a eles é
destinada, como norma que estabelece um padrão, um limite, um standard jurídico a
ser observado em todo o território nacional. E esta obediência não fere a autonomia
municipal ou estadual; em verdade, reforça o vínculo federativo, na medida em que
centraliza, na União, poderes para manter a unidade da economia, da justiça social
e da proteção ao meio ambiente, isto é, os padrões nacionais de sustentabilidade.
2.3. Harmonização entre Normas Ambientais e Urbanísticas
A partir das considerações feitas a respeito das competências
constitucionais em matéria ambiental e urbanística, verificou-se que à União sempre
compete estipular normas gerais e planos nacionais e setoriais, os quais devem ser
respeitados e seguidos pelos Estados e Municípios, ainda que estes últimos
exerçam sua competência supletiva. Para o exercício desta competência da União,
alguns limites devem se seguidos, evitando-se, assim, a indesejável invasão de
competência da atividade legiferante de um entre sobre os demais.
A par disto, no nível infraconstitucional, ou seja, no exercício desta
competência para expedir normas gerais, constata-se que o legislador
frequentemente recomenda a aplicação de diversos diplomas legais em uma mesma
situação concreta, confira-se:
(a) o Estatuto da Cidade expressamente finca suas bases na proteção,
preservação e recuperação do meio ambiente natural (art. 2º, inciso XII).
Com isto, quer o legislador nacional englobar não só os princípios
ambientais decorrentes do art. 225 da Constituição Federal, como também
todo o arcabouço legislativo descrito nas normas ambientais, sendo os
82
principais a Política Nacional do Meio Ambiente, Política Nacional de
Resíduos Sólidos, Código Florestal, o Código de Águas182 etc.;
(b) a Lei de Parcelamento de Solo Urbano (Lei nº 6.766/79), por sua vez,
deixa expresso que “Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão
estabelecer normas complementares relativas ao parcelamento do solo
municipal para adequar o previsto nesta Lei às peculiaridades regionais e
locais” (art. 1º) e determina que sejam observadas as legislações estaduais
e municipais pertinentes (art. 2º, caput);
(c) o Código Florestal atual também faz constar o respeito às normas de
urbanismo: note que faz diversas remissões à Lei de Regularização
Fundiária (art. 3º, incisos IX e XXVI; arts. 64 e 65) e ao Estatuto da Cidade
(art. 25, inciso I) e outras leis municipais (art. 3º, inciso VIII, alínea ‘b’; art.
19) etc. Outros exemplos poderiam aqui ser citados, mas preferiu-se manter
o foco sobre os diplomas normativos abordados nesta dissertação.
Como se vê, a harmonização entre normas ambientais e urbanísticas é
estimulada pelo legislador nacional. A doutrina de Victor Carvalho Pinto corrobora
este entendimento, ao sugerir que as leis municipais sejam elaboradas levando-se
em consideração as diretrizes e objetivos fixados em lei federal:
[...] incumbe ao município promover o ordenamento territorial do solo urbano. A aplicação direta dos critérios definidos em lei federal nas áreas urbanas resultaria em um ordenamento territorial urbano federal, o que é inconstitucional. As normas federais devem, isso sim, ser levadas em consideração pelo município na elaboração do plano diretor e demais planos urbanísticos, como uma diretriz a ser compatibilizada com os demais objetivos da política urbana.183
Deste modo, o autor recomenda o atendimento às competências
constitucionais, seguindo-se as normas gerais ambientais elaboradas pelo Poder
Legislativo federal e respeitando também o poder normativo dos municípios, na
esfera de suas atribuições, qual seja, o ordenamento territorial urbano, de forma
182 SUNDFELD, Carlos Ari. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais. In: DALLARI, Adilson Abreu;
FERRAZ, Sérgio (Coords.). Estatuto da Cidade... São Paulo: Malheiros, 2006, pp. 49-50; CAROLO,
Fabiana. As Regularizações Fundiárias de Interesse Social... In: Revista da Fundação Escola Superior
do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Brasília, Ano 19, Edição Especial, pp. 100-131,
nov. 2011, p. 104. 183 PINTO, Vitor Carvalho. Direito Urbanístico... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 134,
destacamos.
83
mais concreta184. Pode-se dizer, portanto, que a solução apontada pelo autor
encontra apoio na Constituição Federal (como apresentado no tópico anterior), na
medida em que a norma geral nacional não pode ter aplicação imediata, já que é
endereçada ao legislador estadual e municipal, que a utilizará como parâmetro para
sua regulamentação regional e local.
Todas essas evidências nos levam à uma mesma conclusão: a sociedade
contemporânea, considerando seu nível de complexidade e tecnicidade, não
comporta mais normas jurídicas estanques em si mesmas e fechadas à interação
com outros diplomas normativos, mas sim deve ter a aplicação articulada das leis
pertinentes ao caso concreto, melhor dizendo: de tantas leis quantas forem as
pertinentes ao caso concreto. Com isto, é evidente que, assim como vem ocorrendo
em qualquer profissão, o papel do aplicador do Direito torna-se também mais
complexo, a exigir conhecimento multidisciplinar (de diversos ramos do Direito) e,
muitas vezes, até mesmo conhecimento específico de outras áreas do saber
(Economia, Arquitetura, Urbanismo, Geografia, Biologia etc.). E este movimento
culmina, necessariamente, na harmonização das normas ambientais e urbanísticas
quando da atividade de solução de um caso prático.
2.4. Aplicação do Código Florestal às Áreas Urbanas
Em continuidade, visando retornar ao tema principal de estudo, passa-se à
análise da aplicação do Código Florestal às áreas urbanas, com o fim de conferir
mais concretude ao quanto se argumentou até este ponto. Para tanto, introduz-se o
tema em perspectiva histórica, para sua melhor compreensão.
Quando da vigência do Código Florestal de 1965, o texto da Lei possibilitou
interpretações diferentes a respeito da aplicação de áreas de preservação
permanente em zona urbana. Isto porque a Lei, ao trazer a definição da APP, não
dizia expressamente que se aplicava à área urbana (como hoje ocorre no art. 4º da
Lei nº 12.651/12).
184 PINTO, Vitor Carvalho. Direito Urbanístico... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 134.
84
Deste modo, ainda que o legislador tivesse a intenção de tornar área
permanentemente protegida aquelas situadas nas cidades, críticas existiram, assim
como forte corrente contrária. Visando pacificar os entendimentos, a Lei nº 6.535/78
alterou o Código Florestal para incluir no conceito de APP “as florestas e demais
formas de vegetação natural situadas: [...] i) nas áreas metropolitanas definidas em
lei.” Porém, tal modificação foi revogada pela Lei nº 7.803, de 18 de julho de 1989,
que também acrescentou parágrafo único ao art. 2º, com a seguinte redação:
No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, obervar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo.
Ou seja, a aplicação do Código Florestal, no que tange às APPs em cidades,
seria, então, subordinada às leis municipais (leia-se: subordinada ao interesse das
administrações locais), em especial, ao plano diretor e à regulamentação de uso do
solo. Não obstante, a legislação municipal também deveria respeitar os princípios e
limites do art. 2º do Código Florestal. Contudo, este entendimento nunca foi pacífico.
Em que pese a orientação da legislação185, a redação do parágrafo acima
transcrito não foi suficiente para aplacar as alegações daqueles que entendiam
inexistir APP nas áreas urbanas. Parte da doutrina e da jurisprudência entendia que
deveria viger, nas cidades, o disposto no art. 4º, inciso III, da Lei de Parcelamento do
Solo Urbano (Lei nº 6.766/79)186; enquanto que nas zonas rurais, aplicável o Código
Florestal. Com isto, as áreas que margeassem rios, rodovias, ferrovias e dutos em
cidades estariam dispensadas da manutenção das áreas de preservação
permanente, mas teriam que manter área non aedificandi, que, por sua vez, seria
sempre de quinze metros. Tal entendimento era defendido, em geral, pelos
loteadores, que não tinham interesse em obedecer ao Código Florestal.
185 O trecho final do parágrafo único do art. 2º da Lei nº 4.771/65 dizia: “obervar-se-á o disposto nos
respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere
este artigo”, enquanto que a Lei nº 6.766/79 também fazia a ressalva: “salvo maiores exigências da
legislação específica”. 186 “Art. 4º. Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos: (...)III - ao longo
das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio público das rodovias, ferrovias e dutos,
será obrigatória a reserva de uma faixa non aedificandi de 15 (quinze) metros de cada lado, salvo
maiores exigências da legislação específica;”
85
Por sua vez, a doutrina ambientalista187 entendia serem aplicáveis
simultaneamente ambas as regras, sempre que fosse o caso de loteamento urbano,
de modo que as áreas non aedificandi não derrogavam as APPs. Neste
entendimento, a margem de rio, verba gratia, deveria ser mantida sem construção
por quinze metros (referentes à área non aedificandi) e, quando a APP fosse de
trinta metros, outros quinze metros adicionais deveriam ser preservados, por força
do Código Florestal.
Pior situação ocorria nos casos de águas dormentes (lagos, lagoas e
reservatórios naturais e artificiais), para as quais o Código Florestal de 1965
determinava a preservação permanente do entorno, porém não indicava a
metragem, o que foi definido através de regulamentação do Conselho Nacional do
Meio Ambiente (Resolução CONAMA nº 004/85). Para tais casos, havia ainda o
argumento de que resolução não poderia se sobrepor à lei ordinária, objeto de
discussão no âmbito do Poder Legislativo, representativo da sociedade.
Não apenas esta era a discussão posta, mas também havia quem
entendesse que os limites referidos no art. 2º da Lei nº 4.771/65 eram limites
máximos (e não mínimos); assim, leis municipais poderiam estabelecer limites
inferiores, legitimando, uma vez mais, apenas a aplicação da Lei de Uso do Solo
Urbano. Daniel Fink e Márcio Pereira, ao tratarem desta celeuma, rebateram de
forma bem objetiva e clara a este argumento falacioso:
Fosse a vontade da lei que, em se tratando de propriedade urbana, os limites pudessem ser inferiores aos do Código Florestal, seriam absolutamente inúteis as expressões ‘respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo’, bastando deixar para as normas locais e planos diretores o estabelecimento de tais limites.188
Adicionalmente, note que a mesma Lei de Parcelamento de Solo Urbano
proíbe o parcelamento do solo em áreas de preservação ecológica, em seu art. 3º,
187 Neste sentido: ver MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo:
Malheiros, 2008; SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros,
2011; FINK, Daniel Roberto; PEREIRA, Márcio Silva. Vegetação de preservação permanente e meio
ambiente urbano. In: Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 2, p. 77,
abr. / 1996. 188 Ibid., p. 6.
86
parágrafo único, inciso V189, o que, repita-se, reforça a possibilidade de vigência
simultânea das leis e demonstra o respeito recíproco entre a lei urbanística e a lei
ambiental.
Ainda em sentido contrário à orientação do Código Florestal e do Estatuto da
Cidade, vale mencionar a tentativa do Congresso Nacional de tornar mais flexível a
ocupação de áreas de preservação permanente em áreas urbanas, ao aprovar a Lei
nº 10.931/04, que, em seu art. 64, dispunha que “Na produção imobiliária, seja por
incorporação ou parcelamento do solo, em áreas urbanas e de expansão urbana,
não se aplicam os dispositivos da Lei 4.771, de 15.09.1965”. Contudo, este artigo foi
vetado pelo Presidente da República, por contrariar o previsto no art. 225 da
Constituição Federal. Com efeito, a manutenção do referido dispositivo acabaria por
afastar boa parte das condicionantes ambientais referentes à ocupação do espaço
urbano e, consequentemente, permitiria o desmatamento quase que sem restrições,
a partir da simples declaração de uma área como urbana ou de expansão urbana.190
Victor Carvalho Pinto191 oferece mais uma solução deveras adequada, no
sentido de que as áreas de preservação permanente sejam ocupadas pelo plano de
ordenamento territorial aproveitando-se sua função ecológica, sob o regime de
parques, como exemplifica. Tal sugestão contribui também para evitar a ocupação
irregular por população de baixa renda. Com isso, poderão os municípios evitar a
transgressão da norma federal.
E, finalmente, a partir de 2012, com o advento do novo Código Florestal, a
tendência é a pacificação deste entendimento, já que o art. 4º da Lei 12.651/12
dispõe expressamente que “Considera-se Área de Preservação Permanente, em
zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei: [...]” (destacamos). Neste sentido,
andou bem a lei em tornar explícito que as APPs devem ser protegidas também nas
cidades, evitando textos ambíguos, que geravam inúmeras interpretações e
contendas judiciais. Esta proteção também deve ser estendida às áreas mais
ocupadas, em razão de sua função ambiental, já destacada no capítulo 1.
189 Art. 3º, parágrafo único: “Não será permitido o parcelamento do solo: (...) V – em áreas de
preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a
sua correção.” 190 MOREIRA, Danielle de Andrade. O conteúdo ambiental dos planos diretores e o Código Florestal.
In: Revista de Direito Ambiental. Vol. 49, p. 73-95, jan. / 2008, p. 80. 191 Direito Urbanístico... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 134.
87
Neste novo cenário legal, observa-se que o texto expresso da lei (art. 4º
acima mencionado) anda em consonância com os princípios do Direito Ambiental e
do Direito Urbanístico, que recomendam a interação entre suas normas, como
mencionado no tópico anterior (Lei de Parcelamento do Solo, Estatuto da Cidade,
Lei de Regularização Fundiária, etc.) e, por este motivo, espera-se que o dilema que
ocorria no passado seja superado com a contribuição dada pela nova
regulamentação.
88
3. Regularização Fundiária
Nos grandes centros urbanos do Brasil, desde a década de 1970, houve a
consolidação da situação de moradia irregular, em condições precárias, por meio de
loteamentos clandestinos e invasões de terras urbanas disponíveis (públicas ou
particulares), o que, por conseguinte, gerou (e ainda gera) aglomerados urbanos que
crescem diariamente e se tornaram verdadeiros bairros informais (por exemplo
Heliópolis, na cidade de São Paulo, e a Rocinha, no Rio de Janeiro), como relata
Lígia Melo192. Estes aglomerados urbanos – inobstante a falta de infraestrutura
básica de equipamentos de infraestrutura – se configuram como a melhor solução
encontrada por parte da população, quando ausentes condições econômico-
financeiras para custear uma moradia adequada. Segundo a mesma autora, a
execução de obras pontuais nestas comunidades é feita após reivindicação da
população assentada, mediante troca por votos em época de eleições: neste
contexto, não há um plano de inserção dos bairros no planejamento urbano do
município193, mas apenas alterações pontuais e frequentemente oportunistas.
Nesses quadros é frequente a ausência de sistema de saneamento básico, o
que causa, como consequência, a poluição de rios, riachos, lagos, represas e
mares, que afetam não apenas a referida comunidade, mas também toda a região
em que se desenvolve a ocupação regular, e até mesmo outros Estados da
Federação. Além disto, quando a ocupação se dá em área de risco – tais como
encostas de morro, áreas geologicamente instáveis, beira de rios, charcos e
várzeas, isto é, em alguns tipos de áreas de preservação permanente –, a
vulnerabilidade desta população é ainda maior, em razão da ocorrência de
deslizamentos e inundações, que destroem vidas e o pouco de bens acumulados. E,
não bastando a tragédia, aqueles que passam por esta situação são, muitas vezes,
realocados pelo Poder Público em local impróprio, segundo a mesma autora194.
192 Direito à Moradia no Brasil... Belo Horizonte: Fórum, 2010, pp. 28, 255-257. 193 Ibid., p. 256. 194 Ibid., p. 257.
89
Trata-se de eventos que, não raras vezes, ocorrem nas cidades e metrópoles
brasileiras, em especial em épocas de chuvas. Em tempos de valorização do
mercado imobiliário, a remoção é feita sempre que necessário para receber
investimentos, e sem qualquer planejamento.
3.1. Déficit Habitacional e Ordem Jurídica
Considerando a situação precária de habitação de milhões de pessoas no
Brasil, a sistematização das leis que dizem respeito à moradia é assunto de relevo,
uma vez que se trata de tema que reflete a desigualdade social e econômica e que
mantém grande contingente da população à margem de condições mínimas de
sobrevivência195. Isto porque parte da população economicamente desfavorecida,
como já mencionado, sem condições financeiras de pagar pelo preço da terra em
bairros dotados de infraestrutura pública – ou seja, com arruamento organizado e
interligado à rede de transporte público, instalações de saneamento básico,
iluminação pública, coleta de resíduos, estabelecimentos de ensino público e saúde,
entre outros –, buscou estabelecer sua moradia em áreas e terrenos públicos e
particulares mais distantes, que não estivessem sendo utilizados ou vigiados.
Em trabalho desenvolvido em 2002 pelo Instituto Pólis196, apontou-se que
esta urbanização informal traz consequências socioeconômicas, urbanísticas e
ambientais graves, que afetam, além dos assentamentos informais, a cidade e a
população urbana como um todo. No que toca o aspecto ambiental, que é o que se
destaca no presente estudo, o Instituto Pólis informa que é comum que os
assentamentos irregulares tomem as áreas ambientalmente frágeis, já que
normalmente são protegidas legalmente por fortes restrições de uso e, portanto,
195 Segundo o Censo Demográfico de 2010 do IBGE, mais de 11 milhões de brasileiros vivem em
“aglomerados subnormais” no País, termo utilizado pelo Instituto para identificar assentamentos
irregulares em geral, tais como favelas, invasões, palafitas etc. 196 Regularização da Terra e Moradia. Pólis, 2002, pp. 12-13.
90
deixam de ser atrativas ao mercado imobiliário formal. Estas áreas caem, então,
num vazio demográfico que as torna propícias à ocupação clandestina197. Neste
sentido, conclui o estudo que a ordem jurídica também possui importante papel na
produção da informalidade urbana, na medida em que a propriedade, quando
desprovida de sua função social, resulta num “padrão essencialmente especulativo
do crescimento urbano”, que traz ainda segregação social, espacial e ambiental. A
dificuldade de acesso ao Poder Judiciário também foi destacada como fator para a
consolidação da ilegalidade e da segregação198.
Embora o estudo aponte que a ocupação irregular pode ocorrer de várias
formas (favelas, ocupação, loteamentos clandestinos ou irregulares, cortiços etc.),
concluiu que podem ocorrer em áreas loteadas e ainda não ocupadas, áreas
alagadas, áreas de preservação ambiental, áreas de risco e terrenos destinados a
uso coletivo, a equipamentos comunitários, a programas habitacionais, a praças ou
parques. Pela diversidade, infere que não é possível traçar critérios e estratégias
válidos para todas as situações, razão pela qual recomenda que cada situação fática
seja analisada por meio de vários fatores, visando à melhor solução. Chama a
atenção o fato de que as irregularidades urbanísticas tendem aos espaços
ambientalmente frágeis – tais como áreas alagadas (área de várzea, manguezal,
salgados, apicuns, áreas úmidas, etc.), áreas de preservação ambiental199 e áreas
de risco (encostas íngremes, por exemplo). E vale reproduzir aqui um alerta:
A informalidade entre os mais pobres precisa ser urgentemente enfrentada. Mesmo sendo a única opção de moradia permitida aos pobres nas cidades, não se trata de uma boa opção, em termos urbanísticos, sociais e ambientais, e nem sequer de uma opção
197 No mesmo sentido: MELO, Lígia. Direito à Moradia no Brasil... Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.
255. 198 É importante observar que o trabalho do Instituto Pólis data de 2002 e, na última década, houve
evolução tanto com relação à função socioambiental da propriedade – uma vez que o Novo Código
Civil passou a viger em 10.01.2003 –, quanto ao acesso ao Judiciário – em especial em virtude da
sedimentação do Estatuto da Cidade e das Defensorias Públicas estaduais, atuantes nas áreas de
regularização fundiária. Esta evolução não invalida, contudo, o levantamento feito pelo trabalho de
pesquisa. 199 CAROLO, Fabiana. As Regularizações Fundiárias de Interesse Social... In: Revista da Fundação
Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Brasília, Ano 19, Edição
Especial, pp. 100-131, nov. 2011, p. 100.
91
barata, já que o crescimento das práticas de informalidade e o adensamento das áreas ocupadas têm gerado custos elevados de terrenos e aluguéis nessas áreas, além de altos custos e baixa qualidade de gestão das próprias cidades. Em outras palavras, os pobres no Brasil têm pago um preço muito alto – em vários sentidos – para viverem em condições precárias, indignas e cada vez mais inaceitáveis.200
Como se vê, a urbanização informal envolve a lesão a fundamentos e
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, expressos nos arts. 1º e
3º da Constituição Federal, a saber: a cidadania, a dignidade da pessoa humana, a
construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento
nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das
desigualdades sociais e regionais, bem como a promoção do bem de todos201. Por
este motivo também é que o Instituto Pólis aponta que:
os programas de regularização devem objetivar a integração dos assentamentos informais ao conjunto da cidade, e não apenas ao reconhecimento da segurança individual da posse para os ocupantes. [...] a remoção pura e simples da população, para atender ao estabelecido na lei, se mostra socialmente insustentável – ao mesmo tempo [em] que a regularização das ocupações não tem como atender aos parâmetros legais.202
Neste contexto, é necessária – senão imprescindível – uma legislação
dedicada ao tema que proteja o direito à moradia e viabilize a regularização das
ocupações ilegais, e mais, dê efetividade e concretude a este direito. Veremos nos
próximos itens a evolução do ordenamento jurídico, no que tange a estes temas.
3.2. Histórico Legislativo do Direito à Moradia
3.2.1. Direito à Moradia na Comunidade Internacional
A partir da Carta de Atenas203, o Urbanismo e o Direito Urbanístico tomaram
uma nova concepção, mais moderna. Neste movimento, foram definidas como
200 INSTITUTO PÓLIS. Regularização da Terra e Moradia. Pólis, 2002, p. 13. 201 “A irregularidade mais significativa nos assentamentos informais é, justamente, estar muito
abaixo dos padrões estabelecidos pela legislação” (INSTITUTO PÓLIS. Ibid.,p. 18). 202 Ibid., pp. 16-18. 203 A Carta de Atenas foi um manifesto urbanístico, redigido pelo arquiteto Le Corbusier, resultante
do IV Congresso Internacional de Arquitetura Moderna, realizado em Atenas, em 1933. A Carta de
Atenas é referência atual para o urbanismo moderno.
92
funções essenciais da cidade a habitação, o trabalho, o lazer e o transporte. Lígia
Melo informa que:
a cidade apenas exerce sua função quando permite a todos aqueles que nela residem ou por ela circulem o acesso aos direitos fundamentais garantidos não somente em nossa Constituição, mas em grande parte dos textos legais pelo mundo. Seu pleno desenvolvimento pode ser verificado quando houver redução das desigualdades sociais, promoção da justiça social, em que políticas públicas de desenvolvimento urbano prevejam a modificação da realidade excludente e segregatória.204
Destaca-se, no presente estudo, a função de moradia, com seu respectivo
direito205. É o ponto de partida para uma sociedade justa e solidária proposta pela
Constituição da República Federativa do Brasil, visto que a moradia adequada é
imprescindível para reduzir a pobreza, a marginalização e as desigualdades sociais,
objetivos fundamentais estampados no art. 3º, inciso III da Constituição. Novamente
é Lígia Melo que acrescenta que “a garantia do direito de morar dignamente faz
parte do direito ao pleno desenvolvimento e emancipação econômica, social e
cultural do indivíduo, tendo fonte no direito que toda pessoa tenha um nível
adequado de vida”206. Antes deste movimento urbanista, já existiam normas
urbanísticas, porém com preocupação mais voltada para as questões sanitárias e
estéticas. Aos poucos, a legislação evoluiu para incorporar elementos publicistas,
tais como o conceito de função social da propriedade (peça-chave ou princípio
fundamentador do direito urbanístico207 e importante direito fundamental) e de uso e
ocupação do solo208.
Ao lado destes elementos, a função social da cidade, o direito a cidades
sustentáveis, o bem-estar de seus habitantes e sua gestão democrática também
foram paulatinamente incorporados ao ordenamento jurídico pátrio, dando suporte
para o enfrentamento da questão dos assentamentos urbanos irregulares
(regularização fundiária), um dos problemas mais complexos existentes na maioria
204 Direito à Moradia no Brasil... Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 32. 205 O direito à moradia é o verso da moeda das ocupações irregulares, a serem remediadas mediante
processo de regularização fundiária. 206 Ibid., p. 34. 207 PINTO, Victor Carvalho. Direito Urbanístico... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 161. 208 DI SARNO, Daniela Campos Libório. Direito Urbanístico Moderno... São Paulo: PUC/SP, 2002, pp.
19-44.
93
das cidades brasileiras, viabilizando a concretização do direito à moradia
adequada209.
A moradia, no Direito contemporâneo, foi reconhecida no rol de Direitos
Humanos, como se vê no art. 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (de
1948), no art. 11 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
(de 1966) e item 31 da Declaração de Viena (de 1993), Agenda 21 (de 1992), para
mencionar os principais diplomas internacionais. Mas foi através do citado Pacto
Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966 (ratificado pelo
Brasil mediante o Decreto nº 592, de 6 de julho de 1992), que houve a assunção de
obrigações e responsabilidades pelos Estados membros de promover e proteger o
direito à moradia, seja por seus esforços próprios, seja por meio de assistência e
cooperação internacional (arts. 2º e 11).
Conferências específicas sobre o tema moradia ocorreram em 1976
(Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos – HABITAT I) e
1996 (Conferência sobre Assentamentos de Istambul – HABITAT II, donde surgiu a
Agenda Habitat, relevante documento a este respeito, com princípios, metas,
compromissos e um plano global para as nações sobre a melhoria dos
assentamentos humanos). A partir de então, o direito à moradia foi reafirmado como
um direito humano, o que confere ao Estado o dever de assegurá-lo210, e confere ao
próprio direito a possibilidade de ser defendido no plano internacional em face do
Estado descumpridor de suas responsabilidades.
E mais: uma vez alçado ao plano de direito humano, o direito à moradia não
pode ter seu conteúdo restringido ou suprimido, mas apenas aprimorados e
fortalecidos, como ensina Flávia Piovesan211. Lígia Melo deixa expresso que:
209 SAULE JÚNIOR, Nelson. Prefácio. In: MELO, Lígia. Direito à Moradia no Brasil... Belo Horizonte:
Fórum, 2010, p. 15. 210 SAULE JÚNIOR, Nelson. O Direito à Moradia como Responsabilidade do Estado Brasileiro. In:
SAULE JÚNIOR, Nelson (Coord.). Direito à Cidade... São Paulo: Max Limonad e Pólis – Assessoria,
Formação e Estudos em Políticas Sociais, 1999, p.64. 211 Temas de Direitos Humanos. São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 56.
94
A demonstração da previsão internacional sobre o direito à moradia ilustra a densidade que ele possui, identificando-o como inerente ao exercício da cidadania, a qual não se completa sem o acesso da moradia adequada. [...] A moradia é um direito inerente à pessoa humana, vinculado ao direito humano a um padrão de vida adequado, e não se extingue com a violação de quaisquer regras de direito por seu detentor, pois inalienável 212.
3.2.2. Direito à Moradia em Território Nacional
Sobre este tema, a legislação que vigia até o século XX não só era
insuficiente, como agravava a exclusão das comunidades de baixa renda: em
primeiro lugar, porque a definição legal da propriedade privada (assim com sua
aplicação pelos tribunais pátrios), até então, não contava com o conceito de função
social da propriedade – prevista constitucionalmente no art. 5º, inciso XXIII, mas não
descrita pela legislação ordinária: isto resultava num padrão essencialmente
especulativo de crescimento urbano213. Em segundo lugar, as poucas leis
urbanísticas existentes à época não levavam em conta seu impacto socioambiental,
mantendo a população mais carente em situação de ilegalidade, sem possibilitar sua
inclusão social ou mesmo a instalação de sua moradia em local adequado. Lígia
Melo acrescenta que:
A ausência de políticas públicas para a habitação aumentou a procura da população pobre e desprovida de recursos materiais pelo acesso à habitação, sem a capacidade de atender ao exigido pelo mercado imobiliário. Tal conjuntura, provocada pela atuação especuladora e livre do mercado, com o apoio ativo ou omisso do Poder Público, levou tais pessoas a ocupar irregularmente imóveis sem infraestrutura, situados, muitas vezes, em áreas ambientalmente frágeis, que só pioram a situação de exclusão social e degradação ambiental e humana.214
212 Direito à Moradia no Brasil... Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 37-39. 213 INSTITUTO PÓLIS. Regularização de Terra e Moradia. Pólis, 2002, pp. 12-13. 214 Op. cit., p. 22.
95
Como já se viu, o aspecto legal deste quadro está em constante alteração no
cenário internacional, desde a segunda metade do século XX. No Brasil, as
alterações ocorreram de forma mais concreta na primeira década deste século XXI,
a partir do advento da Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000.
Esta Emenda reforçou a característica do direito à moradia como um direito social
fundamental, e, por conseguinte, colocou fim a qualquer tese contrária a isto. Além
disto, a Emenda nº 26 trouxe o fundamento constitucional necessário para a
promulgação de importantes leis imprescindíveis ao processo de regularização
fundiária, a saber:
a) O novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002), que
confere os contornos da função socioambiental da propriedade privada,
b) O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001), que
trouxe diversos instrumentos para que o Poder Público possa realizar, em
concreto, a regularização fundiária,
c) A Lei nº 11.977, de 07 de julho de 2009, que institucionalizou o
Programa Minha Casa Minha Vida e os programas de regularização
fundiária, foi importante ao integrar as licenças urbanísticas e ambientais,
d) Mais recentemente, o novo Código Florestal (Lei nº 12.651, de 25 de
maio de 2012, com as alterações da Lei nº 12.727, de 17 de outubro de 12)
conferiu uma sistematização mais coerente para os casos em que a
regularização fundiária deve ser efetuada em áreas ambientalmente
sensíveis.
Este aparato legislativo equipou o Poder Público para operar as
transformações sociais e efetivar o direito à moradia nas áreas de mais risco social,
ambiental e à saúde, através dos processos de regularização fundiária. Isto porque,
embora os direitos humanos sociais estejam na base da Constituição da República
Brasileira, assim como ocorre na maioria dos Estados contemporâneos, Nelson
96
Saule Júnior esclarece que isto não significa sua efetivação e concretização em seu
pleno gozo e exercício215. Esta ausência de efetividade ou concretude para os
direitos fundamentais (individuais, políticos e sociais) também foi anotada por Ana
Paula de Barcellos:
Desde o início do século XX, portanto, tem-se procurado transformar o atendimento dessas necessidades em direitos, introduzindo-os no ordenamento jurídico. Esta foi a fórmula encontrada para afirmar que esses bens fundamentais formam imperativos da dignidade humana, não podendo depender da provisão do mercado. Apesar das previsões normativas, o problema não foi resolvido ao longo do século XX. A sociedade contemporânea (de forma mais grave nos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos, embora o fenômeno não seja desconhecido das grandes potências) convive com um contingente humano que, embora dispondo de um arsenal de direitos e garantias assegurados pelo Estado, simplesmente não tem como colher esses frutos da civilização.216
Esta autora inclui expressamente o direito à moradia no conteúdo do
“mínimo existencial” da dignidade da pessoa humana, no mais constituído também
pelo direito à saúde, à educação e à assistência social aos necessitados. Segundo
ela, é no bojo da assistência social que se insere o direito à moradia (junto com os
demais direitos sociais do art. 6º da Constituição Federal), imprescindível para que o
indivíduo não caia em situação de indignidade217. A partir disto, a autora sintetiza:
A conclusão a que se pode chegar neste ponto é que a assistência social constitucionalmente determinada pretende produzir um efeito no mundo dos fatos, a saber: socorrer os desamparados, como último recurso para garantir a dignidade humana, evitando sua total deterioração.218
Assim é que o direito à moradia faz parte do núcleo rígido, do piso mínimo
vital necessário à manutenção da dignidade humana. Para tanto, o arcabouço
legislativo novo trouxe instrumentos que se transformaram em marcos institucionais
para a implementação da regularização fundiária e, com isto, dar efetividade ao
direito à moradia e à função social da propriedade.
215 O Direito à Moradia como Responsabilidade do Estado Brasileiro. In: SAULE JÚNIOR, Nelson
(Coord.). Direito à Cidade... São Paulo: Max Limonad e Pólis, 1999, p. 68. 216 A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, pp. 115-116. 217 Ibid., pp. 148-190. 218 Ibid., p. 190.
97
3.3. Função Social da Propriedade
Considerando a relevância da função social da propriedade, não só por se
tratar de direito fundamental estampado no art. 5º, inciso XXIII da atual Constituição
Federal, mas também por ser princípio formador do direito urbanístico, do direito
ambiental e da ordem econômica, é indispensável tecer alguns comentários a este
respeito, ainda que sem a pretensão de exaurir o tema.
A função social da propriedade, apesar de já estar presente no ordenamento
jurídico brasileiro desde a Constituição de 1934219, somente deixou de ser mera
citação retórica com a promulgação da Constituição da República de 1988, que
trouxe transformações profundas na disciplina da propriedade privada, ao integrar os
ideais de Estado Social Democrático, isto é, ao prever maior intervenção estatal na
economia, sem deixar de garantir a propriedade privada e a livre iniciativa220. Assim,
foi arrolada no art. 5º, incisos XXII e XXIII, a garantia do direito à propriedade privada
seguida do imperativo: “a propriedade atenderá a sua função social” (itálico nosso).
Adicionalmente, no art. 170, a função social da propriedade foi designada
como princípio formador da ordem econômica, ao lado da livre iniciativa e da
propriedade privada (incisos II e III) – assim como ocorre com a defesa do meio
ambiente (elencado no inciso VI do mesmo artigo) –, e, portanto, deve ser tomada
como premissa das atividades desenvolvimentistas (por exemplo, mercado
imobiliário e de construção civil), colocando limites às ideias liberais extremadas221.
219 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Novos Aspectos da Função Social da Propriedade no Direito
Público. In: Revista de Direito Público. n. 84, 1987, pp, 40-41. 220 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 381; SILVA,
José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 76-77; HUMBERT,
Georges Louis Hage. Direito Urbanístico e Função Socioambiental da Propriedade Imóvel Urbana.
Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 93; LEVIN, Alexandre. Parcelamento, Edificação e Utilização
Compulsórios de Imóveis Públicos Urbanos. Belo Horizonte: Fórum, 2010, pp. 26-27. 221 LEVIN, Alexandre. Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios de Imóveis Públicos
Urbanos, pp. 57-58. Georges Louis Hages Humbert (baseado em J. J. Gomes Canotilho e Vital
98
Numa interpretação sistemática da Constituição sobre o tema, Victor
Carvalho Pinto ensina que a leitura do art. 170 em conjunto com o texto do art. 174
do Texto Magno reflete “um limite preciso à função social da propriedade”, uma vez
que, no que tange as atividades econômicas, não se pode “impor comportamentos
específicos ao setor privado, embora sejam aceitos incentivos a determinadas
atividades, desde que decorram de um planejamento anterior”222. Porém, o mesmo
autor esclarece que o planejamento de políticas urbanas e agrárias se mostra como
exceção a tal regra (do art. 174), porque o exercício da propriedade urbana foi
vinculado constitucionalmente ao plano diretor223, inclusive com a previsão de
sanções para os proprietários que não atenderem ao aproveitamento planificado
(parcelamento e edificação compulsórios, IPTU progressivo no tempo e
desapropriação sanção, conforme consta do art. 182, § 4º.), de modo que o plano
diretor é determinante para a atuação do setor privado224. Corroboram este
entendimento os esclarecimentos de Georges Louis Hage Humbert:
Dessarte, como princípio jurídico da ordem econômica, [a função social da propriedade] tem incidência destacada sobre as matérias pertinentes à política urbana e agrícola, fundiária e de reforma agrária. Neste sentido, funciona como verdadeiro vetor a influir e irradiar sobre todos os atos jurídicos desta natureza. Em outros termos: tanto o legislador, na elaboração da lei, o julgador, ao proferir decisões judiciais, quanto o administrador, ao expedir atos administrativos, devem observar, em última instância, o referido princípio [...].225
Moreira) destaca que a função social da propriedade é princípio jurídico “mais por sua nítida
natureza de norma basilar, dotada de alto grau de generalidade e abstração que se irradia por todo o
sistema” do que por força da dicção do art. 170 da Constituição (Direito Urbanístico e Função
Socioambiental da Propriedade Imóvel Urbana. Belo Horizonte: Fórum, 2010, pp. 99-100). 222 PINTO, Victor Carvalho. Direito Urbanístico... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 179. 223 Art. 182, § 2º.: “A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências
fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.” 224 Ibid., p. 179. Neste mesmo sentido, ver também SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico
Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 79. 225 Direito Urbanístico e Função Socioambiental da Propriedade Imóvel Urbana. Belo Horizonte:
Fórum, 2009, p. 101.
99
A doutrina226 entende que o cumprimento da função social da propriedade
está relacionado com a subordinação dos interesses privados do proprietário ao
interesse coletivo (ou social)227. José Afonso da Silva relaciona também este
cumprimento à realização das funções urbanísticas (habitação, trabalho, recreação e
circulação) ou função social da cidade228. Esta subordinação aos interesses
coletivos ou públicos reflete-se na obrigação do proprietário de se abster de praticar
atos contrários à lei, ao interesse coletivo, assim como a adotar condutas positivas
com o fim de dar destinação ao bem que atenda aos interesses públicos (e não
apenas aos seus próprios interesses)229. E isto pode ser exemplificado com o
atendimento às exigências fundamentais do plano diretor – por determinação do art.
182, § 2º, CF –, assim como da legislação federal, tal como o Código Florestal230.
Cristiane Derani esclarece que:
O direito de propriedade, isto é, o direito de um sujeito para a detenção de determinado bem, só é protegido pelo ordenamento jurídico se este sujeito detentor do jus utendi, fruendi et abutendi, limitado pelas disposições jurídicas, desenvolver seu domínio
226 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 75-82;
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Novos aspectos da função social da propriedade no direito
público. In: Revista de Direito Público. N. 84, 1987; BEZNOS, Clóvis. Desapropriação em Nome da
Política Urbana. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio (Coords.) Estatuto da Cidade... São
Paulo: Malheiros e SBDP, 2006, pp. 120-123; PINTO, Victor Carvalho. Direito Urbanístico... São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2011, pp. 175-178; LEVIN, Alexandre. Parcelamento, Edificação e Utilização
Compulsórios de Imóveis Públicos Urbanos. Belo Horizonte: Fórum, 2010, pp. 39-47; HUMBERT,
Georges Louis Hage. Direito Urbanístico e Função Socioambiental da Propriedade Imóvel Urbana.
Belo Horizonte: Fórum, 2009, pp. 101-111. 227 Sobre a evolução história do direito de propriedade, ver LEVIN, Alexandre. Op. cit., pp. 39-47. Ele
esclarece que desde o direito romano, assim como na Idade Média a propriedade já tinha esta
concepção social. Segundo o mesmo autor, foi o pensamento liberal que trouxe o caráter mais
individualista para a propriedade privada, mas ainda assim não deixou de haver subordinação a
determinados bens coletivos (como o direito de vizinhança, por exemplo) (pp. 21-30). Sobre a
distinção entre a função social da propriedade e as limitações (ou restrições) ao direito de
propriedade, ver excelente análise feita por FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A Propriedade
no Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pp. 100-104, ocasião em que o autor
aborda o tema, inclusive as divergências conceituais da doutrina administrativista sobre limitações e
restrições administrativas. 228 Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 77. 229 HUMBERT, Georges Louis Hage. Op. cit., p. 107. 230 FIGUEIREDO, José Guilherme Purvin de. Op. cit., p. 103.
100
mantendo o bem-estar conquistado da sociedade e acrescentando vantagens para a vida social.231
Guilherme José Purvin de Figueiredo232 faz um paralelo entre a teoria da
função social da propriedade e a teoria do abuso de direito (esta última desenvolvida
por Josserand), para concluir que a utilização da propriedade sem respeitar sua
função social pode ser equiparada ao exercício do direito com abuso: trata-se de
ilícitos que devem ser igualmente sancionados pelo ordenamento jurídico.
Não é demais ressaltar que a atual Constituição brasileira conferiu o status
de direito fundamental à função social da propriedade233, ao elencá-la no art. 5º,
inciso XXIII, promovendo-lhe proteção especial, como é de se destacar, por
exemplo, a cláusula pétrea234, constante do art. 60, § 4º, inciso IV, da
Constituição235. E isso reflete diretamente no direito à moradia, uma vez que a
função social da propriedade urbana apenas será cumprida quando do atendimento
ao direito à moradia, visando à melhoria das condições de vida da população que
atualmente habita regiões distantes e desprovidas de infraestruturas básicas.
Mas a função social da propriedade apenas ganhou regulamentação
infraconstitucional com a promulgação do Código Civil de 2002236, que assim dispõe
em seu art. 1228, parágrafo 1º:
Art. 1228. § 1º. O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
231 A Propriedade na Constituição de 1988 e o Conteúdo da “Função Social”. In: Revista de Direito
Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 63 (itálicos do original). 232 A Propriedade no Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pp. 96-100. 233 HUMBERT, Georges Louis Hage. Direito Urbanístico e Função Socioambiental da Propriedade
Imóvel Urbana. Belo Horizonte: Fórum, 2009, pp. 95-98. 234 LEVIN, Alexandre. Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios de Imóveis Públicos
Urbanos. Belo Horizonte: Fórum, 2010, pp. 55-57. 235 Art. 60. § 4º: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...] os
direitos e garantias individuais.” 236 LEVIN, Alexandre. Op. cit., pp. 52-55.
101
Nos termos propostos pelo Código Civil de 2002, a função social da
propriedade marcou a ruptura com a concepção extremamente individualista da
propriedade privada que vigia sob a regência do Código Civil de 1916, ao subordinar
a posse ao bem-estar social – ou, conforme os termos da lei: “finalidades
econômicas e sociais” e preservação do meio ambiente. E o acréscimo do ideário
ambientalista à função social da propriedade foi bastante significativo para a doutrina
do Direito Ambiental237, que trouxe até mesmo um neologismo: a função
socioambiental da propriedade.
3.4. Função Socioambiental da Propriedade
A utilização da propriedade de acordo com os interesses públicos, dotado
também do viés ambiental, levou Georges Louis Hage Humbert a cunhar a
expressão “função socioambiental da propriedade urbana”, por entender que a
expressão pode ser extraída do ordenamento jurídico (não se trata, portanto, de
mera elucubração extrajurídica)238.
No que diz respeito à função socioambiental da propriedade rural, a própria
Constituição tratou de incluir expressamente o respeito ao meio ambiente no
conceito de função social da propriedade, quando, no seu art. 186, dispõe que “a
função social é cumprida quando a propriedade rural atende [...] utilização adequada
dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente”. Além disto, o
237 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pp. 774-776. Este
autor lembra também que o Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64) estabelece há décadas que “a
propriedade da terra desempenha integralmente sua função social quando”, dentre outros requisitos
“assegura a conservação dos recursos naturais” (art. 2º, § 1º, alínea c). 238 Direito Urbanístico e Função Socioambiental da Propriedade Imóvel Urbana. Belo Horizonte:
Fórum, 2009, pp. 115-138.
102
Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64) já rezava no mesmo sentido (art. 2º, §1º, alínea
c239). Mas o mesmo não ocorre com relação à função social da propriedade urbana.
Para construir seu raciocínio, Humbert fundamenta sua interpretação a partir
da Constituição Federal, altamente rica em referências ao meio ambiente, o que foi
elevado ao status de direito fundamental na Carta de 1988, assim como a
propriedade e sua função social240. Ele destaca que:
Estamos diante de um princípio jurídico, implícito, e que, por esta natureza, já repisada alhures, tem caráter prescritivo, é dever-ser do qual resultam direitos e obrigações (positivas e / ou negativas).241
Auxilia na fundamentação deste entendimento a disciplina constante do
Código Civil de 2002, que, como já visto, engloba a preservação ambiental no
conceito de função social da propriedade disciplinado no art. 1228, § 1º. E, com isto,
é possível asseverar que a função social da propriedade (rural ou urbana) não será
atendida enquanto não forem “preservados, de conformidade com o estabelecido em
lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o
patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.”
Outras normas já mencionadas neste estudo trazem implícito este princípio
da função socioambiental, a saber: o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01) e a Lei
de Regularização Fundiária (Lei nº 11.977/09), que fazem (ambas) inúmeras
menções substanciais à preservação do meio ambiente, confira: o Estatuto da
Cidade aponta, desde logo, que (1) regula o uso da propriedade urbana em prol do
equilíbrio ambiental (art. 1º, § 1º) e que (2) a política urbana tem por objetivo ordenar
o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana,
mediante diversas diretrizes gerais (art. 2º), dentre elas, destaca-se o planejamento
das cidades, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus
239 “Art. 2º. § 1°. A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando,
simultaneamente: [...] assegura a conservação dos recursos naturais”. 240 Direito Urbanístico e Função Socioambiental da Propriedade Imóvel Urbana. Belo Horizonte:
Fórum, 2009, pp. 119-122. 241 Direito Urbanístico e Função Socioambiental da Propriedade Imóvel Urbana. Belo Horizonte:
Fórum, 2009, p. 124.
103
efeitos negativos sobre o meio ambiente (inciso IV). Quando disciplina o plano
diretor (arts. 39 e ss.), esta Lei dispõe que:
Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2º desta Lei. [destaque nosso]
Ou seja, o próprio Estatuto da Cidade submete o cumprimento da função
social da propriedade urbana ao atendimento das diretrizes de seu art. 2º, dentre as
quais se encontra arrolada a preservação ambiental (inciso XII). Noutras palavras, é
possível dizer que o respeito ao meio ambiente é princípio formador das normas do
Estatuto da Cidade.
Por sua vez, a Lei nº 11.977/09 prevê que o projeto de regularização
fundiária deverá definir as medidas de sustentabilidade ambiental (art. 51, inciso III);
assim como que seja feito o licenciamento ambiental do projeto (art. 53, § 1º), dentre
outras previsões que demonstram a preocupação pela preservação ambiental
quando o caso de regularização fundiária.
Odete Medauar e Guilherme José Purvin de Figueiredo242 corroboram este
entendimento, ao admitirem a “funcionalização social” decorrente da evolução do
direito de propriedade, o que pode ser sentido em matéria urbanística, agrária e
ambiental. Purvin exemplifica sua exposição com o Código de Águas, o Código de
Mineração, o primeiro Código Florestal e a Lei de Tombamento de Bens Culturais
(diplomas da década de 1930), ressalta a intensificação da evolução da década de
1960, com o Estatuto da Terra, o segundo Código Florestal, o Código de Pesca e a
Lei de Proteção à Fauna, e demonstra a continuidade do movimento nos anos mais
recentes, com a Política Nacional do Meio Ambiente, a Lei de Crimes Ambientais
(Lei nº 9.605/98), a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei nº
242 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p.
342; FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A Propriedade no Direito Ambiental. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010, p. 100.
104
9.985/00), Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01) e a Lei da Mata Atlântica (Lei nº
11.428/06).
Além deste arcabouço jurídico elencado, não é demais concluir que no
atendimento do interesse público e no cumprimento da ordem legal, a propriedade
urbana também está subordinada à legislação ambiental (além, é claro, das
restrições urbanísticas) – afinal, uma propriedade urbana que desrespeite lei
ambiental estará certamente classificada como ilegal, o que não pode coexistir com
o cumprimento de sua função social.
3.5. Atual Conteúdo do Direito à Moradia
Derivado do direito à vida, o direito à moradia nos dias atuais é expresso
como “direito à moradia adequada”, uma vez que o seu conteúdo não se restringe à
faculdade de morar sob um teto, mas é composto pelo direito de viver com
segurança, paz e dignidade243, visando propiciar melhora nas condições econômicas
e sociais, acesso a transporte público eficiente, à saúde e à educação de qualidade,
ao saneamento básico, à energia elétrica, ao lazer, à cultura e aos esportes244. Para
tanto, a moradia adequada deve ser composta das seguintes condições245:
(a) segurança jurídica da posse;
243 Comentário Geral nº 4 sobre Direito à Moradia Adequada expedido pelo Comitê dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais; SAULE JÚNIOR, Nelson. A Proteção Jurídica da Moradia nos
Assentamentos Irregulares. São Paulo: PUC/SP, 2003, pp. 113-116; SAULE JÚNIOR, Nelson;
CARDOSO, Patrícia de Menezes. O Direito à Moradia no Brasil. São Paulo: Instituto Pólis, 2005, p. 22;
MELO, Lígia. Direito à Moradia no Brasil... Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 38; CAROLO, Fabiana. As
Regularizações Fundiárias de Interesse Social... In: Revista da Fundação Escola Superior do
Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Brasília, 2011, p. 101. 244 MELO, Lígia. Op. cit., pp. 30-31. 245 De acordo com o Comentário Geral nº 4 (expedida pelo Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais da Organização das Nações Unidas); cf. SAULE JÚNIOR, Nelson. Op. cit., p. 116-117; SAULE
JÚNIOR, Nelson; CARDOSO, Patrícia de Menezes. Op. cit., p. 22; Lígia Melo, Op. cit., pp. 37-38.
105
(b) disponibilidade de serviços e infraestrutura, tais como acesso à água
potável, energia elétrica, iluminação pública etc;
(c) custo acessível da moradia;
(d) habitabilidade, com condições básicas de saúde e de proteção contra
intempéries climáticas;
(e) acessibilidade, isto é, a moradia deve ser acessível a todo ser humano,
seja por seus próprios esforços ou através de políticas públicas, com
destaque para pessoas consideradas em desvantagem (idosos, portadores
de necessidades especiais, vítimas de desastres naturais, pessoas que
vivem em áreas de risco, crianças, etc.);
(f) localização que possibilite acesso a emprego, escolas, tratamento de
saúde, áreas de lazer etc., isto é, inserção (ou integração) social;
(g) adequação cultural, para garantia do respeito à identidade cultural da
comunidade, incluindo toda a diversidade possível.
Acrescente-se, também, que o direito à moradia compõe o padrão de vida
adequado ao indivíduo (piso mínimo vital), ao lado de outros direitos, tais como o
direito à alimentação, educação, saúde e assistência social246. Como direito humano
social que é, Nelson Saule Júnior ensina que o Estado brasileiro tem obrigação de
garanti-lo, sob dois aspectos: o primeiro, no sentido de impedir a regressão deste
direito, impedindo ações e medidas que dificultem ou impossibilitem seu exercício; e,
no segundo aspecto, tem-se a obrigação de promover e proteger o direito à moradia,
regulando as atividades econômicas referentes à política habitacional (Estado
246 BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002, pp. 148-190.
106
regulador)247. Além disto, por se tratar de desdobramento do direito à vida, está
diretamente relacionado ao direito à saúde, direito à alimentação, ao saneamento
básico e ao meio ambiente saudável248.
Para o enfoque dado no presente estudo, destaca-se que a moradia
adequada deve respeitar a segurança e a saúde de seus habitantes. A adequação
também pode ser verificada quando a moradia não está inserida em área
ambientalmente protegida, para que fique configurada a segurança jurídica da
posse.
Lígia Melo conclui que “trata-se de identificação de interesses difusos,
configurando, portanto, que a todos interessa a ordenação urbana parametrizada
nos direitos fundamentais do indivíduo”249. Vale lembrar: mais do que um direito
difuso, faz parte do rol de direitos humanos, e como tal deve ser tratado pelo Poder
Público, que não pode se escusar de tomar as medidas apropriadas para sua
concretização250. Nesta linha de ideias, a lesão ao direito à moradia se configura
como uma lesão aos demais direitos também251.
3.6. Regularização Fundiária e Direito Ambiental
Caracterizado como direito fundamental, também consagrado no plano
internacional do rol dos direitos humanos, tanto quanto o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, o direito à moradia deve ser sempre sopesado quando
estiver em conflito com o previsto no art. 225 da Constituição Federal. É a
247 SAULE JÚNIOR, Nelson. O Direito à Moradia como Responsabilidade do Estado Brasileiro. In:
SAULE JÚNIOR, Nelson (Coord.). Direito à Cidade... São Paulo: Max Limonad e Pólis, 1999,p. 78. 248 SAULE JÚNIOR, Nelson. A Proteção Jurídica da Moradia nos Assentamentos Irregulares. São
Paulo: PUC/SP, 2003, p. 150. 249 MELO, Lígia. Direito à Moradia no Brasil... Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 31. 250 Ibid., p. 39. 251 Ibid., p. 40.
107
doutrina252 que recomenda que, nos casos difíceis (ou hard cases253), isto é, quando
houver aparente conflito entre princípios jurídicos ou constitucionais consagrados,
que seja aplicada a técnica da ponderação. Quer-se dizer com isso que não há
derrogação de um princípio em prol da aplicação integral de outro: a ponderação
implica na adequação dos princípios envolvidos (aparentemente em conflito), dando-
lhes, a ambos, a máxima aplicação possível no caso em concreto. E isto, quando for
o caso de conflito entre o direito á moradia adequada e o direito ao meio ambiente
equilibrado, deve ser resolvido a partir dos textos principiológicos das normas legais
e constitucionais já apresentadas antes neste estudo.
Assim é que, em termos de política urbana, deve ser invocado inicialmente o
Estatuto da Cidade – na qualidade de “conjunto normativo intermediário”, como nos
ensina Carlos Ari Sundfeld254 –, que expressamente finca suas bases na proteção,
preservação e recuperação do meio ambiente natural (art. 2º, inciso XII, entre outras
diretrizes). Com isto, quer o legislador nacional englobar não só os princípios
ambientais decorrentes do art. 225 da Constituição Federal, como também todo o
arcabouço legislativo descrito nas normas ambientais, sendo as principais a Política
Nacional do Meio Ambiente, o Código Florestal, o Código de Águas255 etc. Em
outras palavras, é de se verificar que o legislador infraconstitucional, utilizando sua
competência para o estabelecimento de diretrizes gerais fixada pelo caput do art.
182 da Constituição, determinou ao legislador municipal, através do Estatuto da
Cidade, que observe, quando da elaboração de sua política urbana municipal (plano
diretor, verbi gratia), as normas federais e nacionais que tratam da proteção e
recuperação do meio ambiente natural, por ser também seu dever defendê-lo e
252 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y
Constitucionales, 2001, pp. 111-115; CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da
Constituição. Coimbra: Edições Almedina, 2003, pp. 1182-1183 e 1240-1241; PADILHA, Norma Sueli.
Colisão de Direitos Metaindividuais e a Decisão Judicial. Porto Alegre: Sergio Antonio Frabris Editor,
2006, pp. 116-121. 253 HART, Herbert L. A. O Conceito do Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007, passim. 254 SUNDFELD, Carlos Ari. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais. In: DALLARI, Adilson Abreu;
FERRAZ, Sérgio (coords.). Estatuto da Cidade... São Paulo: Malheiros e SBDP, 2006, pp. 52-54. 255 Ibid., pp. 49-50; CAROLO, Fabiana. As Regularizações Fundiárias de Interesse Social... Revista da
Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Brasília, nov. 2011,
Edição Especial, p. 104.
108
preservá-lo, por ordem do art. 225 da Carta Magna (“Todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à
sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”, itálicos nossos).
Como já discutido no capítulo anterior, Daniela Libório256 esclarece esta
questão: no que tange à competência concorrente constante do art. 24 da
Constituição Federal, tal competência é designada a mais de um ente federativo,
sem que haja conflito entre suas atribuições: “o termo ‘concorrência’ é aqui
entendido como uma soma de atribuições diferenciadas sobre um mesmo
assunto”257, havendo desdobramento de uma competência complementar e outra
suplementar, da seguinte forma: a União edita normas gerais (§ 2º do art. 24); na
ausência de normas gerais da União, Estados-membros e Distrito Federal podem
editar normas gerais (que terão sua eficácia suspensa quando a União normatizar o
tema, conforme § 4º do mesmo artigo); em havendo normas gerais da União,
Estados-membros e Distrito Federal legislarão sobre seus interesses, editando
normas complementares; e, por fim, o Município suplementará tais normas, com
fundamento no art. 30, inciso II.
É certo que os temas aqui tratados (direito urbanístico e proteção do meio
ambiente) estão elencados no rol das competências concorrentes do art. 24 (incisos
I e VI, respectivamente) e em capítulos próprios (arts. 182-183 e art. 225,
respectivamente). E conclui a autora: “Nestes artigos [referindo-se apenas aos arts.
182-183] o texto constitucional impõe ao legislador federal a elaboração de normas
gerais sobre política urbana e determina que o Município será o responsável pelo
desenvolvimento urbano local.”258 Embora a douta professora faça referência
apenas à política urbana, não é demais utilizar o mesmo raciocínio para a política
ambiental, de modo que se considera, mais uma vez, justificada a tese de
intercâmbio harmonioso entre a legislação ambiental e urbanística, sem que haja
256 DI SARNO, Daniela Campos Libório. Competências Urbanísticas. In: DALLARI, Adilson Abreu;
FERRAZ, Sérgio (Coords.). Estatuto da Cidade... São Paulo: Malheiros e SBDP, 2006, p. 64-65. 257 Ibid., p. 64. 258 Ibid., p. 65.
109
implicação de conflito de competências legislativas entre as esferas federal e
municipal.
Por todos estes motivos é que se considera afastada a tese defendida em
alguns artigos259 de invasão de competência municipal por lei federal quando é
aplicado o Código Florestal em área urbana.
Corrobora com o posicionamento aqui exposto o princípio da função
socioambiental da propriedade, já comentado anteriormente, que determina que,
seja em área urbana, seja em área rural, a propriedade, pública ou privada, deve
preservar, “em conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as
belezas naturais, o equilíbrio ecológico”260. Vê-se neste dispositivo legal mais uma
manifestação do legislador infraconstitucional de inclusão do caráter de preservação
ambiental na conduta do proprietário de qualquer imóvel, agora no âmbito civil, ou
seja, no que respeita a relação que o proprietário tem com a coisa, assim como na
relação que ele tem com a comunidade, em razão do imóvel.
Até aqui se defendeu que o Código Florestal deve ser respeitado seja na
propriedade rural, seja na propriedade urbana; e com isso as áreas de preservação
permanente devem ser restauradas. Porém, como se viu nos tópicos anteriores, há
casos em que o direito à moradia entra em aparente conflito com o direito ao meio
ambiente equilibrado, especialmente porque é frequente que as ocupações
irregulares se instaurem em áreas ambientalmente frágeis, como é o caso da APP.
Nestes casos, é comum que haja judicialização da situação, em especial porque a
Administração Pública municipal, ao regularizar a situação fundiária de um grupo de
moradores (ou posseiros), esbarrará no direito de propriedade dos titulares das
259 PIETRE, Ronald. O Código Florestal e as Zonas Urbanas. Revista de Direito Ambiental, São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2006, p. 355; MAIA, Leonardo Castro. A Reserva Legal Florestal e os Imóveis
Situados em Zona Rual, Urbana e de Expansão Urbana. Revista de Direito Ambiental, São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2011, p. 375. Esta tese era bastante propalada durante a vigência do Código
Florestal de 1965. Com a edição da Lei nº 12.651/12 e o texto do seu art. 4º, tornou-se incontroversa
a existência de APP em área urbana, embora possa ainda subsistir a discussão sobre configuração ou
não de invasão de competência da legislação federal (Código Florestal) sobre matéria de
competência municipal (interesse local de definir as áreas non aedificandi). 260 Art. 1.228, § 2º, do Código Civil.
110
terras (direito registrário), no direito de posse daqueles que estão ali vivendo (direito
de posse e urbanístico), em áreas de mananciais de responsabilidade do Estado-
membro ou em áreas de matas ciliares de rios estaduais, áreas de marinha (direito
ambiental), etc. Ou seja, são muitos os interesses envolvidos, e, via de regra, tais
interesses são difusos, complexos, conflitantes, colidentes, o que, por conseguinte,
deverá ser resolvido pelo Poder Judiciário, no exercício de suas funções
precípuas261.
Nestas situações, andou bem a Lei nº 11.977/09 ao regulamentar, em
âmbito nacional, o instituto da regularização fundiária. Nesse mister, dispõe em seu
art. 46 que a regularização fundiária visa “garantir o direito social à moradia, o pleno
desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado”, ou seja, estes três valores embasadores do
Estado Democrático de Direito – moradia, propriedade urbana e meio ambiente –,
todos eleitos como direito fundamental pela Carta Magna, deverão ser o objetivo da
regularização fundiária e deverão permanecer garantidos, vale dizer, concretizados.
E mais, ao estabelecer os princípios da regularização fundiária (art. 48), a mesma
Lei determinou que sejam respeitadas as diretrizes gerais do Estatuto da Cidade,
bem como as “políticas setoriais ambientais [...] nos diferentes níveis de governo”
(inciso II). Retome-se que, por “políticas setoriais ambientais” deve-se entender: a
Política Nacional do Meio Ambiente, o Código Florestal, o Código de Águas etc.
261 Norma Sueli Padilha, ao analisar a colisão de direitos metaindividuais, ressaltou a dificuldade do
Poder Judiciário para solucionar lides que envolvem direitos difusos, quando comparado com lides
individuais, em suas palavras: “Sendo assim, trata-se de lides que se diferenciam, nitidamente, das
lides de natureza privada, pois implicam conflitos que envolvem novas tarefas promocionais ao
Poder Judiciário, referidas no campo afeto, usualmente, às políticas públicas. Nesse sentido, afirma
Cappelletti que as lides ambientais obrigam o juiz ‘[...] a aceitar a tarefa de ultrapassar o papel
tradicional de decidir conflitos de natureza essencialmente privada’, advertindo entretanto para os
riscos decorrentes do crescimento dos poderes judiciais, dado que tal transformação, no papel do
Judiciário, não pode implicar simplesmente na troca da discricionariedade administrativa e
legislativa, pela judiciária, especialmente nas hipóteses em que ‘[...] um sério controle exija o
emprego de conhecimentos sofisticados ou técnicas especializadas, as quais, embora possam estar à
disposição do legislador e da administração pública, são, amiúde, dificilmente acessíveis aos tribunais
judiciários’.” (Colisão de Direitos Metaindividuais e a Decisão Judicial. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris Editor, 2006, pp. 47-48.)
111
Com isso, pode-se subsumir que, em regra, a regularização fundiária deverá
respeitar, preservar e restaurar as áreas de preservação permanente, nos termos da
legislação pertinente.
Contudo, as situações excepcionais já vistas (ocupação de população de
baixa renda em áreas ambientalmente sensíveis) impedem a manutenção ou
restauração da APP. A ocupação pode se dar em Unidade de Conservação ou
mesmo em área de preservação permanente assim considerada por seus atributos
naturais. Para cada um desses casos, há previsão legal, na legislação pertinente,
com respectivas soluções.
Nesse sentido, a Lei nº 9.985/00 (Lei do Sistema Nacional de Unidades de
Conservação) já previa a possibilidade de ocupação em Área de Preservação
Ambiental (APA) (art. 15) e Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) (art. 16),
por populações tradicionais já residentes na Unidade de Conservação no momento
de sua criação (art. 36 do Decreto nº 4.340, de 22 de agosto de 2002). Para tais
casos, a Lei nº 11.977/09 estendeu suas disposições referentes ao procedimento de
regularização, consoante art. 53, § 3º, em especial no que tange a necessidade de
anuência do órgão gestor da Unidade de Conservação (UC): “No caso de o projeto
abranger área de Unidade de Conservação de Uso Sustentável que, nos termos da
Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, admita a regularização, será exigida também
anuência do órgão gestor da unidade.”
Quer-se dizer com isto que a Unidade de Conservação não é, em tese,
incompatível com ocupação humana e regularização fundiária, porém, deverá
respeitar alguns critérios e requisitos legais mais rígidos – por exemplo: manter os
ecossistemas naturais, com objetivo de conservação da natureza, como dispõe o
mencionado art. 16 –, não podendo o processo ocorrer de forma arbitrária e apenas
considerando o aspecto da moradia.
Quando for o caso de regularização fundiária em APP, verifica-se que a Lei
nº 11.977/09 também se preocupou em regulamentar o tema especificamente em
seu art. 54. A lei prevê, então, condições de ordem objetiva (a saber, que a
ocupação tenha ocorrido até 31 de dezembro de 2007 e apenas em área urbana
112
consolidada262) e condições de ordem subjetiva (quais sejam: decisão motivada do
município e a comprovação de que as condições ambientais serão melhoradas com
a regularização). Confira o texto do § 1º do art. 54:
§ 1º. O Município poderá, por decisão motivada, admitir a regularização fundiária de interesse social em Áreas de Preservação Permanente, ocupadas até 31 de dezembro de 2007 e inseridas em área urbana consolidada, desde que estudo técnico comprove que esta intervenção implica a melhoria das condições ambientais em relação à situação de ocupação irregular anterior.
Como se vê, nestes pontos da legislação, a proteção ao meio ambiente e a
busca por seu equilíbrio cedem espaço para o direito à moradia, como forma de
harmonizar os valores constitucionais em aparente colisão.
Nesse diapasão, o tema foi incluído no Novo Código Florestal (Lei nº
12.651/12, com a redação dada pela Lei nº 12.727/12). Por este diploma legal, a
intervenção ou supressão das Áreas de Preservação Permanente em áreas urbanas
ou rurais foi autorizada expressamente pelo art. 8º263. Porém está condicionada às
hipóteses de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental, como já
se viu anteriormente. A chamada regularização fundiária está compreendida nos
casos de interesse social, consoante art. 3º, inciso IX, alínea ‘d’, da Lei nº
262 O conceito legal de área urbana consolidada consta da mesma Lei, em seu art. 47, inciso II: “área
urbana consolidada: parcela da área urbana com densidade demográfica superior a 50 (cinquenta)
habitantes por hectare e malha viária implantada e que tenha, no mínimo, 2 (dois) dos seguintes
equipamentos de infraestrutura urbana implantados: a) drenagem de águas pluviais urbanas; b)
esgotamento sanitário; c) abastecimento de água potável; d) distribuição de energia elétrica; ou e)
limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos”. O Novo Código Florestal, alinhado com a Lei nº
11.977/09, faz remissão ao conceito descrito na Lei de Regularização Fundiária. Sobre crítica aos
critérios eleitos pela lei, ver comentários de BASTOS, Marina Montes. Comentários ao art. 3º, inciso
XXVII. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme (Coord.). Novo Código Florestal..., São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, pp. 135-137. 263 “Art. 8º. A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente
somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto
ambiental previstas nesta Lei.”
113
12.651/12264. Os arts. 64 e 65 da mesma Lei também disciplinam a regularização
fundiária de interesse social e de interesse específico.
Quando for o caso de ocupação de APP em área com restinga ou
manguezais em região urbana, a previsão legal para regularização está no parágrafo
2º do mesmo art. 8º265. Em tais hipóteses, a intervenção ou supressão pode ser,
excepcionalmente, autorizada, quando a função ecológica do manguezal estiver
comprovadamente comprometida, e apenas para fins exclusivos de obras de
habitação ou urbanização, inseridas em projetos de regularização fundiária de
interesse social, em áreas urbanas consolidadas ocupadas por população de baixa
renda.
Com o objetivo expresso de harmonizar a regularização ambiental com a
regularização fundiária da Lei nº 11.977/09 – isto é, nos casos em que estiver
presente o direito à moradia adequada –, o legislador traçou detalhes da
regularização ambiental em áreas de interesse social nos arts. 64 e 65, vinculando o
procedimento às disposições da Lei nº 11.977/09266. Assim, vê-se que a
regularização ambiental de supressão de APP somente é autorizada pelo novo
Código Florestal quando ocorrer em benefício do direito de moradia, no estrito
contexto da regularização fundiária da Lei nº 11.977/09.
264 “Art. 3º. Para os efeitos desta Lei, entende-se por: [...] IX - interesse social: [...] d) a regularização
fundiária de assentamentos humanos ocupados predominantemente por população de baixa renda
em áreas urbanas consolidadas, observadas as condições estabelecidas na Lei nº 11.977, de 7 de
julho de 2009” 265 “§ 2º. A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente de
que tratam os incisos VI e VII do caput do art. 4º poderá ser autorizada, excepcionalmente, em locais
onde a função ecológica do manguezal esteja comprometida, para execução de obras habitacionais e
de urbanização, inseridas em projetos de regularização fundiária de interesse social, em áreas
urbanas consolidadas ocupadas por população de baixa renda.” 266 Diz o caput destes artigos: “a regularização ambiental será admitida por meio da aprovação do
projeto de regularização fundiária, na forma da Lei 11.977, de 7 de julho de 2009”.
114
Para tanto, a lei trata de modo diferenciado a regularização fundiária de
interesse social (art. 64267) e de interesse específico (art. 65268), que, não por acaso,
estão correlacionadas à disciplina dos arts. 53 a 60-A, e arts. 61 e 62
(respectivamente), da Lei nº 11.977/09.
267 “Art. 64. Na regularização fundiária de interesse social dos assentamentos inseridos em área
urbana de ocupação consolidada e que ocupam Áreas de Preservação Permanente, a regularização
ambiental será admitida por meio da aprovação do projeto de regularização fundiária, na forma da
Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009. § 1º. O projeto de regularização fundiária de interesse social
deverá incluir estudo técnico que demonstre a melhoria das condições ambientais em relação à
situação anterior com a adoção das medidas nele preconizadas. § 2º. O estudo técnico mencionado
no § 1º deverá conter, no mínimo, os seguintes elementos: I - caracterização da situação ambiental
da área a ser regularizada; II - especificação dos sistemas de saneamento básico; III - proposição de
intervenções para a prevenção e o controle de riscos geotécnicos e de inundações; IV - recuperação
de áreas degradadas e daquelas não passíveis de regularização; V - comprovação da melhoria das
condições de sustentabilidade urbano-ambiental, considerados o uso adequado dos recursos
hídricos, a não ocupação das áreas de risco e a proteção das unidades de conservação, quando for o
caso; VI - comprovação da melhoria da habitabilidade dos moradores propiciada pela regularização
proposta; e VII - garantia de acesso público às praias e aos corpos d'água.” 268 “Art. 65. Na regularização fundiária de interesse específico dos assentamentos inseridos em área
urbana consolidada e que ocupam Áreas de Preservação Permanente não identificadas como áreas
de risco, a regularização ambiental será admitida por meio da aprovação do projeto de regularização
fundiária, na forma da Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009. § 1º. O processo de regularização
ambiental, para fins de prévia autorização pelo órgão ambiental competente, deverá ser instruído
com os seguintes elementos: I - a caracterização físico-ambiental, social, cultural e econômica da
área; II - a identificação dos recursos ambientais, dos passivos e fragilidades ambientais e das
restrições e potencialidades da área; III - a especificação e a avaliação dos sistemas de infraestrutura
urbana e de saneamento básico implantados, outros serviços e equipamentos públicos; IV - a
identificação das unidades de conservação e das áreas de proteção de mananciais na área de
influência direta da ocupação, sejam elas águas superficiais ou subterrâneas; V - a especificação da
ocupação consolidada existente na área; VI - a identificação das áreas consideradas de risco de
inundações e de movimentos de massa rochosa, tais como deslizamento, queda e rolamento de
blocos, corrida de lama e outras definidas como de risco geotécnico; VII - a indicação das faixas ou
áreas em que devem ser resguardadas as características típicas da Área de Preservação Permanente
com a devida proposta de recuperação de áreas degradadas e daquelas não passíveis de
regularização; VIII - a avaliação dos riscos ambientais; IX - a comprovação da melhoria das condições
de sustentabilidade urbano-ambiental e de habitabilidade dos moradores a partir da regularização; e
X - a demonstração de garantia de acesso livre e gratuito pela população às praias e aos corpos
d’água, quando couber. § 2º. Para fins da regularização ambiental prevista no caput, ao longo dos
rios ou de qualquer curso d’água, será mantida faixa não edificável com largura mínima de 15
(quinze) metros de cada lado. § 3º. Em áreas urbanas tombadas como patrimônio histórico e cultural,
a faixa não edificável de que trata o § 2º poderá ser redefinida de maneira a atender aos parâmetros
do ato do tombamento.”
115
Não é demais destacar que a regularização ambiental em APPs é medida
excepcional que terá lugar apenas quando for o caso de interesse social (consoante
caput do art. 8º e alínea ‘d’, inciso IX do art. 3º269), já que a regra de manutenção das
áreas de preservação permanente é mantida também nos casos de zonas urbanas
(como se verifica pela redação do art. 4º combinado com art. 8º). Em sendo medida
excepcional, a interpretação legal deve ser feita de forma restritiva, não
comportando interpretação extensiva ou integração analógica. Se é excepcional, é
porque a regularização fundiária em tais áreas não é a solução mais adequada, seja
do ponto de vista socioambiental, seja do ponto de vista urbanístico, de forma que é
responsabilidade do administrador verificar previamente a viabilidade de outras
soluções mais adequadas para a população (visando a inclusão social e
urbanística), para a organização territorial e para o meio ambiente. Vale dizer: dentro
do âmbito da discricionariedade da Administração Pública, antes de optar pela
regularização fundiária, deverá certificar-se de que a regularização é a melhor
alternativa para aquela população270.
269 “Art. 3º. Para os efeitos desta Lei, entende-se por: [...] IX – interesse social: [...] d) a regularização
fundiária de assentamentos humanos ocupados predominantemente por população de baixa renda
em áreas urbanas consolidadas, observadas as condições estabelecidas na Lei nº 11.977, de 7 de
julho de 2009.”
270 Isto porque, há autores que apontam efeito indesejável da regularização funidária: em alguns
casos, pode se tornar inadequada por estimular a ocupação irregular de novos terrenos ou o
fomento de regiões já ocupadas irregularmente. É a posição de Consuelo Yatsuda Moromizato
Yoshida e Vicente de Abreu Amadei (Área de Preservação Permanente (APP) em zona urbana. In:
MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme (Coord.). Novo Código Florestal... São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2012, p. 440): “O ideal é tentar reverter a ocupação irregular em APP sempre que
possível, e não possibilitar novas ocupações em desacordo com a legislação em vigor, na tentativa de
gerar ‘novas’ situações consolidadas. [...] É preciso, pois, ter em conta que a regra é a imutabilidade
do perfil ambiental natural protegido das APP, quer estejam situadas em zona rural ou em zona
urbana. Mas essa diretiva – que se há de respeitar, em prol da cidade sustentável – comporta
exceção legal controlada, mediante autorização específica, como se vislumbra em hipótese de
regularização fundiária de assentamentos localizados em área urbana consolidada, na razão maior do
desenvolvimento humano dos cidadãos.”
116
Ainda que presentes os requisitos legais, Consuelo Yoshida e Vicente de
Abreu Amadei271 entendem que a avaliação do administrador deve ser feita
casuisticamente, de modo que, mesmo que a situação fática esteja dentro dos
limites impostos pela lei (subsunção do caso concreto à lei em tese), o Poder
Público poderá optar por não efetuar a regularização da área, se constatados
impedimentos de outras ordens (interesse público, saúde, segurança, ordem
urbanística, ambiental, social entre outras).
Estes mesmos autores ponderam ainda que: (a) se não estiver configurada a
área urbana consolidada, tal como a legislação a caracteriza272, “não há razoável
irreversibilidade para justificar a prevalência do valor social da ocupação irregular
sobre o valor ambiental da área sensível”273; e (b) devem ser observados outros
critérios trazidos pela Lei nº 11.977/09, em especial a necessidade de assegurar o
nível adequado de habitabilidade e a melhoria das condições de sustentabilidade
urbanística, social e ambiental (art. 48, inciso I). Concordamos com este
posicionamento, especialmente porque a Lei de Regularização Fundiária e o novo
Código Florestal são complementares, ou seja, tais leis devem ser interpretadas e
aplicadas como um microssistema jurídico.
Uma vez ultrapassada a fase de discricionariedade da Administração
Pública, tendo havido a opção pela regularização das moradias, a área em
referência deverá:
271 Área de Preservação Permanente (APP) em zona urbana. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo
Affonso Leme (Coord.). Novo Código Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, pp. 440-441.
No mesmo sentido, porém numa abordagem mais teórica, Norma Sueli Padilha fundamenta: nos
casos que versam sobre meio ambiente, por se tratar de direitos difusos, tem-se um típico hard case,
em que o julgador deve escolher entre possíveis alternativas de decisão (em oposição à mera
subsunção da norma ao fato jurídico), “pois tais casos possuem textura aberta, já que é impossível
pretender-se, até mesmo de forma ideal, a concepção de regras tão detalhadas que a questão sobre
sua aplicação ou não a um caso particular sempre esteja resolvida antecipadamente, e nunca abranja
uma escolha entre alternativas abertas.” (Colisão de Direitos Metaindividuais e a Decisão Judicial.
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2006, p. 79). 272 Cf. art. 47 da lei nº 11.977/09. 273 YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato; AMADEI, Vicente de Abreu. Op. cit., pp. 441-442.
117
(a) se constituir de um assentamento humano em área urbana (assim
definida na lei municipal, conforme art. 47, inciso I, Lei nº 11.977/09) com
densidade demográfica superior a 50 (cinquenta) habitantes por hectare (art.
47, inciso II, Lei nº 11.977/09);
(b) ser composto predominantemente por população de baixa renda (art. 3º,
inciso IX, alínea ‘d’, Lei nº 12.651/12);
(c) ter como finalidade precípua a moradia da população (art. 47, inciso VI,
Lei nº 11.977/09);
(d) ter malha viária implantada (art. 47, inciso II, Lei nº 11.977/09);
(e) ter implantados, no mínimo, 2 (dois) equipamentos de infraestrutura
(dentre estes: drenagem de águas pluviais urbanas, esgotamento sanitário,
abastecimento de água potável, distribuição de energia elétrica ou limpeza
urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos) (art. 47, inciso II, Lei nº
11.977/09)274;
(f) ter se constituído em data anterior a 31 de dezembro de 2007 (art. 54, §
1º, Lei nº 11.977/09);
(g) após a intervenção, implicar em melhoria das condições ambientais (art.
54, § 1º, Lei nº 11.977/09); e
(h) ter nível adequado de habitabilidade e melhores condições de
sustentabilidade urbanística, social e ambiental, após a intervenção (art. 54,
§ 1º, Lei nº 11.977/09).
274 Tais critérios, ao que se vê, são mais brandos do que aqueles fixados pelo CONAMA, na Resolução
nº 303/2002, que exigia a existência de quatro equipamentos de infraestrutura urbana (e não dois,
como trazidos pela lei de 2009).
118
Este último critério (“nível adequado de habitabilidade e melhoria das
condições de sustentabilidade urbanística”) se relaciona com a segurança ou risco
da área a ser regularizada (princípio da precaução). É a mesma orientação dada
pelas outras normas já citadas: a Organização das Nações Unidas chama de
habitabilidade275, o Estatuto da Cidade descreve como “direito às cidades
sustentáveis”276, a Lei de Regularização Fundiária cita “nível adequado de
habitabilidade e a melhoria das condições de sustentabilidade urbanística, social e
ambiental”277. Curioso notar que até mesmo a Lei de Parcelamento do Solo Urbano
(Lei nº 6.766/79) contém disposições semelhantes (redação incluída pela Lei nº
9.785/99):
Art. 3º. Somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, assim definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal. Parágrafo único - Não será permitido o parcelamento do solo: I – em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as providências para assegurar o escoamento das águas; Il – em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública, sem que sejam previamente saneados; III – em terrenos com declividade igual ou superior a 30% (trinta por cento), salvo se atendidas exigências específicas das autoridades competentes; IV – em terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edificação; V – em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a sua correção.
Ou seja, a saúde e segurança da população, por se tratarem de valores
máximos da Constituição Federal, sempre devem ser preservadas, seja sob o viés
ambiental, seja sob o viés urbanístico. Esta preocupação nasce a partir de desastres
naturais, tais como desmoronamento ou deslizamentos de terras, enchentes,
inundações, etc., muito comuns em épocas de chuvas em nosso País de clima
predominantemente tropical. São desastres comuns, entre outros fatores, porque a
população que habita as áreas sujeitas à regularização fundiária é empurrada para
montar suas moradias em regiões de encostas de morro e margens de rio, por
exemplo, regiões estas muito suscetíveis a tais desastres quando da ocorrência de 275 Comentário Geral nº 4 sobre Direito à Moradia Adequada expedido pelo Comitê dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais. 276 Art. 2º, inciso I, Lei nº 10.257/01 277 Art. 48, inciso I, Lei nº 11.977/09
119
chuvas torrenciais. Consuelo Yoshida e Vicente de Abreu Amadei, no que tange tal
risco, alerta que “sem a prévia eliminação deste elemento de insegurança
habitacional não há regularização: a segurança habitacional há de preponderar.
Ademais, regularização sem esse cuidado até poderia aumentar a insegurança
habitacional na área.”278
Por isto, não é demais inferir que a ratio legis da norma ambiental reside na
saúde e segurança dos cidadãos, que devem ser preservadas acima de tudo. São,
portanto, valores (leia-se: princípios) que dão fundamento às leis tratadas neste
capítulo – vale dizer, são sobreprincípios constitucionalmente previstos (arts. 1º,
incisos II e III, e art. 6º, caput, da Constituição Federal) e, por este motivo, estão
autorizados a dar mais elasticidade ao regime jurídico das APPs.
Neste mesmo sentido, retome-se que a função ambiental das áreas de
preservação permanente corrobora na manutenção dos princípios fundamentais da
saúde e da segurança da população, podendo ser também considerada como ratio
legis da norma urbanística, verificando-se, mais uma vez, a intersecção dos valores
ambientais e urbanísticos em prol do desenvolvimento sustentável das cidades.
278 YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato; AMADEI, Vicente de Abreu. Área de Preservação
Permanente (APP) em zona urbana. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme (Coord.). Novo
Código Florestal... São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 442.
120
CONCLUSÃO
A partir da análise do instituto da Área de Preservação Permanente (APP)
em perspectiva histórica realizada no capítulo 1, verificou-se que sua proteção
nasceu sob a égide do ideal economicista e utilitarista e, posteriormente, foi
construída a concepção difusa do instituto e de seu arcabouço legal, à medida que a
consciência ambiental foi se disseminando na sociedade, a partir da segunda
metade do século XX.
No início das ondas ambientalistas, surgiu, em movimento antagônico, o
desenvolvimentismo, caracterizado pelo pensamento de priorização do crescimento
econômico a qualquer custo. Foram necessários estudos acadêmicos e científicos
para desconstruí-lo e fundamentar a nova concepção de desenvolvimento
sustentável, em que se busca conciliar incremento econômico, promoção de
melhorias sociais e preservação ambiental, simultaneamente.
Sob este viés e a partir da identificação da função ambiental, verifica-se que
a legislação referente à APP protege não um exemplar arbóreo avulso, mas sim todo
o ecossistema envolvido, ainda que a vegetação tenha sofrido corte raso. A floresta
– caracterizada por um conjunto de plantas de estruturas semelhantes, com
homogeneidade ecossistêmica e de plantas lenhosas de porte alto – revelou sua
importância por desempenhar papel preponderante na manutenção de diversos
ecossistemas (fauna, serviços ambientais de contenção de pragas na lavoura,
sistema de regulação do ciclo hidrológico e de contenção do solo, dispersão do fluxo
gênico, manutenção dos gases de efeito estufa, regulação de temperaturas e
umidade, redução da poluição atmosférica, etc.), assim como papel de evitar
catástrofes naturais nas regiões urbanas (deslizamento de terras, desmoronamento
de casas e outras construções, inundações, alagamentos, enchentes etc.).
Partindo desta premissa, o interesse público difuso orientou o legislador
pátrio a conferir status de bem ambiental à APP, dando-lhe especial proteção, por se
tratar de interesse comum a todos os habitantes do país, porque essencial à
qualidade de vida da população. Com isso, o particular que possui área de
121
preservação permanente em seu imóvel (por seus atributos naturais ou por ato de
declaração do Poder Público), não obstante possa exercer seus poderes de
proprietário, deve-se curvar ao regime jurídico de interesse público
(simultaneamente) – vale dizer: às normas de ordem pública – que dão contornos
mais restritos ao seu poder de usufruto da propriedade. É o que a doutrina denomina
de “dupla afiliação simultânea a dois regimes patrimoniais”279. Esta concepção já
existia quando da vigência do Código Florestal de 1965, o que não foi modificado
com a sua revogação, quando aprovado o novo Código Florestal (Lei nº 12.651/12).
A este respeito, conclui-se que o atual Código Florestal, após polêmicas
discussões no Congresso Nacional, foi promulgado utilizando parte do regramento
anterior a respeito de APP, porém introduzindo inovações no que diz respeito ao
tema de áreas de proteção permanente:
(a) foi ratificada a vigência de suas normas na área urbana, de modo que
hoje é inequívoca a redação do art. 4º, que prevê a APP em zona urbana;
(b) foi ampliado o rol de hipóteses legais que caracterizam as áreas de
utilidade pública, de interesse social e os casos de baixo impacto ambiental,
de modo que foram acrescentadas diversas situações em que é possível
suprimir APP;
(c) foram incluídas disposições específicas a respeito do tema de
regularização fundiária de áreas ambientalmente sensíveis nas zonas
urbanas, integrando o procedimento com aquele introduzido pela Lei nº
11.977/09.
Embora tenha havido um progresso ao agregar a lei ambiental com a
regularização da moradia, não se pode deixar de consignar que a promulgação do
novo Código Florestal foi, em linhas gerais, um retrocesso em termos de proteção
jurídica às áreas de preservação permanente, uma vez que tais áreas estão menos
279 BENJAMIN, Antonio Herman V. Função Ambiental. In: BENJAMIN, Antonio Herman V. (Coord.).
Dano Ambiental... São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 70.
122
protegidas pelo texto normativo, o que afronta o princípio da proibição do retrocesso.
Tal retrocesso decorreu de fortes movimentos desenvolvimentistas presentes no
Poder Legislativo atual, o que se espera seja corrigido no futuro próximo. Esta crítica
não se baseia apenas em considerações a respeito de princípios jurídicos: está
abalizada no relatório da Associação Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC),
em que está contradito o argumento do desenvolvimentismo (a saber, necessidade
de terras para o abastecimento alimentar no futuro): os estudos apresentam
pesquisas que concluem pelo excesso de áreas disponíveis para agropecuária e
apontam como solução a modernização das técnicas de criação e cultivo, com o fim
de aumento da produtividade no campo, que, em nosso país, possui baixo índice,
em especial quando confrontado com a quantidade de recursos naturais, humanos e
financeiros disponíveis.
Ao realizar este movimento de integração entre suas próprias normas e as
regras de regularização fundiária (Lei nº 11.977/09), o Código Florestal tornou-se
mais um exemplo de diploma legal que proporciona o encontro do Direito Ambiental
com o Direito Urbanístico, tendência que pode ser constatada através da análise de
outras leis, tais como o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01, art. 2º, inciso XII); a Lei
de Parcelamento de Solo Urbano (Lei nº 6.766/79, arts. 1º e 2º, caput); etc. Reforça
também esta tendência a ideia do desenvolvimento sustentável das cidades,
atualmente difundida no intento de conciliar crescimento econômico, proteção
ambiental e desenvolvimento social (triple bottom line).
Ocorre que esta integração verificada entre diferentes normas e áreas do
Direito deve se dar de modo a não causar invasão de competência
constitucionalmente atribuída aos entes federativos. Para tanto, é necessário que as
competências constitucionais sejam minuciosamente observadas pela União,
Estados-membros, Distrito Federal e Municípios quando da elaboração de suas
próprias normas.
No que toca este tema, verifica-se que o Código Florestal foi concebido no
exercício da competência concorrente outorgada pelo art. 24, inciso VI, e § 1º, em
combinação com o disposto no caput do art. 225, ambos da Constituição Federal,
isto é, foi fruto do poder de edição de normas gerais por parte da União. É possível
123
caracterizar a Lei nº 12.651/12 como norma geral, não só porque assim dispõe seu
texto, mas também pelo seu conteúdo de diretrizes gerais, princípios e regras
uniformes. Ao dispor uniformemente sobre as áreas que devem ser
permanentemente preservadas, com metragens mínimas e exceções a serem
obedecidas em todo o território nacional, a União exerceu regularmente sua
competência legislativa sobre florestas, conservação da natureza, defesa do solo e
dos recursos naturais e proteção do meio ambiente, visando à defesa do bem
ambiental para as presentes e futuras gerações. Por este motivo, a lei deve ser
respeitada pelos Estados-membros, Distrito Federal e Municípios (este último
inclusive por ser precípuo destinatário da norma geral) e pode por eles ser
suplementada (art. 24, § 2º, e art. 30, inciso II, ambos da Constituição Federal). E
como norma geral que é, referido Código deve ser levado em conta quando da
elaboração das políticas de desenvolvimento urbano e plano diretor por parte dos
Municípios, conforme orientação do art. 182 da Carta Magna, objetivando garantir o
bem-estar dos seus habitantes.
Esta interpretação apresentada é fundada nos princípios da máxima
efetividade das normas constitucionais e da interpretação sistemática (ou método da
unidade do sistema) e visa a maior eficácia dos direitos fundamentais, assim como a
harmonização e coerência de todo o sistema normativo. Os direitos fundamentais
aqui em debate, vale dizer, são o direito ao meio ambiente (natural e artificial)
equilibrado, direito à vida, à saúde, à segurança e o direito à moradia.
E foi no Direito Urbanístico em que se encontrou o fator limitador para
implantação e manutenção das APPs nas cidades: o direito à moradia e sua
regularização, direito consagrado constitucionalmente, imprescindível à dignidade da
pessoa humana e ao desenvolvimento da cidadania. Nesta qualidade, não pode ficar
margeado quando em colisão com o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado especialmente diante do atual quadro deficitário de moradia no Brasil,
mormente em áreas de maior concentração populacional.
Neste cenário, verifica-se que atualmente, com a promulgação das Leis nº
10.257/01 (Estatuto da Cidade), 11.977/09 (Lei de Regularização Fundiária) e
12.651/12 (novo Código Florestal), o arcabouço jurídico está mais bem estruturado
para que a Administração Pública e o Poder Judiciário possam enfrentar estas
situações de alta conflituosidade (hard cases) com instrumentos jurídicos
124
adequados. O Estatuto da Cidade, na qualidade de norma geral urbanística,
proporciona e estimula a integração entre o planejamento urbanístico e a proteção
ambiental em nível municipal. Por sua vez, a Lei de Regularização Fundiária tem
como escopo a concretização do direito à moradia adequada, em consonância com
a busca pelo equilíbrio do meio ambiente. Neste intento, fixa critérios para viabilizar
o procedimento administrativo, seja no âmbito do Município, do Estado, Distrito
Federal ou da União. E, por fim, o Código Florestal complementa as demais leis, ao
autorizar a regularização fundiária em áreas de preservação permanente em zonas
urbanas, e ao estipular critérios objetivos, em nítido sopesamento in abstracto entre
o direito ao meio ambiente equilibrado e o direito à moradia, desde que respeitados
os requisitos da Lei nº 11.977/09, bem como aqueles outros apresentados pelos
arts. 64 e 65 da Lei nº 12.651/12. Tais critérios, antes inexistentes, funcionam como
um “manual” para a Administração Pública nesta difícil tarefa de trazer moradia
adequada a um contingente populacional que ultrapassou o razoável.
Neste diapasão, é necessário que esteja presente e devidamente
caracterizado o interesse social, nos seguintes termos:
(a) Deve haver assentamento humano em área urbana (assim definida na lei
municipal, conforme art. 47, inciso I, Lei nº 11.977/09) com densidade
demográfica superior a 50 (cinquenta) habitantes por hectare (art. 47, inciso
II, Lei nº 11.977/09);
(b) O assentamento deve ser composto predominantemente por população
de baixa renda (art. 3º, inciso IX, alínea ‘d’, Lei nº 12.651/12);
(c) As ocupações irregulares devem ter como finalidade a moradia da
população (art. 47, inciso VI, Lei nº 11.977/09);
(d) A área deve ter malha viária implantada (art. 47, inciso II, Lei nº
11.977/09);
(e) O assentamento deve ter implantados no mínimo 2 (dois) equipamentos
de infraestrutura (dentre estes: drenagem de águas pluviais urbanas,
125
esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, distribuição de
energia elétrica ou limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos) (art.
47, inciso II, Lei nº 11.977/09);
(f) a ocupação deve ter sido anterior a 31 de dezembro de 2007 (art. 54, §
1º, Lei nº 11.977/09);
(g) a intervenção deve implicar em melhoria das condições ambientais (art.
54, § 1º, Lei nº 11.977/09); e
(h) devem ser assegurados o nível adequado de habitabilidade e a melhoria
das condições de sustentabilidade urbanística, social e ambiental (art. 54, §
1º, Lei nº 11.977/09).
Não obstante a eleição de critérios objetivos, observa-se que alguns deles
são mais abstratos (melhoria das condições ambientais, por exemplo). Tais
cláusulas conferem ao administrador maior margem de liberdade para atuar, isto é,
sempre haverá discricionariedade para atuação do administrador ou do julgador
diante do caso concreto sob análise, uma vez que os conflitos de interesses
transindividuais, por se caracterizarem como hard cases, devem ser decididos por
“escolha entre alternativas de decisão”, ou seja, é a técnica da ponderação, a busca
por um equilíbrio razoável entre diversas formas de solução do caso280.
E, para que esta busca se configure como razoável, a regularização da
moradia deve se basear nos direitos fundamentais da função social da propriedade,
do meio ambiente equilibrado, consoante os ditames do art. 225 da Carta Magna,
bem como deve estar compreendido no plano urbanístico do município em questão,
com vistas a inserir a comunidade nas demais funções da cidade (trabalho, lazer e
circulação). No mesmo sentido, a segurança e a saúde da população deve ser
incluída no sopesamento daquele que proferirá a decisão, uma vez que são os
280 PADILHA, Norma Sueli. Colisão de Direitos Metaindividuais e a Decisão Judicial. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor, 2006, pp. 79-80.
126
valores constitucionais máximos que orientam todo o ordenamento jurídico
estudado.
127
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGRELLI, Vanusa Murta; SILVA, Bruno Campos (Coords.). Direito urbanístico e ambiental: estudos em homenagem ao Professor Toshio Mukai. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2008.
ALEXY, Robert. Colisão de direitos fundamentais e realização de direitos fundamentais no estado de direito democrático. In: Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Renovar, n. 217, p. 67-79, jul./set. 1999.
______. Derechos, razonamiento jurídico y discurso racional. In: Isonomía: Revista de Teoría y Filosofia dey Derecho, Alicante. n. 1, oct. 1994. Disponível em <http://bib.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/public/01338308644248274088802/isonomia01/isonomia01_03.pdf?portal=0> Acesso em: 20.04.2012, 12h54min.
______. Direitos fundamentais no estado constitucional democrático. Tradução Luis Afonso Heck. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, n. 217, 55-66, jul./set. 1999.
______. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2001.
AMADEI, Vicente de Abreu. Urbanismo realista: a lei e a cidade, princípios de direito urbanísticos, instrumentos da política urbana e questões controvertidas. Campinas: Millennium, 2006.
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 9ª ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
______. Dano Ambiental: Uma Abordagem Conceitual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Novos aspectos da função social da propriedade no direito público. In: Revista de Direito Público. v. 20, n. 84, out./dez. de 1987, pp. 39-45.
BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
BENJAMIN, Antônio Herman Vasconcellos. Código Florestal: a reforma proposta pelo Conama e a nova MP n. 1.956-50. In: Congresso Internacional de Direito Ambiental, Agricultura e Meio Ambiente, 4º, 2000, São Paulo: Imesp, p. 405.
______. Função Ambiental. In: BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcellos (Coord.). Dano Ambiental: Prevenção, Reparação e Repressão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, pp. 09-82.
______. O Regime Brasileiro das Unidades de Conservação. In: Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 21, pp. 27-56, 2001.
128
______; FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de (Coords.). Direito Ambiental e as Funções Essenciais à Justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
BEZNOS, Clovis; CAMMAROSANO, Marcio (Coords). Direito ambiental e urbanístico: estudos do Fórum Brasileiro de Direito Ambiental e Urbanístico. Belo Horizonte: Fórum, 2010.
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico. Tradução Marcio Pugliesi; Edson Bini, Carlos E. Rodrigues, São Paulo: Ícone, 1995.
______. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. Trad. Marco Aurélio Nogueira. 4ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1992.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 27ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2012.
BRASIL. Agência Nacional de Águas. Nota técnica nº 12/2012/Geusa/Sip. Disponível em: <http://arquivos.ana.gov.br/imprensa/noticias/20120509_NT_n_012-2012-CodigoFlorestal.pdf>. Acesso em: 09 fev. 2013, 18h 08min.
BRASIL. Conselho Nacional de Meio Ambiente. Resolução nº 1, de 23 de janeiro de 1986. Disponível em: <http://portal2.tcu.gov.br/portal/pls/portal/docs/2060632.PDF>. Acesso em 10 jun.2010.
BRASIL. Conselho Nacional de Meio Ambiente. Resolução nº 04, de 18 de setembro de 1985. Disponível em: <http://licenciamento.cetesb.sp.gov.br /legislacao/federal/resolucoes/1985_Res_CONAMA_4.pdf>. Acesso em: 24 set. 2012.
BRASIL. Conselho Nacional de Meio Ambiente. Resolução nº 303, de 20 de março de 2002. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res02/res30302. html>. Acesso em 11 jul.2012, 15h02min.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 08 dez. 2010.
BRASIL. Decreto-Lei nº 23.793, de 23 de janeiro de 1934 (Código Florestal). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/D23793 impressao.htm>. Acesso em 27 jun.2012, 16h52min.
BRASIL. Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal. Portaria nº 39-P, de 04 de fevereiro de 1988. Disponível em: <http://www.ibama.gov.br/sophia/cnia/ legislacao/IBDF/PT0039-040288.PDF>. Acesso em 03 set. 2012, 16h 47min.
BRASIL. Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4771impressao.htm>. Acesso em: 18 nov. 2010.
BRASIL. Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6766.htm>. Acesso em: 22 out. 2010.
BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Disponível em:
129
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938compilada.htm>. Acesso em: 10 dez. 2010.
BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10257.htm>. Acesso em: 16 mai. 2010.
BRASIL. Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L11977compilado.ht m>. Acesso em: 08 dez. 2010.
BRASIL. Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12651compilado. htm>. Acesso em: 03 fev. 2013.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 73-SP. Requerente: Procurador Geral da República. Requerido: Governador do Estado de São Paulo. Relator: Ministro Moreira Alves. Brasília: 09 de setembro 1989, v.u., DJU 15.9.1989.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Liminar em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.540. Requerente: Ministério Público Federal. Requerido: Presidente da República. Relator: Ministro Celso de Mello. Brasília: 1º de setembro de 2005, DJU 13.09.2005.
CAMILA Pitanga pede “Veta, Dilma!” em cerimônia oficial. UOL Notícia. São Paulo: TV UOL, 04 mai. 2012. Disponível em: <http://tvuol.tv/bfc6w2>. Acesso em: 29 set. 2012.
CANEPA, Carla. Cidades sustentáveis: a concretização de um comando constitucional – O Município: Locus da sustentabilidade. São Paulo, 2006.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes et al. (Orgs.). Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007.
______. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed., 4ª reimpressão, Coimbra: Edições Almedina, 2003.
______. Direito constitucional. Coimbra: Livraria Almedina, 1993.
CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores. Tradução de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999.
CAROLO, Fabiana. As Regularizações Fundiárias de Interesse Social e de Interesse Específico em Áreas de Preservação Permanente sob o Enfoque do Desenvolvimento Sustentável. In: Revista da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Brasília, Ano 19, Edição Especial, pp. 100-131, nov. 2011. Disponível em: <http://www.fesmpdft. org.br/arquivos/a2_fabaiana_carolo.pdf>. Acesso em 21 jan. 2013, 11h 42min.
CARTA DE ATENAS. In: Congresso Internacional de Arquitetura Moderna. Nov. 1933, Atenas, disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?
130
id=233>. Acesso em 10 dez. 2012, 10h 55min.
COSTA, Rosa; DOMINGOS, João. Senado tem recesso suspenso para votar Código Florestal. O Estado de São Paulo. São Paulo, 19 set. 2012, Planeta. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,senado-tem-recesso-suspenso-para-votar-codigo-florestal, 932938,0.htm>. Acesso em: 19 set. 2012.
DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio (Coords.). Estatuto da Cidade: Comentários à Lei Federal 10.257/2001. 2ª ed., São Paulo: Malheiros e SBDP, 2006.
______; DI SARNO, Daniela Campos Libório (Coords.). Direito Urbanístico e Direito Ambiental. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2007.
DATAFOLHA Instituto de Pesquisas. Código Florestal: pesquisa de opinião pública... Junho/2011. Disponível em: <http://uc.socioambiental.org/sites/uc. socioambiental.org/files/ Relatorio_Datafolha_Codigo_Florestal.pdf>. Acesso em: 11 jun. 2011, 11h 34min.
DEAN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. Trad. Cid Knipel Moreira. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2008.
______. A Propriedade na Constituição de 1988 e o Conteúdo da “Função Social”. In: Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 7, n. 27, jul.-set. de 2002, pp. 58-69.
DEUS, Teresa Cristina de. Tutela da flora em face do direito ambiental brasileiro. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003.
DI SARNO, Daniela Campos Libório. Elementos de Direito Urbanístico. Barueri, SP: Manole, 2004.
______. Direito Urbanístico Moderno: Meio Ambiente Urbano e Qualidade de Vida. São Paulo: PUC/SP, 2002, Tese de Doutorado, 162 p.
______. Competências Urbanísticas. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio (Coords.). Estatuto da Cidade: Comentários à Lei Federal 10.257/2001. 2ª ed., São Paulo: Malheiros e SBDP, 2006. p. 61-70.
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 20ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009.
______. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Obrigações – v. 2. 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
______. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Coisas – v. 4. 21ª ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006.
______. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada. São Paulo:
131
Saraiva, 2009.
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução Nelson Boeira. 3ª. ed. São Paulo: Editora WMF Marins Fontes, 2010.
______. Uma questão de princípio. Tradução Luis Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
ENGISH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Tradução J. Baptista Machado. 8ª. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1983.
FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. A Ciência do Direito. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1980.
______. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2010.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 37ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011.
FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A propriedade no direito ambiental. 4ª. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
______ et al. Código Florestal: 45 anos – estudos e reflexões. Curitiba: Arte e Letra, 2012.
______. Temas de Direito Ambiental e Urbanístico. São Paulo: Max Limonad, 1998.
______. In: Debates sobre o Código Florestal, 2012, São Paulo, Procuradoria Geral do Estado de São Paulo.
FINK, Daniel Roberto; PEREIRA, Márcio Silva. Vegetação de preservação permanente e meio ambiente urbano. In: Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 2, p. 77, abr. / 1996.
FIGUEIREDO, Lucia Valle. Disciplina urbanística da propriedade. São Paulo: Malheiros, 2005.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 10ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009.
______. Estatuto da Cidade comentado: Lei 10.257/2001 – Lei do Meio Ambiente Artificial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 2ª. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 3ª. ed. São Paulo: Celso Bastos, 2003.
HART, Herbert L. A. O conceito do direito. Tradução A. Ribeiro Mendes. 3ª. ed.
132
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007.
HOBSBAWN, Eric John Ernst. Era dos extremos: breve século XX: 1914-1991. Trad. Marcos Santarrita. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letra, 2008.
HUMBERT, Georges Louis Hage. Direito Urbanístico e Função Socioambiental da Propriedade Imóvel Urbana. Belo Horizonte: Fórum, 2009.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico 2010: Aglomerados subnormais. Primeiros Resultados. Rio de Janeiro: IBGE, 2011. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/ populacao /censo2010/aglomerados_subnormais/agsn2010.pdf>. Acesso em 10 dez. 2012, 12h 08min.
INSTITUTO PÓLIS. Regularização da Terra e Moradia. Ago. – out. / 2002. Disponível em: <http://www.polis.org.br/uploads/949/949.pdf>. Acesso em 10 dez. 2012, 16h 55min.
LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
LEVIN, Alexandre. Parcelamento, edificação e utilização de imóveis públicos urbanos. Belo Horizonte: Fórum, 2010.
LOVELOCK, James. Gaia: cura para um planeta doente. Trad. Aleph Teruya Eichemberg e Newton Roberval Eichemberg. São Paulo: Editora Cultrix, 2006.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 16ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2008.
______. Florestas de Preservação Permanente e o Código Florestal Brasileiro. In: Revista dos Tribunais, mai. / 1980, vol. 535, São Paulo: Revista dos Tribunais, pp. 19-32.
MADUEÑO, Denise. Câmara aprova Código Florestal que beneficia grandes donos de terra. O Estado de São Paulo. São Paulo, 18 set. 2012, Planeta. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,camara-aprova-codigo-florestal-que-beneficia-grandes-donos-de-terra,932475,0.htm>. Acesso em: 19 set. 2012.
MAIA, Leonardo Castro. A Reserva Legal Florestal e os Imóveis Situados em Zona Rual, Urbana e de Expansão Urbana. In: Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 63, jul. / 2011, p. 375.
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos, conceitos e legitimação para agir. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
MARCHESAN, Ana Maria Moreira. Áreas de “Degradação Permanente”, Escassez e Riscos. In: Revista de Direito Ambiental. vol. 35, Jul./ 2004, pp. 190 e ss.
MEDAUAR Odete. Direito Administrativo Moderno. 11ª ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
133
______; ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de (Coords.). Estatuto da Cidade: Lei 10.257, de 10.07.2001: comentários. 2ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de Construir. 6ª ed., São Paulo: RT, 1994.
______. Direito Municipal Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008.
MELO, Lígia. Direito à Moradia no Brasil: Política Urbana e Acesso por meio da Regularização Fundiária. Belo Horizonte: Fórum, 2010.
METZGER, Jean Paul. Entrevista à Rádio CBN em 24.04.12 (arquivo de áudio). Disponível em: <www.cbn.com.br>. Acesso em 25 abr. 2012, 20h 38min.
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 5ª ed. reform., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2007.
______; MACHADO, Paulo Affonso Leme (Coord.). Novo Código Florestal: Comentários à Lei 12.651, de 25 de maio de 2012 e à MedProv 571, de 25 de maio de 2012. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
MORAES, Luís Carlos Silva de. Código Florestal comentado. São Paulo: Atlas, 1999.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Introdução ao direito ecológico e ao direito urbanístico. Rio de Janeiro-São Paulo: Forense, 1975.
______. Competência concorrente limitada: o problema da conceituação das normas gerais. In: Revista de Informação Legislativa. Brasília, ano 25, nº 100, out.-dez. / 1988, p. 127-162. Disponível em <http://www2.senado.gov.br/bdsf/bitstream /id/181992/1/000857523.pdf>. Acesso em: 15.02.2013, 11h 02min.
MOREIRA, Danielle de Andrade. O conteúdo ambiental dos planos diretores e o Código Florestal. In: Revista de Direito Ambiental. Vol. 49, p. 73-95, jan. / 2008.
Movimento "Veta, Dilma!", sobre o Código Florestal, vira fenômeno nas redes sociais. UOL. São Paulo, 04 mai. 2012. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/ciencia/ultimas-noticias/redacao/2012/05/04/movimento-ve ta-dilma-sobre-o-codigo-florestal-ganha-as-redes-sociais.htm>. Acesso em: 29 set. 2012.
NERY JUNIOR, Nelson; D'ISEP, Clarissa Ferreira Macedo; MEDAUAR, Odete. (Coords.) Políticas públicas ambientais: estudo em homenagem ao professor Michel Prieur. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Comentários ao Estatuto da Cidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Comentário Geral nº 4 sobre o Direito à Moradia Adequada. Disponível em: <http://www.unhchr.ch/tbs/doc.nsf/(Symbol)/469f4d91a9378221c12563ed00535 47e?Opendocument>. Acesso em 27 dez. 2012, 12h 48min.
134
______. Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano. Declaração de Estocolmo. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/doc/estoc72.htm>. Acesso em 20 dez. 2009, 12h 36min.
PADILHA, Norma Sueli. Colisão de Direitos Metaindividuais e a Decisão Judicial. Porto Alegre: Sergio Antonio Frabris Editor, 2006.
PERELMAN, Chaim. Ética e direito. Tradução Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
PIETRE, Ronald. O Código Florestal e as Zonas Urbanas. In: Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 43, jul./2006, p. 355.
PINTO, Victor Carvalho. Direito Urbanístico: plano diretor e direito de propriedade. 3ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. São Paulo: Max Limonad, 2003.
REALE, Miguel. Fontes e modelos do direito: para um novo paradigma hermenêutico. São Paulo: Saraiva, 1994.
REMÉDIO JÚNIOR, José Ângelo. O Princípio da Socialidade e Direitos Metaindividuais: Responsabilidade Social. Disponível em: <http://www2.pucpr.br/reol/index.php/DIREITOECONOMICO?dd1=5809&dd99=view>. Acesso em 17 out. 2012.
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Considerações a respeito da (in)constitucionalidade do projeto de lei de alteração do Código Florestal Brasileiro em face da garantia da proibição de retrocesso (sócio)ambiental. Disponível em: <http://aprodab.blogspot.com.br/search/label/Ingo%20Wolfgang%20 Sarlet>. Acesso em: 11 jun. 2012, 17h 20min.
SAULE JÚNIOR, Nelson. A Proteção Jurídica da Moradia nos Assentamentos Irregulares. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, 2003, Tese de Doutorado. 545 p.
_______. O Direito à Moradia como Responsabilidade do Estado Brasileiro. In: SAULE JÚNIOR, Nelson (Coord.). Direito à Cidade: Trilhas Legais para o Direito às Cidades Sustentáveis. São Paulo: Max Limonad e Pólis – Assessoria, Formação e Estudos em Políticas Sociais, 1999, pp. 63-126.
_______; CARDOSO, Patrícia de Menezes. O Direito à Moradia no Brasil. São Paulo: Instituto Pólis, 2005.
_______; NAKANO, Kazuo; et. al. O planejamento do município e o território rural. São Paulo: Instituto Pólis, 2004.
SILVA, Danny Monteiro da. Dano Ambiental e sua Reparação. Curitiba: Juruá, 2011.
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 9ª ed. atual. São Paulo:
135
Malheiros, 2011.
______. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005.
______. Direito Urbanístico Brasileiro. 5ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2008.
SILVA, José Antonio Aleixo da (Coord.). O Código Florestal e a Ciência: Contribuições para o Diálogo. São Paulo: Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Academia Brasileira de Ciências, 2011. Disponível em: <http://www.sbpcnet.org.br/site/arquivos/codigo _florestal_e_a_ciencia.pdf>, acesso em 3 mai. 2012, 17h 14min.
SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. 7ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009.
STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade Civil Ambiental: As Dimensões do Dano Ambiental no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2ª ed. rev., atual. e ampl. 2011.
STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
SUNDFELD, Carlos Ari. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio (Coords.). Estatuto da Cidade: Comentários à Lei Federal 10.257/2001. 2ª ed. São Paulo: Malheiros e SBDP, 2006.
VALLE, Raul do. O novo Código e o remendo florestal. Disponível em <http://www.socioambiental.org/nsa/direto/direto_html?codigo=2012-10-19-090312>. Acesso em 09 fev. 2013.
VELOSO, Henrique Pimenta; RANGEL FILHO, Antonio Lourença Rosa; LIMA, Jorge Carlos Alves. Classificação da vegetação brasileira, adaptada a um sistema universal. Rio de Janeiro: IBGE, Departamento de Recursos Naturais e Estudos Ambientais, 1991. Disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao /monografias/GEBIS%20-%20RJ/classificacaovegetal.pdf>. Acesso em 27 ago.2012, 17h 10min.
VIEIRA, Oscar Vilhena. A globalização e o direito: realinhamento constitucional. Disponível em <http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/oscarvilhena/vilhena _unidir.html>. Acesso em 20 abr. 2012, 13h29min.
______. Discricionariedade judicial e direitos fundamentais. Disponível em <http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/oscarvilhena/vilhena_discricionalidade.html>. Acesso em 20 abr. 2012, 17h44min.
______. Os limites da autoridade do direito. In: FIGUEIREDO, Marcelo; PONTES FILHO, Valmir (Orgs.). Estudos de Direito Público em homenagem a Celso Antonio Bandeira de Mello. São Paulo: Malheiros, 2006.
WAINER, Ann Helen. Legislação ambiental brasileira: subsídios para a história
136
do direito ambiental. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991.
WALCACER, Fernando Cavalcanti. In: Debates sobre o Código Florestal, 2012, São Paulo, Procuradoria Geral do Estado de São Paulo.
WOLKMER, Antonio Carlos; LEITE, José Rubens Morato Leite (Orgs.). Os 'novos' direitos no Brasil: natureza e perspectivas, uma visão básica das novas conflituosidades jurídicas. São Paulo: Saraiva, 2003.
YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato. A Efetividade da Proteção do Meio Ambiente e a Participação do Judiciário. In: YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato. Tutela dos Interesses difusos e Coletivos. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2006.
______; AMADEI, Vicente de Abreu. Área de Preservação Permanente (APP) em zona urbana. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme (Coords.). Novo Código Florestal: comentários à Lei 12.651, de 25 de maio de 2012 e à MedProv 571, de 25 de maio de 2012. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, pp. 436-448.