BOI DA MACUCA UMA INVENÇÃO VIVA NA CONTEMPORANEIDADE: PERSPECTIVAS E TENSÕES PARA OS ESTUDOS DE TRADIÇÃO NA
CULTURA POPULAR
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FRANCISCO RODRIGO SIMÕES ALVES SILVA
Pesquisador em cultura popular.
Artigo de conclusão do projeto Boi da Macuca: um brinquedo encangado nas costas.
Contemplado pelo Funcultura 2011-2012.
Coordenação técnica: Katarina Barbosa.
RESUMO
A Boi da Macuca é uma manifestação relacionada as práticas do Bumba-meu-boi do nordeste, sendo assim uma brincadeira de cultura popular que surgida em 1989 será analisada neste trabalho a partir do conceito de “tradição viva” inserida no contexto dos processos e transformações das quais constituem a contemporaneidade. Dessa forma, apresentaremos um contexto no qual se originou esta manifestação; discutiremos o conceito de tradição e apresentaremos uma perspectiva para os estudos dos saberes populares focalizando o seu contexto de produção e circulação no presente de seu surgimento relacionando o Boi da Macuca como uma manifestação surgida no
seio do capitalismo e que se mantém como tradição viva do agreste meridional.
PALAVRAS-CHAVE: Tradição viva, cultura popular, contemporaneidade
The Macuca's bull is a sort of manifest relatade to the practice of "Bumba meu boi" in the NE of Brazil, it is knowing as a cultural popular game, since 1989 it has been analized with the conception of "alive tradition" inserted into the conceptions of contemporary. Like that we present this concept on which started this manifest; we will discuss the concepts of tradition and present a perspective to the studies of popular knowledge, giving focus to the concept of production and circulation in the begun of its manifest. The Boi da Macuca started into the
capitalism but is still an alive tradition in the "agreste meridional".
No interior do agreste meridional de Pernambuco, perto da pequena
comunidade de Poço Cumprido o Boi da Macuca, grupo de Cultura Popular,
surgido em 1989, na Fazenda Macuca, município de Correntes - PE, Região
Nordeste do Brasil, é uma expressão brincante e irreverente que tem nos seus
componentes os elementos vivos da cultura local. Trata-se de uma região onde
a oferta de bens e serviços culturais é bastante carente e onde a agricultura e,
principalmente, a pecuária é base do ordenamento social. Além disso, existe um
precário acesso aos serviços de educação e saúde que também não tem sua
demanda suprida na região.
Este folguedo popular é nascido da imaginação de Zé da Macuca, geólogo
que abandonou uma carreira no grupo João Santos para ocupar o espaço
geográfico herdado de seu pai, foi aprender a cuidar da terra e do gado, mas
descobriu a existência de um boi mítico, presente na imaginação das pessoa. O
Boi da Macuca é uma manifestação cultural do bumba-meu-boi.
Porém, neste artigo pretendemos pensar a ideia de que este brinquedo
popular do agreste é uma tradição viva da cultura popular na medida em que
sofre os processos de sincronicidade do tempo de sua origem. O Boi da Macuca
é uma manifestação que além de preservar elementos tradicionais reelabora-os,
reconfigura-os e num processo de ressignificação criativa pode ser estudada
como um exemplo de manifestação que lida com as forças dinamizadoras no
seio do que acontece as novas tradições inseridas no atual contexto do mundo.
Para entendermos o Boi da Macuca enquanto uma manifestação viva da
cultura popular contemporânea nos apoiamos no referencial teórico-conceitual
ao qual tentaremos detalhar em seguida.
Assim falaremos sobre as perspectivas de analise dos saberes populares
apresentadas pela jornalista Maria Alice Amorim; da Antropóloga. Professora do
Depto. de Antropologia e Museologia e do PPGA/ UFPE, Maria Aparecida Lopes
Nogueira e da também antropóloga Maria das Graças Vanderlei da Costa,
Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de
Pernambuco (IFPE), que nos seu artigo “Tradição viva: A tradição sob a égide
da ‘razão aberta “ se propõem a analisar sob o conceito de tradição viva a
produção acadêmica desses saberes populares a partir de uma razão aberta,
que leva em conta a dinâmica em que esses saberes estão situados no presente.
Nesse sentido, traremos as reflexões apontadas por Marcos e Maria Ignez
Ayala, pois apresentam questões muito pertinentes à abordagem da cultura no
seu contexto de origem, todas presentes no seu livro A Cultura popular no
Brasil.
Analisaremos esta brincadeira a partir da noção de tradição dada por Erik
Hobsbawn, no seu livro A invenção das tradições. Neste livro o autor pensa a
tradição dentro de uma ideia de processo histórico no qual a reutilização de
dados elementos numa cultura resultam de certa forma, em novas formas de
tradição pois se originam em contextos históricos que acompanham as
transformações a qual estão inteiramente ligadas.
Sendo o Boi da Macuca uma manifestação nascida no epicentro da
origem do capitalismo contemporâneo ( o Boi surge em 1989, ano do fim da
antiga União Soviética ) analisaremos a relação deste folguedo e suas
estratégias de resistência e circulação e de que forma se mantém dentro desse
cenário relacionando-o a obra de Nestor Gárcia Clanclini em Culturas
populares no Capitalismo.
Por fim, tornearemos esta discussão através do levantamento de
questões epistemológicas apoiadas nas reflexões de Gerd Bornhei e José
Américo Pessanha, Tradição/Contradição, obra compilada que traz reflexões
profundas sobre a natureza da tradição, sua relação intrínseca com a ruptura, e
a dinâmica com que estes conceitos sobrevivem de maneira a poder dar
continuidade ao processo da tradição na cultura e de como os processos de
ruptura são muitas vezes responsáveis pela superação da estagnação e da
morte na cultura.
Não podemos deixar de expor que além de nossa vivência como brincante
desse folguedo popular, contribuiu muito para o nosso interesse sobre questões
que envolvem a cultura popular de forma geral a pesquisa em cultura popular e
tradição contemplada pelo edital do Fundo de incentivo à Cultura –
FUNCULTURA, 2011/2012, denominado “Boi da Macuca: um brinquedo
encangado nas costas!”. Nosso objetivo era de realizar o registro da história dos
vinte e cinco anos do Boi da Macuca e de alguma forma contribuir para o fomento
e a continuidade dos folguedos de tradição da cultura popular pernambucana.
Assim, durante o processo de execução desse projeto nos deparamos
com uma questão intrigante e que naturalmente nos levou a outras: o Boi da
Macuca é uma tradição? O que faz de uma brincadeira popular uma tradição?
Quais são os aspectos que caracterizariam uma tradição? E no percurso da
pesquisa, sempre, durante as abordagens e entrevistas que fazíamos
perguntávamos a outras pessoas as mesmas perguntas e, de onde podemos
perceber que as respostas variavam de acordo com a percepção particular que
cada um tem sobre o que realmente seria tradição. Foi quando nos decidimos
em introduzir em nossa missão de pesquisa o entender o que é tradição e que
se o Boi da Macuca seria uma tradição, porém analisada numa conjuntura que
levasse em conta a sua história singular.
Dessa forma, pretendemos afirmar a partir de uma análise que leve em
conta o contexto do presente no qual este brinquedo popular se originou; que
não leve em conta categorias que apenas engessam conceitos que interagem
no campo simbólico da cultura popular sem percebê-la como ativa dentro de um
processo dinâmico e constante; então veremos esta manifestação de cultura
popular denominada Boi da macuca como uma tradição viva, pois no bojo de sua
invenção ela reelabora os elementos simbólicos da cultura local, os quais se
utiliza para recriar uma nova tradição que se insere no contexto do mundo
contemporâneo.
Tradição na perspectiva do desengessamento do passado
A análise proposta neste trabalho procura se situar no interior do debate
que envolve várias áreas do conhecimento como a antropologia, a história, a
epistemologia e que oferecem cada uma a sua maneira uma contribuição, no
sentido do fazer-se uma leitura da importância dentro do novo quadro global em
que a tradição popular ou os saberes da tradição se apresentam no contexto da
sociedade contemporânea. Dessa forma, o que se pretende é levantar alguns
questionamentos à respeito de elementos considerados basilares na
determinação daquilo que porventura venha a ser considerado tradição como
por exemplo: as que impõem uma relação com um passado indissociável, e a
necessidade da reprodução mimética das formas originárias de manifestação
das práticas culturais, além de outros elementos engessadores e que anulam a
possibilidade criativa de atualização da cultura popular no tempo. Utilizando o
suporte conceitual da Antropologia, articulando-o e sendo subsidiado por
conhecimentos da história, além do estabelecimentos de pontos de tensões e
aprofundamento das questões a partir de reflexões providas da análise filosófica
epistemológica para entendermos a relação entre a ideia de tradição e em qual
mundo se situam manifestações da cultura popular tradicional e de que forma
as suas características se reelaboram no cenário atual materializadas na
representação do folguedo da região do agreste meridional de Pernambuco
denominado Boi da Macuca. Este folguedo que nasceu em 1989 e é
considerado hoje um dos mais antigos em atuação no estado. É originário das
terras que envolvem o entorno da região onde estão os municípios de
Garanhuns, Palmeirina, Correntes e os distritos de Poço Cumprido e Baixa
Grande. Esta manifestação da cultura popular nasce a partir das ideias pseudo-
anarquistas de seu idealizador, José oliveira da Rocha, Capitão Zé da Macuca,
que assimilando os elementos da cultura popular local, como por exemplo o
elemento imagético do Boi, extremamente importante para a base da economia
local e num processo sempre presente nas tradições, inventa um elemento
simbólico popular Bumba-meu-boi que alimenta-se desses mesmo elementos
configurando-os numa forma nova de tradição, que absorve a dinâmica do tempo
e do contexto social contemporâneo. Consideramos como tradição nesse
contexto, as práticas culturais que se servem de elementos antigos na sua
elaboração, enquanto novas tradições inventadas para fins originários
(HOBSBAWN, 1984).
Em artigo publicado na revista ANTROPOLÓGICAS de 2010, chamado
“Tradição viva: a tradição sob a égide da ‘razão aberta’” as autoras deste texto
nos apresentam um delineamento de uma nova perspectiva de estudos sobre os
saberes da tradição:
“A produção acadêmica sobre os saberes da tradição na contemporaneidade exige, fundamentalmente, a compreensão de sua força e dinâmica, das formas de produção e circulação dessa cultura. (…). Supõe, também, a apreensão das estratégias de resistência, das questões que envolvem seu encontro com os meios de comunicação de massa, a indústria cultural e o mercado. O pano de fundo das controvérsias que aí subjazem é cravado pela historicidade, por isso
esse tipo de conhecimento requer, sobretudo, a filiação a uma epistemologia calcada numa „razão aberta‟, capaz de enfrentar os processos de reelaboração e ressignificação dos saberes da tradição, reconhecer sua importância, as tensões e os conflitos que – recursivamente – os alimentam.(…) Tais remodelizações optam por focalizar o olhar no encontro deste capital cultural com os demais, que é fomentado pela sutura dos pares de opostos local e global e tradição e contemporaneidade, forjando hologramaticamente
um rico e diverso leque de saberes que constitui
patrimônio de toda a humanidade.” AMORIM, Maria
alice; NOGUEIRA, Maria Aparecida lopes; DA COSTA, Maria das Graças Vanderlei. “Tradição viva: A tradição sob a égide da ‘razão aberta”. Revista Antropológicas, ano 14,vol 21, 129-155.
A análise deste artigo procura nos permitIr entendermos a tentativa de
construção de uma nova égide para os estudos da tradição, ou melhor dizendo
das “Tradições vivas”, no qual se acredita que não se pode fazer uma análise
dos elementos que caracterizariam o contexto da produção e manifestação dos
saberes antigos na contemporaneidade, levando apenas em consideração o
mesmo construto epistêmico discursivo que encarcera o exame dessas práticas
culturais ao passado. Esta critica, nos ajuda a entender porque manifestações
populares, como as que se originaram a menos de três décadas como é o caso
do Boi da Macuca e que sobrevivem no tempo devem ser reestudadas sobre o
prisma de uma racionalidade menos determinista e fechada; uma racionalidade
que apure, respeitando as novas condicionalidades sociais, políticas,
econômicas e culturais na qual se mostram inseridas ,hoje. Práticas que
entendam a produção do conhecimento como algo que se manifesta em
constante processo de construção, e que tende a assimilar elementos do
desconhecido, pois “o conhecimento é processual, inacabado; portanto
pressupõe a incorporação da incerteza e do erro. Um permanente refinamento,
seiva que transforma e amplia a construção do saber, fortalecendo sua infindável
trajetória” ( BACHERLARD apud AMORIM; NOGUEIRA; DA COSTA, 2010,
p.131). Dessa forma, estes são aspectos que podem traduzir o que está no
entorno da manifestações culturais e com as quais esta em constante processo
de alimentação e conflito.
Também é interessante nos detemos e pensarmos os estudos sobre
tradição no contexto da cultura popular, e isto esta presente nas análises de
Marcos e Maria Ignez Ayala. Esse autores apontam algumas das bases para
pesquisa sobre a cultura popular brasileira. E para tanto discutem concepções
que provém desde o século XIX, de autores brasileiros e europeus até os dias
atuais. Nessa perspectiva compreendem este fenômeno das praticas culturais
como fenômenos que devem ser estudados na sua forma especifica e dentro do
contexto do presente contingencial que as formam e não imperiosamente presas
e sobreviventes do passado. Assim sintetizamos citando uma passagem do livro
Cultura popular no Brasil: Pois para os autores a pesquisa sobre as
manifestações culturais
“(...) exige que se considere a cultura popular
enquanto produção e no presente. Assim, se a
delimitação da cultura popular não pode estar
exclusivamente baseada no tipo de interesses de
classe que veicula, também não pode ser feita a partir
de características que a veiculem rigidamente ao
passado. Critérios como a origem rural, o caráter
“tradicional”, a “ambiguidade”, a preservação pela
imitação, a manutenção de concepções ou praticas
arcaicas, próprias a condições de existência já
extintas ou em vias de desaparecimento, resultam em
um enfoque que congela a cultura no passado. Além
de implicar uma visão da cultura popular como
anacronismo, como sobrevivência do passado no
presente, tal enfoque fixa-se na cultura popular como
produto, conjunto de objetos ou “bens culturais”.
Esquece-se que, como toda cultura, ela só se mantém
na medida em que for reproduzida, reelaborada
permanentemente, e que necessariamente se
transforma quando se modificam as condições
historicossociais no âmbito das quais é produzida”
Na citação observamos, o que para nós é a síntese dos pontos da critica
a que nos propomos levantar com neste artigo. Para podermos entender o que
é tradição e os saberes populares hoje, temos que estuda-las como sendo
praticas culturais como frutos simbólicos que nasceram nesse momento da
história. Não adianta comparar, as condições gerais em que um um bumbá-meu-
boi formado a vinte e cinco anos com as praticas culturais de bumbá-meu-boi
formadas no século XIX, e que apesar de sofrerem com as contingências do seu
tempo, tem seu acontecimento realizado num tempo cuja configuração não é
idêntica a de hoje. Outro ponto são os chamados “critérios”, e sempre que
pensamos em critérios nos colocamos a pensar e quem os instituiu? A questão
é que a constante reconstrução das formas de entendimento e analise dos
saberes é a única maneira mantê-los ainda presente e contribuindo para o
norteamento das identidades e do patrimônio cultural historicamente construído.
Não se pode pensar as praticas culturais de uma forma geral, sem a
olharmos dentro da conjuntura em que a história se forma. Vivemos num período
de rupturas. Ou pelo menos num momento em que as rupturas tomam forma
mais intensa do que em outros períodos históricos E manifestações como esta
que estamos refletindo aqui, que nascem dentro de um novo quadro
diferentemente instituído das manifestações que possuem mais de cem anos e
que passaram por períodos de perseguições e perda dos direitos de se
manifestar, precisam terem sobre elas uma nova forma de olhar sobre suas
pratica. Por isso, não é difícil hoje, entre acadêmicos ou mesmo entre aqueles,
que mesmo não tendo acesso a um panorama maior de informação,
compreenderem o espirito do tempo em que vivem, e se aperceberam de forma
mais concreta no seu dia-a-dia as transformações que o mundo e cultura popular
vem passando. Assim, o século XXI é para muitos um tempo de flutuação, de
incertezas. A lógica cartesiana, as ideias de progresso pela crença na razão e
na ciência. Os sistemas de pensamento que poderiam nos ajudar entender o
que somos e qual a origem dos valores do tempo em que existimos. Conceitos
considerados nucleares com Deus, religião, família, nada escapa ao juízo da
história que crava na sociedade uma interrogação perpetua de medo com
relação ao futuro. Um período onde tudo é desconstruído e questionável. Então
nesse contexto muitos se fazem perguntar o que será que ainda persiste como
uma espécie de valor basilar para a vida do homem contemporâneo? Assim,
para o professor e filosofo brasileiro Gerd Bornhein não seria nada incomum ou
estarrecedor encontrarmos alguém a nos dizer que “ a tradição acabou!” ou que
“tradições não existem mais...! ” pois o que marcaria o nosso momento histórico
nas palavras do professor seria o fato de que “ A novidade hoje está neste ponto:
a experiência da ruptura suplanta em muito a vigência da tradição. No passado,
o surto da ruptura não conseguia prejudicar de modo substancial a estabilidade
da tradição, quando é precisamente essa força da erradicação que vem
caracterizando os novos tempos” (BORNHEIN,1987). De uma forma geral, o
discurso é de que não há mais espaço para a continuidade, a perenidade das
coisas não mais existe. Nosso conhecimento repassado, nossos símbolos,
valores, nada mais tem valor. Na verdade um dos cernes desse projeto está
intrinsicamente subsescrito nas seguintes palavras: “ aquele traço aventado de
querer-se permanente da tradição não exclui a sua própria evolução histórica –
mesmo a permanência tem uma história” (BORNHEIN,1987) . Ou como diria
parafraseando o poeta, “nada permanece inalterado até o fim”. Nesse sentido é
que ressaltamos no pensamento de Gerd Bornhein, a ideia de que no passado
quando a ideia de ruptura não era tão presente na realidade sóciopoliticocultural
dos indivíduos, as transformações pelas quais o mundo e, a nossa visão sobre
este acontecia, tudo isso, se apresentava de forma mais lenta e tudo parecia
ceder menos a transformação. Como exemplo disso, cita o filosofo o que
aconteceu ao estilo gótico durante o período medieval que designa um período
da arte ocidental que dá seus primeiros passos no século XII e que se estende
pela europa até o princípio do século XVI, e que se caracteriza pela conjugação
entre o contexto social, politico e religioso com os valores estéticos e filosóficos
de seu tempo.
Outro argumento que este autor se utiliza para reforçar a impossível
inalterabilidade das tradições, diz respeito a noção de folclore. Na qual
caracteriza, relacionando-a as categorias de isolamento, atestadas muitas vezes
por conta do contexto de origem, a repetibilidade, a homogeneidade em seus
elementos característicos, e por fim, a invariabilidade. Pois bem para o homem,
o mesmo que é criador de folclore, ou outro, não pode mais pensar o seu fazer
folclórico independente das radicais transformações por que passou o mundo a
partir da revolução industrial. Este mesmo homem vive a se debater sobre
experiências diversas. Assim, conclui que nenhuma experiência de uma pratica
cultural se dá de modo exclusivo, fora das condicionalidades em que o mundo
passou e que depois se intensificou até os dias atuais. E ainda faz um alerta
àqueles que ainda tem uma visão estática de tradição como algo que é sempre
pensado numa correlação imperiosa com o passado, sempre estático,
dessincronizado do tempo quando afirma que “tradição só parece ser
inpertubavelmente ela mesma na medida em que afasta qualquer possibilidade
de ruptura, ela se quer perene e eterna, sem aperceber-se de que a ausência de
movimento termina condenando-a à estagnação da morte” pg.15
História e Antropologia caminham juntas de forma a nos mostrar as novas
relações de força em que os saberes populares e a tradição popular estão
inseridos no contexto da contemporaneidade. Em seu livro Culturas populares
no capitalismo. Nestor Garcia Canclini, nos traz uma visão bastante critica sobre
o que alguns fazem da relação da cultura popular - e não pretendemos aqui
discutir os argumentos pelos quais o autor usa da denominação de culturas
populares-, com a indústria cultural, a qual é motivada pelo capitalismo. Pois o
autor busca fazer com que possamos visualizarmos essas culturas populares
não só em sua definição ou caracterização, mas, procurando entender como elas
estão inteiramente ligadas nas transformações sociais que surgem, seja no
ambiente urbano ou rural, como também no político cultural (CANCLINI, 1982).
E aqui vale colocar as formas de circulação e nas quais o Boi da Macuca se
utiliza para sua continuidade e sobrevivência estando inserida, enquanto
manifestação popular que se articula com os mecanismos do Mercado da
cultura. O Boi da Macuca, como muitas outras manisfestaçõs populares em
Pernambuco, no Brasil e no mundo tendem a inserir-se na praticas que tem por
fim o angariamento de recursos para sua manutenção e continuidade e correm
assim . A princípio o que era pura brincadeira erra organizado de forma coletiva
e por pouco, muito pouco se faziam toda uma brincadeira sem o peso de
responsabilidades com o futuro. Mas logo as necessidades internas de qualquer
folguedo sobrevieram.
A Fazenda Macuca, local onde se realiza os três cortejos anuais da festa
do Boi torna-se a partir do ano 2000 um espaço de festas muiticulturais onde
coabitam as expressões do Rock’n Roll, no antigo Concerto da Macuca, festival
de bandas relacionadas à mesma linguagem musical o que acaba por tornar este
espaço conhecido por pessoas de outras cidades, estados e regiões, mas que a
partir de 2006 torna-se Festival dos Brinquedos populares da Macuca. Além
dessa festa,que está em plena atuação hoje, e que coexistia junto ao São João
da Macuca, a partir do mesmo ano de 2006 a acontecer o Festival de Jazz e
Improviso da macuca. Pois bem, essa é uma espécie de articulação dos que
fazem o Boi d Macuca, se utilizando que se impõe no local entre diversidade
cultural, a beleza ambiental e relação com uma experiência libertária, pois na
macuca se percebe um grande respeito nas inter-relações dos que lá vão. Junta
tudo isso, e se forma uma quadro onde através da preservação dos elementos
culturais e das riquezas naturais do lugar formam um plano de dimensão atraente
para um público que sai viajando de suas cidades e vem à Macuca, para usufruir
que lhes é oferecido e para tanto recursos de entrada, campim, alimentação,
bebidas, etc. são parte dessa maneira de capitar recursos para o local.
Também para a manutenção do folguedo existem a formas de circulação
que variam desde pequenas apresentações nas cidades circunvizinhas:
Garanhuns, Palmerina, Correntes, por vezes a valores monetários que não
suprem nem as demandas de alugueis de ônibus, alimentação, a apresentações
no Festival de Inverno de Garanhuns, e o Carnaval do Recife e Olinda, se
articulando entre o palco onde recebem um “pouco melhor”, e a rua. Essas são
as principais estratégias de manutenção dessa brincadeira. Isso as contextualiza
no cenário das praticas culturais inseridas na contemporaneidade onde essas
manifestações se apropriam dos agenciamentos oferecidos sedutoramente pelo
capitalismo como uma maneira de sub- existir num cenário que não respeita a
cultura popular, e possue pesos de diferente medidas para o que popular e o
que é de massa ou que é considerado de “elite”.
E é por isso que Caclini nos mostra os desdobramentos que a atividade
do consumo causa no material simbólico tradicional, ressalta que a cultura
popular procura se adequar ao mercado capitalista, onde acabou, em muitos
casos, tornando-se um simples produto de vendagem, compra e exportação.
Nesse sentido, é que acreditamos que o texto de Canclini se apresenta como
um importante documento que nos instiga a refletir sobre o real valor e sentido
da cultura popular no meio em que vivemos. E para nós esse trabalho é uma
forma de mostrarmos a importância de percebermos o poder da força
sincronizante entre as praticas populares e o atual momento em que estas se
apresentam como manifestação das tradições vivas contemporâneas.
Boi da Macuca: uma invenção viva hoje
O movimento cultural Boi da Macuca, surge das primeiras impressões da
infância de um homem nascido em Palmeirina, em 1954, cidade do agreste de
Pernambuco, onde ainda criança aos seis anos após ver um bumba-meu-boi tem
nas suas primeiras memorias o começa de um caminho de descoberta e
aprendizado que continua até os dias atuais. Ainda jovem, vai para Garanhuns,
centro urbano um pouco mais desenvolvido, terra do café, onde continua seus
estudos e faz o antigo ginásio. Logo após vai para a capital pernambucana onde
se gradua em geologia e passa a conviver num mundo de constante
descobrimentos.
Começa sua carreira no grupo João Santos, um dos três maiores
conglomerados do Nordeste, produtor do cimento Nassau. Como geólogo onde
junto a amigos de diferentes áreas no campo das artes, já residente na capital
sergipana, começam a articular ações que nascem de uma espécie de
necessidade imperativa de manter vivas as tradições folclóricas populares. Tudo
isso pode ser resumido nas próprias palavras do próprio José Oliveira da Rocha,
que aqui chamaremos de Zé da Macuca e que soam como um resultado
inevitável e irrefreável quando nos diz que “ passados os momentos de
descoberta dos colégios, da geologia... que ajudou muito de estar viajando pelo
Brasil descobrindo outras culturas... ai apareceu a necessidade de dar uma
contribuição cultural não só para o carnaval, mas para toda região onde se
origina o processo... desde o nascimento( no caso o seu próprio )”.
Havia uma necessidade de contribuir para construção de um momento
importante para o pais. Afinal, estamos em 1989, ano das primeiras eleições
diretas para presidente: Lula de um lado e Collor do outro. Era necessário
intervir, era um momento de abertura, de liberdade!. E é nesse ano, o ano da
queda do muro de Berlim, em pleno carnaval de Olinda que surge um estandarte
que anunciava a história de um folguedo vivo da cultura pernambucana: O
Movimento Cultural Boi da Macuca.
Trata-se de uma expressão brincante e irreverente se utilizando de
elementos vivos da cultura local para reinventar o bumba-meu-boi a vinte e cinco
anos. O Boi da Macuca, enquanto uma tradição inventada, é uma pratica cultural
que reutilizando elementos que se remetem a um passado acabam por
reelaborar, ou mesmo inventar novas tradições pois, possuem fins diversos e se
originam quando uma sociedade passa por transformações (HOBSBAWN,
1984). Nesse sentido, este folguedo popular é nascido da imaginação de Zé da
Macuca, que não deixando de lado a raiz da cultura popular, sincroniza esta
brincadeira de acordo com um contexto de nascimento de abertura para o novo
que se dá no processo de redemocratização do Brasil
O Boi da Macuca é uma manifestação cultural relacionadas as praticas
populares do auto do bumba-meu-boi. Assim sendo preserva alguns elementos
da cultura popular como: a referência ao totem do boi, a disposição do auto com
seus personagens como o Mateus, o Bastião, a Catirina, o capitão, os
personagens encantados como a caipora, o Jaraguá etc. Além disso, este
folguedo mantém da tradição a relação com os cortejos de boi que nesse caso
percorrem as estradas que vão da fazenda até o distrito de Poço Cumprido,
durante as festividades que acontecem pelo menos três vezes ao ano
O Boi da Macuca difere da maioria das brincadeiras de boi de seu estado,
onde vemos muito mais hoje, a prevalência deste auto em sua variação mais
conhecida o Cavalo-marinho, manifestação derivadas das praticas do Bumba-
meu-boi, predominantemente localizadas entre o eixo que vai do extremo norte
da zona da mata pernambucana chegando até cidades circundantes na Paraíba,
indo até o sul da desta região, tendo-se conhecimento da presença dessas em
outros estados que pelas condicionalidades especificas reelaboram esta
variação do bumbá cada uma a sua maneira. O livro A roda do Mundo Gira de
Erico José Souza de Oliveira trata de uma maneira bastante vasta sobre a
origem, discussão de métodos de pesquisa, conceitos de cultura popular,
folclore, festa, mas que na realidade tem um olhar centrado sobre a perspectiva
da brincadeira é um ótimo referencial para os estudos sobre essa variação do
auto do boi.
Algumas características podem ser colocadas para evidenciar o caráter
inventivo e de reelaboração concernente ao bumbá-meu-boi de poço Comprido.
A figura do Boi enquanto, entidade máxima do auto folclórico é símbolo do plano
social e econômico da região de origem. A região do agreste meridional entre
Garanhuns, Correntes e Palmerina, tem na pecuária e na agricultura a base do
seu ordenamento social. O boi é a força motriz do homem do campo é o seu
fulcro de apoio na lida do campo. É também base de seu alimento, pois do leite
se obtém, o queijo, a manteiga, a coalhada, o doce de leite, além de outros
artigos também característicos da gastronomia e que são derivados desse .
Dessa forma, a utilização de um símbolo-totem como o desse animal
representativo para os valores da região, se fez mais do coerente no processo
de reinvenção de um folguedo que se harmonize com as características
conjecturais dessa região.
Também a musicalidade do Boi da Macuca também preserva suas
singularidades, pois não se utilizando de músicas caracterizadoras do auto do
boi, esta manifestação se utiliza dos elementos rítmicos considerados de raiz
como: o pé-de-serra, o coco de roda, as toadas de gado, o aboio, o reisadi o, o
frevo e muitos outros. Nesse sentido, podemos falar de uma manifestação
tradicional da cultura popular? Em seu processo de origem, estão intrincados os
componentes próprios desse tipo de folguedo? Pois “tradição significa
estabelecer sua ligação com determinadas propostas, com um conjunto de
elementos ou características que é especifico” (AYALA, IGNEZ. 2006, p.39).
Porém, o Boi da Macuca é uma tradição viva da cultura popular na medida
em que sofre os processos de sincronicidade do tempo de sua origem. O Boi da
Macuca é uma manifestação que além de preservar elementos tradicionais
reelabora-os, reconfigura-os e num processo de ressignificação criativa. E dessa
maneira, pode ser estudada como um exemplo de manifestação que lida com as
forças dinamizadoras no seio do que acontece as novas tradições.
Mas o que faz do Boi da Macuca uma tradição viva inserida no contexto
da contemporaneidade? E qual a importância de se estudar a tradição no atual
contexto da sociedade?
O Boi da Macuca apesar de conter os elementos da tradição não se
prende aos critérios que a subjazem. Pois em sua manifestação não preserva a
totalidade do auto folclórico: não segue a sua encenação, preserva apenas
alguns personagens e caminha livre sobre as veredas dos campos do agreste
como se fosse uma troça de carnaval; não se refere a nenhuma relação de
código religioso, doutrina moral ou ética, sempre presente nas praticas de cultura
popular, inclusive do Bumba-meu-boi, pois não quer mais que preservar a alegria
do seus brincadores e brincantes; não nasce empiricamente de uma origem
rural, apesar de ter fixado morada no Fazenda onde a vinte e cinco anos atua
como articulador de ações culturais, inclusive quando foi instituído como ponto
de cultura em 2007. Pois nasce de um ciclo de amigos de classe média e alta do
Recife e Olinda, porém nesta época seu fundador já residia na zona rural do
agreste.
Outro elemento caracterizador nessa perspectiva são os seus
componentes ritmos que não trazem relação com a musicalidade característica
do folguedos de Boi, e sim, as músicas de Luiz Gonzaga, Trio Nordestino,
Jackson do Pandeiro, ou seja elementos que reconfiguram internamente a
preservação de símbolos tradicionais desse tipo de brinquedo.
Além disso, se seguíssemos à risca o modelo sistêmico fechado, o qual,
obedece aos critérios para o estabelecimento do que é ou não tradição, jamais
poderíamos assim reconhece-la. Um exemplo disso, é a relação que este
conceito tende a manter com determinados critérios como as categorias de
passado ou antiguidade. Geralmente uma manifestação para ser considerada
“tradicional” deve pertencer as que surgiram em um espaço de tempo
incalculável, quase imemorial. Nesse sentido o Boi da Macuca não faria parte
das manifestações tradicionais, simplesmente por não fazer parte dos
brinquedos que tem na sua origem uma relação com um tempo quase sem
memória. Pois é criada no contexto contemporâneo, e assume um papel
reavivante dos elementos tradicionais do passado, apesar de descontextualizá-
los. Pois hoje, o capitalismo se impõe mais e mais aos processos que envolvem
a cultura popular que estão cada vez mais comprometidos com as demandas do
capitalismo industrial. Sendo assim, torna-se importante para a manutenção das
singularidades dos grupos humanos em seus hábitos, costumes, tradições, os
quais devem permanecer vivos, preservados e a cultura popular é uma grande
aliada para isto já que os constitui em síntese (CANCLINI,1983).
Uma categoria engessadora das praticas tradicionais de cultura é a
urgência em se preservar concepções e práticas similares as realizadas num
contexto arcaico. Chegando ao ponto de ouvirmos discursos de pessoas da
própria região que manifestações como as do Boi da Macuca “não são
tradicionais”, ou que “Boi da Macuca não é uma tradição”. Assim, pensamos que
a cultura popular segue a dinâmica da sociedade na qual está diretamente
inserida. Ela não pode ser vista de forma isolada do contexto do mundo que a
perpassa. As tradições mudam, pois os homens que primeiro as colocaram em
função são diferentes dos homens que as mantém vivas em nosso tempo que é
histórico. Afinal nesse contexto achamos interessantes as palavras Bacherlard,
sendo citado por José Américo Motta Pessanha para quem “Será necessár io,
(...) do ponto de vista da própria vida, tentar compreender o passado pelo
presente, longe de se esforçar incessantemente por explicar o presente pelo
passado” (1987, p. 32).
Essa emergência em pensar a cultura popular fincada no passado e num
contexto temporal anacrônico é para Marcos e Maria Ignez Ayala uma maneira
de pensar a cultura popular como um produto, um acervo de objetos ou bens
culturais, uma forma de sobrevivência do passado no presente. E é dessa
maneira, que acabamos por negar que a cultura só entra em continuidade
quando se reelabora e se transforma, assim como as condições históricas nas
quais se originou.
Vivemos na sociedade contemporânea do século XXI, um período de
inseguranças com relação aos sistemas de pensamento e representações do
mundo. Desconfiamos da racionalidade científica cartesiana; religiões, quando
não nos enfiam a cabeça na areia, não mais conseguem nos conectar a
dimensão divina do real. Talvez seja a “crise dos universais” (GERD BONRHEIM,
1984). Assim o fundamento maior dos estudos sobre a tradição neste cenário é
a preservação daquilo que torna os homens seres tão diferentemente singulares
e que se relaciona com os processos de construção da nossa identidade. É a
subjetividade, poço profundo e rico manancial das singularidades de
humanidades procriadoras de símbolos para a vida. A capacidade subjetiva de
produzir cultura, que faz do homem um ser não apenas biológico, mas também
simbólico. É o que nos traz para fora da caverna de Platão. A tradição é essa
linha lançada no espaço atemporal que liga os homens de diferentes tempos,
contextos e que afirma a continuidade ressignificada. Afinal são homens de
diferentes subjetividades, em mundos de diferentes condicionalidades históricas,
sociais e culturais. Porém entrelaçados pelo tecido da tradição. E por isso que
deixamos como reflexão as interessantes palavras de Carlos Roberto Drawin
(1998), quando procura legitimar a construção da subjetividade dentro de um
panorama histórico epistemológico quando afirma que
A passagem do Bios ao Ethos implica portanto num processo mais
ou menos longo de aprendizagem do universo simbólico e de
participação na transmissão cultural, resultando não apenas na
adaptação material ao meio e na assimilação material do meio, mas
sobretudo na construção de um mundo, ou seja valores e
representações que fazem da realidade dada uma realidade
mediatizada. Desse modo, cada indivíduo empírico deve mediatizar
a sua particularidade indiferente na formação de sua identidade
psicossocial através de sua inserção na comunidade e de sua
reinvenção da tradição. Essa mediação tende a ser mais instável à
medida que o universo cultural torna-se mais complexo e cresce,
pela aceleração das mudanças socioculturais, o distanciamento
temporal entre o dado e o adquirido, entre a particularidade do
indivíduo e a universalidade da cultura. (p.26)
Por uma nova perspectiva nos estudos da cultura popular
Cada vez mais se torna necessário uma revisão das formas e
mecanismos de pesquisa e análise das manifestações vivas da tradição cultural
de forma a percebê-las enquanto práticas que se reiteram e assim se atualizam
dento do contexto social, político e cultural no qual estão inseridas.
Entendemos que esse é um mecanismo que impede a estagnação e o
desaparecimento das tradições populares. Somente se reelaborando e
preservando elementos da tradição é que estas manifestações poderão
sobreviver as transformações sociais pelas passam no decorrer de sua história.
É por isso que nesse artigo tentamos levantar alguns pontos que
consideramos de tensão com relação aos estudos sobre os saberes Tradicionais
populares na perspectivas das ações e métodos de estudo dessas
manifestações.
Dessa maneira, acreditamos que o estudo das manifestações populares
devem partir de uma análise calcada no presente de produção e manifestação
desses brinquedos correndo o risco de serem realizadas analises anacrônicas
com relação ao verdadeiro momento em que se desdobra a função. E assim,
passam a se fazer relatos e descrições que não correspondem a realidade
vivenciadas e que acabam por deturpar as condições em que sobrevivem esses
folguedos.
Outro aspecto é a questão dos critérios categóricos que impõem uma
norma ao conceito de tradição na cultura popular. Foram citados por Marcos e
Maria Ignez Ayala, imperativos como a origem rural, o aprendizado por mimese,
e uma origem relacionada a um passado quase imemorial. Pois bem,sendo
assim, o que será da das manifestações populares que podem e tem o direito
de surgir hoje? Teriam elas condições se preservar as mesmas caraterísticas
das manifestações em que e baseiam? Acreditamos que essas manifestações
teriam sofreriam as influencias de um mundo diferente de homens localizados
num espaço-tempo também diferentes e que teria de se adequar as condições
que a contemporaneidade nos impõe.
O engessamento da tradição é um mecanismo anacrônico de estagnação
e de definhamento das possibilidades de reelaboração e ressignificação dos
folguedos populares. A ruptura dessa forma se faz necessária enquanto
processo de atualização criativa no tempo. Promove a superação das dicotomias
que impõem a cultura popular uma relação de desprestigio com relação a outras
formas de cultura que conseguem se adequarem ao contexto contemporâneo
devido a um certo desprendimento, por exemplo das relações de mercado que
aqui entendemos como necessária para manutenção dessas manifestações,
desde que não promovam uma total descaracterização dos elementos que as
identificam
Por fim, entendemos o Boi da Macuca, manifestação de Bumba-meu-boi,
situada no agreste meridional de Pernambuco, nascida nos anos de 1989, como
uma tradição viva, por incorporar elementos da atual conjuntura, seja pela
aglutinação de elementos tradicionais do bumba-meu-boi como seus elementos
símbolos Boi, personagens, manifestação por cortejo, como também por se
permitir reelaborar esses mesmos elementos. Além disso, o Boi da Macuca é
uma manifestação contemporânea do Bumba-meu-boi, que organiza sua função
adequando-se às questões de mercado no processo de circulação e se utilizando
das estruturas do mercado como mecanismo de manutenção.
Assim acreditamos que somente com um novo olhar em perspectiva sobre
a maneira como entendemos o conceito de tradição é que poderemos pensar
em novas formas de continuidade das manifestações populares como formas de
continuidade no tempo dos saberes que possibilitam a construção de identidades
e que promovam a construção perpetua desses saberes no futuro
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMORIM, M. A. L., COSTA, M. G. V., NOGUEIRA, M. A.,. Tradição viva: A tradição sob a égide da ‘razão aberta’. Revista Antropológicas, ano 14,vol 21,
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AYALA, M. I., AYALA, M. Cultura popular no Brasil, São Paulo, Ática, 2006.
BONRHEIM, G. Tradição/Contradição, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1984.
CANCLINI, N. G. As Culturas Populares no Capitalismo, São Paulo: Ed.
Brasiliense, 1983.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC Editora,
1989.
HOBSBAWN, Eric. A Invenção das Tradições. Editora Paz e Terra – Rio de
janeiro, 1997.
KISHIDA, C., A., Cultura da Ilusão, Rio de Janeiro, ed. Contra Capa, 1998.