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CAO – Crim Boletim Criminal Comentado n°126, 2/2021
(semana nº 4)
Procurador-Geral de Justiça
Mário Luiz Sarrubbo
Secretário Especial de Políticas Criminais
Arthur Pinto Lemos Junior
Assessores
Fernanda Narezi P. Rosa
Ricardo José G. de Almeida Silvares
Rogério Sanches Cunha
Valéria Scarance
Paulo José de Palma (descentralizado)
Artigo 28 e Conflito de Atribuições
Marcelo Sorrentino Neira
Fernando Célio Brito Nogueira
Analistas Jurídicos
Ana Karenina Saura Rodrigues
Victor Gabriel Tosetto
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SUMÁRIO
ESTUDOS DO CAOCRIM.........................................................................................................................3
1-Tema: DECRETOS DE FEVEREIRO DE 2021 E O ESTATUTO DO DESARMAMENTO: PRIMEIRAS
OBSERVAÇÕES.......................................................................................................................................3
2-Tema: Art. 116, parágrafo único, CP - Prescrição da pretensão executória não corre mesmo se a
segunda condenação estiver sendo cumprida no regime aberto.........................................................5
3-Tema: Súmula 533 do STJ e o RE 972598 (Repercussão Geral – Tema 941)......................................6
STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM.......................................7
DIREITO PROCESSUAL PENAL:...............................................................................................................7
1-Tema: Competência para homologação de acordo de colaboração premiada.................................7
DIREITO PENAL:.....................................................................................................................................9
1-Tema:Fraude à licitação é tema de súmula aprovada pela Terceira Seção do STJ............................9
MP/SP: decisões do setor art. 28 do CPP............................................................................................12
1-Tema: Divergência quanto ao correto enquadramento legal dos fatos, com reflexo na atribuição
funcional.............................................................................................................................................12
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ESTUDOS DO CAOCRIM
1-Tema: DECRETOS DE FEVEREIRO DE 2021 E O ESTATUTO DO DESARMAMENTO: PRIMEIRAS
OBSERVAÇÕES
Os decretos regulamentadores do Estatuto do Desarmamento (Decretos 9.845, 9.846 e
9.847/2019) e o Regulamento de Produtos Controlados (Decreto 10.030/2019) foram, uma vez
mais, modificados pelo Poder Executivo, desta feita por obra, respectivamente, dos Decretos
10.628, 10.629, 10.630 e 10.627/2021. Muitas foram as alterações na regulamentação, que
atingiram desde definições/glossário a regras para aquisição de armas e munições. Os novos
decretos ganharão eficácia somente 60 dias após a data da publicação, o que se deu em 12 de
fevereiro do corrente ano. Portanto, caso não sejam revogados, os Decretos terão eficácia a partir
de 13 de abril de 2021.
Convém verificar, assim, se haverá algum reflexo direto nos tipos penais do Estatuto, que são, vale
lembrar, normas penais em branco, sobretudo no que tange às definições de
armas/munições/acessórios de uso permitido, restrito e proibido, bem como aos elementos
normativos normalmente traduzidos pela expressão “em desacordo com determinação legal ou
regulamentar”.
Nesse ponto, uma relevante alteração foi feita, a fim de se retornar à sistemática que vigia desde a
edição do Estatuto do Desarmamento: as definições sobre os objetos materiais voltarão a ficar a
cargo do Regulamento de Produtos Controlados (Decreto 10.030/2019), saindo, portanto, dos
demais decretos.
Fora isso, não vemos maiores mudanças quanto à tipicidade.
Continuarão a ser armas de fogo de uso proibido: a) as armas de fogo classificadas de uso proibido
em acordos e tratados internacionais dos quais a República Federativa do Brasil seja signatária; e as
armas de fogo dissimuladas, com aparência de objetos inofensivos.
Armas de fogo de uso restrito, de outra parte, continuarão a ser as armas de fogo automáticas “de
qualquer tipo ou calibre” (expressão acrescentada pelo Decreto 10.627/2021) e as semiautomáticas
ou de repetição que sejam: a) não portáteis; b) de porte, cujo calibre nominal, com a utilização de
munição comum, atinja, na saída do cano de prova, energia cinética superior a mil e duzentas
libras-pé ou mil seiscentos e vinte joules; ou c) portáteis de alma raiada, cujo calibre nominal, com
a utilização de munição comum, atinja, na saída do cano de prova, energia cinética superior a mil e
duzentas libras-pé ou mil seiscentos e vinte joules.
Já armas de fogo de uso permitido continuarão sendo: as armas semiautomáticas ou de repetição
que sejam: a) de porte, cujo calibre nominal, com a utilização de munição comum, não atinja, na
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saída do cano de prova, energia cinética superior a mil e duzentas libras-pé ou mil seiscentos e
vinte joules; b) portáteis de alma lisa; ou c) portáteis de alma raiada, cujo calibre nominal, com a
utilização de munição comum, não atinja, na saída do cano de prova, energia cinética superior a mil
e duzentas libras-pé ou mil seiscentos e vinte joules.
Lembre-se que o Ministério da Defesa, por meio do Comando do Exército, já editou a Portaria
1.222, de 12 de agosto de 2019, contendo anexos com tabelas de calibres nominais e a respectiva
classificação, levando-se em consideração os parâmetros acima.
Sobre munições, curiosamente, não se manterá a definição geral atualmente existente nos
Decretos 9.845, 9.846 e 9.827/2019, em dispositivos que terão a redação totalmente alterada.
Apesar disso, persistirão as classificações das munições em de uso proibido, restrito e permitido.
Assim, continuarão a ser munições de uso proibido as assim definidas em acordo ou tratado
internacional de que a República Federativa do Brasil seja signatária e as munições incendiárias ou
químicas. Munições de uso restrito continuarão a ser as munições que: a) atinjam, na saída
do cano de prova de armas de porte ou portáteis de alma raiada, energia cinética superior a mil e
duzentas libras-pé ou mil seiscentos e vinte joules; b) sejam traçantes, perfurantes ou fumígenas; c)
sejam granadas de obuseiro, de canhão, de morteiro, de mão ou de bocal; ou sejam rojões,
foguetes, mísseis ou bombas de qualquer natureza. Continuará não existindo uma definição
específica de munição de uso permitido. Pode-se, porém, concluir que será aquela que não for
considerada restrita ou proibida, bem como aquela que sirva para ser disparada por arma de uso
permitido.
Quanto aos acessórios, o Decreto 10.030/2019 os define como o “artefato que, acoplado a uma
arma, possibilita a melhoria do desempenho do atirador, a modificação de um efeito secundário do
tiro ou a modificação do aspecto visual da arma” (Anexo III, Glossário). Isso mudará, pois haverá
definição mais singela: os acessórios serão os “artefatos listados nominalmente na legislação como
Produto Controlado pelo Exército - PCE que, acoplados a uma arma, possibilitam a alteração da
configuração normal do armamento, tal como um supressor de som”.
Embora o art. 16 da Lei 10.826 faça menção a acessório de uso restrito (caput) e proibido (§ 2º), a
atual regulamentação restringiu-se a definir, direta ou indiretamente, os acessórios de uso
permitido e restrito apenas. Com efeito, o Decreto 10.030/2019 classifica os “produtos controlados
pelo Comando do Exército” em de uso proibido, restrito ou permitido. Dentre os produtos
controlados de uso restrito estão os acessórios de arma de fogo que tenham como objetivo: a)
suprimir ou abrandar o estampido (os “silenciadores”); ou b) modificar as condições de emprego,
conforme regulamentação do Comando do Exército (art. 15, § 2º, II). O acessório que não for
classificado como de uso restrito, será considerado de uso permitido.
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Isso não mudará, salvo no seguinte: não serão considerados produtos controlados: a) os
carregadores destacáveis tipo cofre ou tipo tubular, metálicos ou plásticos, com qualquer
capacidade de munição, cuja ausência não impeça o disparo da arma de fogo; b) os quebra-chamas;
c) as miras optrônicas, holográficas ou reflexivas; e d) as miras telescópicas, independentemente
de aumento.
Assim, haverá inegável abolitio criminis nos casos em que esteja o imputado sendo investigado ou
processado, ou tenha sido condenado pela posse ou porte de acessório que consista nos objetos
acima. Isso porque a aquisição e o emprego desses acessórios não serão objeto de qualquer
controle estatal e, assim, quem os portar ou possuir não estará em desacordo com determinação
legal ou regulamentar.
2-Tema: Art. 116, parágrafo único, CP - Prescrição da pretensão executória não corre mesmo se a
segunda condenação estiver sendo cumprida no regime aberto
Dispõe o art. 116, parágrafo único: “Depois de passada em julgado a sentença condenatória, a
prescrição não corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo”.
De acordo com o STJ, a expressão “preso por outro motivo” não significa que o condenado deve
estar em regime fechado. Ainda que esteja cumprindo pena em regime aberto, a causa suspensiva
incide normalmente:
“Ao interpretar o referido dispositivo legal, esta Corte Superior de Justiça pacificou o entendimento
de que o cumprimento de pena imposta em outro processo, ainda que em regime aberto ou em
prisão domiciliar, impede o curso da prescrição executória. Assim, não há que se falar em fluência
do prazo prescricional, o que impede o reconhecimento da extinção de sua punibilidade. Quanto ao
ponto, é imperioso destacar que o fato de o prazo prescricional não correr durante o tempo em
que o condenado está preso por outro motivo não depende da unificação das penas” (AgRg no RHC
123.523/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 13/4/2020).
No mesmo, sentido:
STJ- HABEAS CORPUS Nº 365.213 - SP
HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. IMPOSSIBILIDADE.
NÃO HÁ TRANSCURSO DO PRAZO PRESCRICIONAL ENQUANTO O PACIENTE CUMPRE PENA EM
REGIME ABERTO. PRECEDENTES. PARECER ACOLHIDO. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
Ordem denegada.
TJSP- Agravo de Execução Penal 7003100-24.2019.8.26.0050
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Agravo em Execução Penal Indeferimento do pedido de reconhecimento da prescrição da
pretensão executória Recurso defensivo Inversão do “decisum” Não acolhimento Interpretação do
art. 116, parágrafo único, CP, que deve se dar no sentido de não fluir a prescrição, enquanto o
sentenciado se encontra em cumprimento de pena, independentemente do regime prisional
Precedentes do C. STJ e desta E. Câmara Agravo desprovido.
TJSP- AGRAVO EM EXECUÇÃO n. 7006991-24.2017.8.26.0050
AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. Recurso defensivo. Pretensão de cassação da decisão que
considerou a data do término da última execução como termo inicial para a prescrição da
pretensão executória. Prazo prescricional suspenso em razão do início da execução da pena
referente a outra ação penal. Cumprimento de pena em regime aberto também enseja a suspensão
prevista no artigo 116, parágrafo único, do Código Penal. Prisão domiciliar não desfigura a condição
de preso do agente. Recurso improvido.
3-Tema: Súmula 533 do STJ e o RE 972598 (Repercussão Geral – Tema 941)
A Súmula 533 do STJ reconhece a imprescindibilidade da instauração de processo administrativo
(PAD) pelo diretor do presídio, bem como a necessidade de defesa técnica para apuração da prática
de falta disciplinar do preso.
Percebemos corrente doutrinária lecionando que a referida Súmula está SUPERADA pela tese 941
do STF, fixada em sede de Repercussão Geral.
Decidiu o STF:
A oitiva do condenado pelo Juízo da Execução Penal, em audiência de justificação realizada na
presença do defensor e do Ministério Público, afasta a necessidade de prévio Procedimento
Administrativo Disciplinar (PAD), assim como supre eventual ausência ou insuficiência de defesa
técnica no PAD instaurado para apurar a prática de falta grave durante o cumprimento da pena.
STF. Plenário. RE 972598, Rel. Roberto Barroso, julgado em 4/5/2020 (Repercussão Geral – Tema
941).
Entende o Núcleo de Execução Criminal do Ministério Público do Estado de São Paulo, com o
devido respeito, que Súmula 533 do STJ não está superada, mas foi relativizada pela citada tese.
Continua-se exigindo a instauração do PAD. Contudo, a audiência de justificação, realizada na
presença do defensor e do Ministério Público, afasta a sua necessidade.
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STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM
DIREITO PROCESSUAL PENAL:
1-Tema: Competência para homologação de acordo de colaboração premiada
INFORMATIVO 1004 DO STF- SEGUNDA TURMA
RESUMO:
A ação de habeas corpus deve ser admitida para atacar atos judiciais que acarretem impacto
relevante à esfera de direitos de imputados criminalmente.
Há medidas cautelares restritivas a direitos importantes, adotados em processo criminal, que
merecem atenção por instâncias revisionais pela via mais expedita possível.
Em relação à homologação de um acordo de colaboração premiada, trata-se de etapa fundamental
da sistemática negocial regulada pela Lei 12.850/2013 e que toca diretamente com o exercício do
poder punitivo estatal, visto que, nele, regulam-se benefícios ao imputado e limites à persecução
penal. Ademais, atualmente, inexiste previsão legal de recurso cabível em face de não
homologação ou de homologação parcial de acordo.
A homologação de acordo de colaboração, em regra, terá que se dar perante o juízo competente
para autorizar as medidas de produção de prova e para processar e julgar os fatos delituosos
cometidos pelo colaborador. Caso a proposta de acordo aconteça entre a sentença e o julgamento
pelo órgão recursal, a homologação ocorrerá no julgamento pelo Tribunal e constará do acórdão.
O regramento introduzido pela Lei 12.850/2013 foi claro ao admitir a colaboração em qualquer
etapa da persecução penal, ainda que após o início do processo ou a prolação da sentença (art. 4º,
§ 5º)
No caso, o acordo de colaboração foi entabulado entre o Ministério Público Federal e o paciente
antes da prolação da sentença, mas, por um descuido, não foi levado à homologação durante a fase
pré-processual. Ademais, o paciente não foi denunciado nos processos já sentenciados e que se
encontram no Tribunal, de modo que eventual denúncia seria também de competência do Juízo da
1ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro em razão de possível prevenção.
Com base nesse entendimento, a Segunda Turma concedeu parcialmente a ordem de habeas
corpus para assentar a competência do Juízo de primeiro grau para a homologação do acordo de
colaboração premiada celebrado entre o Ministério Público Federal e o paciente, devendo a
autoridade proceder à análise da regularidade, legalidade e voluntariedade do acordo.
COMENTÁRIOS DO CAOCRIM
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Vencida a etapa de tratativas e negociações da colaboração premiada, marcada pela lavratura do
termo que reúne as avenças recíprocas, medidas acessórias e absoluta exclusão de participação
judicial, segue-se para a segunda etapa, que se refere ao juízo homologatório. Nesta fase, não há
aferição concreta dos benefícios premiais, atividade reservada para a terceira etapa, a ser exercida
no momento da sentença do processo a que responde o colaborador, conforme se extrai do § 11
do art. 4º da Lei 12.850/13.
A decisão homologatória, destinada a análise dos requisitos legais de regularidade do acordo,
legalidade de seu conteúdo e a voluntariedade do colaborador, além de integrar o Poder Judiciário
à colaboração premiada, visa resguardar os limites da autonomia da vontade, da convencionalidade
entre as partes e dos efeitos protetivos dos bens jurídicos, isto é, da utilidade e interesses públicos.
Por isso a homologação é considerada condição inicial para a validade do negócio jurídico, obtida
após a chancela decorrente da participação do Poder Judiciário, responsável pela salvaguardar dos
interesses do acusado e, de outro lado, do interesse público.
Interessante a questão e a solução proposta por Nefi Cordeiro no caso de o acordo referir-se a dois
processos que tramitam em varas ou juízos distintos:
“Mesmo respeitando-se o critério da utilidade, podem ser reunidos em delação dois ou mais
processos de um agente ou grupo criminoso, quando então a competência precisará seguir igual
regra de participação de agentes ministeriais e juízes de todas as unidades jurisdicionais. Se dois
processos tramitam em varas diferentes, sem conexão, a delação não os unirá, mas exigirá que
sejam os acordos propostos (atuação do promotor natural) e homologados (atuação do juiz natural)
em ambas as varas criminais. Denegado ou não homologado o acordo em uma unidade
jurisdicional, restará aos negociadores seguir com o acordo em um só processo (o outro seguindo
normalmente), ou rescindir o acordo por completo” (Colaboração Premiada: caracteres, limites e
controles. Rio de Janeiro: Forense, 2020. p 50).
Também digna de transcrição a solução dada pelo Ministro no caso de mudança superveniente de
competência de um processo:
“Finalmente, realizada homologação válida, a mudança posterior de competência não permitirá a
revisão do ato jurisdicional de homologação perfeito e acabado. Isso se verificou em vários
processos em que havia sido homologada a colaboração premiada no Supremo Tribunal Federal e,
após a mudança da compreensão quanto à extensão do foro funcional,8 vieram esses
procedimentos criminais a baixar para outras unidades jurisdicionais – a delação já homologada era
e continuará sendo válida e imponível, não podendo ser revista pelos novos agentes ministeriais ou
juízes do processo, salvo com a concordância do colaborador (ob. cit.. p 51).
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DIREITO PENAL:
1-Tema: Fraude à licitação é tema de súmula aprovada pela Terceira Seção do STJ
A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aprovou na última quarta-feira (10) a Súmula
645. Segundo o enunciado, "o crime de fraude à licitação é formal, e sua consumação prescinde da
comprovação do prejuízo ou da obtenção de vantagem".
O texto aprovado – que teve como referência o artigo 90 da Lei 8.666/1993, além de julgados da
Quinta e da Sexta Turmas sobre o tema – servirá de orientação para toda a comunidade jurídica
sobre a jurisprudência do tribunal.
COMENTÁRIOS DO CAOCRIM
O crime de fraude à licitação, na Lei 8.666/93, está tipificado no art. 90. Se e quando sancionada a
nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, passará a integrar o Título dos Crimes Contra a
Administração Pública (Tit. XI) do CP, mais precisamente, o art. 337-F.
Comparando os dois tipos, percebemos um recrudescimento na punição.
Art. 90 da Lei 8.666/93 Art. 337-F do CP
Art. 90. Frustrar ou fraudar, mediante
ajuste, combinação ou qualquer outro
expediente, o caráter competitivo do
procedimento licitatório, com o intuito de
obter, para si ou para outrem, vantagem
decorrente da adjudicação do objeto da
licitação:
Pena - detenção, de 2 (dois) a 4
(quatro) anos, e multa.
Art. 337-F. Frustrar ou fraudar, com o intuito de
obter para si ou para outrem vantagem decorrente
da adjudicação do objeto da licitação, o caráter
competitivo do processo licitatório:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e
multa.
A pena cominada ao delito não admitirá os benefícios da Lei 9.099/95, tampouco o acordo de não
persecução penal (art. 28-A do CPP).
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Nota-se, ainda, que o tipo penal do art. 90 da Lei 8.666/93 contém a expressão “mediante ajuste,
combinação ou qualquer outro expediente”, inexistente no art. 337-F. A ausência desse elemento
normativo não terá relevância para a incidência do tipo penal, porque, a rigor, trata-se de uma
redundância absolutamente dispensável. De fato, afirmar que a frustração e a fraude devem se dar
mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente é afirmar o óbvio: que o crime é de
ação livre, e todas as condutas cometidas com o propósito de afastar da licitação o seu caráter
competitivo são abrangidas pelo tipo penal. A redação legal é criticada por Guilherme de Souza
Nucci, para quem se dispensa até mesmo a referência expressa à fraude:
“O tipo prevê que a frustração ou fraude se dê por ajuste (pacto), combinação (acordo) ou qualquer
outro expediente (instrumento para alcançar determinado fim). Entretanto, não vemos sentido
prático para tanto. O importante é eliminar a competição ou promover uma ilusória competição
entre participantes da licitação por qualquer mecanismo, pouco importando ter havido ajuste ou
combinação (aliás, termos sinônimos). Como ocorre em muitos casos, o legislador socorre-se de
redações típicas pleonásticas para evitar a impunidade de determinados delinquentes, imaginando
que o Judiciário poderia não visualizar a adequação ao tipo incriminador de certas condutas
danosas ao bem jurídico tutelado. Porém, gera maiores problemas, afetando a taxatividade, na
medida em que incentiva a dúvida, produz inúteis complexidades linguísticas e termina por abalar a
segurança jurídica que os tipos penais incriminadores deveriam, sempre, proporcionar. Se
mencionasse, apenas, por exemplo, “frustrar, por qualquer expediente, o caráter competitivo do
procedimento licitatório” teria atingido o seu propósito. Aliás, se a frustração se dá por meio
fraudulento (ilusório, enganoso) ou por qualquer outro mecanismo, parece-nos irrelevante. Logo, a
conduta fraudar é, também, um excesso” (Leis penais e processuais penais comentadas. 13ª ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2020, vol. 1, p. 644).
Consuma-se o delito com a prática de qualquer ato voltado à frustração ou à fraude do caráter
competitivo de uma licitação. E assim será se e quando for sancionada a nova Lei.
A arquitetura redacional do art. 90 (e do novel dispositivo 337-F do CP) dispensa a efetiva obtenção
da vantagem decorrente da adjudicação. Dispensa, ainda, prejuízo ao erário. É a orientação do STJ:
“Nos termos da jurisprudência deste Superior Tribunal, diversamente do que ocorre com o delito
previsto no art. 89 da Lei n. 8.666/1993, o art. 90 desta lei não demanda a ocorrência de prejuízo
econômico para o poder público, haja vista que o dano se revela pela simples quebra do caráter
competitivo entre os licitantes interessados em contratar, ocasionada com a frustração ou com a
fraude no procedimento licitatório. De fato, a ideia de vinculação de prejuízo à Administração
Pública é irrelevante, na medida em que o crime pode se perfectibilizar mesmo que haja benefício
financeiro da Administração Pública. (REsp n. 1.484.415/DF, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta
Turma, DJe 22/2/2016), não havendo falar em necessidade de comprovação de prejuízo à
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Administração ou mesmo em obtenção de lucro pelos agentes” (AgRg no REsp 1.824.310/MG, Rel.
Min. Sebastião Reis Júnior, j. 9/6/2020).
Essa orientação, agora, está sumulada na Corte.
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MP/SP: decisões do setor do art. 28 do CPP
1-Tema: Divergência quanto ao correto enquadramento legal dos fatos, com reflexo na atribuição funcional
CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO
Autos n. 1500xxx-6x.2019.8.26.055x – MM. Juízo da Vara do Juizado Especial Criminal da Comarca de Limeira
Suscitante: 6º Promotor de Justiça de Limeira
Suscitado: 8º Promotor de Justiça de Limeira
Assunto: divergência quanto ao correto enquadramento legal dos fatos, com reflexo na atribuição funcional
Cuida-se de procedimento investigatório instaurado visando à apuração de suposto crime
contra as relações de consumo (art. 7º, da Lei n. 8.137/90) cometido, em tese, por S.P..
Verte dos autos que, no dia 8 de março de 2019, por volta das 11 horas, na Rua Euclides da
Cunha, n. 05, Parque Hipólito, na cidade e Comarca de Limeira/SP, o investigado tinha em depósito,
para venda, 7.734 perfumes, 16 embalagens de diversas marcas de perfumes (AZARRO, POLO,
FERRARI etc.) e 28 etiquetas diversas dos perfumes, sem registro, quando exigível, no órgão de
vigilância sanitária competente (cf. fls. 74/86), conforme descrição contida no auto de exibição e
apreensão de fls. 14/15.
Segundo o apurado, S. possuía um laboratório clandestino no endereço acima mencionado,
no qual “produzia” perfumes para a venda, guarnecendo o local com 10 maquinários para a linha
de produção dos perfumes falsos, além de 15 tambores nos quais eram acondicionados os produtos
prontos, 5.000 frascos vazios, 16 embalagens e 28 etiquetas de diversas marcas de perfumes, além
dos perfumes supramencionados, sem registro na ANVISA.
Ocorre que, após informação dando conta da fabricação e comercialização de perfumes
com marcas indevidamente reproduzidas nas embalagens (fls. 34/36), expediu-se mandado judicial
de busca e apreensão (autos n. 1500xxx-3x.2019.8.26.03xx). Policiais civis, visando ao seu integral
cumprimento, dirigiram-se até o local dos fatos e, após serem recepcionados pelo próprio
investigado, realizaram buscas no imóvel, oportunidade em que constataram a existência de um
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laboratório clandestino no local e realizaram a apreensão dos maquinários, materiais e perfumes
isentos de registro, que ali se encontravam.
Os autos foram distribuídos ao Juízo Criminal comum, ocasião em que o Douto Promotor de
Justiça oficiante argumentou que os fatos se amoldam ao tipo penal do art. 190, inciso II, da Lei n.
9.279/1996, pois “perfume” não se confunde com “cosmético”, previsto no art. 273, §1º, c.c. §1º-A e
§1º-B, inciso I, do Código Penal, razão por que requereu a remessa dos autos ao JECRIM (fls.
110/113), o que foi acolhido a fls. 128.
A r. decisão de fls. 150, considerando o decurso do prazo decadencial para oferecimento
de queixa-crime por parte da vítima, declarou extinta a punibilidade do investigado, com
fundamento no art. 91 da Lei n. 9.099/95, c.c. o art. 107, inciso IV, segunda parte, do Código Penal.
A Douta Promotora de Justiça que oficia perante o JECRIM interpôs recurso de apelação (fls.
172/179), que foi provido (fls. 204/206).
Na sequência, a Nobre Membro do Parquet oficiante junto ao JECRIM, então, asseverou que
o caso se amolda no art. 273, do Código Penal, ou mesmo crime contra as relações de consumo,
conforme previsto no art. 7º, da Lei n. 8.137/90, cujas penas ultrapassam a competência do Juizado
Especial, de acordo com o art. 61, da Lei n. 9.099/95. Diante disto, suscitou conflito negativo de
atribuições e requereu a remessa dos autos a esta Chefia Institucional (fls. 222/227), o que foi
deferido (fls. 228/229).
Eis a síntese do necessário.
Há de se sublinhar, preliminarmente, que a presente remessa se assenta no art. 115 da Lei
Complementar Estadual n.º 734/93, encontrando-se devidamente configurado, portanto, o conflito
negativo de atribuição entre promotores de justiça.
Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do
Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado
(conflito negativo), ou quando dois ou mais deles manifestam, simultaneamente, atos que importem a
afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime
Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pp. 486-487).
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Considere-se, outrossim, que, em semelhantes situações, o Procurador-Geral de Justiça não se
converte no promotor natural do caso, de modo que não lhe cumpre determinar qual a providência a
ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de
diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe o dever de
oficiar nos autos.
Pois bem.
A razão se encontra com a Douta Suscitante, com a devida vênia do Ilustre Suscitado; senão,
vejamos.
Verte dos autos que, na ocasião dos fatos, diligência policial constatou que o investigado
possuía um laboratório clandestino no qual “produzia” perfumes para a venda, guarnecendo o local
com 10 maquinários para a linha de produção dos perfumes falsos, além de 15 tambores nos quais
eram acondicionados os produtos prontos, 7.734 perfumes prontos, 5.000 frascos vazios, 16
embalagens e 28 etiquetas de diversas marcas de perfumes, sem registro no órgão de vigilância
sanitária competente.
O cenário retratado nos autos indica a possível prática do crime hediondo capitulado no art.
273 do Código Penal.
Segundo este, incorre no delito quem “falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto
destinado a fins terapêuticos ou medicinais”, equiparando-se a estes “os medicamentos, as matérias-
primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico”, estando
sujeito, também, às mesmas penalidades “quem pratica as ações previstas no §1º, em relação a
produtos sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente” (art. 273, §1º-A e
§1º-B, inciso I, do CP; grifo nosso).
A Lei Federal n. 6.360/1976, que “Dispõe sobre a Vigilância Sanitária a que ficam sujeitos os
Medicamentos, as Drogas, os Insumos Farmacêuticos e Correlatos, Cosméticos, Saneantes e Outros
Produtos, e dá outras Providências”, prevê em seus artigos 1º, 2º e 3º:
Art. 1º - Ficam sujeitos às normas de vigilância sanitária instituídas por esta Lei os medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos e correlatos, definidos na Lei nº 5.991, de 17 de dezembro de 1973,
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bem como os produtos de higiene, os cosméticos, perfumes, saneantes domissanitários, produtos destinados à correção estética e outros adiante definidos.
Art. 2º - Somente poderão extrair, produzir, fabricar, transformar, sintetizar, purificar, fracionar, embalar, reembalar, importar, exportar, armazenar ou expedir os produtos de que trata o Art. 1º as empresas para tal fim autorizadas pelo Ministério da Saúde e cujos estabelecimentos hajam sido licenciados pelo órgão sanitário das Unidades Federativas em que se localizem.
Art. 3º - Para os efeitos desta Lei, além das definições estabelecidas nos incisos I, II, III, IV, V e VII do Art. 4º da Lei nº 5.991, de 17 de dezembro de 1973, são adotadas as seguintes:
(...)
IV - Perfumes: produtos de composição aromática obtida à base de substâncias naturais ou sintéticas, que, em concentrações e veículos apropriados, tenham como principal finalidade a odorização de pessoas ou ambientes, incluídos os extratos, as águas perfumadas, os perfumes cremosos, preparados para banho e os odorizantes de ambientes, apresentados em forma líquida, geleificada, pastosa ou sólida; (g.n.)
Mais adiante, a mesma Lei estabelece ainda:
Art. 12 - Nenhum dos produtos de que trata esta Lei, inclusive os importados, poderá ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de registrado no Ministério da Saúde.
§ 1o - A Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA - definirá por ato próprio o prazo para renovação do registro dos produtos de que trata esta Lei, não superior a 10 (dez) anos, considerando a natureza do produto e o risco sanitário envolvido na sua utilização.
Por sua vez, a Lei n. 5.991/73, que “Dispõe sobre o Controle Sanitário do Comércio de
Drogas, Medicamentos, Insumos Farmacêuticos e Correlatos, e dá outras Providências”, estabelece em
seus arts. 1º e 4º:
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Art. 1º - O controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, em todo o território nacional, rege-se por esta Lei.
Art. 4º - Para efeitos desta Lei, são adotados os seguintes conceitos:
I - Droga - substância ou matéria-prima que tenha a finalidade medicamentosa ou sanitária;
II - Medicamento - produto farmacêutico, tecnicamente obtido ou elaborado, com finalidade profilática, curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico;
III - Insumo Farmacêutico - droga ou matéria-prima aditiva ou complementar de qualquer natureza, destinada a emprego em medicamentos, quando for o caso, e seus recipientes;
IV - Correlato - a substância, produto, aparelho ou acessório não enquadrado nos conceitos anteriores, cujo uso ou aplicação esteja ligado à defesa e proteção da saúde individual ou coletiva, à higiene pessoal ou de ambientes, ou a fins diagnósticos e analíticos, os cosméticos e perfumes, e, ainda, os produtos dietéticos, óticos, de acústica médica, odontológicos e veterinários; (grifo nosso)
Na mesma senda, a Resolução n. 211, de 14 de julho de 2005, editada pela ANVISA (RDC
211/2005), estabelece normas técnicas que deverão ser seguidas para registro, fabricação e
disponibilização de produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes.
De acordo com a norma, em seu anexo I, “produtos de higiene pessoal, cosméticos e
perfumes, são preparações constituídas por substâncias naturais ou sintéticas, de uso externo
nas diversas partes do corpo humano, pele, sistema capilar, unhas, lábios, órgãos genitais
externos, dentes e membranas mucosas de cavidade oral, com o objetivo exclusivo ou principal
de limpá-los, perfumá-los, alterar sua aparência e ou corrigir odores corporais e ou protegê-los
ou mantê-los em bom estado”.
Nesse cenário, evidencia-se que tanto a legislação federal como as normas administrativas
de regência equiparam os cosméticos aos perfumes, colocando-os nas mesmas classificações legais.
Se não bastasse, é notório que a lei exige o registro desse produto no órgão de vigilância
sanitária competente, que, no caso, trata-se, à toda evidência, da ANVISA.
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No caso dos autos, não há dúvida acerca da adulteração existente, no que tange ao
conteúdo e também à embalagem e aos rótulos apreendidos, conforme laudos periciais de fls.
59/64 e 147/148.
É lícito supor, então, que o investigado falsificou os recipientes e, em seu interior, não os
abasteceu com o conteúdo original, mas com perfumes igualmente falsificados.
Dessa sorte, incorreu no crime capitulado no art. 273, §1º-A e §2º-B, I, do Código Penal.
Em caso análogo, já se decidiu:
EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - FALSA IDENTIDADE - ABSOLVIÇÃO - NECESSIDADE - ATIPICIDADE DA CONDUTA - FALSIFICAÇÃO DE PRODUTO DESTINADO A FINS TERAPÊUTICOS OU MEDICINAIS - CONDUTA TÍPICA - CONDENAÇÃO MANTIDA - REDIMENSIONAMENTO DA PENA DE MULTA - NECESSIDADE. MINORANTE DO ART. 33, § 4º DA LEI N.º 11.343/06 - ABRANDAMENTO DE REGIME E SUBSTITUIÇÃO DA PENA POR RESTRITIVA DE DIREITOS. O crime de falsa identidade, por se tratar de delito contra a fé pública, somente se tipifica quando a declaração for idônea para enganar. Restando devidamente comprovadas a autoria e a materialidade delitiva do crime encarte no art. 273, § 1º e § 1º-A, do Código Penal, estando ainda presentes todas as elementares do delito em voga, inadmissível se torna o acolhimento do pleito absolutório fulcrado na atipicidade da conduta. Apresentando-se exacerbada a pena de multa imposta cumulativamente à pena privativa de liberdade, tendo esta sido fixada no mínimo legal, de rigor o redimensionamento daquela. Preenchendo o réu os requisitos necessários, deve ser aplicada a causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º da Lei 11.343/06, e, considerando a natureza das substâncias apreendidas, possível a aplicação da fração máxima de redução. Levando em consideração o quantum de pena aplicado, bem como o fato de o réu ser primário, de bons antecedentes, sendo as circunstâncias judiciais amplamente favoráveis, possível se mostra o abrandamento do regime inicial de cumprimento de pena, bem como a substituição da reprimenda privativa de liberdade por restritivas de direitos.
(TJMG, APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1.0687.18.002950-0/001 - COMARCA DE TIMÓTEO-MG - APELANTE (S): JOARLESSON QUEIROZ DOS SANTOS - APELADO (A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, Rel. DES. PAULO CÉZAR DIAS)
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Sublinhe-se, ademais, que nesta fase da persecução penal vigora o princípio in dubio pro
societate, impondo que eventuais dúvidas sejam dirimidas em favor da propositura da ação no
sentido da infração mais grave.
Nesse sentido, a jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça:
“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL E PROCESSUAL PENAL. JUSTIÇA MILITAR E JUSTIÇA COMUM. FUNDADA DÚVIDA QUANTO AO ELEMENTO SUBJETIVO DO HOMICÍDIO DOLOSO. DISPARO DE ARMA DE FOGO NA DIREÇÃO DO VEÍCULO DA VÍTIMA. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO “IN DUBIO PRO SOCIETATE”. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL.
- Os crimes dolosos contra a vida cometidos por militar contra civil, mesmo que no desempenho de suas atividades, serão da competência da Justiça comum (Tribunal do Júri), nos termos do art. 9.º, parágrafo único, do Código Penal Militar.
- No caso, somente com a análise aprofundada de todo o conjunto probatório a ser produzido durante a instrução criminal será possível identificar, categoricamente, a intenção do militar ao efetuar o disparo de arma de fogo no carro da vítima. Havendo fundada dúvida quanto ao elemento subjetivo, o feito deve tramitar na Justiça Comum, por força do princípio in dubio pro societate.
Precedentes.
Conflito negativo de competência conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da Vara de Caldas/MG (suscitado)”.
(STJ, CC 129.497/MG, Rel. Ministro ERICSON MARANHO – DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP, 3.ª SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe de 16/10/2014)
“PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. PECULATO E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DOS DENUNCIADOS. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. INÉPCIA. REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP ATENDIDOS. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA OBRIGATORIEDADE E DA INDIVISIBILIDADE. AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA. INAPLICABILIDADE. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE. CARÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO EVIDENCIADA. ORDEM DENEGADA.
(...)
6. Para o oferecimento da denúncia, exige-se apenas a descrição da conduta delitiva e a existência de elementos probatórios mínimos
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que corroborem a acusação. Mister se faz consignar que provas conclusivas acerca da materialidade e da autoria do crime são necessárias tão somente para a formação de um eventual juízo condenatório. Embora não se admita a instauração de processos temerários e levianos ou despidos de qualquer sustentáculo probatório, nessa fase processual, deve ser privilegiado o princípio do in dubio pro societate.
(...)”
(STJ, HC 237.344/MT, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, 5.ª TURMA, julgado em 27/09/2016, DJe de 10/10/2016)
Diante do exposto, conhece-se do presente conflito, para dirimi-lo e declarar que a
atribuição para atuar no feito incumbe ao Douto Suscitado.
Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, tendo em vista a opinião
delitiva diversa manifestada, designa-se outro promotor de justiça para oficiar nos autos, facultando-
se-lhe observar o disposto no art. 4-A da Resolução n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro
de 2003, com redação dada pela Resolução n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de
2006.
Expeça-se portaria designando o substituto automático.
São Paulo, 4 de fevereiro de 2021.
Mário Luiz Sarrubbo Procurador-Geral de Justiça