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ASTRONOMIA E RELAÇÕES ENTRE CIÊNCIA, TECNOLOGIA, SOCIEDADE E
AMBIENTE: PROBLEMATIZAÇÃO E APROPRIAÇÃO DE LINGUAGEM E
CONCEITOS CIENTÍFICOS NO ENSINO FUNDAMENTAL
FABIO AUGUSTO SPINA1, NOEMI SUTIL1, MARCOS ANTONIO FLORCZAK1
Resumo: Neste trabalho são apresentadas considerações sobre pesquisa envolvendo o
desenvolvimento de proposta educacional para abordagem de tópicos de Astronomia no
Ensino Fundamental. Este trabalho possui fundamentos na teoria da aprendizagem
significativa, destacando a apropriação de linguagem e conceitos científicos, em concepção de
formação para o envolvimento em argumentação e proposições de alternativas concernentes a
aspectos sociais, culturais, tecnológicos e ambientais. Os sujeitos envolvidos são alunos de 5º
a 9º ano e docente em disciplina de Ciências em colégio paranaense. Os dados foram
constituídos por registros, realizados pelos estudantes em blog e pelo professor, e trabalhos de
discentes; o primeiro conjunto de dados se refere aos alunos no 5º ano; o segundo conjunto se
relaciona aos mesmos estudantes no 9º ano (quatro anos após). Esses dados foram analisados
considerando Análise de Conteúdo. Imersos em espaço democrático de discussões científicas,
foi possível observar indícios de aprendizagem significativa ao acompanhar a evolução da
apropriação de linguagem e conceitos pelos alunos. Ao ingressarem no 9º ano, conceitos
ancorados na primeira fase (5º ano) contribuíram para ampliar o interesse e aprofundar
estudos em ciências e para o envolvimento em argumentação e proposições de alternativas em
questões de Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente.
Palavras-chave: Astronomia. Aprendizagem significativa. Linguagem científica.
INTRODUÇÃO
Há milênios a humanidade vem olhando para o céu na busca incessante de
conhecimento. A simples postura de elevar os olhos e admirar astros e eventos celestes
influenciou a forma de pensar, agir e interagir em diferentes civilizações ao longo da história.
Durante os últimos 60 anos, diante da maior difusão dos conhecimentos relacionados à
Astronomia, a população de forma geral revelou seu interesse por esta ciência, que cada vez
mais passou a fazer parte de seu cotidiano: inovações tecnológicas oriunda destes
conhecimentos influenciam o modo de vida em todos os cantos do planeta, a ponto de intervir
na maneira em que as pessoas se comunicam, se vestem, se alimentam, e na própria relação
com os outros e com a natureza.
Essa condição reflete-se em sala de aula, onde saberes científicos são formalmente
trabalhados. Em muitos currículos a Astronomia é disciplina obrigatória, presente
semanalmente na grade horária do Ensino Fundamental. Esta ciência que integra
conhecimentos de diversas áreas atua como agente motivador no processo de ensino e
aprendizagem, permitindo a manifestação de uma nova relação entre professor e alunos, a
1 1: Universidade Tecnológica Federal do Paraná-UTFPR, Programa de Pós-Graduação em Formação Científica, Educacional e Tecnológica-FCET. Brasil. [email protected]; [email protected].
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ponto de aprendizes demonstrarem ter a capacidade de contribuir para a apresentação e
discussão de conceitos complexos, mesmo ao longo da primeira infância.
Este é o contexto no qual este trabalho foi desenvolvido, cujo objetivo é analisar
condições de apropriação de conceitos e linguagem científica por meio do ensino de
Astronomia no Ensino Fundamental 2, através do desenvolvimento de proposta educacional
em ambiente interativo de acordo com pressupostos da teoria da aprendizagem significativa.
Para tanto, o blog olhando-para-o-ceu.blogspot.com foi desenvolvido com intuito de
fomentar a troca de conhecimentos científicos em ambiente escolar. A tecnologia de blog é
propicia para promover a migração gradual e coerente da linguagem comum para a científica
por meio da vivência de conteúdos orientados e avaliados pelo professor, que no caso deste
trabalho, são destinados à Astronomia e ciências em geral. Os blogs permitem também
cultivar a curiosidade e a motivação dos aprendizes ao favorecer o debate de ideias através da
leitura, escrita e oralidade por meio de seus registros (publicações ou posts e comentários).
Através deste espaço foi possível disponibilizar um meio inovador, extraclasse e
atemporal para que a prática da linguagem (sintaxe e semântica) possa ocorrer no ensino de
ciências, de forma clara, objetiva e compartilhada, mediante a participação de professor,
estudantes e outros visitantes amantes de Astronomia.
Através da participação dos estudantes no blog foi possível analisar e dimensionar
conteúdos de ciências e astronomia para que possam ser abordados de forma coerente no
Ensino Fundamental, e desta forma, identificar indícios de apropriação da linguagem
científica através da análise dos registros dos alunos e dos resultados de atividades em sala.
Por isso o blog olhando-para-o-ceu.blogspot.com tornou-se referência na
complementação didática às aulas ministrada pelo professor para turmas do 5º ano
(astronomia e ciências) e do 9º ano (física), o que permitiu avaliar a evolução dos conceitos
científicos de seus alunos através de seus registros no blog e das atividades realizadas ao
longo do Ensino Fundamental 2. Este ambiente democrático e interativo fomentou a interação
continuada entre estudantes (e outros visitantes deste espaço), e de tópicos destas ciências de
forma orientada pelo professor, ocorridas principalmente em momentos extraclasse.
REFERENCIAL TEÓRICO
Todo professor interessado em uma formação significativa e duradoura para seus
estudantes possui um grande desafio: descobrir o que eles já sabem para que consiga
apresentar e relacionar novos saberes de forma articulada a esse repertório. Essa é a ideia
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central apresentada pela Teoria da Aprendizagem Significativa, desenvolvida por David
Ausubel et al (1980). Segundo o autor:
A aprendizagem significativa ocorre quando a tarefa de aprendizagem implica
relacionar, de forma não arbitrária e substantiva (não literal), uma nova informação a
outras com as quais o aluno já está familiarizado, e quando o aluno adota uma
estratégia correspondente para assim proceder (AUSUBEL et al, 1980, p. 23).
Esse processo envolve conceitos e linguagem próprios de cada área do saber, que
deverão ser manipulados e compreendidos pelos estudantes através do uso de códigos
linguísticos. “O código linguístico é o meio mais poderoso e positivo que os seres humanos
possuem para ampliar a quantidade de informações processadas e memorizadas, e assim
ampliar seu domínio de saber” (AUSUBEL et al, 1980, p. 51).
Seja oral (transmitida pela fala) ou simbólica (que engloba além das letras e palavras,
os desenhos, formas, números, esquemas, gestos, etc.), a linguagem está além de um mero
meio comunicativo, e atua de forma integral e operativa no processo de pensamento, tanto
para quem se expressa quanto para quem recebe informações. Segundo Ausubel et al (1980):
A verbalização faz mais do que apenas codificar o discernimento subverbal em
palavras. O uso de palavras manipuláveis para representar ideias possibilita, em
primeiro lugar, o próprio processo de transformar estas ideias em novos
discernimentos. A verbalização dos discernimentos subverbais emergentes em
sentenças é uma parte integral do processo de pensamento, que aumenta em grande
parte a precisão e a clareza de seus produtos (aprendizagem). Portanto, possibilita
um nível qualitativamente maior de compreensão com um poder de transferência
muitíssimo aumentado (AUSUBEL et al, 1980, p. 446).
A linguagem é por tanto essencial para a aprendizagem significativa, pois conceitos se
tornam precisos e transferíveis a partir da manipulação e aperfeiçoamento de proposições
(sintaxe) que desenvolvam propriedades representacionais destes (semântica).
Desse modo, cabe ao professor interessado em alcançar uma aprendizagem mais
significativa planejar e desenvolver atividades de ensino que possibilitem aos aprendizes
empregar a linguagem no processo cognitivo para manipular conceitos e palavras a eles
relacionadas. Nesse processo, Ausubel et al (1980) distinguem conceitos e palavras-conceito.
Não é raro que as crianças adquiram significativamente conceitos particulares sem
conhecer durante muito tempo seus significantes. […] Simplesmente porque não
conhecem palavras-conceito, não se pode dizer que necessariamente desconhecem
os conceitos (significado dos conceitos). [...] Em segundo lugar é muito possível ou
esquecer o que uma determinada palavra-conceito significa, mas lembrar de seu
significado correspondente, ou lembrar um conceito, mas esquecer-se de seu
significado (AUSUBEL et al, 1980, p. 447).
Uma vez inseridas à vivência do currículo escolar, crianças deparam-se com conceitos
que estão além de sua experiência diária e de sua aptidão linguística, por serem mais abstratos
e complexos, como é o caso dos conceitos científicos. E para que possam compreendê-los de
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forma significativa, os aprendizes devem desenvolver um nível de sofisticação de operações
lógicas formais, que são trabalhadas ao longo do processo educativo e seriado. Naturalmente,
demanda tempo, tanto para ser ensinada, como para ser compreendida e assimilada pelo
estudante. Ausubel et al (1980) destaca nesse processo o emprego das regras sintáticas:
Do ponto de vista psicológico as regras sintáticas servem principalmente à função
transacional de relacionar entre si ideias expressas verbalmente (de imagens e
conceitos), de modo fidedigno, com o objetivo de produzir e compreender novas
ideias. Consequentemente, quando um grupo de palavras é flexionado e relacionado
de acordo com as regras designadas, a sequência resultante não é só gramaticalmente
correta como também comunica a ideia que um orador ou escritor pretende
transmitir. É comum portanto que uma determinada palavra em uma sentença tanto
transmita um sentido denotativo característico como também devido à sua função
sintática particular na sentença (sujeito, objeto, verbo) forneça uma informação
semântica adicional, que contribui para a compreensão de estrutura significativa.
(AUSUBEL et al, 1980, p. 58).
O significado, a função e o emprego das palavras em sentenças são essenciais para o
processo de Aprendizagem Significativa. De acordo com as regras gramaticais da língua, o
código sintático empregado em uma frase é constituído entre outras coisas de: (1) palavras
conhecidas (preposições, conjunções); (2) palavras designativas (artigo, pronomes); (3)
flexões que indicam número, pessoa, caso, tempo do verbo, modo; e (4) regras de construção
sintática, que ordenam a posição e a relação das palavras em um discurso provido de
elementos conectivos. (AUSUBEL et al, 1980).
É, portanto, a estrutura, a sintaxe das palavras, que dá sentido, significado, ao processo
cognitivo e às sentenças utilizadas para ancorá-lo à estrutura cognitiva e comunicá-lo.
Naturalmente, as estruturas sintáticas e semânticas utilizadas pela criança são diferentes em
relação aos adultos, sendo peculiar a cada estágio particular de aprendizado. Apesar disso, a
estrutura manipulada por aprendizes é derivada da estrutura utilizada pelo adulto.
Ausubel et al (1980) inferem que a capacidade de compreender e formar sentenças
envolve um processo de aprendizagem significativa, cuja percepção consciente das
atribuições denotativas e sintáticas das palavras está implícita na compreensão da sentença
como um todo. Afirma ainda que o objetivo principal que a linguagem pretende alcançar é a
compreensão exata da função sintática de cada palavra e de sua contribuição semântica para o
significado total da frase. Quando uma criança manifesta este conhecimento estará apta a (1)
construir uma frase expressiva, na qual cada componente apresenta uma relação sintática com
o sentido total da frase, em consonância com as relações das palavras utilizada no modelo de
frase aprendido; (2) recombinar palavras familiares e funções sintáticas conhecidas no
aprendizado de padrões gramaticais novos; e (3) usar as palavras de maneira adequada para
apresentar ideias de forma coerente.
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Desenvolver, transmitir e compartilhar significados, valores e tradições sociais torna-
se impossível sem a linguagem. Tanto pela oralidade quanto pela escrita, as pessoas se
comunicam das mais variadas formas, relacionam-se e interagem, e concebem as inúmeras
manifestações intelectuais, interpessoais e institucionais da cultura.
A capacidade de criar e adquirir linguagem é uma das características mais marcantes
do desenvolvimento humano. É um pré-requisito tanto para o desenvolvimento
original da cultura quanto uma condição necessária para a aquisição subsequente
pelo indivíduo, dos complexos produtos cognitivo, social e moral da cultura a qual
ele pertence (AUSUBEL et al, 1980, p. 86).
Ciente de que este processo é individual, o educador prudente dedica-se para que a
transição da expressão oral para a escrita seja significativa para seu aluno. As diferenças
presentes na sintaxe da fala e da escrita pode confundir o aprendiz iniciante e por isso exige
ação constante do professor.
Aprender a registrar pela escrita as mensagens faladas demanda duas etapas
cognitivas, que podem ser sucintamente descritas como a conversão de uma forma de
expressão em outra, e a combinação e disposição de palavras escritas em frases faladas (e
vice-versa). Uma vez ancorada tal diferenciação, o aprendiz se torna capaz de combinar e
transpor grupos de palavras escritas em frases e sentenças faladas (e vice-versa).
O resultado desse processo cognitivo, que emprega a linguagem nas suas diferentes
formas, é a aquisição e manipulação de conceitos, que pode implicar na criação de novo
conhecimento. Para Ausubel et al (1980) o termo “conceitos” significa:
(...) abstrações dos atributos essenciais que são comuns a uma determinada categoria
de objetos, eventos ou fenômenos, independentemente da diversidade de dimensões
outras que não aquelas que caracterizam os atributos essenciais compartilhados por
todos os membros da categoria (AUSUBEL et al, 1980, p. 73).
São atributos essenciais, designados numa determinada cultura por algum tipo de
signo aceito. Casa, triângulo, guerra e verdade são alguns dos conceitos
culturalmente aceitos que usamos (AUSUBEL et al, 1980, p. 75).
Uma vez rotulados, objetos, pessoas, ou eventos particulares são nomeados e, assim,
transformados em conceitos, que são apropriados pelo processo cognitivo, para que possam
ser manipulados, compreendidos e transferidos prontamente. Segundo Ausubel et al (1980),
esse processo ocorre de maneiras diferentes para cada estudante, e sofre influência de diversos
fatores, como a experiência do aprendiz e as técnicas de ensino: crianças mais novas exigem
um agente facilitador, que forneça provas empírico-concretas, como exemplos de atributos
essenciais, que serão relacionados à estrutura cognitiva juntamente com os atributos que
exemplificam. Aprender os nomes dos conceitos, por outro lado, envolve um processo de
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aprendizagem representacional que segue comumente a assimilação de conceitos
propriamente dita.
Em outras palavras, crianças aprendem novos termos genéricos de duas formas: ou
conhecendo suas definições ou encontrando-as em um contexto. Somente assim podem
estabelecer uma equivalência representacional entre os novos termos genéricos e os novos
significados conceituais que emergem na estrutura cognitiva, elucidados pela combinação de
palavras já significativas contidas nos termos sugestivos das definições ou contextos.
Para crianças em idade escolar, e também adolescentes e adultos, os novos conceitos
são adquiridos por meio do processo de assimilação, ou seja, aprendem novos significados
conceituais em contato com os atributos essenciais dos conceitos, e relacionando-os a ideias
relevantes estabelecidas em suas estruturas cognitivas.
Dessa forma, pode-se afirmar que a formação de conceito é preponderante em crianças
pré-escolares, enquanto que a assimilação de conceitos é a forma dominante para crianças
numa faixa etária mais elevada e em adultos.
Em disciplinas associadas a ciências, é comum o uso deliberado de questionamentos
(os “porquês”); tais disciplinas escolares fomentam a apropriação de conceitos mais cedo se
comparadas àqueles construídos no cotidiano do aprendiz, fora da sala de aula. “O professor
trabalhando com o aluno explica, supre informações, questiona, corrige e força o aluno a
explicar o que aprendeu” (Ausubel et al. 1980, p. 94).
Os pressupostos da teoria da Aprendizagem Significativa relacionados à apropriação
de conceito e linguagem foram aplicados em atividades educacionais disponibilizadas em
blog sobre Astronomia. Este recurso tecnológico é apresentado a seguir.
Blog: definições e aplicações pedagógicas
Os recursos disponibilizados pela rede mundial de computadores (a internet) agregam
potencialidades para a interação e aprendizagem de sujeitos, com diversidade de tecnologias
de informação e comunicação (TIC). Entre essas possibilidades, estão os sites de busca, o
compartilhamento de e-mails e mensagens instantâneas, fóruns de discussões, os simuladores
e atividades online, sites especializados, museus virtuais, podcasting, streaming, etc.
Dentre as tantas ferramentas tecnológicas, os blogs incorporam tecnologias virtuais
que podem ter grande potencial pedagógico, uma vez que fomentam o desenvolvimento da
leitura e escrita, a capacidade de investigação de informações e o domínio e apropriação do
uso de tecnologias (BIERWAGEN, 2011).
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Em geral, o conteúdo de um blog pode ser acessado de qualquer dispositivo
(computadores, smartphone, tablet). Incorporam recursos multimídia e de interação para seus
visitantes (como uma área para comentários, enquetes, livro de visitas, por exemplo).
Em consequência à rápida expansão do uso dos blogs, iniciado ao final da década de
1990, tal tecnologia logo passou a influenciar o ambiente escolar: tanto educadores quanto
estudantes familiarizados com a internet notaram a possibilidade de empregar esse novo
ambiente como caderno virtual, agregando diferentes mídias a conteúdos compartilhados.
Do ponto de vista do professor, a adoção de blogs como ferramenta de ensino e
aprendizagem permite despertar e orientar seus alunos para o uso de computadores e outras
tecnologias, como smartphones e tablets, ao incentivar a interação alunos-tecnologias para
fins educacionais (MIRANDA, 2012).
Além disso, o uso de blogs, e por consequência o ensino mediado por computadores,
permite o desenvolvimento de habilidades associadas ao uso da leitura e escrita em práticas
sociais através das interações com publicações do blog (o que propicia o uso da leitura) e
comentários (que exige o uso da leitura e da escrita quando o aluno registra suas impressões
no blog) (MIRANDA, 2012).
Tal tecnologia também fomenta a elaboração coletiva da livre escrita através de
conteúdos multimídias e de hipertextos (conexões a outras páginas na rede), promovendo o
processo de argumentação, de trocas de ideias, de confronto de pontos de vistas, da autoria e
coautoria, da escrita e reescrita, da reflexão, além de permitir a seus usuários o acesso à
pluralidade de discursos disponíveis pela rede.
Mas talvez o maior benefício desta tecnologia seja a capacidade de compor uma nova
lógica de tempo e espaço para o processo de aprendizagem, uma vez que os registros podem
ser criados, acessados, compartilhados e reelaborados a qualquer momento e de qualquer
lugar. Contudo, tal diversidade de possibilidades ainda é subutilizada pela escola, tanto por
professores como por alunos, por não aceitarem dispositivos tecnológicos como potenciais
recursos de aprendizagem, e a própria sociedade não atribuir a tais dispositivos este fim.
A partir disso, cabe ao professor o papel de mediar esse aprendizado, pois são através
dessas interações que o aprendiz compartilha suas ideias e pode gerar novas interações que
culminam em novos conhecimentos duradouros e significativos.
Considerando pressupostos da teoria da aprendizagem significativa, os blogs podem
ser associados a espaços de comunicação e aprendizagem para: a disponibilização de aspectos
de motivação; o estabelecimento de relações entre conceitos e entre conceitos e aspectos
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contextuais, inserido em processos de formação e assimilação de conceitos, de diferenciação
progressiva e reconciliação integrativa (BIERWAGEN, 2011)
Objetiva-se assim a utilização de um blog para ampliação das possibilidades de
aprendizagem representacional e proposicional de conceitos, por meio da disponibilização de
espaço comunicativo que fomente a transposição da prática oral da linguagem para a escrita.
METODOLOGIA
Este trabalho envolve pesquisa qualitativa e participante (FLICK, 2009) com
estudantes de 5º e 9º ano de Ensino Fundamental. Os dados foram constituídos por registros
realizados pelos estudantes, professor e outros participantes em blog sobre Astronomia
(olhando-para-o-ceu.blogspot.com).
Para este trabalho foram analisados 547 conjuntos de expressões registradas no
referido blog, considerando características e pressupostos de Análise de Conteúdo (BARDIN,
2011), envolvendo os seguintes eixos: motivação e interesse; apropriação de conceitos
científicos e linguagem científica; participação de pais e professores.
Na apresentação dos exemplares de dados, o professor se encontra identificados pela
letra P; os estudantes são identificados pela letra A, seguida de número (exemplo: A1, A2);
outros participantes do blog são representados pela letra B, seguida de um número (exemplo:
B1, B2). Os textos foram mantidos conforme registrados no blog.
RESULTADOS
Eixo de Análise: Motivação e interesse
Destacam-se neste eixo de análise os aspectos relacionados à disposição em aprender
tópicos de ciências que o blog pode estimular. No quadro 1 a seguir apresentam-se
exemplares que ilustram o interesse dos aprendizes pelas aulas, pelas atividades
desenvolvidas e pelos e materiais educacionais trabalhados pelo professor.
Quadro 1. Indícios de motivação para aprendizagem em ciências em blog sobre Astronomia. CONJUNTOS DE EXPRESSÕES ASPECTO DE
MOTIVAÇÃO
PAPEL DO BLOG
Nossa professor depois do que nos falou vou olhar
para o céu todo dia. Vou pegar minha luneta para olhar
para o céu. Suas aulas são muito legais, interessantes e
inacreditáveis, suas aulas são show. (A1)
Interesse pelas
aulas / atividades
e materiais
educacionais
Expressões de interesses
pela aprendizagem.
Ampliação de espaço
comunicativo.
[P] estou realmente impressionada com o que as
pessoas acham no céu, eu estou sempre procurando e
procurando mas nunca acho nada muito
impressionante, até mesmo nos lugares mais longes da
cidade que já fui, tenho um grande paixão pela
astronomia, espero que você me ajude (A2)
Interesse pelas
aulas de ciências,
atividades e
materiais
educacionais
Disseminação do
conhecimento. Estimulo pela
aprendizagem
Adorei esse post, tudo a ver com o que estamos Interesse pelo Identificação dos conceitos
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CONJUNTOS DE EXPRESSÕES ASPECTO DE
MOTIVAÇÃO
PAPEL DO BLOG
estudando no momento. As vezes não estamos
conscientes em toda física ao nosso redor!
blog. Relação
com os conteúdos
estudados em
sala
científicos. Compreensão da
linguagem científica.
Ampliação dos espaços de
aprendizagem
NOssa! adorei o blog... eu sou estudante e estou
fazendo um seminario sobre isso blog muuuito bom
Disseminação de
conhecimentos científicos
para além de seus objetivos
iniciais
professor também sou sua grande fã .entro no seu blog
quase todos os dias ,e a suas aulas nos deixam com
vontade de ser Astrônomos !A4
Uauuu!!!Muito fantástico mesmo prof Fábio adoro ler
seu blog e adoro sua aula (aliás é minha preferida).
Interesse pelas
aulas de ciências
e por conteúdos e
atividades
educacionais.
Expressões de interesses de
aprendizagem.
Fonte: Elaborado pelo autor com base em dados da pesquisa (2016).
Nota-se que o blog é capaz de potencializar o interesse pela aprendizagem científica
fomentando a interação entre estudantes, professor e demais participantes.
A motivação pelo aprendizado científico também podem se relacionar às mudanças de
postura dos alunos: com o blog, os estudantes passaram a sugerir ações para a própria
organização das aulas de ciências e de situações de ensino e aprendizagem. Ressalta-se nesse
contexto a postura do professor, que incentivou a livre expressão de seus estudantes ao manter
através do blog um espaço de diálogo franco e interativo. Por consequência, relatos revelam
que alguns alunos passaram a agir como disseminadores dos conhecimentos científicos em
seus núcleos familiares e amigos.
Eixo de Análise: Participação de Pais e Professores
Foram consideradas neste eixo de análise as interações de pais de alunos e professores
regentes das turmas dos 5º ano. Na escola em que os dados foram coletados os pais
demonstraram-se muito interessado com a aprendizagem de seus filhos, a ponto de
participarem de algumas aulas de Astronomia. O quadro 2 destaca algumas participações:
Quadro 2. Participação realizada por pais de alunos e professores regentes do 5º ano CONJUNTOS DE EXPRESSÕES ASPECTO DE
PARTICIPAÇÃO
PAPEL DO BLOG
Boa Noite Profº P. Está maravilhoso a sua imagem de
fundo. Meu filho, A5, ficou muito triste de não poder
ter participado (da observação noturna). Mas temos
uma dúvida. Gostaríamos de saber mais sobre
"Capella" É uma estrela? É um planeta? Está muito
longe de nós? Pode haver alguma espécie de vida lá?
Obrigado R
Participação dos
pais pela inferência
dos filhos. Contato
com o
conhecimento
científico
Fomentar a propagação
dos conhecimentos
científicos. Permitir a
participação ativa dos pais
junto com a aprendizagem
dos filhos
Oi P, amei o Blog!!!! Mais ainda a 1ª observação, ver a
lua de tão perto foi emocionante. O projeto é
maravilhoso, fico encantanda em saber que faço parte
de um grupo de docentes que valoriza o conteúdo e
propõe a vivência de forma espetacular, Beijos L
Valorização de
novos ambientes
para o aprendizado
e democratização
do conhecimento
Registro e valorização da
participação e interação
entre docentes e discentes
Oi P. Minha mãe me mostrou uma imagem da Terra Envolvimento Compartilhar
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CONJUNTOS DE EXPRESSÕES ASPECTO DE
PARTICIPAÇÃO
PAPEL DO BLOG
tirada por um satélte no dia 29 de maro de 2011, acho
legal você fazer uma aula sobre o planeta Terra e
explicar o por que da Terra ter mudado tanto, muita
gente não sabe! Tentei colar a imagem mas não
consegui. Mas ela continua linda !minha mãe disse que
como eu volto para casa falando da nossa aula de
ASTRONOMIA, e que vc poderia dar aulas
particulares para mim e para quem se intereçar, mais
só se você puder A8
familiar e troca de
conhecimentos.
Incentivo para a
aprendizagem
científica
conhecimento adquirido
através da vivência de
momentos no núcleo
familiar
Oi A8. EXCELENTE SEU COMENTARIO!!! E sabe
por que? Porque alem de você envolver sua mãe, você
pesquisou mais sobre alguns dos assuntos que
abordamos em sala! PARABENS!!! Essa imagem da
Terra, é real sim mesmo! E vale a pena verem pois
acho que nunca viram nosso planeta assim, na sua
forma real. Também li essa matéria (mas direto no site
da NASA..) e quando falarmos sobre a Terra ma nossa
viagem pelo sistema solar que estamos fazendo irei
mostrar mais fotos e vídeos interessantes como essa.
A8, fale para sua mãe que estou muito feliz por seu
interesse, ainda mais por querer aulas particulares...
acho que ainda não é para tanto ne? Entendo o seu
interesse, pois me esforço muito para que a
Astronomia e as aulas de laboratório (e em breve, na
8a serie, as aulas de Física) despertem o interesse de
todos, para que possamos aprender tais conteudos (que
são dificies!) de maneira mais lúdica, divertida. E
acho que esse seu comentário que indica que estou no
caminho certo... mas há o que melhorar para o futuro!
Espero receber mais comentários seus (e de seus
colegas) e de sua mãe! continuem assim!
Incentivo por parte
do professor ao
aprendiz, amigos e
familiares.
Permitir e facilitar a troca
de conhecimentos e
argumento científicos
Ontem P, eu é meu pai fomos até a pracinha que fica
mais ou menos perto da minha casa para ver o eclipse
da Lua.Foi muito divertido, aproveitamos a noite
também para ver estrelas no céu, afinal não é sempre
que se tem essa oportunidade,não é?!Pena que
demorou muito e eu não ver até o final mas mesmo
assim foi um espetáculo!!! Abraços, A10
Envolvimento
familiar e troca de
conhecimentos.
Incentivo para a
aprendizagem
científica
Compartilhar
conhecimento adquirido
através da vivência de
momentos no núcleo
familiar
Oi Prof. P, adorei seu espaço. Sou professora de
informática para alunos do 1º ao 4º ano. Estamos
estudando sobre a camada de ozonio e encontrei seu
blog. Utilizarei em minhas aulas. Parabéns pelo
trabaho. Estarei te seguindo pelo reader.
Compartilhamento
de experiências
entre educadores
Extrapolar os limites da
escola, disseminar os
resultados alcançados para
outras realidades
P, Escutei no jornal que mandaram a pedra para
avaliação em Florianópolis. Por quê? Um abraço, B1
Envolvimento de
outros educadores
Compartilhar
conhecimentos
Oi B1 Floripa é o centro de análises de meteoritos
mais próximos que temos o outro fica no RJ
Envolvimento de
outros educadores
Interação do professor com
outros educadores
Fonte: Elaborado pelo autor com base em dados da pesquisa (2016).
Observa-se que através do blog facilitaram-se as possibilidades de compartilhamento
de conhecimentos e de processos de aprendizagem individuais; do interesse pelo aprendizado
científico; do envolvimento de familiares e amigos no processo de aprendizagem; e no maior
envolvimento entre professor e alunos através de atividades comunicativas extraclasses.
Eixo de Análise: Apropriação de conceitos e Linguagem Científica
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Neste eixo de análise foram agrupados os conjuntos de expressões com
questionamentos e afirmações envolvendo conteúdos de ciências. Apresenta-se, no quadro 3,
conjuntos de expressões referentes à abordagem do efeito estufa.
Quadro 3. Indícios de apropriação de conceitos e linguagem científica em blog CONJUNTOS DE EXPRESSÕES APROPRIAÇÃO
DE CONCEITOS
PAPEL DO BLOG
P ,por que só os planetas gasosos tem anéis
como:Saturno,Júpiter,Urano e Netuno? A12
Formação do
sistema solar
Incentivar as perguntas de
cunho científico
Na primeira imagem eu percebi que uma parte do
Japão não é afetada, e isso acontece porque está parte
do Japão está no meio de uma placa tectônica, não é?
P adorei o vídeo e vi que me enterreço mais ainda por
astrônomia.Quando será a aula da Terra?Quero muito
falar sobre isso, prícipalmente sobre a novaimagem da
Terra. De A8
Registro e domínio
conceitual.
Relações com
outros conceitos
Registro e
compartilhamento do
conhecimento produzido.
Por que os asteróides estão justo naquele lugar ? A3 Conceitos
Eu adorei a ultima aula .vou colocar uma informação:
na aula de laboratório a que fizemos o efeito estufa a
mão que não estava com a sacola ficou quente, e
depois a mão da sacola ficou mais quente
ainda.formando o efeito estufa. Adorei o seu blog. A4
Registro e domínio
conceitual.
Relações com
outros conceitos
Registro e
compartilhamento do
conhecimento produzido.
Aprendi nesta aula que o efeito estufa é bom para
nosso planeta,pois o efeito estufa conserva o calor do
sol e deixa a temperatura estável. A10
Registro e domínio
de conceitos
Registro e
compartilhamento do
conhecimento produzido.
Eu sempre imaginei que as estralas estavam perto uma
da outra,MAS NÃO ESTÃO! E sabiam que as
constelações do zodíaco não são 12 são 13? A14
Evolução
conceitual
Registro e
compartilhamento do
conhecimento produzido.
Fonte: Elaborado pelo autor com base em dados da pesquisa (2016).
Considerando os conjuntos de expressões analisados, observa-se que o blog adquire
caráter de espaço de aprendizagem, permitindo e facilitando a busca pelo estabelecimento de
relações entre conceitos, e entre conceitos e aspectos contextuais, de maneira a ampliar as
expressões dessas relações.
Permite ao docente a abordagem individual na aprendizagem envolvendo conceitos,
com possibilidades de aproximação entre significados estabilizados em modelos teóricos e as
construções idiossincráticas de cada aluno, uma vez que o blog possibilita a exteriorização
dos aspectos de ancoragem dos conteúdos veiculados na sala de aula, numa configuração
temporal diferenciada, já que viabiliza a interação entre os aprendizes e o professor em
momentos extraclasses.
CONCLUSÕES/CONSIDERAÇÕES FINAIS
O blog, em associação com demais atividades educacionais, adquire caráter de espaço
para interação e aprendizagem, em que se destaca a disponibilidade do professor para o
diálogo. Permite também alterar os padrões temporais limitados pela abordagem de temas em
sala de aula, e a definição de procedimentos de aprendizagem pelos próprios estudantes.
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Destaca-se também a utilização de blogs como inovação educacional aplicado em
educação em ciências: considerando-se as possibilidades de envolvimento dos aprendizes na
construção de âmbito explicativo, a ampliação de espaços comunicativos viabilizado pelo
blog demonstra que as interações discursivas estiveram relacionadas a expressões associadas à
motivação para aprendizagem e de construções de proposições envolvendo apropriação de
conceitos e linguagem científica.
Diante deste contexto, considera-se que a incorporação de inovações tecnológicas
como o blog nas relações entre aprendizes e educadores ao longo dos processos de ensino e
aprendizagem podem viabilizar aspectos de motivação e de apropriação de conceitos e
linguagem científica, e avançar na construção de âmbito explicativo na educação em ciências.
Destaca-se, entretanto, o papel docente na utilização dos blogs, para direcionamento de ações,
disponibilização de elementos para estabelecimento de relações conceituais e contextuais
pelos alunos e no que concerne à instauração e manutenção de diálogo nesses espaços
comunicativos e de aprendizagem.
REFERÊNCIAS
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Interamericana, 1980.
BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.
BIERWAGEN, Gláucia Silva. Uma proposta de uso de blog como ferramenta de auxílio
ao ensino de ciências nas séries finais do Ensino Fundamental. Faculdade de Educação da
USP, São Paulo. 2011.
FLICK, U. Introdução à pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Artmed, 3. ed., 2009.
HABERMAS, J. Teoria do agir comunicativo I: racionalidade da ação e racionalização
social. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012a.
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Paulo: WMF Martins Fontes, 2012b.
MIRANDA, Fatima Helena da Fonseca. Uso de blog em educação ambiental: uma
possibilidade pedagógica. Centro Universitário de Volta Redonda - Programa de Mestrado
Profissional em Ensino em Ciências da Saúde e do Meio Ambiente. Volta Redonda, 2012.
PICAZZIO, Enos. A influência da astronomia na ciência e na
humanidade. ComCiência [online]. 2009, n.112, pp. 0-0. ISSN 1519-7654.