ATIVIDADE ESCRITA: UMA POSSIBILIDADE PARA O
DESENVOLVIMENTO DA ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA EM
ESTUDANTES DE ENSINO MÉDIO
Resumo
A pesquisa em ensino de ciências tem apontado a importância da alfabetização científica durante a aprendizagem escolar. Mas como ter indícios de que ela se dá? Algumas das competências próprias da ciência e do fazer científico foram explicitadas nos denominados indicadores de alfabetização científica, que nos permitem avaliar a ocorrência ou não deste processo e, se for o caso, como ele se dá. Nesse contexto, o presente trabalho tem como objetivo responder às seguintes questões: é possível verificar a presença dos indicadores de alfabetização científica em alunos de Ensino Médio durante a realização de uma atividade que não é como as de caráter explicitamente investigativo a partir das quais esses indicadores foram elaborados? Em caso afirmativo, que tipo de atividade é esta e em que medida ela propicia o surgimento dos indicadores? Para tentar responder a essas perguntas, descrevemos uma intervenção em sala de aula cujo objetivo era promover a escrita científica junto aos estudantes. A escolha de uma atividade escrita deveu-se ao fato de que escrever possibilita ao sujeito refletir sobre o que sabe e sistematizar suas ideias. Além disso, a atividade foi elaborada com o objetivo de aproximar os estudantes do fazer científico. Ela foi aplicada no ano de 2009 em três turmas regulares do 2º ano do Ensino Médio do CEFET/RJ – Unidade de Ensino Descentralizada de Nova Iguaçu. Havia em torno de 35 alunos em cada turma, com idades entre 14 e 17 anos. Analisamos os dados coletados (relatórios escritos pelos alunos sobre um experimento realizado previamente), buscando indícios dos indicadores ou outros elementos que nos permitissem avaliar se os estudantes de Ensino Médio investigados conseguiram ou não e em que medida desenvolver algum nível de alfabetização científica por intermédio da atividade proposta. Palavras-chave: alfabetização científica, escrita, ensino-aprendizagem.
Introdução e Objetivos
A importância do desenvolvimento da alfabetização científica no contexto escolar é
mencionada com frequência na literatura da área de ensino de ciências
(LORENZETTI e DELIZOICOV, 2001; FOUREZ, 2003; LEMKE, 2006). Alguns
trabalhos indicam também como ter indícios de que a alfabetização científica está
ocorrendo, tanto em termos dos argumentos científicos usados pelos alunos ao
exporem suas ideias sobre um fenômeno ou situação (SASSERON e CARVALHO,
2011) como no que se refere a suas atitudes e procedimentos ao longo da realização
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Marta Maximo Pereira
de uma atividade (JIMÉNEZ-ALEIXANDRE, BUGALLO RODRÍGUEZ e DUSCHL,
2000; NORRIS e PHILLIPS, 2003).
Em especial, Sasseron (2008) aponta que alguns indicadores de alfabetização
científica podem ser observados quando os alunos explicitam algumas das
competências próprias da ciência e do fazer científico. Tais indicadores são levantados
por essa autora a partir de atividades abertas investigativas (realizadas com alunos de
Ensino Fundamental) e com um enfoque nas relações entre ciência, tecnologia e
sociedade,
Com o objetivo de tentar ampliar o potencial analítico dos indicadores a outras
situações de sala de aula e a outros níveis de ensino, como já o fazem alguns trabalhos
(PENHA, CARVALHO e VIANNA, 2009; BARRELO e CARVALHO, 2010), a
presente investigação tem como objetivo responder às seguintes questões: é possível
verificar a presença dos indicadores de alfabetização científica em alunos de Ensino
Médio durante a realização de uma atividade que não é como as de caráter
explicitamente investigativo? Em caso afirmativo, que tipo de atividade é esta e em
que medida ela propicia o surgimento destes indicadores?
Para tentar responder a essas perguntas, inicialmente descrevemos uma intervenção
em sala de aula cujo objetivo era promover a escrita científica junto aos estudantes.
Tal descrição se faz necessária porque acreditamos que a maneira como a atividade
foi construída e aplicada em sala de aula pode ajudar a compreender seus objetivos no
que se refere à alfabetização científica. Posteriormente, analisamos os dados coletados
(relatórios escritos pelos alunos), buscando indícios dos indicadores e ou outros
elementos que nos permitissem avaliar se os estudantes de Ensino Médio investigados
conseguiram ou não e em que medida desenvolver algum nível de alfabetização
científica por intermédio da atividade proposta.
Referencial Teórico
A escrita, enquanto uma atividade complexa, “é a forma mais desenvolvida de
discurso” (VIGOTSKI, 2009, p. 457). Em relação ao ensino de ciências, Márquez e
Prat (2010) afirmam que “escrever é uma parte essencial nas atividades de
aprendizagem. A escrita exige reflexão, seleção de conteúdos e de formas de
expressão próprias da linguagem científica para comunicar ideias elaboradas” (p. 43).
Já existem na literatura alguns trabalhos que estudaram as produções escritas dos
alunos para tentar compreender aspectos relacionados a como ocorre a aprendizagem
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dos estudantes (RIVARD e STRAW, 2000; OLIVEIRA e CARVALHO, 2005;
NAGY SILVA e BURIASCO, 2005; MAXIMO-PEREIRA, SOARES e ANDRADE,
2011). Mas que tipo de atividade escrita pode ser desenvolvido junto aos estudantes
para atender os objetivos do processo de ensino-aprendizagem?
Entendemos que a escrita científica na escola pode permitir tanto a sistematização de
conhecimentos como revelar aos alunos uma dimensão importante do fazer ciência. É
por intermédio da escrita que o conhecimento científico não só é construído e
divulgado, mas também ampliado ou questionado. Os cientistas dão a conhecer suas
ideias e “descobertas” por intermédio de artigos científicos. Elaborados individual ou
coletivamente, são revisados e criticados por seus pares, a fim de que o cientista possa
refletir sobre seu texto, reescrevê-lo e aprofundá-lo com base nos comentários feitos.
Concordando com Lemke (2006), não temos como objetivo das aulas de ciências
formar futuros cientistas. No entanto, tendo claras as aproximações e os
distanciamentos entre a construção do conhecimento científico escolar e a produção
de ciência pelos cientistas, é relevante não só ensinar ciência, mas também ensinar
sobre ciência.
A ciência se constitui enquanto campo de conhecimento tendo por base a articulação
entre a experiência e o texto escrito. Para Márquez e Prat (2010): Ler e escrever estão intrinsecamente ligados à natureza da ciência e ao fazer científico e, por extensão, ao aprender ciência. Retirando-os, lá se vão a ciência e o próprio ensino de ciências também, assim como remover a observação, as medidas e o experimento destruiriam a ciência e o ensino dela.” (p. 23)
Tendo estabelecido os objetivos de uma atividade de escrita científica, que observar
nos textos dos alunos para ter indícios de ocorrência de aprendizagem? Neste
trabalho, utilizamos os indicadores de alfabetização científica, propostos inicialmente
por Sasseron (2008), como contribuição teórica de base para nossa análise de dados.
Entendemos que um indivíduo é alfabetizado cientificamente quando ele
entende as relações entre ciência e sociedade, compreende a natureza da ciência e seus
processos de construção e conhece conceitos e leis científicos fundamentais
(SASSERON e CARVALHO, 2007). Assim, os indicadores de alfabetização
científica são competências próprias do fazer científico, desenvolvidas e utilizadas para
a resolução, discussão e divulgação de problemas “quando se dá a busca por relações
entre o que se vê do problema investigado e as construções mentais que levem ao
entendimento dele” (SASSERON, 2008). Os indicadores de alfabetização científica
são os seguintes: seriação de informações, organização de informações,
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classificação de informações, raciocínio lógico, raciocínio proporcional,
levantamento de hipóteses, teste de hipóteses, justificativa, previsão e explicação.
A seriação de informações diz respeito a um agrupamento inicial de dados em uma
lista ou tabela, a fim de servir da base para o trabalho futuro com eles. A organização
de informações se refere a um rearranjo das informações elencadas anteriormente ou
de informações novas. A classificação de informações supõe um ordenamento dos
elementos com os quais se está trabalhando a fim de conferir-lhes algum tipo de
hierarquia e de estabelecer algum tipo de relação entre eles.
O raciocínio lógico está relacionado ao modo como o pensamento é exposto, pois
representa como as idéias são desenvolvidas. Já o raciocínio proporcional dá conta
de mostrar como se estrutura o pensamento no que se refere à maneira como são
estabelecidas relações entre variáveis.
O levantamento de hipóteses é o estabelecimento de suposições sobre um dado tema;
o teste de hipóteses se refere a quando as hipóteses levantadas inicialmente são
colocadas de algum modo à prova. A justificativa diz respeito aos elementos
utilizados para garantir e dar suporte a uma afirmação que é feita. A previsão é a
capacidade de se antever a ocorrência de um novo fato a partir do conhecimento que
já se têm sobre alguma situação. A explicação é a relação entre informações e
hipóteses já levantadas a fim de se compreender um dado fato.
Relato da intervenção
A atividade que agora descrevemos foi aplicada no ano de 2009 em três turmas
regulares do 2º ano do Ensino Médio do CEFET/RJ – Unidade de Ensino
Descentralizada de Nova Iguaçu. Havia em torno de 35 alunos em cada turma, com
idades entre 14 e 17 anos.
A proposta consistiu na escrita do relatório de uma experiência realizada previamente
pelos alunos. O experimento teve por objetivo determinar a velocidade que uma bola
de futebol adquire ao ser chutada. Tal determinação é feita a partir de medições de
intervalos de tempo com precisão da ordem de centésimos de segundo e praticamente
nenhuma influência do experimentador (MAXIMO-PEREIRA e AGUIAR, 2011).
Solicitamos que o relatório dessa experiência fosse escrito coletivamente, em grupos
de 5 a 6 integrantes. Os alunos deveriam, além de descrever o que foi feito no
experimento e apresentar os dados obtidos, calcular a velocidade do chute de cada
colega e realizar um estudo, a partir desses dados, para verificar se existia alguma
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relação entre a velocidade da bola e o sexo, a massa, a altura e a idade dos alunos que
a chutaram.
Como muitos estudantes nunca haviam feito um relatório de uma experiência de
Física, explicamos os objetivos do mesmo, como ele deveria ser elaborado e
fornecemos-lhes dois materiais adicionais: um breve texto explicativo sobre as partes
de um relatório e um relatório em formato de um artigo científico, escrito por alunos
de graduação em Física. Este último versava sobre um experimento completamente
diferente do que foi realizado e serviria como modelo de formatação e de organização
de informações. Além disso, os estudantes foram orientados a escrever o texto de
forma que uma pessoa que não tivesse acompanhado o experimento realizado nem
fosse especialista em Física ou áreas afins conseguisse compreender o que eles
fizeram na atividade experimental proposta e a análise que realizaram posteriormente.
Os relatórios foram corrigidos da seguinte forma: apontando incoerências ou
argumentos sem justificativa; identificando equívocos conceituais e de cálculo,
inconsistências em unidades de medida e análises de dados inconsistentes; sugerindo
reformulações de estruturação do relatório. Solicitamos aos grupos que corrigissem e
reescrevessem os relatórios, a fim de aperfeiçoá-los de acordo com as sugestões de
correção.
Para estimular a reescrita dos mesmos, selecionamos os três melhores relatórios de
cada turma para passar à fase seguinte de correção, após a primeira reescrita. Nessa
etapa, solicitamos a três professoras de Português (cada uma para uma turma) que,
além de corrigir erros de ortografia, indicassem, dos três relatórios, o mais coerente,
claro, objetivo e bem fundamentado. Em outras palavras, que apontassem aquele a
partir do qual elas conseguiram ter a melhor compreensão sobre o que foi feito no
experimento e sobre a análise dos fatores que poderiam influenciar a velocidade com
a qual a bola foi chutada.
Cada professora escolheu um relatório e também sugeriu ainda pequenas
reformulações e correções. Os três grupos selecionados tiveram, então, a oportunidade
de uma terceira reescrita, a partir da qual selecionamos o melhor relatório. Os alunos
do grupo cujo relatório foi escolhido receberam um certificado e foram informados de
que ele seria utilizado por outros alunos no ano seguinte, como modelo de relatório
para outras experiências.
Metodologia de Pesquisa
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A presente investigação caracteriza-se como pesquisa-intervenção com abordagem
qualitativa. A coleta de dados se deu, fundamentalmente, por meio das três versões do
relatório de cada grupo das três turmas. Devido à extensão deste trabalho, não será
possível analisar todos eles. Assim, realizamos um estudo de caso, focando nossa
atenção nas três versões daquele que foi considerado o melhor relatório. Tentamos
encontrar indicadores de alfabetização científica na escrita dos alunos deste grupo,
articulando nosso referencial teórico com os dados obtidos.
Análise e discussão dos dados
A disposição do texto do relatório foi feita no formato de um artigo científico,
conforme sugerido no material complementar fornecido aos grupos. Assim, vemos
que o grupo se aproxima do fazer científico ao estruturar seu texto desse modo.
O relatório foi subdividido nas seguintes partes, conforme foram nomeadas pelo
grupo: Título, Autores, Resumo, Objetivos, Introdução, Procedimento Experimental,
Resultados e Análise, Conclusão, Agradecimentos e Referências. A existência dessa
lista de tópicos, identificada como necessária para uma sequência lógica na escrita do
relatório, caracterizou a seriação das informações gerais contidas nele.
O objetivo do experimento foi claramente definido pelo grupo já no início da 1ª
versão do relatório. O grupo escreveu em Objetivos: O objetivo da experiência, realizada a partir do uso do computador para determinar medidas de tempo, é determinar a velocidade de um chute na bola de futebol e analisar possíveis
relações entre essa velocidade e sexo, massa, altura e idade de quem efetuou o chute.
[grifo nosso]
Nos Objetivos, o grupo realizou o levantamento de hipóteses ao indicar possíveis
relações entre características de quem chuta a bola e a velocidade que a mesma
adquire.
Na Introdução, desde a 1ª versão do relatório, os alunos mencionaram e explicaram a
definição de velocidade média como sendo o modelo teórico necessário para a
descrição do fenômeno. Segue o texto da 3ª versão do relatório, com algumas
correções de formatação e escrita já realizadas pelo grupo:
Para descrevermos um movimento, precisamos conhecer primeiramente a variação do espaço ΔS, que tem como unidade de medida no Sistema Internacional de Unidades (SI) o metro (m), e é sempre medido em relação a um ponto de referência chamado origem. É importante conhecermos a rapidez com que um móvel sofre uma mudança de posição. A grandeza física que indica tal rapidez é denominada velocidade média, representada por Vm.,
que tem como unidade de medida no SI o metro por segundo (m/s).Também é necessário saber o tempo com que esse móvel realiza essa variação no espaço, representado pela variável
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Δt, que tem como unidade de medida, segundo o SI, o segundo (s). Juntando essas grandezas temos:
É interessante observar que, quanto maior for o intervalo de tempo, menor será a
velocidade média; ou seja, são grandezas inversamente proporcionais. [grifo nosso]
O trecho acima parece indicar que o grupo conseguiu construir o conceito de
velocidade média e sistematizar, com suas palavras, uma definição para essa grandeza
compatível com o conhecimento científico. Além disso, explicitou um raciocínio
proporcional na definição escrita do conceito de velocidade média.
Ao final da Introdução, o grupo, na 1ª versão do relatório, mencionou o seguinte: Dentro do nosso experimento, o ΔS é representado pela distância de 2,0 metros entre a bola e a parede no primeiro instante.
Figura1: Esquema Bola-Parede.
Como isso já seria uma parte do Procedimento Experimental, assunto seguinte a ser
tratado por eles, o grupo não realizou inicialmente a organização correta dessa
informação. Sugerimos que a mesma fosse colocada na parte apropriada, solicitação
que foi acatada já a partir da 2ª versão do relatório.
No Procedimento Experimental, os alunos escreveram nas três versões do relatório: Foram disponibilizados três netbooks (minicomputadores portáteis) para o uso do software Audacity, que captou o som do chute e da bola batendo na parede, o que possibilitou a medida de tempo inicial e final demonstrados pelos picos de onda sonora.
O grupo narrou o processo de medição dos instantes de tempo de início e fim do
movimento. Entendemos que a justificativa dos alunos para medir o intervalo de
tempo a partir do som é a presença de picos de ondas sonoras que aparecem na
imagem fornecida pelo software Audacity. Todavia, não explicaram como, a partir da
captação do som e do aparecimento dos picos, o intervalo de tempo definido na
Introdução pôde ser determinado.
Ainda que os estudantes tenham realizado corretamente o cálculo do intervalo de
tempo, o que apareceu na parte Resultados e Análise do relatório, não houve uma
explicação mais específica (como, por exemplo, “fizemos a diferença entre os
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instantes de tempo final e inicial expressos por cada um dos picos visualizados pelo
Audacity”) para auxiliar o leitor a compreender o que foi feito no experimento.
Os alunos, na 1ª versão do relatório, colocaram também a tabela com os dados do
experimento na parte do Procedimento Experimental. Por nossa sugestão, nas versões
seguintes ela já aparecia na parte de Resultados e Análise. O grupo conseguiu, assim,
superar essa falha na organização das informações.
Também nesta última parte, a fim de atingir os objetivos mencionados no relatório, o
grupo comparou separadamente as velocidades da bola chutada pelos alunos com
cada um dos parâmetros que poderiam influenciá-las (sexo, massa e altura),
realizando o teste das hipóteses apresentadas nos Objetivos. Para tanto, construiu
outras tabelas a partir da tabela original, o que evidencia organização de
informações. Nesse ponto, parece identificar, por raciocínio lógico, que a presença de
muitos parâmetros influenciando a velocidade da bola iria dificultar a análise e optou
por separá-los e analisar como a velocidade se relaciona com cada um deles.
Talvez por saber que os meninos em geral têm mais familiaridade com o ato de chutar
uma bola e que, por isso, podiam ter tido alguma “vantagem” durante o experimento,
o grupo iniciou sua análise tentando verificar se o sexo de quem chutou a bola estava
relacionado de alguma forma com a velocidade que ela adquiriu. Para tanto, separou
os dados gerais em duas tabelas, uma para cada sexo (o que evidencia organização de
informações), e calculou a média das velocidades obtidas só por meninos e só por
meninas. Essa média foi maior para os meninos (14,08 m/s) do que para as meninas
(9,81 m/s), o que indica que a informação sobre o sexo de quem chutou a bola é uma
variável relevante, já que influenciou a velocidade dela.
Tentando estabelecer alguma relação entre altura e velocidade do chute, o grupo
elaborou também duas tabelas, uma com os 11 alunos mais baixos e outra com os 11
alunos mais altos (também aqui há organização de informações). De acordo com o
texto do próprio grupo no relatório: Não há associação entre altura e velocidade do chute, neste experimento, considerando que o aluno mais alto e a aluna mais baixa não obtiveram, necessariamente, velocidades maiores ou menores.
Assim, o fato de o aluno mais alto não chutar a bola com a maior velocidade e o mais
baixo não chutar a bola com a menor velocidade parece ser a justificativa apresentada
pelo grupo para afirmar que não há relação entre a altura de quem chuta a bola e sua
velocidade. Contudo, sabemos que a menção a apenas um contra-exemplo não é
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suficiente para justificar a ausência de relação entre altura de quem chuta a bola e a
velocidade que esta adquire. Um estudo mais estatístico deveria ser realizado para
justificar a conclusão do grupo.
Para tentar encontrar alguma relação entre a velocidade da bola e a massa de quem a
chutou, os alunos utilizaram a mesma estratégia de dividir os dados em duas tabelas.
De acordo com eles, uma tabela apresentava os alunos de maior massa e a outra, os
alunos de menor massa. Segue abaixo o que os alunos escreveram nessa parte do
relatório:
Relacionando massa e velocidade do chute, resultados mostram que não há uma regra que demonstre proporcionalidade entre massa e velocidade; alguns casos mostram que quanto
maior a velocidade, maior massa aquele aluno possui, e quanto menor a velocidade,
menor massa o aluno possui; entretanto, muitos resultados não seguem a essa regra. [grifo nosso]
A parte em negrito no texto é a justificativa dos estudantes para o fato de não terem
encontrado relação entre massa e velocidade da bola. Nesse caso, já havia um início
de estudo estatístico, pois o grupo mencionou não somente um contra-exemplo, mas
“alguns casos”.
O grupo também elaborou uma tabela relacionando a velocidade da bola e a idade de
quem a chutou, mas também não estabeleceu nenhuma relação entre elas. Como as
idades dos que chutaram a bola eram muito próximas, não deve haver, por hipótese
nossa, de fato, diferenças significativas nos valores de velocidade. Em outras
palavras, o parâmetro idade não é uma variável relevante nas condições em que o
experimento foi realizado.
A Conclusão do relatório está de acordo com seus Objetivos e com a análise de dados
realizada, o que mostra a coerência mantida pelos alunos na escrita do trabalho. O
grupo concluiu o seguinte:
Pudemos observar que o fator que influenciou na determinação da maior ou menor
velocidade foi o sexo dos participantes do experimento, já que os integrantes do sexo masculino obtiveram médias maiores que as do sexo feminino. [grifo nosso]
Assim, a explicação do grupo (em negrito no texto) para a questão colocada nos
Objetivos tem como justificativa o fato de que as velocidades da bola chutada pelos
meninos da turma, em média, são superiores às das meninas.
Considerações Finais
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A análise dos relatórios dos alunos sobre o experimento de determinação da
velocidade da bola em um chute mostrou que, em geral, o grupo foi capaz de
organizar suas ideias e argumentos de forma escrita e identificar as inconsistências
que lhes apontamos, corrigindo-as nas reescritas sugeridas por nós. Os alunos
conseguiram também, desde a 1ª versão do relatório, apresentar coerência entre seus
objetivos e suas conclusões, fato aparentemente simples, mas muito importante como
base para qualquer trabalho no campo das ciências. Assim, acreditamos que há bons
indícios de aprendizagem, pois, de acordo com Márquez e Prat (2010), “... a
verdadeira aprendizagem ocorre quando os alunos são capazes de elaborar e
comunicar um discurso próprio a partir dos novos conhecimentos” (p. 42).
No que se refere aos indicadores de alfabetização científica, identificamos oito deles
na escrita dos alunos: seriação de informações, organização de informações,
raciocínio lógico, raciocínio proporcional, levantamento de hipóteses, teste de
hipótese, justificativa e explicação. Observamos em três deles algum tipo de
incorreção, que passamos a comentar a seguir.
Quanto à organização de informações, por duas vezes os alunos tiveram que
reorganizar partes do texto, acatando nossa sugestão de correção na versão seguinte
do relatório. Entendemos que essa dificuldade deveu-se ao fato de que esse foi o
primeiro relatório escrito por eles, de modo que ainda não estavam familiarizados
com a sua estrutura. Além disso, os alunos souberam corretamente organizar as
informações referentes aos dados do relatório (velocidades da bola, altura, massa e
idade) em Resultados e Análise, o que indica que essa habilidade foi desenvolvida de
algum modo.
Durante o Procedimento Experimental, o grupo não explicitou a explicação de como
ocorre a determinação dos intervalos de tempo com o software Audacity. Todavia,
calculou corretamente os mesmos em Resultados e Análise.
A justificativa para a falta de relação entre a velocidade da bola e a altura de quem a
chutou poderia ser mais bem trabalhada pelo grupo, mas em outras três ocasiões ao
longo do relatório os alunos souberam justificar corretamente suas ideias.
Por tudo isso, acreditamos que a atividade escrita apresentada propiciou aos alunos
uma oportunidade de escrever cientificamente e de desenvolver habilidades relativas à
alfabetização científica, expressas pelos indicadores. Além disso, no que se refere a
aprender sobre ciência, a dinâmica da escrita em diferentes etapas sugeriu como se dá
a construção de um trabalho acadêmico, que possui idas e vindas, correções e
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retomadas, e passa por diferentes instâncias de avaliação até sua versão final. Nesse
sentido, concordamos com Vigotski (2009) quando afirma que “o caminho entre o
esboço e o passar a limpo é uma via de atividade complexa, mas até mesmo quando
não há cópia fatual o momento da reflexão no discurso escrito é muito forte” (p. 457).
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