Ciência, tecnologia e
sociedade
Aula 2 e 3 _O surgimento da ciência moderna: mitos e história institucional.
profa. Maria Caramez Carlotto
SCB 2° quadrimestre de 2016
Como ler?
Quem foi Robert K. Merton?
Merton foi um sociólogo norte-americano que é considerado o pai da “sociologia da ciência” e, com ela, do campo de “ciência, tecnologia e sociedade”.
Outros escreveram sobre a relação entre ciência/tecnologia e sociedade antes dele, mas sempre com um peso muito forte nos impactos sociais da ciência/tecnologia.
Foi o Merton que inverteu esse olhar e passou a se perguntar quais os impactos da sociedade na ciência/tecnologia.
Qual a sua questão essencial?
A questão essencial de Merton era explicar o surgimento da ciência
moderna para além da explicação “racionalista”, que afirma que a
ciência significa apenas um avanço necessário da razão.
Merton queria entender os condicionantes sociais do surgimento da
ciência, e esse é o problema da sua tese de doutorado chamada,
justamente, “Ciência, tecnologia e sociedade na Inglaterra do século
XVII”, quando surge a Society of London for the improvement of
Natural Knowledge de 1662.
Para entender o surgimento da ciência moderna na Inglaterra do século
XVII é preciso dar um passo atrás e entender como se dava a produção
de conhecimento nos séculos anteriores.
Surgimento das universidades na alta
idade média
Entre o I e o IV séculos, os professores de literatura e afins
possuíam imunidades e privilégios especiais, que iam
desde o pagamento de salários pela municipalidade até
isenção em produtos especiais (vinho e óleo) e imunidade
no serviço militar.
Os imperadores sucessivamente reconheciam esses
privilégios que garantiam que os professores deveriam
continuar a dedicar-se exclusivamente ao ensino de modo
a formar os responsáveis pelos assuntos públicos nas
chamadas “artes liberais”.
Surgimento das universidades na alta
idade média
No caso do Império Romano, as artes liberais estavam estritamente ligadas ao funcionamento do Estado Romano e eram valorizadas, além disso, como uma forma de proteger a “civilização” e a “cultura” das ameaças “bárbaras”. Era com base nesses princípios que o ensino era incentivado em Roma.
No caso da Idade Média, as artes liberais passam a ser valorizadas não como instrumentos do Estado, mas como ferramentas para a compreensão profunda das escrituras. Assim, esses privilégios se transmitiram para o clero, particularmente os monastérios e escolas de catedrais, e, posteriormente, para os escolásticos [quer dizer, os envolvidos com a atividade escolar].
Surgimento das universidades na alta
idade média
Séculos V-XI: surge uma rede de escolas ligadas à igreja e ao ensino estritamente voltado à formação de clérigos, nas chamadas ESCOLAS MONÁSTICAS
Isso começa a mudar com a revolução urbana dos séculos X–XIII, quando surge as chamadas ESCOLAS DE CATEDRAIS.
Surge uma importante clivagem entre escola monástica (em geral isoladas) e reservada aos futuros monges, e as escolas de catedrais (quase sempre urbanas) e em princípio abertas “a todos”, inclusive aos estudantes que permaneceriam na vida laica.
Surgimento das universidades na alta
idade média
Escolas monásticas
Contemplação e isolamento
Com um programa de estudos muito limitado
comentário das escrituras e negação dos saberes profanos: retórica, filosofia, história, ciências (filosofia natural), medicina e direito, todos ligados à cultura grego-romana e “esquecidos” pelo abandono da língua grega em prol do latim.
Tinham como resultado a força da cultura oral na Idade Média
Surgimento das universidades na alta
idade média
As universidades vão surgir como desdobramentos desse processo, com elementos de continuidade em relação às escolas de catedrais (localização urbana, saberes e métodos de ensino, e a função social dos formandos) e de ruptura (ordem institucional a partir do surgimento da autonomia universitária)
Surgimento das universidades na alta
idade média
A mudança do sistema de ensino depende de mudanças da estrutura da igreja.
IV Concílio de Latrão (1215): reforma gregoriana da Igreja
Valorização da ação pastoral (evangelização)
Reforma do clero (qualificação)
Primazia papal (concentração de poder)
Surgimento das universidades na alta
idade média
A universidade surge como um agrupamento de
mestres e alunos em uma comunidade autônoma
reconhecida e protegida pelas altas autoridades
laicas e religiosa (i.e. o império e a igreja) que
permitiu progressos consideráveis dos métodos de
trabalho intelectual e de difusão do conhecimento.
PRIVILÉGIOS
“Privilégios”?
Autonomia para:
Organizar o ensino
Realizar exames
Selecionar alunos
Estabelecer critérios de sociabilidade e vida universitária
Preços preferenciais em:
Aluguéis
Livros
Tavernas
Surgimento das universidades na alta
idade média
Governo acadêmico:
os “mestres e alunos” elegiam o reitor e se autogovernavam, seguindo o princípio corporativo medieval.
Exames:
Bancas de tese
Organização:
Faculdades e nações (repúblicas)
Método de ensino e “pesquisa”:
Escolástica (leitura e interpretação dos textos sagrados
Surgimento das universidades na alta
Idade Média
Ex. UNIVERSIDADE DE PARIS Colège de Sorbon
1200: Primeiros privilégios concedidos pelo príncipe da França
1215: Primeiros privilégios papais
1219-21: Primeiras greves e novos privilégios
1229-31: Grande greve e a “Parens Scientiarum”(fundamento canônico da
autonomia universitária)
Surgimento das universidades na alta
idade média
Mas havia uma limitação:
Proibição da filosofia natural aristotélica
e dos métodos não escolásticos de
produção de conhecimento
(ciência)
Surgimento da ciência moderna
A ciência moderna (século XVI e XVII) nasce fora da universidade e em luta com ela (embora todos os cientistas tenham frequentado a universidade).
Contexto cultural: Inquisição, Peste, Guerras, Fomes e Crises (baixa idade média)
Kepler
Galileu
Bruno
Bacon
Limiar da modernidade: consciência de um “novo tempo” marcado pelos ideais de liberdade, igualdade, fraternidade e razão (iluminismo como discurso de um tempo)
Surgimento da ciência moderna
Esse discurso defende uma ruptura com o passado: a Idade
Média como Idade das trevas expresso na metáfora Luz-
Escuridão
Autoconsciência falsa da ciência: negação do outro
(cultura árabe, bizantina, judaica) – “mito do ocidente”.
Apesar disso, existe uma ruptura na modernidade: “tudo o
que é sólido se desmancha no ar, o sagrado é profano”, ou
seja: a natureza pode ser estudada, sistematicamente.
Kepler, Galileu, Bruno: observação da natureza.
Surgimento da ciência moderna
Nova forma de conhecimento baseada em “experiências
sensatas” e “demonstrações”
Tudo precisa ser publicado, demonstrado, discutido e
submetido à contestação: crítica dos pares.
Novo critério de verdade: observação.
Essa revolução foi também institucional.
Surgimento da ciência moderna
A invenção da ciência moderna como um
“empreendimento coletivo, capaz de se desenvolver
por si próprio, voltado para conhecer o mundo e
intervir sobre o mundo” (Rossi, p. 22)
Voltando a Merton...
Por que na Inglaterra?
Surgimento de um espaço específico para a ciência. A Royal Society era
composta por gentlemans que, a princípio, não dependiam da ciência para
viver, ou seja, não faziam ciência por dinheiro ou para ganhar dinheiro. Faziam
por quê?
Faziam porque a Inglaterra do século XVII tinha uma forte influência do
protestantismo.
E o protestantismo rompe com dois pontos essenciais que sustentavam a
cultura ESCOLÁSTICA:
A ideia de salvação da alma tal como concebida pela Igreja Católica
Medieval;
A forma de interpretação dos textos sagrados.
O que Merton entende por “ciência
moderna”?
I. um conjunto de métodos característicos por meio dos
quais o conhecimento é certificado (procedimentos
científicos);
II. Um conjunto de conhecimentos acumulados que se
origina a partir desses métodos (teorias científicas);
III. Um conjunto de valores e costumes culturais que
governam as atividades e as instituições científicas
(éthos);
IV. Qualquer combinação das anteriores.
Domínio da epistemologia:
I. um conjunto de métodos característicos por meio dos quais o conhecimento é certificado (procedimentos científicos);
II. Um conjunto de conhecimentos acumulados que se origina a partir desses métodos (teorias científicas);
Domínio da sociologia e seu
desdobramento, o campo de CTS
III. Um conjunto de valores e costumes culturais
que governam as atividades científicas;
INSTITUIÇÕES
DISCURSOS
PRÁTICAS
O que é desenvolvimento institucional?
A afirmação da atividade científica como uma profissão
(antes as academias eram de nobres amadores);
A sistematização do ensino da ciência (transmissão de
conhecimento, técnicas e valores);
A sistematização do financiamento da ciência pelo Estado
(a possibilidade de autonomizar a ciência)
A garantia de estabilidade (autonomia relativa).