CAO – Crim
Boletim Criminal Comentado n° 98
7/2020
(semana nº 2)
Procurador-Geral de Justiça
Mário Luiz Sarrubbo
Secretário Especial de Políticas Criminais
Arthur Pinto Lemos Junior
Assessores
Fernanda Narezi Pimentel Rosa
Ricardo José Gasques de Almeida Silvares
Rogério Sanches Cunha
Valéria Scarance
Paulo José de Palma (descentralizado)
Artigo 28 e Conflito de Atribuições
Marcelo Sorrentino Neira
Fernando Célio Brito Nogueira
Analistas Jurídicos
Ana Karenina Saura Rodrigues
Victor Gabriel Tosseto
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SUMÁRIO
SUMÁRIO..............................................................................................................................................2
AVISO ...................................................................................................................................................3
ESTUDOS DO CAOCRIM.........................................................................................................................3
1-Tema: Competência para o julgamento do falso testemunho praticado em sede de
TELEAUDIÊNCIA.....................................................................................................................................3
2-Tema: NOTA TÉCNICA N° 6 - Fluxo do ANPP VIRTUAL.......................................................................4
3-Tema: VEC competente para execução da pena de multa...............................................................7
STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM.......................................8
DIREITO PROCESSUAL PENAL:...............................................................................................................8
4-Tema: Relatora restringe aplicação da nova lei que impõe revisão periódica da prisão
preventiva.............................................................................................................................................8
DIREITO PENAL:...................................................................................................................................12
5-Tema: Tipificação do crime de desacato não viola a garantia de liberdade de
expressão............................................................................................................................................12
6- Tema: Não se pode declarar extinção da punibilidade quando pendente pagamento da multa
criminal...............................................................................................................................................16
MP/SP: decisões do setor art. 28 do CPP...........................................................................................18
7- Tema: Associação para o tráfico de Drogas. Recusa de formulação de acordo de não persecução penal - manutenção............................................................................................................................18
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AVISO
Informamos que a Promotoria de Justiça de Bauru apresentou Representação, com Pedido
de Providências, à Corregedoria-Geral da Justiça, através da qual foi expedida orientação
aos magistrados para que observem a prerrogativa de intimação pessoal do Ministério
Público, prevista no inciso IV do artigo 41 da LONMP e no artigo 370, §4.º do CPP, mesmo
se a decisão estiver em consonância com requerimento ou parecer anterior.
ESTUDOS DO CAOCRIM
1-Tema: Competência para o julgamento do falso testemunho praticado em sede de
TELEAUDIÊNCIA.
Este estudo foi provocado pela colega de Araraquara, Patrícia Sguerra Vita e Castro, em consulta ao
CAOCRIM no nosso grupo de Telegram.
Vejamos.
É sabido que o crime de falso testemunho, de acordo com a doutrina majoritária, se consuma no
momento em que assinado o depoimento pela testemunha que falta com a verdade.
Cometido no bojo de uma precatória, prevalece o entendimento de que competente para seu
julgamento será o juízo deprecado, conforme, aliás, jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de
Justiça.
E no caso do falso testemunho prestado por testemunha ouvida em comarca diversa do processo,
mas, por videoconferência? Faltando com a verdade, deve ser processada pelo crime do art. 342 do
CP na comarca em que reside (local onde se encontrava no ato da audiência) ou na comarca onde
tramita o processo?
Concluímos que, neste caso, não se aplica o entendimento que prevalece na hipótese da
precatória. São situações distintas. Não houve colaboração de outro juízo. A prova foi colhida pelo
próprio juízo do processo, contando com a presença da testemunha, ainda que virtual. A presença
virtual não deixa de ser presença.
Logo, a comarca competente para o processo do falso será a mesma onde tramita o processo sede
(virtual) da mentira.
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2-Tema: NOTA TÉCNICA N° 6: Fluxo do ANPP VIRTUAL
Passo 1
1.1) O membro do Ministério Público avalia a pertinência do ANPP, inclusive requerendo a juntada
de antecedentes criminais;
1.2) O servidor procede à juntada da certidão de antecedentes criminais, certificando nos autos;
1.3) Sendo possível, profere despacho determinando o contato inicial com o investigado – e se já
houver, advogado – para confirmação de dados, com vistas ao procedimento exclusivamente
virtual;
Passo 2
2.1) O servidor contata (via ligação de voz, whatsapp ou e-mail) o investigado para:
a) informá-lo sobre a possibilidade de ANPP;
b) indagar se ele tem advogado ou precisa ser assistido pela Defensoria Pública (e se for o caso,
repassar meios de contato da Defensoria Pública);
c) confirmar dados pessoais;
d) avisar que ele receberá notificação por meio virtual (whatsapp ou e-mail) e de que a reunião será
online (dar primeiras instruções – recebimento de link por e-mail, possibilidade de baixar o
aplicativo MS Teams ou acessar via web, noções básicas do aplicativo, conforme vídeo tutorial)
Como gerar a reunião online, enviar o convite e utilização dos recursos (uso interno) https://web.microsoftstream.com/video/92bb776a-9638-4454-a1ab-ce9c4eb2a8c6
2.2) Certificar nos autos os procedimentos adotados acima (a depender do patrono – Defensoria
Pública ou advogado constituído);
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2.3) Caso a certidão acima destacada informar a impossibilidade de reunião online (p.ex., porque
não se conseguiu contato eletrônico com o investigado ou ele não dispõe de acesso à internet), a
partir daí o caso deverá seguir o fluxo do ANPP presencial;
Passo 3
3.1) Uma vez devolvidos os autos, e verificada a viabilidade da reunião online, o membro do
Ministério Público profere novo despacho, desta vez, com agendamento da reunião;
3.2) Em cumprimento ao despacho acima citado, o servidor agendará a reunião online no Microsoft
Teams;
Passo 4
4.1) O servidor elabora e expede a notificação, realizando a remessa exclusivamente por whatsapp
ou e-mail da defesa (Defensor Público ou advogado) e do investigado;
4.2) Feito isso, confirma o envio/recebimento, certificando nos autos;
Passo 5
5.1) Se necessário, o membro do Ministério Público ou o servidor contatam a vítima para fins de
avaliação dos danos;
Interessado/Parte Como o interessado deve acessar a reunião online via Teams (uso do convidado/externo) http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/home/arquivos/PassoaPasso_ParticipandoReunioesVirtuaisMPSP.mp4
5.2) Após, certifica-se nos autos as informações obtidas;
Passo 6
6.1) Com o suporte do servidor, o membro do Ministério Público realiza a reunião online (via MS
Teams);
Interessado/Parte Como o interessado deve acessar a reunião online via Teams (uso do convidado/externo) http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/home/arquivos/PassoaPasso_ParticipandoReunioesVirtuaisMPSP.mp4
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6.2) Antes de iniciar a gravação, é oportuno a realização de esclarecimentos iniciais quanto às
peculiaridades do acordo virtual, tanto para um melhor fluxo da audiência, como também para
diminuir o tempo e o espaço necessário para armazenamento da gravação;
6.3) Iniciada a gravação (consignar desde logo esse fato no vídeo), não esquecer de colher
expressamente, tão logo haja a qualificação do investigado e de seu advogado, a confissão formal e
circunstanciada da prática de infração penal;
6.4) Ao final, colher a concordância do investigado e de seu advogado no tocante aos termos do
acordo, notadamente quanto à ausência de assinatura no termo, a ser suprida justamente pela
verbalização do aceite deles;
6.5) A assinatura digital no termo de acordo, se houver, será dada apenas pelo membro do
Ministério Público, todavia, a petição de homologação deve informar que a presença e
concordância do defensor e do investigado quanto ao conteúdo do acordo são certificadas pela
verbalização na gravação em vídeo;
Passo 7
7.1) O servidor realiza o carregamento do vídeo gravado, colocando-o na pasta da promotoria
respectiva, no sharepoint;
7.2) Ato contínuo, realiza o compartilhamento do supracitado vídeo com as demais partes
(inclusive com a Secretaria da Vara Criminal), bem como gera o link que será adicionado na petição
de homologação do acordo;
7.3) Para fins de informação, remete à parte instruções visuais explicando como acessar o vídeo
compartilhado na forma do item 7.2;
Lembrando que, por razões de segurança (impedir que o link seja repassado indefinidamente) o
código somente dura 15 minutos, sendo renovado a cada pedido;
7.4) Ao final, certifica nos autos as medidas adotadas, disponibilizando ao membro do Ministério
Público a cópia do link gerado a ser adicionado na petição de homologação do acordo;
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Passo 8
Uma vez devolvidos os autos, o membro do Ministério peticionará requerendo a homologação do
acordo, incluindo o link gerado no passo acima.
3-Tema: VEC competente para execução da pena de multa
No acórdão proferido nos autos do Conflito de Jurisdição n.º 0015696-81.2020.8.26.0000
(Suscitante: MM. Juiz de Direito da 1.ª Vara de Pirajuí; Suscitado: MM. Juízo da 1.ª Vara Criminal,
Execução Criminal e Corregedoria da Polícia Judiciária – Seção Processual II de Assis), a Câmara
Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que é descabida a execução da multa
perante a VEC do local onde o sentenciado está cumprindo pena e declarou competente o Juízo
Suscitado, Juízo da Condenação.
Contudo, é importante observar que o primeiro julgado colacionado no acórdão, com o devido
respeito, está em flagrante contradição com a conclusão da Desembargadora Relatora, na medida
em que considerou, para fixar a competência para a execução da multa, o local no qual o
sentenciado cumpria a pena restritiva de direitos (TJSP; Conflito de Jurisdição 0048710-
90.2019.8.26.0000; Relator (a): Dimas RubensFonseca (Pres. da Seção de Direito Privado);Órgão
Julgador: Câmara Especial; Foro de Franca - 1ª Vara Criminal; Data do Julgamento: 11/03/2020;
Data de Registro:11/3/2020).
E mais, nesse julgado, foi firmada a competência do DEECRIM 3.ª RAJ para execução da multa.
Ousamos uma primeira conclusão. De duas uma: ou o Desembargador Relator se olvidou que o
artigo 8.º da Resolução n.º 616/2013 exclui da competência das Unidades Regionais do
Departamento de Execuções Criminais a execução da pena multa; ou confundiu DEECRIM com VEC.
Assim, reconheceu que a competência para execução da pena pecuniária é do local onde o
sentenciado está cumprindo a pena.
Vale aqui mencionar que os precedentes existentes no Setor do Artigo 28, CPP e Conflito de
Atribuições da Procuradoria-Geral de Justiça são no sentido de que a atribuição para executar a
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pena de multa é do Promotor que atua perante a VEC do domicílio do sentenciado (se preso, do
local onde está situado o estabelecimento prisional).
Desse modo, estamos estudando o teor do acórdão e pesquisando outras decisões proferidas pela
Câmara Especial do TJSP em Conflito de Competência, para alinhar o entendimento da
Procuradoria-Geral de Justiça com o TJSP, prevalecendo, por ora, aquele firmado nos precedentes
referidos do Setor do Artigo 28: a atribuição para execução da multa é do Promotor que atua
perante a VEC do domicílio do sentenciado (se preso, do local onde se situa o estabelecimento),
entendimento que encontra amparo no artigo 46, §5 do Código de Processo Civil.
STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM
DIREITO PROCESSUAL PENAL:
4-Tema: Relatora restringe aplicação da nova lei que impõe revisão periódica da prisão
preventiva
DECISÃO DO STJ- Publicado em notícias do STJ
Reza o art. 316 do CPP:
“Art. 316. O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão preventiva se, no correr
da investigação ou do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo
decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.
Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva se, deverá o órgão emissor da decisão revisar a
necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de
ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal”.
Para a ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Laurita Vaz, a obrigação de revisar de ofício a
necessidade da prisão preventiva a cada 90 dias é imposta apenas ao juiz ou ao tribunal que
decretou a medida. Segundo ela, seria desarrazoado, ou mesmo inexequível, estender essa tarefa a
todos os órgãos judiciários competentes para o exame do processo em grau de recurso.
A exigência de revisão periódica da custódia preventiva está no parágrafo único do artigo 316 do
Código de Processo Penal (CPP), introduzido pela Lei 13.964/2019.
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"Pretender o intérprete da lei nova que essa obrigação – de revisar, de ofício, os fundamentos da
prisão preventiva, no exíguo prazo de 90 dias, e em períodos sucessivos – seja estendida por toda a
cadeia recursal, impondo aos tribunais (todos abarrotados de recursos e entupidos de habeas
corpus) tarefa desarrazoada ou, quiçá, inexequível, sob pena de tornar a prisão preventiva 'ilegal', é
o mesmo que permitir uma contracautela de modo indiscriminado, impedindo o Poder Judiciário de
zelar pelos interesses da persecução criminal e, em última análise, da sociedade" – afirmou a
ministra.
A avaliação foi feita em decisão na qual Laurita Vaz negou o pedido de liminar para revogar a prisão
preventiva de um homem condenado por extorsão. Segundo a defesa, a preventiva – mantida na
sentença condenatória – já tem mais de um ano sem que tenha havido a revisão exigida por lei.
Meios de impugnação
Relatora do habeas corpus, a ministra afirmou que a Lei 13.964/2019 atribuiu ao "órgão emissor da
decisão" – em referência expressa à decisão que decreta a prisão preventiva – o dever de revisá-la
a cada 90 dias, de ofício.
"A inovação legislativa se apresenta como uma forma de evitar o prolongamento da medida
cautelar extrema, por prazo indeterminado, sem formação da culpa. Daí o dever de ofício de o juiz
ou o tribunal processantes declinarem fundamentos relevantes para manter a segregação
provisória", explicou.
No entanto – acrescentou a ministra –, depois de exercidos o contraditório e a ampla defesa, com a
prolação da sentença condenatória, o CPP prevê que o juiz – a partir de outra perspectiva acerca da
culpa do réu e da necessidade da custódia cautelar – "decidirá, fundamentadamente, sobre a
manutenção ou, se for o caso, a imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem
prejuízo do conhecimento de apelação que vier a ser interposta", como preconiza o parágrafo
1º do artigo 387.
Laurita Vaz apontou que, a partir daí, encerrada a instrução do processo e prolatada a sentença ou
o acórdão condenatórios, a impugnação à prisão preventiva – já então amparada em novo título
judicial – poderá ser feita pelos meios recursais ordinários, sem prejuízo do uso do habeas corpus a
qualquer tempo.
Interesse da sociedade
Segundo a relatora, a interpretação do parágrafo único do artigo 316 do CPP "não pode extrair
conclusões que levem ao absurdo". Ela afirmou que, para questionar a prisão preventiva, a defesa
dispõe de "farto acervo recursal", além da "inesgotável possibilidade" de manejo do habeas corpus.
Por outro lado – assinalou –, não se pode esquecer o "interesse da sociedade de ver custodiados
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aqueles cuja liberdade represente risco à ordem pública ou econômica, à instrução criminal ou à
aplicação da lei penal".
Ao analisar o pedido de liminar, Laurita Vaz concluiu que a defesa não demonstrou a plausibilidade
da tese segundo a qual a prisão preventiva deveria ser revogada ou substituída por medidas
cautelares alternativas, apenas por não ter havido a revisão no prazo de 90 dias.
A relatora observou que o réu, sentenciado a 13 anos, teve a pena aumentada em segunda
instância para 15 anos e cinco meses, e nada foi decidido no julgamento da apelação acerca da de
sua situação prisional, até porque nada foi requerido sobre isso. A defesa entrou com recursos
especial e extraordinário.
Segundo a ministra, as informações do processo mostram que não há ilegalidade no caso. "Muito
pelo contrário, o que se vê, mesmo em juízo superficial, são razões robustas para a imposição da
prisão preventiva, cujos fundamentos não foram submetidos à revisão do tribunal impetrado, razão
pela qual é defeso a esta Corte Superior adiantar-se nessa tarefa, sob pena de indevida supressão
de instância", concluiu.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):HC 589544
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
Redação antes da Lei 13.964/19 Redação depois da Lei 13.964/19
Art. 316. O juiz poderá revogar a prisão
preventiva se, no correr do processo, verificar a
falta de motivo para que subsista, bem como de
novo decretá-la, se sobrevierem razões que a
justifiquem.
Art. 316. O juiz poderá, de ofício ou a pedido das
partes, revogar a prisão preventiva se, no correr
da investigação ou do processo, verificar a falta
de motivo para que subsista, bem como de novo
decretá-la, se sobrevierem razões que a
justifiquem.
Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva
se, deverá o órgão emissor da decisão revisar a
necessidade de sua manutenção a cada 90
(noventa) dias, mediante decisão fundamentada,
de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal.
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O art. 316 do CPP reforça a ideia de transitoriedade, que é inerente à prisão preventiva, a permitir a
revisão da sua necessidade a todo tempo, seja para sua revogação, quando já decretada, seja para
decretá-la novamente.
Considerando “a preocupação da magistratura com as situações de prisão provisória com excesso
de prazo ou a manutenção da privação da liberdade após o cumprimento da sua finalidade”, o
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução 66/2009, onde determina que, estando o réu
preso provisoriamente há mais de três meses, com o processo ou inquéritos parados, cumpre ao
juiz (ou ao relator tratando-se de recurso), investigar as razões da demora, indicando, ainda, as
providências adotadas, a serem, posteriormente, comunicadas à Corregedoria Geral de Justiça ou à
Presidência do Tribunal (no caso do relator). A propósito, como observam Alberto Silva Franco e
Maurício Zanoide, sendo o juiz “obrigado a declinar os motivos da demora sempre que concluir a
instrução fora do prazo, com maior razão deverá fundamentar a necessidade da prisão cautelar, se
o arco de tempo processual, a que alude Chiavario, previsto para um determinado procedimento,
estiver consumido” (Código de Processo Penal e sua Interpretação Judicial, 2ª ed., vol. 1, São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 279, grifo original).
A Lei 13.964/19, acrescentando ao art. 316 do CPP novel parágrafo, seguiu o espírito da referida
Resolução. Diz que o órgão emissor da decisão deverá revisar a necessidade de sua manutenção a
cada 90 dias, mediante decisão fundamentada, sob pena de o constrangimento, até então legal, se
tornar ilegal.
O STJ, no julgado em comento, restringiu a sua observância apenas ao juiz ou ao tribunal que
decretou a medida, sendo desarrazoado, ou mesmo inexequível, estender essa tarefa a todos os
órgãos judiciários competentes para o exame do processo em grau de recurso.
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DIREITO PENAL:
5-Tema: Tipificação do crime de desacato não viola a garantia de liberdade de expressão.
DECISÃO DO STF- Publicado em notícias do STF
Para a maioria dos ministros do STF, o artigo 331 do Código Penal, que trata da matéria, foi
recepcionado pela Constituição Federal.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), na sessão virtual finalizada na sexta-feira (19),
decidiu, por maioria de votos, que o crime de desacato foi recepcionado pela Constituição Federal
de 1988. A maioria dos ministros acompanhou o voto do relator, ministro Luís Roberto Barroso,
pela improcedência da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 496, ajuizada
pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para questionar o artigo 331 do
Código Penal (Decreto-Lei 2.848/1940).
A entidade argumentava que o dispositivo, que tipifica o delito de desacato a funcionário público
no exercício da função ou em razão dela, não especifica a conduta e traz uma normatização
extremamente vaga. Como decorrência dessa imprecisão, o tipo penal estaria sendo usado para
reprimir a liberdade de expressão de cidadãos, que ficariam intimidados a não se manifestar diante
de condutas praticadas por agentes públicos. Ainda de acordo com a OAB, a norma seria
incompatível com o artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que tutela a
liberdade de expressão.
Tratados internacionais
Ao afastar a alegada não observância a tratados internacionais, o relator afirmou que nem o texto
expresso da Convenção nem a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos vedam
que os Estados-membros se valham de normas penais para a proteção da honra e do
funcionamento adequado da administração pública, desde que de modo proporcional e justificado.
Segundo Barroso, nos precedentes internacionais citados pela OAB, a violação ao artigo 13 da
Convenção não decorreu da mera tipificação em abstrato de crimes contra a honra ou de desacato,
mas da utilização indevida do direito penal como instrumento de perseguição e de inibição da
liberdade de expressão. Essa situação, no entanto, não se equipara ao pedido formulado na ação.
Administração pública
Em relação aos fundamentos da tipificação penal do desacato, o ministro observou que, ao atuar
no exercício de sua função, o agente público representa a administração pública, o que lhe sujeita a
um regime jurídico diferenciado de deveres e prerrogativas. Em razão dessa responsabilidade, ao
praticar determinadas condutas idênticas às perpetradas por particulares, os funcionários públicos
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são punidos de modo mais rigoroso. Em contrapartida, têm prerrogativas próprias para que possam
atender adequadamente ao interesse público.
É nesse contexto que, segundo Barroso, se justifica a criminalização do desacato. “Não se trata de
conferir um tratamento privilegiado ao funcionário público”, assinalou. “Trata-se, isso sim, de
proteger a função pública exercida pelo funcionário, por meio da garantia, reforçada pela ameaça
de pena, de que ele não será menosprezado ou humilhado enquanto se desincumbe dos deveres
inerentes ao seu cargo ou função públicos”.
O ministro lembrou que desacato está previsto no capítulo dos crimes praticados por particular
contra a administração pública. Ou seja, o bem jurídico diretamente tutelado não é a honra do
funcionário público, mas a própria administração pública.
Liberdade de expressão
Para que efetivamente tenha potencial de interferir no exercício da função pública, Barroso
ressaltou que o crime de desacato deve ser praticado na presença do funcionário público e não
abrange, dessa forma, eventuais ofensas perpetradas por meio da imprensa ou de redes sociais,
resguardando-se, dessa forma, a liberdade de expressão. Ainda de acordo com o relator, não basta
que o funcionário se veja ofendido em sua honra, ou seja, não há crime se a ofensa não tiver
relação com o exercício da função.
Barroso destacou que o Supremo possui jurisprudência ampla e consolidada de defesa da liberdade
de expressão, mas ressalvou que, como qualquer direito fundamental, ela encontra limites quando
é utilizada como pretexto para violações graves a outros interesses e direitos fundamentais. O
ministro enfatizou, no entanto, que o artigo deve ser interpretado restritivamente, a fim de evitar a
aplicação de punições injustas e desarrazoadas. “Os agentes públicos em geral estão mais expostos
ao escrutínio e à crítica dos cidadãos, devendo demonstrar maior tolerância à reprovação e à
insatisfação, sobretudo em situações em que se verifica uma tensão entre o agente público e o
particular”, concluiu.
Ficaram vencidos os ministros Edson Fachin e Rosa Weber.
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
Tramita no Congresso Nacional projeto de lei que busca abolir do nosso ordenamento o crime de
desacato, apresentando como justificativa a incompatibilidade do delito com disposições da
Convenção Americana de Direitos Humanos. Sobre o PL, o CAOCRIM elaborou, no ano de 2018,
nota técnica nos seguintes termos:
“Reza o art. 331 do CP
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“Art. 331 – Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela:
Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa”.
Percebe-se da proposta de alteração legislativa em exame, que o legislador acabou por seguir a
linha de raciocínio de parcela da doutrina e da jurisprudência, onde se sustenta, em apertada
síntese, que a punição da conduta de desacato é incompatível (1) com a ordem constitucional (2) e
com a legislação internacional de que o Brasil faz parte.
Essa postura legislativa parte de premissas equivocadas, data maxima venia.
1 - (In)compatibilidade do crime de desacato com a ordem constitucional:
Quanto à ofensa à ordem constitucional, argumenta-se que se trata de tipificação de caráter
autoritário, que visa afinal a impedir – ou ao menos a desencorajar – manifestações contrárias às
práticas de agentes estatais. Sustenta-se que, apesar da objetividade jurídica do crime – a
manutenção do prestígio da Administração –, os agentes públicos devem estar sujeitos a maior
fiscalização e censura e que, por isso, não se pode tolher o direito de crítica, ainda que exacerbada.
Criminalizar a conduta fere o princípio da proporcionalidade e ignora postulados próprios do Direito
Penal como a intervenção mínima e a lesividade. Não bastasse, em grande parte das situações o
agente estatal acaba por fazer ele mesmo uma espécie de “juízo preliminar” da caracterização do
crime e toma por ofensa uma manifestação que no geral seria interpretada como crítica,
provocando constrangimento contra quem se manifestou.
2 - (In)compatibilidade do crime de desacato com a ordem normativa internacional:
No que concerne à legislação internacional, a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos – à
qual o Brasil aderiu por meio do Decreto nº 678/92 – garante, no artigo 13, a liberdade de
pensamento e expressão, e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos já se manifestou no
sentido de que a legislação de desacato vigente no continente americano contraria os termos da
Convenção:
“A ameaça de sofrer punições penais por expressões, sobretudo nos casos em que elas
consistissem de opiniões críticas de funcionários ou pessoas públicas, gera um efeito paralisante
em quem quer expressar-se, que pode traduzir-se em situações de auto-censura incompatíveis com
um sistema democrático. A esta conclusão se chegou pela análise que efetuou a CIDH acerca da
compatibilidade das leis de desacato com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos em um
relatório realizado em 1995. A CIDH concluiu que tais leis não eram compatíveis com a Convenção
porque se prestavam ao abuso como um meio para silenciar idéias e opiniões impopulares,
reprimindo desse modo o debate que é crítico para o efetivo funcionamento das instituições
democráticas. Em conseqüência, os cidadãos têm o direito de criticar e examinar as ações e
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atitudes dos funcionários públicos no que se relaciona com a função pública. Ademais, as leis de
desacato dissuadem as críticas pelo temor das pessoas às ações judiciais ou sanções monetárias.
Por estas e outras razões, a CIDH concluiu que as leis de desacato são incompatíveis com a
Convenção, e instou aos Estados a que as derrogassem” (Relatório do relator especial para a
liberdade de expressão, Eduardo A Bertoni, solicitado pela Comissão de Assuntos Jurídicos e
Políticos em cumprimento da Resolução Ag-Res. 1894 (XXXII-O/02). Disponível
em https://www.cidh.oas.org/annualrep/2002port/vol.3m.htm).
No julgamento do REsp 1.640.084/SP (DJe 1/2/2017), o STJ chegou a considerar o crime de
desacato incompatível com a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos:
“Embora a jurisprudência afaste a tipicidade do desacato quando a palavra ou o ato ofensivo
resultar de reclamação ou crítica à atuação funcional do agente público (RHC 9.615/RS, Quinta
Turma, DJ 25/9/2000), o esforço intelectual de discernir censura de insulto à dignidade da função
exercida em nome do Estado é por demais complexo, abrindo espaço para a imposição abusiva do
poder punitivo estatal. Não há dúvida de que a criminalização do desacato está na contramão do
humanismo, porque ressalta a preponderância do Estado – personificado em seus agentes – sobre
o indivíduo”.
É importante alertar que esta tese, veiculada por uma das Turmas do tribunal, foi logo superada,
pois a Terceira Seção, no julgamento do HC 379.269/MS (DJe 30/6/2017), concluiu que o desacato
continua sendo crime.
Recentemente, o STF também encampou a tese de que a tipificação do desacato permanece hígida,
pois o tratamento conferido à liberdade de expressão pela norma de direito internacional não
difere daquele disposto na Constituição Federal. O direito não é absoluto, tanto que o
ordenamento constitucional tutela a honra e a intimidade, em face das quais a liberdade de
manifestação do pensamento sofre limitações e pode ser objeto de punição no caso de abuso:
“O exercício abusivo das liberdades públicas não se coaduna com o Estado democrático. A ninguém
é lícito usar sua liberdade de expressão para ofender a honra alheia. O desacato constitui
importante instrumento de preservação da lisura da função pública e, indiretamente, da dignidade
de quem a exerce. Não se pode despojar a pessoa de um dos mais delicados valores
constitucionais, a dignidade da pessoa humana, em razão do “status” de funcionário público (civil
ou militar). A investidura em função pública não constitui renúncia à honra e à dignidade. Nesse
aspecto, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgão responsável pelo julgamento de
situações concretas de abusos e violações de direitos humanos, reiteradamente tem decidido
contrariamente ao entendimento da Comissão de Direitos Humanos, estabelecendo que o direito
penal pode punir condutas excessivas no exercício da liberdade de expressão” (HC 141.949/DF, j.
13/3/2018).
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Em resumo, podemos concluir que a tipificação penal da ofensa contra o funcionário público no
exercício de suas funções é uma proteção adicional que não impede a liberdade de expressão,
desde que exercida sem exageros. E afastar a figura criminosa do desacato não traria mudança
significativa nos limites do direito de expressão, pois o exagero poderia de qualquer forma ser
punido como injúria majorada. Logo, o esforço para discernir a censura do insulto permaneceria. O
importante não é afastar a priori a possibilidade de punição do desacato, mas, mantendo a
proteção ao exercício da função pública, exercer o controle sobre eventuais abusos desse exercício.
Noutras palavras, compete ao poder público garantir tanto a punição do exagero do direito de
crítica à atividade desempenhada pelo funcionário público quanto a punição do abuso na reação do
funcionário diante de uma crítica justa proferida pelo cidadão.
III - Conclusão:
Posto isso, a presente NOTA TÉCNICA expressa posicionamento contrário do Ministério Público do
Estado de São Paulo em relação aos aspectos penais do Substitutivo aos Projetos de Lei n. 602, de
2015, e n. 1.143, de 2015”.
Percebam que as conclusões do CAOCRIM coincidem com o posicionamento dos dois Tribunais
Superiores.
6- Tema: Não se pode declarar extinção da punibilidade quando pendente pagamento da multa
criminal
DECISÃO DO STJ- Publicado em notícias do STJ
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou jurisprudência segundo a qual não
se pode declarar a extinção da punibilidade, mesmo que cumprida a pena privativa de liberdade, se
não foi paga a pena de multa.
O colegiado manteve decisão do relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, que negou o pedido
de um condenado para que fosse declarada a extinção da punibilidade. A defesa argumentou que,
após a Lei 9.268/1996, a multa passou a ser considerada dívida de valor, ficando impossibilitada a
sua conversão em pena privativa de liberdade ou a sua execução no âmbito penal.
Ao STJ, a defesa alegou ainda que a manutenção do processo de execução impede a pessoa de
votar e de obter certidão negativa de antecedentes criminais, prejudicando, muitas vezes, a sua
inserção no mercado de trabalho.
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O mesmo pedido já havia sido indeferido em primeiro grau e no Tribunal de Justiça de São Paulo,
ao fundamento de que a multa não perdeu sua natureza de sanção penal a despeito da Lei
9.268/1996.
Leia o acórdão.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1850903
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
De fato, o STJ possuía entendimento de que, "extinta pelo seu cumprimento a pena privativa de
liberdade ou a restritiva de direitos que a substituir, o inadimplemento da pena de multa não obsta
a extinção da punibilidade do apenado, porquanto, após a nova redação dada ao artigo 51 do
Código Penal pela Lei 9.268/1996, a pena pecuniária passou a ser considerada dívida de valor e,
portanto, possui caráter extrapenal". Assim, caberia apenas à Fazenda Pública executar a multa.
Contudo, a mesma Corte alterou seu entendimento após o Supremo Tribunal Federal (STF) julgar
a ADI 3.150 e declarar que, conforme estabelecido pelo artigo 5º, XLVI, da Constituição Federal, a
multa, ao lado da privação de liberdade e de outras restrições – perda de bens, prestação social
alternativa e suspensão ou interdição de direitos –, é espécie de pena aplicável em retribuição e em
prevenção à prática de crimes, não perdendo sua natureza de sanção penal.
Segundo o relator do REsp em comento, Min. Reynaldo Soares da Fonseca, as declarações de
constitucionalidade ou de inconstitucionalidade pelo STF são dotadas de eficácia contra todos e
efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário. "Assim, não se pode mais declarar a
extinção da punibilidade pelo cumprimento integral da pena privativa de liberdade quando
pendente o pagamento da multa criminal", ressaltou.
Não bastasse, a Lei 13.964/19 espancou qualquer dúvida, anunciando que a multa deve ser
executada, como qualquer outra pena de natureza criminal, na Vara das Execuções Criminais.
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MP/SP: decisões do setor do art. 28 do CPP
7- Tema: Associação para o tráfico de Drogas. Recusa de formulação de acordo de não persecução penal - manutenção
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, ART. 28-A, § 14
Autos n.º (xxxxxxxxxxxxxx) – MM. Juízo da 10.ª Vara Criminal do Foro Central Criminal da Barra Funda, Comarca da Capital
Réus: (xxxxxxxxx)
Assunto: recusa de formulação de acordo de não persecução penal - manutenção
Cuida-se de ação penal proposta pelo Ministério Público contra (xxxxxxxx) e (xxxxxxxx), incursos no
art. 35, da Lei nº 11.343/06, porque no dia 28 de janeiro de 2016, por volta das 13h30min, na
Avenida Presidente Wilson, nº 2304, Ipiranga, nesta Capital, associaram-se para o fim de praticar o
crime de tráfico de drogas.
Narra a denúncia que policiais civis investigavam o tráfico de drogas naquela região. Alguns dias
antes, efetuaram prisões em virtude dessa prática criminosa, depois de obterem informações por
meio campanas veladas e de moradores.
No dia do fato, receberam a informação de que dois indivíduos, num Ford Fiesta, efetuariam a
entrega de drogas. Após seguirem em direção àquela região, policiais avistaram o veículo referido
estacionado, com um indivíduo na direção, na entrada da Favela PW, guardado por olheiros. Pouco
depois, outro indivíduo aparentemente assustado, que olhava para todos os lados, adentrou
rapidamente o veículo.
Ato contínuo, seguiram o Ford Fiesta e fizeram abordagem, momento em que identificaram (xxxx) e
(xxxx), sendo certo que nas mãos do segundo, encontraram dois pacotes de dinheiro contendo R$
5.500,00 e R$ 1.596,00, além de algumas folhas com menção às quantias encontradas nos pacotes
e à movimentação ou contabilidade do tráfico.
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Ainda durante a abordagem, constataram que o porta-malas do veículo exalava forte odor de
maconha.
(xxxx) portava um celular idêntico ao que foi apreendido anteriormente de posse do adolescente
(xxxx), que havia sido identificado como gerente do tráfico naquela região, conforme BO 02/2016.
Referido celular tinha inúmeras ligações, com poucos minutos de intervalos entre as chamadas, de
pessoas que eram denominadas “pai”, “mãe”, “prima”, “irmão”, a fim de ocultar a identidade dos
verdadeiros interlocutores.
Questionados acerca das circunstâncias em que foram apanhados, os acusados admitiram que
faziam parte do “movimento” do tráfico na região e estavam recolhendo o dinheiro proveniente do
comércio espúrio, para levar até a favela da Vila Prudente, onde funciona uma espécie de central
do tráfico (cf. fls. 1/3).
Em solo policial, interrogado, (xxxx) admitiu seu envolvimento com o tráfico de drogas, desde os 16
anos, na favela Presidente Wilson; atualmente sua função é levar drogas até a referida favela;
alguém deixa na rua, ele pega a droga e leva até a favela, ganhando 100 reais por entrega. Também
é responsável pela coleta do dinheiro, que leva até um indivíduo que não conhece (fls. 15).
Naquela mesma fase, (xxxx) relatou que é usuário de cocaína e havia ido ao local para comprar o
entorpecente. Após comprar a droga no interior da Favela Presidente Wilson, ficou num bar
próximo do local, conversando com um conhecido, quando (xxxx) lhe pediu uma carona e disse que
daria 10 reais da gasolina; já deu carona a ele algumas vezes; negou envolvimento com o tráfico de
drogas (cf. fls. 17).
Os réus são primários (cf. F.A de fls. 252/257).
Em audiência de custódia, foi relaxada a prisão em flagrante de ambos (fls. 237/239), expedidos e
cumpridos os respectivos alvarás de soltura (fls. 240/241).
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O Douto Promotor de Justiça, considerando a ausência de confissão, recusou a proposta de acordo
de não persecução penal, além do que o acordo encerra prerrogativa institucional do Ministério
Público, não direito subjetivo dos acusados (fls. 334/336).
A Douta Defensoria Pública insistiu no cabimento do benefício (fls. 340/341).
O Douto Promotor de Justiça ratificou a manifestação anterior e observou que os acusados
constituíram associação estável e organizada para o tráfico de drogas, delito hediondo, que reclama
rigor na aplicação da lei penal, de modo que o aventado acordo não seria, então, suficiente e
necessário à repressão e prevenção do fato (cf. fls. 347/351).
Foi determinada a remessa dos autos para revisão, nos termos do art. 28-A, § 14, do Código de
Processo Penal (fls. 353).
É a síntese do necessário.
Com razão o Douto Promotor de Justiça, com a devida vênia da D. Defensoria.
É preciso sublinhar, de início, na esteira do Enunciado n.º 21, PGJ – CGMP – Lei n.º 13.964/19, que
“a proposta de acordo de não persecução penal tem natureza de instrumento de política criminal e
sua avaliação é discricionária do Ministério Público no tocante à necessidade e suficiência para a
reprovação e prevenção do crime. Trata-se de prerrogativa institucional do Ministério Público e
não direito subjetivo do investigado” (grifo nosso).
De acordo com o art. 28-A, caput, do Código de Processo Penal, com a redação que lhe deu a Lei n.º
13.964/2019: “Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e
circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima
inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal,
desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes
condições ajustadas cumulativa e alternativamente”.
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O trecho em destaque evidencia o primeiro pressuposto jurídico para o cabimento do instituto,
qual seja, que não seja caso de arquivamento ou, a contrario sensu, que exista nos autos da
investigação penal (em sentido lato) prova da materialidade e indícios de autoria ou participação.
O segundo pressuposto é a existência de confissão formal e circunstanciada da prática da infração
penal pelo agente.
Em seguida, o dispositivo enumera os requisitos materiais objetivos do instituto, a saber:
a) que não se trate de infração praticada com violência ou grave ameaça;
b) que a pena mínima cominada no tipo seja inferior a 4 (quatro) anos (consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis);
c) que não seja cabível a transação penal, nos termos da lei;
d) que não seja caso de crime praticado no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor.
Há, ainda, requisitos materiais subjetivos, consistentes em:
a) que o investigado não seja reincidente;
b) inexistência de elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas;
c) que o investigado não tenha sido beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo;
d) que a celebração do acordo atenda ao que seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime.
Há que se observar, por fim, como requisito formal ou procedimental, a formalização por escrito
do acordo, o qual deverá ser firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e por
seu defensor.
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Cumpridas essas exigências, abre-se a possibilidade de ajustar, com o agente, a barganha
processual, mediante as seguintes condições, a serem ajustadas de maneira alternativa ou
cumulativa:
(i) reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, salvo impossibilidade de fazê-lo;
(ii) renunciar voluntariamente a bens e direitos, indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;
(iii) prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito, diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução penal;
(iv) pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Código Penal, a entidade pública ou de interesse social a ser indicada pelo juízo da execução penal, devendo a prestação ser destinada preferencialmente àquelas entidades que tenham como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito;
(v) cumprir outra condição estipulada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal aparentemente praticada.
Atendidos os requisitos legais e depois de celebrado, por escrito, o acordo, será ele submetido à
homologação judicial, a fim de que, com a chancela do Poder Judiciário, seja ele devolvido ao
Ministério Público e, na sequência, encaminhado ao juízo da execução penal (art. 28-A, §6.º).
No caso de inadimplemento, o qual deverá ser verificado no âmbito do juízo da execução,
assegurada a ampla defesa, o acordo será rescindido e encaminhado ao juízo de origem, para que o
membro do Ministério Público ofereça denúncia ou realize novas diligências, se necessário.
De acordo com a lei, o descumprimento poderá ser utilizado como justificativa para o não
oferecimento de suspensão condicional do processo (art. 28-A, §11).
Cumprido integralmente, será declarada a extinção da punibilidade (art. 28-A, §13).
Conforme dispõe o art. 28-A, §14, do Código de Processo Penal, aplicado pelo MM. Juiz, no caso de
recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo, poderá o investigado requerer o envio
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do caso ao órgão superior de revisão, que é, no caso do Ministério Público estadual, o Procurador-
Geral de Justiça, a fim de sejam adotadas as seguintes providências:
(i) oferecer denúncia ou designar outro membro para oferecê-la;
(ii) complementar as investigações ou designar outro membro para complementá-la;
(iii) elaborar a proposta de acordo de não persecução, para apreciação do investigado.
Pois bem.
No presente caso, (xxxx) admitiu em solo policial seu envolvimento com o tráfico de drogas, desde
os 16 anos, mas não fez referência à associação para o tráfico com (xxxx), delito pelo qual foi preso
em flagrante delito (fls. 15).
(xxxx) se disse usuário de cocaína; disse que havia ido comprar droga na ocasião e deu carona a
(xxxx); não admitiu, também, que agisse associado a este, de forma estável, para praticarem juntos
o tráfico de drogas (fls. 17).
Falta, portanto, pressuposto para o acordo de não persecução penal, ou seja, a confissão formal e
circunstanciada do fato.
Além disso, a imputação de associação voltada ao cometimento do crime de tráfico de drogas
aponta para conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, o que configura o óbice subjetivo
previsto no art. 28-A, § 2º, II, do Código de Processo Penal.
Conforme exposto pelo Douto Promotor de Justiça, os acusados mantinham associação estável,
organizada, com divisão de tarefas, para o fim de praticarem juntos o tráfico de drogas,
incumbindo-se de distribuir drogas e recolher o dinheiro, tarefas essenciais à prática criminosa
principal, ou seja, a mercancia ilícita de drogas. Isso torna maior o desvalor da conduta.
Muito embora o delito de associação para o tráfico de drogas (art. 35, da Lei nº 11.343/06) não
esteja relacionado no rol dos crimes hediondos (Lei nº 8.072/90), o tráfico de drogas constitui
delito equiparado a hediondo, para o qual a Constituição Federal impôs tratamento jurídico-penal
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severo (art. 5.º, inc. XLIII), em que a formulação do negócio jurídico processual jamais poderá se
reputar necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime.
Nesse sentido, o Enunciado n.º 22, PGJ – CGMP – Lei n.º 13.964/19:
“O acordo de não persecução penal é incompatível com crimes hediondos ou equiparados, uma vez que não atende ao requisito previsto no ‘caput’ do art. 28-A do Código de Processo Penal, que o restringe a situações em que se mostre necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime”.
A mesma ratio do enunciado acima citado justifica que se dê igual tratamento ao crime de
associação para o tráfico, de inequívoca gravidade concreta no caso dos autos.
Há, portanto, obstáculos insuperáveis à formulação da proposta.
Diante do exposto, com fundamento no art. 28-A do Código de Processo Penal e nos arts. 1.º e 4.º,
inciso I, ambos da Resolução n.º 1.187/2020 – PGJ-CGMP, insiste-se na recusa na oferta do acordo,
restituindo-se os autos ao juízo competente para o prosseguimento da ação penal.
São Paulo, 26 de junho de 2020.
Mário Luiz Sarrubbo Procurador-Geral de Justiça