UNIVERSIDADE TIRADENTES
DIRETORIA DE PESQUISA E EXTENSÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MESTRADO EM DIREITOS HUMANOS
AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE REINSERÇÃO SOCIAL NO
SISTEMA PENITENCIÁRIO SERGIPANO (2013 - 2014)
ARACAJU, SE - BRASIL
FEVEREIRO DE 2015
AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE REINSERÇÃO SOCIAL NO
SISTEMA PENITENCIÁRIO SERGIPANO (2013 - 2014)
GABRIEL RIBEIRO NOGUEIRA JUNIOR
DISSERTAÇÃO SUBMETIDA AO PROGRAMA DE PÓS-
GRADUAÇÃO EM DIREITO DA UNIVERSIDADE TIRADENTES
COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A
OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM DIREITOS HUMANOS.
Orientadora: PROFª. DRª. VERÔNICA TEIXEIRA MARQUES
ARACAJU, SE - BRASIL
FEVEREIRO DE 2015
ii
AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE REINSERÇÃO SOCIAL NO
SISTEMA PENITENCIÁRIO SERGIPANO. (2013 - 2014)
GABRIEL RIBEIRO NOGUEIRA JUNIOR
DISSERTAÇÃO SUBMETIDA AO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
DA UNIVERSIDADE TIRADENTES COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS
PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM DIREITOS HUMANOS
Aprovada por:
_____________________________________________________________
Profa. Dra. VERÔNICA TEIXEIRA MARQUES (Orientadora)
_____________________________________________________________
Prof. Dr. DIEGO FREITAS RODRIGUES (Membro Externo da Banca)
_____________________________________________________________
Profa. Dra. GABRIELA MAIA REBOUÇAS (Membro Interno da Banca)
_____________________________________________________________
Profa. Dra. KARYNA BATISTA SPOSATO (Membro Suplente da Banca)
ARACAJU, SE - BRASIL
FEVEREIRO DE 2015
iii
Ficha catalográfica: Rosangela Soares de Jesus CRB/5 1701
Nogueira Junior, Gabriel Ribeiro
N778p As políticas públicas de reinserção social no sistema penitenciário sergipano
(2013 – 2014) / Gabriel Ribeiro Nogueira Junior ; orientação [de] Profª. Drª. Verônica
Teixeira Marques – Aracaju: UNIT, 2015.
129 p. il.: 30cm
Inclui bibliografia. Dissertação (Mestrado em Direitos Humanos)
1.Políticas públicas. 2. Reinserção social. 3. Sistema penitenciário-Sergipe. 4. Pesquisa
de campo. I. Marques, Verônica Teixeira. II. Universidade Tiradentes. III. Título.
CDU: 36:304.4
iv
Dedico este trabalho a dois públicos específicos: primeiro
aos homens e mulheres que podem, acreditam e realizam
alguma ação para minimizar os efeitos estigmatizantes da
pena privativa de liberdade, notadamente, os que
perseguem a reinserção social de egressos, mesmo sendo
apontados como idealista. Ainda dedico esse estudo
àqueles que passam pelo sistema prisional, encontram
motivos para seguir em frente, sem se deixar abalar por
completo, e retornam ao meio social que os alijou,
tentando apenas resgatar as suas vidas, com a sensação de
quitação de seu dever para com o Estado e a sociedade.
Precisamos acreditar mais que eles existem e que merecem
nosso respeito.
v
AGRADECIMENTOS
A conclusão de um curso de mestrado representa o encerramento de um ciclo, extremamente,
desgastante e de intensa entrega, embora seja bastante gratificante e engrandecedor, pessoal e
profissionalmente. Chegar ao final dessa jornada não seria possível, se acaso não contasse
com a ajuda decisiva de algumas pessoas para quem, por ora, passo a proferir o meu muito
obrigado!
Agradeço, inicialmente, a Deus, por ter me agraciado com o dom da vida, além de revelar-se
presença real em todos os momentos de minha trajetória, fossem eles de tribulações ou de
alegrias, sempre me acolhendo e confortando-me.
Aos meus pais, Gabriel e Ana, que sempre me incentivaram na busca incessante pelo saber,
desde a mais tenra idade, até os dias de hoje, servindo como referenciais de amor, dedicação,
respeito e amor ao próximo.
À minha irmã Ana Gabriela, a meu cunhado Bruno, aos meus sobrinhos Sofia e Benjamin, a
meus primos e tios que me apresentaram o primeiro núcleo de família que, como nenhuma, é
perfeita, mas que foi edificada sobre robustas bases de amor, companheirismo, fraternidade e
respeito, ajudando-me na consolidação de meu caráter e de minha visão de mundo mais
humana.
À minha amada filha Isadora, que mesmo com pouca idade, já me faz conjugar o verbo amar
em todas as suas mais variadas formas e extensões e cuja perfeita sintonia, faz com que me
sinta pleno e por quem me esforço para que sejam os bons exemplos aqueles os que se
destaquem nessa difícil missão que é educar e criar.
À minha esposa e companheira Michelle, por todo amor, carinho, dedicação e auxílio que tem
me dispensado, e por ter sempre me incentivado e apostado no meu engrandecimento
enquanto profissional e como pessoa.
Ao meu sogro Gilson, pela forma leve com que lida a vida e muito me ensinou com o seu
jeito de ser e à minha sogra Socorro que, mesmo em outro plano, certamente vibra com essa
minha conquista.
Agradeço à minha orientadora Verônica Teixeira Marques, pelo compartilhamento de sua
vasta experiência e conhecimentos teóricos e práticos, em especial das relações humanas e do
sistema prisional, temática pela qual nutrimos especial interesse, principalmente, pela
oportunidade de tentarmos contribuir, de alguma forma, para a mudança desse modelo
essencialmente violador e produtor de estigmas
A toda a equipe de jovens pesquisadores que se incrustou no interior de unidades prisionais
insalubres, na coleta de dados que foram analisados e que serviram de norte para todo
desenvolvimento desse nosso estudo, que ganhou um cunho muito mais verdadeiro e próximo
dessa realidade de difícil, mas não impossível, reversão. Silencio em declinar nomes, para não
incorrer no erro de esquecer-me de alguém. Muito obrigado.
Agradeço, ainda ao colega Luiz Eduardo Oliveira, companheiro de jornada e de estudo, pela
igual preocupação com a construção de um ambiente mais saudável e menos hostil dentre dos
estabelecimentos prisionais, bem como agradeço a todos os demais colegas de turma, seremos
lembrados como os desbravadores dessa senda na Universidade Tiradentes.
Agradeço às professoras Vania Fonseca e Cristiane Oliveira pela paciência e valorosa
contribuição na sistematização metodológica de nosso estudo, em especial, na definição de
categorias e no tratamento e análise das centenas de dados que foram coletados durante a
pesquisa de campo e nas ricas ponderações da construção do texto.
A todos os professores do Mestrado que colaboraram com o engrandecimento de nosso saber
e pelas lições de vida que foram transmitidas ao longo das aulas ministradas.
Agradeço ainda aos Secretários de Justiça e Cidadania e da Segurança Publica, aos diretores
das unidades prisionais e agentes penitenciários, bem aos Delegados de Polícia Civil e
vi
Agentes de Polícia que permitiram o acesso aos presídios e delegacias, além de terem
respondido aos questionários aplicados durante a pesquisa, colaborando de forma
imprescindível para a consecução de nosso trabalho.
Agradeço, ademais, a todos os reclusos do sistema prisional sergipano, que se
disponibilizaram, a responder aos questionários, partilhando suas experiências de sofrimento e
de adaptações à vida do cárcere, permitindo que conhecêssemos mais de perto, as suas
realidades.
Enfim, a todos aqueles que, direta ou indiretamente, me ajudaram na conclusão desta fase de
vida, pelo que sou eternamente grato.
vii
Os gregos, que tinham bastante conhecimento de
recursos visuais, criaram o termo estigma para se
referirem a sinais corporais com os quais se
procurava evidenciar alguma coisa de
extraordinário ou mau sobre o status moral de
quem os apresentava. Os sinais eram feitos com
cortes ou fogo no corpo e avisavam que o
portador era um escravo, um criminoso ou
traidor, uma pessoa marcada, ritualmente poluída,
que devia ser evitada; especialmente em lugares
públicos. (...) Atualmente, o termo é amplamente
usado de maneira um tanto semelhante ao sentido
literal original, porém é mais aplicado à própria
desgraça do que à sua evidência corporal.
Erving Goffman - Estigma
viii
RESUMO
Existem políticas públicas de reinserção social de presos no estado de Sergipe? Com o
presente trabalho buscou-se elaborar um diagnóstico da realidade do sistema prisional do
estado de Sergipe, no período compreendido entre os anos de 2013 e 2014, tendo como foco a
identificação das políticas públicas de reinserção social, dirigidas aos reclusos. O trabalho foi
baseado em dados primários do levantamento de campo e dados secundários disponíveis no
Departamento Penitenciário Nacional - DEPEN, Informações Penitenciárias - INFOPEN, na
Secretaria de Estado da Justiça e de Defesa ao Consumidor - SEJUC, Secretaria de Segurança
Pública – SSP. Durante a pesquisa de campo, foram visitadas 07 (sete), das 09 (nove)
unidades prisionais estaduais, sendo excluído um dos presídios (situado no município de
Areia Branca), por encontrar-se interditado, e o Hospital de Custódia e Tratamento, em razão
da necessidade de garantirem-se a coerência e validade das respostas aos questionários
aplicados. Nessa unidade, estão recolhidas pessoas consideradas inimputáveis, ou seja,
portadoras de algum transtorno que retirou sua capacidade de orientação, no momento da
prática delitiva, justificando a aplicação de medida de segurança. Do universo de 4.528 presos
das 07(sete) unidades prisionais estudadas reuniu-se a amostra de 525 (quinhentos e vinte e
cinco) reclusos que se disponibilizaram a responder aos questionários, já descartados nesse
cômputo os instrumentos cujas respostas demonstraram haver, inconsistência evidente,
reputando-se tais questionários como completamente prejudicados. A partir do levantamento
desses dados, foi possível traçar um perfil dos presos integrantes do sistema penitenciário
sergipano, bem como identificar as políticas públicas destinadas à reinserção social dos
reclusos. Igualmente, os dados reunidos apontaram forte conexão entre a condição
socioeconômica baixa e a prática de delitos patrimoniais, nos quais se incluiu o tráfico de
entorpecentes para fins deste estudo. Os dados levantados confirmam a atuação seletiva do
Direito Penal como instrumento de dominação e criminalização dos mais pobres, dentro de
um contexto da sociedade contemporânea, cujo paradigma moderno que lhe alicerça encontra-
se em xeque, face ao consumo desenfreado e a criação de necessidades em patamares já
exaurientes. Abordou-se, ademais, a reinserção social como um direito constituído dos presos,
os quais devem buscá-la por mecanismos, tais como o trabalho e o estudo e a manutenção dos
seus vínculos sociais, durante a execução penal, sem descurar das oportunas considerações
realizadas pelos representantes da Criminologia Crítica. Por fim, as políticas públicas
prisionais, aqui compreendidas como aquelas que devem buscar proteger os Direitos
Humanos dos reclusos, foram analisadas para uma melhor compreensão de como se estrutura
e se realiza em Sergipe. Nesse sentido, as análises dos dados obtidos permitiram identificar as
lacunas das políticas públicas, em especial aquelas que impedem que sejam mais eficientes e
capazes de garantir a reinserção social dos presos sergipanos.
PALAVRAS CHAVES: Políticas públicas; reinserção social; sistema penitenciário.
ix
ABSTRACT
Are there public policies for social reintegration of prisoners in the state of Sergipe? The
present work was aimed to develop a diagnosis of the reality of the prison system of the state
of Sergipe, in the period between the years 2013 and 2014, focusing on the identification of
public policies for social reintegration, addressed to inmates. The work was based on primary
data from field survey and secondary data available at the National Penitentiary Department -
DEPEN, Penitentiary Information - INFOPEN, the State Department of Justice and Consumer
Protection - SEJUC, Public Security Department - SSP. During the field research, seven (07)
of 09 (nine) state prisons were visited, excluding one of the prisons (located in Areia Branca),
because it was restricted, and the Custody and Treatment Hospital (Hospital de Custódia e
Tratamento), due to the need to ensure the consistency and validity of the responses to the
questionnaires. In this unit, are gathered people considered un-imputable, that is, suffering
from some kind of disorder that withdrew their orientation capability, at the time of unlawful
activities, justifying the application of security measures. Of the 4,528 prisoners universe of
the seven (07) studied prison units, it was gathered the sample of 525 (five hundred twenty-
five) inmates who agreed to answer the questionnaires, already discarded in this reckoning the
instruments whose answers showed that there were glaring inconsistency, reputing those
questionnaires as completely damaged. From the surveyed data it was possible to draw a
profile of the jailbirds of Sergipe prison system, as well as to identify public policies intended
to the social reintegration of prisoners. Also, the data gathered indicated a strong link between
low socioeconomic status and the practice of property crimes, in which drug trafficking was
included for purposes of this study. The data collected confirm the selective role of Criminal
Law as an instrument of domination and criminalization of the poorest ones, within a context
of the contemporary society, whose modern paradigm that underpins it is at stake, given the
rampant consumption and the creation of necessities in levels already exhaustive. It was
approached, moreover, the social reintegration as a constituted right of prisoners, who should
seek it by mechanisms such as work and study and the maintenance of their social bonds
during the criminal enforcement, without neglecting the opportune considerations made by
the representatives of the Critical Criminology. Finally, the public prison policies, here
understood as those who should seek to protect the Human Rights of prisoners, were analyzed
for a better understanding of how it is structured and takes place in Sergipe. In this sense, the
analysis of the obtained data allowed the identification of gaps in public policies, especially
those that prevent being more efficient and capable of ensuring social rehabilitation to the
prisoners of Sergipe.
KEYWORDS: Public policies; social reintegration; prison system.
x
SUMÁRIO
RESUMO ................................................................................................................................ viii
ABSTRACT .............................................................................................................................. ix
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 14
2 DIREITOS HUMANOS, SISTEMA PENITENCIÁRIO E INIMIGOS NA SOCIEDADE
CONTEMPORÂNEA .............................................................................................................. 19
2.1 Do nascimento das prisões modernas aos inimigos da sociedade contemporânea
histórico-filosófica do sistema penitenciário e dos direitos humanos .................................. 25
2.2 Panorama do Sistema Penitenciário no Brasil e em Sergipe .......................................... 32
2.3 A questão da Reinserção Social vista pelas lentes da criminologia crítica .................... 38
3 REINSERÇÃO SOCIAL COMO DIREITO ......................................................................... 44
3.1 Reinserção Social como direito ...................................................................................... 45
3.1.1 Reinserção Social pelo trabalho .................................................................................. 48
3.1.2 Reinserção Social pelo estudo ..................................................................................... 51
4 POLÍTICAS PÚBLICAS DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS DOS PRESOS:
UMA ANÁLISE DA REINSERÇÃO SOCIAL NO SISTEMA PENITENCIÁRIO EM
SERGIPE .................................................................................................................................. 69
4.1 Conceito e processo de formação de políticas públicas e experiências direcionadas aos
presos em Sergipe ................................................................................................................. 70
4.2 Políticas públicas penitenciárias em Sergipe e o respeito aos Direitos Humanos .......... 77
4.3 Análise da Reinserção Social como direito a partir dos dados levantados nos presídios
sergipanos (2013-2014) ........................................................................................................ 79
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS: AGIR É PRECISO ............................................................. 112
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 120
xi
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Distribuição dos presos que participaram da amostra por unidades prisionais em
Sergipe. 2013 ............................................................................................................................ 81
Tabela 2 - Distribuição etária, por faixas, dos presos do Sistema Penitenciário Sergipano.
2013 .......................................................................................................................................... 82
Tabela 3 - Distribuição etária, por faixas, dos presos brasileiros segundo levantamento do
DEPEN em 2008 ...................................................................................................................... 82
Tabela 4 - Autodeclaração da cor da pele dos presos do Sistema Penitenciário Sergipano.
2013 .......................................................................................................................................... 83
Tabela 5 - Perfil do Interno brasileiro: distribuição por tipo de etnia. 2008 ............................ 84
Tabela 6 - Estado civil dos Presos do Sistema Penitenciário Sergipano. 2013 ........................ 85
Tabela 7 - Faixas de Renda Presos do Sistema Penitenciário Sergipano. 2013 ....................... 85
Tabela 8 - Faixas de Renda do Presídio Feminino de Sergipe. 2013 ....................................... 86
Tabela 9 - Grau de Escolaridade dos Presos do Sistema Penitenciário Sergipano. 2013......... 87
Tabela 10 - Tipo de Profissão exercida pelos Presos do Sistema Penitenciário Sergipano por
ocasião da prisão. 2013 ............................................................................................................. 88
Tabela 11 - Internos do Sistema Penitenciário Sergipano que possuíam carteira de trabalho
quando foram presos. 2013 ....................................................................................................... 90
Tabela 12 - Internos do Sistema Penitenciário Sergipano que estavam trabalhando com
carteira assinada quando foram presos. 2013 ........................................................................... 90
Tabela 13 - Internos do Sistema Penitenciário Sergipano que receberam auxílio reclusão
quando foram presos. 2013 ....................................................................................................... 91
Tabela 14 - Atividades laborativas desenvolvidas pelos Presos do Sistema Penitenciário
Sergipano. 2013 ........................................................................................................................ 92
Tabela 15 - Atividades laborativas de interesse dos Presos do Sistema Penitenciário
Sergipano. 2013 ........................................................................................................................ 95
Tabela 16 - Satisfação dos presos do Sistema Penitenciário Sergipano em desenvolver
atividade laborativa. 2013......................................................................................................... 97
Tabela 17 - Percepção sobre a contribuição da atividade laborativa pelos Presos do Sistema
Penitenciário Sergipano no processo de reinserção social. 2013 ............................................. 97
Tabela 18 - Ocorrência de Remição pela participação em atividades laborativas pelos Presos
do Sistema Penitenciário Sergipano. 2013 ............................................................................... 98
Tabela 19 - Participação em atividades educacionais dos Presos do Sistema Penitenciário
Sergipano. 2013 ........................................................................................................................ 99
Tabela 20 - Satisfação em participar de atividades educacionais dos Presos do Sistema
Penitenciário Sergipano. 2013 .................................................................................................. 99
Tabela 21 - Contribuição da atividade educacional para reinserção social dos Presos do
Sistema Penitenciário Sergipano. 2013 .................................................................................. 100
xii
Tabela 22 - Tipo de Crime praticado pelos Presos do Sistema Penitenciário Sergipano. 2013
................................................................................................................................................ 101
Tabela 23 - Tipo de Crime praticado pelas Presas do PREFEM. 2013 .................................. 102
Tabela 24 - Cônjuge ou Companheiro das internas do PREFEM encontra-se atualmente preso.
2013 ........................................................................................................................................ 103
Tabela 25 - Tipo de crime praticado pelos Cônjuge ou Companheiro das internas do
PREFEM. 2013 ....................................................................................................................... 103
Tabela 26 - Aspectos das condições dos presídios considerados negativos pelos presos do
sistema penitenciário sergipano. 2013 .................................................................................... 104
Tabela 27 - Aspectos das condições dos presídios considerados positivos pelos presos do
Sistema Penitenciário Sergipano. 2013 .................................................................................. 107
Tabela 28 - Aspectos considerados positivos pelos presos do sistema penitenciário sergipano,
individualizado por unidade. 2013 ......................................................................................... 109
Tabela 29 - Religião professada pelos presos do sistema penitenciário sergipano. 2013 ...... 110
xiii
LISTA DE SIGLAS
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
CADEIÃO – Cadeia Territorial de Nossa Senhora do Socorro/SE;
CIDH – Comissão Interamericana de Direitos Humanos;
COMPAJAF – Complexo Penitenciário Advogado Antonio Jacintho Filho - em Nossa
Senhora do Socorro/SE;
CF/88 – Constituição Federal de 1988;
COPEMCAN – Complexo Penitenciário Dr. Manoel Carvalho Neto - em São Cristóvão/SE;
CONEP – Conselho Nacional de Ética em Pesquisa; CENAE – Central Nacional de Apoio ao Egresso;
CESARB II – Centro Estadual de Reintegração Social Areia Branca - em Areia Branca/SE;
CNPCP – Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária;
DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional;
DESIPE – Departamento Central do Sistema Penitenciário;
ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio;
FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação;
PBA – Programa Brasil Alfabetizado;
PREMABAS – Presídio Regional Juiz Manoel Barbosa de Souza - em Tobias Barreto/SE;
PRESLEN – Presídio Regional Senador Leite Neto no município de Nossa Senhora da
Glória;
CF/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988;
CPB – Código Penal Brasileiro;
LEP – Lei nº 7.210/84 – (Lei de Execução Penal);
PREFEM – Presídio Feminino de Sergipe, situado no Povoado Taboca, em Nossa Senhora
do Socorro/SE;
OEA – Organização dos Estados Americanos;
ONU – Organização das Nações Unidas;
14
1 INTRODUÇÃO
Por que não fechar os olhos para uma realidade aparentemente distante e que choca
aqueles que se arriscam a encará-la de frente, ou melhor, de dentro? Sair da inércia e buscar
entender, com mais propriedade, boa parte das nuances que permeiam o sistema prisional, em
especial, a realidade de estado de Sergipe, desvendando a sua rotina, suas carências, violações
e iniciativas positivas, no que toca ao processo de reinserção social de presos e mais,
compreender o porquê do descumprimento da obrigatoriedade de implementação de políticas
públicas por parte do Estado, para garantir o mínimo existencial e a efetivação da dignidade
da pessoa humana, além da ausência de fiscalização pelos órgãos competentes, foram as
principais motivações para o desenvolvimento do presente estudo.
Partindo da premissa de que a pena contempla as finalidades de prevenção geral e
especial, além de reafirmar a ordem jurídica, como discute Regis Prado (2004), ela deve servir
para garantir que, tanto o infrator não volte a delinquir, eis que sabe o que lhe ocorrerá,
quanto a sociedade, que acompanha as consequências da infração à lei, com o cometimento
do delito, para que não se sinta estimulada a seguir a mesma senda. Assim, cumprida a pena,
que tem uma duração máxima prevista em lei, e não se protrai, indefinidamente, no tempo, o
sentenciado retorna ao convívio social para interagir com aqueles que permaneceram do outro
lado dos muros do claustro. Essa é a principal razão para que sejam pensadas alternativas para
recepcionar o egresso, com vistas a impedir que o mesmo continue envolvido com a
criminalidade e reincida.
O objetivo geral do presente estudo foi o de identificar as políticas públicas de
reinserção social no sistema prisional sergipano, analisando os seus principais mecanismos
viabilizadores. Para alcançá-lo, foram estabelecidos alguns objetivos específicos, dentre os
quais: traçar o perfil dos presos do estado de Sergipe, correlacionando suas condições
socioeconômicas aos tipos de delitos praticados; identificar as principais ferramentas de
reinserção social de presos, em especial as concernentes ao trabalho e ao estudo; conhecer as
políticas públicas para egressos existentes em Sergipe.
O trabalho utilizou os dados levantados no curso da execução de um projeto1 firmado
entre a Fundação de Apoio à Pesquisa e Inovação Tecnológica do estado de Sergipe
1 O referido projeto, financiado pela FAPITEC-SE e intitulado ―Perfil dos Presos no Estado de Sergipe e
identificação de políticas públicas para egressos‖, fruto do EDITAL FAPITEC/SE/FUNTEC Nº 13/2011, teve
protocolo no Conselho de Ética e Pesquisa (CEP) o número 040712R, e, após execução e conclusão, foi
publicado: Marques, et al, (2014).
15
(FAPITEC) o Instituto de Tecnologia e Pesquisa (ITP), a Secretaria de Justiça e Cidadania
(SEJUC) e a Secretaria de Segurança Pública (SSP), cujo objetivo era o mapeamento dos
presídios sergipanos com vistas a traçar o perfil dos presos e identificar as políticas públicas
para egressos.
Para que a pesquisa fosse levada a efeito e tivesse um resultado positivo, foram
utilizados alguns instrumentais metodológicos. Inicialmente, para subsidiar os estudos com os
dados reunidos foi realizado um levantamento bibliográfico e documental compreendendo
leis, relatórios técnicos, livros, artigos, monografias, dissertações, teses dentre outros,
necessários ao enquadramento teórico e analítico do objeto.
No estado de Sergipe existem 09 (nove) unidades prisionais, a saber: o Complexo
Penitenciário Dr. Manoel Carvalho Neto (COPEMCAN), situada em São Cristóvão, o Centro
Estadual de Reintegração Social Areia Branca, com duas unidades, (CESARB I e CESARB
II), em Areia Branca, o Presídio Regional Juiz Manoel Barbosa de Souza (PREMABAS) em
Tobias Barreto, o Presídio Regional Senador Leite Neto (PRESLEN), no município de Nossa
Senhora da Glória, o Presídio Feminino de Sergipe (PREFEM), situado no Povoado Taboca,
em Nossa Senhora do Socorro, a Cadeia Territorial de Nossa Senhora do Socorro
(CADEIÃO), em Nossa Senhora do Socorro, o Complexo Penitenciário Advogado Antonio
Jacintho Filho (COMPAJAF) em Aracaju e, por fim, o Hospital de Custódia e Tratamento
Psiquiátrico (HTCP), também em Aracaju.
Importante destacar que duas dessas unidades foram excluídas da pesquisa: o
CESARB I, pelo fato de encontrar-se em fase de desativação e o HTCP por ser uma unidade
de custódia de presos que cumprem medida de segurança, portanto considerados
inimputáveis, optando-se por garantir a validade e coerência das respostas aos questionários
que seriam aplicados, em razão da possibilidade de alteração da percepção dos internos que se
submeteriam à coleta de dados.
No curso da execução do projeto referido, com vistas a garantir maior segurança dos
dados que seriam reunidos, foi realizada pesquisa de campo com aplicação de questionários,
com presos e funcionários do sistema prisional e de unidade policiais que custodiam presos, o
que permitiu confronto com as fontes oficiais e a superação de eventuais inconsistências
encontradas. Registre-se que os dados oficiais foram levantados em sistemas eletrônicos e
outros documentos das Secretarias de Estado da Justiça e Cidadania e da Segurança Pública,
do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça, do Ministério Público de
Sergipe e do Tribunal de Justiça do Estado. Ademais foram utilizados indicadores e resultados
16
de pesquisas sobre o sistema prisional encontrados, a exemplo de Julião (2012) e Conselho
Nacional de Justiça (CNJ 2012; BRASIL, 2009).
O tamanho da amostra foi calculado com base no número de presos custodiados no
sistema prisional do estado de Sergipe, segundo informações do Departamento Central do
Sistema Penitenciário (DESIPE), no total de 4528 presos, sendo aplicado o cálculo amostral
conforme Barbetta (2002)2, obtendo-se uma amostra bastante considerável. Em razão da
grande quantidade de variáveis e dados levantados, e o questionário possuir muitos itens,
utilizou-se estatística descritiva com categorias de análise compatíveis com as usadas pelos
órgãos oficiais, de forma a permitir comparação entre as diversas fontes e os resultados da
pesquisa. Ademais, valeu-se de métodos quantitativos, visando à identificação de correlação
entre as variáveis.
Para ser possível o tratamento dos dados coletados, inicialmente foram estabelecidas
algumas categorias que possibilitaram o respectivo cruzamento e a análise mais detalhada das
variáveis criadas, com o uso do software Statistical Package for Social Science for Windows
(SPSS)3.
Destaque-se que, como o recorte do presente estudo foi dado em razão da análise das
políticas públicas de ressocialização, portanto, em face de presos definitivos, e daqueles
provisórios, mas reclusos em unidades penitenciárias, assim à disposição da SEJUC, os dados
levantados nas delegacias não foram aqui referidos.
Ressalve-se, outrossim, que o questionário elaborado para a pesquisa, que alicerçou o
presente trabalho, foi aplicado a funcionários e gestores de presídios e delegacias, bem como
aos presos, todos que se dispuseram, voluntariamente a participar do levantamento de dados,
assinando termo de consentimento livre e esclarecido, conforme exigência do Conselho
Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP). Tal instrumento de coleta foi aplicado por
pesquisadores treinados para que não fossem excluídos analfabetos e analfabetos funcionais.4
Arremate-se, informando que dentre as diversas variáveis, pode-se destacar dados
2 A formula é a seguinte N=X/(X.e²) + 1. Onde X = ao número total de presos (4528), e ―e‖ = erro amostral
aceitável (0,05). Totalizando amostra ideal de 367,53. A amostra da pesquisa foi de 525 presos, considerada
bastante representativa, eis que superior ao mínimo ideal. 3 O SPSS é um software ―para análise estatística de dados, em um ambiente amigável, utilizando-se de menus e
janelas de diálogo, que permite realizar cálculos complexos e visualizar seus resultados de forma simples e
autoexplicativas.‖ (GUIMARÃES, s/d, p. 01). 4 Cumpre destacar que pelo fato de o autor ocupar o cargo de Delegado de Polícia Civil no estado de Sergipe e a
pesquisa ter sido realizada com presos do sistema penitenciário sergipano, em entendimento com a coordenadora
do projeto, optou-se pela não participação daquele no levantamento de dados primários, para que os
entrevistados, em especial os presos, não se sentissem constrangidos com a sua presença e pudessem ser sinceros
e coerentes em suas respostas. Apesar de se reservar nesse momento específico da pesquisa, o autor laborou na
catalogação, tratamento e análise dos dados.
17
sociodemográficos e socioeconômicos, que estabeleceram o perfil dos presos, aspectos
positivos e negativos das unidades prisionais, os tipos de crimes praticados pelos pesquisados,
bem como elementos pertinentes à reinserção social dos presos, em relação ao trabalho e ao
estudo.
O presente trabalho foi elaborado após a realização dessa pesquisa e desenvolveu-se
em três capítulos, incluindo no último as análises dos dados, seguido das considerações finais.
O primeiro deles contextualiza a sociedade contemporânea, que sente os reflexos da
quebra do paradigma da modernidade, relacionado à sociedade de consumo desenfreado, ao
avanço do capitalismo, ao esgotamento dos meios de produção, à dominação de um poder
econômico sobre uma multidão de miseráveis e ao desrespeito da própria condição humana, a
partir de reflexões e provocações de Bauman (1998 e 1999) e Rebouças (2012), além da teoria
crítica dos direitos humanos, por seus expoentes como Sanchez Rubio (2013) e Boaventura de
Sousa Santos (2002). Acrescenta-se que esse contexto da modernidade relaciona-se,
diretamente, com o objeto pesquisado, pois se demonstrou que o Direito Penal tem servido,
perfeitamente, a esse propósito, como instrumento de criminalização dos mais pobres,
elegendo sua clientela, por um processo seletivo e de etiquetamento5, o que se constata
através das condições socioeconômicas da maioria dos presos pesquisados e dos tipos de
crime por eles praticados, essencialmente, patrimoniais.6 Por fim, trata da pauta dos Direitos
Humanos no Sistema Penitenciário, a partir de uma discussão das realidades carcerária
brasileira e sergipana.
Já no segundo capítulo, discutiu-se a temática da reinserção social, destrinchando o
seu conceito e os seus principais mecanismos viabilizadores, quais sejam: o trabalho e o
estudo, tendo como principais alicerces teóricos as obras de Falconi (1998), Baratta (2002) e
Julião (2012), identificando as ações desenvolvidas no sistema prisional de Sergipe, e
constatando o que precisa ser feito para que se ajustem ao que está previsto na Lei de
Execuções Penais (LEP) e efetivamente possam garantir um processo de reinserção social dos
presos.
Por fim, no terceiro capítulo discutem-se as políticas públicas, com enfoque nas que
são dirigidas ao sistema prisional, visando à reinserção social de presos e egressos. Nesse
capítulo analisa-se a conceituação e o processo de formação das políticas públicas, com
5A teoria do etiquetamento ou do laebeling aproach será explicada com detalhes no primeiro capítulo e tem
como base teórica Alessandro Baratta (2002) e Juarez Cirino dos Santos (2005), além de visão sociológica de
Loic Wacquant (2001 e 2003). 6Os dados da pesquisa apontam para essa correlação entre condição socioeconômica baixa e delitos patrimoniais,
entretanto esse tópico será melhor desenvolvido quando das análises dos resultados no terceiro capítulo.
18
assento nas doutrinas de Thomas Dye (1972), Howlett (2013), Secchi (2013), Vázquez e
Delaplace (2011), contextualizando se acaso revestem-se de caráter de proteção dos direitos
humanos. Apresenta-se, por último, a discussão e análise dos resultados encontrados durante
todo o percurso deste trabalho.
Destaque-se que, contrariando o que permeia o senso comum, não são a superlotação e
as péssimas condições estruturais as principais queixas dos internos, mas a qualidade da
alimentação. Por outro lado, a pesquisa também constatou que há uma demanda muito grande
tanto por trabalho, quanto por estudo, verificando-se que os postos disponibilizados são
insuficientes.
Enfim, no estado de Sergipe, o caminho rumo à reinserção social de presos é longo e
precisa ser trilhado urgentemente.
19
2 DIREITOS HUMANOS, SISTEMA PENITENCIÁRIO E INIMIGOS NA
SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
Antes de assumir a condição de infrator sentenciado e interno do sistema prisional,
em cumprimento de uma pena privativa de liberdade, o preso atravessa uma trajetória de vida
que é responsável por levá-lo até esse momento. Os dados levantados na pesquisa de campo
que alicerça o presente estudo, e que serão melhor detalhados adiante, apontam para uma
realidade que não é exclusiva do estado de Sergipe, aliás, reflete-se em todo o país: aqueles
que estão esquecidos nas prisões são pertencentes a um nicho socioeconômico de
desfavorecidos, tendo como causa de suas condenações, em sua grande maioria, delitos de
cunho patrimonial7 (BRASIL, 2008).
Indaga-se então: o que tem levado tantas pessoas a cometerem crimes patrimoniais?
A motivação reside no fato de não disporem de condições financeiras para desfrutar de tais
bens subtraídos? E encerra-se, perquirindo: há algum estímulo nos tempos de hoje à busca
pelo ter a todo custo? Esses questionamentos irão nortear o começo da discussão deste
trabalho, na busca por compreender a relação existente entre o modelo econômico vigente, o
processo de exclusão social e a criminalização dos menos favorecidos financeiramente.
Parte-se da premissa de que na sociedade contemporânea, estruturada em bases de
produção crescente, mídias de massa, superexposição e valorização aos bens materiais, há um
forte apelo ao consumo, à descartabilidade dos próprios bens adquiridos, face novas
atualizações e modelos e um processo de coisificação do ser em detrimento desse
consumismo desenfreado (BAUMAN, 1998).
Todo esse contexto tem reflexos sobre aquela grande maioria de pessoas que, embora
seja alvo dessa publicidade excessiva, não dispõe de recursos para dar vazão às necessidades
induzidas pelo mercado de consumo. Assim, alguns acabam por enveredar pela via da
criminalidade, e por meio do roubo, furto, estelionato, receptação e até o tráfico de drogas,
dentre outros, buscam ter acesso aos tão cobiçados bens de consumo, mas, por serem
detectados pelas lentes do Direito Penal, são selecionados e capturados, para ingressar no
enclausuramento.
7 De acordo com os dados consolidados do DEPEN de 2008 e ainda o seu comparativo com o ano de 2009, a
tipificação masculina relacionada a crimes patrimoniais, neles compreendidos o roubo, latrocínio, furto,
receptação, estelionato e o tráfico de drogas, este, face a sua motivação econômica, somam, em ambos os anos,
72% (setenta e dois por cento) de toda a população carcerária. Ou seja, A predominância da criminalidade
relaciona-se ao conteúdo econômico. De acordo com Marques (2013), em Sergipe, esse percentual reside em
patamar bem próximo, qual seja 68% (sessenta e oito por cento), revelando a similitude entre os cenários
estadual e nacional.
20
Essa é a tônica que a modernidade traz pelo seu paradigma constituído, que será
melhor contextualizado e compreendido adiante. Todavia, para entender o que vem a ser o
paradigma da modernidade, e mais, alcançar por que ele encontra-se em xeque, no que toca à
criminalização de condutas, serão destacadas algumas passagens relevantes da história que
contribuíram para a criação de tal cenário.
Com a derrocada do sistema feudal8, tem-se o marco das grandes navegações e da
expansão mercantil, iniciando-se a era Moderna, tempo em que o conhecimento e a razão
humana passam a ocupar lugar de destaque. As ciências, a matemática, o absoluto e a verdade
despontam em franco antagonismo ao conhecimento que lhe precedera. Há o abandono ao
misticismo e às soluções pouco convincentes e de fé que a Igreja impunha para explicar
fenômenos naturais, passando a ganhar espaço apenas aquilo que pudesse ser demonstrado
cientificamente. Em igual movimento segue o Direito, que antes impregnado de valores
morais e pela influência canônica, experiência etapa de autorreferência e distanciamento da
moral, incorporando a lógica da racionalidade e revelando-se como incipiente instrumento do
projeto da modernidade que abriga o capitalismo nascente como modelo econômico.
Uma série de marcos históricos se sucedem e dentre eles o que nessa Era Moderna,
sem sombra de dúvida mais se destaca, é o projeto liberal burguês que eclode com a
Revolução Francesa, em 1789, oportunizando à burguesia o acesso ao poder político, que
assume destronando monarquias absolutistas, autoritárias e violadoras de direitos e garantias
fundamentais. Nesse momento, a afirmação das liberdades públicas é muito marcante e a
Revolução Francesa, com seus ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, rompe com uma
tradição de transmissão hereditária de poder, e, impondo limitação legal à atuação do Estado,
garante um acesso mais legítimo ao poder, eis que pretensamente ocupado como representante
da massa que se somou ao referido movimento libertário (SKINNER, 1996; RIBEIRO, 2001).
É proveitoso destacar que a queda do absolutismo representou um avanço,
extremamente, significativo na afirmação dos Direitos Humanos, eis que há uma valorização
da figura do indivíduo, passando a ser considerado centro das relações e da tutela em face do
Estado que começa a se sujeitar ao princípio da legalidade, bem assim os Direitos
Fundamentais, qualificados por Bobbio (1988) como de 1ª. Geração (civis e políticos) que
foram sedimentados nesse momento histórico e passam a se revestir de universalidade.
8 Vigente na Europa, aproximadamente, entre os séculos V e XVI, no período denominado Idade Média,
caracterizou-se pela existência de uma sociedade dividida em estamentos (Clero, Nobreza e servos), de forte
influência da Igreja Católica e da religião em si nos assuntos do Estado e na vida das pessoas de pouco avanço
tecnológico e da expansão do conhecimento, quase sempre concentrado nas mãos dos teólogos (RIBEIRO, 2011)
21
Com a consolidação do Estado Liberal e o fomento ao modelo capitalista e
expansionista, o mundo começa a vivenciar um processo de crescimento e exploração de mão
de obra de tal maneira, que eclodem revoluções sociais em oposição a esse modal econômico,
momento em que são afirmados os ditos direitos de 2ª. Geração (econômicos, sociais e
culturais), de natureza coletiva e de direitos sociais, relacionados ao trabalho e suas
circunstâncias.
A revolução promovida pelos diversos ramos das ciências, em especial, as exatas e
biológicas, iniciada a partir do século XVI, marcam o advento do período moderno,
destacando-se que, tudo aquilo que não pudesse ser demonstrado pelo método científico, era
desacreditado e não considerado. De acordo com os ensinamentos de Boaventura de Sousa
Santos (2002) acerca da formação e consolidação do paradigma da modernidade:
O modelo de racionalidade que preside a ciência moderna constituiu-se a
partir da revolução científica do século XVI e foi desenvolvido nos séculos
seguintes basicamente no domínio das ciências naturais. Ainda que com
alguns prenúncios no século XVIII, e só no século XIX que este modelo de
racionalidade se estende as ciências sociais emergentes. A partir de então
pode falar-se de um modelo global (isto e, ocidental) de racionalidade
cientifica que admite variedade interna, mas que se defende ostensivamente
de duas formas de conhecimento não cientifico (e, portanto, potencialmente
perturbadoras): o senso comum e as chamadas humanidades ou estudos
humanísticos (em que se incluiriam, entre outros, os estudos históricos,
filológicos, jurídicos, literários, filosóficos e teleológicos) (SANTOS, 2002,
pp. 60-61).
Reforce-se que essa necessidade de autoafirmação científica surge como produto de
um processo de afastamento do Teocentrismo e valorização da racionalidade humana,
considerada como capaz de garantir a existência perene da sua raça, dominando a natureza,
que nos períodos anteriores, subordinava o homem, colocando-o em seu lugar de parte de um
todo e não de superioridade a essa realidade natural. O desejo pela busca da liberdade em
diversas áreas: mercantil, científica e até religiosa, fomentou esse processo de construção
moderno, e uma fé racional, aos poucos passa a substituir a fé religiosa inquestionável
(BITTAR, 2005).
No que se pode relacionar a discussão de Boaventura Santos (2002) no raciocínio de
que:
No século XVIII, este espírito precursor é ampliado e aprofundado, e o
fermento intelectual que daí resulta, as Luzes, vai criar as condições para a
emergência das ciências sociais no século XIX. A consciência filosófica da
ciência moderna, que tivera no racionalismo cartesiano e no empirismo
baconiano as suas primeiras formulações, veio a condensar-se no
22
positivismo oitocentista. Dado que, segundo este, só há duas formas de
conhecimento cientifico – as disciplinas formais da lógica e da matemática e
as ciências empíricas segundo o modelo mecanicista das ciências naturais –
as ciências sociais nasceram para ser empíricas (...) (SANTOS, 2002, p. 65).
Seguindo nesse processo e impulsionado pelos resultados advindos dos avanços
tecnológicos e da própria revolução industrial, a humanidade presenciou a expansão frenética
das economias dos países do Norte, em detrimento do próprio homem e das comunidades
ditas emergentes ou Terceiro Mundo. Associado a esse movimento que se deu, e ainda se
percebe em tempos presentes, soma-se o processo de globalização que não é extensível a
todos, mas exclusividade das economias dos países mais ricos, o que assevera as
desigualdades sociais, em todo o mundo (BAUMAN, 1999).
É possível afirmar, sem receio de equívocos, que o modelo capitalista e o sistema
neoliberal, adotados pelas principais economias mundiais conduziram esse processo de
expansão e o resto do mundo vem assistindo aturdido e lobotomizado a hipertrofia do pilar da
regulação em face do pilar da emancipação.9
Tudo isso vem ainda impulsionando uma sociedade de consumo, que fomenta um
estilo existencial consumista, transforma os próprios consumidores em mercadoria e em que
se constata a entronização da cultura do desejo e valorização do ―ter‖, independentemente, da
existência de condições para tanto, acabando por gerar uma legião de ―consumidores falhos‖,
conforme se refere Bauman (1998)10
. Estes são excluídos da cadeia de consumo,
criminalizados e alijados socialmente, para que não ―atrapalhem‖ a rotina desse modelo de
sociedade, evitando-se a contaminação dos demais consumidores válidos.
Enfim, se por um lado o paradigma da modernidade, alicerçado na racionalidade e na
cientificidade, buscou alcançar o desenvolvimento e o progresso, de outra forma permitiu que
9Boaventura Santos (2002) ainda destaca que o paradigma da modernidade, ao mesmo tempo que se apresenta
como complexo e revolucionário, revela-se, em si, contraditório. Acrescenta que tem como fundamento dois
pilares prioritários, a saber: da regulação – estruturado sobre o princípio do Estado, pelo princípio do mercado e
pelo princípio da comunidade – e da emancipação - desenvolvido pela racionalidade estético-expressiva das
artes, cognitiva instrumental das ciências e moral-prática da ética e do direito). O referido paradoxo constata-se
pelo desequilíbrio de forças entre os pilares, prevalecendo o da regulação com um desenvolvimento exagerado
do Estado e do mercado, em face da comunidade, ofuscando o pilar emancipação que, praticamente, exterioriza-
se com destaque por meio da racionalidade instrumental da ciência. Essa desarmonia pode ser percebida pelo
processo de coisificação do sujeito, vista dentro da ótica e lógica do modelo econômico prevalente, qual seja o
capitalismo, e seu aprimoramento neoliberal (REBOUÇAS, 2010) 10
Segundo Bauman (1998) na sociedade contemporânea há um processo de exclusão social de todos aqueles
considerados incapazes de se ajustar ao mercado de consumo, para usufruir dos bens postos à disposição e assim
descreve quem é essa nova categoria do tecido social: ―(...) são consumidores falhos - pessoas incapazes de
responder aos atrativos do mercado consumidor, porque lhes faltam os recursos requeridos, pessoas, pessoas
incapazes de ser ―indivíduos livres‖, conforme o senso de ―liberdade‖ definido conforme o poder de escolha do
consumidor. São eles os novos impuros que não se ajustam ao novo esquema de pureza‖ (BAUMAN, 1998, p.
24).
23
graves consequências sociais fossem desencadeadas, ainda mais potencializadas pelo sistema
de apropriação dos modos de produção, concentrada em mãos de poucos e pela globalização.
Nesse momento, considerado por autores como Boaventura Santos (2002) e David
Sánchez Rubio (2013), como de crise do paradigma da modernidade, associada à evolução
histórica do modelo socioeconômico mundial e à responsabilidade do capitalismo como modo
de produção dominante que se encontra em xeque11
, urge buscar alternativas em que o
homem, visto em sua individualidade e também como grupo coletivo, possa ter preservado
direitos mínimos que assegurem uma existência digna e compatível com sua condição.
Mas o que pode ser entendido como marco da crise do paradigma da modernidade?
Como pontuado, a modernidade é marcada pelo abandono do misticismo, como
predominância da racionalidade instrumental, que leva o homem a entender-se como
autossuficiente e a sua ciência como autorreferente, possibilitando-o a dominar a natureza e
dela extrair tudo o que fosse, dentro de uma lógica capitalista de produção, excedente. Ocorre
que, essa mecânica de condução da sociedade, pautada pela perversa engrenagem neoliberal,
aliada ao fenômeno da globalização, acaba por garantir o inevitável esgotamento das fontes de
produção, notadamente, diante de um consumismo desenfreado (TORRONTEGUY;
BORTOLLON, 2006).
O homem que buscava emancipar-se, graças à sua racionalidade, retorna ao claustro,
fruto de sua ação irracional. É impossível não se consternar diante dessa evidente contradição
que o projeto da modernidade acaba por gerar, que tem na perda completa do senso ético e na
necessidade de controle da natureza, à exaustão, ferramentais fundamentais para execução de
suas metas. A mesma racionalidade que impulsionou o projeto de modernidade não foi capaz
de prever os problemas que adviriam das promessas do progresso, que acabou por acarretar
desemprego em grande monta, com a geração de uma massa de excluídos do próprio processo
de produção e consumo, além de deterioração do meio ambiente (TORRONTEGUY;
BORTOLLON, 2006).
Ressalte-se que, como assevera Bauman (1998), a partir do momento em que esse
projeto começa a ruir, movimentos surgem para tentar identificar quem são aqueles ditos
―consumidores falhos‖.
11
O projeto da modernidade apregoava o desenvolvimento e o progresso, entretanto, com a sedimentação do
capitalismo neoliberal, houve a potencialização da riqueza em mãos de poucos, o incremento da miséria, a
exploração recursos naturais em franco desrespeito às leis protetivas do meio ambiente, levando perigo à própria
manutenção do projeto moderno.
24
É nesse sentido que aquele que não se ajusta ao modelo hegemônico vigente, vê
contra si o emprego do Direito e da lei para afugentá-los, como, por exemplo, se dá com a
criminalização de condutas, em ações de coisificação do sujeito, afrontando diretamente a sua
condição humana e os seus próprios Direitos Humanos.
Em sua obra, Sánchez Rubio (2013) chama a atenção para o fato de o Direito Penal
ser invocado para tutelar os Direitos Humanos, o que, na visão do autor, é algo desmensurado
e desproporcional, propondo que novas alternativas, inclusive não estatais, sejam pensadas e
executadas para a proteção dos Direitos Humanos, notadamente, para que sejam menos
devastadoras como é o Direito Penal.
Ainda nesse sentido, Sánchez Rubio (2013) apresenta uma inversão ideológica
utilizada para proteger determinados Direitos Humanos, que acaba por violar outros Direitos
Humanos. Alegando, ademais, que o Direito Penal reforça um sistema discriminatório e que
fomenta a desigualdade estrutural, bem como a violência e a injustiça. Nessa correlação
existente entre Direito Penal e uma inversão ideológica, que surge a partir da figura do
Estado, este controla a imposição de pena, enquanto monopolizador do jus puniendi.
Igualmente, assevera que boa parte da doutrina defende que a função da pena consiste em
gerar um juízo negativo ou um desvalor ético, cultural e público sobre o autor de um delito. E
conclui que o uso da força só está proibido como delito, mas não enquanto sanção imposta
pelo Estado e que, por possuir um efeito negativo, a pena, segundo os abolicionistas e os
defensores de posições agnósticas, deveria ser substituída, por vias alternativas (RUBIO,
2013).
Por fim, discutindo a doutrina do jurisfilósofo costarriquenho Norman Solórzano,
Sanchez Rubio (2013) descortina esse paradoxo ideológico, iniciando pela inversão de
normas concretas pelo dispositivo crime-castigo, o qual esclarece tratar-se de uma construção
normalizada de que para todo crime corresponde um castigo como sanção, não sendo criadas
alternativas às penas.
Desta feita, com o paradigma da modernidade em crise, buscando prosseguir e
sustentar-se, na referida lógica de inversão, o Sistema Penal oferece seus serviços de pronto
atendimento para alijar do corpo social aqueles considerados indesejáveis e óbices, eis que
passam a questionar a mecânica do modelo vigente, como se percebe, por exemplo, quando da
criminalização de movimentos sociais12
.
12
Bauman (1998) acentua que toda sociedade produz os seus estranhos de forma particular e inimitável e já
prevê mecanismos para excluí-los, o que na era do consumo é bastante perceptível.
25
A compreensão de como se dá esse processo de criminalização e quem é essa
clientela penal, vista como vilã e inimiga do sistema é o que se discute a seguir, sendo,
todavia, necessária a exata compreensão desse processo de alijamento, que sempre ocorreu,
mas que se tornou bastante evidente, com a criação das prisões. Para situação mais exata do
tema, necessário o regresso a esse momento, para percorrer a sua evolução e desfecho com o
atual contexto.
2.1 Do nascimento das prisões modernas aos inimigos da sociedade contemporânea
histórico-filosófica do sistema penitenciário e dos direitos humanos
Como discute Bitencourt (2011), o panorama histórico que se observou na transição
entre a Idade Média e a Idade Moderna foi marcado pelos reflexos das sangrentas e
duradouras guerras europeias, do aumento populacional desenfreado e, por consequência, da
pobreza e miséria, que acarretaram a expansão da criminalidade.
Àquela multidão de miseráveis que se formava às margens das cidades já não se
podia aplicar as penas de morte, tal qual ocorria nos períodos históricos anteriores, caindo
assim em desprestígio, e não mais correspondendo aos reclames pela justiça, tendo,
necessariamente, que surgir uma outra via para a repressão da criminalidade (BITENCOURT,
2011).
Para os detentores do poder político e econômico nas incipientes sociedades
capitalistas, era necessário controlar com acuidade os grandes contingentes de pessoas
socialmente injustiçadas, determinando que aqueles com comportamentos desviantes que
passassem a incorrer em uma ―carreira criminosa‖ deveriam ser excluídos do convívio social
através da prisão, ao tempo em que era necessário que desse contingente fosse preservado um
bom número de pessoas disponíveis como mão de obra abundante e barata (BITENCOURT,
2011).
Oliveira (2000) reforça que, como se observa até hoje, a pena de morte nunca foi
uma solução eficaz no combate ao crime e, nessa época13
, começava a se discutir outras
medidas capazes de reprimir com eficiência as condutas delitivas, ao tempo em que se
13
Santos (s.d.) reforça a ideia da inutilidade da pena de morte e o faz apresentando dados estatísticos dos Estados
Unidos, Canadá e Alemanha, inclusive revelando o aumento da criminalidade com a implementação da pena de
morte nos EUA e a redução desta com a extinção da pena de morte no Canadá.
26
buscava conferir à sanção penal uma feição mais humanista. Assim, passa a prisão a ganhar,
aos poucos, um caráter de sanção penal, nunca antes experimentado.
As mudanças socioeconômicas foram sentidas com maior intensidade nos séculos
XV, XVI e XVII e, nesse período, a prisão foi mais valorizada enquanto pena privativa de
liberdade, ganhando certa autonomia e feição peculiar. Na oportunidade, foram construídos
modelos de prisões inspiradas em diversas concepções, mas eram vetores desse sistema
penitenciário incipiente, notadamente, a exclusão do convívio social do infrator, que não
mantinha contato com o mundo exterior, a forte disciplina e o trabalho forçado no cárcere
(BITENCOURT, 2011).
A Inglaterra e a Holanda foram pioneiras na construção de prisões que tinham o
arraigado conceito laboral como filosofia a ser seguida. Assim, segundo Leal (2001), as
houses of corrections para os ingleses e as rasphuis na Holanda ganharam muita popularidade
em seus territórios e, em pouco tempo, foram amplamente aceitas e difundidas.
Tomando como base a doutrina de Melossi e Pavarini (1985), de notória inspiração
marxista, Bitencourt (2011) faz um alerta ao mencionar que, em verdade, o surgimento de tais
modelos de prisão, embora apresentassem inegável caráter humanista, não teve em sua
formação esse mote, mas sim a necessidade de pronto atendimento a um modelo capitalista
em expansão na Europa, como já fora demonstrado anteriormente. Nessa perspectiva, os
pensadores italianos acima citados, no que concerne à criação das casas de trabalho inglesas e
holandesas, discordam da ―ideia de que estas procuram a reforma e emenda do delinquente,
ao contrário; - afirmam - servem como instrumento de dominação, tanto no aspecto político
como no econômico e ideológico‖ (MELOSSI; PAVARINI, 1985 apud BITENCOURT,
2011, p. 46).
Aproveitar a mão de obra fácil, barata e subserviente que se encontrava à disposição
nas prisões era um imperativo. A vinculação da prisão à necessidade de ordem econômica
incluía a dominação da burguesia sobre o proletariado.
Importante ressalvar que, considerando as ideias apresentadas, a adoção da prisão
como pena, embora possuísse um viés eminentemente humanitário, visando à suposta
―recuperação‖ do infrator, em verdade, apresentava uma decisiva influência de condicionantes
econômicos. Entretanto, tal circunstância não retira a importância dos propósitos reformistas,
como será abordado adiante.
Sobre essas questões Rebouças (2010) adverte que:
27
Se, com o final da Idade Média a lepra desaparece do mundo ocidental, os
espaços de exclusão permanecem abertos a receber e marcar os sujeitos
desviantes e degenerados. Inicialmente, recebendo uma população poliforma
de bêbados, doentes venéreos e vagabundos que, ao partilharem o espaço
comum do internamento, serão submetidos a um tratamento de ordem moral
e religiosa, mas a um só tempo institucional, que permite sintonizá-lo com a
razão, esse discurso sobre o homem e sua capacidade, seu poder e seu saber.
(2010, p. 36)
A referida autora, cuja obra parte do repertório teórico de Foucault, faz instigante
observação em relação à visão da função atribuída a essas instituições totais, que além de
ambiente ideal para a o alijamento social e exclusão da loucura, servia à construção de um
sujeito moral, impregnado por valores burgueses, apresentando-se o trabalho como ferramenta
de dignificação desse homem. E conclui asseverando que, em verdade, ―o trabalho como
signo central de uma ética burguesa, permite a um só tempo a identificação entre obrigações
morais e leis civis‖ (REBOUÇAS, 2010, p. 37).
É possível ainda destacar a contribuição nesse período histórico que deve ser
conferida aos pensadores Cesare Beccaria (1764), John Howard (1777) e Jeremy Bentham
(1789), os quais, imbuídos de um espírito reformista, promoveram a difusão de suas ideias,
quando discutiram as razões e finalidades das prisões, bem como denunciavam as mazelas de
todo o sistema penal vigente, com suas imperfeições e crueldades, além dos reais fins das
penas.
Em sua obra ―Dos Delitos e Das Penas‖, publicada em 1764 de reconhecimento
mundial e marco fundante da corrente reformista, Cesare Bonesana, mais conhecido como
Marquês de Beccaria (2006), denuncia a crueldade dos suplícios, a injustiça dos julgamentos
secretos, as hediondas torturas empregadas como meio de obter prova de crimes, bem como a
prática de confisco dos bens do condenado e as penas desproporcionais aos delitos.
O filósofo italiano sustentava o tratamento uniforme para aqueles que cometessem o
mesmo delito, notadamente, pelo fato de, ainda em sua época, haver julgamento diferenciado
a partir da classe social a que pertencia o réu.
Beccaria teve papel decisivo no processo de humanização das penas, através da
defesa da racionalização da sanção privativa de liberdade. Em postura crítica às penas de seu
tempo, defendia a prisão enquanto substituto das infamantes penas corporais e de morte. Para
Beccaria (2006), a ressocialização do infrator pela pena privativa de liberdade era um anseio,
mas antes pressupunha a justiça acessível e mais proporcional, além do controle do jus
puniendi estatal.
28
Bitencourt (2011) pontua também que foi verificada uma grande influência das ideias
do pensador inglês John Howard que, por sua abnegada vocação pela humanização das penas,
criou princípios que tiveram grande alcance em quase todo o mundo, sendo citado até hoje
como responsável pela idealização de alguns sistemas penitenciários modernos. Howard, que
foi contemporâneo de Beccaria, sofreu forte influência deste e, por ter experenciado
momentos no cárcere, criticava as prisões inglesas e buscava melhorá-las, fazendo com que se
tornassem efetivamente centros de recuperação de infratores.
A partir do momento em que fora nomeado prefeito do Condado de Bedford,
Howard passou a ter mais contato com a realidade carcerária e então se dedicou a promover
um movimento em busca de prisões mais humanitárias. Com formação calvinista, defendia
que o norteamento religioso nas prisões acarretava a conversão e o arrependimento por parte
do infrator, possibilitando a sua regeneração. Assim, sustentava que, embora os infratores
permanecessem juntos durante o dia, à noite deveriam estar isolados em suas celas
individuais, justamente, para que refletissem sobre seu ato e se arrependessem, devendo,
entretanto, o isolamento ser apenas noturno (BITENCOURT, 2011).
Com seus ideais, John Howard, que viveu em meados do século XVIII, construiu e
fomentou a noção de execução penal. Sustentou a necessidade de magistrados acompanharem
e fiscalizarem a execução da pena, entregue a desumanos carcereiros que não estavam
preocupados com a recuperação dos infratores, mas apenas com sua contenção. Deve-se a ele
a doutrina de execução penal como se concebe, hodiernamente, inspirada sem dúvida em suas
ideias, encaradas como bastante avançadas à época (BITENCOURT, 2011).
Segundo Leite (2002), Howard revelou-se um excelente penitenciarista e teria se
dedicado com afinco a melhorar a qualidade das prisões da Inglaterra, tanto que escreveu em
1777 uma obra sobre o estado das prisões da Inglaterra e do País de Gales, justamente, para
chamar a atenção para a realidade penitenciária inglesa. Na citada obra, o pensador inglês
propõe uma modificação no sistema penitenciário vigente para favorecer os reclusos.
Outrossim, destaca Leite (2002) que Howard teria sido o responsável pelo movimento de
liberação daqueles que já haviam cumprido pena e que ainda estavam encarcerados e daqueles
que eram absolvidos, mas ainda estavam presos, sem, contudo, ter condição financeira de
pagar por sua permanência na prisão, os quais deveriam ser imediatamente postos em
liberdade, visto que naquela época os presídios eram explorados pela iniciativa privada.
Jeremy Bentham (1979), por seu turno, foi um dos pensadores que melhor
sistematizou as suas próprias ideias. Contribuiu sobremaneira para o estudo das penas e, com
29
uma forte inspiração utilitarista, sustentava que a estas tinham, em primeiro plano, a função de
prevenção geral e, apenas em segundo, a prevenção especial14
. Acreditava não ser possível
remediar o mal que passou, mas sim evitar que outro mal fosse praticado. Condenava, ainda, a
ideia de que a pena tivesse a função de vingança contra o condenado, pois a visualizava como
reabilitadora, embora não descartasse a possibilidade de um castigo moderado nos infratores
(BITENCOURT, 2011).
A preocupação de Bentham (1979) com o sistema penitenciário fez com que
buscasse melhorar as condições das prisões, as quais, em sua opinião, já se prestavam ao
papel de manter o infrator imiscuído na criminalidade. Destarte, desenvolveu um projeto
arquitetônico de grande destaque e repercussão mundial o qual chamou de ―panóptico‖. Com
essa estrutura, no modelo de prisão edificado a partir de desenhos do próprio Bentham, seriam
construídos dois prédios circulares, um dentro do outro, sendo que a forma de sua disposição
permitiria que os presos ficassem no prédio interno e a administração carcerária no externo
(BITENCOURT, 2011).
Por fim, de forma pormenorizada, Bitencourt (2011) destaca como o próprio
Bentham descreve, o seu projeto e como a estrutura física do panóptico contribuía para a
fiscalização e a manutenção da disciplina no presídio:
Segundo o plano que lhes proponho, deveria ser um edifício circular ou,
melhor dizendo, dois edifícios encaixados um no outro. Os quartos dos
presos formariam o edifício da circunferência com seis andares, e podemos
imaginar esses quartos com umas pequenas celas abertas pela parte interna,
porque uma grade de ferro bastante larga os deixa inteiramente à vista. Uma
galeria em cada andar serve para a comunicação e cada pequena cela tem
uma porta que se abre para a galeria. (...) A torre de inspeção está também
rodeada de uma galeria coberta com uma gelosia transparente que permite ao
inspetor registrar todas as celas sem ser visto. Com uma simples olhada vê
um terço dos presos e movimentando-se em um pequeno espaço pode ver a
todos em um minuto. Embora ausente, a sensação de sua presença é tão
eficaz como se estivesse presente.(...) Todo o edifício é como uma colmeia,
cujas pequenas cavidades podem ser vistas todas de um ponto central. O
inspetor invisível reina como um espírito (BENTHAN, 1979, p.40, apud
BITENCOURT, 2011, p. 69).
14
Os fins da pena, no que toca ao seu caráter preventivo, são dois, a saber: prevenção geral e especial. Segundo
Marcão e Marcon (2005), a prevenção geral consiste na ―intimidação de todos os membros da comunidade
jurídica pela ameaça de pena.‖ Essa teoria sustenta que quando um infrator é punido, todos aqueles que tenham
interesse em ingressar na criminalidade e ainda aqueles que não possuam tal inclinação, devem se sentir
intimidados. A pena teria uma função exemplar. Já a prevenção especial, segundo os autores citados, seria a ―(...)
prevenção do delito por atuação sobre o autor. Dirigi-se, exclusivamente ao delinquente, para que este não volte
a delinquir.‖ Para esta teoria a pena teria o objetivo de afastar o infrator da sociedade e permitiria que o mesmo
refletisse sobre o seu erro, para não mais praticar a conduta criminosa.
30
Destaque-se, que a obra de Bentham recebeu boas críticas, principalmente feitas por
Michael Foucault (2006). O filósofo francês entendia que o panóptico, em verdade,
representava um autêntico instrumento de dominação e poder, em nada reabilitando o preso e
inviabilizando que, no cárcere, viesse a desenvolver uma atividade produtiva, eis que a todo
instante encontrava-se em estado de alerta, à vista de olhar totalizador que levava a um
processo de nulificação do indivíduo.
Foucault (2006) entendia que, como instrumento de manifestação do poder, tal qual
fora concebido, a arquitetura do panóptico poderia ser utilizada, não apenas na construção de
prisões, mas transportada para fábricas, escolas, hospitais, locais em que o protagonista
pudesse ser fiscalizado e, automaticamente, subjugado às vontades do administrador-
opressor15
.
No entender de Foucault o discurso reformista e o enaltecimento da prisão como
substituição ao suplício revela inconsistência, na medida em que encobre o verdadeiro
objetivo de docilizar o recluso, impondo-lhe um regime disciplinar rígido, neutralizando sua
subjetividade e conduzindo-o à formação de uma massa de dominados e submissos. Ademais,
contesta qualquer possibilidade de ressocialização no ambiente prisional, em especial pela
verticalização do controle e pelas relações de poder instituídas no ambiente carcerário, que
são facilmente transpostas para outros nichos de relações institucionais (REBOUÇAS, 2010).
Ressalta, sobre isso Bittencourt (2011) que, mesmo com essa crítica, a obra de
Bentham preserva o seu valor, notadamente, em razão da sua preocupação com a melhoria do
ambiente prisional e com a extinção das penas bárbaras e infamantes, repercutindo muito na
doutrina penitenciária, em razão da sistematização de suas ideias.
Da mesma forma se caracteriza a descrença crítica sobre o instituto da prisão feita
por Goffman (2003), que a conceitua como uma das instituições totais16
e analisa os seus
diversos efeitos degradantes sobre a pessoa do interno. O sociólogo canadense defende que a
prisão serviria de local de proteção da sociedade contra ―perigos intencionais‖, não sendo uma
preocupação imediata o bem estar do recluso. Nesse ambiente, complementa Goffman (2003),
dar-se-ia início a um processo de mortificação do ―eu‖, para que, após ser desprovido de seu
15
Para Foucault, esse modelo prisional, além de isolar os infratores tinha outras funções: ―o panótico funciona
como uma espécie de laboratório de poder. Graças a seus mecanismos de observação, ganha em eficácia e em
capacidade de penetração no comportamento dos homens(...)‖. (FOUCAULT, 2006, p. 168-169) 16 De acordo com Goffman (2003), as instituições, quer fábricas, escolas, hospitais ou prisões, apresentam uma
tendência ao fechamento, sendo que algumas mais do que outras. O citado autor informa que: ―Seu
―fechamento‖ ou seu caráter total é simbolizado pela barreira à relação social com o mundo externo e por
proibições à saída que muitas vezes estão incluídas no esquema físico – por exemplo, portas fechadas, paredes
altas, arame farpado, fossos, água, florestas e pântanos.‖ (GOFFMAN, 2003, p.15-16)
31
conteúdo próprio, o interno, ao perder sua identidade, estivesse preparado para aceitar e
receber um novo preenchimento, agora com os valores tidos como corretos pela sociedade.
O autor destaca essa anulação de identidade da seguinte forma:
Além da deformação pessoal que decorre do fato de a pessoa perder o
seu conjunto de identidade, existe a desfiguração pessoal que decorre
de mutilações diretas e permanentes do corpo – por exemplo, marcas
ou perda de membros. (...) a perda de um sentido de segurança
pessoal é comum, e constitui um fundamento para angústias quanto
ao desfiguramento (GOFFMAN, 2003, p. 29-30).
Nesse movimento de mutilação do ―eu‖, o recluso é subjugado à autoridade daqueles
que dirigirem os estabelecimentos prisionais, numa nítida relação de poder, tal qual fora
citada por Foucault (2006), o que o afastaria aos poucos da sociedade que o excluiu,
dificultando, assim, a sua reinserção social.
No Século XX, a visão unitária dos problemas da execução penal, ganhou força,
tendo como base o processo de unificação orgânica, passando as normas de Direito Penal e
Direito Processual Penal, a ser editadas em consonância com os princípios norteadores da
moderna Execução Penal.
Frise-se, contudo, que por mais tecnologia que se busque empregar no sistema
penitenciário, ainda mais como reflexo desse processo de alijamento social, que não é
exclusividade da modernidade, mas vem, como aventado linhas atrás, desde o próprio
nascimento das prisões, o cárcere continua a retirar do homem, mais que a sua liberdade,
subtraindo-lhe também a sua individualidade enquanto pessoa e preparando-o para adequar-se
se à moral burguesa. É o que ressalta Rebouças (2010):
Num movimento de semelhante naturalização de uma certa visão de homem,
o sistema penitenciário também funciona como local de fabricação de um
sujeito. Como na engenharia da loucura, a delinquência, o criminoso e o mal,
assim constituídos, servem de sombra para o delineamento do sujeito
moderno (REBOUÇAS, 2010, p. 45).
No momento atual, percebe-se que na sociedade de consumo frenético, com apelo ao
fugaz e ao imediatismo, os estranhos17
, inimigos18
e os vilões19
, anteriormente categorias
17
Referência feita por Bauman (1998). 18
Zaffaroni, (2007) define como se estabelece a distinção entre inimigos e cidadãos para o direito penal que para
negar-lhe direitos retira sua condição humana: ―La esencia del trato diferencial que se depara al enemigo,
consiste en que el derecho le niega su condición de persona y sólo lo considera bajo el aspecto de ente peligroso
o dañino. (...) cuando se propone distinguir entre ciudadanos (personas) y enemigos (no personas), se hace
referencia a humanos que son privados de ciertos derechos individuales em razón de que se dejó de consideralos
personas(...)‖ (ZAFFARONI, 2007, p. 18)
32
direcionadas aos indesejáveis, passam a ser todos aqueles que não se ajustam ao sistema, seja
porque não dispõe de recursos para consumir, ―falhando‖, seja porque questionem a ordem
posta, em um movimento de pluralização de acessos e ação contra-hegemônica. Ocorre que,
assim persistindo, são vistos como criminosos e retirados de circulação, sob a argumentação
de que a engrenagem social não pode ser paralisada e deve continuar funcionando.
As discussões fomentadas pelos autores referenciados permitem a seguinte reflexão:
todo esse esforço só valerá a pena se for percebida a necessidade de mudança da lógica
moderna, antes que o colapso destrua a natureza20
e as pessoas, sendo tarde para lamentar e
tentar reconstruir o que a ausência de ética fez sucumbir.
Considerando a possibilidade de que a humanidade venha a perecer e de que corre
sério perigo da autodestruição e da extirpação de vida saudável no planeta, urge a formação
de uma consciência crítica, que possibilite a construção de uma nova ética que promova um
modo de vida da qual cada ser humano seja uma concreta manifestação (CENCI; ROESLER;
PROSSER, 2014).
Se a racionalidade humana falhou ou não e se o projeto da modernidade exagerou em
sua condução extrativista, ao justificar uma reforma imediata, a única conclusão real é que é
imprescindível atentar para que é necessário não contribuir, ainda mais, para consequências
danosas que a sua própria manutenção já o faz.
2.2 Panorama do Sistema Penitenciário no Brasil e em Sergipe
Quando se faz referência ao Sistema Penitenciário Brasileiro, surge uma inevitável
associação à ideia de prisões superlotadas, fétidas, inseguras e insalubres, violência, inclusive
institucional, ausência de postos de trabalho e de oferta de estudos, promiscuidade, corrupção
e rebeliões, portanto um cenário nefasto e repugnante, além de uma realidade de visível
afronta aos Direitos Humanos.
Em tal ambiente deveras hostil, como esperar que um sentenciado, condenado ao
cumprimento de uma pena privativa de liberdade, que tenha se arrependido da prática delitiva
que o colocou naquela condição e que busque reconciliar-se com o Estado e a sociedade,
consiga, sinceramente, fazê-lo?
19
Rebouças, (2010, pp. 45 e 46) esclarece que os vilões na sociedade contemporânea são aqueles que não se
ajustam ao projeto de modernidade, não permitindo fazer parte dessa realidade de consumo e capital, são
considerados loucos e infratores, sendo respectivamente alijados da sociedade em hospícios e prisões. 20
A natureza aqui é entendida a partir da idéia da crise do paradigma da modernidade e exploração exacerbada
do meio ambiente como referido por Torronteguy e Bortollon (2006).
33
Como já discutido, a prisão, que surgiu em substituição às penas infamantes e de
ostentação do suplício, nos tempos atuais, passa a refletir similar condição de penúria,
sofrimento e nulificação do indivíduo, representando verdadeiro regresso aos tempos das
masmorras medievais21
.
Importante destacar que o Brasil, além de membro da Organização das Nações
Unidas (ONU) é signatário de diversos tratados internacionais que visam à proteção dos
Direitos Humanos22
, em especial as Regras Mínimas para Tratamento dos Reclusos, fruto do
―I Congresso da ONU sobre Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente‖, ocorrido em
1955, em Genebra na Suíça.
Ainda merece registro que a situação degradante das prisões no Brasil já lhe rendeu
denúncias perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), nos casos de
presídios em Rondônia, Rio Grande do Sul e Maranhão23
, além de que não é improvável que
continue sendo demandado, à vista dos diuturnos casos de violação que repercutem nacional e
internacionalmente, como o do Presídio de Pedrinhas no estado do Maranhão24
.
A LEP regulamenta, de forma progressista e exaustiva, o regime da execução penal
no Brasil, disciplinando as assistências ao preso, o trabalho, interno e externo, os regimes de
cumprimento de pena, autorizações para saída, além das medidas que podem viabilizar a sua
reinserção social.
Importante estudo desenvolvido por Julião (2012) traz um panorama do sistema
penitenciário brasileiro e procura, a partir de dados estatísticos disponibilizados pelo DEPEN,
traçar um perfil dos presos brasileiros, levando em conta, notadamente, a primariedade, faixa
etária, etnia, grau de instrução e tipificação.
21
As próprias autoridades constituídas não negam essa realidade, em que pese não se tenha visto grandes
esforços no sentido de mudar, efetivamente, essa condição atentatória aos Direitos Humanos dos encarcerados. É
o que se constata da entrevista concedida em Novembro de 2012 pelo Ministro da Justiça, José Eduardo
Cardozo. (PRISÕES NO BRASIL, 2012). 22
Alguns dos referidos tratados internacionais firmados pelo Brasil: a Convenção Interamericana para Prevenir e
Punir a Tortura (1989); a Convenção
contra a Tortura e outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1989); a Convenção Americana de
Direitos Humanos (1992); a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a
Mulher (1995); o Protocolo à Convenção Americana referente à Abolição da Pena de Morte (1996) e o Estatuto
de Roma, dentre outros. 23
Em Rondônia o caso foi o do presídio de Urso Branco que, no período de 2002 a 2005, foram contabilizadas
mais de 100 (cem) mortes de internos daquela unidade prisional. Em relação ao estado do Rio Grande do Sul, o
Brasil foi denunciado à OEA em razão da superlotação e precariedade das instalações do Presídio Central de
Porto Alegre. Já em relação ao Maranhão, face o grande número de mortes de interno do Presídio de Pedrinhas
59 (cinquenta e nove) em 2013, a Anistia Internacional e a ONU sensibilizadas cobraram rigor nas apurações de
tais fatos. 24
Em 17/12/2013, imagens de presos decapitados foram divulgadas em redes sociais e chegaram ao
conhecimento de organismos internacionais de proteção aos Direitos Humanos, incluindo a ONU, que
solicitaram ações para redução imediata dos índices de violência dentro da citada unidade prisional.
34
Ressalte-se que, muito embora se fale em um sistema penitenciário brasileiro, em
verdade, não há um sistema de âmbito nacional e com gestão única, ele se apresenta em duas
esferas de execução: um de ordem federal, mantido pela União, cuja administração é feita
pelo DEPEN, havendo apenas 04 (quatro) unidades prisionais25
e outro que se encontra sob a
responsabilidade de cada unidade da federação, que possui autonomia, regime e estrutura
próprios, e em alguns casos, bem díspares.
Em relação aos presídios federais, face o reduzido número de internos26
, pelo regime
bastante rigoroso de disciplina, além da própria estrutura física, é possível afirmar que há uma
regularidade e até excelência em seu funcionamento. Notadamente, quando se faz uma rápida
comparação com as realidades estaduais, certamente, uma das principais mazelas em relação
às unidades prisionais é a superpopulação, o déficit de vagas, o que não ocorre nos presídios
federais, eis que, pelo fato de as celas serem individuais, só é recolhido um preso por vez, o
que, atualmente, é impensável para a realidade de todas as unidades federativas.
Como já indicado, o Sistema Penitenciário Brasileiro tem como lastro legal, e ao
mesmo tempo delimitador, a LEP, que encarta uma série de princípios, valores e
direcionamentos em relação à forma como deve ser cumprida a execução penal no país.
Dentro dessa orientação, percebe-se que a edição da LEP tinha propósitos claros em relação
aos cuidados com o preso, pensando em institutos que assegurassem o seu amparo, durante o
cumprimento da pena, e a consequente preparação para o seu retorno ao convívio social.
Ocorre que, apesar do princípio da individualização da pena, inclusive com assento
constitucional, que prevê que, desde o primeiro momento em que o recluso acessar o sistema
penitenciário, ele deve ter o seu perfil traçado de maneira particular e assegurado seja
separado de outros mais ―perigosos‖, reincidentes contumazes, isso não ocorre. Assim, o
confinamento de presos de ―experiências‖ e ―qualidades‖ diferentes acaba possibilitando
trocas de suas vivências e a prisão converte-se em um veículo potencializador da formação
25
As unidades de presídios federais encontram-se situadas em Campo Grande (MS), Catanduvas (PR), Mossoró
(RN) e Porto Velho (RO), sendo que cada uma delas tem capacidade para abrigar 208 presos em celas
individuais. (BRASIL, s.d.) Nos estados, a realidade é completamente diferente, sendo que as unidades
prisionais ficam sob responsabilidade da Secretaria de Justiça ou Secretaria de Defesa Social. Como regra o que
se vê são ambientes de inóspitos e superlotados, em completo antagonismo com os presídios federais. 26
Os presos internos do sistema federal são todos aqueles condenados pela Justiça Federal, fruto de alguma ação
penal que lá tenha tramitado, nos termos da competência estabelecida no art. 109 da CF/88, bem como aqueles
presos reputados como mais perigosos pelos Estados, em especial, os integrantes de organizações criminosas que
sejam condenados ao cumprimento temporário do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) em decorrência de
sanção por falta disciplinar.
35
criminosa, ao invés de servir-se à recuperação do sentenciado, tudo em decorrência,
principalmente, da superlotação carcerária27
.
Uma constatação, ainda mais grave, que revela o CNJ (2012), é que nesse universo
da população carcerária do Brasil, de cerca de 500.000 (quinhentas mil) pessoas, mais de 40%
(quarenta por cento) é composta de presos provisórios28
, o que significa dizer que estão
recolhidos ao cárcere, por força de uma decisão cautelar, proferida no curso de um Inquérito
Policial ou de uma Ação Penal, mas que, em desfavor deles sequer existe uma decisão
condenatória com trânsito em julgado. Ou seja, eles podem vir a ser absolvidos ao final do
processo e o tempo em que estiveram presos, considerado injusto, ensejando, inclusive, ação
de reparação de danos em face do Estado.29
Ocorre que os devastadores efeitos do
encarceramento já não podem mais ser apagados, deixando marcas indeléveis na história, no
corpo e na própria alma daqueles que estiveram como integrantes do sistema prisional.
Segundo relata o CNJ em relatório elaborado em 2012, chamado de Mutirão
Carcerário, na grande maioria dos presídios no país, diuturnamente há casos de presos que já
cumpriram a pena e ainda estão recolhidos à prisão, ou que fazem jus a algum benefício, tal
como progressão de regime, indulto ou comutação da pena e, simplesmente, não têm tais
direitos reconhecidos. Com a presença do CNJ, por meio dos mutirões, essa realidade foi
atenuada. Só para fins de registro, de acordo com tal relatório, a equipe oficiou em 310 mil
processos, liberando 24,8 mil presos que já deveriam estar soltos e concedendo 48 mil
benefícios, representando uma iniciativa sem precedentes no país.
O referido relatório, que é bastante ilustrado com fotos das mazelas encontradas em
todas as unidades prisionais visitadas, confirma a homogeneidade do desprezo, da
irresponsabilidade, da falta de prioridade dos gestores e do flagrante afronta aos direitos
humanos dos internos desse sistema esgotado e sem perspectivas. Já passou da hora de se
27
A despeito desse tema, o mutirão carcerário promovido pelo CNJ, constata-se que o déficit de vagas nas
unidades prisionais é generalizado e assustador, pois algumas delas chega a ter índices de ocupação superiores a
60% (sessenta por cento) de sua capacidade. (CNJ, 2012). Isso significa que toda a engrenagem da execução
penal resta comprometida, pois o efetivo de servidores é insuficiente para gerenciar as atividades básicas das
unidades, tais como: manutenção e limpeza, banho de sol, visita, distribuição de alimentação, escolta de presos
para audiências, a efetiva segurança dos funcionários, dos visitantes e dos próprios presos. Como se pensar em
reinserção social, se toda essa logística, diariamente, resta comprometida? 28
No Piauí essa média sobe para 72% (setenta e dois por cento), portanto a esmagadora maioria. 29
Aqui se faz uma crítica ao recrudescimento da política de segurança pública em todo o Brasil, com o aumento
exponencial de prisões, como forma de resposta e satisfação à sociedade, ineficiente no que toca ao controle do
aumento da criminalidade e antecipação da imposição da pena. Se o processo já representa em muitos casos
condenação prévia, execração pública pelos meios de comunicação, tal qual ocorreu com o caso da Escola Base
em São Paulo, estigma por si, quem dirá a prisão, nas condições degradantes que hoje se verificam país afora.
36
implementar medidas efetivas que impeçam o avanço da prisionalização frenética, que
possibilitem a redução do número de presos e que, inclusive, descriminalizem condutas.
Nesse sentido, cumpre destacar que em 2011, com a edição da Lei nº. 12.403/11, foi
modificado o regime de prisões processuais no Brasil, buscando incrementar as medidas
cautelares alternativas à prisão, para efetivar princípios constitucionais da presunção de
inocência e do direito de permanecer em liberdade até o trânsito em julgado da sentença
condenatória. O objetivo da lei era, justamente, tornar a prisão preventiva uma exceção,
relegada a casos de extrema necessidade, todavia, ainda percebe-se tímida a aplicação de tal
diploma, notadamente, à vista do aumento do número de prisões, em especial em casos em
que esta seria dispensável.
Assim, enquanto não houver um processo de conscientização de que não há
correlação direta entre encarceramento e redução da criminalidade, e ao mesmo tempo uma
revisão nos modais de segurança pública em vigor no Brasil, as consequências práticas da
aplicação dessa lei serão diminutas, todavia o movimento de seleção e exclusão da massa
carcerária aumentará cada vez mais.
No que pertine ao Sistema Penitenciário Sergipano, como referido na parte
introdutória, ele é composto de nove unidades prisionais, a quais são distribuídas em
municípios do interior e na capital. A Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado possui em
sua estrutura um Departamento Estadual do Sistema Penitenciário (DESIPE) responsável pela
gestão das unidades prisionais, com todas as questões a elas atinentes, tais, como manutenção,
escolta de presos para audiências, alimentação, medicamentos, oferta de vagas para ensino e
trabalho dos internos, etc.
Sergipe, infelizmente, não destoa muito da realidade brasileira. As unidades
prisionais encontram-se com quantidade de presos em número superior à capacidade de
ocupação, as celas são pouco iluminadas, falta água, o banho de sol é irregular, os ambientes
são insalubres, a alimentação é ruim e há uma grande carência de oportunidade de estudo e
trabalho (MARQUES, 2013).
A única penitenciária que difere desse padrão é a concebida sob o regime de
cogestão entre o DESIPE e a empresa REVIVER30
. Frise-se que, muito embora atenda,
30
Esta unidade é o Complexo Penitenciário Advogado Jacintho Filho – COMPAJAF – situado no bairro Santa
Maria, em Aracaju/SE. Trata-se de uma unidade prisional de gestão compartilhada entre a iniciativa privada e
Estado. O regime de segurança é bastante rígido, o acesso com celulares às dependências do presídio é vedado e
rigorosamente fiscalizado. Os serviços de alimentação, lavanderia, vigilância, escolta de presos, limpeza e
administrativo são terceirizados e ficam sob a responsabilidade da empresa Reviver. Apenas os cargos de gestão
da unidade ficam sob os cuidados do DESIPE. Em termos de ambiente prisional, essa unidade é referência.
37
satisfatoriamente, aos padrões estabelecidos pela LEP e se comparada às demais unidades,
trata-se de local minimamente digno para o cumprimento de uma pena privativa de liberdade,
pela dura disciplina, eis que uma unidade de segurança máxima, não é bem vista pelos
internos. Em especial, pelo fato de possuir bloqueadores de sinal de celular, o que inviabiliza
a comunicação imediata e em tempo real com outras pessoas que se encontram do lado de
fora do presídio.31
De acordo com Fonseca et al (2012), cujo trabalho derivou de similar pesquisa
ocorrida no ano de 2010, em quatro unidades prisionais sergipanas, as condições de saúde e
ambiente desses presídios estaduais já apresentavam deficiências, as quais foram detectadas,
durante o levantamento de campo, asseverando as autoras que:
As condições gerais dos presídios são bastante precárias, o que afeta
diretamente a saúde dos detentos. (...) As condições de higiene das celas são
consideradas ruins ou muito ruins para mais da metade dos detentos do
PREMABAS e PEAB, caindo para menos de 30% no PRESLEN e para
menos de 45% no PREFEM. As condições de iluminação das celas são
consideradas boas e muito boas por quase 70% dos detentos, embora a
circulação de ar dentro delas seja considerada muito ruim por quase 80%.
Com relação às condições dos banheiros predomina opinião ruim e muito
ruim, o mesmo acontecendo com a qualidade das camas (FONSECA, et al,
2012, pp. 158-159).
Proveitoso destacar que entre permanecer em um ambiente insalubre e sem estrutura,
mas conectado com o mundo externo (por meio de aparelhos celulares) e cumprir a pena em
celas limpas e em um local organizado, mas ter esse contato, exclusivamente, nos momentos
de visita, familiar ou íntima, ou ainda quando receber seus advogados, os internos preferem a
primeira opção.
Isso acaba devendo-se ao fato de pesar mais a oportunidade de estarem em contato
com maior frequência com a família e amigos, além de, em muitos casos, darem continuidade
a atividades delituosas que praticavam antes de ser preso, do que propriamente
(sobre)viverem em um ambiente degradante. Se pudessem optar, certamente, teriam os dois:
comunicação eficiente e direta, bem como ambiente digno.
Arrematam Fonseca et al (2012), que o cenário encontrado é bem próximo do que é
denunciado como realidade nos meios de comunicação locais e nacionais, como já foi
destacado ao referir-se o trabalho do CNJ:
31
Acrescente-se que o bloqueio da comunicação dos internos via celular dificulta, igualmente, a emissão de
comandos, no que pertine à prática de crimes, em especial, o tráfico de drogas que se sabe ser muito comum de
dentro do presídio. Registre-se que nos termos do art. 50, VII da LEP, além de ser vedado o uso de aparelho
celular, aquele condenado que for flagrado com tal equipamento em seu poder, comete falta grave, podendo
sofrer sanções disciplinares, em especial se o uso do aparelho, tem finalidade criminosa.
38
Por fim, pode-se chamar a atenção para o fato de que a realidade sobre as
condições de saúde e ambiente no sistema prisional sergipano não difere da
situação nacional onde estão praticamente ausentes, assistência material e à
saúde do preso, bem como a oferta de atividades laborais – que
potencializem a reinserção do preso no mercado de trabalho e
consequentemente o processo de ressocialização(...) (FONSECA, et al, 2012,
pp. 159-160).
Como mencionado, as questões de estrutura das unidades prisionais, limpeza,
segurança, assistência médica e alimentação, formam um conjunto de elementos que
degradam o cumprimento da pena, pelo fato de subjugar os internos e atentar contra a
condição de pessoas que o são, coisificando-os. Os crimes que os levaram ao cárcere não
justificam a retirada de outros direitos não previstos no decreto condenatório, mais que a
liberdade e o direito de transitar, suas dignidades são aviltadas, relegando-os à condição de
pessoas de segunda categoria.
As considerações aqui trazidas acerca dos direitos humanos na modernidade,
tomando como foco o sistema carcerário, a partir de elementos das realidades brasileira e
sergipana, nos colocam diante das insuficiências da dogmática penal em realizar a
normatividade dentro dos padrões do Estado Democrático de Direito e dos direitos humanos.
No entanto, esta insuficiência não é aleatória ou ocasional. Ela precisa ser vista com
o olhar crítico, subsidiado nas teorias criminológicas que, a seguir serão pontuadas.
Para encarar o problema complexo da reinserção social do preso/condenado é preciso
ter clareza das funções manifestas ou veladas que o Sistema Penal e a execução, em especial,
possuem. Afinal, a prisão é mesmo, no mundo capitalista, para o controle dos pobres.
2.3 A questão da Reinserção Social vista pelas lentes da criminologia crítica
Para além de entender as consequências do fenômeno criminal, objetivando uma
análise rigorosa de suas causas e também do processo de reinserção social, que lhe sucede,
socorre-se da criminologia crítica, buscando responder à seguinte indagação: de alguma forma
é possível concretizar-se esse processo de ressocialização, dentro do sistema penitenciário
existente, ou este anseio não passa de mera utopia?
Para enfrentar essa questão, entende-se como fundamental a compreensão do modelo
de reinserção social, extrapolando sua conceituação e buscando investigar as origens do
instituto, revelando sua ontologia, o que se fará com o auxílio da criminologia crítica que
39
discute, de forma aprofundada tal temática, questionando a sua efetividade no contexto
contemporâneo.
Antes, contudo, importante apenas situar o que vem a ser a criminologia crítica, seus
principais expoentes e as respectivas ideias por eles sustentadas.
De acordo com Molina e Gomes (2008), a ciência empírica e interdisciplinar que tem
como objeto de estudo o fenômeno do crime, o criminoso, a vítima, além das formas de
controle social é a criminologia. Assim, segundo os mesmos autores, compreendendo o crime
em todas as suas dimensões, causas e efeitos, propõe-se a criminologia a apresentar respostas
relacionadas à origem, dinâmica e principais variáveis do crime, entendido como problema
individual e social e, contribuindo com elementos para elaboração de programas de prevenção
eficazes do fato delituoso e para o delinquente e sistema de repressão.
Tal definição é ainda complementada por Shecaira (2012) que, em obra destinada ao
tema, assim se expressa:
Criminologia é um nome genérico designado a um grupo de temas
estreitamente ligados: o estudo e a explicação da infração legal; os meios
formais e informais de que a sociedade se utiliza para lidar com o crime e
com os atos desviantes; a natureza das posturas com que as vítimas desses
crimes serão atendidas pela sociedade; e, por derradeiro, o enfoque sobre o
autor desses fatos desviantes (SHECAIRA, 2012, p. 35).
Destarte, propõe-se a criminologia a estudar o fenômeno criminal, seus atores (autor e
vítima) e suas repercussões, incluindo as formas de controle social formal e informal. Nesse
sentido, fornece dados para melhor compreensão do contexto criminal como um todo e auxilia
as investidas do Direito Penal, inclusive assinalando as formas de como devem ser tais
intervenções.
Frise-se que, em tempos de inflação legislativa e expansão do Direito Penal, todos os
recursos que puderem ser utilizados para minimizar os efeitos devastadores e estigmatizantes
que a imputação, o processo e, em especial, uma condenação pela prática de um delito
acarretam na vida de uma pessoa, são extremamente válidos. Nessa senda, apresenta-se uma
das grandes virtudes da criminologia, que se refere à possibilidade de fornecer subsídios para
a compreensão global do fato delituoso e, com segurança, apontar para qual direção deve
seguir o Direito Penal, até mesmo descriminalizando condutas, reduzindo penas ou propondo
intervenções alternativas menos danosas.
Shecaira, (2012), ao descrever o objeto da criminologia e realizar confronto com o
Direito Penal, faz importantes considerações, que justificam a transcrição na íntegra, como se
depreende:
40
Diferentemente do direito penal, a criminologia pretende conhecer a
realidade para explicá-la, enquanto aquela ciência valora, ordena e orienta a
realidade, com o apoio de uma série de critérios axiológicos. A criminologia
aproxima-se do fenômeno delitivo, sem prejuízos, sem mediações,
procurando obter uma informação direta desse fenômeno. Já o direito limita
interessadamente a realidade criminal, mediante os princípios da
fragmentariedade, e seletividade, observando a realidade sempre sob o
prisma do modelo típico. (...) O direito penal versa sobre normas que
interpretam em suas conexões, sistematicamente. Interpretar a norma e
aplicá-la ao caso concreto, a partir de seu sistema, são momentos centrais da
tarefa jurídica. (...) A criminologia reclama do investigador uma análise
totalizadora do delito, sem mediações formais ou valorativas que relativizem
ou obstaculizem seu diagnóstico. Interessa à criminologia não tanto a
qualificação formal correta de um acontecimento penalmente relevante,
senão a imagem global do fato e de seu autor: a etiologia do fato real, sua
estrutura interna e dinâmica, formas de manifestação, técnicas de prevenção
e programas de intervenção junto ao infrator (SHECAIRA, 2012, pp. 40-
41).
Com o seu surgimento, a criminologia centrou o seu foco, inicialmente, na figura do
delinquente, na busca por explicações acerca dos motivos que impulsionavam uma pessoa a
transgredir a lei e cometer crimes. Nesse sentido o positivismo criminológico com Lombroso,
Ferri e Garófalo.32
Em seguida, correntes da criminologia, ainda sobre reflexos deterministas, buscavam
demonstrar que o homem, ser social por excelência, sofria influência direta do meio e era
estimulado a delinquir por tal motivo. Esse era o principal mote das teorias da Associação
Diferencial, da Anomia e da Subcultura delinquente. Por razões já referidas, não se
aprofundará no estudo dessas doutrinas.
De outro lado, Juarez Cirino dos Santos (2005), ao definir a criminologia crítica,
sustenta que, ao contrário da vertente tradicional, que aplica o método positivista de causas
biológicas, psicológicas e ambientais, a criminologia crítica é construída pela mudança de
método e de objeto de estudo. Este novo viés compreende o crime como uma qualidade
atribuída a comportamentos ou pessoas pelo sistema de justiça criminal, e constitui a
criminalidade por processos seletivos fundados em estereótipos, preconceitos e outras
idiossincrasias pessoais, desencadeados por indicadores sociais negativos de marginalização,
desemprego, pobreza, moradia em favelas, dentre outros (SANTOS, 2005).
32
Por não ser o objetivo do presente estudo, optou-se por essa rápida situação do tema ao invés de um
aprofundamento da temática, o que será realizado apenas com a criminologia crítica, eis que conexa com o
objeto do presente trabalho. Para estudo mais consistente acerca da criminologia recomendam-se as seguintes
obras, todas citadas e constantes das referências: (SHECAIRA, 2012), (MOLINA; GOMES, 2008) e
(ZAFFARONI e PIERANGELI, 2004).
41
Já em relação à metodologia empregada pela criminologia crítica, em oposição à
criminologia tradicional o citado autor complementa, ressaltando que:
o estudo do objeto não emprega o método etiológico das determinações
causais de objetos naturais empregado pela Criminologia tradicional, mas
um duplo método adaptado à natureza de objetos sociais: o método
interacionista de construção social do crime e da criminalidade, responsável
pela mudança de foco do indivíduo para o sistema de justiça criminal, e o
método dialético que insere a construção social do crime e da criminalidade
no contexto da contradição capital/trabalho assalariado, que define as
instituições básicas das sociedades capitalistas‖ (SANTOS, 2005, pp. 01-02).
Como resposta ao modelo positivista, surge na Europa uma corrente criminológica que
vê o delito e o infrator como fruto de escolhas sociais por parte de um poder hegemônico que
patrimonializa os delitos e criminaliza aqueles que se rebelam contra o próprio sistema, ou o
ameaçam, a exemplo dos que ofendem a propriedade privada.
Nesse contexto, o Direito Penal é revelado como mantenedor de um status quo de
subjugação e inferiorização daquele desfavorecido socialmente e ainda se mostra vocacionado
a servir como instrumento de dominação e alijamento social daqueles que, de alguma forma,
são vistos como ameaça ao sistema posto, assim compreendidos como ―minorias‖33
étnicas e
sociais.
Como já referido, a criminologia crítica, na compreensão global do fenômeno do
crime, desloca o seu olhar da figura do infrator para o contexto da realidade em que ele
encontra-se inserido e, percebendo essa realidade macro, descortina a razão da clientela penal
ser, em regra, a mesma de sempre. Assim, passa a desmistificar o porquê e como o Sistema
Penal escolhe o seu público alvo e o mantém enclausurado a essa ideologia de dominação e
justificação.
Arrematando esse aspecto conceitual da criminologia crítica, para compreendê-la em sua
integralidade, são apresentadas as lições trazidas por um de seus idealizadores, o criminólogo
italiano Alessandro Baratta (2002), que assim acrescenta:
Sobre a base do paradigma etiológico a criminologia se converteu em sinônimo
de ciência das causas da criminalidade. Este paradigma, com o qual nasce a
criminologia positivista perto do final do século passado, constitui a base de toda
a criminologia ‗tradicional‘, mesmo de suas correntes mais modernas, as quais, à
pergunta sobre as causas da criminalidade, dão respostas diferentes daquelas de
origem antropológica ou patológica do primeiro positivismo, e que nasceram, em
33
Em verdade são maioria, isso quando se observa a quantidade de encarcerados no Brasil, por exemplo, cerca de 500 mil
reclusos, dos quais 55,61% é de origem negra e parda, frente a um quantitativo de 40,25% de brancos (JULIÃO, 2012).
Comparado com o censo de 2010 do IBGE, confirma-se a disparidade em relação à distribuição étnica racial no Brasil. A
População dos que se declararam brancos foi de 91.051.646 e dos que se declararam pretos e pardos totalizou 96.795.294. (IBGE,
2010)
42
parte, da polêmica com este (teorias funcionalistas, teorias ecológicas, teorias
multifatoriais etc.).
O paradigma etiológico supõe uma noção ontológica da criminalidade, entendida
como uma premissa preconstituída às definições e, portanto, também à reação
social, institucional ou não institucional, que põe em marcha essas definições.
Desta maneira, ficam fora do objeto de reflexão criminológica as normas
jurídicas ou sociais, a ação das instâncias oficiais, a reação social respectiva e,
mais em geral, os mecanismos institucionais e sociais através dos quais se realiza
a definição de certos comportamentos qualificados como ‗criminosos‘.
A pretensão da criminologia tradicional, de produzir uma teoria das condições
(ou causas) da criminalidade, não é justificada do ponto de vista epistemológico.
Uma investigação das causas não é procedente em relação a objetos definidos por
normas, convenções ou valorações sociais e institucionais. Aplicar a objetos deste
tipo um conhecimento causal – naturalista, produz uma ‗reificação‘ dos
resultados dessas definições normativas, considerando-os como ‗coisas‘
existentes independentemente destas. A ‗criminalidade‘, os ‗criminosos‘ são, sem
dúvida alguma, objetos deste tipo: resultam impensáveis sem intervenção de
processos institucionais e sociais de definição, sem a aplicação da lei penal por
parte das instâncias oficiais e, por último, sem as definições e as reações não
institucionais (BARATTA, 2002, pp.209-210).
Percebe-se que para o autor, enquanto a criminologia tradicional ocupa-se em definir quem
são aqueles que cometem os crimes, em quais circunstâncias e de que forma o infrator torna a
praticar um delito, portanto reincide, e mais, de que forma deve o Estado intervir para realizar o seu
controle, a nova criminologia, que tem por base a teoria do etiquetamento (labeling approach),
lança luz sobre questionamentos acerca de quem pode ser considerado um infrator e quem seria o
responsável por tal definição, sem perder de vista as consequências que advém desse processo
seletivo e discriminatório de rotulação.
Nessa senda, surgem as mais ferrenhas críticas ao próprio Sistema Penal que, em reiteradas
e diuturnas violações ao princípio constitucional da isonomia, elege e recruta a sua clientela e, ao
invés de tentar recuperá-la, para em seguida reinseri-la socialmente, reintroduz os condenados no
seio da violência e do crime, em especial aqueles que cumprem pena privativa de liberdade. Não há
como não enxergar essa faceta discriminatória e deslegitimada do Sistema, que produz e reafirma a
todo instante as categorias de demoniados, invisíveis e imunes, como ressalta Vieira (2011), sendo
que essa é uma das principais argumentações construídas pela criminologia crítica.
Outro criminólogo crítico, Zaffaroni (1991), ainda tratando da rotulação a que se predispõe
o Sistema Penal, destaca que ele atua de forma seletiva e seleciona aqueles cujos estereótipos são
produzidos pelos meios de comunicação de massa, excluindo tipos de delinquente tais como
delinquência de colarinho branco e de trânsito. Ademais, confirma que nas prisões são encontrados
os mesmos estereotipados e a partir deles, o sistema vai à busca de outros que representam esses
mesmos papeis sociais (ZAFFARONI, 1991).
43
Shecaira (2012) avança um pouco mais. Inicialmente, sintetizando os atos de labelling
aproach: ―delinquência primária→resposta ritualizada e estigmatização→distância social e
redução de oportunidades→surgimento de uma subcultura com reflexo na autoimagem→estigma
decorrente da institucionalização→carreira criminal→delinquência secundária (SHECAIRA,
2012, p.264).
Em seguida, propondo um questionamento crucial Shecaira (2012) indaga: Seria possível
dar fim a todo esse ciclo de criminalização? Considerando a inviabilidade de extirpação da
delinquência primária, em razão da diversidade de valores que fomentam a conduta desviada,
Shecaira (2012) parte para explicar em quais momentos da referida cadeia poderia haver
mudanças.
Esclarece o citado autor que a resposta ritualizada e estigmatizante poderia ser evitada, por
exemplo, com a não exposição de infratores nos meios de comunicação de massa. Ademais, para
minimizar o distanciamento social e a redução de oportunidades, somente com a eliminação das
marcas do processo – evitando o acesso a folha de antecedentes policiais e processuais, para não
inviabilizar a ressocialização. Ainda assevera que, somente uma terapia social emancipadora, que
incidisse sobre o ego do acusado, devolvendo-lhe senso crítico, poderia evitar a formação de uma
subcultura delinquente, entretanto já reconhece a sua dificílima aplicação prática, face ao seu
elevado custo. Cita, igualmente, que a institucionalização oriunda do encarceramento só pode
ocorrer com o fim deste, ressaltando a importância de penas alternativas e da descriminalização de
condutas consideradas crimes. Por fim, para evitar a carreira criminal, somente com um
acompanhamento eficiente na transição da prisão fechada para o retorno à sociedade, com políticas
sérias de reinserção social (SHECAIRA, 2012).
De forma clara, é apontada uma direção a seguir, reconhecendo-se, entretanto, a
tortuosidade de sua implementação, eis que carece da recriação completa do modelo vigente.
Todavia, assinala-se a existência de alternativas e de esperança, desde que haja um movimento
verdadeira e efetivamente interessado em sua concretização.
Ressalve-se, ainda, nesse mesmo sentido, que toda a teoria que se dispõe assumir uma
postura crítica tem o papel de promover reflexões e a tentar propor alternativas à realidade que por
ela é hostilizada e não poderia ser diferente com a criminologia crítica.
Entendendo que o cerne do problema da expansão da criminalidade e da criminalização
reside na estrutura do próprio Sistema Penal, a criminologia crítica propõe a adoção de algumas
medidas que possam atenuar o caráter simbólico do Direito Penal e conter a sua hipertrofia. É o
que destaca Juarez Cirino dos Santos em obra já referida: ―redução do sistema penal, humanização
44
do sistema carcerário, reforma da legislação penal (descriminalização de condutas e
descarcerização radical)‖ (SANTOS, 2005, pp. 05-07).
Portanto, em que pese difícil, a criminologia crítica acredita que a reinserção social pode
ser atingida, desde que uma reformulação completa do sistema criminal seja levada a efeito, em
especial, com o encolhimento da intervenção repressiva e a ampla reestruturação do sistema
prisional.
3 REINSERÇÃO SOCIAL COMO DIREITO
Como explicitado no capítulo anterior, procedeu-se uma crítica ao modelo de justiça
criminal, que se encontra em vigor e revela-se seletivo, excludente e a serviço de sistema
neoliberal de criminalização dos mais pobres. Muito embora esse sistema esteja em colapso,
por não ser imparcial, nem conseguir realizar justiça que dele se espera, ainda não ruiu por
completo. Ao contrário, dentro da lógica de sua arquitetura, acaba por servir para reforçar a
validade de normas jurídicas que, possibilitam.
Ademais, a prisão, que deveria funcionar como local de punição do infrator pela
prática de um delito e meio para se obter a sua readequação aos padrões normativos impostos,
com sua reinserção social gradual, acaba destinando-se ao papel de alijar da sociedade aqueles
que são infratores e também os que, de alguma forma, vão de encontro ao sistema posto.
Entretanto, pelo fato de não haver possibilidade de abandonar a estrutura em plena
vigência, é necessário reforçar o sistema de proteção de direitos humanos34
, durante a
execução da pena, garantindo condições mínimas de dignidade nas unidades prisionais e
potencializando os institutos que viabilizem a reinserção social dos encarcerados, ainda que
eles sejam falhos.
Destarte, é imprescindível o fomento ao trabalho, que seja distinto do subemprego e
que emancipe, bem como o estudo, efetivamente capacitador, em todas as etapas da formação,
além do profissionalizante, como forma de assegurar a reinserção social como um direito
pleno, em sua acepção mais estrita. É nessa direção que se norteia o estudo da reinserção
social, dissecando as ferramentas que possibilitam a sua ocorrência, dentro do regime legal
estabelecido pela LEP, na realidade nacional e estadual de Sergipe.
34
As Regras Mínimas para Tratamento de Presos da ONU, a CF/88, a LEP e a Resolução nº 14 do CNPCP, que
estabelece regras mínimias para tratamento dos presos no Brasil, constituem um arcabouço jurídico-legal de
normas que podem ser invocadas em casos de ofensa e violação a direitos humanos, perpetradas em face de
presos, inclusive para responsabilizar autoridades e o próprio Estado ante graves omissões que gerem dano.
45
3.1 Reinserção Social como direito
Entendido como tem ocorrido a atuação do Direito Penal no processo de
criminalização de condutas, notadamente, em face daqueles que não conseguem se ajustar às
engrenagens do modelo econômico vigente, de matriz neoliberal, cumpre discutir se uma das
principais finalidades da pena tem sido efetivada: a ressocialização.
Aliada aos inegáveis caráteres retributivo e de prevenção – geral e especial – a
função ressocializadora desponta como a garantia de que, após o cumprimento da pena, o
sentenciado estaria apto a retornar ao seio da sociedade. Nesse sentido, a execução seria
apenas um meio para se obter a reintegração social, incumbindo ao Estado a defesa da
sociedade por meio uma política social (LUNA, 1985).
Ocorre que a reinserção social daqueles que cumprem uma pena, não pode ser vista
apenas sob o prisma do Estado, principal responsável por tal processo, mas como um próprio
direito do sentenciado, lançando-se, a partir de então, um duplo foco: um para o condenado,
ao qual deve ser assegurada uma execução penal menos drástica, estigmatizante, violadora e
opressora possível; e outro para o Estado, que deve buscar implementar todos os meios que
garantam a conclusão da execução no prazo estipulado na sentença35
e que oportunizem ao
condenado esse regresso à sociedade de forma a retomar sua trajetória de vida, em
conformidade com o ordenamento jurídico.
De acordo com as reflexões de Luna (1985), as penas privativas de liberdade se
destinam a ―ressocializar, recuperar, reeducar ou educar o condenado com a finalidade
educativa de viés jurídico‖ (LUNA, 1985, p.329).
Como pontua Julião (2012), referindo conceito em dicionário de sociologia, trazido
por Ibáñez (2001), o termo ressocialização significa
[O contrario de dessocialização], é o processo pelo qual o indivíduo volta a
internalizar as normas, pautas e valores – e suas manifestações – que havia
políticas públicas de perdido ou deixado. Toda dessocialização supõe
ordinariamente uma ressocialização e vice-versa. O termo ressocialização se
aplica especificamente ao processo de nova adaptação do delinquente à vida
normal, a posteriori de cumprimento de sua condenação, promovido por
agências de controle ou de assistência social. Esta visão da ressocialização
do delinquente parte do pressuposto de que se deu, no delinquente um
período prévio de sociabilidade e convivência convencional, a qual nem
sempre é assim (IBANEZ, 2001 apud JULIÃO, 2012. p. 57).
35
Esclarece-se que, pelo fato de o Brasil adotar o sistema progressivo, muito embora na sentença penal
condenatória o juiz comine uma pena, tendo como referência a previsão abstrata para de cada tipo penal e os
critérios de fixação da pena, previstos nos artigos 59 a 76 do CPB, durante a execução da pena é possível que,
por meio de alguns institutos, tais como a remição ou progressão de regime o sentenciado retorne antes ao
convívio social do que o prazo estabelecido no decreto condenatório. (MIRABETE, 2004).
46
Também sobre a questão Falconi (1998) já ponderava que a única forma de
realmente se atingir a ressocialização é conferir-lhe um sentido mais prático e menos abstrato,
caso contrário sua efetivação restará prejudicada e isso devido a uma série de condições
desfavoráveis, pertinentes à realidade prisional, dentre as quais destacam-se: as precárias
estruturas físicas, a superpopulação carcerária, a corrupção dos agentes públicos e o
desrespeito a direitos dos presos (FALCONI, 1998).
Entretanto, Falconi (1998) ainda ressalta que, mesmo se constatando todas essas
dificuldades, é importante a elaboração de um programa, visando à reinserção daquele que
cometera um crime, para que as consequências – de ordem física, intelectual e emocional – do
encarceramento sejam atenuadas com foco no retorno ao convívio social.
Ademais, a obra de Falconi (1998) elaborada tendo como temática central a
reinserção social, aborda, criticamente, as iniciativas do Poder Público, no que pertine às
políticas afetas a essa área, as quais para ele são tratadas com descaso e sem qualquer
prioridade. Isso sendo de fácil constatação em razão da insistência em manter presídios
superlotados e em condições subumanas. Realidade que se revela incapaz de prepará-lo para o
regresso à sociedade e afastá-lo da reincidência, a grande rival da reinserção social do
egresso.
Em relação ao ato de ressocializar, Shecaira e Corrêa Junior (1995) preconizavam
que este não representa a reeducação do recluso, adequando-o aos interesses e padrões
impostos pelos responsáveis pela execução penal, mas a garantia de que a integração social do
condenado seja efetiva. Para tanto, os sentenciados, durante o cumprimento da pena, deveriam
ser preparados para o retorno ao convívio social sem maiores sequelas, incumbindo aos
gestores do sistema à tarefa de ofertar condições que viabilizassem tal fim. O que certamente
poderia ocorrer com a disponibilização, em um primeiro momento, de capacitação técnico-
profissional e educacional e em um segundo momento com a oferta de postos de trabalho
dentro e fora das unidades prisionais (SHECAIRA e CORRÊA JUNIOR, 1995).
Destaque-se que não se pode discutir a ressocialização ou reintegração, como prefere
Alessandro Baratta36
, sem considerar-se que a grande maioria da população carcerária é
36
Alessandro Baratta, citado por Silva (2003), prefere o uso da denominação reintegração, em detrimento da
ressocialização, por entender afigurar-se como mais adequado, uma vez que esta traduziria um comportamento
passivo do detento em face da sociedade, que assumiria papel de superioridade, relegando tal concepção como
resquícios de uma criminologia positivista, em sua concepção, assaz ultrapassada. Ressalta, contudo, o
criminólogo crítico italiano, que o conceito de reintegração social representa uma abertura de comunicação e
interação entre o presídio e a sociedade. Nesse processo, tanto a sociedade quanto os presos se reconheceriam
uns nos outros. Para tanto, acrescente-se que a ideia do autor perfectibiliza-se com a quebra de barreiras de
47
composta de pessoas que sequer tiveram acesso à fase de socialização, sendo completamente
alijadas desse processo que, em tese, seria antecedente.
Frise-se que, o acesso regular à alimentação, ao banho e a uma qualificação precários
é disponibilizado à massa carcerária, no momento em que está cumprindo pena. E, embora
para muitos essa seja a única oportunidade, à vista da baixa condição social de boa parte dos
presos, o que, no estado de Sergipe, foi confirmado pela pesquisa de campo já referida, não se
pode admitir que serviços insuficientes em quantidade e qualidade e muito distante do ideal
sejam a realidade cotidiana do sistema prisional. Todavia, isso não se revela como uma
prioridade, notadamente, pelo fato de a esmagadora maioria da população carcerária ser de
pessoas desfavorecidas economicamente.37
Não se pode descurar, ademais, que a destinatária desse público de condenados – a
sociedade – precisa também estar devidamente preparada para recepcioná-los com respeito e
apta a abrigá-los em empregos com remuneração digna e não em subempregos. Por tal
motivo, a iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com o projeto Começar de Novo e
o Portal de Oportunidade é bastante importante38
.
Oportuno ainda destacar a conclusão feita por Seabra, referido por Falconi (1998):
Será bom não esquecer que os mais belos projetos que forem encarados, as
mais dispendiosas realizações não conduzirão à ressocialização dos
delinquentes se estes não verificarem que a sociedade que antes o rejeitou,
após o crime, não está disposta a ajudá-los (SEABRA, apud FALCONI,
1998, p. 133).
Destarte, de nada adianta qualificar o sentenciado, para que possa estar preparado,
quando de sua saída do presídio, retomando o curso de sua vida e reencontrando-se com a
sociedade extramuros, se ainda permanecerem erigidas as barreiras do preconceito, do
acesso aos conteúdos interno dos presídios, o que, infelizmente, não é tão fácil, notadamente, quando as mazelas
são as referências de um sistema. Assim, o sucesso da reintegração resta prejudicado. (SILVA, 2003) 37
A pesquisa de campo que alicerçou a elaboração do presente estudo revela que 06 (seis) das 07(sete) unidades
visitadas apresentaram como maior percentual a faixa de renda de até 02 (dois) salários mínimos, sendo que a
única divergente, o PREFEM, apresentou como destaque maior a faixa de renda de até 01 (um) salário mínimo,
portanto, ainda inferior. (MARQUES, 2013) Ou seja, essa é a realidade que permeia o sistema prisional de
Sergipe, em que estão reclusas, em sua absoluta maioria, pessoas desprovidas de condição social relevante.
Informa-se que no capítulo 04 é desenvolvida de forma específica a análise dos dados e será possível o
cotejamento com outras questões igualmente importantes. 38
De acordo com o CNJ: ―O Começar de Novo visa à sensibilização de órgãos públicos e da sociedade civil para
que forneçam postos de trabalho e cursos de capacitação profissional para presos e egressos do sistema
carcerário. O objetivo do programa é promover a cidadania e consequentemente reduzir a reincidência de crimes.
Para tanto, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou o Portal de Oportunidades. Trata-se de página na internet
que reúne as vagas de trabalho e cursos de capacitação oferecidos para presos e egressos do sistema carcerário.
As oportunidades são oferecidas tanto por instituições públicas como entidades privadas, que são responsáveis
por atualizar o Portal.‖ O link do site do Projeto Começar de Novo é http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-
z/sistema-carcerario-e-execucao-penal/pj-comecar-de-novo. Já o link do Portal das Oportunidades é
http://www.cnj.jus.br/projetocomecardenovo/index.wsp
48
distanciamento e do medo, que são responsáveis pela paralização do processo de reinserção
social. É preciso enfrentar essa questão com vigor e não de maneira evasiva, eis que, sem tal
consciência e ação, qualquer iniciativa na senda da ressocialização será natimorta.
3.1.1 Reinserção Social pelo trabalho
A busca pela reinserção social do preso vista como um direito inerente à sua
condição de recluso tem como lastro a seguinte premissa: em determinado momento,
finalizado o cumprimento da pena, que ainda é abreviado39
pelo sistema de remição e/ou
progressão de regime, o preso retornará ao convívio social. Esse raciocínio torna-se ainda
mais lógico, quando se lança o olhar para o art. 5º. XLVII da CF/8840
e constata-se que são
vedadas no Brasil: a prisão perpétua, e, como regra, a pena de morte.
Evidentemente, surgem assim dois questionamentos iniciais: que reinserção social é
possibilitada pelo sistema carcerário brasileiro, em especial pelo sistema carcerário sergipano?
Há alguma política pública que garanta a almejada ressocialização?
As respostas a essas indagações perpassam pelo conhecimento do sistema legal
vigente, bem como da realidade do sistema penitenciário brasileiro, em especial o do estado
de Sergipe, foco do presente estudo.
Como já referido, a execução penal brasileira é regulamentada e possui delimitação
por alguns diplomas legais, dentre eles a própria Constituição Federal de 1988 (CF/88), o
Código Penal, o Código de Processo Penal, mas em especial e de forma exauriente, a Lei nº.
7.210/84: a Lei de Execuções Penais (LEP). Já em seu artigo primeiro, a LEP estabelece os
objetivos da execução penal, dentre eles a efetivação dos termos da sentença penal ou decisão
criminal, bem como a viabilização das condições para a integração social e executando de
forma harmônica (BRASIL, 2014).
Já os arts. 10 a 27 disciplinam as formas de assistência que devem ser prestadas aos
presos e egressos, compreendendo as de natureza material, à saúde, jurídica, educacional,
39
A Lei de Execuções Penais (LEP), assim como o CPB, previu institutos por meio dos quais o sistema
progressivo se materializa e o sentenciado retorna mais rápido, ao convívio social, dentre eles: a remição e a
progressão de regime propriamente dita. Em relação à remição, que traduz a hipótese de redenção espiritual do
condenado, consiste na possibilidade de abatimento de 01 (um) dia de pena a cada 03 (três) dias trabalhados e/ou
12 (doze) de estudo. (BRASIL, 2014). Já a progressão de regime, traduz a ideia de que a execução penal deve ser
dinâmica e que a demonstração de que o condenado está apto a um regime mais suave possibilita essa evolução
para regime mais rigoroso para aquele mais brando seguindo essa ordem: regime fechado, regime semiaberto e,
por fim, regime aberto. (MIRABETE, 2004) 40
―Art. 5o., XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84,
XIX;, b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis;‖
49
social e religiosa, sendo cada uma delas destrinchada ao longo desses dispositivos legais.
Destaca-se que, especificamente em relação ao estudo, serão tecidos alguns comentários
adiante, face a notória importância que esse instituto possui no processo de emancipar do ser
e, no caso em especial dos reclusos, na ressocialização.
Outros artigos da LEP regulamentam ainda institutos capazes de viabilizar a
reinserção social dos presos, a saber: o trabalho - arts. 28 a 37; as autorizações de saída,
gênero do qual são espécies as permissões e as saídas temporárias – arts. 120 a 125 e a
remição - arts. 126 a 130.41
É da essência do sistema progressivo, o avanço gradual no que pertine ao contato com
o ambiente externo à prisão. Ainda que o preso esteja em regime fechado, terá a oportunidade
de estar fora do presídio realizando alguma atividade, a exemplo do trabalho externo42
e da
permissão de saída, que ocorrem sob vigilância. À medida que avança no cumprimento da
pena, esse contato com o ambiente e a realidade fora do sistema prisional tende a aumentar,
pois o objetivo é justamente permitir que o sentenciado vá se acostumando com ideia do
regresso. Assim, quando se encontra no regime semiaberto e, finalmente, no aberto, com
fundamento na autodisciplina, vai experenciando a retomada às atividades que ficaram para
trás quando acessara o sistema.
Infelizmente, não se pode deixar de citar que alguns dos executandos, na oportunidade
que saem do presídio, por ainda possuir vínculos com a criminalidade, aproveitam para
cometer delitos, gerando na sociedade sentimento de repulsa a essas medidas de
ressocialização e alimentando o discurso dos que defendem o recrudescimento de penas e
flexibilização de direitos e garantias dos condenados, o que não tem qualquer sentido se é
tomada a premissa inicial de que esse contato direto com o mundo externo ocorrerá em um
determinado momento.
Não se pode, jamais, pensar em impedir ou dificultar o regresso do preso, diretamente,
e de forma gradual, ao convívio da sociedade, justamente, para possibilitar que haja essa
(re)adaptação. Do contrário, quando de sua saída, apenas no término do cumprimento da pena,
se estará diante de um ser que ficou, temporariamente, isolado do convívio social e que
dificilmente conseguirá adequar-se às normas daquela comunidade que o recepcionará.
41
Por compreender que o estudo, o trabalho e, por consequência, a remição, têm papeis diferenciados e impactos
positivos na reinserção social do preso, sobre esse tema se discorrerá de forma mais detida logo a seguir. 42
Art. 36 da LEP: O trabalho externo será admissível para os presos em regime fechado somente em serviço ou
obras públicas realizadas por órgão da administração direta ou indireta, ou entidade privada, desde que tomadas
as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina.‖ (BRASIL, 2014).
50
Nesses casos a chance de tornar a cometer crimes é muito grande, até porque não se sente
parte daquele corpo social.
Ainda versando sobre regime legal da reinserção social é interessante destacar duas
resoluções editadas pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP),
órgão colegiado, vinculado ao Ministério da Justiça, criado por força do Decreto 6.061/2007
da Presidência da República, composto de treze membros com a atribuição precípua de propor
diretrizes acerca da política criminal e execução penal.
A primeira delas, a Resolução nº 14/1994, estipula as Regras Mínimas para
Tratamento do Preso no Brasil que, a exemplo do documento criado na ONU, vai estabelecer
o conjunto de direitos e garantias que, minimamente, devem ser oportunizados aos presos do
sistema penitenciário brasileiro. Em seu rol de dispositivos, que como sugere o nome é
meramente exemplificativo, não fechando a oportunidade para outros direitos que, por
ventura, sejam, espontaneamente, disponibilizados aos presos de determinados
estabelecimentos penitenciários, elencam-se medidas ressocializadoras43
(BRASIL, 2014).
Ocorre, todavia, que, por representar um instrumento normativo apenas de caráter
recomendativo e despido de força coercitiva, o seu descumprimento, na prática, acaba não
surtindo muito efeito. Mais graves são as diuturnas ofensas aos dispositivos da LEP e que
acabam não acarretando, de igual forma, sanções às unidades federativas ou ao próprio Brasil,
salvo em casos de gravíssimas violações, cujos episódios ganharam o cenário internacional.44
Já a resolução nº 15/2003 prevê a criação da Central Nacional de Apoio ao Egresso
(CENAE). Registre-se que a reinserção social, como assaz referido, não pode ocorrer apenas
no momento em que o sentenciado encerra a execução penal, ao contrário necessita acontecer
durante o seu curso. Todavia, é no momento em que deixa a prisão e passa à condição de
egresso do sistema, que este sentirá com maior vigor as consequências estigmatizantes do
encarceramento, necessitando de um amparo, que será decisivo para evitar que reincida.
A LEP em seus arts. 78 e 79 regulamenta a função e atribuições dos patronatos de
presos e egressos, revelando a preocupação com o sentenciado nessa nova fase da execução
em que ganha a liberdade, que em alguns casos é de forma condicionada, a exemplo dos que
cumprem livramento condicional, durante o período de prova. O objetivo principal da
instituição dos Patronatos é prestar assistência aos egressos, em especial para que consigam
43
Assim como a própria LEP, esse referido ato normativo, foi editado pensando em reforçar e reafirmar direitos
atinentes àqueles que estão cumprindo pena privativa de liberdade. Dentre esses direitos, estão relacionados
alguns dispositivos pertinentes ao estudo, ao trabalho e à manutenção do preso com os seus vínculos externos à
unidade penitenciária. 44
Já foram referidos os casos do Presídio de Urso Branco, da Cadeia de Porto Alegre e do Presídio de Pedrinhas.
51
manter-se afastados do processo de criminalização que o conduziu à pratica delitiva e ao
próprio estabelecimento prisional.
A resolução referida institui a criação da CENAE, inspirada em exemplos de
localidades em que os índices de reincidência são mais baixos em razão da atuação decisiva
do Patronato. Verifica-se, entretanto, que desde a sua edição, em que pese a resolução tenha
formalmente criado o referido órgão, na prática ele não existe, não tendo havido um aumento
na criação dos Patronatos nos estados da federação.
Registre-se que, no plano formal há uma atuação muito importante do Poder
Legislativo pátrio e também do Executivo, com a edição de normas que preservam direitos do
condenado, respeitam sua dignidade, asseguram as mais diversas formas de assistências e
suportes, entretanto, na prática esses preceitos não se viabilizam, deixando muito a desejar e
não saindo do âmbito da idealização.
Inobstante todas as adversidades que permeiam o sistema prisional brasileiro,
condições insalubres, superpopulação carcerária, maus-tratos, violência, dentre outras, como
revelam o estudo realizado por Julião (2012) e o relatório produzido pelo CNJ (2012), sem
qualquer dúvida, o desenvolvimento de uma atividade laboral e o ensino têm papel
preponderante como as variáveis que contribuem sobremaneira para que egresso do sistema
prisional retorne à sociedade mais preparado para adaptar-se a ela.
3.1.2 Reinserção Social pelo estudo
Aqui, as análises e discussões sobre a reinserção se sustentarão em duas das
principais ferramentas de reinserção social promovidas pelo Estado: o estudo e o trabalho.
Segundo Julião (2012) os presos por ele entrevistados entendiam a ressocialização
como sinônimo de reinserção social e compartilhavam a ideia de que a função do sistema
penitenciário seria a de punir e ressocializar, em um nítido reflexo ao discurso prisional
predominante. Para eles a educação e o trabalho contribuiriam para a consecução desse
objetivo, que seria de recuperação dos presos (JULIÃO, 2012).
O milagre da educação acontece quando se passa a ver um mundo que nunca tinha
sido visto (ALVES, 2003, p.56). Por essa razão, necessário se faz apresentar a educação como
ferramenta de libertação para um indivíduo enclausurado, que muitas vezes não é alfabetizado
ou é analfabeto funcional e educar pessoas que estão privadas de liberdade vai muito mais
além do que simplesmente alfabetizá-lo (MARQUES et al, 2012).
52
A definição do educador Rubem Alves (2003) revela a relação entre o binômio
identidade/educação45
, de forma que a educação atinge uma dimensão pessoal-subjetiva e
sugere também ―uma atividade constante de autoconstrução e autolibertação a partir de uma
elaboração consciente e refletida das vicissitudes e conjecturas postas no rascunho da
existência‖ (SIRINO, 2010, p. 01).
Já Freire (1996) defende que, por meio da educação, há um processo de
aprendizagem recíproco, tanto para educando, quanto para o educador, figurando ambos como
protagonistas nesse contexto, pois ―nas condições de verdadeira aprendizagem, os educandos
vão se transformando em reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber ensinado, ao
lado do educador igualmente sujeito do processo‖ (FREIRE, 1996, p. 26).
Igualmente, destaca o mencionado pedagogo que, em razão dessa construção plural
do conhecimento não se pode admitir a verticalização no processo de aprendizagem,
oportunizando divergências, críticas e sugestões, pois considera que: “Ensinar não é
transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua
construção” (FREIRE, 1996, p. 21).
Nesse sentido, acrescenta-se que educar não é somente a alfabetizar, vai muito, além
disso, perpassa pela ideia de identidade de um indivíduo, bem como pelo seu processo de
autolibertação.
Historicamente falando, a educação já foi alvo de grande interesse por parte dos
setores reformistas, com uma particularidade: uma acentuada ênfase na dimensão política da
educação. Como destaca Germano (1997), isto implica dizer que o interesse da esfera política
que norteava o processo educacional,
(...) para além da alfabetização de milhões de adultos, adolescentes e
crianças, dizia respeito à necessidade de politizar e conscientizar o povo para
que ele pudesse participar efetivamente da vida do país e influenciar
decisivamente na transformação da sociedade brasileira. Enfim, numa
linguagem muito discutida atualmente, o que estava colocado como
prioridade era o desenvolvimento de uma educação para a cidadania, para a
organização da cultura, para a participação política de enormes contingentes
populacionais (GERMANO, 1997, p.390).
Verificar o papel histórico da educação é indispensável para perceber a ideologia, a
conjuntura sócio-política-econômica de um país, a fim de evitar que esta não seja somente
instrumento de revolução contra o sistema econômico, por exemplo, mas sim de
45
―Educar é mostrar a vida a quem ainda não a viu. O educador diz: ―Veja!‖ - e, ao falar, aponta. O aluno olha
na direção apontada e vê o que nunca viu. Seu mundo se expande. Ele fica mais rico interiormente ‖ (ALVES,
2003, p.56)
53
autotransformação, da criação de uma consciência da realidade. ―As palavras só têm sentido
se nos ajudam a ver o mundo melhor. Aprendemos palavras para melhorar os olhos‖
(ALVES, 2003).
Assim, a educação vai se desenvolvendo através de situações presenciadas e
experiências vividas por cada indivíduo ao longo da sua vida, tornando-se um processo
contínuo de desenvolvimento das faculdades físicas, intelectuais e morais do ser humano, a
fim de melhor se integrar na sociedade ou no seu próprio grupo. Este processo não pode e
nem deve se encerrar na prisão e muitas vezes, de forma contraditória, apenas tem a
oportunidade de ser iniciado lá.
Contudo, é preciso ter profissionais qualificados nas escolas e nos presídios. Segundo
Rubem Alves (s.d.), é pela educação que o indivíduo se torna mais apto para viver. Para ele,
―Não existe coisa mais importante que educar (...) pela educação ele se torna mais sensível e
mais rico interiormente, o que faz dele uma pessoa mais bonita, mais feliz e mais capaz de
conviver com os outros‖ (ALVES, s.d.). Por conseguinte, não se pode falar em ressocializar o
preso, sem antes socioeducá-lo. É preciso educar para viver.
Autores como Paulo Freire (1980), com sua construção crítica de métodos de ensino,
qualifica a educação como de ―caráter permanente‖ e afirma que ―não há seres educados e não
educados, estamos todos nos educando. Existem graus de educação, mas estes não são
absolutos‖ (FREIRE, 1980, p. 28).
A partir de tal alegação é possível afirmar que o processo de educação está em
contínua construção e que, a todo instante, renova-se, numa lógica dialética, partindo não só
do educador, mas também do educando que, em muito, contribui para a transmissão do saber.
Isso porque, ao receber as informações repassadas pelo professor, devolve questionamentos e
provocações, que possibilitam o aprofundamento de discussões e a retomada dos conceitos
sob novas óticas, agora construídas com os vieses dos dois atores envolvidos: educador e
educando.
Rubem Alves (2000, apud Sampaio, 2009) por meio da psicanálise, lembra que todos
os seres são divididos e habitados por ideias e sentimentos contraditórios:
É a ciência pouco ortodoxa da psicanálise que nos informa que o discurso
sobre as ausências — discursos dos sonhos, das esperanças — tem o seu
lugar na interioridade de nós mesmos, explodindo, emergindo, irrompendo
sem permissão, para invadir e embaraçar o mundo tranquilo, racional e
estabelecido de nossas rotinas institucionais.
Seria possível, então, compreender que a polaridade entre educadores e
professores não instaura uma dicotomia entre duas classes de pessoas, umas
inexistentes e heroicas, outras existentes e vulgares, mas antes uma dialética
54
que nos racha a todos pelo meio, porque todos somos educadores e
professores, águias e carneiros, profetas e sacerdotes, reprimidos e
repressores (ALVES 2000, p. 25, apud SAMPAIO, 2009, p. 162).
Assim, é nessa compreensão de que a educação possibilita a transformação do
indivíduo, que se sustenta a importância que o estudo tem na vida de todos e de maneira
especial, para o preso que, muitas vezes marginalizado e excluído, é impelido ao cometimento
da prática delitiva, cuja consequência é o alijamento social.
Pesquisas realizadas com vistas a identificar o perfil dos presos brasileiros, tal qual o
que fora desenvolvido, em 2006, pela Fundação Getúlio Vargas, denominado ―Retratos do
Cárcere‖, conseguiu, em um universo de 140 mil detentos, da maior população carcerária do
país, com uma amostra de 5,4 mil internos, radiografar o preso brasileiro como: homem,
jovem (entre 20 e 30 anos), negro, solteiro e de baixa escolaridade.
No mesmo sentido, Julião (2012), que como referido, sua obra foi fruto de pesquisas
de campo, levando em consideração dados de 2008 do Sistema de Informações Penitenciárias
INFOPEN, vinculado ao DEPEN, revela essa realidade, apresentando divergência dos
resultados de 2006 (Fundação Getúlio Vargas), apenas em relação à cor da pele:
Sobre o perfil do interno penitenciário brasileiro destaca-se: (1) 75,16% da
população carcerária estão na faixa etária entre 18 e 34 anos (faixa etária
economicamente ativa), estando, a grande maioria, entre 18 e 24 anos
(31,61%); (2) 40,25% são da cor branca e 38,89% da cor parda e 16,72% da
cor negra. Somente 0,59% se dividem em amarela (0,48%) e indígena
(0,11%); (3) quanto à formação educacional, 64,26% não concluíram o
ensino fundamental e somente 8,77% concluíram o ensino médio (destes,
0,93% possuem o ensino superior incompleto, 0,43% o ensino superior
completo e 0,02 pós-graduação).
Neste sentido, podemos hoje afirmar que a população carcerária brasileira é
predominantemente: do sexo masculino (94,76%); jovem, principalmente na
faixa etária entre 18 e 24 anos (31,61%); da cor branca (40,25%); e que não
possui a formação básica, majoritariamente não concluiu o ensino
fundamental (64,26%) (JULIÃO, 2012, p.131).
Cada uma das características identificadoras do perfil referido tem suas causas e
origens diversas, sendo que, a baixa escolaridade tem ligação direta com fatores que
estimulam a exclusão social e a impulsão ao ambiente de criminalidade. Destaque-se que,
deficiências no estudo e ausência de uma formação escolar podem ser decisivos no que
pertine à criação de obstáculos para a colocação do indivíduo no mercado de trabalho, onde
poderia galgar, aos poucos, outros postos e até se firmar numa função que desse uma condição
mínima e digna de subsistência.
55
Frise-se, outrossim, que a realidade socioeconômica que vigora no país exige do
indivíduo, cada vez mais, níveis de qualificação e habilidades que permitam destacar-se para
ingressar e tentar se estabilizar no mercado, eis que, sem tais requisitos, são, simplesmente,
alijados e substituídos, como peças de reposição em linha de produção, face à existência de
extensa demanda de mão de obra desempregada e pronta para se amoldar à avassaladora
realidade de opressão do modelo capitalista vigente. (IPEA, 2010) Ainda segundo o IPEA,
essa falta de qualificação impacta na taxa de desemprego, em especial, entre os mais pobres.
A outro giro, o sedutor convite ao ingresso no mundo paralelo da criminalidade, que
dispensa qualificações de ordem educacional, embora cercado de incertezas e riscos,
possibilita, muitas das vezes, uma razoável condição econômica, em que pese, por ter origem
ilícita, não se sustente de maneira estável (CESEC, 2009).
Tudo isso, aliado a um frisson e à possibilidade do exercício de um poder alicerçado
na força bélica, no sexo e nas drogas, a opção pela criminalidade figura como algo instigante,
concreto e bem aceito, atraindo boa parte daqueles que, nascidos em um hostil ambiente de
poucas oportunidades educacionais, opte por se desviar (CESEC, 2009).
Como referido, a grande massa envolvida com a criminalidade, em sua considerável
maioria, apresenta um baixo grau de escolaridade, o que pode, inclusive, ser apontado como
um ciclo vicioso de manutenção do status quo criminoso e permanência na condição de
afastado da formação e educação46
. Nesse contexto, a oferta e a procura pelo conhecimento
formal, no ambiente prisional, podem representar uma verdadeira senda na direção do
distanciamento do mundo do crime e a própria ressocialização do preso.
Visando à reestruturação do sistema penitenciário, os Ministérios da Justiça e da
Educação firmaram um Protocolo de Intenções em 2005, objetivando conjugar esforços para a
implementação da Política Nacional de Educação de Jovens e Adultos no contexto da
execução penal. Para viabilizar essa implementação, como assevera Julião e Sauer (2012), foi
criado o Projeto ―Educando para a Liberdade47
‖.
46
De acordo com o estudo realizado por Julião (2012), valendo-se de dados disponibilizados pelo Ministério da
Justiça, por meio do DEPEN, em censo realizado no ano de 2008, 64,26% da população carcerária nacional não
possuía a formação escolar básica, não havendo, sequer, concluído o ensino fundamental. (JULIÃO, 2012, p.
131). 47
O projeto foi criado através da ação conjunta dos Ministérios da Educação e da Justiça, além da ONU por
meio do governo Japonês, que buscaram financiar em alguns estados brasileiros iniciativas de fortalecimento da
prática de educação nas prisões. Seu diferencial residiu no inédito compartilhamento de responsabilidade entre as
duas pastas Educação e Justiça (sistema penitenciário), na formação de docentes, na construção de bibliotecas
nas unidades prisionais, bem como a realização de seminários regionais e um de âmbito nacional para debater a
temática. Ainda é possível destacar o redirecionamento de verbas do Programa Brasil Alfabetizado (PBA) e do
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para o público do sistema prisional, a inclusão dos
presídios no âmbito de aplicação do ENEM e, por fim, da criação de concurso literário aos apenados. (UNESCO,
56
De acordo com os referidos autores, esse projeto ―Educando para a Liberdade‖,
representa um marco extremamente importante no avanço para a implementação de políticas
públicas coordenadas em todo o país, no que pertine à assistência educacional, inclusive
atendendo, satisfatoriamente, à LEP. A iniciativa tem a participação de organismos
internacionais, como a ONU, por meio da UNESCO, e parte da força integrada de todos os
entes federativos, como se observa:
(...) a definição desse novo paradigma veio ao encontro dos esforços do
Departamento Penitenciário Nacional nos últimos anos, quais sejam,
implementação de políticas públicas que permitam a reintegração social e
que sejam capazes de definir novos padrões de gerenciamento dos
estabelecimentos penais, por meio do fomento à criação de novas escolas de
gestão penitenciárias e de novos modelos de formação dos profissionais que
atuam na execução penal. Some-se a isso o pioneirismo na América Latina
da definição de um Plano Nacional de Saúde para o sistema penitenciário,
elaborado a partir de uma portaria Interministerial com o Ministério da
Saúde e uma pactuação com as unidades federativas (ONU, 2009).
Hoje, pode-se dizer que os esforços se concentram no apoio aos estados para a
formulação do Plano Nacional de Educação nas prisões, com a prioridade de contemplar o
acesso, a permanência e continuidade dos estudos, a formação continuada dos professores, a
ampliação dos espaços de sala de aula, o fomento à leitura e a ampliação do acervo das
bibliotecas.
Acrescente-se que no ano de 2011 foi editado o Decreto nº. 7.626/2011 que instituiu
o Plano Estratégico de Educação no âmbito do Sistema Prisional. Por meio de tal ação o
Governo Federal provocou os Estados, por meio de mobilização entre as Secretarias de
Educação e Administração Penitenciária, a apresentarem planos em suas bases territoriais que
reestruturassem a educação no âmbito do sistema prisional. Em contato com o DEPEN, por
meio de sua Coordenação de Ressocialização, foi possível obter a informação de que os
estados apresentaram seus respectivos planos, inclusive Sergipe, os quais estão em processo
de análise de viabilidade para em seguida ser implementados.
Destaque-se que dentre os princípios informativos da execução penal estão as
prestações assistencial por parte do Estado, em favor do preso, a qual deverá ser nos termos
do art. 10 da Lei de Execuções Penais (LEP): material, à saúde, jurídica, educacional, social e
religiosa. Mais adiante, entre os artigos 17 e 2148
da mesma LEP, fica estabelecido que a
2006) Todas essas iniciativas foram extremamente valiosas para uma mudança de conceito no olhar dirigido à
educação em ambientes de privação de privação de liberdade. Visitar site:
<http://www.justica.gov.br/@@busca?SearchableText=educando+para+liberdade>. 48
art. 17 a 21 da Lei 7.210/84:
57
assistência educacional compreenderá a instrução escolar e formação profissional do preso e
interno.
Além disso, conforme o artigo 38 do CPB, o preso conserva todos aqueles direitos
não atingidos pela perda da liberdade, como, por exemplo, alimentação suficiente e vestuário,
proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, descanso e recreação, assistência
à saúde, jurídica e à educação.
Também ―As Regras Mínimas da ONU sobre Tratamento de Presos‖ preveem em
seu dispositivo nº. 77.1 que devem ser adotadas as providências necessárias para melhorar a
instrução dos presos que puderem dela aproveitar-se, reputando ainda como obrigatória a
educação de presos jovens e de analfabetos. Já no item nº. 77.2 há previsão de que exista uma
sintonia entre a educação levada a efeito dentro do sistema prisional e a que se encontra em
vigência no país, para que, ganhando a liberdade, o preso possa continuar dando seguimento
aos estudos sem que isso represente uma interrupção deste ciclo de formação (ONU, 1955).
Não se pode deixar de referir igualmente a CF/88, que em seu art. 205, prevê a
educação como direito de todos e dever do Estado e da família, e que deverá ser promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, considerando-a como um direito subjetivo.
Nesse mesmo sentido conclui Mirabete (2004) acerca do direito de acesso à educação:
(...) não só a instrução, que é um dos elementos da educação, mas também
esta é um direito de todos, sem qualquer limitação de idade. Assim, pois,
qualquer pessoa, não importa a idade e tampouco sua condição ou status
jurídico, tem o direito de receber educação desde que, evidentemente, dela
seja carente qualitativa e quantitativamente (MIRABETE, 2004, p.75).
Neste viés, cumpre frisar como foi idealizado o sistema educacional previsto na lei
que rege a execução penal, sem deixarmos de fazer o contraponto, cotejando com o que
acontece na realidade, em especial, com enfoque no sistema penitenciário sergipano.
Destacou-se que a LEP estabelece, em alguns dispositivos, que o estudo é um direito
a ser oportunizado ao preso, sob forma de assistência, consistindo o ensino de primeiro grau
obrigatório e integrado ao sistema escolar da unidade federativa e o ensino profissionalizante
Da Assistência Educacional
Art. 17. A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do
internado.
Art. 18. O ensino de 1º grau será obrigatório, integrando-se no sistema escolar da Unidade Federativa.
Art. 19. O ensino profissional será ministrado em nível de iniciação ou de aperfeiçoamento técnico.
Parágrafo único. A mulher condenada terá ensino profissional adequado à sua condição.
Art. 20. As atividades educacionais podem ser objeto de convênio com entidades públicas ou particulares, que
instalem escolas ou ofereçam cursos especializados.
Art. 21. Em atendimento às condições locais, dotar-se-á cada estabelecimento de uma biblioteca, para uso de
todas as categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e didáticos.
58
oferecido em nível de iniciação ou de aperfeiçoamento técnico. Portanto, o foco prioritário, no
sistema prisional, é a formação escolar básica e também o ensino técnico.
É lógico que, levando-se em conta que uma parcela considerável da população
carcerária é composta de analfabetos ou analfabetos funcionais, direcionar o ensino para a
formação inicial, parece ser acertado, eis que possibilita o despertar para a educação e
incentivo ao avanço para outros estágios. Entretanto, se o ensino pode acarretar a remição da
pena, não poderia descuidar-se o legislador de tentar abranger a todos, incluindo aqueles que
possuem um maior nível de escolaridade. Nesse aspecto, embora exista uma alternativa na lei,
está é restritiva e não universal como em tese, deveria ser o acesso à educação, havendo
portanto, uma lacuna legal.49
Por outro lado, a LEP não perdeu de vista a necessidade de um ensino
profissionalizante, atentando-se para a oportunidade de se aprender um ofício, notadamente,
visualizando-se a possibilidade de ser empregado fora do presídio, quando do retorno ao
convívio social do preso, ao sair do sistema penitenciário.
Nesse contexto, o estudo ganha um status bastante importante como ferramenta
catalizadora do processo de reintegração do preso à sociedade, devolvendo-lhe a autoestima e,
inclusive, como se verá adiante, contribuindo para diminuir a quantidade de pena, em razão de
remição, importante instituto da execução penal.
Como já referido de acordo Mirabete (2004, p. 517), conceitua-se remição como:
―um instituto em que, pelo trabalho (e agora também pelo estudo) dá-se como cumprida parte
da pena. Pelo desempenho da atividade laborativa o preso resgata uma parte da sanção,
diminuindo o tempo de sua duração.‖. Destarte, realizando um trabalho ou estudando dentro
da prisão, o preso obtém, respeitadas algumas regras, o abatimento de uma parte de sua pena
como se esta tivesse sido cumprido, para todos os efeitos legais. É um direito dos presos que
apresentem bom comportamento e que visem abreviar a execução penal, como forma de, mais
rapidamente, integrarem-se à sociedade.
49
Como referido, o art. 18 da LEP prevê a obrigatoriedade do ensino de primeiro grau aos presos que dele não
dispõem. Já o art. 122, II do mesmo diploma legal, faculta a possibilidade, apenas aos condenados que estejam
no regime semiaberto, de sair temporariamente para participar de cursos supletivos, profissionalizante, instrução
de segundo grau ou superior, na sede da Comarca do Juízo da Execução. Aqui se chama a atenção para o fato de
que as saídas temporárias são limitadas ao número de 05 (cinco), pelo período de 07 (sete) dias consecutivos.
Essa restrição temporal por si já dificulta, quiçá impede a frequência em um curso de nível superior, por
exemplo, cuja duração é bem superior que este lapso temporal. Além de que, para cada saída temporária desta é
precedida de um processo administrativo, por meio do qual se avalia a possibilidade de sua concessão.
59
Mister ressaltar que, nem sempre o estudo foi admitido como meio para se obter a
remição. Antes, nos termos do art. 126 da LEP50
, apenas os condenados que cumpriam pena
no regime fechado ou semiaberto, poderiam remir a pena se trabalhassem, sempre tomando
como contagem de tempo a razão de um dia remido para cada três dias trabalhados. Portanto,
a dedicação ao estudo tinha apenas o sentido de possibilitar uma formação para o detento, mas
não repercutia para fins de abreviação de sua pena.
Aos poucos, os tribunais foram percebendo a necessidade de considerar o estudo,
assim como o trabalho, uma atividade que contribuía para a redenção do condenado e foram
construindo, paulatinamente, as bases para o reconhecimento do estudo como meio de remir a
pena, tanto que, após exaustivas decisões proferidas nesse sentido, o STJ expediu a súmula nº.
341 de sua jurisprudência que assim dispõe: ―A frequência a curso de ensino formal é causa
de remição de parte do tempo de execução de pena sob regime fechado ou semiaberto.‖.51
Tal qual boa parte de matérias que são submetidas à apreciação judicial, o tema, só
após reiterados pronunciamentos do Poder Judiciário, foi, devidamente, esquadrinhado pelo
Legislativo, por meio da Lei nº. 12.433/2011. O referido diploma legal alterou dispositivos da
50
―Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou
por estudo, parte do tempo de execução da pena.
§ 1o A contagem de tempo referida no caput será feita à razão de:
I - 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar - atividade de ensino fundamental, médio,
inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional - divididas, no mínimo, em 3
(três) dias;
II - 1 (um) dia de pena a cada 3 (três) dias de trabalho.
§ 2o As atividades de estudo a que se refere o § 1
o deste artigo poderão ser desenvolvidas de forma presencial ou
por metodologia de ensino a distância e deverão ser certificadas pelas autoridades educacionais competentes dos
cursos frequentados.
§ 3o Para fins de cumulação dos casos de remição, as horas diárias de trabalho e de estudo serão definidas de
forma a se compatibilizarem.
§ 4o O preso impossibilitado, por acidente, de prosseguir no trabalho ou nos estudos continuará a beneficiar-se
com a remição.
§ 5o O tempo a remir em função das horas de estudo será acrescido de 1/3 (um terço) no caso de conclusão do
ensino fundamental, médio ou superior durante o cumprimento da pena, desde que certificada pelo órgão
competente do sistema de educação.
§ 6o O condenado que cumpre pena em regime aberto ou semiaberto e o que usufrui liberdade condicional
poderão remir, pela frequência a curso de ensino regular ou de educação profissional, parte do tempo de
execução da pena ou do período de prova, observado o disposto no inciso I do § 1o deste artigo.
§ 7o O disposto neste artigo aplica-se às hipóteses de prisão cautelar.
§ 8o A remição será declarada pelo juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a defesa‖.
51 Súmula 341 ―A frequência a curso de ensino formal é causa de remição de parte do tempo de execução de
pena sob regime fechado ou semiaberto.‖ (Súmula 341, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 27/06/2007, DJ
13/08/2007 p. 581) – Precedentes:(HC 30623/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em
15/04/2004, DJ 24/05/2004); (HC 43668/SP, Rel.Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, SEXTA TURMA,
julgado em 08/11/2005, DJ 28/11/2005); (REsp 256273/PR, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA,
julgado em 22/03/2005, DJ 06/06/2005); (REsp 445942/RS, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA,
julgado em 10/06/2003, DJ 25/08/2003); (REsp 595858/SP, Rel.Ministro HAMILTON CARVALHIDO,
SEXTA TURMA, julgado em 21/10/2004, DJ 17/12/2004); REsp 596114/RS, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO
DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 21/10/2004, DJ 22/11/2004).
60
LEP, introduzindo, de forma definitiva, em seu corpo a possibilidade do estudo como forma
de remição. A atividade de ensino considerada válida, para fins de remição, é a de nível
fundamental, médio, superior, profissionalizante ou de requalificação profissional.
Ressalve-se que o legislador ousou quando da edição do referido diploma legal, eis
que, não só positivou uma prática socialmente aceita e fomentada - o estudo -, mas a
disciplinou à exaustão, estabelecendo a contagem de seu tempo, diferentemente, da que é
utilizada para o trabalho, prevendo, inclusive, a possibilidade de cumulação de estudo e
trabalho para fins de abreviar, ainda mais, a pena. Igualmente, admitiu que o condenado que
estiver no regime aberto ou em livramento condicional poderá se valer do instituto do estudo
para remir a sua pena, bem como expressamente estabeleceu que a remição é aplicável tanto
ao preso definitivo, como ao provisório.
Cumpre, todavia, ressalvar que a edição da mencionada lei resultou, igualmente, de
uma mobilização nacional que se iniciou como referido com o ―Projeto Educando Para a
Liberdade‖, do qual foram frutos e os seminários regionais e nacionais que foram realizados
para discutir especificamente a temática.
Em relação à contagem do tempo, no que pertine ao trabalho, como
supramencionado, três dias trabalhados permitem abater um dia de pena. Já em relação ao
estudo, essa razão dá-se da seguinte maneira: doze horas de estudo, divididas em três dias,
possibilitam abater um dia de pena (art. 126, §1º., I da LEP). Por tal motivo é que a própria lei
admitiu a possibilidade de cumulação de um dia de trabalho e, ao seu final, outras quatro
horas de estudo para remir, ainda mais, os dias da pena privativa de liberdade (art. 126, §3º.
da LEP).
As conquistas não param por aí, se por acaso o preso vier a concluir o ensino
fundamental, médio ou superior terá ainda descontado de sua pena, a razão de mais 1/3 do
tempo a remir, tudo isso como forma de estimular que o estudo seja iniciado e concluído pelo
detento, como previsto no art. 126, §5º. da LEP.
Frise-se que, muito embora a lei tenha sido clara em relação a esse mecanismo
multiplicador da remição, restringindo-o à conclusão dos ensinos fundamental, médio e
superior, há quem defenda que, em respeito ao princípio da proporcionalidade, também seja
considerada a conclusão em curso técnico e profissionalizante, para fins de aumento do
desconto de 1/3 do tempo remido, a exemplo de Oliveira Junior (2011). Essa extensão,
mesmo que não prevista em lei, tem sentido e, certamente, deve ser assim reconhecida pelo
Judiciário em demandas proposta.
61
Ademais, uma grande discussão travada acerca da hipótese de perda dos dias
remidos, em caso de cometimento de falta grave, restou pacificada, uma vez que a LEP, em
seu art. 12752
, com alterações produzidas pela Lei 12.433/2011, já dispõe que a perda será de,
no máximo, 1/3 do tempo remido. É bom que se destaque que, antes desta lei, houve casos de
presos que trabalharam e tinham direito há muitos dias remidos, os quais foram perdidos em
sua totalidade, em face de prática de falta grave, em razão da inexistência de dispositivo
restritivo, como que ora se aventa5354
.
Ainda para esgotar esse tema da perda dos dias remidos, outra interessante
disposição foi prevista com o novel diploma legal, qual seja a parte final do art. 127 da LEP
que informa que a contagem do novo prazo de dias a serem remidos recomeçará, a partir da
data da infração. Isso significa que o período anterior de dias remidos que não foram
decretados como perdidos, pela prática de falta grave, em razão do limitador de 1/3, não
poderá ser considerado, para fins de perda em caso de nova falta.
Por exemplo, após a obtenção do direito de remir 120 dias, em razão do estudo, o
preso que vier a cometer uma falta grave, poderá perder no máximo 40 dias, sendo
preservados, assim 80 dias a serem abatidos na sua pena. Ademais, se a partir de tal data,
obtiver o direito a mais 60 dias, e então cometer nova falta grave, só poderá perder, no
máximo, 1/3 dos novos 60 dias, portanto 20 dias. Não serão somados aos 80 dias
anteriormente garantidos, os novos 60 dias, para que a sanção de perda dos dias remidos
incidisse sobre o montante de 140 dias. Cada operação é independente.
A referida alteração legal foi bastante expressiva e estimulante ao interno para que,
efetivamente, acredite que o estudo e o trabalho podem servir como ferramentas de reinserção
social, eis que abreviam o seu tempo de cumprimento de pena e não há uma perda sem limite
de todo o tempo investido naquela atividade. Antes, uma falta grave punha a termo todo o
esforço despendido pelo preso ao estudar ou trabalhar, durante determinado período. Após a
edição da lei, como esclarecido acima, há um limite máximo de perda, qual seja: 1/3 do tempo
a remir, não incidindo em novas contagens posteriores. Avançou o legislador consignando tais
alterações na nova lei.
52
―Art. 127. Em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido, observado o
disposto no art. 57, recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar.‖ 53
RE 452994; HC 91084; AI 570188 AgR-ED; HC 92791; HC 90107 e AI 580259 AgR. 54
Antes da edição da Lei 12.433/2011, o STF publicou a Súmula Vinculante nº. 09 de sua jurisprudência,
afirmando a constitucionalidade da perda de dias remidos, em razão da prática de falta grave pelo preso, a qual
ainda se encontra válida, eis que o novel diploma legal não revogou o art. 127 da LEP, apenas o modificou,
criando limites à citada perda. Segue texto da súmula vinculante nº. 09 ―O disposto no artigo 127 da Lei nº
7.210/1984 (Lei de Execução Penal) foi recebido pela ordem constitucional vigente, e não se lhe aplica o limite
temporal previsto no caput do artigo 58.‖ (BRASIL, 2015)
62
Feitas essas considerações, cumpre pontuar que o estudo, além de contribuir com o
engrandecimento pessoal do aluno, é de assaz importância para aquele que se encontra como
integrante do sistema prisional, eis que tem reflexos imediatos em sua execução penal, com a
possibilidade, agora legal, de remição de sua pena. Entretanto, de nada adianta esse
permissivo legal se aos presos não forem oportunizadas vagas para que efetivamente possam
estudar e se valer desse benefício. Neste diapasão, faz-se necessário trazer a realidade do
sistema penitenciário sergipano, esclarecendo como ele funciona, quais os mecanismos de
ensino disponíveis e como é o grau de aproveitamento dos internos, além da efetiva remição
da pena com base no estudo.
Para melhor delimitar a realidade do sistema penitenciário sergipano, além de
complementar alguns dados da pesquisa de campo, foi realizado contato com o Departamento
Estadual do Sistema Penitenciário de Sergipe (DESIPE), com o objetivo de conhecer e
esclarecer algumas questões relacionadas ao estudo dos presos sergipanos, em especial sobre:
a oferta de ensino ao sistema penitenciário; público ativo em programas de fomento ao
estudo; informações sobre as políticas públicas direcionadas à reinserção social com base no
estudo, além da aplicação da Lei 12.433/2011.
Constatou-se que, desde 2007, em todas as unidades prisionais, iniciou-se o
programa Sergipe Alfabetizado, com duração de 08 (oito) meses, firmado em parceria com
Secretaria Estadual de Educação, além de haver supletivo do ensino médio e do ensino
fundamental que ocorre duas vezes por ano. Ademais, os presos habilitados, participam, desde
2010, do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e em 2013, pela primeira vez, participaram
do Exame Nacional para Certificação da Educação para Jovens e Adultos (ENCCEJA), que é
uma prova de nível nacional relacionada ao ensino fundamental.
Iniciativa interessante e que também ocorre em todos os presídios sergipanos é a
realização de reforço escolar durante o período que antecede essas avaliações para obtenção
de melhores resultados por parte dos alunos presos, bem como a implantação, também em
parceria com a Secretaria Estadual de Educação do programa de Educação para Jovens e
Adultos (EJA), em duas fases: a primeira do 1º. ao 5º. ano e a segunda do 6º. ao 9º. ano.
Ainda de acordo com o DESIPE, em junho de 2013, havia mais de 4.000 (quatro mil)
presos no Sistema Penitenciário Sergipano, sendo que boa parte de tais internos eram presos
provisórios, portanto esse número oscilava bastante, em razão da entrada e saída de presos.
Entretanto, constatou-se que foram abertas 15 (quinze) turmas de alunos do programa Sergipe
Alfabetizado, que totaliza cerca de 210 (duzentos e dez) presos, bem como outros mais 300
63
(trezentos) alunos que estavam cursando o supletivo e submetendo-se às provas do ENEM e
ENCCEJA.
Já em relação aos cursos profissionalizantes, que possibilitam o acesso a uma
formação que pode ser utilizada fora do ambiente prisional, na obtenção e manutenção de uma
atividade lícita, o DESIPE informou que há parceria firmada entre a Secretaria de Justiça e o
SENAC e SENAI, bem como estava em vias de ser firmado convênio com o Instituto Federal
de Educação, o que possibilitará o emprego de professores com melhor qualificação.
No que toca ao grau de escolaridade dos internos do Sistema Penitenciário
Sergipano, ainda de acordo com o DESIPE, desde 2007, já haviam sido alfabetizados mais de
1900 (mil e novecentos) presos. Em relação ao ensino fundamental, 2804 cursaram, mas não
concluíram os estudos e 199 finalizaram o ensino fundamental. Em relação ao ensino médio,
218 completaram esse nível de formação e 240 cursaram, mas não finalizaram os estudos. Por
fim, 28 internos possuíam ensino superior incompleto, enquanto que 08 presos completaram
tal etapa de estudo.
Tais dados revelam que o grau de escolaridade da população carcerária sergipana é
baixo, o que coincide com os dados levantados na pesquisa de campo, entretanto, o fato de
mais de 1900 terem sido alfabetizados, já após o encarceramento, revela uma preocupação em
oportunizar o estudo àqueles que ainda não tinham iniciado as suas atividades de formação
antes de serem presos.
Ademais, revela também um interesse por parte dos internos em buscar a referida
qualificação preliminar. Isso é uma conquista importante e que se deve destacar, uma vez que,
fora do ambiente prisional, outras oportunidades, certamente, chegaram ou chegarão, em
razão dessa nova qualificação. Tudo isso se alinha à ideia de reinserção social do egresso de
forma significativa e concreta.
É proveitoso destacar que, segundo o DESIPE, todos aqueles que se interessam e
procuram o estudo, têm disponibilizado algum curso que se ajuste ao seu perfil e necessidade,
havendo, entretanto, como política de segurança, o limite máximo de alunos por turma,
compreendido entre 15 (quinze) e 20 (vinte) estudantes. Frise-se, entretanto, que não é isso
que é informado pelos presos compuseram a amostra, que alegam haver mais demanda de
alunos, do que de vagas oferecidas, o que será melhor explorado no capítulo 04, que aborda os
resultados da pesquisa de campo. (MARQUES, 2013)
Saliente-se que, além da formação escolar, o DESIPE aponta que há cursos
profissionalizantes em que há conteúdo teórico, mas também prático e que oportunizam aos
64
internos o conhecimento de um ofício, tais como: marcenaria, nas unidades do CESARB II e
no PRESLEN e de corte e costura no PREFEM e no COMPAJAF. Outrossim, no
COPEMCAN há internos contratados por uma empresa prestadora de serviços que recebem
capacitação para, na prática, desenvolver algumas atividades do ramo de pintura, padaria,
eletricidade, culinária e jardinagem55
.
No que toca à remição da pena pelo estudo, o Secretaria de Justiça (SEJUC) relata
que em Sergipe, por força do Provimento nº. 09/2007 da Corregedoria Geral de Justiça,
mesmo antes do advento da Lei 12.433/2011, que alterou a LEP, autorizando formalmente o
abatimento de um dia da pena para cada 12 (doze) horas de estudo, divididas em 03 (três)
dias, tal direito já era efetivado, prevendo a mesma contagem de prazo estabelecida no novel
diploma legal.
Frise-se que, de acordo com a SEJUC, após a edição do referido ato normativo, a
remição continuou sendo realizada, incluindo todas as demais garantias previstas na lei.
Inclusive, no COPEMCAN a unidade que comporta mais da metade dos presos de todo o
Estado, há (06) seis salas de aula e os internos trabalham e estudam, o que possibilita cumular
as duas hipóteses autorizadoras da remição, abreviando, ainda mais, o tempo de suas penas.
Importante ressaltar que tais informações serão também confrontadas com os dados da
pesquisa de campo, mais adiante.
A SEJUC ainda acrescenta que aos presos estudantes são distribuídos materiais
escolares, tais como: livros, cadernos, canetas, lápis de cor, giz de cera, papel, cola, dentre
outros e que existe uma estrutura pedagógica voltada a essa política de capacitação,
distribuída em todas as unidades estaduais, contando também com professores habilitados nas
áreas de português, matemática, planejamento, educação física, história, geografia,
contabilidade, propaganda e publicidade e biologia.
Acrescente-se, por último, que, mesmo a LEP autorizando a modalidade de ensino à
distância, não há nas unidades sergipanas, nenhuma sala preparada para cursos de tal
natureza, muito embora a Coordenação Pedagógica da SEJUC tenha sinalizado no sentido de
que estão buscando implementar tais práticas, por entenderem, igualmente, importantes e
estimulantes.56
55
Segundo o DESIPE, há previsão contratual de que alguns postos de trabalho devem ser disponibilizados para
ocupação por internos do sistema sergipano, os quais, nos termos do art. da LEP, recebem 70% do Salário
mínimo por tais serviços prestados, além da remição da pena. 56
Ressalta-se que essas informações levantadas perante a SEJUC e o DESIPE, complementaram a pesquisa de
campo, em que pese em algumas questões tenha havido divergência com o levantamento de campo, como
asseverado acima.
65
Realizadas essas considerações acerca do estudo no ambiente prisional, e já fazendo
alguns adendos em relação à realidade de Sergipe, sem, contudo, avançar muito no resultado
da pesquisa de campo, passa-se a abordar o trabalho como ferramenta de reinserção social,
contextualizado na LEP e também nos presídios sergipanos.
Em relação ao trabalho do preso, inicialmente, destaca-se que ele pode ocorrer dentro
ou fora do presídio. O trabalho interno é um imperativo legal aos presos já condenados
definitivamente, sendo levado em consideração suas aptidões físicas e mentais, nos termos do
que prevê o art. 28 e seguintes da LEP.
Embora pareça um contrassenso a imposição de um trabalho, quando a própria CF/88
veda pena de trabalhos forçados, deve ser destacado que o labor desenvolvido no interior dos
presídios, primeiramente, pressupõe uma remuneração, sem assumir um caráter aflitivo, nem
de escravização e visa, antes de tudo, à preparação do preso para o trabalho normal após a
liberação57
.
Tais normas estão previstas nas ―Regras Mínimas de Tratamento do Preso‖
estabelecidas pela ONU58
, as quais estipulam que o trabalho deve ser suficiente para ocupar o
preso durante uma jornada diária normal, devendo haver regulamentação de número máximo
de horas. (ONU, 1955). Já a LEP estabelece em seu art. 33 o limite de oito horas diárias para a
jornada de trabalho.
Ocorre que, embora o trabalho possua sentido restaurador, à vista do efeito corrosivo
da ociosidade, a atividade laborativa desenvolvida pelos reclusos no interior dos presídios, no
particular os de Sergipe, acontece nas áreas de limpeza, alimentação e jardinagem, dentre
outros (MARQUES, 2013). Esse trabalho, que representa uma significativa economia para o
Estado, no que toca à manutenção dos estabelecimentos prisionais, acaba por não afigurar-se
como elemento de ressocialização. Todavia, em relação ao Estado é vantajoso pelas razões
declinadas e para o preso representa a oportunidade de ocupar a mente, garantir a remição e
ainda estabelecer bom relacionamento com a administração da unidade prisional.
Registre-se, contudo, que há em muitos presídios brasileiros estrutura para o
desenvolvimento de trabalhos industriais, artesanais e de marcenaria, sendo o resultado dessas
duas últimas atividades apresentado em exposições e comercializados, retornando como renda
extra para os internos. Em Sergipe, de acordo com o DESIPE, esse movimento já aconteceu,
57
A previsão legal do trabalho desenvolvido dentro e fora dos presídios está prevista nos arts. 31 a 37 da LEP. 58
As disposições acerca do trabalho estão nos itens 71 e seguintes das Regras Mínimos de Tratamento com o
Preso estabelecidas pela ONU. (ONU, 1955)
66
mas hoje segue com a marcenaria em produção reduzida, funcionando apenas em duas
unidades CESARB II e PRESLEN.
A Lei de Execuções Penais disciplina, de forma exaustiva, o trabalho prisional,
regulamentando como o mesmo deve ser desenvolvido: regimes diferenciados a que estão
submetidas determinadas pessoas, tais como idosos e enfermos, a jornada de trabalho,
horários especiais e destinação de bens e produtos. Entendido como o maior meio de
ressocialização, o trabalho ganhou destaque, mas precisa ainda ser muito aprimorado no
sistema penitenciário brasileiro e no sergipano.
O trabalho também pode ser desenvolvido fora do estabelecimento prisional: é o
chamado trabalho externo, contudo há regras diferenciadas para tal atividade. Inicialmente, o
mesmo é destinado aos presos em regime fechado ou semiaberto, sendo que, nos termos do
art. 36 da LEP, aos presos em regime fechado será admissível o trabalho externo, em serviços
ou obras públicas e sob vigilância direta. A remuneração do preso caberá ao órgão da
administração, à entidade ou à empreiteira, destacando que aquele deve consentir em
trabalhar, bem assim, que não há vinculo empregatício entre os referidos setores e os presos,
pois as normas que regem tal atividade são de ordem pública e não se subordinam à CLT.
Importante salientar que, como o preso estará fora do presídio, ainda que sob
vigilância, é necessário que haja autorização do diretor do presídio para que o trabalho
externo possa se desenvolver, o que será condicionado à aptidão do interno e sua conduta
assim o recomendar, devendo já ter cumprido um sexto da pena, como reza o art. 37 da LEP.
Ressalve-se que, a prática de crime ou falta de natureza grave importa em revogação
do trabalho externo, revelando-se o interno inapto para desenvolver essa ocupação.
Ao desempenhar atividade laborativa no curso da execução penal, o interno tem
direito à remição em sua pena dos dias trabalhados, a qual consiste, como referido, no
abatimento de um dia de pena para cada três dias trabalhados.59
Em relação ao trabalho no sistema prisional do Estado de Sergipe, a pesquisa de
campo sinalizou que há muito mais presos interessados em trabalhar e se ocupar, aprender um
ofício e remir sua pena do que postos de trabalhos oportunizados. Em verdade, o que os
presos revelaram é a vontade de realizar qualquer atividade laborativa desde que sejam
59
Conforme art. 126 da LEP.
67
capacitados para tanto e que há uma carência grande na oferta de atividades laborativas
(MARQUES, 2013)60
.
Como referido, segundo informações prestadas pela SEJUC, em contato direto, as
atividades laborativas desenvolvidas nas unidades prisionais são: marcenaria no CESARB II e
no PRESLEN; corte e costura no PREFEM e COMPAJAF; pintura, padaria e culinária no
COPEMCAN, sendo que, em todos, os serviços de manutenção, limpeza e jardinagem são
realizados pelos internos, salvo no COMPAJAF61
. O que será mais aprofundado a seguir.
Acerca do tema trabalho penal, Foucault (2001, p. 133-134) faz incisiva censura,
entendendo que não há como o mesmo se sustentar, notadamente, em razão da forma como é
conduzido:
Em sua concepção primitiva o trabalho penal não é o aprendizado
deste ou daquele ofício, mas o aprendizado da própria virtude do
trabalho. Trabalhar sem objetivo, trabalhar por trabalhar, deveria dar
aos indivíduos a forma ideal do trabalhador. Talvez uma quimera,
mas que havia sido perfeitamente programada e definida pelos
quakers na América (constituição dos workhouses) e na Holanda.
Posteriormente, a partir dos anos de 1835-1840, tornou-se claro que
não se procurava reeducar os delinquentes, torná-los virtuosos, mas
sim agrupá-los num meio bem definido, rotulado, que pudesse ser
uma arma com fins políticos e econômicos. O problema então não era
ensinar-lhes alguma coisa, mas ao contrário, não lhes ensinar nada,
para se estar bem seguro de que nada poderão fazer ao sair da prisão.
(FOUCAULT, 2001, p. 133-134).
Embora se ressalte a importância e os benefícios do desenvolvimento de uma
atividade laborativa dentro de unidades de privação de liberdade, como já se referiu em
relação à sensação de sentir-se produtivo, ao combate à ociosidade, à remição da pena, à
percepção de uma pequena remuneração, dentre outros, na forma praticada atualmente, é
ineficiente.
O trabalho contribui muito pouco para emancipação do preso e um futuro
reposicionamento no mercado de trabalho (JULIÃO, 2012). Salvo raras exceções, o que se vê,
inclusive em Sergipe, são subempregos que não serão replicados no ambiente além muros. Ou
60
Ressalta-se que no capítulo 04, destinado à análise completa dos resultados apurados na pesquisa de campo,
foi possível explorar as principais questões relacionadas ao trabalho, ao estudo e às políticas públicas de
reinserção social dos presos sergipanos. 61
Como referido linhas atrás, o presídio COMPAJAF, único em regime de cogestão, possui situação
diferenciada em relação àquelas unidades que são exclusivamente públicas. Uma delas é ligada à manutenção e
limpeza da unidade que não é feita pelos presos, mas por empresas terceirizadas e a pesquisa de campo permitiu
constatar a visível diferença desta para as demais, em especial, em relação à segurança, organização e limpeza.
(MARQUES, 2013).
68
seja, mecanicamente executado, sem qualquer sentido, salvo o terapêutico (MARQUES,
2013).
Acrescente-se que algumas medidas são adotadas no sentido de se buscar alcançar a
reinserção social do recluso, todavia, estas ainda não conseguiram demonstrar a sua
efetividade. O simples cumprimento da LEP, na sua integralidade, poderia representar um
avanço no caminho da ressocialização. Contudo, observa-se que como o próprio Estado, nega
efetividade a tal diploma legal, inviabilizando a aplicação de diversos institutos, passando a
figurar como principal violador dos direitos humanos dos presos.
Como referido linhas atrás, esses descasos em diversas unidades da federação
levaram organismos de direitos humanos e parentes de vítimas de violações a provocarem a
jurisdição internacional da CIDH, buscando reparações, além da cessação de ações e omissões
por parte do Brasil, em relação às condições desumanas de suas unidades prisionais.
Crítica assaz abalizada é desenvolvida por Schimitt (2006), destacando que, quando
em liberdade e antes de cometer o delito, o cidadão já tem muitos de seus direitos cerceados,
mesmo aqueles previstos em sede constitucional, como educação, saúde e trabalho. Assim,
questiona como se esperar que o apenado tenha seus direitos assegurados, eis que duplamente
excluído do contexto social e que, já na condição de egresso, retorna ao convívio social na
mesma situação anterior (com desrespeito a seus direitos fundamentais) e agora com uma
condenação perante uma sociedade que impede a sua (re)integração.
Schimitt (2006) ainda enfatiza com propriedade que:
A exclusão social se revela anterior à própria pena. No início do ciclo temos
uma sociedade excludente, onde os valores da pessoa humana e os valores
sociais estão cada vez mais deformados e desrespeitados, enquanto, no final
como resultado, temos um problema bem maior, frente a total exclusão das
pessoas que são submetidas ao abandono dentro do cárcere, prejudicando
ainda mais a formação humana (SCHIMITT, 2006, p. 76).
Percebe-se assim que a busca pela reinserção social do preso, pressupõe o
direcionamento de um olhar, por parte do Poder Público a uma situação desigual que precede
a prática delitiva. Ainda que todos os esforços fossem feitos no sentido de tornar a pena
privativa de liberdade mais digna, menos tormentosa, estigmatizante e violadora dos direitos
humanos dos reclusos, focar no resultado desse problema social não é a melhor opção, mas
sem perdê-lo de vista, antecipar medidas que permitam frear esse recrutamento seletivo do
sistema. E isso, sem dúvida, ocorre quando não existe ou quando há sensível redução do
processo de marginalização dos menos favorecidos. Atuar na efetiva prevenção, como
69
preconiza Roxin (1997)62
é uma das vertentes da política criminal mais acertadas, em especial
quando se concentra no fomento à construção de um a sociedade mais igual e menos
discriminatória.
4 POLÍTICAS PÚBLICAS DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS
DOS PRESOS: UMA ANÁLISE DA REINSERÇÃO SOCIAL NO
SISTEMA PENITENCIÁRIO EM SERGIPE
Entendido como tem se dado o processo de criminalização de condutas no presente
contexto histórico, considerando o Direito Penal como ferramenta de alijamento e dominação,
além da seleção de sua clientela, bem como avançada a discussão acerca da reinserção social
do preso, dentro do sistema prisional brasileiro, com rápido percurso sobre o estado de
Sergipe, é chegado o momento de aprofundar o debate acerca da existência de políticas
públicas no sistema penitenciário estadual, avaliando se estas são capazes de garantir a
ressocialização e preservar os direitos humanos dos internos.
O pensamento que permeia o senso comum brasileiro acerca da realidade do sistema
penitenciário é o de um repositório de marginais, sujo e fétido que deve segregar todos
aqueles que são considerados, potencialmente, perigosos para a sociedade. Mas, efetivamente,
o que são as unidades prisionais brasileiras e quem são aqueles que compõem tal população
carcerária?
Como aventado nos capítulos anteriores, diversos estudos ocuparam-se em tentar
traçar o perfil dos presos em todo o Brasil, bem como as condições das unidades prisionais,
podendo ser destacados dentre eles primorosos trabalhos, os realizados pela Fundação Getúlio
Vargas, conhecido como Retratos do Cárcere (2006), outros dois conduzidos pela FAPERJ:
Sistema Penitenciário Brasileiro (2012) e pelo CNJ (2012), já referidos, e no Estado de
Sergipe: Perfil dos Presos Sergipanos (2012). Algumas das conclusões a que chegaram tais
estudos é que a população carcerária, em sua maioria, é composta de pessoas de baixa
escolaridade e condição social63
, que estão segregados mais presos provisórios do que pessoas
sentenciadas, além de que os delitos patrimoniais, o tráfico de drogas e os crimes contra a
pessoa são as maiores incidências entre os encarcerados.
62
Para Roxin (1997) a punição advinda da prática de um delito só se justifica quando, efetivamente, necessária à
prevenção de novos delitos, eis que, embora tenha um autor perpetrado um crime, se resolvido o conflito dele
oriundo, estando seu responsável integrado à sociedade, a imposição da punição revela-se dispensável. De tal
orientação conclui-se que, além da prevenção, são de igual modo funções da pena a pacificação do conflito que
surge com a prática delitiva e a integração do infrator ao corpo social do qual pertence. 63
Conferir JULIÃO, (2012) e MARQUES (2012 e 2014)
70
Entender a realidade do ambiente prisional, e o próprio fenômeno do crime são
questões determinantes para que o Estado possa intervir, de forma eficiente, na elaboração e
execução de políticas públicas dirigidas aos presos e a seus familiares. Tudo isso com o fim
de viabilizar ações inclusivas e que possibilitem a reinserção social do preso e impactem,
positivamente, nos índices de reincidência, eis que o fenômeno criminal já, de há muito, não
pode ser tratado, à exclusividade, como caso de polícia.
4.1 Conceito e processo de formação de políticas públicas e experiências direcionadas
aos presos em Sergipe
O conhecimento dessa realidade estadual, com mais profundidade, como se viu
anteriormente, é o ponto de partida crucial para a análise das políticas públicas penitenciárias.
Mas que ações do ente estatal podem ser consideradas políticas públicas e como se dá esse
processo de formação e legitimação? As respostas a essas indagações possibilitarão o
desfecho do presente estudo.
Toda vez que uma ação estatal, focada no bem estar público, custeada com recursos
públicos, for levada a efeito, para resolver um problema público, de forma racional e o mais
eficiente possível, afirma-se que se está diante de uma política pública (VÁZQUEZ;
DELAPLACE, 2011, p. 36).
Uma das definições mais clássicas de políticas públicas é aquela trazida por Thomas
Dye, em 1972, que afirma que ―tudo que um governo decide fazer ou deixar de fazer‖ pode
ser considerado como política pública. Embora sintética, essa conceituação traz alguns
elementos importantes para que se possa compreender o âmago desse instituto, é o que alega
Howlett (2013). No que toca ao sistema penitenciário, há um perfeito ajuste com essa
definição, notadamente, quando se observa a postura de omissão do Estado, que se abstém de
intervir para promover melhoria imprescindíveis em todas as áreas, em especial, na estrutural
e de acompanhamento da execução penal.
Para o referido autor, três razões fazem com que esse conceito seja tido como
importante: a primeira delas é a indicação de que o sujeito ativo de uma política pública é o
―governo‖. E acrescenta que os governos têm capacidade de tomar decisões oficiais em nome
dos cidadãos e mais, o poder de impor sanções àqueles que descumpram tais decisões.
Igualmente, alega Howlett (2013) que dessa definição ainda extrai-se que a
71
(...) política pública é, em sua forma mais simples, uma escolha feita no
sentido de empreender um determinado curso de ação. Uma decisão
―negativa‖ ou ―não decisão‖, isto é, nada fazer e simplesmente manter o
atual curso de ação, ou status quo, é uma decisão política tanto quanto a de
tentar alterar alguma parte do status quo (HOWLETT, 2013, p.07).
Por fim, o referido autor assevera que do conceito trazido por Dye é possível ainda
extrair que a política pública tem natureza de determinação consciente e que produz
resultados intencionais. Ou seja, há elemento subjetivo intencional que guia a tomada de
decisões por parte do governo, no momento em que opta por eleger determinada política
como prioridade, em detrimento de outra (HOWLETT, 2013).
Desta feita, após o trabalho de exegese desenvolvido por Howlett, é possível
reconhecer que, em que pese bastante reduzida, a definição de Dye tem muito a revelar,
entretanto, sofreu algumas complementações como a proposta por Jenkins que entende a
política pública como a conjugação de decisões levadas a efeito por um ou vários atores
políticos, relacionadas à identificação de objetivos específicos e aos meios capazes de efetivá-
los, tudo, como regra, dentro do âmbito de competência e alcance daqueles decisores
(JENKINS apud HOWLETT, 2013).
Destaca-se que à definição preconizada por Dye, Jenkins acresce a ideia de capacidade
do governo em poder implementar a política pública definida, o que é considerado um fator
determinante para ser estabelecida qual tipo de ação será levada em conta pelo Governo.
Assim, percebe-se que, aos poucos, são delineados os elementos que compõem o
conceito de políticas públicas, colacionando-se, ademais, definição articulada por Secchi
(2013), que assim diz:
Uma política pública é uma diretriz elaborada para enfrentar um problema
público. Vejamos essa definição em detalhe: uma política é uma orientação à
atividade ou à passividade de alguém; as atividades ou passividades
decorrentes dessa orientação também fazem parte da política pública. Uma
política pública possui dois elementos fundamentais intencionalidade pública
e resposta a um problema público; em outras palavras, a razão para o
estabelecimento de uma política pública é o tratamento ou a resolução de um
problema entendido como coletivamente relevante (SECCHI, 2013, p. 02).
Percebe-se, desta forma, que não é qualquer intervenção estatal - nem também
qualquer decisão pura e simplesmente, inclusive a inércia - que pode ser considerada política
pública. Antes do processo decisório, há uma sucessão de fases (ciclo), destrinchadas adiante,
iniciando-se com a identificação de uma demanda (problema social), planejando-se a
72
conveniência e a forma de resolver tal problema com a referida análise e, só em seguida, é que
surge a decisão, seguida da implementação, e avaliação.
Portanto, muito antes de ser considerada uma decisão, é necessário o cumprimento
dessas fases iniciais e estruturantes das políticas públicas em um ciclo que inicia e se encerra
e novamente tem início.
Em relação ao sistema penitenciário, levando-se em consideração que as prisões têm
servido, não como local de reinserção, mas apenas de contenção de infratores, para o Estado
toda decisão política gira em torno da construção de mais unidades, objetivando a ampliação
do número de vagas, indo ao encontro desse movimento de exponencial de encarceramento da
massa de excluídos socialmente. Entretanto, aqui reside uma das principais falhas do sistema
que em sua concepção já pretere as políticas públicas de reinserção social. Não se elegem
prioridades, sem que destine recursos públicos para tanto, como agora a pouco referido.
Para que se avance na compreensão das etapas pelas quais passam as políticas
públicas, mister responder ao seguinte questionamento: como se formam, como se
estabelecem e como se encerram as políticas públicas? No que se refere ao presente estudo
como ocorre esse ciclo das políticas de reinserção social?
Vázquez e Delaplace (2011) elucidam, como se constitui um ciclo de existência de
uma política pública, que é repartido em sete fases, as quais revelam cada etapa de seu
desenvolvimento, desde a origem, até sua evolução, maturação e encerramento:
A partir do nome deve-se resaltar que se trata de um processo que nunca
termina, transforma-se em um ciclo que se realimenta constante e
sistematicamente. O ciclo está formado por sete processos: entrada do
problema na agenda pública, estruturação do problema, conjunto das
soluções possíveis, análise dos pontos positivos e negativos das mesmas,
tomada de decisão, implementação e avaliação. (...) Tudo começa com o
surgimento de um problema, não qualquer problema, mas um problema
considerado público. Esse elemento é essencial porque existem problemas
que embora afetem muitas pessoas (problema social), podem não ser
considerados públicos. (...) Quando um problema tem o status de público?
Quando é recuperado por alguma das múltiplas instituições que integram o
governo. Após ser constituído o problema público, o passo seguinte é a
estruturação do problema e a construção de múltiplas possíveis soluções. A
estruturação do problema é a elaboração de um diagnóstico, onde são
especificadas as causas e as soluções possíveis do problema. Assim, de
acordo com a forma em que um problema for estruturado, dependerão as
diversas soluções a serem dadas ao mesmo: um problema não tem solução
única. (...) Finalmente, na tomada de decisões, determina-se qual das
múltiplas soluções possíveis é a que tem a maior certeza técnica, a partir da
evidência existente. Entretanto, tão importante quanto a evidência técnica é o
respaldo político da escolha vencedora. Após estruturar o problema público e
tomara decisão sobre a forma de resolvê-lo, põe-se em andamento a PP; este
73
é o momento da implementação. (...) Finalmente, depois da implementação
da PP, ocorre a avaliação (VÁZQUEZ; DELAPLACE, 2011, pp. 36-37).
Vázquez e Delaplace (2011) pontuam que, antes de se chegar à decisão política, há
uma etapa estruturante de detecção do problema público e definição de como deve o ente
estatal intervir para solucioná-lo, até porque, uma vez norteado pelo princípio constitucional
da eficiência64
, o gestor público não pode atuar da forma que lhe aprouver. Ao contrário, deve
buscar minimizar riscos e custos e ainda assim, tentar atingir o melhor resultado de suas
ações, sempre norteado pelo interesse público, inclusive, sob pena de responder por
improbidade administrativa. Frise-se que atualmente, a ação civil pública é uma das maiores
preocupações daqueles que ocupam cargos públicos e que querem se manter elegíveis para os
pleitos eleitorais futuros.65
Assim, identificada uma demanda social, que deve ser caracterizada como problema
público, o administrador deverá reunir a sua equipe técnica e estruturar uma política pública
para dar uma solução àquela questão. Para tanto, deverá compreender as circunstâncias que
envolvem aquele problema, pensar em todas as soluções possíveis, racionalizar aquela que
melhor se ajusta à realidade em foco e implementá-la. Com o passar do tempo de sua
execução, deverá estar avaliando os impactos da referida política pública, se está atingindo os
objetivos a que se dispôs e, em caso negativo, buscar reavaliar a sua persistência, devendo ser
ajustada, ou até ser substituída por outra, se não houver jeito.
Vendo todo esse trajeto a ser percorrido, o que se dizer do sistema penitenciário? Tal
qual se afirmou no início do presente trabalho, há no imaginário coletivo a ideia de que não se
faz nada para tentar solucionar os problemas diuturnos que afligem a gestão e a própria
estrutura das unidades prisionais.
A comunidade, e em especial a parcela da sociedade que frequenta os presídios,
porque cumpre pena, na qualidade de preso provisório ou com condenação, ou porque é
visitante de algum interno, ou ainda porque é funcionário do sistema, todos têm a mesma
64
A CF/88 previu em seu art. 37, caput os princípios que devem nortear a administração pública e, dentre eles,
encontra-se o princípio da eficiência: ―Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...)‖ (BRASIL, 2005). (grifos nossos.). 65
O desrespeito a princípios da Administração Pública, como o da eficiência, é uma das hipóteses configuradoras
de improbidade administrativa e a condenação por tal fato pode ser causa de inelegibilidade, tornando o político
um candidato ―ficha suja‖ (art. 2º., I, ― g‖da Lei Complementar 135/2010 – rejeição de contas), o que impede
que este possa participar de disputas eleitorais, após tal reconhecimento judicial. Atualmente, a fiscalização por
parte do Ministério Público, um dos principais titulares da ação de improbidade administrativa, tem sido
fundamental para que os gestores procurem pautar suas administrações na legalidade e na probidade.
74
sensação de esquecimento e abandono, de desprestígio do sistema penitenciário (MARQUES,
2013).
Dessa forma, como esperar que haja motivação daqueles que são engrenagem desse
processo complexo que é a execução penal? Como imaginar que aquele que cumpre pena e
que, após determinado lapso temporal, retornará ao convívio social, o fará desprendido da
criminalidade e preparado para alcançar verdadeiramente a reintegração à comunidade, da
qual foi alijado, sem reincidir, se não há iniciativas e fomento para tanto?
Essas polêmicas questões geram diversas indagações na comunidade em geral,
notadamente, uma delas: existe alguma política pública voltada para sistema penitenciário -
em especial do Estado de Sergipe, recorte desse estudo - que vise à reinserção social do
preso? E mais, em havendo alguma iniciativa ou política pública em implementação, esta se
encontra em consonância com os Direitos Humanos?
Para ser possível responder a essas perguntas, fez-se necessário conhecer a realidade
prisional do Estado de Sergipe, através da percepção dos presos, funcionários e gestores, o
que ocorreu no curso da execução do Projeto de Pesquisa denominado Perfil dos Presos no
Estado de Sergipe e Identificação de Políticas Públicas para Egressos (MARQUES, 2013).
Frise-se que a coleta de dados desse projeto por meio de pesquisa de campo já foi concluída66
,
contemplando a etapa de tabulação de dados, bem como valendo-nos dos relatórios
etnográficos para reunir alguns elementos circunstanciais importantes para o estudo.
Destaque-se que, como referido, no ano de 2011, no estado de Sergipe, já havia uma
preocupação em mapear a realidade prisional, buscando-se compreendê-la, de forma a
contribuir com a melhora do sistema, e naquela oportunidade desenvolveu-se um outro
projeto de pesquisa com objeto semelhante ao que serviu de lastro para o presente estudo.
Aquela primeira investida alicerçou algumas publicações, dentre elas o livro ―Direitos
humanos e política penitenciária‖67
também servirá de importante referência para o nosso
trabalho e para as conclusões que dele se extrairão.
Já em relação ao novel projeto, as visitas que foram feitas às unidades prisionais do
estado de Sergipe, tanto presídios, quanto delegacias que custodiavam presos, inicialmente,
66
A pesquisa de campo, que se desenvolveu no período de junho a Dezembro de 2013, teve como objetivo traçar
o perfil dos presos sergipanos e identificar a existência de políticas pública do sistema penitenciário no estado.
Foram visitados os presídios sergipanos , em um total de 07 unidades, bem como as delegacias de polícia da
capital, em que ficavam custodiados os presos vinculados a inquéritos policiais, antes de serem removidos ao
presídio. Como referido na introdução, ao todo foram entrevistados 525 presos de um universo de 4528. Só
participaram das pesquisa aqueles encarcerados que, voluntariamente, se disponibilizaram a responder aos
questionários. 67
MARQUES et al, (2012)
75
constatou-se aquilo que povoa o senso comum: as celas são apertadas, há mais presos do que
a capacidade aceitável68
, as condições de higiene são precárias, não há uma separação de
presos, de acordo com o respectivo grau de periculosidade, assegurando uma individualização
da execução penal. Igualmente, mais da metade dos encarcerados são presos provisórios e
ainda há dificuldades na implementação de direitos assegurados pela Lei de Execução Penal,
como, por exemplo: progressão de regime, remição de pena e oferta de vagas para trabalho e
estudo.
Tudo isso impacta diretamente em qualquer política pública de reinserção social que
se queira desenvolver, pois, antes de pensar em ser reintegrado socialmente, o preso necessita
perceber-se como pessoa humana que é. O fato de terem praticado crimes, por mais brutais
que tenham sido, não legitima o Estado a não tratá-los como não humanos, retirando-lhe
muito mais que a sua liberdade, também a sua dignidade e ainda esperar que, submetido a
essas condições subumanas, eles possam se ―recuperar‖ e retornar à sociedade sem máculas.
O sistema e a sua lógica, do jeito em que estão, não permitem nenhuma centelha de
esperança em resgatar o preso e preparar o seu retorno para o ―além muros‖ da unidade
prisional. Ao contrário, reforça o seu convívio com a criminalidade, com a marginalização,
com a exclusão, com o constrangimento a que são submetidos, bem como seus familiares em
dias de visitas, inviabilizando qualquer vontade de afastar-se desse convívio de opressão e
violência, que reverbera, na primeira oportunidade em que respira a liberdade desvigiada,
cometendo novos delitos e fazendo outras vítimas.
Importante destacar que essa realidade não é exclusiva de Sergipe, mas uma constante
no cenário nacional, como constata recente pesquisa promovida pelo Instituto Avante Brasil69
revelou que Sergipe estaria entre os três estados da Federação com melhor índice de atividade
laboral, perdendo apenas Santa Catarina e Rondônia (SERGIPE, 2013). Esses dados são mais
preocupantes do que animadores, se se verificar que a procura de vagas é muito superior que a
oferta, restando muitos internos sem oportunidade de trabalho. Surge então a seguinte
questão: como estão os demais estados? Certamente, em situação muito difícil.
68
Essa realidade não é observada no Presídio COMPAJAF cujo regime de cogestão lastrado e contratoque tem
regras rígidas em relação à ocupação de vagas por presos, com previsão do pagamento de multa, se acaso o
estado descumprir cláusula contratual e colocar mais presos do que a capacidade máxima estabelecida por celas.
Acrescente-se, por fim, que esta é a única unidade prisional em que há déficit de vagas para presos, portanto há
espaço para ocupação de novos internos, ainda que em quantidade diminuta, o que é inimaginável se
compararmos às demais unidades, em que a superlotação carcerária extrapola, em muito, limite máximo de
ocupação. 69
O Instituto Avante Brasil, é uma entidade sem fins lucrativos, que objetiva desenvolver estudos sobre a
prevenção do crime e da violência e tem como diretor-presidente o jurista Luiz Flavio Gomes. A pesquisa foi
divulgada em julho de 2013.
76
A Lei de Execuções Penais prevê diversos institutos que objetivam alcançar a tão
almejada reinserção social do preso. Como referido, pode-se elencar dentre eles: o trabalho
desenvolvido pelo preso (seja interna ou externamente), as autorizações para saída, as saídas
temporárias, a remição da pena e as visitas de familiares e amigos. Todos esses caminhos,
quando bem elaborados, podem servir de lastro para o fortalecimento de valores do interno,
geralmente, deteriorados pela vida no cárcere. O contato com o ambiente externo, em suas
mais variadas formas, sempre faz nascer no indivíduo a esperança de um regresso a sua vida
antes da condenação.
Ressalve-se que o trabalho e o estudo são as principais ferramentas para que se possa
tentar buscar meios para a reinserção social do preso, entendendo que devem ser esses os
principais motes de políticas públicas penitenciárias. Entretanto, além de se preocupar com o
momento da execução penal – com a capacitação por meio do ensino e a formação
profissional - o estado deve estar atento para a saída do preso do sistema.
Nessa oportunidade deve colaborar, visando garantir que este possa ser aceito pelo
mercado do trabalho, inclusive, com incentivos de ordem fiscal para os segmentos que
admitam em seus quadros egressos, contratando-os em razão dessa condição, como forma de
assegurar sua empregabilidade.
O que pode se verificar a partir dos dados levantados, expostos a seguir é que, embora
sejam disponibilizadas vagas, tanto para o trabalho, quanto para o estudo, elas são
insuficientes para contemplar todos os presos que atendem aos requisitos legais e que querem
remir sua pena. Isso é um fator decisivo para demonstrar a ineficiência da política pública
desenvolvida pelo estado de Sergipe, no que pertine à reinserção social de presos.
Igualmente, não se identificou a existência de qualquer política pública direcionada à
recepção de egressos e aproveitamento de sua mão de obra, nem no próprio governo, nem na
iniciativa privada, com o fomento público através de qualquer forma de incentivo.
Como já dito, o investimento na reinserção social do preso, durante o cumprimento da
pena, é importante, mas não é suficiente para garantir a sua reinserção social, sendo ainda
mais decisivo quando do momento em que experimenta a liberdade e infelizmente não é isso
se verifica em Sergipe.
77
4.2 Políticas públicas penitenciárias em Sergipe e o respeito aos Direitos Humanos
Por mais que haja sejam oportunizadas vagas de emprego e estudo para uma parte
dos detentos, durante a execução penal, de nada adianta esse esforço, se as condições básicas
de saúde e ambiente das unidades prisionais forem extremamente precárias.
A pesquisa realizada no ano de 2009, que serviu de base para elaboração da obra de
Marques (et al, 2012), já apontava as aviltantes condições experimentadas pelos internos no
interior das unidades prisionais em Sergipe, realidade que em nada se modificou durante esse
período e até a data da realização do presente estudo. Os levantamentos de campo realizados
no ano de 2014 possibilitaram encontrar a mesma situação em relação à alimentação, higiene,
iluminação e acesso aos serviços de saúde obtidas com os dados de 2009, publicados em
2012.
A ausência dessas condições basilares repercute de forma negativa e macula ações
que objetivam promover a reinserção social do preso, eis que este sente-se marginalizado,
inferiorizado, aviltado e não resta suficientemente motivado a buscar a mudança que se espera
ao final da pena.
Como se observa dos resultados da pesquisa publicada em 2012, que teve como
objeto central quatro unidades prisionais – Presídio Feminino (PREFEM), Presídio de Tobias
Barreto (PREMABAS), Presídio de Nossa Sra. da Glória (PRESLEN) e Presídio de Areia
Branca (CESARBII), Marques (et al, 2012) pondera que a ―análise dos dados levantados nos
quatro presídios sergipanos permite concluir as condições gerais dos presídios são bastante
precárias, o que afeta diretamente a saúde dos detentos‖ (MARQUES et al, 2012, p. 158).
Em relação a dados objetivos significativos oriundos da pesquisa, Marques (et al,
2012) traz importantes conclusões, notadamente, em relação às condições de saúde e
ambiente dos presos:
As condições de higiene das celas são consideradas ruins e muito ruis para
mais da metade do PREMABAS e PEAB, caindo para menos de 30% no
PRESLEN e para menos de 45% no PREFEM. As condições de iluminação
das celas são consideradas boas e muito boas por quase 70% dos detentos,
embora a circulação de ar dentro delas seja considerada muito ruim por
quase 80%. Com relação às condições dos banheiros predomina a opinião
ruim e muito ruim, o mesmo acontecendo com a qualidade das camas. Com
relação à alimentação nenhum detento a considerou muito boa, sendo poucas
as opiniões favoráveis e predominante largamente a avaliação negativa
quando à qualidade da alimentação servida aos detentos. (...) Por fim, pode-
se chamar a atenção para o fato de que a realidade sobre as condições de
saúde e ambiente no sistema prisional sergipano não difere da situação
78
nacional onde estão praticamente ausentes a assistência material e à saúde do
preso, bem como a oferta de atividades laborais – que se potencializem a
reinserção do preso no mercado de trabalho e consequentemente o processo
de ressocialização, fatores que são agravados pela soma de outros fatores
negativos: a precariedade da infraestrutura instalada e a falta de qualificação
de recursos humanos (MARQUES et al, 2012, pp. 159-160).
Desta feita, sustenta-se que não é possível a implementação de qualquer política
pública direcionada ao sistema penitenciário que apresente resultados expressivos, se não
houver observância e o respeito aos direitos humanos dos internos.
A meta de reinserção social dos presos não pode ser um ideal apenas para o futuro,
enquanto que, no curso da execução penal, este continua sendo excluído das condições sociais
mínimas, perdendo, inclusive, todo referencial de humanidade e dignidade. Como esperar que
alguém nessas condições almeje, sonhe e se sinta valorizado, se o único sentimento que o
permeia é o da revolta e a vontade de evadir-se daquele meio, mantendo-se assim, à margem
da lei e do sistema?
A reinserção social do preso e o respeito aos direitos humanos são vetores que
precisam estar alinhados dentro de um construto de política pública que se destine
verdadeiramente a alcançar as suas metas com vistas poder ser avaliada positivamente, do
contrário fadará ao insucesso.
Nesse sentido, a pesquisa de campo, que subsidia este trabalho, possibilitou a análise
de uma série de dados que autorizam concluir que, se houver real interesse em se implementar
qualquer política pública que busque a reinserção social do preso em Sergipe, o ponto de
partida deverá ser o diagnóstico da realidade, o levantamento das ações emergenciais a serem
implementadas para conter o avanço de violações à LEP e aos direitos dos presos e, por fim, o
planejamento e a execução de medidas que garantam o sucesso da política.
A análise dos dados é imprescindível para execução de tal desiderato, avancemos.
79
4.3 Análise da Reinserção Social como direito a partir dos dados levantados nos
presídios sergipanos (2013-2014)
Como já discutido, para que a implementação de um programa ou iniciativa pública,
com vistas a sanar uma demanda específica, seja feita com o mínimo de eficiência que dele se
espera, tem-se como premissa inicial o conhecimento da realidade que se pretende modificar,
incluindo os seus atores.
Assim, e não poderia ser diferente, em relação ao sistema prisional, imprescindível
identificar-se, primeiramente, o perfil dos presos que o integram, além das condições
estruturais, de saúde e ambiente das unidades e, por fim, desenvolver-se uma vontade política
de levar a efeito ações que contribuam para minimizar o tratamento dado aos presos, que,
atualmente, ofende frontalmente as previsões legais, constitucionais e de tratados
internacionais ratificados pelo Brasil.
A pesquisa que lastreou o presente trabalho teve o cuidado de reunir uma série de
informações que possibilitaram compreender quem é o recluso sergipano, e com tais dados,
foi possível compará-lo, tanto com a realidade carcerária do país, quanto à população
brasileira, valendo-se, para tanto, de estudos de âmbito nacional como o realizado pelo
DEPEN (2009), Julião (2012), CNJ (2012) e o IBGE com o censo realizado em 2010,
respectivamente.
Como se mencionou no começo do trabalho, o presente estudo valeu-se dos dados
reunidos após uma pesquisa financiada pela Fundação de Apoio à Pesquisa e Inovação
Tecnológica do estado de Sergipe (FAPITEC), em parceria com o Instituto de Tecnologia e
Pesquisa (ITP), a Secretaria de Segurança Pública (SSP) e a Secretaria de Justiça e Cidadania
(SEJUC), para mapear os presídios sergipanos, traçando o perfil dos presos e identificando as
políticas públicas para egressos.
Ademais, realizou-se um levantamento bibliográfico e documental compreendendo
relatórios técnicos, leis, livros, artigos, monografias, dissertações, teses dentre outros, que
permitissem o enquadramento teórico e analítico do objeto em foco.
No que toca ao número de unidades prisionais no estado de Sergipe, são 09 (nove),
entre elas: o Complexo Penitenciário Dr. Manoel Carvalho Neto (COPEMCAN), situada em
São Cristóvão, o Centro Estadual de Reintegração Social Areia Branca, com duas unidades,
(CESARB I e CESARB II), em Areia Branca, o Presídio Regional Juiz Manoel Barbosa de
Souza (PREMABAS) em Tobias Barreto, o Presídio Regional Senador Leite Neto
(PRESLEN), no município de Nossa Senhora da Glória, o Presídio Feminino de Sergipe
80
(PREFEM), situado no Povoado Taboca, em Nossa Senhora do Socorro, a Cadeia Territorial
de Nossa Senhora do Socorro (CADEIÃO), em Nossa Senhora do Socorro, o Complexo
Penitenciário Advogado Antonio Jacintho Filho (COMPAJAF) em Aracaju e, por fim, o
Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HTCP), também em Aracaju.
Relembre-se, contudo, que, duas dessas unidades foram excluídas da pesquisa: o
CESARB I, pelo fato de encontrar-se em fase de desativação e o HTCP por ser uma unidade
de custódia de presos que cumprem medida de segurança, portanto considerados
inimputáveis, optando-se por garantir a validade e coerência das respostas aos questionários
que seriam aplicados, em razão da possibilidade de alteração da percepção dos internos que se
submeteriam à coleta de dados.
A coleta dos dados primários realizou-se com pesquisa de campo por meio da
aplicação de questionários com presos e funcionários do sistema prisional, garantindo o
cotejamento com as fontes oficiais, além do saneamento de algumas inconsistências
percebidas.
O levantamento dos dados oficiais deu-se em sistemas eletrônicos e outros
documentos do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça, das Secretarias
estaduais da Segurança Pública e de Justiça e Cidadania, do Ministério Público de Sergipe e
do Tribunal de Justiça do Estado. Por outro lado, também foram utilizados dados e resultados
encontrados em outras pesquisas sobre o sistema prisional de âmbito nacional como o
DEPEN (2009), CNJ (2012) e Julião (2012).
Dentro do universo pesquisado, cujo total de presos somou, segundo o DESIPE,
4528 pessoas, o tamanho da amostra foi de 525 indivíduos, bastante superior à amostra
mínima aceitável, que seria, conforme cálculo de Barbetta (2002), de 368 participantes,
robustecendo a pesquisa.
Destaque-se que, pelo fato de haver um grande número de variáveis e dados
levantados, além do questionário possuir muitos itens, utilizou-se estatística descritiva com
categorias de análise compatíveis com as usadas pelos órgãos oficiais, possibilitando o
confronto entre os resultados da pesquisa e as várias fontes usadas. Outrossim, objetivando a
verificação de correlação entre as variáveis, foram empregados métodos quantitativos.
Utilizou-se o software Statistical Package for Social Science for Windows (SPSS) no
tratamento dos dados coletados, com o estabelecimento de algumas categorias, que
assegurassem o cruzamento e a análise mais detalhada das variáveis criadas.
81
O questionário elaborado para a pesquisa, que alicerçou o presente trabalho, aplicado
por pesquisadores treinados para que não fossem excluídos analfabetos e analfabetos
funcionais, teve como respondentes tanto os presos, como os funcionários e gestores de
presídios, que se disponibilizaram, a, voluntariamente, participar do levantamento de dados.
Ademais, assinaram termo de consentimento livre e esclarecido, em observância ao que
determina o Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP).
Dentre as variáveis reunidas foram destaque os dados sociodemográficos e
socioeconômicos que possibilitaram identificar o perfil dos presos, os tipos de crimes por eles
praticados, a repercussão das atividades laborativas e educacionais, além de aspectos positivos
e negativos das unidades prisionais.
Tabela 1 - Distribuição dos presos que participaram da amostra por unidades prisionais em
Sergipe. 2013
Presídios Nº de presos no dia
do levantamento
Nº de presos que
participaram da
amostra
Percentual de
questionários
aplicados
Data da coleta
PRESLEN 348 21 6,03 06/08/13
CERSAB II 478 49 10,25 08/08/13
PREFEM 273 61 22,34 14/08/13
CADEIÃO 167 62 37,13 20/08/13
COPEMCAN 2.348 238 10,14 Diversos
PREMABAS 440 44 10,00 09/09/13
COMPAJAF 474 50 10,55 Diversos
Total 4.528 525 11,59 -
Fonte: MARQUES et al, 2014.
O levantamento de dados realizados em campo no ano de 2013 permitiu constatar,
conforme a Tabela 1, que a quantidade de presos distribuída por todo o sistema sergipano
(4.528), já se destacando que o número de ocupantes está bem acima da capacidade permitida,
que, segundo o próprio DESIPE, seria de 2.243 internos, portanto verificando-se um déficit de
2.285 vagas, que representa uma ocupação extra em 101,87% (MARQUES, 2013). Ou, seja, o
número de excedentes tem volume maior que a própria quantidade de vagas do sistema, já se
iniciando aqui o conjunto de violações a que são submetidos diuturnamente os internos
sergipanos.
Em relação à faixa etária do preso sergipano, de acordo com os dados constantes da
Tabela 2, há uma concentração da criminalidade, na razão de 76,4%, entre 18 e 34 anos, a
82
qual é superior aos dados consolidados pelo DEPEN em 2008, que apontavam, à época, para a
marca de 75,2%.
Tabela 2 - Distribuição etária, por faixas, dos presos do Sistema Penitenciário Sergipano. 2013
Faixa Etária Total %
18 a 24 anos 196 37,3
25 a 29 anos 119 22,7
30 a 34 anos 86 16,4
35 a 45 anos 72 13,7
46 a 60 anos 45 8,6
mais de 60 anos 6 1,1
Sem informação 1 0,2
Total 525 100,0 Fonte: MARQUES et al, 2014.
Em Sergipe 37,3% dos presos que fizeram parte da amostra estão concentrados na
primeira faixa etária, portanto de 18 a 24 anos, e ao confrontar esse dado com a realidade
nacional, cuja faixa contempla 31,2%, percebe-se que em Sergipe, ou os infratores estão
iniciando a carreira criminal mais cedo, ou são eles que estão sendo mais presos pelas forças
policiais.
A maior concentração de presos sergipanos na faixa etária de 18 a 24 anos permite
verificar que o jovem sergipano vem envolvendo-se com a criminalidade cada vez mais cedo,
inclusive superando o observado para o Brasil, permitindo levantar a hipótese de haver, em
Sergipe, condições socioeconômicas mais adversas que levem os jovens a enveredar pelo
caminho do crime, em vez de se engajarem em atividades produtivas.
Tabela 3 - Distribuição etária, por faixas, dos presos brasileiros segundo levantamento do
DEPEN em 2008
Faixa Etária Total %
18 a 24 anos 113.635 31,2
25 a 29 anos 96.058 26,4
30 a 34 anos 63.475 17,4
35 a 45 anos 53.924 14,8
46 a 60 anos 20.800 5,7
mais de 60 anos 3.174 0,9
Sem informação 12.869 3,5
Total 363.935 100,0 Fonte: MARQUES et al, 2014.
83
Considerando, separadamente, a faixa etária dos presos homens e mulheres, percebeu-
se que estas são mais velhas, se comparadas àqueles. Isso é demonstrado pelo fato de que,
enquanto os homens no intervalo entre 30 e 45 anos totalizam o percentual de 28,6%, no
PREFEM, essa soma equivale a 41,0%. Essa distinção, contudo, não se repetiu, quando
cotejada a análise do estado civil, conforme a Tabela 5.
Outra característica analisada pelo levantamento de campo refere-se à autodeclaração
da cor da pele. Nesta pesquisa, com relação à autodeclaração da cor da pele70
, foram usadas as
cinco categorias utilizadas pelo censo demográfico do IBGE. É importante frisar que essa
autodeclaração tem a ver com a forma como o indivíduo pesquisado se vê, inclusive dentro de
um contexto, fazendo-o, inevitavelmente, por comparação com os demais indivíduos com os
quais se relaciona.
Na realidade prisional sergipana, detectou-se que 21,0 % dos presos da amostra se
autodeclararam brancos, 16,0 % negros e 60,8% pardos e mulatos. Analisando-se os dados,
verifica-se que 76,8% dos presos entrevistados reconhecem-se como negros, pardos ou
mulatos, índice expressivo quando comparado com os dados da população nacional
levantados pelo IBGE (2013) em 2008, que aponta 50,7% de negros, mulatos e pardos. Esse
fato permite levantar a hipótese de haver um processo seletivo da clientela penal que possui,
indiscutivelmente, um componente étnico-racial de fundo.
Tabela 4 - Autodeclaração da cor da pele dos presos do Sistema Penitenciário Sergipano. 2013
Autodeclaração da Cor
da Pele Total %
Amarelo 3 0,6
Branco 110 21,0
Indígena 8 1,5
Negro 84 16,0
Pardo/Mulato 319 60,8
Sem informação 1 0,2
Total 525 100,0 Fonte: MARQUES et al, 2014.
70
O termo cor da pele precisa ser analisado como um construto mental e deve ser pensado como de caráter
relacional e operador de uma violência simbólica (PETRUCCELLI, 2013).
84
Tabela 5 - Perfil do Interno brasileiro: distribuição por tipo de etnia. 2008
Indicador Valor
Masculino Feminino Total %
Quantidade
de internos
por etnia
Branca 141.501 8.273 149.774 40,25
Negra 58.960 3.258 62.218 16,72
Parda 136.380 8.321 144.701 38,89
Amarela 1.698 125 1.823 0,48
Indígena 401 29 430 0,11
Outras 12.953 165 13.118 3,52
Total - 351.893 20.171 372.064 100,0
Fonte: JULIÃO, 2012.
Ainda em relação à autodeclaração da cor da pele, por opção de Julião (2012, p. 130),
em tratar uma única categoria por vez, foi destacado o predomínio da cor branca com 40,25%
da população carcerária. Entretanto, quando cotejados com os demais dados tem-se que
negros representam 16,72% e pardos e mulatos 38,89%, os quais somados, totalizam 55,61%
do universo pesquisado, portanto a maioria.
Esses dados do DEPEN identificados na pesquisa de Julião (2012) confirmam aqueles
que foram coletados em Sergipe (Tabela 4), não havendo assim qualquer divergência, apenas
a opção de separar as categorias na apresentação de resultados.
No que se refere ao estado civil dos presos sergipanos pesquisados, foi possível
levantar que, enquanto 22,1% são casados e 30,9% vivem em união estável, 39,0% são
solteiros. Essa predominância de presos solteiros, provavelmente, correlaciona-se com o fato
de a maioria dos presos estar situada na faixa de idades mais jovens.
Sendo realizada, entretanto, a análise em separado do estado civil entre os presos
homens e mulheres, tal qual referido quando da discussão dos dados apresentados na Tabela
2, percebe-se que entre os homens 23,5% são casados, 5,8% separados/divorciados, 39,2%
são solteiros e 30,4% vivem em união estável. Já entre as mulheres, os percentuais
encontrados são: casadas, 11,5%, separadas/divorciadas, 9,8%, solteiras, 37,4% e as que
vivem em união estável, 34,4. Portanto, para as mulheres o fato de serem mais velhas, não
confirma a hipótese de deveriam ser casadas ou conviver em união estável, como sugerido em
relação aos homens, eis que o maior percentual também é o de solteiras.
85
Tabela 6 - Estado civil dos Presos do Sistema Penitenciário Sergipano. 2013
Estado Civil Total %
Casado 116 22,1
Separado/Divorciado 33 6,3
Solteiro 205 39,0
União Estável 162 30,9
Viúvo 9 1,7
Sem informação 0 0,0
Total 525 100,0
Fonte: MARQUES et al, 2014.
Outro componente do perfil dos presos sergipanos, a renda, apresentado na Tabela 7,
permite observar níveis econômicos bastante modestos, com 77,9% dos presos apresentando
ganhos de até 2 salário mínimos, que em valores de 2013, chegavam a apenas R$ 1.356,00. A
distribuição pelas faixas de renda aponta a predominância entre um e até dois salários
mínimos, com 43,4% dos presos. Comparando com dados da população total de Sergipe, que
nesse mesmo ano apresentava 81,24% da população de 18 anos e mais nessa faixa de renda e
com a população do Brasil, com 69,56% nessa mesma faixa, é possível verificar que a
situação dos presos reflete a sergipana, embora esteja bastante pior que a brasileira (PNUD,
2013).
Tabela 7 - Faixas de Renda Presos do Sistema Penitenciário Sergipano. 2013
Renda Total %
Sem renda 25 4,8
Menos de 1 Sal. 150 28,6
1 Sal. 6 1,1
Entre um e até 2 Sal. 228 43,4
Mais de 2 Sal. 92 17,5
Sem informação 24 4,6
Total 525 100,0 Fonte: MARQUES et al, 2014.
O baixo nível de renda é agravado pela informalidade da grande maioria das
ocupações, que deixam os indivíduos à margem do circuito formal da economia e fora do
abrigo do sistema previdenciário, de crédito e outros. Essa situação de vulnerabilidade
econômica é uma constante entre os presos do estado de Sergipe, mas se mostra mais
acentuada no PREFEM, no qual 83,6% das mulheres presas têm renda de até dois salários
86
mínimos e onde a faixa de maior concentração foi a de menos de um salário mínimo,
conforme os dados apresentados na Tabela 8.
Tabela 8 - Faixas de Renda do Presídio Feminino de Sergipe. 2013
Renda Total %
Sem renda 4 6,6
Menos de 1 Sal. 24 39,3
1 Sal. 2 3,3
Até 2 Sal. 21 34,4
Mais de 2 Sal. 8 13,1
Sem informação 2 3,3
Total 61 100,0 Fonte: MARQUES et al, 2014.
Esses dados observados em Sergipe confirmam a realidade nacional de discriminação
entre os sexos, que se reflete em patamares de remuneração distinta entre homens e mulheres,
os quais, ainda que possuam idêntica qualificação ou desempenhem a mesma tarefa, têm
remunerações distintas: aqueles maiores em detrimento destas. É o que revela estudo
desenvolvido pela Secretaria de Políticas Públicas de Emprego divulgado em julho de 2014
(BRASIL, 2014).
No PREFEM, onde a faixa predominante de renda é aquela cujo montante mensal é
inferior a um salário mínimo, deve ser salientado que, dentre os tipos penais praticados
destacam-se os relacionados ao tráfico de entorpecentes.71
Durante o levantamento dos dados, foi possível verificar que boa parte das internas
possuía maridos ou companheiros presos72
e, por dependerem economicamente deles,
acabavam levando drogas para dentro do presídio, quando iam visitá-los e, durante a revista
eram identificadas e presas em flagrante.
Não se pode igualmente deixar de considerar que, algumas dela, com a prisão dos
respectivos companheiros ou maridos pela prática do crime de tráfico e drogas acabam
assumindo a condução de tais negócios ilícitos e nesse sentido os dados são bastante
71
Conferir Tabela 23. 72
Conferir Tabela 24.
87
consistentes.73
Essa realidade foi confirmada pela pesquisa de campo, quando 67% das
pesquisadas informaram essa situação.74
A aferição das condições socioeconômicas de determinada população perpassa pela
análise de uma série de elementos, embora alguns deles mereçam destaque pois estão bastante
vinculados ao grau de desenvolvimento humano, como é o caso da associação entre a faixa de
renda e a escolaridade que possibilitará, se a resultante for positiva, a suplantação de
desigualdades históricas em nosso país, conforme evidencia o estudo desenvolvido pelo
IBGE, com base nos resultados da atividade recenseadora em 2010:
Cabe mencionar não só a correlação positiva existente entre educação e
renda, mas também reforçar o fato de a contribuição da educação ser
consideravelmente maior do que a de qualquer outra característica individual
na superação da desigualdade de rendimento. Os indicadores de
analfabetismo por faixa etária, cor ou raça e os de rendimento médio por
nível de instrução, por sexo ou segundo condição de domicílio (rural/urbana)
são algumas referências estatísticas e geográficas que alimentam a questão
das desigualdades socioeconômicas na sociedade brasileira contemporânea
(IBGE, 2010, p. 15).
A escolaridade dos presos sergipanos que participaram da amostra é extremamente
baixa, constatando-se que 63,5% dos indivíduos da amostra não chegou a completar o ensino
fundamental e que apenas 11,4% dos pesquisados concluiu o ensino médio, encontrando-se,
ainda, que 8% completou o ensino fundamental e 9,9% não conseguiu concluir o ensino
médio (Tabela 9). Em relação aos demais graus de escolaridade, verifica-se uma ocorrência de
pouca relevância.
Tabela 9 - Grau de Escolaridade dos Presos do Sistema Penitenciário Sergipano. 2013
Escolaridade Total %
Analfabeto 23 4,4
Alfabetizado 4 0,8
Ensino Fundamental Incompleto 331 63,0
Ensino Fundamental Completo 42 8,0
Ensino Médio Incompleto 52 9,9
Ensino Médio Completo 59 11,2
Ensino Superior Incompleto 7 1,3
Ensino Superior Completo 5 1,0
Ensino Acima Superior Completo 0 0,0
Sem informação 2 0,4
Total 525 100,0 Fonte: MARQUES et al, 2014
73
Conferir Tabela 25. Por meio dela é capaz de se confirmar o envolvimento das internas do PREFEM e de seus
respectivos companheiros com o tráfico de drogas. 74
Conferir Tabela 23.
88
Ao associar-se esse baixo índice de escolaridade com as faixas de renda (Tabela 7),
constata-se que é a população de menor condição social que está recolhida à prisão.
No que toca ao tipo de profissão desenvolvida pelos presos pesquisados, constata-se
que, por ordem de incidência, as que mais se destacaram foram: o autônomo com 40,8%,
seguida da construção civil com 15,2% e o comércio com 10,5%.
Na categoria ―autônomos‖ estão incluídas as atividades desenvolvidas pelo
pesquisado, que não dependessem de uma qualificação técnica ou diferenciada, mas tão
somente da sua vontade de trabalhar. Assim, nessa categoria estão inseridas ocupações tais
como: flanelinha, ajudante de coveiro e serviços gerais, representando uma diversidade de
atividades, informadas pelos pesquisados, em volume bastante significativo de trabalhos
informais esporádicos, os quais dispensam uma formação para sua execução. Reforça-se a
ideia de subempregos e atividades que, embora honestas, dificilmente, permitiram uma
emancipação financeira de seus executores.
Tabela 10 - Tipo de Profissão exercida pelos Presos do Sistema Penitenciário Sergipano por
ocasião da prisão. 2013
Profissão /Ocupação Total %
Autônomo 214 40,8
Construção Civil 80 15,2
Comércio 55 10,5
Trabalhador Rural 40 7,6
Trabalho Técnico 36 6,9
Transporte 34 6,5
Desempregado 22 4,2
Sem informação 13 2,5
Doméstico 11 2,1
Pescador 8 1,5
Estudante 8 1,5
Profissional Liberal 2 0,4
Funcionário Público 2 0,4
Total 525 100,0 Fonte: MARQUES et al, 2014.
Em análise similar identifica-se que a construção civil ocupa a segunda posição dentre
as profissões mais ocorrentes entre os presos pesquisados. Destaque-se que o setor cresceu
89
bastante nos últimos anos em todo o Brasil75
, seguindo esse movimento, a sua respectiva força
produtiva. Ocorre que, não são aqueles que ocupam os postos de maior destaque no ramo
como: engenheiro, arquiteto, encarregado e mestre de obras que figuram entre os
respondentes, e que fazem jus a uma remuneração atrativa e emancipadora76
, mas os que estão
no patamar inferior da atividade, em especial, o servente de pedreiro, cuja contraprestação
pecuniária chega, quando muito, a um salário mínimo.
Na categoria comércio, englobam-se todos aqueles indivíduos que, antes da prisão,
eram trabalhadores de alguma forma envolvidos com a circulação de mercadorias e serviços.
Frisa-se, contudo, que, da mesma forma que ocorre com os autônomos e a construção civil,
não foram os grandes empresários, ou vendedores de destaque do ramo que responderam aos
questionários, mas aqueles que trabalhavam como camelô, vendedor de milho, operador de
caixa, feirante, vendedores ambulantes, dentre outros. Arremate-se pontuando que, dentre os
525 presos que responderam ao questionário, apenas 02 deles afirmaram que sua profissão
seria empresário, o que representa 0,3% dentro da amostra levantada.
Embora as profissões apontadas sejam diversas, como mencionado, em sua maioria
representam atividades que permitem a sobrevivência, mas dificilmente levam à emancipação
financeira por parte de seus executores.
O que se percebe é que essa parcela da sociedade jovem, situada em uma faixa renda
baixa, predominantemente de cor da pele negra e parda/mulata e com o grau de escolaridade
igualmente baixo é o público preferido da seleção penal. Dificilmente, encontram-se nas
prisões pessoas que tenham uma melhor condição social ou econômica, estão nos presídios,
em sua maioria, os excluídos ou como prefere Vieira (2011), os ―demonizados‖ e ―invisíveis‖.
Os dados analisados permitem inferir que o acesso à justiça de forma mais eficiente é
oportunizado àqueles que têm uma melhor condição financeira, inclusive para constituir
advogados particulares para patrocinarem as suas causas. Tal fato certamente reflete nas taxas
de encarceramento e no perfil de seus ocupantes.
Esses dados delineiam uma situação que não é exclusiva de Sergipe, pois em âmbito
nacional esses dados se repetem e revelam a opção da implementação de uma política de
alijamento social com amparo legal e aparato de repressão do Estado, conforme dados
apresentados por Julião (2012):
75
―Estudo desenvolvido pela Ernst & Young (2010), aponta para crescimento de investimentos no Brasil, por
conta da Copa do mundo: No topo da lista dos beneficiados, a construção civil gerará R$ 8,14 bilhões a mais no
período 2010-2014‖ (ERNST & YOUNG, 2010, p. 04).
90
Nesse sentido, podemos afirmar que a população carcerária brasileira é
predominantemente: do sexo masculino (94,76%); jovem, principalmente na
faixa etária entre 18 e 24 anos (31,61%); da cor branca (40,25%); e que não
possui a formação básica, majoritariamente não concluiu o ensino
fundamental (64,26%) (JULIÃO, 2012, p.130).
Ainda com relação às características socioeconômicas, merece destaque o fato da
maior parte dos presos possuir carteira de trabalho, mas um terço deles não ter esse
documento (Tabela 11).
O interno que estava trabalhando com carteira assinada e tinha o pagamento dos
encargos em dia, pode ser contemplado com auxílio reclusão, pago à sua família, se preencher
os critérios estabelecidos para esse benefício. Mas, embora 21,3% dos presos informassem
estar com carteira de trabalho assinada por ocasião da prisão, apenas 8,4% deles recebeu
auxílio reclusão.
Tabela 11 - Internos do Sistema Penitenciário Sergipano que possuíam carteira de trabalho
quando foram presos. 2013
Carteira de Trabalho Total %
Possuíam carteira 173 33,0
Não possuíam carteira 342 65,1
Sem informação 10 1,9
Total 525 100,0
Fonte: MARQUES et al, 2014.
Tabela 12 - Internos do Sistema Penitenciário Sergipano que estavam trabalhando com carteira
assinada quando foram presos. 2013
Empregado com Carteira de
Trabalho assinada quando
Preso
Total %
Não 331 63,0
Sim 112 21,3
Sem carteira 63 12,0
Sem informação 19 3,6
Total 525 100,0 Fonte: MARQUES et al, 2014.
Essa diferença entre estar com carteira assinada por ocasião da prisão e receber o
benefício de auxílio reclusão pode estar relacionada a vários fatores, com destaque para a
pouca idade dos presos e grande volume de solteiros, não pagamento de contribuições
previdenciárias por parte dos empregadores, pouco tempo de pagamento de contribuições e
91
outros, onde se inclui a falta de conhecimento sobre esse auxílio, pois embora o Ministério do
Trabalho divulgue cartilhas informando sobre esse benefício, grande parte dos presos, assim
como da população em geral, é composta de analfabetos funcionais, isto é, não conseguem
compreender o que leem, fato já observado em estudo coordenado por Fonseca sobre um
presídio sergipano (FONSECA et al, 2011).
O desconhecimento da lei ou o não preenchimento de algum dos requisitos legais, tais
como: estar aposentado, não possuir dependentes ou receber acima do teto de R$ 971,0077
também podem ser mencionadas como causas para o baixo índice de percepção de tal
benefício previdenciário no estado de Sergipe, conforme estudos de Marques (2013).
Tabela 13 - Internos do Sistema Penitenciário Sergipano que receberam auxílio reclusão quando
foram presos. 2013
Recebeu o Auxílio
Reclusão Total %
Não recebeu auxílio 399 76,0
Recebeu auxílio 44 8,4
Sem carteira 67 12,8
Sem informação 15 2,8
Total 525 100,0 Fonte: MARQUES et al, 2014.
Objetivando conhecer o dia a dia dos presos e suas atividades, foram levantadas
informações sobre atividades laborativas, avaliando o interesse pela atividade, satisfação com
o seu desenvolvimento, percepção sobre a contribuição para a reinserção social e a remição da
pena.
Com o fim de identificar as atividades laborativas que estavam sendo desenvolvidas
pelos presos que participaram da amostra e as repercussões de tais tarefas foi levantado o tipo
de atividade laborativa realizada (Tabela 14), o que permitiu verificar que se destaca o não
desenvolvimento de qualquer atividade ou a falta de resposta a essa questão. Essas duas
categorias somam 67,2% das respostas.
77
A lei determinava que àquele que recebesse mais de R$ 971,00, seria vedado o auxílio reclusão, atualmente,
esse valor foi elevado. De acordo com a Portaria Interministerial MPS/MF nº 13/2015, em seu art. 5º: ―O
auxílio-reclusão, a partir de 1º de janeiro de 2015, será devido aos dependentes do segurado cujo salário-de-
contribuição seja igual ou inferior a R$ 1.089,72 (um mil e oitenta e nove reais e setenta e dois centavos),
independentemente da quantidade de contratos e de atividades exercidas.‖ (BRASIL, 2015).
92
O não desenvolvimento de atividade laborativa pode se dever ao fato de não ser
oportunizado o trabalho, ou de ser ofertado algum tipo de trabalho que não desperta no preso
o interesse em executá-lo. Acrescente-se, ademais, que o percentual de pesquisados que não
respondeu a esse questionamento é elevado, 31%, e entre estes, existem aqueles que
preferiram não se expor, por qualquer razão, mas também aqueles que não desenvolvem
qualquer atividade, elevando um pouco mais o percentual dos que não exercem atividade
laborativa.
Tabela 14 - Atividades laborativas desenvolvidas pelos Presos do Sistema Penitenciário
Sergipano. 2013
Atividades Laborativas Número de
respostas %
Não desenvolve 186 35,4
Sem informação 167 31,8
Artesanato 58 11,0
Comunicação com os presos 22 4,2
Limpeza 17 3,2
Serviços gerais 14 2,7
Culinária 11 2,1
Estudo 9 1,7
Costura 8 1,5
Trabalho área saúde 5 0,9
Artes 3 0,6
Esporte 3 0,6
Lavanderia 3 0,6
Pintura 3 0,6
Agricultura 2 0,4
Construção civil 2 0,4
Eletricista 2 0,4
Marcenaria 2 0,4
Serraria 2 0,4
Serviço administrativo 2 0,4
Serviço social 2 0,4
Carpintaria 1 0,2
Jardinagem 1 0,2
Total 525 100,0 Fonte: MARQUES et al, 2014.
Destarte, compreende-se que a tentativa de viabilizar uma política pública de
reinserção social pelo trabalho resta comprometida, se um percentual de relevância sinaliza na
direção de que essa atividade não é desempenhada. Por outro lado, as atividades que são
desenvolvidas pelos presos não são capazes de garantir uma subsistência digna a ele e à sua
93
família, quando deixar a prisão, para retornar ao convívio social78
. Tal fato, igualmente,
compromete eventual política pública que tenha o trabalho como mecanismo viabilizador da
ressocialização.
Destaque-se, ademais, que, de acordo com o DESIPE, em quase todas as unidades
prisionais do estado79
, as atividades de limpeza e conservação são desenvolvidas pelos
internos, reforçando que estas não garantem sua emancipação, nem de sua família, ao
contrário, de forma conveniente, representam economia ao Estado que deixa de gastar com a
manutenção em geral das unidades prisionais, no que toca à limpeza, alimentação, até em
atividades administrativas80
.
Constatou-se, que conjunto de atividades vinculadas ao funcionamento, manutenção e
conservação do presídio, que não estão afetas diretamente à reinserção do preso, chegam a
57,6% das atividades laborativas desenvolvidas, pois dos 172 indivíduos que informam
desenvolver qualquer atividade, 99 delas estão relacionadas com o funcionamento da unidade
prisional, como limpeza, serviços gerais, culinária, lavanderia e outras.
Frise-se que essa realidade, também se repete em outras unidades prisionais do país,
como assinalou Julião (2012), em relação aos presídios do Rio de Janeiro, em estudo que teve
como base pesquisa de campo, que lastreou o seu doutoramento:
Questionando o sentido dado ao trabalho no espaço de privação de liberdade,
um dos Coordenadores entrevistados indaga que não consegue enxergar o
trabalho no cárcere como algo positivo, ―se é que se pode considerar tudo
que é classificado como trabalho‖. Segundo ele, é impossível imaginar que o
apenado classificado como faxina, para varrer o chão da cadeia, vai aprender
alguma coisa. Por outro lado, chama a atenção para o fato de que não é
qualquer interno que é classificado para trabalhar na unidade, mesmo que
seja para varrer o chão, levar correspondência e a senha para atendimento da
equipe técnica para o coletivo, ser o chamado ligação da unidade. (JULIÃO,
2012, pp. 293 e 294)
É digno de nota que 11,0% dos presos desenvolvem atividades artesanais, terceira
atividade mais praticada, que não tem grande potencial de renda quando da reinserção social.
A comparação entre a atividade que os presos desenvolvem e as atividades pelas quais
demonstram interesse (Tabela 15) permitem levantar a hipótese de que são poucas as
78
Conferir Tabela 14. 79
Dentre as unidades prisionais, excepciona-se o COMPAJAF, eis que tais atividades são desenvolvidas por
empresa terceirizada, em razão da natureza híbrida de seu regime de gestão, que é compartilhado como já
referido. 80
Alguns presos trabalham no serviço de abertura e fechamento de celas, entrega de material de higiene pessoal,
e repasse de instruções advindas da direção, tarefas desempenhadas por quem faz comunicação com os presos e
no interior das prisões são chamados de ―faxinas‖.
94
atividades oferecidas aos presos e que, se houvesse maior número de atividades ou de
oportunidade de serem realizadas, aumentaria bastante o número daqueles que desenvolvem
atividades laborativas, recreativas ou de formação/capacitação.
Ao observar as atividades que os presos demonstram interesse em desenvolver81
, leia-
se: aquelas tarefas que se lhes fossem disponibilizadas realizariam com maior satisfação,
encontram-se em destaque, com 19,6%, a execução de qualquer tipo de trabalho, desde que
seja oferecida a correspondente capacitação. Os dados revelam que entre a maioria dos presos
que participaram da pesquisa essa resposta figura como de maior incidência.
Ou seja, os internos querem ser capacitados para o desempenho de atividades, o que
pressupõe, de pronto, que as tarefas que estão realizando diariamente e que não exigem deles
qualquer capacitação, são indesejadas. De acordo com a própria percepção do preso, não é
esse trabalho desenvolvido na prisão (Tabela 14) que viabilizará a reinserção social dos
internos de Sergipe. Esse fato também foi observado por Julião (2012), em relação ao
conjunto do Brasil.
Os internos manifestam interesse em executar ofícios que exijam uma capacitação
prévia, os quais, muito provavelmente, poderão oportunizar algum crescimento já do lado de
fora da prisão, possibilitando ao egresso seguir o seu rumo e reconstruir com dignidade a
retomada dos seus laços sociais. Os internos percebem claramente que os serviços de limpeza
e conservação, atualmente, praticados intra muros, certamente, não contribuirão para a
reinserção no mercado de trabalho cada vez mais exigente e competitivo.
Nas respostas à questão sobre qual atividade o preso gostaria de executar, várias delas
foram direcionadas para ocupações que não se relacionam ao labor, mas ao lazer e
religiosidade, com características terapêuticas, tais como: esporte, costura, artes, pintura,
religião e terapia ocupacional. Essas opções devem estar mais ligadas à procura de uma forma
de combater a tensão ou o tédio dentro dos presídios e não à formação/capacitação para a
reinserção no mercado de trabalho.
81
Conferir Tabela 15.
95
Tabela 15 - Atividades laborativas de interesse dos Presos do Sistema Penitenciário Sergipano.
2013
Atividades de Interesse dos Presos Número de
respostas %
Sem informação 105 20,0
Trabalho, desde que haja capacitação 103 19,6
Estudo 60 11,4
Artesanato 59 11,2
Esporte 53 10,1
Curso informática 21 4,0
Nenhuma 21 4,0
Costura 12 2,3
Marcenaria 11 2,1
Curso de mecânica 10 1,9
Artes 7 1,3
Construção civil 7 1,3
Pintura 7 1,3
Indústria 5 1,0
Serraria 5 1,0
Agricultura 3 0,6
Carpintaria 3 0,6
Curso estética 3 0,6
Eletricista 3 0,6
Culinária 2 0,4
Curso eletricista 2 0,4
Encanador 2 0,4
Limpeza 2 0,4
Mecânica 2 0,4
Acompanhamento psicológico 1 0,2
Arquitetura 1 0,2
Bombeiro hidráulico 1 0,2
Comunicação com os presos 1 0,2
Cozinha 1 0,2
Curso armador 1 0,2
Curso culinária 1 0,2
Curso marcenaria 1 0,2
Curso serralheria 1 0,2
Estética 1 0,2
Fabricação de bola 1 0,2
Jardinagem 1 0,2
Religião 1 0,2
Soldador 1 0,2
Soldador elétrico 1 0,2
Terapia ocupacional 1 0,2
Torneiro mecânico 1 0,2
Total 525 100,0 Fonte: MARQUES et al, 2014.
96
A análise comparativa entre a atividade desenvolvida e a atividade que os presos
gostariam de desenvolver aponta relações interessantes: a atividade mais executada, o
artesanato (11,0%) é também a atividade que mais os presos gostariam de desenvolver
(11,2%). Como o artesanato geralmente tem baixo potencial de geração de renda, o interesse
por sua execução não deve estar ligado à capacitação para a reinserção no mercado de
trabalho, mas somente ao aspecto terapêutico ocupacional que proporciona.
Outra atividade que chama a atenção é o estudo, pois enquanto 11,4% dos pesquisados
afirmou desejar estudar, efetivamente apenas 1,7% desenvolve atividades laborativas
relacionadas ao estudo, o que parece estar vinculado à falta de oferta para a capacitação
formal dentro das unidades prisionais. Ainda, a prática de esportes é desejada por 10,1% dos
presos, embora apenas 0,6% pratiquem regular ou eventualmente essa atividade, o que merece
maior estudo, pois a prática de esporte além de ser saudável, pode melhorar o relacionamento
entre os presos.
Analisando o conjunto de atividades de interesse dos presos, observa-se que 216
presos (41,1%) gostariam de desenvolver atividades que exigissem formação/capacitação e,
dentre eles, 113 (21,5%) citaram, nominalmente, o desejo de participar de curso técnico
profissionalizante, em áreas como: mecânica, estética, eletricista, culinária, marcenaria,
serralheria, dentre outros.
A falta de interesse em praticar qualquer atividade é expressivo e representa 24,0%
dos pesquisados, quando somadas as categorias Sem informação (não respondeu) e Nenhuma,
percentual bastante alto, mas muito inferior aos presos que efetivamente não desenvolvem
qualquer atividade laborativa, que chegam a 67,2% do total82
. Esses dados permitem levantar
a hipótese de que, se houvesse oportunidade, a maior parte dos pesquisados estaria
desenvolvendo atividades laborativas dentro do presídio, provavelmente, sendo capacitados
para a reinserção no mercado de trabalho quando egressos.
Também foram levantadas informações sobre a satisfação em desenvolver a atividade
laborativa, a percepção da importância dessa atividade desenvolvida para a reinserção social e
a remição da pena.
As respostas à pergunta sobre satisfação em desenvolver a atividade laborativa (Tabela
16), apontam que, enquanto 30,5% revela-se satisfeito com o desenvolvimento da atividade
laborativa, 68,6% revela-se insatisfeito ou a ele não se aplica o questionamento, ou seja, não
executa nenhum tipo de trabalho.
82
Conferir Tabela 14.
97
Tabela 16 - Satisfação dos presos do Sistema Penitenciário Sergipano em desenvolver atividade
laborativa. 2013
Satisfação ao desenvolver a atividade
laborativa Total %
Satisfeito 160 30,5
Não satisfeito 11 2,1
Não desenvolve qualquer atividade 349 66,5
Sem informação 5 1,0
Total 525 100,0 Fonte: MARQUES et al, 2014.
Por outro lado, quando se apura a contribuição do trabalho desenvolvido no presídio
para a reinserção social do preso, apenas 25,7% dos presos que responderam ao questionário
reconhece essa importância83
, enquanto que 8,2% nega essa repercussão e gritante maioria de
66,5%, sequer tem a oportunidade de trabalhar para avaliar esse reflexo da atividade para o
processo de ressocialização84
. Se for analisada a satisfação apenas de quem desenvolve
atividade laborativa, observa-se que 160 (93,6%) se mostram satisfeitos enquanto que apenas
11 indivíduos pesquisados (6,4%) se mostram insatisfeitos.
Tabela 17 - Percepção sobre a contribuição da atividade laborativa pelos Presos do Sistema
Penitenciário Sergipano no processo de reinserção social. 2013
Importância da atividade laborativa para a
reinserção social Total %
Considera importante 135 25,7
Não é importante 43 8,2
Sem informação 347 66,1
Total 525 100,0 Fonte: MARQUES et al, 2014.
A questão sobre a importância da atividade laborativa para a reinserção social
apresentou poucas respostas sobre ser importante. Alguns não consideraram importante e a
grande maioria dos pesquisados (66,1%) não forneceu essa informação, muitos deles por não
se encontrarem desenvolvendo qualquer atividade laboral. O grande percentual de presos que
não forneceu essa informação leva à hipótese deles terem enviesada a percepção sobre esse
fato, devido aos tipos de atividades laborativas que são oferecidas aos detentos e as condições
83
Conferir Tabela 17. 84
Conferir Tabela 16
98
de desenvolvimento das atividades, que não são as consideradas desejáveis pela maior parte
dos pesquisados.
Outra questão levantou a contribuição das atividades laborativas para a remição da
pena, direito previsto nos arts. 126 e seguintes da Lei de Execuções Penais, que preveem a
abreviação do cumprimento da pena e, talvez, seja um dos institutos de maior percepção
prática da reinserção social, permitindo que o preso retorne ao convívio social mais cedo. Os
dados desta pesquisa revelam que a percepção ou implementação da remição pelo trabalho e
pela atividade educacional é muito baixa e isso, justamente, pelo fato de que há muito poucos
postos de trabalhos e apenas uma pequena parcela dos internos desenvolve atividades
laborativas e educacionais e se beneficiam da remição.
O levantamento de informações sobre remição de pena junto aos presos de Sergipe
(Tabela 18), permite observar que enquanto 22,3% dos entrevistados afirma ter sido
beneficiado com a remição, em razão da realização de atividade laborativa, o total de 75,4%
ou não desfruta da remição, ou não sabe se efetivamente ela ocorre ou ainda não sabe
informar se esse direito a ele não se aplica, pelo fato de não desenvolver atividade laborativa.
Assim, é possível que essa percepção indique que não esteja havendo engajamento dos
presos entrevistados com as iniciativas de reinserção relacionadas ao trabalho, o que, em
ocorrendo, seria facilmente percebido se houvesse efetivamente essa assimilação.
Tabela 18 - Ocorrência de Remição pela participação em atividades laborativas pelos Presos do
Sistema Penitenciário Sergipano. 2013
Remição pela atividade laborativa Total %
Foi beneficiado com remição da pena 117 22,3
Não foi beneficiado com remição da pena 51 9,7
Não desenvolveram atividade laborativa 339 64,6
Sem informação 18 3,4
Total 525 100,0 Fonte: MARQUES et al, 2014.
Outra atividade que pode ser computada para a remição da pena, o estudo, apontou um
pequeno percentual (13,1%) de presos desenvolvendo essa atividade, o que se mostra
compatível com o baixo percentual de presos que apontaram o estudo como atividade de
interesse (11,4%), conforme os dados da Tabela 15. Essa é uma atividade que poderia ser
incentivada, dado o baixo nível de escolaridade dos presos e a possibilidade de cômputo para
a remição da pena.
99
Os dados sobre participação em ensino formal, apresentados nas Tabelas 19, 20 e 21,
informam que apenas 69 presos participam da atividade educacional, sendo que 65 dizem
estar satisfeitos em fazê-lo e 66 relatam que a atividade educacional contribui para o seu
processo de reinserção social, o que representa, respectivamente, 94,2 % e 95,6%.
Tabela 19 - Participação em atividades educacionais dos Presos do Sistema Penitenciário
Sergipano. 2013
Participação em Atividade Educacional Total %
Participam de atividade educacional 69 13,1
Não participam de atividade educacional 450 85,7
Sem informação 6 1,1
Total 525 100,0 Fonte: MARQUES et al, 2014.
A análise desses dados permite inferir que, se houvesse uma oferta mais ampliada de
ensino aos internos, provavelmente, haveria uma maior adesão, pois aqueles que têm a
oportunidade de estudar, mostram-se satisfeitos.
Tabela 20 - Satisfação em participar de atividades educacionais dos Presos do Sistema
Penitenciário Sergipano. 2013
Satisfação em Participar de Atividade Educacional Total %
Satisfeito em participar da atividade 65 12,4
Não satisfeito em participar da atividade 2 0,4
Sem informação 458 87,2
Total 525 100,0 Fonte: MARQUES et al, 2014.
Importante frisar que esses dados são confirmados quando confrontados com as
atividades de interesse dos presos, como indicado na Tabela 15, sendo que muitos enxergam
na formação educacional e na capacitação um meio eficaz de emancipação, diferentemente,
do que ocorre com o trabalho que é desenvolvido no presídio, em face de sua qualidade de
subemprego e da própria exploração da mão de obra farta e disponível no sistema
penitenciário.
100
Tabela 21 - Contribuição da atividade educacional para reinserção social dos Presos do Sistema
Penitenciário Sergipano. 2013
Contribuição da atividade educacional para reinserção
social Total %
Considera haver contribuição 66 12,6
Não considera haver contribuição 8 1,5
Sem informação 451 85,9
Total 525 100,0 Fonte: MARQUES et al, 2014.
Em relação aos tipos penais praticados pelos presos componentes da amostra, restou
claramente demonstrado que há uma predominância daqueles que ofendem o patrimônio de
terceiros, eis que se somados os delitos de Roubo (29,5%), Furto (7,0%), Receptação (4,6%),
Estelionato (1,1%), totalizam 42,2%, valor bastante superior que os percentuais calculados
para os demais tipos de crimes (Tabela 22).
Na busca por entender o que leva uma pessoa a cometer um delito dessa natureza,
resgatam-se as lições trazidas no primeiro capítulo, relacionadas ao contexto moderno da
busca, a todo custo, pela ostentação de um padrão imposto pela sociedade de consumo, em
que a valorização das coisas, sobrepõe-se aos sujeitos, inclusive com a banalização da vida,
que é muitas vezes retirada, para assegurar a posse de um bem subtraído, como no crime de
latrocínio.85
Assim, impulsionados pela aquisição de pertences que, pela baixa condição social que
ocupam não podem ter, jovens praticam roubos, furtos e receptações, acabando, contudo,
sendo flagrados pelas redes do aparato repressor do Estado, aumentando estatísticas como
essa que ora são analisadas.
Se, entretanto, for considerado que a motivação do delito de tráfico de drogas é
igualmente econômica, eis que visa à auferição de lucro e à manutenção de um alto padrão de
vida por seus autores, é possível seja este incluído na totalização dos delitos ―patrimoniais‖,
em que pese o bem jurídico protegido seja a saúde pública.86
85
O crime de latrocínio, previsto no art. 157, § 3º. do CP, trata-se de uma forma qualificada de roubo em que, o
emprego da violência para assegurar a manutenção da coisa subtraída é tamanho que acarreta a morte da vítima.
Em razão dessa dupla violação de bens jurídicos, a pena do latrocínio e bem elevada residindo no patamar
compreendido entre o mínimo de 20 e o máximo de 30 anos (BRASIL, 2014). 86
A par dessa classificação doutrinária e, em relação ao crime de tráfico de drogas, asseveram Greco Filho e
Rassi (2009): ―o bem jurídico protegido é a saúde pública. A deterioração da saúde pública não se limita àquele
que a ingere, mas põe em risco a própria integridade social. O tráfico de entorpecentes pode ter, até, conotações
políticas, mas basicamente o que a lei visa evitar é o dano causado à saúde pelo uso de droga. Para a existência
do delito, não há necessidade de ocorrência do dano. O próprio perigo é presumido em caráter absoluto, bastando
101
Tabela 22 - Tipo de Crime praticado pelos Presos do Sistema Penitenciário Sergipano. 2013
Crimes praticados pelos presos Total %
Roubo 155 29,5
Entorpecentes 136 25,9
Homicídio 103 19,6
Furto 37 7,0
Costumes 28 5,3
Receptação 24 4,6
Outros 19 3,6
Estatuto do Desarmamento 14 2,7
Estelionato 6 1,1
Sem informação 3 0,6
Total 525 100,0 Fonte: MARQUES et al, 2014.
Assim, com tal somatório, de acordo com os dados constantes da Tabela 22, alcança-
se a marca de 68,1% de todos os delitos praticados em Sergipe, dentro da amostra coletada.
Tal cifra é bastante significativa, a desafiar a implementação de políticas públicas, também
com vistas a impedir o avanço do processo de marginalização social que antecede o da
criminalização, mas que, como visto, impulsiona a sua ocorrência. (BAUMAN, 1998)
Mereceram destaque e análise particular os tipos de crimes praticados pelas internas
do PREFEM, figurando, em absoluta maioria, os delitos relacionados ao tráfico de drogas,
cuja ocorrência foi de 67,2%, conforme (Tabela 23).
Durante a aplicação dos questionários no PREFEM, colheu-se com boa parte das
internas que integraram a amostra da pesquisa, que seus respectivos cônjuges e companheiros
também estariam presos e que elas foram detidas por ocasião de visitas que realizaram a eles
quando teriam sido flagradas, tentando adentrar com substâncias entorpecentes que seriam
entregues a eles.
Assim, configurado tráfico de drogas87
, independentemente, da quantidade
transportada, teriam sido elas autuadas em flagrante pelo crime e recolhidas ao PREFEM.
Frise-se que o uso de drogas no presídio é muito comum e, em razão do vício e de crises de
abstinência, é igualmente comum os presos se valerem de suas esposas para conseguirem e
transportarem a droga até eles. (MARQUES et al, 2014)
para a configuração do crime que a conduta seja subsumida num dos verbos previstos.‖ (GRECO FILHO;
RASSI, 2009, p. 86) 87
Conferir art. 33 da Lei 11.343/2011 que define o crime de tráfico de drogas.
102
Outra questão identificada que também contribuiu para esse índice elevado de crimes
de tráfico de drogas entre as mulheres deu-se em razão de o cônjuge ou companheiro ser
traficante de drogas e, ao ser preso em razão dessa prática, ter a esposa assumido o comando
dos negócios ilícitos dele, todavia, sendo em seguida presa pelo mesmo motivo. Esses foram
os principais motivos constatados que explicam essa posição de destaque para um único tipo
penal, em relação às internas do PREFEM.
Tabela 23 - Tipo de Crime praticado pelas Presas do PREFEM. 2013
Crimes praticados pelos presos Total %
Entorpecentes 41 67,2
Furto 5 8,2
Homicídio 1 1,6
Outros 3 4,9
Receptação 9 14,8
Roubo 2 3,3
Total 61 100,0 Fonte: MARQUES et al, 2014.
Realizando o cruzamento dos dados dos crimes praticados pelas detentas com a
existência de cônjuges presos, verificou-se que 42,6% dos cônjuges ou companheiros das
internas estariam naquele momento presos (Tabela 24).
Devido ao grande percentual de detentas do PREFEM que tinham companheiros
presos, buscou-se identificar por qual tipo de crime os cônjuges ou companheiros das internas
estariam respondendo e as respostas, apresentadas na Tabela 25, apontaram que 27,9% foram
presos devido ao tráfico de substâncias entorpecentes. Contudo esse percentual aumenta para
50,0%, quando levamos em consideração apenas as respostas das internas que informaram ser
casadas ou conviverem em união estável.88
88
O número de internas que possuíam marido ou companheiro preso e cujo motivo era envolvimento com o
tráfico de drogas correspondia a (27,9 %), portanto 17 internas, em uma amostra de 61 pesquisadas (100%).
Entretanto, em sendo excluídas da análise as pesquisadas que não são casadas ou não vivem em união estável,
portanto 26 internas, o total da amostra passa para 34 pessoas, das quais 17 representam 50%, um número,
realmente, bastante significante.
103
Tabela 24 - Cônjuge ou Companheiro das internas do PREFEM encontra-se atualmente preso.
2013
Companheiro Preso Total %
Sim 26 42,6
Não 12 19,7
Sem companheiro 21 34,4
Sem informação 2 3,3
Total 61 100,0 Fonte: MARQUES et al, 2014.
Tabela 25 - Tipo de crime praticado pelos Cônjuge ou Companheiro das internas do PREFEM.
2013
Crimes praticados pelos presos Total %
Entorpecente 17 27,9
Homicídio 1 1,6
Roubo 4 6,6
Furto 5 8,2
Estelionato 1 1,6
Outros 3 4,9
NR 4 6,6
NA 26 42,6
Total 61 100,0 Fonte: MARQUES et al, 2014.
O levantamento de dados nos presídios sergipanos incluiu, ademais, a solicitação que
o preso participante da pesquisa identificasse três aspectos que estes consideravam negativos
e três apontados como positivos dentro do sistema.
Importante ressaltar que, diferentemente das demais categorias pesquisadas, para fins
de análise foi considerado o somatório de todas as respostas e não a individualidade de cada
preso. As respostas, bastante diversificadas, foram agregadas em categorias de conteúdo
temático similar, conforme apresentado na Tabela 26.
Em relação aos aspectos negativos, percebeu-se que, dentre as categorias que mais se
destacaram, estão presentes: a alimentação considerada como ruim e, o relacionamento com
os servidores, categorias que receberam mais de 200 respostas, e a água tida como
insuficiente, além da ausência ou má qualidade da visita de parentes e amigos, ambas com
mais de 60 respostas.
104
Tabela 26 - Aspectos das condições dos presídios considerados negativos pelos presos do sistema
penitenciário sergipano. 2013
Pontos negativos Número de respostas
Alimentação ruim 295
Relacionamento negativo servidores 238
Água insuficiente 67
Visita–ausência/má qualidade 60
Estrutura física 56
Banho de sol ruim 54
Superlotação 36
Revista 31
Tudo ruim 24
Atividades laborativas–ausência 23
Cama ruim 20
Atividade física–ausência/má qualidade 18
Estudo–ausência de condições 16
Água ruim 12
Proibição alimentação visitantes 7
Nenhum ponto positivo 6
Total 963 Fonte: MARQUES et al, 2014
O principal ponto negativo que os presos participantes da amostra apresentaram em
relação à alimentação diz respeito à própria qualidade da comida, sua quantidade, quase
sempre insuficiente, alterada em relação ao sabor – azeda ou estragada – sem variedade,
sendo relatada também ausência de higiene no preparo e distribuição. Além disso, por vezes a
última refeição é servida às 15h e a próxima somente entregue no dia seguinte. Em razão
disso, o risco de contaminação é grande e uma série de doenças pode advir desses
procedimentos.
Acrescente-se que em estudo anterior, embora realizado com dados levantados em
apenas 04 unidades prisionais de Sergipe, a alimentação já figurava em todas como o
principal aspecto negativo apontado pelos pesquisados (MARQUES, 2012). Destaca-se que,
mesmo os dados tendo sido levantados em 2009 e divulgados em 2012, até o presente
momento, nada foi feito para que essa situação mudasse, sendo essa queixa bastante antiga.
No que se refere à categoria relacionamento negativo com os servidores, o tratamento
agressivo, o desprezo e a humilhação do corpo de funcionários em face dos internos são as
105
respostas mais incidentes, além de maus tratos e a disciplina excessiva por meio da tranca89
,
que também aparecem como recorrentes.
Se antes de acessar o sistema, a clientela penal é exposta à violência gratuita e
vivencia a banalização da vida, quando está recolhida à prisão, continua a experenciar,
diuturnamente, contra si e em face de pessoas de seu círculo de relacionamento esse contexto
de agressão.
Acrescente-se a isso a insuficiência de água, que impede muitas vezes que o preso
consiga tomar banho, permanecendo sujo por dias, reforçando o sentimento de animalização e
exclusão.
O momento da visita semanal de familiares e amigos é um dos mais esperados pelos
presos, que se sentem conectados com a realidade extramuros, representando esse contato, a
esperança de fazer desse convívio diário uma constante, muitos deles revelando sentirem-se
revigorados em suas energias e preparados para mais uma semana.
Frise-se que a manutenção desses vínculos é algo estratégico do ponto de vista da
própria execução penal, bem como no aspecto motivacional e na receptividade a qualquer
iniciativa que objetive à reinserção social dos presos. Entretanto, em relação à visita foram
destacados alguns aspectos negativos, tais como a revista de familiares e a proibição de
alimentação para os visitantes.
Importante ponderar que, por se tratar de uma unidade de segurança, há regras em
relação ao acesso dos visitantes, relativas ao horário de permanência, à seleção do tipo de
alimentos e objetos que podem entrar90
, além de um rigoroso controle e revista dos que
visitam.
O principal problema nesse processo de revista não está no controle e fiscalização do
que entra e daquilo que é barrado, mas a forma como os visitantes são abordados e revistados.
Homens e mulheres ficam completamente despidos e são obrigados a agachar em cima de
espelhos, com o objetivo de verificar se no interior de seus órgãos sexuais e ânus há objetos
ocultos, em especial drogas, armas e aparelhos celulares, algo que scanneres com raios-x
89
A ―tranca‖, também conhecida como solitária ou isolamento, é a cela não qual são mantidos os presos
identificados como de mau comportamento, como forma repreendê-los. A inserção em tal cela representa uma
sanção disciplinar, não prevista em lei, notadamente, em razão das dimensões, ventilação e iluminação desses
compartimentos, ainda mais inadequados que as celas em que se alojam os presos regularmente. Recomendações
do CNJ (2012) foram no sentido de extirpar das unidades prisionais esses lugares que representam suplício ainda
maior na execução da pena. 90
Não é permitido que os visitantes levem para os presos alimentos tais como: bebidas alcoólicas, frutas cítricas
que fermentam e podem virar bebida alcoólica. Além disso, são igualmente vedados, o ingresso com aparelhos
celulares, drogas e outras substâncias entorpecentes, remédios sem prescrição médica, embalagens de vidro,
objetos pontiagudos, cortantes, contundentes e perfurantes, que dentro da unidade podem virar armas, bem como
outros itens julgados impertinentes ou desaconselhados ao ambiente prisional.
106
portáteis 91
, facilmente detectariam sem que os visitantes fossem alvo de atitudes humilhantes.
O desdém e a forma rude com que os visitantes são tratados são as principais queixas dos
internos, igualmente, reforçando processo de coisificação a que são reduzidos o preso e o seu
visitante.
Verificou-se, igualmente, que a não oportunização de trabalho e de estudo são, de
igual modo, elencadas como aspectos negativos, por meio das categorias ausência de
atividades laborativas e estudo-ausência, o que confirma os levantamentos já referidos de que
são poucos os que participam dessas atividades, sendo pífio o reflexo no processo de
ressocialização. Contudo, repise-se que, em relação ao estudo, a percepção de que este
contribui para reinserção social é positiva e sentida, o que há de falha nesse processo, segundo
os presos que participaram da amostra, é a carência na oferta da atividade educacional.
Como já citado, há reclamação ainda da superlotação e no que toca a aspectos da
estrutura física das unidades prisionais, em especial, relacionados à iluminação, ventilação,
falta de energia, sujeira.
Importante frisar que, com uma assessoria jurídica eficiente, muitos dos que estão
presos, em tese, poderiam gozar de benefícios que a lei prevê e estar soltos. Nesse sentido,
uma deficiência acaba repercutindo na quantidade de presos que ocupam os presídios.
Portanto, dois aspectos tidos como negativos se interligam, quais sejam a superlotação e a
assessoria jurídica ruim.
Em relação às deficiências físicas e estruturais das unidades prisionais, percebe-se uma
leniência por parte do Poder Público, muitas das vezes pelo fato desses problemas já existirem
há muito tempo e não terem sido solucionadas por gestores anteriores. Assim, acaba
inexistindo um sentimento de responsabilidade pela geração do problema e um
descompromisso na sua resolução.
Por fim, ainda houve algumas respostas no sentido de afirmar que tudo no sistema
prisional seria ruim e que não haveria nenhum ponto positivo. Para eles, o sistema não
reabilitaria nenhum preso e careceria de investimento, o que denotaria uma falta de prioridade
do Estado no setor.
91
A Polícia Federal do AC e o GATE (PMSP) valem-se dessa tecnologia para realizar abordagens com vistas a
detectar drogas e explosivos de forma mais eficiente e menos invasiva para eventuais suspeitos. (POLÍCIA
FEDERAL, 2011), Ademais, outros estados da federação já fazem uso de equipamentos similares durante as
revistas nos presídios, a exemplo do Mato Grosso, que, por meio de um plano de ações coordenadas,
recentemente adquiriu diversas tecnologias que modernizaram e humanizaram o sistema prisional, a exemplo de
tornozeleiras e sccaneres, o que poderia ser replicado em Sergipe (LIVRO REÚNE, 2014).
107
Pontua-se que o processo de exclusão e inferiorização é tão marcante e provoca
revolta que, para alguns, não é possível enxergar nada de positivo no cumprimento de sua
pena, terminando por refutar qualquer iniciativa que busque minorar os efeitos deletérios da
prisão, tais como: a participação em atividade educacional ou a prática esportiva.
Reitera-se que, ao comparar os pontos negativos com os positivos, a primeira questão
que de imediato se levanta é a baixa incidência de manifestação dos presos que responderam
ao questionário. Enquanto que, em relação aos pontos negativos foram colhidas 963 respostas,
no que refere aos pontos positivos, foram 391 respostas (Tabela 27).
Saliente-se que muitos presos indicaram apenas 1 ponto positivo e/ou 1 ponto
negativo, geralmente com respostas ―nenhum ponto positivo‖.
Essa defasagem da quantidade de respostas sobre pontos negativos e pontos positivos
existentes nos presídios presos indicam que há uma disponibilidade muito maior por parte dos
que participaram da amostra em manifestar suas inquietações e insatisfações com a realidade
que os cerca, do que para promover elogios, ou reconhecer que, mesmo habitando local
inóspito, há algo de bom ou positivo para ser reconhecido. Essa diferença é bastante
perceptível, contudo, revela o crédito e confiança na pesquisa que lastreia o presente trabalho.
Tabela 27 - Aspectos das condições dos presídios considerados positivos pelos presos do Sistema
Penitenciário Sergipano. 2013
Pontos Positivos Número de respostas
Nenhum ponto positivo 70
Alimentação boa 60
Visita 51
Religião 38
Atividade física–prática 31
Contato com sociedade 30
Atividades laborativas 25
Ambiente 20
Banho de sol 19
Estudo 17
Cela boa 13
Oportunidade de reflexão 7
Alimentação externa 5
Cama boa 4
Tudo bom 1
Total 391 Fonte: MARQUES et al, 2014.
108
Dentre os aspectos positivos, corroborando o que acabou de ser sustentado, a resposta
de maior incidência foi: nenhum ponto positivo. Assim, prevalece o sentimento de negação da
existência de iniciativas que minorem as sofríveis condições de estada nas unidades
prisionais, ganhando destaque aquilo que de pior há em suas dependências.
Em seguida, como a segunda resposta de maior ocorrência quantos aos pontos
positivos vem a qualidade da comida servida aos presos. Essa resposta parece se chocar com
os pontos negativos elencados na Tabela 26, onde 30,6% das respostas sobre pontos negativos
se referem à alimentação ruim.
A análise por presídio facilita entender essa discrepância, verificando-se que os
internos do CADEIÃO e COMPAJAF consideram boa a alimentação dessas unidades. Assim,
das 53 respostas do CADEIÃO, 26 foram nesse sentido, já no COMPAJAF, das 40 respostas
13 assinalaram a alimentação como boa. Só essas duas unidades somadas totalizam 39
respostas, ocorrência considerável dentre as 60.
109
Tabela 28 - Aspectos considerados positivos pelos presos do sistema penitenciário sergipano, individualizado por unidade. 2013
Pontos Positivos CESARB II COMPAJAF PREFEN PREMABAS COPEMCAN PRESLEN CADEIÃO Subtotal
Nenhum Ponto Positivo 4 3 1 5 49 1 7 70
Alimentação Boa 1 13 4 2 8 6 26 60
Visita 8 7 5 6 20 2 3 51
Religião 1 0 18 0 18 0 1 38
Atividade Física–Prática 6 3 0 1 20 1 0 31
Contato Com Sociedade 15 2 9 2 0 2 0 30
Atividades Laborativas 5 0 0 7 4 9 0 25
Ambiente 1 6 1 3 0 4 5 20
Banho De Sol 4 1 8 0 0 0 6 19
Estudo 0 3 8 0 4 2 0 17
Cela Boa 0 0 2 1 4 2 4 13
Oportunidade De Reflexão 0 0 1 1 4 0 1 7
Alimentação Externa 1 0 0 1 3 0 0 5
Cama Boa 0 1 0 2 1 0 0 4
Tudo bom 0 1 0 0 0 0 0 1
Total 46 40 57 31 135 29 53 391 Fonte: MARQUES et al, 2014
110
Outro fator que pode estar levando a essa declaração sobre a comida ser boa, pode ser
a comparação que vários presos fazem da alimentação servida nos vários estabelecimentos
prisionais, o que pode levá-los a considerar boa a comida servida no estabelecimento em que
atualmente se encontram, quando em comparação com outros estabelecimentos em que já
estiveram presos.
O conjunto dos aspectos positivos indicados pelos presos dos estabelecimentos
prisionais de Sergipe, podem ser vistos em detalhe na Tabela 28, que deixa bastante claro a
diferença de percepção dos detentos de cada unidade.
A religião aparece como aspecto positivo, que ocupa a quarta posição dentre os
enumerados pelos entrevistados, embora com percentual relativamente pequeno, de 9,7%
(Tabela 27). As oportunidades de conversão e aproximação com Deus em momentos de
desagregação familiar ou social são muito comuns, frisando-se que, em unidades coletivas de
internação, a religião tem força bastante significativa.
Embora o percentual dos que apresentam a religião como ponto positivo seja baixo, a
grande maioria dos detentos informou professar uma religião, com destaque para as religiões
católica e evangélica que, juntas abrangem 79,4% das declarações colhidas nos
estabelecimentos prisionais. Comparando com os dados do IBGE (s/d) para o conjunto do
Brasil, observa-se que a proporção de católicos é relativamente baixa (48,2%) quando na
população brasileira foi encontrado 64,6% e a proporção de evangélicos (31,2%) é bastante
mais alta que a observada para o conjunto do Brasil, 22,2%.
Tabela 29 - Religião professada pelos presos do sistema penitenciário sergipano. 2013
Religião Número de respostas %
Católica 253 48,2
Evangélica 164 31,2
Espírita 4 0,8
Matriz Africana 3 0,6
Budista 1 0,2
Sem Religião 80 15,2
Sem informação 20 3,8
Total 525 100,0 Fonte: MARQUES et al, 2014.
As três outras religiões declaradas, espírita, matriz africana e budista, somam
percentuais muito pequenos e em conjunto perfazem 1,6% das declarações. Mas é digno de
111
destaque que 15,2% se declararam sem religião, o que somado aos que não forneceram
informação, chega a 19,0%, percentual significativo quando comparado com o Brasil em
2010, quando apenas 8,0% da população se declarou em religião.
A prática de atividade física foi outro aspecto apontado pelos internos como positivo
dentro das unidades prisionais. Essa categoria contemplava basicamente, caminhadas,
academia e, na franca maioria, o esporte futebol.
Como referido na Tabela 15, dentre as atividades que os presos demonstravam
interesse em desenvolver, encontrava-se o futebol ocupando a quarta posição de destaque,
com 53 respostas, que representaram 10,1% do resultado desse quesito. Nesse sentido, e
conhecendo as deficiências e hostilidades do ambiente prisional, reforça-se a necessidade do
alinhamento de políticas públicas que visem a reinserção social do preso com as demandas e
interesses apresentados por seus destinatários. Sem essa sintonia, as chances de insucesso são
muito grandes, necessitando a imediata correção de rumos dessa falha identificada ao longo
desse estudo.
Os dados aqui levantados e analisados permitem afirmar que a reinserção social como
direito carece de efetivação, corroborando a denúncia da criminologia, de que cumpre apenas
um papel simbólico de conformação com o aparato normativo do Estado Democrático de
Direito, na dimensão simbólica e discursiva, sem corresponder a uma prática efetiva.
Em Sergipe, como de resto em todo o Brasil, é preciso encarar de frente a falta de
políticas públicas de reinserção social dos presos e assumir uma prática de Estado não
violatória dos Direitos Humanos.
112
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS: AGIR É PRECISO
Inicialmente, indaga-se: há políticas públicas, no estado de Sergipe, voltadas para a
reinserção do preso? É possível afirmar que elas atingem o seu objetivo?
Após a análise dos dados reunidos por meio da pesquisa que subsidiou esse estudo,
pode-se inferir que a elaboração de políticas públicas eficientes, no que se refere à reinserção
social de presos, necessita estar alinhada com a preocupação e consciência de que, se nada for
feito, com vistas a modificar a realidade prisional no Brasil e em Sergipe, a massa de
encarcerados que todos os dias ganha as ruas, sairá sem uma preparação eficiente para retorno
ao convívio social.
Na construção do presente estudo, foram levadas em consideração algumas premissas
importantes relacionadas à dogmática da execução penal, sendo que, duas delas mereceram
destaque: a inexistência de pena de prisão perpétua no Brasil, bem como a excepcionalidade
da pena de morte (essa exclusivamente admitida em alguns casos de crimes militares, em
situação de guerra declarada).
A partir desse norte, é possível a formação do seguinte raciocínio: uma vez
acessando o sistema prisional, em um dado momento, após o cumprimento de sua pena, o
interno terá que sair e poderá retomar os laços sociais, no contexto comunitário do qual fazia
parte, quando foi encarcerado, ou em outro contexto de vida em sociedade.
A condição que esse egresso estará, bem como o seu eventual nível de
comprometimento com a criminalidade, poderá ter relação com o tipo de tratamento recebido
durante o período em que permaneceu no sistema prisional, incluindo a participação em
algum programa ou iniciativa que vise à sua reinserção social.
Como assaz referido, os dados aqui analisados permitiram mapear as unidades
prisionais do estado de Sergipe, objetivando identificar as políticas públicas penitenciárias
existentes, focadas na ressocialização. Constatou-se, entretanto, que as iniciativas que existem
são insuficientes para preparar o regresso dos internos à realidade extra muros.
Analisando o perfil dos presos sergipanos, verificou-se que as ponderações
formuladas pela criminologia crítica são abalizadas e que o Direito Penal configura-se como
instrumento de criminalização dos menos favorecidos economicamente e de legitimação do
processo de exclusão social.
113
Aqueles que estão à margem da sociedade, são os mesmos selecionados pelo Direito
Penal para que continuem sendo alijados e esquecidos nas cadeias: verdadeiros repositórios de
seres (humanos), sem que haja oportunidades para que saiam melhores do que entraram.
Predominantemente, são eles: jovens, de baixa renda e escolaridade, que se
reconhecem como negros, pardos ou mulatos, praticantes de delitos patrimoniais e autônomos
em suas atividades laborativas originárias, ou seja: trabalhos esporádicos eventuais, a boa
parte deles na informalidade.
Esse segmento da sociedade, quando desvia-se das normas sociais, tem efetivamente
contra si a pujança do Estado, manifestada de forma contundente, por meio da pena privativa
de liberdade.
Os dados reafirmam a realidade reverberada pelos meios de comunicação de que, no
Brasil – e em Sergipe não é diferente – aqueles que possuem alguma condição financeira
conseguem evitar a prisão, já os menos favorecidos economicamente são ―capturados‖ e não
se livram desses grilhões (SUBPROCURADOR DA REPÚBLICA, s.d.).
A prisão, condenada por abolicionistas como Hulsman (1993) e Zaffaroni (1991),
chega à sua completa falência, e sequer, minimamente, consegue atingir uma das suas
finalidades básicas que seria a emenda do infrator e sua readequação ao parâmetro legal de
condutas, socialmente definido, figurando, atualmente, apenas como local de segregação
étnico e social, portanto reforçando o propósito de dominação e exclusão como já referido
(WALCQUANT, 2003).
Já passou da hora desse tema ser enfrentado com a seriedade merecida, e
considerado, efetivamente, uma prioridade pública, com intervenções lastreadas em estudos
de base científica, relegando-se o Direito Penal à posição de ultima ratio e a prisão aplicada
somente nas hipóteses mais extremas e imprescindíveis. Eis que hoje, encontra-se
completamente banalizada, e causando um mal social muito pior do que aquele que se propõe
estancar.
Centrando-se na realidade de Sergipe, recorte territorial da pesquisa que subsidia a
análise aqui realizada, percebe-se que o trabalho e o estudo, aclamados como as principais
ferramentas viabilizadoras da reinserção social, nas unidades prisionais estaduais, não são
desenvolvidos a contento. As atividades laborativas executadas, consideradas como
subempregos, são incapazes de assegurar uma subsistência mínima do interno ao deixar o
sistema, as quais são concentradas na conservação e limpeza das unidades.
114
O artesanato, embora tenha sido a atividade laborativa que apresentou dentre os
pesquisados o maior índice de ocorrência, ainda foi de pouca significância, 11%, merecendo
grande destaque a falta de disponibilidade de vagas para que os internos possam trabalhar, que
ultrapassou 35% da amostra. Ou seja, são poucos os postos de trabalho ofertados para os
internos. Sem trabalho, prevalecem os efeitos nocivos do ócio, deixando de ser oportunizada
aos presos a remição da pena e a possibilidade de se capacitarem profissionalmente para o
retorno à sociedade.
Frise-se ainda que, em razão da própria natureza detalhista que o artesanato demanda,
a sua execução exige: paciência, atenção, cuidado e habilidade manual, o que representa
importante ferramenta no combate ao ócio.
Em relação ao ócio, LEMGRUBER (2004) adverte que:
―o tempo ocioso pode se converter no pior inimigo do recluso, não só porque
no entender das autoridades sugere vadiagem e fracasso do tratamento
ressocializador, mas também porque favorece o envolvimento com
ilegalidades. Daí a importância de proporcionar todas as condições para que
o trabalho possa ser realizado no interior dos cárceres‖ (LEMGRUBER,
2004, pp. 353-354).
Assim, constatando-se que ainda há outras pessoas interessadas em desenvolver o
artesanato, além daquelas que já o fazem, importante fomentar a sua implementação. Eis que
permitirá a realização de uma tarefa que tira o interno do ócio, que o faz sentir-se produtivo,
desfocando-se da realidade que o cerca, e, por fim, ainda assegurando a própria remição da
pena. Como já referido, essa convergência de interesses é fundamental para o sucesso de
qualquer política pública que se disponha a reinserir socialmente presos.
Destarte, se há essa confluência significante entre o artesanato como atividade
laborativa e de interesse, inegável reconhecer a importância do incentivo ao desenvolvimento
dessa atividade, em especial, com a capacitação por artistas plásticos e a diversificação de
materiais empregados, abarcando arte com madeira, barro, papel, plástico e, com cuidado
redobrado e público selecionado, vidro e ferro.
Nesse sentido, visualiza-se a possibilidade da criação de eventos para divulgar o
resultado desses trabalhos, fazendo despertar na sociedade o desejo em consumir essa arte e,
por consequência, conhecer as histórias das vidas que se encontram por trás daquelas peças.
Como referido por Baratta (2002) só é possível pensar-se em reintegração social se
houver a quebra das barreiras existentes de acesso da sociedade em relação às unidades
prisionais, viabilizando-se uma abertura capaz de despertar nesta o interesse em participar
115
desse processo de entrosamento com os reclusos. É lógico que, por se tratar de um local de
segurança, o acesso precisa ser controlado e fiscalizado, mas não bloqueado e restringido ao
máximo, como hoje o é. Uma exposição de peças produzidas por presos, no interior de um
presídio, certamente, enriqueceria de história, de valor artístico e de autoestima aqueles que se
dedicaram à criação.
A procura por estudo e capacitação foi algo que chamou a atenção na pesquisa,
representando talvez uma senda a ser seguida pelo poder público, no que se refere à
reinserção social dos presos sergipanos.
Dentre os internos que formaram a amostra, uma considerável parcela revelou o
interesse em desenvolver atividade laborativa, desde que fosse precedida de uma capacitação
(19,6%). Tal fato, por si, já afasta os subempregos relacionados à conservação, limpeza do
presídio e comunicação com outros presos, que dispensam qualificação e que corresponderam
a apenas (0,8%). Esse contraste ressalta que, quando manifestam, livremente, algo que é de
seu interesse, os internos demonstram não se ajustar às iniciativas que são disponibilizadas
pelo Sistema, em especial, às concernentes ao trabalho.
Ademais, demonstraram interesse por uma série de cursos técnicos, o que também
pode ser explorado pelo poder público, no momento de construção de políticas públicas que
visem à reinserção. Fica clara a necessidade urgente de ampliação de vagas de estudo para os
internos, notadamente, que no cenário atual, como também já referido, nos termos da Lei
12.433/2011, é possível a cumulação do trabalho e estudo para fins de remição, acelerando
ainda mais esse encurtamento da pena.
Em verdade, o que se percebeu foi que, em razão da escassez de estudos
aprofundados que mapeassem a realidade prisional estadual, prevalecia o desconhecimento
das demandas dos sujeitos destinatários das políticas públicas de reinserção, havendo um
descompasso entre os anseios e as iniciativas que, eventualmente, poderiam ser
desenvolvidas. Esse desencontro acarreta insatisfação e ineficiência de alguma ação
implementada, eis que distinta daquelas almejadas.
Partindo do pressuposto que as principais ferramentas viabilizadoras da reinserção
social são o trabalho e o estudo, como previsto na LEP e reforçado por Falconi (1998) e Julião
(2012), a análise dos dados revelou que, tanto as atividades laborativas, quanto as
educacionais, são procuradas e desejadas. Contudo, o que é disponibilizado aos internos não
116
agrada, nem empolga, ficando claro o ―ruído‖ no fluxo de comunicação e o inevitável
comprometimento que dele decorre.
Não se pode esperar motivação, diante de um cenário assaz desestimulante.
Condições básicas não são respeitadas e, embora a estrutura apresente falhas visíveis aos
olhos e demais sentidos, foi a alimentação que teve mais destaque negativo, segundo os
pesquisados. As reclamações gravitaram em torno da má qualidade, da insuficiência e do
estado de alteração dos alimentos, o que, cuidados no preparo, acondicionamento e
distribuição, certamente, evitariam-nas. Entretanto, o tratamento (des)umano dispensado aos
internos, revela como o Estado pode ser contundente na inobservância e o no desrespeito a
direitos e garantias fundamentais.
Importante frisar que longe do equivocado e falacioso discurso que ofende os fiscais
dos Direitos Humanos, não se está a defender que devam ser inocentados ou protegidos
aqueles que se desviam das normas, cometendo infrações penais. Contudo, é justamente
pensando na defesa da sociedade, e não em sua preterição, que os direitos humanos dos presos
precisam ser respeitados. Primeiro, porque é de lá que eles vêm e para lá retornam, depois
porque um sistema que atue, rigorosamente, visando à reinserção social dos presos, investe
efetivamente na recuperação do condenado e na sua preparação para o retorno ao convívio
social.
Quando isso não ocorre, são grandes as chances de um regresso comprometido e da
manutenção da condição de infrator e de excluído socialmente, na representação clara da
seleção e etiquetamento que o Direito Penal desenvolve, a par de alegar a defesa da sociedade
e das pessoas de bem, como apregoam Santos (2005), Baratta (2002) e Falconi (1998).
A falta de respeito supracitada é verificada igualmente, em relação ao tipo de
trabalho disponibilizado, tanto que, em relação à satisfação em desenvolver uma atividade
laborativa, à contribuição dessa atividade para reinserção social do preso e à remição da pena
pelo trabalho, a pesquisa apontou que como há um déficit de vagas muito grande e o trabalho
desenvolvido não é capaz de emancipar o egresso ao sair da prisão, as medidas são
ineficientes.
Os próprios beneficiados, como regra, não se apropriam do instituto da remição.
Parte deles sequer sabe afirmar se seriam ou não beneficiados, em que pese tenham realizado
atividades laborativas (1,1%). Para muitos outros, a maioria absoluta, não se estende o
benefício, eis que não lhe são oportunizados a atividade (64,6%). Isso demonstra a completa
117
falta de engajamento com uma proposta ressocializadora e confirma que não há, em verdade,
a construção de uma ação coordenada da dimensão que se espera, face à importância do tema.
Verificou-se a grande demanda existente por cursos profissionalizantes, capacitações
que lhes permitam exercer uma atividade laborativa que garanta a sua subsistência. Isso, a
exemplo do que acontece com o ensino escolar, em que há educadores das redes municipal e
estadual, cedidos por convênio, poderia ser viabilizado inserindo órgãos do sistema ―S‖ para
capacitar os internos, com técnicos especializados, oportunizando novas perspectivas quando
da saída do presídio.
Ressalta-se que projetos como o PENARTE, desenvolvido no PREFEM, revelam ser
possível ocupar a atenção de internos, que, além de executar suas atividades laborativas,
dedicam-se a ensaios e preparam-se para uma apresentação que acontece ao final de cada ano,
desde 2011. Essa iniciativa, que conta com o apoio da classe artística, e é bem recepcionado
pela sociedade, é um exemplo de que é possível se concentrar e desenvolver atividades
positivas dentro da unidade prisional, notadamente, pelo fato delas estarem disponíveis para
participar das atividades.
Todavia o estímulo passa pelo processo de compreensão das necessidades dos
internos e, dentro do possível, o atendimento dessas demandas, compatibilizando-as à
realidade prisional. Mas, sem perder de vista, que são pessoas dotadas de subjetividades e que
precisam estar motivadas para que as ações deem resultados.
Esse comprometimento faz com que as presas vejam a execução penal de uma ótica
um pouco menos sofrida, além de distraírem-se. É nesse sentido que as políticas públicas de
reinserção precisam ser focadas, visando ao envolvimento dos seus beneficiários.
Assim também o são as atividades laborativas desenvolvidas pelos presos, mas que
vão ao encontro de seus interesses, podendo-se referir as oficinas de corte e costura,
desenvolvidas também no PREFEM, em que há um ambiente favorável à aceitação e
execução do trabalho.
Sobre o papel das atividades esportivas, as informações fornecidas pelos
participantes da amostra indicam que, quando elas ocorrem regularmente, podem contribuir
para a adesão dos internos, desenvolvendo a motivação e o estímulo em delas participar.
O fomento a essa atividade, em especial o futebol, mais lembrado pelos internos, e a
promoção de campeonatos, entre os presos, dentro do sistema, seriam medidas tão simples, de
fácil implementação e de uma repercussão bastante interessante. Eis que, nos momentos de
118
folga, os times poderiam treinar para participar da disputa e estariam menos ociosos e
envolvidos em algo que lhes dá prazer. Importante lembrar que o esporte ainda pode ser
utilizado para difusão de valores como o senso de equipe e o espírito de grupo, além de
extravasar emoções dessas atividades.
As análises dos dados permitiram, através do cruzamento das respostas dos presos,
levantar uma hipótese que pretende-se discutirem trabalhos futuros, de que a descrença no
sistema e a falta de interesse dos internos em participar de algumas das atividades seja um dos
grandes propulsores do insucesso de iniciativas existentes. Detectada essa falha, urge atuar de
maneira a neutralizá-la, sob pena de sempre estarem fadadas ao insucesso.
Ainda pontua-se que as ações que estejam efetivamente preocupadas com a
reinserção social do preso, necessitam ser realizadas, já no momento em que a execução penal
se desenvolve, eis que, se forem aguardar a saída do preso, que passa à condição de egresso,
já não haverá mais tempo para ajustá-lo, e, certamente, restarão fracassadas boa parte das
iniciativas de reinserção.
Chama-se ainda a atenção para uma falha que existe por parte do Estado na
implementação de políticas públicas que se destinem à reinserção social de presos, no que diz
respeito a omissão no processo de sensibilização da sociedade.
A sociedade que irá receber o preso, após o cumprimento da pena, precisa ser parte
integrante desse processo, atuar, ponderar, criticar, lançar mão dos instrumentos de
accountability, inclusive, para que se sinta corresponsável nesse ciclo. Se assim não o for, a
política pública, por mais bem estruturada que seja, também terá pouco sucesso.
Já foram aventadas algumas ideias de aproximação da sociedade com o preso,
notadamente, trazendo-a para o interior das prisões. Para tanto, deverá acontecer uma
mudança na própria concepção de gestão das unidades, passando de um modelo hermético
para uma forma planificada e até compartilhada, em que a sociedade atue como fiscal e
contribua para a humanização da execução penal.
Faz-se necessário reunir todos os protagonistas dessa trama, para que juntos
proponham, implementem e fiscalizem as ações desenvolvidas, objetivando a efetiva
reinserção social. Se a medida não for plural e ainda não tiver como respaldo intervenções
imediatas nas unidades prisionais, para completa reestruturação do ambiente penitenciário, os
resultados não serão satisfatórios. Acresça-se a isso, a necessária reestruturação do sistema de
119
justiça criminal, com a discriminalização de condutas e atribuição definitiva ao Direito Penal
de sua feição fragmentária.
Talvez, após a implementação de todas essas medidas seja possível falar realmente
em um projeto de reinserção social dos presos, sem paixões ou utopias, apenas realismos
concretos.
Boas ideias não morrem quando lançadas em solo fecundo, para tanto imperioso o
resgate da esperança e a disposição para quebrar paradigmas. Se estivermos contaminados
com o sentimento de derrotismo e conformismo, jamais mudaremos a realidade posta. Espera-
se que isso ocorra o quanto antes. Mãos à obra.
120
REFERÊNCIAS
ALVES, Rubem. Conversas sobre Educação. Campinas, São Paulo: Verus Editora, 2003.
ALVES, Rubem. Falando dos Saberes. s/d. Disponível em:
<http://www.psicologianocotidiano.com.br/colunistas/colunista_descri.php?id=6> Acesso em
14 de jun. de 2014
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do Direito Penal: introdução à
sociologia do direito penal. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2002.
BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,1998.
BAUMAN, Zygmunt Globalização: As consequências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1999.
BARBETTA, Pedro Alberto. Estatística aplicada às ciências sociais. 5. ed. Florianópolis:
UFSC, 2002.
BENTHAM, Jeremy. El panóptico; El ojo del poder. España, Ed. La Piqueta, 1979.
BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. O Direito na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2005.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 3. ed. São
Paulo: Saraiva, 2004.
BOBBIO, Noberto. Era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus,
1988.
BRASIL. CNJ. Mutirão Carcerário – Raio X do Sistema Penitenciário Brasileiro. Brasília:
Conselho Nacional de Justiça, 2012. Disponível em:
<http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-judiciarias/Publicacoes/mutirao_carcerario.pdf >.
Acesso em: 05 mai. 2014.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 48. ed. São
Paulo: Saraiva, 2013.
BRASIL. Lei nº. 7210 de 11 de Julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Disponível
em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm>. Acesso em: 10 jun. 2014.
121
BRASIL. Lei nº. 8.213 de 24 de Julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da
Previdência Social e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm>. Acesso em: 18 jan. 2015.
BRASIL. Portaria Interministerial MPS/MF nº 13 de Janeiro de 2015. Dispõe sobre o
reajuste dos benefícios pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS e dos
demais valores constantes do Regulamento da Previdência Social - RPS. Disponível
em:<http://www3.dataprev.gov.br/sislex/paginas/65/MF-MPS/2015/13.htm>. Acesso em: 18
jan. 2015.
BRASIL. Portal Brasil, 29 de julho de 2014. Disponível em:
http://www.brasil.gov.br/governo/2012/10/diferenca-salarial-entre-homens-e-mulheres-esta-
em-torno-de-13-75>. Acesso em: 10 jan. 2015
BRASIL. Resolução nº. 14 de 11 de Novembro de 1994. Disponível
em:<http://www.criminal.mppr.mp.br/arquivos/File/ExecucaoPenal/Outros/1994resolu14CNP
CP.pdf.>. Acesso em: 05 mai. 2014.
BRASIL. Resolução nº. 15 de 11 de Novembro de 1994. Dispõe a respeito da criação da
CENAE – Central Nacional de Apoio ao Egresso, no âmbito do CNPCP – Conselho
Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Disponível
em:<http://www.criminal.mppr.mp.br/arquivos/File/ExecucaoPenal/CNPCP/n15de10dez2003
.pdf.>. Acesso em: 05 mai. 2014.
BRASIL. Súmula Vinculante 09 do Supremo Tribunal Federal. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=9.NUME.%20E%20
S.FLSV.&base=baseSumulasVinculantes>. Acesso em: 09 fev. 2015.
BRASIL. Ministério da Justiça. s.d.. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/sua-
seguranca/departamento-penitenciario-nacional/sistema-prisional/estabelecimentos-
penitenciarios-federais>. Acesso em: 14 out. 2014.
BRASIL. Diferença salarial entre homens e mulheres está em torno de 13,75%. Portal
Brasil, 29 de julho de 2014. Disponível em:
<http://www.brasil.gov.br/governo/2012/10/diferenca-salarial-entre-homens-e-mulheres-esta-
em-torno-de-13-75>. Acesso em: 15 jan. 2015
122
CENCI, Daniel Rubens; ROESLER, Douglas André; PROSSER, Elisabeth Seraphim. A
Crise da modernidade e a ética da vida na relação homem-natureza. Disponível em:
<http://www.unifae.br/publicacoes/pdf/sustentabilidade/acrisedamodernidade.pdf.>. Acesso
em: 05 mai. 2014.
CESEC. Meninos do Rio: Jovens, violência armada e polícia nas favelas cariocas. In: Boletim
Segurança e Cidadania. Boletim 13. Ano 08. Rio de Janeiro: CESEC, 2009.
FALCONI, Romeu. Sistema Presidial: Reinserção Social? – São Paulo: Ícone, 1998.
FONSECA, Vania; FERRO, Sandra Regina Oliveira Passos de Bragança; SANTOS, Iraceley
Santana dos; MATOS, Maria do Carmo; OLIVEIRA, Joelma Conceição. A
(in)constitucionalidade do auxílio reclusão como direito previdenciário para família do recluso
do Centro Estadual de Reintegração Social de Areia Branca/SE. In: MARQUES;Verônica
Teixeira; SPOSATO, Karyna Batista; FONSECA, Vania. Direitos Humanos e Política
Penitenciária. Maceió: Edufal, 2011, p. 326-360
FOUCAULT, Michel. Ditos e escritos IV. Estratégia poder-saber. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2003
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Trad. Raquel Ramalhete. 31. ed.
Rio de Janeiro: Vozes, 2006.
FREIRE, Paulo.Conscientização – teoria e prática da libertação. São Paulo: Moraes, 1980.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra, 1996.
GERMANO, José Willington. As quarenta horas de Angicos. Educ. Soc., Campinas, v. 18,
n. 59,Aug. 1997. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
73301997000200009&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 08 ago. 2013.
GOFFMAN, Erving. Manicômios, Prisões e Conventos. Trad. Dante Moreira Leite. 7. ed.
São Paulo: Perspectiva, 2003
GUIMARÃES, Juliana Bahiense de Sousa. Análise Estatística Utilizando o SPSS. Guia
prático de comandos. S/d. Disponível em:
123
<http://www.proac.uff.br/estatistica/sites/default/files/Apostila-SPSS.pdf> Acesso em: 06 jun.
2014.
GRECO FILHO, Vicente; RASSI, João Daniel. Lei de drogas anotada. 3ª edição São Paulo:
Saraiva, 2009.
HOWLETT, Michael. Políticas públicas: seus ciclos e subsistemas uma abordagem integrad
ora.Trad. Francisco G. Heidemann. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.
HULSMAN, Louk; CELIS, Jacqueline Bernat de. Penas perdidas. O sistema penal em
questão. Rio de Janeiro:Luam Editora, 1993.
IBGE. PETRUCELLI, José Luiz. SABOIA, Ana Lúcia. (Org.). Características Étnico-
raciais da População: Classificações e identidades. Estudos e Análises. Informação
Demográfica e Sócio Econômica. Número 2. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Rio de Janeiro. 2013. Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/caracteristicas_raciais/pcerp_classificaco
es_e_identidades.pdf>. Acesso em: 06 jan. 2015
IBGE. Atlas do Censo Demográfico 2010. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,
2013. Disponível em:
<http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv64529_apres_intr.pdf>. Acesso em: 06
jan. 2015
IBGE. Censo 2010: número de católicos cai e aumenta o de evangélicos, espíritas e sem
religião. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, s/d. Disponível em:
<http://censo2010.ibge.gov.br/noticias-censo?view=noticia&id=1&idnoticia=2170&t=censo-
2010-numero-catolicos-cai-aumenta-evangelicos-espiritas-sem-religiao>. Acesso em: 06 jan.
2015
IPEA. Macroeconomia e pleno emprego: apontamentos para uma agenda positiva de pesquisa
e política pública. In: Macroeconomia para o desenvolvimento: crescimento, estabilidade e
emprego. Brasília: Ipea, 2010.
JULIÃO, Elionaldo Fernandes. Sistema penitenciário brasileiro: a educação e o trabalho na
política de execução penal. Petrópolis, RJ: De Petrus et Ali; Rio de Janeiro: FAPERJ, 2012.
JULIÃO, Elionaldo Fernandes; SAUER, Adeum Hilario. A educação para jovens e adultos
em situação de restrição e privação de liberdade no Brasil: questões, avanços e
124
perspectivas. Disponível:
em:<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_details&gid=10586
&Itemid=122>. Acesso em: 07 mai. 2014.
LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrico. trad. Carlos
Irineu da Costa. Rio de Janeiro: Ed. 34,1994.
LEAL, César Barros. Prisão: Crepúsculo de uma era. 2. ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Del
Rey, 2001.
LEMGRUBER, Julita. Arquitetura Institucional do Sistema Único de Segurança Pública:
Acordo de Cooperação Técnica. Distrito Federal: Ministério da Justiça, Secretaria Nacional
de Segurança Pública, Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, Serviço Social da Indústria
e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2004.
LIBÂNEO, Jose Carlos. A didática e a aprendizagem do pensar e do aprender: a Teoria
Histórico-cultural da Atividade e a contribuição de Vasili Davydov. Revista Brasileira de
Educação. Set /Out /Nov /Dez. 2004. nº 27. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n27/n27a01.pdf>. Acesso em: 08 ago. 2013.
LUNA, Everaldo da Cunha. Capítulos de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1985.
MARCÃO, Renato; MARCON Bruno. Rediscutindo os fins da pena. Disponível em:
<http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=73>. Acesso em: 05 mai.
2014.
MARQUES, Verônica Teixeira; FONSECA Vania; BRITO, Caroline Mendes de; BEZERRA,
Rosane. Perfil dos Presídios Sergipanos. In: MARQUES, Verônica Teixeira; SPOSATO,
Karyna Batista; FONSECA, Vania. Direitos Humanos e Política Penitenciária. Maceió:
EDUFAL, 2012.
MARQUES, Veronica Teixeira. Perfil dos Presos no Estado de Sergipe e Identificação de
Políticas Públicas para Egressos: relatório técnico. Aracaju, 2013.
MARQUES, Verônica Teixeira; FONSECA, Vania; NOGUEIRA JUNIOR, Gabriel Ribeiro;
OLIVEIRA, Samyle Regina Matos; NOVAES, Juliana Lira; OLIVEIRA, Luiz Eduardo;
LEITE, Tácio Hugo Oliveira; AMARAL, Diego Leandro do; FARO, Gabriela. Nascimento.
Perfil dos presos no estado de Sergipe e identificação de Políticas Públicas para egressos. In:
Fundação de Apoio à Pesquisa e Inovação tecnológica do Estado de Sergipe. (Org.). Pesquisa
125
em Políticas Públicas no Estado de Sergipe. Série Documentos 1. 1ed. São Cristóvão:
Editora UFS, 2014, v. 1, p. 323-344
MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei Nº 7.210, de 11-7-1984. 11.
ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2004.
MOLINA, Antônio García-Pablos de; GOMES, Luis Flavio. Criminologia: introdução a seus
fundamentos a seus fundamentos teóricos: introdução às bases criminológicas da Lei
9.099/95, lei dos juizados especiais criminais. 6ª. ed. reform., atual. e ampl. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008.
OLIVEIRA JUNIOR, Eugenio Pedro Gomes de. Remição: aspectos práticos da Lei nº.
12.433/2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20045/remicao-aspectos-
praticos-da-lei-no-12-433-2011>. Acesso em: 05 mai. 2014.
OLIVEIRA, Luciano. A Vergonha do Carrasco. Uma Reflexão sobre a Pena de Morte.
Recife: Universitária, 2000.
ONU. Educação em prisões na América Latina: direito, liberdade e cidadania. Brasília,
2009. Disponível em: <http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-
view/news/educacao_em_prisoes_na_america_latina_direito_liberdade_e_cidadania/#.U485O
XJdVSI>. Acesso em: 07 mai. 2014.
ONU. Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos, 1955. Disponível em :
<http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Direitos-Humanos-na-
Administra%C3%A7%C3%A3o-da-Justi%C3%A7a.-Prote%C3%A7%C3%A3o-dos-
Prisioneiros-e-Detidos.-Prote%C3%A7%C3%A3o-contra-a-Tortura-Maus-tratos-e-
Desaparecimento/regras-minimas-para-o-tratamento-dos-reclusos.html>. Acesso em: 01 jun.
2014.
PNUD. Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil. 2013. Disponível em:
<http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/consulta/>. Acesso em: 10 jan. 2015
REBOUÇAS, Gabriela Maia. Tramas entre subjetividades e direito: a constituição do
sujeito em Michel Foucault e os sistemas de resolução de conflitos. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2012.
REGIS PRADO, Luiz. Teoria dos Fins da Pena: breves reflexões. In Revista dos Tribunais
on line. Ciências Penais. v. 0. p.143 Jan / 2004. DTR/2004/712. Disponível em:
126
<http://www.professorregisprado.com/Artigos/Luiz%20Regis%20Prado/Teoria%20dos%20fi
ns%20da%20pena.pdf>. Acesso em: 03 jun. 2014.
RIBEIRO, Renato Janine. A democracia. São Paulo: Publifolha, 2001.
ROXIN, Claus. Derecho Penal: parte general: fundamentos, la estrutura de la teoria del
delito. Tradução Diego-Manuel Luzón Peña, Miguel Díaz y García Copnlledo, Javier de
Vidente Remesal. Madrid: Civitas: 1997.
SAMPAIO, Cristiane T.; SAMPAIO, Sonia Maria R. Educação inclusiva: o professor
mediando para a vida[online]. Salvador: EDUFBA, 2009, 162 p. ISBN 978-85-232-0627-7.
Disponível em: SciELO Books <http://books.scielo.org>. Acesso em: 01 ago. 2013.
SÁNCHEZ RUBIO, David. Teoría crítica del derecho: nuevos horizontes. San Luis Potosí:
Cenejus, 2013.
SANTOS, Admaldo Cesário dos. Violência estatal: A inutilidade da pena capital e seus
aspectos discriminatórios. s.d.. Disponível em: <http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=264>. Acesso em:
14 jun. 2014.
SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da
experiência. São Paulo: Cortez, 2002.
SANTOS, Juarez Cirino dos. A criminologia crítica e a reforma da legislação penal. 2005.
Disponível em:
<http://www.cirino.com.br/artigos/jcs/criminologia_critica_reforma_legis_penal.pdf:>.
Acesso em: 06 mai. 2014.
SECCHI, Leonardo. Políticas Públicas: conceitos, esquemas de análise, casos práticos. 2a.
ed. São Paulo: Cengace Learning, 2013.
SERGIPE. Ministério Público de Sergipe. Outras Vozes: poemas e relatos das presidiárias.
Aracaju: Secretaria de Justiça do Estado de Sergipe, 2012.
SERGIPE. Sistema penitenciário sergipano está entre os três melhores do país em
atividade laboral. 2013. Disponível em: <http://governo-
se.justica.inf.br/noticia/2013/7/sistema-penitenciario-sergipano-tres-melhores-pais-atividade-
laboral.> Acesso em: 06 mai. 2014.
127
SHECAIRA, Sergio Salomão; CORRÊA JUNIOR, Alceu. Pena e Constituição. Aspectos
Relevantes Para Sua Aplicação e Execução. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995.
SHECAIRA, Sergio Salomão.Criminologia. 5ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
SILVA, José de Ribamar. Ressocializar para não reincidir. Trabalho de Conclusão de
Curso de Especialização em Tratamento Penal em Gestão Prisional. Curitiba: UFPR, 2003.
SIRINO, Caio César de Aguiar. Educação e Identidade: por um inacabado projeto de
autolibertação. Disponível em:
<http://www.uesb.br/recom/anais/artigos/02/Educa%C3%A7%C3%A3o%20e%20Identidade
%20-
%20por%20uma%20inacadado%20projeto%20de%20autoliberta%C3%A7%C3%A3o.%20C
aio%20C%C3%A9sar%20de%20Aguiar%20Sirino.pdf>. Acesso em: 05 mai. 2014.
SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo:
Companhia das Letras, 1996.
TORRONTEGUY, Alessandra; BORTOLLON, Mariana. Do paradigma da modernidade
ao fenômeno da globalização: a busca por um novo cenário. In Li Disponível em:
<http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/bh/alessandra_folzke_torronteguy.pdf>.
Acesso em: 05 jun. 2014.
UNESCO. Educando para a liberdade: trajetória, debates e proposições para um projeto de
educação nas prisões brasileiras. Brasília: UNESCO, 2006.
VÁZQUEZ, Daniel; DELAPLACE, Domitille. Políticas Públicas na Perspectiva de Direitos
Humanos: um Campo em Construção. In Revista Internacional de Direitos Humanos, v. 8,
n. 14, jun. 2011. Disponível em:
<http://www.surjournal.org/conteudos/getArtigo14.php?artigo=14,artigo_02.htm>. Acesso
em: 06 mai. 2014.
VIEIRA, Oscar Vilhena. A desigualdade e a subversão Estado de Direito IN: VIEIRA, Oscar
Vilhena; DIMOULIS, Dimitri (orgs) Estado de Direito e o desafio do desenvolvimento. São
Paulo: editora Saraiva, 2011.
WACQUANT, Loic. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Rio de
Janeiro: Editora Revan, 2003.
128
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do
sistema penal.Trad. Vânia Romano Pedrosa. Rio de Janeiro: Revan, 1991.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl e José Henrique Pierangeli; Manual de Direito penal
Brasileiro: parte geral. 5. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais,2004.
ZAFFARONI, Eugenio Raul. El enemigo en el Derecho Penal. Buenos Aires, Rediar, 2007.
Em:<http://oab-rj.jusbrasil.com.br/noticias/802697/subprocurador-da-republica-cadeia-no-
brasil-e-para-preto-pobre-e-prostituta.> Acesso em: 09 fev. 2015.
Em:<http://g1.globo.com/mato-grosso/noticia/2014/11/pf-apreende-r-134-milhoes-em-
operacao-contra-trafico-de-drogas.html>. Acesso em: 10 jan. 2015.
Em:<http://abordagempolicial.com/2011/04/policia-federal-utiliza-raio-x-portatil/>. Acesso
em: 05 jan. 2015.
Em:<http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2012/11/13/prisoes-no-brasil-sao-
medievais-afirma-ministro-da-justica.htm>. Acesso em: 18 out. 2014.
Em:<http://www.mt.gov.br/editorias/justica-direitos-humanos/livro-reune-acoes-do-governo-
no-sistema-penitenciario/120373>. Acesso em: 05 Jan 2015.