Física Quântica
Aula 01
Radiação do Corpo Negro
Alex Gomes Dias
22 de setembro de 2015
Física Quântica
Motivações para se estudar física quântica.
- Domínios de validade da mecânica newtoniana.
(Comolli)
Galáxia de Andrômeda (M31), raio de 110 mil anos luz.
A dinâmica de estruturas gigantescas, como por exemplo uma galáxia, pode
ser descrita pela mecânica newtoniana.
Física Quântica 1
- O conjunto de leis que regem a dinâmica de átomos e moléculas não são as
da mecânica newtoniana, mas as da mecânica quântica.
Densidade de probabilidade dos estados do
hidrogênio.
- Componentes como transistores e diodos, que fazem parte dos dispositvos
eletrônicos, funcionam com base nas leis da física quântica.
transístor diodo semicondutor
Transistor � amplicador ou interruptor de corrente.
Diodo semicondutor � permite ou impede corrente elétrica dependendo da
polaridade da tensão.
- Tecnologia para geração limpa de energia: desenvolvimento de materiais para
células fotovoltaicas que possam aproveitar ao máximo certos �efeitos quânticos�.
Física Quântica 2
- Nanotecnologia: miniaturização de dispositivos por meio do domínio da
manipulação de átomos e moléculas.
- Computadores mais poderosos (grande promessa): computação quântica,
processadores quânticos.
Nos computadores digitais os dados são codi�cados em digitos binários (bits)
em que cada um delestes pode estar em dois estados de�nidos (0 ou 1).
Computadores quânticos fazem uso de bits quânticos (qubits), que podem
estar em múltiplos estados simultaneamente. Com isso as operações com qubits
permitiriam, teoricamente, a realização de um grande número de cálculos em
paralelo.
- Criptogra�a quântica.
Acredita-se que as técnicas de criptogra�a atuais não serão seguras a ponto de
resistirem ao poder de cálculo dos computadores quânticos. Veja artigo em Nature:
http://www.nature.com/news/online-security-braces-for-quantum-revolution-1.18332
Física Quântica 3
• Radiação do corpo negro:
O problema de se descrever o espectro de radiação eletromagnética emitida por
um corpo aquecido a uma dada temperatura T forneceu uma idéia importante
que levou ao desenvolvimento da física quântica. Um corpo quente que
emite radiação térmica, brilhando por exemplo na cor vermelha, ao ter sua
temperatura aumentada muda sua coloração.
• O corpo tem uma taxa de emissão de energia para cada temperatura. Pela
observação direta é constatada uma coloração diferente do corpo a medida que
a temperatura muda.
Término na mudança da coloração⇒ equilíbrio térmico foi alcançado.
Caracterização do equilibrio térmico de um corpo que emite e absorve energia:
Taxa de emissao = Taxa de absorcao
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Física Quântica 5
Radiação Térmica.
• A energia emitida pelo corpo devido a sua temperatura é denominada radiação
térmica. Essa radiação é composta por radiação eletromagnética distribuída
em diversas frequências ou, equivalentemente, comprimentos de onda.
• Luz é radiação eletromagnética. Essa radiação tem uma descrição clássica por
meio de ondas, as ondas eletromagnéticas.
A cada cor que enxergamos está associado um comprimento de onda.
Uma experiência comum é a observação da decomposição de uma luz que
passa por um prisma.
Dispersão da luz
Isso nos mostra que a luz incidente é composta por uma distribuição de ondas
com diferentes comprimentos de onda. Na decomposição da radiação térmica que
passa por um prisma há radiação de comprimento de onda acima do vermelho, bem
como abaixo do comprimento de onda do violeta. O olho humano não é sensível
a luz com comprimento de onda maior do que o vermelho, e nem menor do que o
do violeta.
• Onda eletromagnética monocromática: só envolve uma frequência (ou compri-
mento de onda).
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Para a onda eletromagnética, de comprimento de onda λ, polarizada na dire-
ção y (a polarização de uma onda eletromagnética é de�nida como a direção do
campo elétrico) temos
E (x, t) = Ey (x, t) y B (x, t) =1
cEy (x, t) z
Ey (x, t) = E0 sin
[2π
λ(x− ct)
]
No vácuo a velocidade de propagação da onda eletromagnética vale
c = νλ = 299 792 458 m/s
sendo ν a frequência e λ o comprimento de onda. c é a velocidade da luz no
vácuo.
E (x, t) é solução da equação de onda obtida das equações de Maxwell.
De�nem-se o período, τ , a frequência, ν, e a frequência angular, w, da onda
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como
τ =λ
c, ν =
1
τ, w = 2πν
O comprimento de onda, λ, se relaciona com o número de onda k (que nos será
útil mais adiante) da seguinte forma
k =2π
λ
Emissão de radiação eletromagnética→ Emissão de energia.
⇒ As ondas eletromagnéticas transportam energia.
S =1
µ0
E× B [|S|] ≡W/m2
(Intensidade)
• Faixa de comprimentos de onda no visível (i. e., sensível ao olho humano):
400nm ≤ λ ≤ 700nm, 1nm = 10−9m.
Acima de 700nm esta a região do infravermelho, e abaixo dos 400nm está
a região do ultravioleta.
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As ondas eletromagnéticas são classi�cadas conforme o comprimento de onda,
ou, equivalentemente, a frequência.
• A cor de um corpo aquecido a uma temperatura esta associada ao fato de
que na faixa do visível a intensidade emitida no comprimento de onda corres-
pondente a cor é maior em relação aos demais comprimentos de onda visíveis
presentes na distribuição.
• Espéctro de uma fonte de luz:
conjunto de todos comprimentos de onda, ou freqüências, em que a fonte emite.
• Algumas constatações sobre o corpo que emite radiação térmica:
- O espéctro de emissão é contínuo. A emissão da radiação se dá em to-
das as frequências.
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- A intensidade, potência por unidade de área, varia com o comprimento
de onda (ou, equivalentemente, com a frequência).
- A forma do espéctro depende da temperatura.
Exemplo: espéctro do Sol.
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Corpo Negro
• A experiência mostra que certos corpos emitem espéctros térmicos universais
(isto é, uma emissão independente do material do qual o corpo é composto e
de sua forma geométrica). Tais corpos são chamados de corpos negros.
- O corpo negro também absorve toda radiação que incide sobre ele (nada é
re�etido).
- Para qualquer temperatura �xada os corpos negros emitem o mesmo espéc-
tro de radiação.
• Função distribuição espectral, ou também chamada radiância espectral,
RT (λ).
Consideremos uma unidade de área da superfície de um corpo a temperatura T , e
a função RT (λ) tal que
RT (λ) dλ = energia emitida por unidade de tempo em radia-
ção de comprimento de onda entre λ e λ+ dλ por unidade de área da superfície
à temperatura T .
Observe que RT (λ) dλ é a potência da emissão por unidade de área na faixa de
comprimentos de onda entre λ e λ+ dλ.
As curvas da distribuição espectral características de corpos negros obtidas
experimentalmente têm o seguinte per�l dependendo da temperatura. (Simulador)
Física Quântica 11
A potência total emitida por uma unidade de área do corpo a temperatura T
é dado pela integral
RT =
ˆ ∞0
RT (λ) dλ
Por outro lado a experiência mostra que para um corpo que se comporta como
um corpo negro
RT = σT4
Essa expressão é conhecida como lei de Stefan-Boltzmann (J. Stefan em
1879 de forma empírica, e L. Boltzmann por volta de 1884 usando as leis da
termodinâmica).
σ = 5.67× 10−8 W/m2 ·K4 é a constante de Stefan.
Física Quântica 12
Observe que:
• R para o corpo negro só depende da temperatura, i. e., independe de qualquer
outra propriedade do objeto como sua constituição ou forma.
• A experiência também mostra que o valor do comprimento de onda, λm, para
o qual R (λ) é máximo ( relaciona-se com a temperatura de acordo com
λmT = b = 2.898× 10−3
m ·K
Essa é a lei do deslocamento de Wien (deslocamento porque a medida que a
temperatura aumenta a frequência máxima também se desloca proporcionalmente,
i. e., νm ∝ T ). Tal resultado foi derivado por W. Wien em 1893, com a constante
b sendo determinada experimentalmente.
Lei de Wien −→ permite saber a temperatura de um objeto que emite
radiação como se fosse um corpo negro.
Exemplo: determinar a temperatura na superfície do Sol supondo que este se
comporte como corpo negro.
λSolm ≈ 510nm ⇒ T =
b
λm≈ 5700 K
Física Quântica 13
O problema do corpo negro, ou o germe da física quântica.
As curvas RT (λ) não podem ser explicadas, ou obtidas com base simples-
mente na mecânica, termodinâmica, e eletromagnetismo. Os cáculos realizados até
antes de 1900 com base nessas três teorias não levaram a resultados satisfatórios.
• Max Planck resolve, em 1900, o problema teórico da obtenção do espectro
do corpo negro, i. e., da distribuição espectral, introduzindo a hipótese dos
quantas de energia.
Modelo de um corpo negro.
O corpo negro é idealizado pelo orifício, e não pelo forno com a cavidade. Toda
radiação que entra na cavidade acaba sendo absorvida pela parede da cavidade.
Quando esse �forno� composto pela parede e cavidade é aquecido a temperatura
T , deixando escapar a radiação térmica somente pelo orifício, o espectro do corpo
negro �ca conhecido ao se determinar como se distribui a potência emitida em
relação ao comprimento de onda. Se a temperatura T é mantida constante �ca
estabelecida uma situação de equilíbrio térmico entre a parede e a radiação na
cavidade.
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UT ≡ densidade total de energia eletromagnética na cavidade em equilíbrio
térmico na temperatura T .
A potência emitida é proporcional a densidade total de energia, U , em forma
de radiação eletromagnética na cavidade.
• Densidade de energia da radiação eletromagnética com comprimento de onda
entre λ e λ+ dλ dentro da cavidade,
dUT = uT (λ) dλ
uT (λ) → densidade de energia por comprimento de onda, usualmente,
também escrita como ρT (λ).
uT (λ) também é chamada de função distribuição espectral.
A densidade de energia na cavidade é obtida fazendo a integral em todos
comprimentos de onda
Física Quântica 15
UT =
ˆ ∞0
uT (λ) dλ
Pode ser mostrado que a potência emitida por unidade de área do corpo negro é
RT =c
4UT
Fluxo de energia
Detalhes desse cálculo podem ser encontrados, por exemplo, no livro de R.
Libo�, Introductory Quantum Mechanics, pag. 32.
A di�culdade encontrada com a física clássica (por física clássica entende-se
aqui o conjunto das teorias: mecânica, termodinâmica, e eletromagnetismo) foi
que esta predizia uma forma inconsistente para a função uT (λ). O resultado
encontrado para função distribuição espectral foi que
uRJ (λ) = 8πkBT
λ4
Lei de Rayleigh-Jeans
kB é a constante de Boltzmann (relacionada com a constante dos gases ideais).
O resultado acima é conhecido como a lei de Rayleigh-Jeans. Para comprimen-
tos de onda grande (baixas frequências) essa lei corresponde bem com os resultados
experimentais. Porém, a medida que os comprimentos de onda vão �cando menores
(altas frequências) constata-se um desvio da fórmula de Rayleigh-Jeans em relação
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aos resultados experimentais. O fato é que uRJ (λ) tende ao in�nito para λ
tendendo a zero
limλ→0
uRJ (λ) =∞
Tal resultado é inconsistente com a experiência. A fórmula de Rayleigh-Jeans
também conduz a um resultado sem sentido para a densidade total de energia
ˆ ∞0
uRJ (λ) dλ =∞
Catástrofe ultravioleta
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Esse resultado �cou conhecido como catástrofe ultravioleta. As curvas na
�gura acima representam os resultados experimentais para diversas temperaturas.
A área abaixo de cada curva correspondente dá a densidade total de energia.
Uma maneira de se obter uT (λ) é através de um modelo onde as paredes da
cavidade é composta por osciladores carregados. De acordo com o eletromagne-
tismo
cargas em movimento acelerado→ emissão de radiação
Os osciladores na cavidade interagem com o campo de radiação na cavidade,
absorvendo e emitindo energia na forma de radiação eletromagnética.
No equilíbrio, os osciladores na cavidade emitem e absorvem radiação eletro-
magnética a mesma taxa e o resultado que se deriva disso é que a densidade de
energia por intervalo de frequência é (para essa dedução veja livro de F. Caruso e
V. Oguri, Física Moderna)
uT (λ) =8π
λ4〈ε〉T
onde 〈ε〉T é a energia média dos osciladores do sistema em equilíbrio térmico em
temperatura T . Tal energia média é calculada classicamente a partir da função
distribuição de Maxwell-Boltzmann
Física Quântica 18
pT (ε) =e− εkBT
Z=e− εkBT
kBT
Z �ca determinada pela condição de normalização, i. e.,
ˆ ∞0
pT (ε) dε = 1
A função pT (ε) fornece para a energia média do oscilador
〈ε〉T =
ˆ ∞0
ε pT (ε) dε = kBT
Com esse valor na expressão de u (λ) acima leva a lei de Rayleigh-Jeans em
termos da frequência
uRJ (ν) =8π
λ4kBT
Planck percebeu que a expressão para uT (λ) seria condizente com a expe-
riência se os osciladores tivessem um comportamento diferente do que é esperado
conforme a física clássica.
Oscilador clássico→ pode ter qualquer energia.
Para um oscilador de frequência angular w = 2πν a energia total depende
do quadrado da amplitude de oscilação, A,
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Eosc.class = Ecinetica + Epotencial =A2w2m
2Assim, um oscilador clássico, de frequência w, teria qualquer energia, uma vez
que, em princípio, a amplitude A poderia ser variada continuamente.
A hipótese de Planck foi que os osciladores que absorvem e emitem radiação
na cavidade têm somente estados de energia que são discretos, múltiplos inteiros
de uma certa quantia εν. Para uma frequência ν as energias possíveis de um
oscilador é suposta ser da forma
εn = nεν = nhν n = 0, 1, 2, ...
εν = hν
onde
h é a constante de Planck,
h é determinada experimentalmente. Tal constante se ajusta a todas as curvas de
distribuição espectral para as diferentes temperaturas do corpo negro.
Física Quântica 20
O cálculo realizado originalmente por Planck não foi feito da forma simples
como segue (feito por H. A. Lorentz em 1910), e que leva ao mesmo resultado.
Com a hipótese de Planck a função distribuição Maxwell-Boltzmann é
pn (εν) =e− εnkBT
Z=e− nενkBT
Z
onde Z �ca determinada pela condição de normalização, i. e.,
∞∑n=0
pn (εν) =1
Z
∞∑n=0
e− nενkBT = 1
e, uma vez que
∞∑n=0
e− nενkBT =
1
1− e− ενkBT
tem-se
Z =1
1− e− ενkBT
A energia média do oscilador de frequência ν �ca determinada pela soma
〈ε〉T =
∞∑n=0
εnpn (ε) =hν
ehνkBT − 1
=hc/λ
ehc
λkBT − 1
Física Quântica 21
Esse resultado é diferente do que se obtém utilizando o teorema da equipartição
da energia para o oscilador (kBT ). Substituindo isso em
uT (λ) =8π
λ4〈ε〉T
a distribuição espectral de Planck é obtida
uT (λ) =8πhcλ−5
ehc
λkBT − 1
A concordância dessa fórmula com as curvas obtidas experimentalmente é impres-
sionante.
Física Quântica 22
Para comprimentos de onda tais que hcλkBT
� 1 a distribuição de Planck
recobre a lei de Rayleigh-Jeans, pois nesse caso
ehc
λkBT − 1 'hc
λkBT
e
uT (λ) '8πhcλ−5
hcλkBT
=8π
λ4kBT = uRJ (λ)
Além disso a fórmula de Planck para u (λ) converge a zero para pequenos
comprimentos de onda.
limλ→0uT (λ) = 0
O valor da constante de Planck h é determinado pela experiência
h = 6.626070040(81)× 10−34
J · s
= 4.135667662(25)× 10−15
eV · s
Um resultado importante derivado da distribuição de Planck foi a lei de
Stefan-Boltzmann juntamente com a determinação da constante de σ
UT =
ˆ ∞0
uT (λ) dλ =
ˆ ∞0
8πhcλ−5
ehc
λkBT − 1
dλ =8π5k4
B
15h3c3T
4
RT =cUT
4=
2π5k4B
15h3c2T
4
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Visto que a lei empirica de Stefan-Boltzmann é
RT = σT4
obtem-se que
σ =2π5k4
B
15h3c2
Além disso a lei do deslocamento de Wien é também derivada da distribuição de
Planck.
d
dλuT (λ) |λ=λm= 0
leva a
λmT = 0.290 cmK
A concordância da fórmula de Planck com as experiencias têm sido veri�cada
até os dias de hoje. O espectro da radiação cósmica de fundo é um exemplo como
pode ser visto na �gura abaixo. A temperatura média do universo atualmente é de
2.73K e o espectro concorda muito bem com a distribuição de Planck
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(FIRAS é um instrumento do satélite COBE da NASA lançado em 1989)
• Por �m, é importante ressaltar que a proposta de Planck tem na sua essência
a mudança da mecânica dos osciladores.
A mecânica dos osciladores é quântica.
Prof. Max Planck
Portanto, os osciladores tem estados de energia que são �quânticos�. Essa
idéia de estados quânticos, a partir do trabalho de Planck, gerou desenvolvimentos
notáveis e que conduziram a formulação da mecânica quântica.
Física Quântica 25
Adendo
A função distribuição espectral em termos da frequência, ρ (ν) , pode ser
obtida de u (λ) observando que
UT =
ˆ ∞0
ρ (ν) dν =
ˆ ∞0
u (λ) dλ
e que c = νλ, ou seja, dν = − cλ2dλ. Com isso,
ˆ ∞0
ρ (ν) dν = −ˆ 0
∞ρ
(c
λ
)c
λ2dλ =
ˆ ∞0
ρ
(c
λ
)c
λ2dλ
e, portanto,
u (λ) = ρ
(c
λ
)c
λ2
e, assim
ρ
(c
λ
)= u (λ)
λ2
c=
8πhλ−3
ehc
λkBT − 1
⇒ ρ (ν) =8π
c3
hν3
ehνkBT − 1
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