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Professor Décio Cotrim
Ciência
Sociais
Agrárias
Departamento de Ciências Sociais Agrárias
Universidade Federal de Pelotas
Faculdade de Agronomia
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Material Didático para os
Cursos de Graduação em
Ciências Sociais Agrárias e
Extensão Rural
Elaboração:
Professor Décio Cotrim
Departamento de Ciências Sociais Agrárias Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel
Pelotas – RS 2015
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Sumário
1 CAPITULO I- CONCEPÇÕES DE EXTENSÃO RURAL ............................................................. 4
2 CAPITULO II - EXTENSÃO RURAL NO BRASIL ..................................................................... 10
3 CAPITULO III - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ATER .................................................................. 17
4 CAPITULO IV - TECNOLÓGICAS NA AGRICULTURA. ......................................................... 24
5 CAPITULO V – CASA FAMILIAR RURAL ................................................................................. 32
6 CAPITULO VI - MÉTODO EM EXTENSÃO RURAL ................................................................. 38
7 CAPITULO VIII - AGRICULTURA SUSTENTÁVEL ................................................................. 47
8 CAPÍTULO IX - DESENVOLVIMENTO RURAL: DO LOCAL AO TERRITORIAL. .............. 54
9 CAPÍTULO X- MULTIFUNCIONALIDADE DA AGRICULTURA ............................................ 60
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1 Capitulo I- Concepções de Extensão Rural
Introdução
O serviço de Assistência Técnica e Extensão Rural - ATER passou por diversas fases em
sua trajetória histórica de institucionalização. Para termos um ponto de partida na análise
tomaremos por base a emergência dos elementos principais do processo de
“modernização da agricultura”, nos Estados Unidos, com a inserção da
motomecanização, da quimificação e da biotecnologia dentro dos processos naturais da
agricultura. Essa ação alterou a base técnica da agricultura e centralmente transformou a
sua função para um setor subordinado a indústria, ou seja, um fornecedor de matéria
prima e comprador de produtos industrializados como tratores, equipamentos agrícolas,
adubos solúveis e sementes melhoradas (GOODMAN, SORJ; WILKINSON, 1990). No
bojo dessas mudanças será possível a identificação do nascimento dos pilares do que
entendemos na atualidade como ATER.
Entre o final do século XIX e início do XX foram criadas nos EUA um conjunto de
legislações agrárias no sentido estruturação das modificações que emergiam na
agricultura (SILVA; OLIVEIRA, 2010). Uma das mais fundamentais foi a criação em
cada estado americano de uma Land Grand University como uma instituição de geração
de conhecimento e ensino de técnicas agroindustriais, como uma resposta da agricultura
ao processo maior de Revolução Industrial. Nessas universidades da terra eram formados
profissionais com perfil tecnológico para lidarem com as inovações industriais voltadas
para a agricultura.
Em conjunto com a Universidade foram criadas Estações Experimentais para a validação
das técnicas agrícolas que estavam sendo pesquisadas e um Serviço Cooperativo de
Extensão, em 1914, pela lei de Smith-Lever. O Serviço Cooperativo de Extensão funciona
inicialmente como um órgão de transmissão das novas tecnologias industriais para os
agricultores. Esse procedimento de comunicação era acompanhado da oferta de crédito
rural para a facilitação da difusão tecnológica. Esse ponto é tomado, nesse texto, como o
marco inicial da ATER (SILVA; OLIVEIRA, 2010).
A partir da emergência da ATER nos EUA o objetivo proposto para esse trabalho é a
análise da sua trajetóriahistórica dentro do Brasil até a atualidade, bem como os papeis
desenvolvidos pelos extensionistas. A estrutura desse texto está dividida na apresentação
e diferenciação das etapas sucessivas da ATER no Brasil; a construção de uma reflexão
da atualidade, em especial, dos novos papeis dos extensionistas; e concluindo aponta as
características e o perfil de um “novo profissionalismo” para a ATER.
Resultados e Discussões
Diferenciação das etapas da ATER no Brasil
Caporal (1998) analisa que a trajetória histórica da ATER no Brasil pode ser dividida em
quatro etapas distintas. Ele nomeia essas fases com Familiar Assistencialista (1948-60),
Produtivista Modernizador (1961-80), Crítico Reflexivo (1981-1990) e Transição
Ambientalista (1990-atual).
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Na etapa Familiar Assistencialista o foco da ação extensionista era de gerar nos
agricultores capacidades de busca de alternativas de melhorar as condições das famílias
rurais. O espaço de trabalho era a comunidade rural centrada na atuação junto as famílias.
Existia uma clara preocupação com a redução da pobreza rural. Nesse arcabouço o papel
do extensionista era de auxiliar a organização comunitária voltada a ampliação da
qualidade de vida. Frequentemente um trabalho com características sacerdotais que
permearam a atuação dos profissionais na época.
A equipe extensionista básica era formada por um profissional masculino formado nas
ciências agrárias e uma profissional do sexo feminino, ligada a área da economia
doméstica. A informação trabalhada com as famílias de agricultores era dividida entre os
aspectos da produção agrícola e os aspectos voltados ao lar.
Para a facilitação da adoção de práticas pelas famílias rurais era lançada mão do artifício
do Crédito Rural Supervisionado que atendia ambas as demandas. Esse instrumento de
crédito diferenciado emergiu em virtude do entendimento que os agricultores não
possuíam legitimidade para buscar financiamentos em redes bancárias (CAPORAL,
1998).
A fase que sucessora é intitula como Produtivista Modernizadora emergindo a partir da
avaliação realizada pela ABCAR da ação extensionista desde a década de 50. Essa
avaliação concluiu para atender a pressuposto do desenvolvimento era necessário um
processo de industrialização no Brasil. Para isso o setor da agricultura ganharia outras
tarefas como a liberação de mão de obra rural para trabalhar na indústria e ampliação da
produção e produtividade de cultivos e criações. Essa proposta tinha como pano de fundo
uma subordinação da agricultura a indústria, atendendo as funções de fornecer matéria
prima, gerar divisas com a exportação e baratear a alimentação dos operários
(GRAZIANO da SILVA, 1996)
Essas novas funções da agricultura moderna modificaram o papel da extensão rural.
Tendo como base a teórica da modernização (SCHULTZ, 1995), que aponta a
necessidade de substituição dos insumos tradicionais da agricultura por insumos
industriais modernos, a ATER priorizou como único caminho para a melhoria da
condição de vida dos agricultores a ampliação da renda da família rural através do
aumento da produção e da produtividade.
O Credito Supervisionado foi substituído pelo Crédito Rural Orientado, baseado no
Sistema Nacional Crédito Rural - SNCR. Esse instrumento era focado unicamente no
financiamento agropecuário em detrimento aos projetos sociais que não foram mais
financiados. Cabia ao extensionista a seleção dos agricultores mais aptos para a adoção
de tecnologias para receberem o apoio creditício. Também eram operacionalizadas pelos
extensionistas as políticas públicas do PROAGRO, com sendo um seguro agrícola
voltado as commodities, e PGPM com uma estratégia reguladora de compra e venda
também das commodities .
Nesse contexto a ATER se tornou um instrumento de política agrícola dentro do processo
de “modernização da agricultura”. Durante a década de 70 o governo federal
institucionalizou essa situação criando o SIBRATER (Sistema Brasileiro de Assistência
Técnica e Extensão Rural) que era constituído por uma empresa nacional de coordenação
da Extensão Rural, EMBRATER, e por empresas em cada estado da união de caráter
operacional, EMATER. Existia uma ligação natural entre a pesquisa agropecuária
voltada a cultivos de exportação realizada pela EMBRAPA e o sistema de ATER.
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A metodologia de extensão rural utilizada pelos extensionistas estava baseada na Teoria
da Difusão de Inovações de Rogers (1983), sendo intitulada de método difusionista e
tendo como ferramentas e técnicas os dias de campo, as unidades de observação, a
demonstração de métodos, entre outros.
Esse contexto modifica profundamente o papel do extensionista que deixa de exercer uma
ação social e comunitária e direciona sua atuação ao nível das propriedades focadas na
ampliação da produção e da produtividade de cultivos e criações. O método de extensão
é modificado para atender a necessidade da difusão tecnológica agropecuária através de
ferramentas e técnicas do método difusionista. O caráter da ação extensionista passa a ser
eminentemente econômico.
Essa fase tem uma ruptura a partir de 1980 em razão de uma crise econômica, ambiental
e social. A crise econômica iniciada pela alta do preço do petróleo (segunda crise do
petróleo de 1979) atingiu patamares de paralisação do crescimento industrial na totalidade
da década de 80, sendo considerada nesse aspecto por Graziano da Silva (1996) a “década
perdida”. Esse processo modificou o panorama da política mundial levando a forte
redução da ação do Estado sobre o processo de desenvolvimento e para o caso brasileiro
a desarticulação dos instrumentos de política pública utilizados na década anterior.
O processo de “modernização da agricultura” gerou externalidades ambientais que
começam a ser apresentada a sociedade. A erosão dos solos agrícolas, o assoreamento
dos rios, o envenenamento do alimento por agrotóxicos são exemplos que o movimento
ambientalista apontava, na época, como degradações fruto das modificações na base
técnica da agricultura.
Do ponto de vista social a ruptura econômica que paralisou o crescimento do emprego
urbano e a própria dinâmica da espiral tecnológica do processo de “modernização da
agricultura”, que expulsava sequencialmente um contingente de agricultores do campo,
levou a uma imensa pressão social eclodindo através de movimentos sociais rurais, em
especial, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra - MST.
Esse conjunto de crise conjugadas apontou os limites do processo de “modernização da
agricultura” e da própria ação extensionista focada na difusão de tecnologias
agropecuárias. Esse é considerado o início da etapa Crítica-Reflexiva (CAPORAL, 1998).
Desde a década de 70 grupos de agricultores e técnicos vinham desenvolvendo um
contraponto teórico-metodológico ao processo de “modernização da agricultura” através
da chamada Agricultura Alternativa. Esses grupos pragmáticos se consolidaram em torno
da ideia de uma agricultura de base orgânica e com a participação dos saberes dos
camponeses. Vieram, nessa fase, se conformarem como Organizações Não
Governamentais-ONG sendo uma referencial diferencial de ATER (DAL SOGLIO,
2012).
Internamente a extensão rural pública passou por dois momentos sequenciais nesta etapa.
Primeiramente tentou ajustar sua ação para uma adaptação tecnológica e metodológica
com as mesmas bases do processo difusionista de inovação tecnológicas. Posteriormente
adentrou a um momento de crítica teórica e metodológica, pautado pelo referencial de
Paulo Freire, que levou a um profundo repensar da ação extensionista. Ou seja, tentou
responder as questões: Extensão para que? E para quem? Essa etapa da extensão ainda é
inconclusa, mas se mescla a próxima etapa de Transição Ambientalista.
Os elementos de participação dos agricultores no processo de desenvolvimento,
construção de projetos de “baixo para cima”, uso de metodologias participativas são
debates metodológicos que tomam força nesta fase atual da ATER (CHAMBERS, 83). O
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contraponto a noção metodológica difusionista (tipo top-down) é um elemento chave na
superação da fase anterior. Alguns programas do Banco Mundial de alívio a pobreza rural
foram desencadeadores para a superação da priorização do foco econômico-agropecuário.
Ocorreu a retomada de projetos de cunho social e principalmente a centralidade da ação
extensionista na categoria social da Agricultura Familiar e dentro dessa em grupos
empobrecidos. Analisando as questões da base técnica da agricultura é retomado o debate
de uma produção agropecuária de base orgânica, de uma agricultura orgânica e da
Agroecologia.
O papel do extensionista nessa fase contemporânea é modificado. A difusão tecnológica
deixa de ser a centralidade e assumi seu lugar as noções de Desenvolvimento Rural. O
trabalho retoma a ideia de desenvolvimento comunitário agregado a perspectiva de
preservação ambiental. Elementos de circuitos curtos de comercialização, policultivos,
agroindustrialização, produção de autoconsumo e pluriatividade são incorporados ao
cotidiano do trabalho. A operacionalização das políticas públicas em apoio aos processos
de desenvolvimento é uma marca atual dos extensionistas.
Porém cabe enfatizar que essa fase atual é uma transição. São percebidos dentro do
conjunto de extensionistas perfis profissionais fortemente arraigados na perspectiva da
difusão tecnológica e outros com posturas mais focadas em processos de
Desenvolvimento Rural. Esse continunn de posturas teórico-metodológico entre as
perspectivas difusionistas e participativa é um viés marcante da atualidade.
Reflexão dos elementos contemporâneos: os novos papéis dos extensionistas.
Nessa fase transicional os extensionistas convivem com novos e velhos elementos que
configuram sua ação. Para tentar avançar, neste texto, em uma perspectiva de futuro
iremos discorrer sobre um conjunto de indicadores que sedimenta um novo papel para o
profissional de ATER.
Existe o entendimento que o conjunto teórico que sustenta esse novo papel do
extensionista está pautado no Desenvolvimento Rural Sustentável - DRS, onde o
agricultor deixa de ser um simples receptor tecnológico e passa a ter papel de ator e
capacidade de agência na construção dos processos (LONG, 2001). Esse DRS tem
características multidimensionais e multifacetadas envolvendo temas sociais, econômicos
e ambientais.
Os principais objetivos do trabalho extensionista são a melhoria das condições de vida
dos agricultores e ao mesmo tempo a proteção ambiental. Nesse sentido são buscados
estilos de desenvolvimento social, economicamente equilibrados e ambientalmente
sustentáveis (CAPORAL, 2002). Não existe mais uma única fórmula ou único formato
como na fase da ampliação da produção e produtividade agrícola. Muitos serão os
caminhos do desenvolvimento gerando processos heterogêneos entre as comunidades
rurais.
Do ponto de vista da compreensão do meio ambiente se torna necessário a construção de
uma noção como uma base de recursos que deve ser utilizada adequadamente de forma a
alcançar a estabilidade nos sistemas agrícolas em razão da retomada do efeito dos ciclos
naturais como predador-presa e reciclagem nutricional. Sobre o aspecto da agricultura se
torna fundamental gerar o entendimento da co-evolução dos cultivos dentro dos
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agroecossistemas, bem como, a noção de um sistema complexo e diversificado suscitado
no encontro entre os saberes dos grupos sociais e os ecossistemas.
A Agroecologia, aqui entendida enquanto um campo da ciência, deve ser tomada como
fonte de orientação de princípios agroecológicos que norteiam tecnologias e práticas no
amplo espectro dentro da agricultura. Esses princípios atendem dimensões econômicas,
ambientais, sociais, políticas, culturais e éticas (CAPORAL; COSTABEBER, 2002)
Analisando os aspectos metodológicos se torna evidente a necessidade do abandono das
ferramentas e técnicas difusionistas e a busca de métodos de extensão rural que permitam
o diálogo horizontal entre os agricultores e esses com os extensionistas, o resgate do
conhecimento local dos grupos sociais e principalmente a construção do conhecimento
pautado no diálogo de saberes técnicos e populares. As metodologias participativas
oferecem um conjunto de princípios que atendem esse novo paradigma (CHAMBERS,
1983).
Finalizando, cabe a ênfase de que o papel do extensionista deixa de ser de um professor
ou de um repassador de tecnologias e práticas e passa a ser de facilitador de processos de
Desenvolvimento Rural. Muito mais complexo e multidisciplinar. Também emerge um
papel de pesquisador de soluções técnica e não técnicas, não padronizadas, no
atendimento as demandas comunitárias e territoriais.
A título de conclusão
Um “novo profissionalismo”
As novas exigências para o trabalho extensionista apresentadas anteriormente, esse novo
papel, propiciam a necessidade de um profissional diferente, requalificado, ou seja,
(emprestando o termo de Caporal; Costabeber, 2004) um “novo profissionalismo”.
A atual formação acadêmica dos profissionais das ciências agrárias propicia uma visão
fragmentada, dividida em disciplinas e direcionada para receitas técnicas como soluções
dos problemas. Esse caminho dificulta de sobremaneira o entendimento das correlações
sociais e ambientais existentes em um agroecossistema.
Também existe um distanciamento abstrato quando da relação com o agricultor.
Permanece a noção de diminuição da importância de seu conhecimento, das suas vontades
e motivações na construção do seu modo de vida. As disciplinas acadêmicas que estudam
esse aspecto dentro dos cursos das ciências sociais (Sociologia e Extensão Rural) têm
uma menor carga horária e por vezes são focadas em métodos de comunicação para
difusão tecnológica.
Esse conjunto gera um estilo de profissionalismo normal apoiado em método e
comportamento dominante. Para o exercício desses novos papeis exigidos na
contemporaneidade se faz necessário um novo profissionalismo.
Essa nova postura profissional estará ancorada em uma visão sistêmica e holística da
realidade onde as pessoas veem antes das coisas. Uma visão que permita encontrar
elementos que promovam processos sustentáveis.
Os métodos desse novo profissional precisam privilegiar a participação dos atores através
de um comportamento conciliador e articulador voltado a construção do conhecimento
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pelo diálogo de saberes. Necessariamente esse novo profissionalismo deve buscar na
multidisciplinaridade elementos de conexão para apoiar processos de Desenvolvimento
Rural.
Referências
CAPORAL, F. R.; COSTABEBER, J. A. Análise multidimensional da sustentabilidade
uma proposta metodológica a partir da agroecologia. Agroecologia e Desenvolvimento
Rural Sustentável, Porto Alegre, v.3, n.3, p.70-85, jul./set. 2002.
CAPORAL, F.R. La extensión agraria del sector público ante los desafíos del
desarrollo sostenible: el caso de Rio Grande do Sul, Brasil. 1998. 517 f. Tese
(Doutorado) - Programa de Doctorado en Agroecología, Campesinado e Historia, ISEC-
ETSIAN, Universidad de Córdoba. Córdoba, 1998.
CAPORAL, F. R. Recolacando as coisas nos seus devidos lugares: Um manifestó em
defesa da extensão rural pública e gratuíta para a agricultura familiar. 2002
CHAMBERS, R. Rural Development: Putting the last first. London: Logman, 1983
DAL SÓGLIO, F.Desenvolvimento, agricultura e agroecologia: qual a ligação? 2012.
Manuscrito.
GOODMAN; SORJ;WILKINSON. Das lavouras à biotecnologia: Agricultura
industrial no sistema internacional. 1990
GRAZIANO SILVA, J. G. A nova dinâmica da agricultura brasileira. Campinas:
Unicamp, 1996.
LONG, N. Development Sociology:actor perspectives. London: Routledge, 2001.
ROGERS, E.M. Diffusion of innovation. 3rd edition. New York: The free press, 1983.
SCHULTZ, T. W. A transformação da agricultura tradicional. Rio de Janeiro:
Zahar, 1995.
SILVA,A.P.; OLIVEIRA,J.T.A. O modelo cooperativo de extensão rural dos
Estados Unidos: contribuições possíveis para o Brasil. Revista Ceres, 2010.
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2 Capitulo II - Extensão Rural no Brasil
Introdução
O serviço de Assistência Técnica e Extensão Rural - ATER passou por diversas fases em
sua trajetória histórica de institucionalização. Para termos um ponto de partida na análise
tomaremos por base a emergência dos elementos principais do processo de
“modernização da agricultura”, nos Estados Unidos, com a inserção da
motomecanização, da quimificação e da biotecnologia dentro dos processos naturais da
agricultura. Essa ação alterou a base técnica da agricultura e centralmente transformou a
sua função para um setor subordinado a indústria, ou seja, um fornecedor de matéria
prima e comprador de produtos industrializados como tratores, equipamentos agrícolas,
adubos solúveis e sementes melhoradas (GOODMAN, SORJ; WILKINSON, 1990). No
bojo dessas mudanças será possível a identificação do nascimento dos pilares do que
entendemos na atualidade como ATER.
Entre o final do século XIX e início do XX foram criadas nos EUA um conjunto de
legislações agrárias no sentido estruturação das modificações que emergiam na
agricultura. Uma das mais fundamentais foi a criação em cada estado americano de uma
Land Grand University como uma instituição de geração de conhecimento e ensino de
técnicas agroindustriais, como uma resposta da agricultura ao processo maior de
Revolução Industrial. Nessas universidades da terra eram formados profissionais com
perfil tecnológico para lidarem com as inovações industriais voltadas para a agricultura
(SILVA; OLIVEIRA, 2010).
Em conjunto com a Universidade foram criadas Estações Experimentais para a validação
das técnicas agrícolas que estavam sendo pesquisadas e um Serviço Cooperativo de
Extensão, em 1914, pela lei de Smith-Lever. O Serviço Cooperativo de Extensão funciona
inicialmente como um órgão de transmissão das novas tecnologias industriais para os
agricultores. Esse procedimento de comunicação era acompanhado da oferta de crédito
rural para a facilitação da difusão tecnológica. Esse ponto é tomado, nesse texto, como o
marco inicial da ATER (SILVA; OLIVEIRA, 2010).
A partir da emergência da ATER nos EUA o recorte proposto para esse trabalho é a
análise da trajetória histórica no Brasil até atualidade enfatizando os elementos centrais
de cada etapa. A estrutura deste texto está dividida apresentação e diferenciação das
etapas sucessivas da ATER no Brasil, com destaque dos elementos contemporâneos e
conclusão através do apontamento das tendências de futuro.
Resultados e Discussões
Diferenciação das etapas da ATER no Brasil
As primeiras iniciativas institucionalizadas de extensão rural no Brasil foram diretamente
influenciadas pelo processo que estava ocorrendo nos EUA. No início da década de 30,
em Minas Gerais, a Universidade de Viçosa promovia a semana do fazendeiro aonde os
agricultores vinham até a Universidade tomar contato com as novas tecnologias. Esse
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processo estava pautado em uma noção de oferta de tecnologia e do interesse pelo
agricultor na busca dessa informação.
Entre as décadas de 40 e 50 é estruturado no Brasil um Serviço de Informação Agrícola-
SAI que através de programas de rádio e filmes de cinema de curta duração propagavam
a informação agrícola de forma massal (BORDANAVE, 95). A partir da assessoria da
Associação Internacional Americana-AIA, instituição filantrópica norte americana, é
avaliado o processo de transferência de informação e proposta a modificação do formato
dos projetos de extensão rural emergindo a noção de oferecer, através de equipe técnica
capacitada, a informação técnica diretamente na comunidade rural ou na casa dos
agricultores.
Caporal (1998) analisa que a trajetória histórica da ATER no Brasil pode ser dividida em
quatro etapas distintas. Ele nomeia essas fases com Familiar Assistencialista (1948-60),
Produtivista Modernizador (1961-80), Crítico Reflexivo (1981-1990) e Transição
Ambientalista (1990-atual).
Na etapa Familiar Assistencialista o foco da ação extensionista era de gerar nos
agricultores capacidades de busca de alternativas de melhoraria das condições das
famílias rurais. Dentro desse período ocorreu a fundação de associações de profissionais,
das áreas das ciências agrárias e sociais, em instituições de assessoria que se tornaram as
primeiras organizações oficiais de ATER. Em Minas Gerais, em 1948, é criada a
Associação de Crédito e Assistência Rural-ACAR. No Rio Grande do Sul, em 1955, é
fundada a Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural-ASCAR. Em torno desse
período muitos estados também montaram suas organizações de ATER, que a partir de
1956, constituíram uma organização nacional através da Associação Brasileira de Crédito
e Assistência Rural-ABCAR.
O espaço de trabalho extensionista era a comunidade rural centrada na atuação junto as
famílias. Existia uma clara preocupação com a redução da pobreza rural. Nesse arcabouço
o papel do extensionista era de auxiliar a organização comunitária, voltada a ampliação
da qualidade de vida. Frequentemente um trabalho com características sacerdotais que
permearam a atuação dos profissionais na época.
A equipe extensionista básica era formada por um profissional masculino formado nas
ciências agrárias e uma profissional do sexo feminino, ligada a área da economia
doméstica. A informação trabalhada com as famílias de agricultores era dividida entre os
aspectos da produção agrícola e os aspectos voltados ao lar.
Para a facilitação da adoção de práticas pelas famílias rurais era lançada mão do artifício
do Crédito Rural Supervisionado que atendia ambas as demandas. Esse instrumento de
crédito diferenciado emergiu em virtude do entendimento que os agricultores não
possuíam legitimidade para buscar financiamentos em redes bancárias (CAPORAL,
1998).
A fase sucessora é intitula como Produtivista Modernizadora emergindo a partir da
avaliação realizada pela ABCAR da ação extensionista desde a década de 50. Essa
avaliação concluiu que para atender ao pressuposto do desenvolvimento era necessário
um processo de industrialização no Brasil. Para isso o setor da agricultura ganharia outras
tarefas como a liberação de mão de obra rural para trabalhar na indústria e ampliação da
produção e produtividade de cultivos e criações. Essa proposta tinha como pano de fundo
uma subordinação da agricultura a indústria, atendendo as funções de fornecimento
matéria prima, geração de divisas com a exportação e barateamento da alimentação dos
operários (GRAZIANO SILVA, 1996)
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Essas novas funções da agricultura moderna modificaram o papel da extensão rural.
Tendo como base a teórica da modernização (SCHULTZ, 1995), que aponta a
necessidade de substituição dos insumos tradicionais da agricultura por insumos
industriais modernos, a ATER priorizou como único caminho para a melhoria da
condição de vida dos agricultores a ampliação da renda da família rural através do
aumento da produção e da produtividade.
O Credito Supervisionado foi substituído pelo Crédito Rural Orientado, baseado no
Sistema Nacional Crédito Rural - SNCR. Esse instrumento era focado unicamente no
financiamento agropecuário em detrimento aos projetos sociais que não foram mais
financiados. Cabia ao extensionista a seleção dos agricultores mais aptos para a adoção
de tecnologias para receberem o apoio creditício. Também eram operacionalizadas pelos
extensionistas as políticas públicas do PROAGRO, com sendo um seguro agrícola
voltado as commodities, e PGPM com uma estratégia reguladora de compra e venda
também das commodities.
Nesse contexto a ATER se tornou um instrumento de política agrícola dentro do processo
de “modernização da agricultura”. Durante a década de 70 o governo federal
institucionalizou essa situação criando o SIBRATER (Sistema Brasileiro de Assistência
Técnica e Extensão Rural) que era constituído por uma empresa nacional de coordenação
da Extensão Rural, EMBRATER, que foi a substituta da ABCAR, e por empresas em
cada estado da união de caráter operacional, EMATER, que na maioria dos estados
substituiu as associações de crédito e assistência rural. Foi criada uma ligação natural
entre a pesquisa agropecuária voltada a cultivos de exportação, realizada pela
EMBRAPA, e o sistema EMBRATER.
A metodologia de extensão rural utilizada pelos extensionistas estava baseada na Teoria
da Difusão de Inovações de Rogers (1983), sendo intitulada de método difusionista e
tendo como ferramentas e técnicas os dias de campo, as unidades de observação, a
demonstração de métodos, entre outros.
Esse contexto modifica profundamente o papel do extensionista que deixa de exercer uma
ação social e comunitária e direciona sua atuação ao nível das propriedades focadas na
ampliação da produção e da produtividade de cultivos e criações. O método de extensão
é modificado para atender a necessidade da difusão tecnológica agropecuária através de
ferramentas e técnicas do método difusionista. O caráter da ação extensionista passa a ser
eminentemente econômico.
O processo de “modernização da agricultura” mudou a face do rural brasileiro. As
adoções das inovações tecnológicas ocorreram de forma diferencial entre os agricultores
e entre as regiões do país. Essa ação produziu um imenso gradiente de heterogeneidade
dentro da agricultura. Em um esforço de síntese podemos visualizar dois grandes grupos
que se consolidaram, sendo o primeiro formado de agricultores que mergulharam
profundamente no processo e modificaram completamente sua forma de fazer agricultura,
se tornando no primórdio do agronegócio; e o segundo grupo formado por uma miríade
de agricultores que adotaram em partes as técnicas da modernização, mas mantiveram
suas características de formação social, sendo o início da atual categoria da agricultura
familiar.
Essa fase tem uma ruptura a partir de 1980 em razão de uma crise econômica, ambiental
e social. A crise econômica iniciada pela alta do preço do petróleo (segunda crise do
petróleo de 1979) atingiu patamares de paralisação do crescimento industrial na totalidade
da década de 80, sendo considerada nesse aspecto por Graziano da Silva (1996) a “década
perdida”. Esse processo modificou o panorama da política mundial levando a forte
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redução da ação do Estado sobre o processo de desenvolvimento e para o caso brasileiro
a desarticulação dos instrumentos de política pública utilizados na década anterior.
O processo de “modernização da agricultura” gerou externalidades ambientais que
começam a ser apresentada a sociedade. A erosão dos solos agrícolas, o assoreamento
dos rios, o envenenamento do alimento por agrotóxicos são exemplos que o movimento
ambientalista apontava, na época, como degradações fruto das modificações na base
técnica da agricultura.
Do ponto de vista social a ruptura econômica que paralisou o crescimento do emprego
urbano e a própria dinâmica da espiral tecnológica do processo de “modernização da
agricultura”, que expulsava sequencialmente um contingente de agricultores do campo,
levou a uma imensa pressão social eclodindo através de movimentos sociais rurais, em
especial, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra - MST.
Esse conjunto de crise conjugadas apontou os limites do processo de “modernização da
agricultura” e da própria ação extensionista focada na difusão de tecnologias
agropecuárias. Esse é considerado o início da etapa Crítica-Reflexiva (CAPORAL, 1998).
Desde a década de 70 grupos de agricultores e técnicos vinham desenvolvendo um
contraponto teórico-metodológico ao processo de “modernização da agricultura” através
da chamada Agricultura Alternativa. Esses grupos pragmáticos se consolidaram em torno
da ideia de uma agricultura de base orgânica e com a participação dos saberes dos
camponeses. Vieram, nessa fase, se conformarem como Organizações Não
Governamentais-ONG, sendo uma referencial diferencial de ATER (DAL SOGLIO,
2012).
Internamente a extensão rural pública passou por dois momentos sequenciais nesta etapa.
Primeiramente tentou ajustar sua ação para uma adaptação tecnológica e metodológica
com as mesmas bases do processo difusionista de inovação tecnológicas que já vinha
desenvolvendo através de projetos de tecnologias adaptadas. Posteriormente adentrou a
um momento de crítica teórica e metodológica, pautado pelo referencial de Paulo Freire,
que levou a um profundo repensar da ação extensionista. Ou seja, tentou responder as
questões: Extensão para que? E para quem? Essa etapa da extensão rural, ainda é
inconclusa, se mesclando com a próxima etapa de Transição Ambientalista.
Um fato histórico que demarca a fratura entre fases foi que em 1990, no governo de
Fernando Collor, ocorreu a extinção da EMBRATER e a finalização do financiamento
federal para a extensão rural. Isso levou a um intenso processo de desmonte da extensão
pública no Brasil com o fechamento de muitas EMATER.
A nova etapa de Transição Ambientalista traz a tona o debate dos elementos para a
participação dos agricultores no processo de desenvolvimento, da construção de projetos
de “baixo para cima”, uso de metodologias participativas. Essa discussão metodológica
passa a ser o contraponto da noção metodológica difusionista (tipo top-down), sendo um
elemento chave na superação da fase anterior (CHAMBERS, 83). Alguns programas do
Banco Mundial de alívio a pobreza rural foram desencadeadores para a superação da
priorização do foco econômico-agropecuário. Ocorreu a retomada de projetos de cunho
social e principalmente a centralidade da ação extensionista na categoria social da
Agricultura Familiar e dentro dessa em grupos empobrecidos. Analisando as questões da
base técnica da agricultura é retomado o debate de uma produção agropecuária de base
orgânica, de uma agricultura orgânica e da Agroecologia.
A partir dos anos 2000 um conjunto de legislações nacionais retomam o apoio à ATER
lhe vinculando a principal função de operacionalização das políticas públicas de
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Desenvolvimento Rural. São destacáveis a Política Nacional de Assistência Técnica e
Extensão Rural-PNATER, a retomada do SIBRATER, Lei Geral de ATER e a nova
Agência Nacional de ATER-ANATER que substitui as funções da EMBRATER.
Alguns elementos chaves se consolidam a partir desse arcabouço legal. O público de
atuação extensionista é exclusivamente os agricultores familiares respeitando sua imensa
diversidade; a matriz tecnológica de atuação agropecuária deve estar alinhada com os
pressupostos da Agroecologia; a metodologia de trabalho deve ser participativa utilizando
elementos da construção e diálogo de saberes com os agricultores; entre outros.
O papel do extensionista nessa fase contemporânea é modificado. A difusão tecnológica
deixa de ser a centralidade e assumi seu lugar as noções de Desenvolvimento Rural. O
trabalho retoma a ideia de desenvolvimento comunitário agregado a perspectiva de
preservação ambiental. Elementos como circuitos curtos de comercialização,
policultivos, agroindustrialização, produção de autoconsumo e pluriatividade são
incorporados ao cotidiano do trabalho.
Os extensionistas passam a ocupar o posto de mediadores entre os agricultores e de
proponentes de métodos de interface dentro das comunidades rurais. Esse diálogo entre
agricultores e outros atores produzem um processo de construção do conhecimento que
tem raízes com a realidade dos agroecossistemas, com a comunidade e com o território,
ou seja, um conhecimento contextualizado.
A operacionalização das políticas públicas em apoio aos processos de Desenvolvimento
Rural é uma marca atual dos extensionistas. Esse elemento é fortalecido pelo grande leque
das opções do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar-PRONAF
que possibilita diferenciação entre os grupos da agricultura familiar. Também existem
políticas públicas voltadas aos assentamentos de reforma agrária (ATES), territórios
rurais, diversificação em áreas produtoras de tabaco, entre outros.
Porém cabe enfatizar que essa fase atual é uma transição. Ainda são percebidos dentro do
conjunto de extensionistas perfis profissionais fortemente arraigados na perspectiva da
difusão tecnológica e outros com posturas mais focadas em processos de
Desenvolvimento Rural. Esse continunn de posturas teórico-metodológico entre as
perspectivas difusionistas e participativa é um viés marcante da atualidade.
A título de conclusão...
Durante a trajetória quase centenária da ATER no Brasil é perceptível que esses atores
desenvolveram diferenciados papéis em casa etapa. Inicialmente, na fase assistencialista,
exerciam uma função de organização comunitária em um período histórico que a
demanda por informações básicas de saúde, de produção e de educação eram prementes.
Dessa fase emerge uma característica essencial para a manutenção da extensão rural
independente da sua modificação de papeis que é a presença efetiva dentro da
comunidade, ou seja, sua capilaridade. O extensionista é um ator “de fora” da comunidade
que pelo seu trabalho e atuação se torna um ator “de dentro” na construção das
alternativas.
Na etapa produtivista modernizadora, descrita no texto, os papeis dos extensionista são
altamente modificados para um elemento de difusão tecnológica, com viés econômico.
Essa atuação, através da operacionalização das políticas públicas de “modernização da
agricultura”, mudou a base técnica da agricultura brasileira e transformou o perfil dos
15
grupos sociais rurais. A capacidade de fazer a ligação entre uma política nacional e sua
materialização na dimensão local é um bom aprendizado nesse período.
As últimas etapas abordadas no texto (Crítica Reflexiva e Transição Ambientalista)
refletem a fase atual da ATER. Nessa os extensionista são defrontados com a
complexidade do novo rural brasileiro, sua multifuncionalidade e as pluriatividades dos
agricultores. O território rural passa a ser o espaço de ação mais amplo e a comunidade
rural o mais estreito, sendo que essa ligação não é simples exigindo um grande esforço.
O ambiente deixa de ser um recurso e passa a ser elemento chave na construção de um
conhecimento contextualizado de como fazer agricultura. A operacionalização de um
grande grupo de políticas públicas foca essencialmente os processos de Desenvolvimento
Rural.
Finalizando, ao analisar a trajetória da ATER no Brasil entende-se que esses atores sociais
rurais sempre possuíram um papel importante em todas as etapas as quais passaram na
história, sendo um mérito desses profissionais. Mesmo modificando seus papeis a
presença do extensionista parece ser uma das características que perdurarão para o futuro.
Porém, imagina-se que a ênfase de atuação deva ser dada na atuação voltado aos
agricultores mais empobrecidos da Agricultura Familiar e focada em uma perspectiva
agrícola e não-agrícola. Correndo os riscos inerentes de um exercício de previsão futura
é possível imaginar a continuidade da ação dos extensionistas atendendo aos agricultores
e atores do rural que estão com dificuldades de reprodução social. Uma vantagem para
essa atuação é a própria capilaridade da ATER e a possibilidade de construção coletiva
de alternativas dentro do território. Essas opções podem estar sedimentas em atividade
agrícolas como no caso de processos de diversificação e produção para o autoconsumo;
ou em atividades não-agrícolas como processos de agroindustrialização, mercado local e
industrialização difusa.
Referencias
BORDANAVE, J.D. O que é comunicação rural. 2 ed. São Paulo. Brasiliense.1985
CAPORAL, F.R. La extensión agraria del sector público ante los desafíos del
desarrollo sostenible: el caso de Rio Grande do Sul, Brasil. 1998. 517 f. Tese
(Doutorado) - Programa de Doctorado en Agroecología, Campesinado e Historia, ISEC-
ETSIAN, Universidad de Córdoba. Córdoba, 1998.
CHAMBERS, R. Rural Development: Putting the last first. London: Logman, 1983
DAL SÓGLIO, F. Desenvolvimento, agricultura e agroecologia: qual a ligação?
2012. Manuscrito.
GOODMAN; SORJ;WILKINSON. Das lavouras à biotecnologia: Agricultura
insdustrial no sistema internacional. 1990
GRAZIANO SILVA, J. A nova dinâmica da agricultura brasileira. Campinas:
Unicamp, 1996.
ROGERS, E.M. Diffusion of innovation. 3rd edition. New York: The free press, 1983.
16
SCHULTZ, T. W. A transformação da agricultura tradicional. Rio de Janeiro:
Zahar, 1995.
SILVA, A.P.; OLIVEIRA,J.T.A. O modelo cooperativo de extensão rural dos
Estados Unidos: contribuições possíveis para o Brasil. Revista Ceres, 2010.
17
3 Capitulo III - Políticas públicas de ATER
Introdução
As políticas públicas podem ser entendidas como diretrizes ou princípios norteadores da
ação do Estado, ou ainda, como regras e procedimentos para relações do Estado e a
sociedade. Normalmente orientam a aplicação de recursos públicos e traduzem em seus
resultados a distribuição de poder e a rearticulação dos custos e benefícios sociais.
Elaborar políticas públicas significa definir quem decide o quê, quando e para quem
(TEIXEIRA, 2002).
No sentido de entender a conecção entre políticas públicas e extensão rural analisaremos,
de forma sintética, a sua formação. O serviço de Assistência Técnica e Extensão Rural -
ATER passou por diversas fases em sua trajetória histórica de institucionalização. Para
termos um ponto de partida na análise tomaremos por base a emergência dos elementos
principais do processo de “modernização da agricultura”, nos Estados Unidos, com a
inserção da motomecanização, da quimificação e da biotecnologia dentro dos processos
naturais da agricultura. Essa ação alterou a base técnica da agricultura e centralmente
transformou a sua função para um setor subordinado a indústria, ou seja, um fornecedor
de matéria prima e comprador de produtos industrializados como tratores, equipamentos
agrícolas, adubos solúveis e sementes melhoradas (GOODMAN, SORJ; WILKINSON,
1990). No bojo dessas mudanças será possível a identificação do nascimento dos pilares
do que entendemos na atualidade como ATER.
Entre o final do século XIX e início do XX foram criadas nos EUA um conjunto de
legislações agrárias no sentido estruturação das modificações que emergiam na
agricultura. Uma das mais fundamentais foi a criação em cada estado americano de uma
Land Grand University como uma instituição de geração de conhecimento e ensino de
técnicas agroindustriais, como uma resposta da agricultura ao processo maior de
Revolução Industrial. Nessas universidades da terra eram formados profissionais com
perfil tecnológico para lidarem com as inovações industriais voltadas para a agricultura
(SILVA; OLIVEIRA, 2010).
Em conjunto com a Universidade foram criadas Estações Experimentais para a validação
das técnicas agrícolas que estavam sendo pesquisadas e um Serviço Cooperativo de
Extensão, em 1914, pela lei de Smith-Lever. O Serviço Cooperativo de Extensão funciona
inicialmente como um órgão de transmissão das novas tecnologias industriais para os
agricultores. Esse procedimento de comunicação era acompanhado da oferta de crédito
rural para a facilitação da difusão tecnológica. Esse ponto é tomado, nesse texto, como o
marco inicial da ATER (SILVA; OLIVEIRA, 2010).
A extensão rural na sua criação é compreendida como uma política pública em si, ou seja,
a sua existência e atuação devem ser percebidas como uma ação do Estado, e atrelado a
sua emergência se destaca a operação do Crédito Rural como sendo um instrumento direto
de política pública voltado ao rural.
A partir desse contexto o objeto de análise desse texto é a ATER no Brasil e a sua
imbricação com a política pública. Será analisada a trajetória histórica da extensão rural,
a partir das fases propostas por Caporal (1998), e os principais características da
operacionalização da política pública em cada etapa. Na conclusão será realizado um
apontamento das tendências para o futuro.
18
Resultados e Discussões
Caporal (1998) analisa que a trajetória histórica da ATER no Brasil pode ser dividida em
quatro etapas distintas. Ele nomeia essas fases com Familiar Assistencialista (1948-60),
Produtivista Modernizador (1961-80), Crítico Reflexivo (1981-1990) e Transição
Ambientalista (1990-atual).
Na etapa Familiar Assistencialista o foco da ação extensionista era a geração nos
agricultores das capacidades para busca de alternativas de melhoraria das condições das
famílias rurais. Dentro desse período ocorreu a fundação de associações de profissionais,
das áreas das ciências agrárias e sociais, em instituições de assessoria que se tornaram as
primeiras organizações oficiais de ATER. Em Minas Gerais, em 1948, é criada a
Associação de Crédito e Assistência Rural-ACAR. No Rio Grande do Sul, em 1955, é
fundada a Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural-ASCAR. Em torno desse
período muitos estados também montaram suas organizações de ATER, que a partir de
1956, constituíram uma coordenação nacional através da Associação Brasileira de
Crédito e Assistência Rural-ABCAR.
O espaço de trabalho extensionista era a comunidade rural centrada na atuação junto as
famílias. Existia uma clara preocupação com a redução da pobreza rural. Nesse arcabouço
o papel do extensionista era de auxiliar a organização comunitária, voltada a ampliação
da qualidade de vida. A equipe extensionista básica era formada por um profissional
masculino formado nas ciências agrárias e uma profissional do sexo feminino, ligada a
área da economia doméstica. A informação trabalhada com as famílias de agricultores
era dividida entre os aspectos da produção agrícola e os aspectos voltados ao lar.
Para a facilitação da adoção de práticas pelas famílias rurais era lançada mão da política
pública do Crédito Rural Supervisionado que atendia ambas as demandas. Esse
instrumento de crédito diferenciado emergiu em virtude do entendimento que os
agricultores não possuíam legitimidade para buscar financiamentos em redes bancárias
(CAPORAL, 1998).
O crédito rural supervisionado financiava a produção agrícola, melhorias no lar e aspectos
sanitários da moradia. Eram projetos dirigidos pelos extensionistas objetivando a
melhoria das condições de vida rural. Essa política pública possuía um forte caráter social
e auxiliou na organização comunitária rural. Foi também considerada basilar para a
emergência da próxima etapa.
A fase sucessora é intitula como Produtivista Modernizadora emergindo a partir da
avaliação realizada pela ABCAR da ação extensionista desde a década de 50. Essa
avaliação concluiu que para atender ao pressuposto do desenvolvimento era necessário
um processo de industrialização no Brasil. Para isso o setor da agricultura ganharia outras
tarefas como a liberação de mão de obra rural para trabalhar na indústria e ampliação da
produção e produtividade de cultivos e criações. Essa proposta tinha como pano de fundo
uma subordinação da agricultura a indústria, atendendo as funções de fornecimento
matéria prima, geração de divisas com a exportação e barateamento da alimentação dos
operários (GRAZIANO SILVA, 1996)
Essas novas funções da agricultura moderna modificaram o papel da extensão rural.
Tendo como base a teórica da modernização (SCHULTZ, 1995), que aponta a
19
necessidade de substituição dos insumos tradicionais da agricultura por insumos
industriais modernos, a ATER priorizou como único caminho para a melhoria da
condição de vida dos agricultores a ampliação da renda da família rural através do
aumento da produção e da produtividade.
A intervenção do Estado na agricultura foi uma marca dessa etapa. Emergem como
política agrícola cinco instrumentos estratégicos, a saber: Sistema Nacional de Crédito
Rural-SNCR (1964) para financiamento da produção; Política de Garantia de Preços
Mínimos-PGPM (1966) como garantia de preços de comercialização; Sistema Brasileiro
de Assistência Técnica e Extensão Rural-SIBRATER (1975) para difusão de tecnologia;
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária-EMBRAPA (1972) para geração de
tecnologia; e Programa de Garantia da Atividade Agropecuária-PROAGRO (1966) como
seguro agrícola (GRAZIANO SILVA, 1996).
Cabe salientar que o SIBRATER era constituído por uma empresa nacional de
coordenação da Extensão Rural, EMBRATER, que foi a substituta da ABCAR, e por
empresas em cada estado da união de caráter operacional, EMATER, que na maioria dos
estados substituiu as associações de crédito e assistência rural.
A política pública do Crédito Supervisionado foi substituída pelo Crédito Rural
Orientado, baseado no Sistema Nacional Crédito Rural. Esse instrumento era focado
unicamente no financiamento agropecuário em detrimento aos projetos sociais que não
foram mais financiados. Cabia ao extensionista a seleção dos agricultores mais aptos para
a adoção de tecnologias para receberem o apoio creditício. Também eram
operacionalizadas pelos extensionistas as políticas públicas do PROAGRO, com sendo
um seguro agrícola voltado as commodities, e PGPM com uma estratégia reguladora de
compra e venda também das commodities.
A pesquisa agropecuária, realizada pela EMBRAPA, estava focada nos produtos de
exportação e nos pressupostos de uma agricultura “moderna”. Para os extensionistas,
alocados nas EMATER, cabia o papel de buscar as inovações tecnológica da pesquisa e
servir como correia de transmissão da informação até o agricultor. Nesse contexto a
ATER se tornou um instrumento de política agrícola dentro do processo de
“modernização da agricultura”.
Esse contexto modificou profundamente o papel do extensionista que deixou de exercer
uma ação social e comunitária e direcionou sua atuação ao nível das propriedades focadas
na ampliação da produção e da produtividade de cultivos e criações. O método de
extensão foi modificado para atender a necessidade da difusão tecnológica agropecuária
através de ferramentas e técnicas do método difusionista. O caráter da ação extensionista
passou a ser eminentemente econômico (BORDANAVE, 95).
Como síntese dos resultados dessa etapa é possível identificar que o processo de
“modernização da agricultura” mudou a face do rural brasileiro. As adoções das
inovações tecnológicas ocorreram de forma diferencial entre os agricultores (grandes e
pequenos) e entre as regiões do país (Sul e Norte). Essa ação produziu um imenso
gradiente de heterogeneidade dentro da agricultura. Em um esforço de sinopse podemos
visualizar a consolidação de dois grandes grupos, sendo o primeiro formado de produtores
rurais que mergulharam profundamente no processo e modificaram completamente sua
forma de fazer agricultura, se tornando no primórdio do agronegócio; e o segundo grupo
formado por uma miríade de agricultores que adotaram em partes as técnicas da
modernização, mas mantiveram suas características de formação social, sendo o início da
atual categoria da agricultura familiar.
20
Essa fase tem uma ruptura a partir de 1980 em razão de uma crise econômica, ambiental
e social. A crise econômica iniciada pela alta do preço do petróleo (segunda crise do
petróleo de 1979) atingiu patamares de paralisação do crescimento industrial na totalidade
da década de 80, sendo considerada nesse aspecto por Graziano da Silva (1996) a “década
perdida”. Esse processo modificou o panorama da política mundial levando a forte
redução da ação do Estado sobre o processo de desenvolvimento e para o caso brasileiro
a desarticulação dos instrumentos de política pública utilizados na década anterior.
Um fato histórico que demarca a fratura entre fases foi que em 1990, no governo de
Fernando Collor, ocorreu a extinção da EMBRATER e a finalização do financiamento
federal para a extensão rural. Isso levou a um intenso processo de desmonte da extensão
pública no Brasil com o fechamento de muitas EMATER. Caporal (98) destaca que esse
é o momento do início das fases atuais da ATER no Brasil intituladas por como
Crítico/Reflexiva e Transição Ambientalista.
Esse quadro de crise agregado a abertura política promoveu espaço aos movimentos
sociais no sentido da reivindicação de políticas públicas diferenciais para cada categoria
social. Nesse caldo emerge o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar-PRONAF como uma política de abrangência nacional dirigida à Agricultura
Familiar. A ATER passa a exercer um papel de operacionalização dessa política sendo
responsável pelo enquadramento dos beneficiários através da Declaração de Aptidão ao
Pronaf-DAP e dos projetos técnicos de cunho agropecuário (GRISA, 2013).
O PRONAF financia projetos individuais e coletivas com taxas de juros mais baixas. Seus
principais objetivos foram o fortalecimento da agricultura familiar através do aumento do
emprego e da renda, melhoria da qualidade de vida e inserção dos agricultores no
mercado. Na sua trajetória o PRONAF obteve um enorme sucesso sendo uma linha
divisória na trajetória de legitimação da categoria da agricultura familiar
(FERNADES,2013).
O sucesso do Pronaf abriu porta para a efetivação, em 1999, do Ministério do
Desenvolvimento Agrário como uma estrutura do governo federal direcionada a
construção de políticas públicas para a agricultura familiar, sendo abarcado no seu interior
a gestão da ATER no Brasil.
A partir dos anos 2000 existe uma intensa ascensão de políticas públicas que focam nos
elementos de um “novo rural brasileiro”. Nessa nova ótica de análise é destacado que os
espaço rural não é apenas local de atividades agropecuárias. As atividades não agrícolas
passam a ser responsáveis por parcelas cada vez mais respeitáveis da renda dos
agricultores. Emergem as pluriatividades com os agricultores tipo part time que
conseguem melhores rendimentos econômicos que os agricultores monoativos
(GRAZIANO SILVA, 2001).
Começam a perder força explicativa as noções setoriais do desenvolvimento, onde o
urbano é sinônimo de indústria e o rural é de produção agrícola. O fenômeno da
industrialização difusa promove a presença de indústrias em espaços rurais aproveitando
as vantagens comparativas de cada território. Cresce o interesse pela abordagem territorial
do desenvolvimento. (FAVARETO, 2006). Muitos outros novos elementos são
reconectados como a comercialização em circuitos curtos, a produção agropecuária de
base ecológica, a experiência de assentamentos rurais entre outros.
O conjunto desses elementos acaba sendo impulsionado por políticas públicas
especificas. A título de exemplo é possível a visualização do grupo de políticas públicas
21
que estão expressas no Plano Safra da Agricultura Familiar 2014/15, sendo um esforço
sistêmico de políticas voltadas ao desenvolvimento rural (BRASIL, 2014).
O Pronaf, que é um projeto de custeio e ou investimentos para atividades agropecuárias,
foi desdobrado em Pronaf produção orientada, agroecologia, jovem, mulheres e
microcrédito para abarcar diferentes estratos de renda bruta familiar e para ampliar os
temas e as fatias de beneficiários desse novo rural. Os assentamentos da reforma agrária
receberam uma linha de crédito diferenciada adaptada a sua realidade de início de uso da
terra. Foram criados instrumentos de seguro agrícola, garantia de safra e programa de
preços mínimos para produtos agropecuários típicos da agricultura familiar com a
produção de alimentos. Emergiram programas de comercialização em circuitos curtos de
comercialização como Programa de Aquisição de Alimentos-PAA e Programa Nacional
de Alimentação Escolar-PNAE onde o alimento produzido pela agricultura familiar
atinge mercados institucionais importantes. Iniciativas de busca de uma gestão territorial
são vistas também dentro desse grupo de políticas públicas (BRASIL,2014).
O Plano Safra da Agricultura Familiar se torna uma coadunação de políticas públicas
voltada ao rural que abarcam um conjunto heterogêneo de aspectos, respeitando a
diversidade da própria categoria social, e tendo como orientação geral os processos de
desenvolvimento rural.
Também a partir dos anos 2000 um conjunto de legislações nacionais retomam o apoio à
ATER (após sua desconexão em 1990) lhe vinculando a principal função de
operacionalização das políticas públicas de Desenvolvimento Rural. São destacáveis a
Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural-PNATER, a retomada do
SIBRATER, Lei Geral de ATER e a nova Agência Nacional de ATER-ANATER que
substitui as funções da EMBRATER.
Nesse arcabouço legal é possível a visualização de alguns elementos chaves que se
consolidam, com por exemplo, a atuação dos extensionista sendo voltada exclusivamente
aos agricultores familiares respeitando a sua imensa diversidade; a matriz tecnológica de
atuação agropecuária deve estar alinhada com os pressupostos da Agroecologia; a
metodologia de trabalho deve ser participativa utilizando elementos da construção e
diálogo de saberes com os agricultores; entre outros (PNATER,2004).
O papel do extensionista nessa fase contemporânea é modificado. A difusão tecnológica
deixa de ser a centralidade e assumi seu lugar as noções de Desenvolvimento Rural. O
trabalho retoma a ideia de desenvolvimento comunitário agregado a perspectiva de
preservação ambiental. Os extensionistas passam a ocupar o posto de mediadores entre
os agricultores e de proponentes de métodos de interface dentro das comunidades rurais.
Esse diálogo entre agricultores e outros atores produzem um processo de construção do
conhecimento que tem raízes com a realidade dos agroecossistemas, com a comunidade
e com o território, ou seja, um conhecimento contextualizado (COTRIM,2013).
A operacionalização das políticas públicas em apoio aos processos de Desenvolvimento
Rural é uma marca atual dos extensionistas. Esse elemento é fortalecido pelo grande leque
das opções do Plano Safra da Agricultura Familiar que possibilita diferenciação entre os
grupos da agricultura familiar. Também existem políticas públicas de ATER voltadas aos
assentamentos de reforma agrária (ATES), territórios rurais (PRONAT), diversificação
em áreas produtoras de tabaco (Chamada Pública), entre outros.
22
A título de conclusão...
Nessa análise das etapas da ATER no Brasil com ênfase na operacionalização das
políticas públicas do rural é possível apreender que a extensão rural conseguiu cristalizar
na história o seu papel como ator de mediação entre o Estado e os agricultores. Em todas
as fases estudadas salta aos olhos que os extensionistas exerceram um papel facilitador
de tradução da política pública e de ligação efetiva entre a intensão do Estado, naquele
momento, e a sua concretude no espaço. Esse fato não pode ser entendido como um fator
de pouca importância e deve ser realçado! Poucas são as instituições que possuem esse
grau de “capilaridade” dentro do tecido social. Nesse sentido se reafirma a noção de que
a própria existência da ATER no contexto das instituições ligadas ao Estado é também
um política pública. A opção da manutenção desse instrumento no cenário e a seu próprio
financiamento pelo setor público é uma evidencia dessa intencionalidade.
Essa modificação dos papeis de atuação da ATER em sua trajetória e a própria
modificação da atuação do Estado, via políticas públicas agrárias, nos dão pistas para um
vislumbre de futuro. Inicialmente, na fase assistencialista, a extensão rural exercia uma
função de organização comunitária em um período histórico que a demanda por
informações básicas de saúde, de produção e de educação eram prementes. A experiência
com a operacionalização do crédito supervisionado gerou expertise na construção de
projetos sociais e econômicos.
Na etapa produtivista modernizadora, descrita no texto, os papeis dos extensionista são
altamente modificados para um elemento de difusão tecnológica, com viés econômico.
Essa atuação, através da operacionalização das políticas públicas de “modernização da
agricultura”, mudou a base técnica da agricultura brasileira e transformou o perfil dos
grupos sociais rurais. A capacidade de fazer a ligação entre uma política nacional e sua
materialização na dimensão local é um bom aprendizado nesse período.
As últimas etapas abordadas no texto (Crítica Reflexiva e Transição Ambientalista)
refletem a fase atual da ATER. Nessa os extensionista são defrontados com a
complexidade do novo rural brasileiro, sua multifuncionalidade e as pluriatividades dos
agricultores. O território rural passa a ser o espaço de ação mais amplo e a comunidade
rural o mais estreito, sendo que essa ligação não é simples exigindo um grande esforço.
O ambiente deixa de ser um recurso e passa a ser elemento chave na construção de um
conhecimento contextualizado de como fazer agricultura. A operacionalização de um
grande grupo de políticas públicas, como os apresentados no Plano Safra da Agricultura
Familiar, foca essencialmente os processos de Desenvolvimento Rural.
Finalizando, ao analisar a trajetória da ATER no Brasil entende-se que esses atores sociais
rurais sempre possuíram um papel importante em todas as etapas as quais passaram na
história, sendo um mérito desses profissionais. Mesmo modificando a lógica da ação do
Estado via políticas pública a presença do extensionista parece ser uma das características
que perdurarão para o futuro. Porém, imagina-se que a ênfase de atuação deva ser dada
na atuação voltado aos agricultores mais empobrecidos da Agricultura Familiar e focada
em uma perspectiva agrícola e não-agrícola. Correndo os riscos inerentes de um exercício
de previsão futura é possível imaginar a continuidade da ação dos extensionistas
atendendo aos agricultores e atores do rural que estão com dificuldades de reprodução
social. Uma vantagem para essa atuação é a própria “capilaridade” da ATER e a
possibilidade de construção coletiva de alternativas dentro do território. Essas opções
podem estar sedimentas em atividade agrícolas como no caso de processos de
23
diversificação e produção para o autoconsumo; ou em atividades não-agrícolas como
processos de agroindustrialização, mercado local e industrialização difusa.
Referencias
BORDANAVE, J.D. O que é comunicação rural. 2 ed. São Paulo. Brasiliense.1985
BRASIL. Plano Safra da Agricultura Familiar 2014-2015: Alimento para o Brasil.
MDA. 2014
PNATER. Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural. MDA. 2004
CAPORAL, F.R. La extensión agraria del sector público ante los desafíos del
desarrollo sostenible: el caso de Rio Grande do Sul, Brasil. 1998. 517 f. Tese
(Doutorado) - Programa de Doctorado en Agroecología, Campesinado e Historia, ISEC-
ETSIAN, Universidad de Córdoba. Córdoba, 1998.
COTRIM, D.S. O estudo da participação na interface dos atores na arena de
construção do conhecimento agroecológico. Tese de doutorado. UFRGS.2013.
FAVARETO, A.S. Paradigmas do desenvolvimento rural em questão- Do agrário ao
territorial. Tese Doutorado. USP. 2006
FERNADES, A.M.S. O PRONAF na agricultura familiar: Sua criação, distribuição e
principais resultados. Monografia. UFRGS. 2013.
GOODMAN; SORJ;WILKINSON. Das lavouras à biotecnologia: Agricultura
insdustrial no sistema internacional. 1990
GRAZIANO SILVA, J. A nova dinâmica da agricultura brasileira. Campinas:
Unicamp, 1996.
GRAZIANO SILVA, J. Novo rural brasileiro. Nova Economia. 1997
ROGERS, E.M. Diffusion of innovation. 3rd edition. New York: The free press, 1983.
SCHULTZ, T. W. A transformação da agricultura tradicional. Rio de Janeiro:
Zahar, 1995.
SILVA, A.P.; OLIVEIRA,J.T.A. O modelo cooperativo de extensão rural dos
Estados Unidos: contribuições possíveis para o Brasil. Revista Ceres, 2010.
TEIXEIRA, E.C. O papel das políticas públicas no desenvolvimento local e na
transformação da realidade. ATR-BA. 2002.G
24
4 Capitulo IV - Tecnológicas na agricultura.
Introdução
A tecnologia é entendida nesse texto como um conjunto de conhecimentos aplicados a
um determinado processo produtivo agropecuário. Esse conhecimento pode estar sendo
agregado de forma autóctone na relação cotidiana dos agricultores com o
agroecossistema, ou através de processos exógenos de difusão de tecnológica.
O conhecimento tradicional construído na agricultura ocorre por meio de processos de
constituição social de variadas alternativas tecnológicas, as quais combinam fatores
através de um saber fazer conduzido pelas gerações. A construção do conhecimento é
entendida como um processo de acúmulo de saber edificado no tempo pelos agricultores.
Reflete o aprendizado que a sociedade acumulou na sua relação com a natureza.
Configura-se com um processo de coprodução entre o homem e o ecossistema.
Ao longo dos séculos, os agricultores introduziram, de forma intencional ou involuntária,
um conjunto de pequenas mudanças na gestão de seus agroecossistemas, adaptando e
ajustando as demandas da sociedade às dinâmicas ambientais locais (MAZOYER;
ROUDART, 2001).
Os sistemas biológicos têm potencialidades agrícolas que são captadas pelos agricultores
em um procedimento de observação e aprendizado gerando conhecimento seletivo e
cultural. Nesse processo de co-evolução dos sistemas sociais e culturais existe uma
dependência estrutural entre eles, ou seja, a evolução da cultura do homem pode ser
explicada pela relação ambiente-cultura e vice-versa (NORGAARD, 1989).
Nesse processo o conceito de novidade emerge e funciona como um novo insight de uma
prática, ou mesmo uma nova prática. De certa forma é a fronteira entre o conhecido e o
desconhecido. A maioria das novidades se caracteriza como um novo jeito de fazer algo,
um novo modo de ampliar o potencial.
Na atualidade dentro do processo de construção tradicional do conhecimento existem
papeis chaves dos atores da pesquisa e da extensão, como por exemplo, a mediação social
promovida pelos extensionistas ou a construção participativa de alternativas tecnológicas
entre os pesquisadores.
Por outro lado, Buttel (1995) aponta que a primeira grande transição da agricultura que
ocorreu no século XX, se caracterizou pela passagem de uma agricultura autóctone, ou
seja, pautada na dinâmica da construção tradicional do conhecimento para uma
agricultura da fase da “modernização da agricultura”. Essa transição, em seu bojo,
pressupôs o declive da influência das forças biofísicas, das estruturas sociais e das
relações sociais na determinação das práticas agrícolas. Existiu uma redução do número
de tecnologias, ocorrendo uma centralização em produtos bioquímicos de produção
industrial, levando a uma significativa homogeneização da agricultura mundial.
O processo de “modernização da agricultura” foi caracterizado como uma transformação
da base tecnológica da agricultura. O progresso técnico na agricultura, entendido como
incorporação de tecnologia moderna, trouxe elementos industriais para dentro do sistema
de produção agropecuário modificando o modo de fazer agricultura.
As práticas agrícolas foram paulatinamente se modificando no sentido da intensificação,
quimificação e mecanização. A tecnologia na agricultura passou a ser pautada em um
25
pequeno grupo de inovações que modificaram a produção em grandes áreas. Esse avanço
tecnológico na agricultura, em grande medida foi independente da sociedade, ou das
relações sociais, e também do ambiente e a sua capacidade de resiliência, ou seja, uma
inovação tecnológica normalmente é desconexa do agroecossistema. Emerge um segundo
conceito ligado ao tema que é de inovação tecnológica (BUTTEL, 1995).
Naturalmente os papeis da pesquisa e da extensão em relação ao processo de difusão das
inovações tecnológicas se tornam diferentes do formato na construção tradicional do
conhecimento.
A partir da contextualização desses dois formatos de construção de tecnologias o objetivo
desse texto é apresentar os elementos dos processos de construção tradicional do
conhecimento e da “modernização da agricultura” dialogando sobre as diferenças
existentes na relação entre pesquisa e extensão rural. A estrutura do artigo está dividida
em uma primeira seção de análise da etapa da “modernização da agricultura” em especial
a dinâmica do progresso técnico na agricultura e uma segunda seção onde trata da as
características do processo de construção tradicional do conhecimento.
Resultados e discussão
O processo de “modernização agricultura”
O processo de “modernização da agricultura” foi marcado pela introdução de inovações
tecnológicas que modificaram a base técnica da agricultura. A teoria da modernização de
Schultz (1965) foi a que sustentou esse processo. Essa teoria aponta que a agricultura
tradicional está em uma condição de atraso em virtude dos baixos rendimentos econômico
devido ao uso de insumos tradicionais. Essa agricultura deveria romper a barreira do
tradicionalismo e ingressar em um mundo econômico e dinâmico através da substituição
desses insumos por novas tecnologias industriais.
Graziano Silva (99) aponta que para as inovações tecnológicas modernas adentrarem na
agricultura algumas de suas particularidades, que as diferenciam da indústria, devem ser
entendidas. Ele divide essas em particularidades dos processos biológicos, condicionantes
naturais da produção agrícola e o papel da terra como meio de produção essencial.
Os processos biológicos nos quais a agricultura é assentada são contínuos não sendo
possível uma separação como no caso da indústria, ou seja, existe a imposição do tempo
de plantar, tempo de crescer e tempo de colher o que impossibilita uma divisão do
trabalho. Mesmo com a artificialização do ambiente existem condicionantes naturais
inerentes a produção agrícola que não se pode prescindir como a luz solar, horas de frio
e período seco para a colheita. A terra é um fator fundamental para agricultura não
existindo a possibilidade de sua substituição (GRAZIANO SILVA, 99). Considerando
esse conjunto de condicionantes o principal objetivo da pesquisa agropecuário foi a busca
da redução das barreiras que os processos naturais impõem as inovações tecnológicas.
As inovações tecnológicas na agricultura geradas pela pesquisa podem ser divididas em
inovações mecânicas como tratores e colheitadeiras que reduzem o tempo de jornada de
trabalho; as inovações físico-químicas como adubos solúveis que modificam as condições
naturais do solo elevando a produtividades; inovações biológicas como sementes
melhoradas que reduzem o tempo de imobilização do capital em razão de ciclos mais
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curtos; e, inovações agronômicas que permitem novos arranjos de organização
aumentando a produtividade (GRAZIANO SILVA, 99).
No Brasil, entre os anos 60 e 70, cinco instrumentos estratégicos de políticas agrícola
impulsionaram o processo de “modernização da agricultura”, ou seja, a incorporação de
inovações tecnológicas, sendo elas; Sistema Nacional de Crédito Rural-SNCR (1964)
voltado para o financiamento da produção agropecuária; Política de Garantia de Preços
Mínimos-PGPM (1966) garantia estatal de um preço padronizado de comercialização;
Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão Rural-SIBRATER (1975) para
difusão das inovações tecnológicas; Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária-
EMBRAPA (1972) voltada a geração de tecnologia; e Programa de Garantia da Atividade
Agropecuária-PROAGRO (1966) como seguro agrícola (GRAZIANO SILVA, 1996).
Focando no objetivo desse texto e colocando a lente na pesquisa agropecuária
desenvolvida pela EMBRAPA é possível a percepção que essa produziu um conjunto de
inovações tecnológicas recortadas dentro da lógica da mudança de uma base tradicional
de agricultura para uma agricultura moderna (SCHULTZ,65). As inovações foram
produzidas por pesquisadores, em centro de pesquisas externos aos espaços sociais locais.
Essas foram formadas por um conjunto de técnicas agrícolas padronizadas. Para a sua
constituição partiu-se da premissa da existência de uma uniformização na diversidade dos
ecossistemas.
Essas inovações foram criadas dentro de centro de pesquisas especializados focados em
cultivos e criações para a exportação, os Centros Nacionais por produto. As inovações
tecnológicas foram projetadas para serem difundidas aos agricultores na forma de pacote
tecnológico em substituição ao seu sistema de produção tradicional (SCHULTZ,65).
Nesse sentido a pesquisa ocupou um papel exógeno ao espaço dos agricultores. Os Centro
de Pesquisa são locais de desenvolvimento tecnológico que são influenciados por sinais
de escassez de determinado fator de produção e respondem produzindo inovações
tecnológicas, como por exemplo, o desenvolvimento de inovações na área da
motomecanização em locais de escassez de mão de obra. Esse processo tem como base a
Teoria da Inovação Induzida (HAYAMI; RUTTAN,1971)
Deslocando o olhar para o SIBRATER é possível a constatação de que o papel principal
da extensão rural nessa perspectiva foi de funcionar como correria de transmissão das
inovações tecnológicas geradas na pesquisa até os agricultores. O extensionista recebe da
pesquisa o pacote tecnologia e transfere esse conhecimento exógeno para dentro do
espaço dos agricultores. Cabe ao extensionista a função de difundir as inovações
promovendo a substituição do uso de insumos tradicionais por insumos modernos, em
suma, transformar a agricultura tradicional em moderna.
A principal metodologia de extensão rural utilizada pelos extensionistas era o
difusionismo, que estava baseada na Teoria da Difusão de Inovações (Rogers,1983). O
método difusionista de extensão é ajustado para atender a necessidade da difusão
tecnológica agropecuária através de ferramentas e técnicas de convencimento dos
agricultores. O caráter da ação extensionista passa a ser eminentemente econômico, ou
seja, persuasão através das vantagens econômicas da mudança tecnológica.
Rogers (83) entende que as inovações tecnológicas não são difundidas de forma linear
pelos agricultores. O autor propõe que o comportamento dos grupos sociais na adoção
das tecnologias respeita o ciclo de uma “curva normal”, onde existem um grupo de
produtores inovadores que adotam tecnologia em um primeiro estágio; um grupo de
primeiro adeptos possuem disposição para adoção em grau menor aos inovadores, mas
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ainda assumem riscos iniciais da adoção; um grupo de produtores que formam a maioria
inicial como um segmento amplo que acaba sendo um indicador que a difusão da
tecnologia ganhou força; um grupo de maioria tardia que também é um segmento amplo,
mas que possuem maior grau de resistência a adoção tecnológica; e finalmente um grupo
de agricultores retardatários que somente adota inovação quando risco são muito
pequenos.
Além dessa variação comportamental do grupo de produtores devem ser avaliadas as
premissas para uma inovação tecnológica ser difundida aos agricultores que é a existência
de uma vantagem econômica visível em relação a tecnologia tradicional; que esteja
pautada na intensificação da produção, ou seja, aumento da produtividade e que seja
exógena ao sistema dos agricultores (ROGERS,1983).
As ferramentas e técnicas extensionistas dentro do método difusionista são desenhadas
no sentido de ampliar a adoção tecnológica utilizando principalmente os argumentos
econômicos. São utilizados dias de campo para apresentação de um conjunto mais
complexo de inovações tecnológicas; unidades de observação para visualização de uma
inovação normalmente alocada em uma propriedade de um agricultor do tipo inovador; a
demonstração de métodos, entre outros.
Finalizando, a extensão rural possui o papel de buscar a persuasão dos agricultores,
através do método difusionista, no sentido da adoção de inovações tecnológica geradas
pela pesquisa agropecuária. No Brasil essa relação foi planejada dentro de um conjunto
de políticas públicas estratégicas que impulsionaram o processo de “modernização da
agricultura”.
O processo de construção tradicional do conhecimento
O processo de construção tradicional do conhecimento está embebido nas relações
sociais. Nas comunidades rurais existe um sistema de troca de informações, produtos,
sementes e conhecimentos entre os agricultores, que permite a configuração de novas
práticas e manejos dentro dos agroecossistemas pela combinação de alternativas geradas
por diferentes atores (COTRIM, 2013).
O acúmulo de conhecimento e o próprio processo de produção do conhecimento local
estão ligados aos tempos naturais das pessoas, e perpassam um conjunto de regras e
costumes aceitos socialmente. Esses diálogos dentro dos espaços comunitários utilizam
elementos de comunicação oral e estão cercados de regras e tradições locais. Alguns
exemplos dentro do âmbito da agricultura que podem enfatizar essa noção, são: o respeito
por parte dos agricultores das fases da lua para semeadura de grãos, ou a seleção de
sementes, como o milho, a partir de sua utilização em pratos típicos que agradam o
paladar de determinado grupo, ou ainda a seleção de animais domésticos, como os
bovinos, em relação a sua aptidão como a força para o trabalho ou a produção leiteira.
A noção contemporânea de construção tradicional do conhecimento começou a ser
articulada dentro do conjunto de reflexões teóricas e metodológicas que se desenrolavam
a partir da análise das externalidades do processo de “modernização da agricultura” e
busca o entendimento do conhecimento ordenado e reordenado no cotidiano dos atores
(COTRIM,13).
Existe o entendimento que o conhecimento não é apenas produzido pelos cientistas dentro
dos laboratórios como, por exemplo, as inovações tecnológicas da fase da “modernização
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da agricultura”. Esse é um tipo de produção de conhecimento especializado ou disciplinar,
ou seja, um recorte analítico ou um pedaço a ser estudado. O conhecimento construído
nesse formato não pode ser ignorado, desprezado ou reduzido em sua importância. Este
produz fundamentações e premissas básicas que orientam uma série de processo e práticas
sociais.
Por outro lado, os agricultores na sua relação cotidiana com o agroecossistema, seja nas
práticas de produção agrícola ou nas formas de relacionamento comunitário, produzem
um acumulado de conhecimento. Esse saber fazer é culturalmente orientado e
profundamente enraizado nas características ecológicas do espaço.
Na atualidade, essa forma de construção do conhecimento não está desconectada do
conhecimento produzido de forma disciplinar e experimental, ou seja, o conhecimento
científico. Existem interfaces que os ligam através de várias mediações realizadas pelos
atores nos processos comunicacionais. Os processos localizados de produção do
conhecimento possuem o aporte do conhecimento científico produzido. A produção de
conhecimento popular parte das premissas desenvolvidas disciplinarmente na ciência.
Um agricultor, por exemplo, quando busca um novo modo de cultivar a terra, não
desconhece as ferramentas da motomecanização ou o efeito dos agroquímicos. Ele parte
desse conhecimento científico e configura e reconfigura um novo conhecimento.
Esse diálogo entre o saber científico e o saber popular está colocado dentro de múltiplas
interações sistêmicas. A produção de conhecimento contextualizado é influenciada pelas
relações biológicas existentes entre solo-animais-plantas no agroecossistema, que se
conformam a partir das condições edafo-climáticas como um sistema maior. Ou seja, a
formatação de dada prática de agricultura, é no mínimo influenciada pelas regras e
costumes do grupo social, pelas relações biológicas, pelas relações climáticas, pelas
características de solo, água, fauna e flora. Um emaranhado de sistemas auto dependentes
e autorregulados (COTRIM,2013).
Na construção de conhecimento através do diálogo de saberes, os atores não estão
buscando a constituição de novas leis universais. O conhecimento contextualizado é
localizado e retoma a noção de novidade como sendo um novo insight de uma prática ou
mesmo, uma nova prática. A novidade é necessariamente contextualizada, internalizada
e territorializada nas arenas, sendo dirigida pelos atores locais. Essa novidade localizada
está assentada na relação dos atores em dado agroecossistema. Ela depende de seu
substrato, o ecossistema local e também do repertório cultural do grupo social, gerando
assim, um viés endógeno. Nesse sentido, a novidade torna-se central na busca de
sustentabilidade, na busca de um novo acerto entre as capacidades ambientais e o
repertório cultural do grupo social tácito (OOSTINDIE; BROEKHUIIZEN, 2008).
Nesse contexto emerge a questão: Como ocorre a inserção da pesquisa e da extensão
dentro de um processo de construção tradicional do conhecimento? Com clareza os papeis
são diversos dos que ocorriam na fase da “modernização da agricultura”, mas como
ocorre essa inserção?
Existe o entendimento que a pesquisa passa a buscar suas questões de estudo diretamente
nos agroecossistemas na relação com os grupos sociais. É uma aproximação teórica-
metodológica de uma pesquisa participativa, pesquisa participante ou pesquisa-ação.
Segundo Thiollent (1985), a pesquisa-ação é centrada diretamente em uma situação
problema no qual os participantes estão envolvidos de modo participativo.
A ideia central é da participação dos pesquisadores diretamente no debate dos problemas
do cotidiano dos grupos de agricultores e dentro dessa interface construírem seus
29
problemas de pesquisa. Outras fases da pesquisa também são conjuntas com os
agricultores, por exemplo, a experimentação nas propriedades rurais ou a avaliação
coletiva dos resultados experimentais. Esse tipo de pesquisa se torna contextualizado e
normalmente produz respostas ou princípios que ajudam a compreensão do dado
problema local e indicativos para outros agroecossistemas.
Muda o papel do pesquisador que passa a ser relacional e endógeno dentro dos grupos
sociais. O próprio resultado da pesquisa deixa buscar leis científicas universais e passa a
ser orientado ao local ou ao território.
No processo de construção tradicional do conhecimento a extensão rural tem papel
destacado, sendo proponente, catalisadora e fomentadora das ideias e dos novos projetos
dentro dos espaços dos agricultores. As condições do trabalho de articulação desses
profissionais são socialmente determinadas, sendo enraizadas em dado espaço e não
podendo ser generalizadas para todos os grupos sociais, projetos sociais, ou
agroecossistemas. Nessa conjuntura não existem mais soluções previamente prontas
(como na fase modernizante) para as variantes na relação entre os atores (NEVES, 2008).
Para além das novas ideias, projetos e práticas dentro dos processos de construção
tradicional do conhecimento, os extensionistas também são responsáveis pela
dinamização dos momentos de interface, ou seja, contato face a face, como é o caso da
utilização do método participativo no encontro de grupos de agricultores ou desses com
a pesquisa e outros atores. A ação dos mediadores da extensão rural normalmente é
materializada em reuniões de duração e objetivos mensuráveis. São momentos de
produção de contratos de direito e de fato, é o tempo da interface. A própria manutenção
da legitimidade do extensionista está ligada a produção do diálogo dentro desses espaços
e a possibilidade do reordenamento de sentidos nem sempre convergentes (LONG,2001).
Para extensão rural é fortalecido o papel de mediação social em contraponto ao papel de
difusão tecnológica da fase da “modernização da agricultura”. Esse exercício de
dinamização social é essencial para que ocorra uma interface dialógica e horizontal entre
os diversos atores agricultores, a pesquisa e os demais atores sociais.
A título de conclusão...
Buscando atender o objetivo central desse texto de apontar as principais diferenças na
relação pesquisa e extensão rural nos processos de construção de tecnologias foram
realizadas análises em duas direções, a primeira na fase de “modernização da agricultura”
e a segunda nos processos de construção tradicional do conhecimento.
Foi possível a conclusão de que na fase modernizante a pesquisa e a extensão rural
possuem papeis complementares, onde para a pesquisa ficou reservada a tarefa de
produção das inovações tecnológicas e para a extensão om papel de transmissão ou
difusão dessas inovações até os agricultores. Existe uma ação de dependência e de
feedback onde a extensão também serve como fonte de informação da adequação da
inovação no contexto prático dos produtores.
Por outro lado, os processos de construção tradicional do conhecimento
contemporaneamente causaram modificações nos papeis tanto da pesquisa como da
extensão. A primeira mudança está na necessidade dos atores da pesquisa e da extensão
de estarem se relacionando diretamente com os grupos de agricultores. Afasta-se a
possibilidade de uma pesquisa distanciada e realizada dentro de centros exógenos. O
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papel da pesquisa passa a ser de encontrar soluções para problemas locais e enraizados
em dado agroecossistema, desenvolver a emergência das novidades. Possivelmente essas
soluções permitem gerar o entendimento de princípios para utilização em outros espaços.
A novidade de um local não pode ser simplesmente transportada para outro espaço sem
um conjunto de adaptações ao ecossistema e ao grupo social.
O papel da extensão rural dentro da construção tradicional do conhecimento passa a ser
de um ator dinamizador dos processos sociais. Existe nesse processo o exercício da
tradução para dentro do espaço dos agricultores de conhecimento externos, mas a
principal atuação está focada na manutenção de espaço de interface entre os agricultores
e destes com outros atores externos no sentido de propiciar a emergência endógena de
novidades. Uma profunda diferença do papel de difusão tecnológica da fase
modernizante.
Finalizando, cabe salientar que ambas as etapas apresentadas não são estaques ou
sequenciadas. As duas persistem na atualidade e coexiste dentro do espaço dos
agricultores.
Referencias
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Agricultura y Sociedad, Madrid, n. 74, p. 9-38, 1995.
COTRIM, D.S. O estudo da participação na interface dos atores na arena de
construção do conhecimento agroecológico. Tese de doutorado. UFRGS.2013.
HAYAMI, Y., RUTTAN, V. Agricultural development an international perspective.
Baltimore: John Hopkins University Press, 1971.
LONG, N. Development Sociology: actor perspectives. London: Routledge, 2001.
MAZOYER, M.; ROUDART, L. História das agriculturas do mundo: do neolítico à
crise contemporânea. Lisboa: Instituto Piaget, 2001.
NEVES, D. P. Mediação Social e mediadores políticos. In: NEVES, D. P. (Org.).
Desenvolvimento social e mediação política. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2008. p. 21-
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NORGAARD, R. B. A base epistemológica da agroecologia. In: ALTIERI, M. A.
(Org.). Agroecologia: as bases científicas da agricultura alternativa. Rio de Janeiro:
PTA:FASE, 1989. p. 42-48.
OOSTINDIE, H.; BROEKHUIIZEN, R. van. The dynamics of novelty production. In:
PLOEG,J. D. van der; MARSDEN, T. Unfolding Webs: The dynamics regional rural
development. Wageningen: Etude, 2008. Disponível em <www.eduderd.eu/cat/html>.
Acesso em: 02 abr. 2010.
ROGERS, E.M. Diffusion of innovation. 3rd edition. New York: The free press, 1983.
SCHULTZ, T. W. A transformação da agricultura tradicional. Rio de Janeiro:
Zahar, 1995.
31
SILVA, J. G. A nova dinâmica da agricultura brasileira. Campinas: Unicamp, 1996.
SILVA, J. G. O novo rural brasileiro. Campinas: Unicamp, 1999.
THIOLLENT,. Metodologia de pesquisa-ação. São Paulo. 1985
32
5 Capitulo V – Casa Familiar Rural
Introdução
As possibilidades analíticas sobre um cruzamento entre duas áreas com uma grande
quantidade de elementos como a Educação e Extensão Rural permite uma miríade de
alternativas de abordagens. Segundo Valente (2013), a extensão rural está inserida em
uma zona de confluência de pelo menos quatro campos do conhecimento - Agronomia,
Economia, Educação e Antropologia – por envolver técnicas agropecuárias; estudos de
viabilidade econômica; processos educacionais que visam aprendizagem de técnicas e
formação em geral; e a ampla diversidade dos atores e processos envolvidos.
Em um primeiro exercício de delimitação do tema optou-se pelo foco nos estudos dentro
do Brasil, na fase contemporânea e tomar como ponto de partir do tema de estudo da
sucessão familiar para balizar a intersecção entre Educação e Extensão.
Segundo Primaz (14), na agricultura familiar, na atualidade, emerge um fenômeno da
redução do número de famílias que possuem um sucessor natural da atividade na
propriedade rural. Em alguns locais é percebido que muitas unidades de produção familiar
estão paulatinamente sendo abandonadas após o falecimento dos patriarcas.
O debate da sucessão familiar na agricultura familiar possui um conjunto de vieses para
a sua análise. Possivelmente o enfoque da geração de renda para manutenção de
sucessores é o que tem encontrado maior força entre muitos autores. Porém argumenta-
se que o processo educacional, de formação inicial e continuada dos jovens,
possivelmente seja o elemento central dessa discussão.
A educação é o instrumento que permite a homem do campo obter a liberdade de escolha,
a tomada de consciência de suas opções e do direito de permanecer ou sair do campo.
Segundo Nosella (2007) a educação tem a função de mostrar aos homens do campo a
possibilidades socioeconômicas e tecnológicas da terra, bem como suas riquezas e suas
limitações.
De forma natural a extensão rural, entendida aqui como o serviço público ou privado de
assessoria técnico-organizacional dos agricultores (tipo Emater ou ONG), tem dentro do
rol de seus atributos a atuação no sentido da promoção de ações voltadas ao
fortalecimento das comunidades rurais e consequentemente a manutenção da sucessão
nas famílias dos agricultores.
Muitas vezes sobre a égide de “fixar o homem no campo”, especialmente pós os anos 80
quando a força de trabalho do êxodo rural não teve mais função de ocupar empregos na
indústria (GRAZIANO SILVA, 1996), pragmaticamente os extensionistas buscam
alternativas para o complexo tema da sucessão rural.
Muito recentemente a ligação direta entre as ações da extensão rural para com a educação
rural passou a ser enfatizada na perspectiva da sucessão familiar. Ou seja, a escola, o
espaço da educação formal, passou a ter inserções e trabalhos estruturados e planejados
da extensão rural, enquanto um ator da educação não formal ou educação dos adultos.
Ambos os atores moldaram suas perspectivas de atuação a luz de uma realidade atual e
de um fenômeno contundente como a sucessão familiar.
A experiência pedagógica que se traz a luz nesse artigo é a da Casa Familiar Rural-CFR
como um local de educação de jovens agricultores dentro dos preceitos da pedagogia da
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alternância. Nesse contexto é buscado a confluência da possibilidade de ação da extensão
rural no sentido da construção de alternativas de sucessão familiar nas propriedades da
agricultura familiar.
Nesse sentido o presente artigo tem como objetivo dissertar sobre os princípios
pedagógicos das Casas Familiares Rurais e apontar possibilidade e limitações da ação da
Extensão Rural nesse ambiente na perspectiva da emergência consciente de sucessores na
agricultura familiar. A estrutura desse texto está dividida em um primeiro bloco que
embasa a teoria que orienta as CFR, um segundo bloco que apresenta as possibilidades
de inserção da extensão rural no processo educacional e a conclusão que aponta os limites
do processo.
Resultados e discussões
Pedagogia da alternância.
As Casas Familiares Rurais são experiências educacionais construídas empiricamente
(inicialmente na França e posteriormente em vários locais incluindo o Brasil) através da
busca por parte de comunidades de agricultores de educação para seus filhos sem que
esses necessitassem abandonar o campo. A escola, pós as séries iniciais, normalmente
estava instalada na zona urbana e o deslocamento impossibilitava a freqüência de alunos
do meio rural. A solução adotada para evitar o êxodo precoce das crianças foi a
alternância de moradia dos jovens, ou seja, parte do tempo moravam na cidade estudando
em turno integral e parte do tempo continuavam sua formação dentro de suas propriedades
rurais. Esse arranjo exigia um esforço comunitário para viabilização da permanecia dos
jovens no ambiente escolar e um esforço pedagógico para reforma do estudo.
Essa proposta educacional transcendeu a simples questão de deslocamento físico. Foi uma
forma de respeitar a realidade rural buscando uma educação pautada na responsabilidade
da família e da comunidade, na dialética entre teoria e prática e no respeito as
características socioculturais do rural (ZIMMERMANN; VENDRUSCO; DORNELES,
2013).
A intitulada Pedagogia da Alternância tem como seus pilares a formação integral e o
desenvolvimento social, bem como a associação e a alternância. Essa permite promover
a articulação entre teoria e prática, dando sentido as questões pedagógicas relacionadas
ao espaço aos tempos de formação. Esse pensamento está alicerçado nos postulados de
Vygotsky na sua teoria sócio histórica onde se reflete a ideia que o os processos de
aprendizado movimentam os processos de desenvolvimento (ZIMMERMANN;
VENDRUSCO; DORNELES, 2013).
O currículo das Escolas Familiares Rurais integra espaços e tempos dedicados ao trabalho
e ao estudo promovendo o despertar de consciência dos alunos, das famílias que se tornam
parte essencial da educação, das comunidades rurais, das instâncias políticas e técnicas,
local onde se insere a extensão rural (NOSELLA, 2007).
A alternância nesse processo ocorre em três fases, sendo na CFR, na Propriedade da
família e na CFR novamente. Esse caminho permite que os jovens discutam a realidade
com a família e com profissionais de assessoria, e a partir de suas reflexões, concebam
novas formas de pensar e agir no espaço familiar e comunitário.
34
A Associação Comunitária formada pelas famílias dos alunos, egressos da CFR e
entidades apoiadoras tem um papel fundamental de prover as condições de alimentação e
sustentação da experiência. Esse papel da comunidade, de preocupação com a futura
geração de jovens, possibilita também a ampliação da articulação dos processos de
desenvolvimento local e territorial, pois dinamiza as relações de confiança e
reciprocidade entre os comunitários, abrindo portas para projetos coletivos e de
estruturação (ZIMMERMANN; VENDRUSCO; DORNELES, 2013).
Dentro da pedagogia da alternância são utilizados como instrumentos didáticos os planos
de formação e estudo, os cadernos de síntese da realidade do aluno, as fichas didáticas,
as visitas de estudos, o caderno de acompanhamento de alternância, as visitas a famílias
do aluno e os projetos profissionais do aluno (NOSELLA, 2007). Esse conjunto didático
sinaliza os instrumentos de aproximação da realidade rural local na construção de um
diagnóstico pelos alunos e a consequente produção de um plano de ação futura a ser
implantado na propriedade da família.
Segundo Estevam (2015), a pedagogia da alternância utiliza em seus processos de
aprendizagem situações vivenciadas pelos jovens na prática e em seu cotidiano, ao invés
da simples aplicação teórica que ocorre nas escolas convencionais.
A grande vantagem da pedagogia da alternância é a importância da articulação entre
momentos de atividades sócio profissionais dos jovens e o momento escola propriamente
dito. Além das disciplinas básicas a educação focaliza temas relativas a vida associativa
e comunitário, do meio ambiente e a formação profissional, social, político e econômico
(ESTEVAM, 2003). Essa articulação permite uma maior inserção dos jovens na vida da
comunidade.
No estudo de Zortea; Pacheco (2012) sobre alunos de uma CFR no Rio Grande do Sul foi
constatado que a presença em sala de aula esteve em patamares de 95%, indicando
permanência na escola devido ao interesse no formato da educação. Também foi
verificado que 96% dos egressos da CFR permanecem nas propriedades da família, que
existe uma integração entre os projetos profissionais dos jovens e que há a ampliação da
participação desses jovens nas instituições comunitárias como cooperativas, sindicatos e
associações.
Esses dados empíricos apontam como tendência que a pedagogia da alternância
desenvolvida pela CFR promove processos de sucessão familiar através da inserção sócio
profissional dos jovens na propriedade familiar e pela dinamização do espaço comunitário
no caminho do desenvolvimento rural.
Articulação da Extensão Rural na pedagogia da alternância.
O papel da extensão rural durante na fase da “modernização da agricultura”, entre anos
60-80, era de difusão de tecnologias agropecuárias pautadas na inserção de insumos
industriais dentro da agricultura. Uma ação de viés estritamente econômico e assentado
nas facilidades do crédito rural subsidiado. Esse papel foi muito mercante e ainda hoje
imprime características dentro de uma parcela de profissionais na área (CAPORAL, 98).
Segundo Caporal (98), na atualidade a extensão rural vive uma fase transicional de seu
papel onde convivem aspectos da etapa difusionista com novos elementos de transição
agroecológica. O paradigma do Desenvolvimento Rural é o fator motriz que orienta a
ação extensionista. O trabalho extensionista salienta a ideia de desenvolvimento
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comunitário agregado a perspectiva de preservação ambiental. Elementos de circuitos
curtos de comercialização, policultivos, agroindustrialização, produção de autoconsumo
e pluriatividade são incorporados ao cotidiano do trabalho. A operacionalização das
políticas públicas em apoio aos processos de desenvolvimento é uma marca atual dos
extensionistas.
Nos casos onde o extensionista rural estiver pautado pelos pressupostos da difusão
tecnológica de insumos modernos o tema da sucessão familiar se torna pouco evidente,
porém no novo papel da extensão rural se torna pertinente a compreensão da preocupação
com a questão da sucessão rural e, por consequência, das possibilidades da pedagogia da
alternância desenvolvida na CFR. A extensão atuando na perspectiva de desenvolvimento
rural cabe a inquietação com a responsabilidade social no processo desenvolvimento
envolvendo a formação da geração futura.
Segundo Cotrim (2013) na atualidade a extensão rural atua em uma perspectiva
comunitária e territorial do desenvolvimento. Esses atores desenvolvem o papel de
mediadores sociais dentro desse espaço, sendo animadores de processos, facilitadores no
sentido do acesso as políticas públicas e orquestradores das ações coletivas.
Para inferir as possibilidades de atuação da extensão rural em processos educacionais
como a experiência da CFR não foram encontrados trabalhos acadêmicos diretamente
focados que poderiam subsidiar essa discussão. Nesse sentido utilizaremos as reflexões
acerca dos novos papeis da extensão rural desenvolvido por Costabeber (98); Caporal
(98) e Cotrim (13) para trazer elementos necessários a análise teórica.
A experiência pedagógica da CFR aponta a necessidade da família do jovem estudante
ser elemento educador do processo. A propriedade familiar não é apenas o substrato das
experiências dos alunos, mas um local de interface entre o conhecimento contextualizado
e o conhecimento acadêmico trazido pelo estudante.
Uma possibilidade concreta de articulação da extensão rural nesse momento propriedade
é o planejamento de ações voltadas as famílias dos alunos buscando esses agricultores
como público assistido da extensão, ou seja, essas famílias seriam assessoradas em suas
atividades agropecuárias pelos técnicos extensionistas e estariam envolvidos com o
conjunto de estratégias comunitárias.
A convivência cotidiana dos extensionistas com as famílias dos jovens permitiria uma
melhor apropriação da realidade familiar e a concreta possibilidade de apoio estratégico
na educação dos jovens. O conjunto de metodologias de extensão rural utilizados pelos
técnicos na sua atuação como os dias de campos, unidades de demonstração, visitas
dirigidas, arranjos produtivos poderiam ser vivenciados pelos jovens estudantes enquanto
uma atividade sócio profissional com grande viés educacional. A participação ativa dos
estudantes nessa interface enriqueceria o debate e promoveria a real inserção desses como
agricultores da comunidade.
No nível comunitário e territorial as ações extensionistas de organização comunitária
como a emergência de cooperativas da agricultura familiar, a construção de agroindústrias
familiares, os espaços de mercado local em circuitos curtos de comercialização podem se
tornar portas abertas a inserção do jovem estudante na coordenação comunitária. Essas
novidades que emergem diferentemente em cada território, mas que hoje em dia são fortes
elementos da ação extensionistas, são espaços privilegiados para serem ocupados pelos
jovens. Na atualidade muitos dos novos projetos dos jovens dentro da CFR envolvem
elementos de cooperação, redes e agroindustrialização na direção de ampliação de
mercados (ZORTEA; PACHECO, 2012).
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Como instrumentos didáticos as CFR utilizam fichas didáticas para a síntese de
determinados processos organizacionais e de produção agropecuária. A extensão rural
poderia exercer importante papel nessas sistematizações apresentando aos jovens as
experiências orgânicas de cultivos e criações, tirando dúvidas de legislações pertinentes
e proporcionando o acesso a fonte de informações de políticas públicas da agricultura
familiar. Esses processos normalmente são externos a propriedade e poderiam
complementar a informação recebida na escola pelos alunos.
Dentro da CFR a extensão rural poderia exercer o papel de professor dentro de disciplinas
tipo seminários integradores. Nessas os alunos expõem suas vivências da escola e do
campo a um coletivo formado pelo conjunto de estudantes mais professores, aonde se
insere a extensão. O seminário integrador é uma estratégia de articulação dos estudos,
planejamentos, contextos pedagógicos e reflexões da prática que auxiliam a pensar a
teoria e a prática dos tempos escola e propriedade (ZIMMERMANN; VENDRUSCO;
DORNELES, 2013). A perspectiva de um extensionista seria valiosa nessa fase de
formação.
Finalizando essa análise, existem um conjunto de atividades cotidianas da extensão rural
que podem aportar apoio aos processos educacionais da CFR. Os próprios projetos
profissionais dos alunos poderiam estar imersos em uma inserção territorial; financiado
por políticas públicas específicas da agricultura familiar, como por exemplo do Pronaf
Jovem (BRASIL, 14); articulados com mercados institucionais, do tipo Programa de
Aquisição de Alimentos-PAA (BRASIL,14) ou mercados locais com feiras orgânicas,
sendo assessorados tecnologicamente pela extensão e articulados em forma de rede para
seu fortalecimento. Esse exercício de articulação educação e extensão rural tenderia a
fortalecer os processos de desenvolvimento rural, em especial, a sucessão familiar.
A título de conclusão...
Após o levantamento das possibilidades de conecção entre a educação, através da
pedagogia da alternância desenvolvida na CFR, e a ação da extensão rural cabe a título
de conclusão uma reflexão dos limites dessa proposta.
Um elemento colocado no texto que aponta um claro limite é a existência dentro do grupo
de profissionais de extensão rural de uma parcela que prefere, por convicções teóricas,
permanecer com o papel de difusão tecnológica. Esse ator está em dissintonia como as
características descritas e dificilmente angaria interesse e atributos para desenvolver a
ação de formação de jovens. Nesse aspecto é perceptível que a proposta de inter-relação
estreita entre a CFR e a extensão não é uma fórmula universalizável, sempre dependerá
dos atores locais envolvidos.
A próprias instituições que empregam os extensionista possuem signos e ideologias que
podem impor limites a proposta de aproximação educacional. Existem diferenças ao nível
organizacional de instituições públicas e privadas de extensão rural que imputam em seus
empregados um maior ou menor grau de autonomia na tomada de decisão. Esse elemento
institucional precisa ser levado em consideração em função que uma postura retroativa
de apoio a CFR pode dificultar ou impedir o extensionista local (mesmo tendo atributos
educacionais explícitos) de conseguir realizar seu papel educacional dos jovens.
Por outro lado, os professores e coordenadores da CFR também precisam estar abertos a
coalizão de ideias de outros profissionais na continuidade desse processo educacional. A
entrada de novos atores em processos vivos como a formação de jovens inspira um
conjunto novo de ideias para solução dos problemas. Por vezes isso pode ser desafiador
37
para os responsáveis pela condução pedagógica do processo de formação. Estar aberto ao
novo parece ser um elemento importante nesse caminho.
Finalizando, cabe salientar que em alguns casos mesmo com o esforço educacional do
tipo desenvolvido na CFR poderá não ocorrer a sucessão familiar. Cabe a reflexão dos
atores envolvidos nesse processo que existem muitos outros elementos que consolidam a
sucessão como o ambiente econômico gerando maior ou menor graus de possibilidades
externas, o grau de fragilidade social da família e outras situações sociais internas na
família que interferem na sucessão familiar. Porém, mesmo com essa perspectiva se torna
fundamental em processos de Desenvolvimento Rural o esforço concentrado das
instituições de ensino e extensão nessa direção.
Referencia
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AMPEC.2012
38
6 Capitulo VI - Método em Extensão Rural
Introdução
Os processos de comunicação foram estudados no âmbito da agronomia no sentido de
produzirem subsídio na aprendizagem de tecnologias pelos agricultores. No bojo das
mudanças tecnológicas na agricultura no século XX, conhecido como processo de
“modernização da agricultura”, tecnologias da motomecanização, quimificação e
biotecnologias foram desenvolvidas para substituírem os insumos tradicionais dos
agricultores gerando uma ampliação de produção e produtividade. Essas necessariamente
foram ensinadas aos agricultores. Nesse período a comunicação foi um dos elementos
pedagógicos para a transmissão do conhecimento tecnológico (GOODMAN, SORJ,
WILKINSOR, 2008).
Segundo Bordenave (1985) existem três formatos pedagógicos possíveis no ensino de
tecnologias aos agricultores. Um primeiro seria a simples transmissão ou transferência do
conhecimento, ou seja, quem sabe ensina quem não sabe. Uma segunda opção pedagógica
seria modelar o comportamento motivando com estímulos e recompensas no caminho de
um objetivo pré-estabelecido. A terceira opção consiste em apresentar a situação
problema, discutir as causas e consequências, debater a procura dos princípios e buscar
uma solução coletiva.
Na fase da “modernização da agricultura” foram utilizadas as noções estudadas na
comunicação para modelar um conjunto metodológico de extensão rural. Esse método de
extensão rural, chamado de difusionista, estava pautado na segunda opção metodológica
de estudo comportamental, sendo desenvolvido na Teoria da Difusão de Tecnologias
(ROGERS, 1983).
Nos anos 80 e 90, posteriores a grande difusão da fase da “modernização da agricultura”,
foram elencadas um conjunto de externalidades ambientais, sociais e econômicas
associadas ao processo. Na área da metodologia de extensão rural também foram
criticados os processos difusionistas de tecnologias e apresentados novos caminhos
pautados na terceira opção pedagógica citada por Bordanave (85). Esses estudos
participacionistas levantam a extrema necessidade da participação dos agricultores na
construção das soluções tecnológicas (CHAMBERS, 95).
Na atualidade esses dois métodos de extensão rural convivem no rural. Existem profundas
diferenças entre eles de noção de ciência, ou seja, epistemológicas; de teorias;
naturalmente metodológicas; e de ferramentas e técnicas. Nesse sentido, o objetivo desse
texto é fazer uma comparação epistemológica, teórica e ferramental dos métodos
difusionista e participativo de extensão rural para a ampliação da compreensão de suas
diferenças. A estrutura do artigo está dividida em uma discussão das instancias
metodológicas, salientando as diferenças, entre o método participativo e o método
difusionistas; e uma conclusão apontando os limites do método participativo para
delimitar a necessidade de continuidade de estudos na área.
Resultados e discussões
Para a análise dos elementos diferenciais entre a fase denominada “modernização da
agricultura”, onde o método proposto de ação e relação entre os atores estava baseado em
39
uma noção difusionista, e uma fase contemporânea de busca de métodos participativos de
interface entre os atores foi optado por um quadro comparativo (quadro 1) estruturado em
instancias metodológicas que partem do mais complexo e encadeia a noção até o nível
ferramental.
Quadro 1 - Instâncias metodológicas e as diferenças entre método participativo e difusionista
Instâncias metodológicas
(Lopes, 1994)
Diferenças metodológicas
Método participativo Método difusionista
Epistemológica
Noção Contemporânea de
Ciência com características
complexas, sistêmica, e
holística.
Noção Moderna de Ciência com
características cartesianas e
disciplinares.
Teórica
Conjunto de teorias que
enfatizam o papel e a
capacidade de agência dos
atores. Giddens (1989); Long
(2001); Ploeg (2003).
Conjunto de teorias da
modernização. Shultz (1964);
Hayami e Ruttan (1971).
Método Participativo. Chambers (1995). Difusionista. Behavorismo
Watson (1913); Skinner (2006).
Técnica
Ferramentas Participativas,
Dinâmicas de Grupo; Técnicas
Participativas. Geilfus (1997);
Verdejo (2006).
Ferramentas e Técnicas
difusionistas. Rogers (1983).
Fonte: Cotrim (2013).
O caminho escolhido para iniciar a discussão é a visão da ciência. Segundo Collingwood
(96) o pensamento ocidental sobre Ciência e a relação da sociedade com a natureza tem
quatro fases. A primeira era a visão grega pautada na ideia de que a natureza era um
macrocosmo e o homem era um microcosmo; a segunda a visão renascentista, na qual a
natureza era obra de Deus; a terceira, a visão moderna baseada na experimentação
disciplinar e cartesiana, a qual consolidou a separação entre a noção de sociedade e
natureza; e a quarta, a noção contemporânea onde são buscados os pilares para
constituição de uma noção holística e sistêmica, e novas abordagens nos processos de
construção do conhecimento, podendo ser entendida como uma ruptura em relação à visão
da fase moderna.
O método participativo se insere, em uma instância epistemológica, na visão
contemporânea. Cabe salientar, o entendimento da inexistência de uma ruptura completa
entre a visão moderna, que atualmente é hegemônica, com a visão contemporânea. Na
verdade, a noção contemporânea de ciência aponta para o futuro, para uma mudança de
paradigma, para a complexidade. Busca uma visão sistêmica do mundo. Propõe a
abordagem sistêmica como uma forma de compreensão da realidade objetiva, que tem
por fim transcender as fronteiras disciplinares.
Neste sentido, a visão moderna se baseou na abordagem analítica que supõe que um
objeto complexo permite ser decomposto em elementos isoláveis entre si, o que remete a
uma disciplinaridade e linearidade crescente nas ciências, e cuja validação ocorre pela
prova experimental. Sobressai-se a ideia da superioridade do especialista no processo de
transmissão do conhecimento e na solução de problemas, bem como, a priorização dos
aspectos quantitativos e modelos fundamentados nas ciências matemáticas.
As ideias apresentadas são as bases epistemológicas da fase da “modernização da
agricultura”. O método difusionista dessa etapa está emerso na noção moderna, estando
40
assentado em um conjunto de teorias que apontam que o desenvolvimento é produzido
pela transformação do tradicional para o moderno, a partir da inserção de tecnologias
exógenas, ou seja, a passagem de um padrão de sociedade tradicional para um padrão
moderno de sociedade. Dessa forma, em uma instância metodológica teórica, a fase de
“modernização da agricultura” está calcada na teoria da modernização, que demarca que
o progresso técnico é o impulsionador na condução do desenvolvimento.
Shultz (1975), fundamental autor dessa fase, entende que a modernização é produzida do
externo para o interno das unidades de produção agrícolas. Acredita como essencial para
desenvolvimento, a transformação da agricultura tradicional em agricultura moderna pela
substituição dos fatores de produção.
Hayami e Ruttan (1971) desenvolveram um modelo de geração de tecnologia dentro do
processo de desenvolvimento agrícola denominado Teoria Inovação Induzida-TII. Esses
autores entendiam que a mudança tecnológica ocorria a partir de sinais externos enviados
pelo mercado como, por exemplo, os preços dos produtos agrícolas. A ideia central era
poupar os fatores mais custosos. As mudanças técnicas externas tanto mecânicas,
biológicas ou químicas são induzidas com o propósito de aumento da produtividade da
colheita ou da criação de animais.
Os autores salientados produziram um conjunto de teorias que prospectam que o
desenvolvimento emerge do progresso técnico que é produzido e validado de forma
exógena, através da pesquisa experimental. Esse conhecimento externo será o fator
transformador das sociedades tradicionais em moderna, ou seja, sociedades de consumo.
Long e Ploeg (1994), entendem que essas forças externas tendem a condicionar as vidas
dos atores locais reduzindo sua autonomia. Nesse sentido creem que essas teorias são
pautadas por visões deterministas, lineares e externalistas do processo de mudança social.
Enfim, uma noção estrutural e vertical do processo de desenvolvimento. No sentido do
atendimento da instância metodológica teórica do método participativo, e respeitando a
coerência epistemológica, foi optado como referencial teórico transversal da Perspectiva
Orientada pelo Ator - POA (LONG; PLOEG, 1994).
Os pilares epistemológicos da POA, são percebidos dentro das ciências sociais, na
perspectiva do interacionismo simbólico, quando do entendimento da possibilidade dos
atores possuírem uma consciência simbólica na liberdade da organização coletiva, mesmo
sob pressões externas; na perspectiva da fenomenologia, quando na opção teórica de
estudar a partir dos atores e da sua experiência vivida; e na perspectiva do
construcionismo social, na observação e análise do realizado em um ponto de vista sócio
histórico.
A Perspectiva Orientada pelos Atores não se coloca como uma reconstituição
epistemológica propondo uma nova teoria. A teoria social que provém guarida à POA, é
a Teoria da Estruturação de Antonny Giddens (1989). Giddens(1989) constrói uma
teorização com base na análise das práticas sociais, buscando entender a manutenção e
estabilidade das relações sociais e a reprodução das práticas sociais. Desenvolve a
reavaliação do consenso ortodoxo das ideias do estruturalismo, através da noção de que
o indivíduo tem livre iniciativa, mesmo sobre coerção social das totalidades externas.
Nesse contexto, a noção de estrutura toma diferente sentido, se referindo às condições
que geram a continuidade das práticas sociais, que são padronizadas e reproduzidas nas
relações entre os atores.
O conceito teórico central da POA utilizado na atual pesquisa é o de ator, onde os sujeitos
sociais são entendidos como atores sociais, tendo papel ativo dentro dos processos sociais.
41
O ator é um sujeito ativo que processa informação e utiliza suas estratégias nas relações
sociais. Os atores constroem seus projetos na interface com outros atores dentro da arena.
Os atores são dotados de capacidade de agência. Esse processo emerge a partir da livre
organização coletiva dos atores. O caminho para o desenvolvimento é construído
socialmente na interação continuada entre os atores.
Nessa perspectiva, a noção de estrutura se diferencia profundamente da teoria da
modernização, e passa a ser entendida como um conjunto amplo e não uniforme de
propriedades emergentes, sendo produto do encontro ou do distanciamento dos projetos
dos atores, e também constituindo referências e possibilidades construtoras que nutrem a
elaboração, a negociação, e a confrontação dos projetos dos atores (LONG, 2001).
Analisando, agora, a instância metódica, em consonância com seus pressupostos
epistemológicos e teóricos, emerge o método participativo. Esse método tem entre as suas
premissas, a busca de formas de promoção da participação no processo de tomada de
decisão, e também, o direcionamento para a participação ativa e interativa dos atores no
sentido de processos de automobilização.
O método participativo tem como premissa o entendimento das opiniões e do ponto de
vista dos atores, bem como do processo de autorreflexão sobre os problemas comuns,
estimulando a construção coletiva das possibilidades para a sua solução. Está pautado em
processos dialógicos entre os atores individuais e coletivos dentro da arena de construção
dos projetos sociais onde ocorre a interface entre os atores.
Chambers(1995) salienta que, como pressuposto, o método participativo apoia a
autodeterminação das comunidades através da participação, no sentido da promoção dos
processos de desenvolvimento. O método participativo é fator impulsionador do
mecanismo de apropriação pelos atores de mudanças fundamentais. A participação é uma
das faces da agência dos atores sociais.
Na perspectiva da teoria da modernização, em consonância com seus pressupostos
epistemológicos e teóricos, o método difusionista de interface entre os atores sociais tem
características diferenciais. Os métodos de difusão de tecnologia possuem características
diretivas e uma noção estruturalista. As inovações tecnológicas geradas externamente são
difundidas aos atores dentro da arena de construção de projetos como verdades científicas,
no sentido da substituição dos conhecimentos endógenos.
O conhecimento contextualizado dos atores é entendido como atrasado, sendo um dos
percalços para um processo de desenvolvimento. O caminho proposto é a substituição
deste por inovações tecnológicas que promovem a otimização dos fatores de produção.
Nesse sentido os métodos difusionistas são tipicamente impositivos, diretivos, estruturais
e de persuasão. Esses promovem a difusão tecnológica.
Uma das bases teóricas que apropriou conhecimentos ao método difusionista foi o
behaviorismo dentro da psicologia comportamentalista norte-americana. O behaviorismo
se caracteriza por um conjunto de teorias psicológicas que centram seus estudos no
comportamento observável, ou seja, que atribuem ao comportamento humano uma
relação de estímulo e respostas, tendo uma visão pragmática centrada em estudos de
comportamento observável (WATSON, 1913; SKINNER, 2006).
Essa teoria entende como possível a previsão e o controle do comportamento individual
através de estímulos em dada direção, um comportamento modelado. Essa base teórica
foi utilizada na formulação das técnicas e ferramentas nos métodos difusionistas
(ROGERS, 1983).
42
O método difusionista, em uma instancia técnica, utiliza ferramentas e técnicas que
propiciam o convencimento dos agricultores das vantagens das inovações tecnológicas
em contraponto aos projetos sociais locais, através da comunicação centrada nas
vantagens econômicas.
Segundo Rogers (1983), as técnicas difusionistas mais utilizadas são as visitas dos
mediadores técnicos às propriedades rurais na intenção da difusão do pacote tecnológico,
a constituição de unidades modelos de produção demonstrativas, que são baseadas nas
inovações produzidas e recomendadas pela pesquisa, e as excursões com os agricultores
para visualização de centros de pesquisa ou propriedades modelos, na ideia da persuasão
através da chancela científica.
O método difusionista, em relação às suas ferramentas e técnicas, reflete a totalidade do
arcabouço epistemológico e teórico. Na sua operacionalização dentro da arena, exibe o
entendimento tácito por parte dos mediadores social de que a ciência moderna é a única
que possui a legitimidade da comprovação das vantagens comparativas entre as inovações
e as novidades. Dessa forma, as inovações tecnológicas são cientificamente comprovadas
e consequentemente verdades científicas, em contraponto às novidades contextualizadas.
A inovação tecnológica é normalmente um novo fator exógeno que adentra a arena no
sentido de poupar os fatores escassos dentro dos projetos, em um alinhamento à lógica
das premissas da teoria da modernização.
O sinal para mudança dos projetos é externo, em especial o argumento econômico do
preço das mercadorias produzidas. A partir dessa sinalização, se configura, de forma
dicotômica, o que é atrasado e o que é moderno, e se formulam técnicas e ferramentas de
convencimento e persuasão para a necessária mudança a caminho do desenvolvimento.
Por outro lado, as ferramentas e técnicas participativas, em uma instância metodológica
técnica, se caracterizam pelas premissas de facilitarem ou organizarem o diálogo, o
debate, e a troca entre os atores dentro da arena de construção de projetos sociais.
A técnica básica utilizada nesses processos é o uso de tarjetas para a estruturação das
ideias de um debate. As tarjetas são cartões de papel, nos quais os atores registram suas
ideias e visualizam a totalidade em painéis, de forma organizada, para um conjunto de
outros atores. A utilização de tarjetas em trabalhos grupais permite o exercício do debate,
da síntese e da informação do consenso a uma plenária de trabalho. Dessa forma, o uso
da tarjeta pode ser considerado a unidade básica na construção das diversas variantes mais
complexas das ferramentas e técnicas participativas.
Cabe enfatizar que as ferramentas participativas são desenvolvidas em trabalhos de
grupos, no estilo de oficinas, onde os atores desenvolvem como guias metodológicos, a
construção de variados tipos de mapas, diagramas e calendários.
O uso das ferramentas e técnicas participativas propicia aos atores o encontro das ideias
coletivas no momento da confecção dos mapas, dos diagramas e calendários. Essa
interface busca necessariamente a construção de consensos sociais, a reflexão coletiva
sobre uma determinada temática e a organização metodológica para um debate dentro da
arena.
As ferramentas e técnicas participativas também permitem a qualificação da comunicação
entre os atores de mundos diferentes, como por exemplo, um articulador de origem urbana
e um agricultor. Esse mecanismo possibilita a unificação do saber popular e científico no
momento da interface entre os atores dentro da arena de construção dos projetos.
43
Existem inúmeros formatos de ferramentas para objetivos diferentes como diagnósticos
de âmbito geral ou focal, levantamento de demandas, planejamento e monitoramento.
Uma mesma técnica pode ser utilizada com objetivos diferentes dentro de um grupo de
atores (GEILFUS, 1997; VERDEJO, 2006). Alguns arranjos de ferramentas e técnicas
participativas, como o DRR e DRP, foram utilizados de forma mais ampliada em várias
partes do mundo.
A título de conclusão...
Long e Long (1992) e Long e Ploeg (1989) acreditam que os processos centrados em
métodos participativos também precisam ser problematizados. Esses autores entendem
que existem características populistas na sua utilização, e apontam como fragilidades a
inexistência de um questionamento das relações de poder entre os agricultores, e entre os
articuladores e os agricultores. Também salientam a existência de uma visão voluntarista
e de certo modo ingênua nos processos participacionistas. Esses autores assinalam que os
objetos de interesses comuns nas comunidades rurais, que seria buscado pelo uso do
método participativo, na verdade são inexistentes. A ideia do consenso em torno de um
único projeto comunitário, ajustado via método participativo, seria uma noção
simplificadora.
Para Thornton (2010) os articuladores quando em seu mandato-organizacional na
construção de programas ou aplicação de políticas públicas, têm o poder de pré-selecionar
os atores que participarão dos processos através de listas de convite. São comuns as
escolhas pautadas por figuras de liderança ou agricultores com maior credibilidade. Essa
ação produz um enviesamento da participação. Esse autor também salienta que os
processos participativos estão assentados em reuniões formais de curto prazo que não
respeitam os tempos de tomada de decisão dos agricultores. O tempo cronológico dos
programas governamentais desencadeia ações rápidas para o diagnóstico dos problemas,
a priorização das ações e a estruturação das estratégias de trabalho o que não respeita as
diferenças entre os grupos sociais, e da própria relação entre os articuladores e a
comunidade.
Jennings (2000) constrói uma reflexão que entende que a participação está ligada ao
processo educativo e a capacitação necessária dos atores, na intenção de corrigir os
desequilíbrios entre eles. Os procedimentos participativos podem ser analisados do ponto
de vista de cada ator social ou da relação deles dentro da arena na construção de processos
de desenvolvimento. Esses estão diretamente ligados à capacidade de agência dos atores
e ao poder de tomada de decisão.
Por outro lado, na operacionalização de programas de desenvolvimento com viés
participativo, muitas vezes os articuladores não consideram com profundidade o contexto
político-culturais da arena. Os resultados de processos participativos estão diretamente
ligados ao jogo de forças entre os atores e os acordos sociais dentro da arena. Em outras
palavras, a participação não pode ser uma técnica universalizável (HEEKS, 1999).
Nuijten (2005) enfatiza que o conceito de empoderamento construído nos estudos de
participação, evoca a noção de que o poder pode ser percebido como uma propriedade de
pessoas ou grupos que têm a capacidade de possuí-lo, transportá-lo e realizar sua
ampliação. Essa noção ignora o fato de o poder ser relacional, sendo imbricado em
inúmeras interligações.
44
Finalizando, os processos centrados no método participativo são uma nova etapa nas
ações de extensão rural em relação ao método difusionista trazendo um conjunto de
possibilidades mais horizontais de comunicação e de apropriação tecnológico. Porém,
como salienta um grupo de autores, se torna necessária a continuidade dos estudos sobre
essa metodologia no intuito da sua qualificação.
Referencia
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47
7 Capitulo VIII - Agricultura Sustentável
Introdução
O processo de modernização da agricultura é um dos principais marcos dentro dos estudos
de Desenvolvimento Rural. A análise da sua estruturação, teorias, principais elementos,
formatos tecnológicos, métodos de difusão tecnológica, entre outros foram substratos do
trabalho de um vasto conjunto de autores.
Da mesma forma o debate sobre a sustentabilidade é um tema amplo e de alto grau de
dificuldade de apreensão. Os elementos, a definição, as dimensões analíticas e os
indicadores são pautas de análise de muitos pesquisadores dentro de um universo
epistemológico que vai das ciências modernas, de características cartesianas e
disciplinares, até a ciência contemporânea, em uma perspectiva holística e sistêmica.
A produção de uma análise que comporte esses dois extensos espectros de pesquisa exige
um esforço de recorte claro para localização do leitor. Nesse sentido, esse artigo é analisa,
a luz dos estudos de Desenvolvimento Rural, a emergência do processo de modernização
da agricultura, focaliza a perspectiva técnica da agricultura e traz ao debate o tema da
sustentabilidade na agricultura.
A estrutura desse texto está dividida em uma primeira seção que percorre a trajetória de
emergência do processo de modernização da agricultura a partir das modificações
ocorridas dentro do sistema de derrubada e queimada; uma segunda seção que apresenta
o nascimento dos debates sobre desenvolvimento sustentável, a configuração da noção de
agricultura sustentável e finaliza com a perspectiva da sustentabilidade na agricultura,
bem como suas dimensões; e conclui apontando as perspectivas de uma agricultura
baseada nas dimensões da sustentabilidade em contraponto a uma agricultura moderna.
Resultados e discussões
A emergência do processo de modernização da agricultura
O homo sapiens ocupou os espaços da terra a aproximadamente 200.000 anos. Esses eram
essencialmente coletores, caçadores e pescadores utilizando a oferta natural do
ecossistema para a manutenção do grupo social. Muitas novidades foram sendo
incorporadas nesse sistema a partir dos elementos naturais como pedras, madeira e
marfim para aperfeiçoamento de arpões, facas, estacas que dinamizavam as técnicas para
o acesso ao alimento.
Há aproximadamente 12.000 anos antes do presente, inicia a história das agriculturas no
mundo remontando a fase de quando o ser humano começou a semear plantas, manter
animais em cativeiro e paulatinamente realizando um processo de domesticação. Essa
passagem da coleta/caça para a agricultura é intitulada de Revolução Agrícola Neolítica
(MAZOYER; ROUDART, 2001).
Com o avanço do tempo, várias outras espécies foram domesticadas principalmente pela
incorporação do processo em novos ecossistemas. Acompanhando esse caminho
ocorreram mudanças e transformações sociais e culturais no grupo social. Foi despertada
48
a necessidade de reservar parte da colheita como semente, a ideia de preservar do abate
os reprodutores, o respeito as áreas de cultivo de outros e uma divisão sexual e etária
dentro das atividades da agricultura. Nesse ínterim o homem se tornou sedentário
deixando de migrar de forma nômade pelo território.
Nessa etapa o formato tecnológico da forma de agricultura era intitulado sistema de
derrubada e queimada. Nesse o grupo de agricultores cortava arbustos e pequenas árvores,
utilizando os seus equipamentos rudimentares, para a exposição do solo à luz solar.
Posteriormente queimavam essa biomassa na intenção de liberação de nutrientes para as
sementes que seriam plantadas e também para o controle de sementes de ervas invasoras.
Sequencialmente plantavam as sementes de plantas de interesse alimentar, por no máximo
três ciclos produtivos, e abandonavam a área para um pousio, por décadas, para
reciclagem da fertilidade (MAZOYER; ROUDART, 2001).
A evolução do sistema de derrubada e queimada ocorreu com a paulatina incorporação
de novidades como a integração com animais ruminantes que faziam a translocação
nutricional para o solo através das fezes, a rotação de culturas com as leguminosas, a
adaptação de arreios para tração animal de arados no controle de ervas invasoras, entre
outros. Esse processo foi fundamental na produção de excedentes alimentares que
sustentaram a emergência da sociedade na história humana.
A próxima Revolução da Agricultura que ocorreu foi a que gerou a base para o processo
de modernização da agricultura, entre o final do século XIX e início do XX, através da
apropriação pela indústria da agricultura, tornando-a um dos seus setores (GOODMANN,
SORJ, WILKINSOR, 2008).
Esse processo ocorreu em etapas dentro do desenvolvimento das indústrias na revolução
industrial que estava em marcha. Inicialmente foram criados implementos agrícolas como
arados e grades, para serem puxados por cavalos e bois, com o objetivo de aperfeiçoar o
controle sobre as ervas espontânea. Na sequência foi produzido o trator com motor de
combustão interna que ampliou em muito a produtividade do trabalho.
Uma segunda frente de apropriação industrial ocorreu através da substituição da
reprodução da fertilidade do solo, através da ciclagem de nutrientes, pelos adubos
químicos solubilizados a base de rocha moída e a síntese de amônia pela indústria
química. Uma terceira frente foi o desenvolvimento de sementes biomodificadas, como
os milhos híbridos (GOODMANN, SORJ, WILKINSOR, 2008).
O tripé tecnológico formado por motomecanização, adubação química e sementes
modificadas pela biotecnologia são os elementos básicos para a modificação do modo de
fazer agricultura dentro do processo de modernização da agricultura. Esse conjunto
tecnológico gerou um salto na produtividade de excedentes agrícolas nesse formato de
fazer agricultura em comparação ao anterior.
Essa mudança tecnológica da forma de fazer agricultura somente tomou dimensões sócio-
políticas após a segunda guerra mundial quando esses elementos foram utilizados na
reafirmação do caráter capitalista de países satélites das potências mundiais, durante o
período da guerra fria. Ou seja, na disputa entre o bloco capitalista e o bloco socialista
pela hegemonia global o formato moderno de fazer agricultura tornou-se moeda de troca
para os países do terceiro mundo.
Nesse arcabouço o setor da agricultura ganhou outras tarefas dentro da perspectiva da
economia capitalista como a liberação de mão de obra rural para trabalhar na indústria e
ampliação da produção e produtividade de cultivos e criações. Essa proposta tinha como
pano de fundo uma subordinação da agricultura a indústria, atendendo as funções de
49
fornecer matéria prima, gerar divisas com a exportação e baratear a alimentação dos
operários (GRAZIANO SILVA, 1996).
O processo de modernização da agricultura tem como base a teoria da modernização que
aponta a necessidade de substituição dos insumos tradicionais da agricultura por insumos
industriais modernos de maior rentabilidade o que geraria dinamismo no setor
(SCHULTZ, 1995).
No Brasil, entre os anos 60 e 70, cinco instrumentos estratégicos de política agrícola
impulsionaram o processo de modernização da agricultura sendo elas; Sistema Nacional
de Crédito Rural-SNCR (1964) voltado para o financiamento da produção agropecuária;
Política de Garantia de Preços Mínimos-PGPM (1966) garantia estatal de um preço
padronizado de comercialização; Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão
Rural-SIBRATER (1975) para difusão das inovações tecnológicas; Empresa Brasileira
de Pesquisa Agropecuária-EMBRAPA (1972) voltada a geração de tecnologia; e
Programa de Garantia da Atividade Agropecuária-PROAGRO (1966) como seguro
agrícola (GRAZIANO SILVA, 1996).
Esse conjunto de políticas agrícolas gerou profundas modificações nos grupos sociais
rurais do Brasil. O rural foi transformado em curto espaço de tempo. Um grupo de
agricultores mergulhou de forma completa nesse formato de agricultura e se diferenciou
enquanto grupo social formando os primórdios do que é chamado hoje de agronegócio;
por outro lado, uma miríade de outras agriculturas se estruturam aderindo em partes o
pacote modernizante gerando uma grande heterogeneidade de formas de agriculturas
reunidas na atual categoria social da agricultura familiar.
Mas esse processo gerou também um conjunto de problemas. Foi observado um grupo de
externalidades econômicas, como a acumulação de riqueza em poucas mãos; sociais,
como o fenômeno do êxodo rural e a pressão social urbana; e ambientais, através da
avaliação de problemas de erosão solos, assoreamento de rios e envenenamento dos
alimentos por agrotóxicos.
As avaliações das externalidades foram substrato do movimento de debate sobre a
insustentabilidade dessa forma de fazer agricultura que esse processo consolidou no rural.
Um grande conjunto de estudos apontaram os limites da agricultura moderna que emergiu
em um rápido período no Brasil e no mundo. Em pouco mais de meio século o modo de
fazer agricultura foi completamente modificado de uma trajetória milenar. Dúvidas foram
levantadas de qual caminho futuro deveria ser tomado.
O debate da sustentabilidade
O debate sobre a insustentabilidade do modelo de crescimento econômico no mundo que
ocorria desde o pós-guerra mundial (1945) começou a tomar formato na década de 70.
Segundo Guzmán; Molina (1996), o primeiro aviso mundial, das instituições
internacionais, da deterioração ambiental do planeta, também causado pela agricultura
moderna, ocorreu na Conferência de Estocolmo em 1972. Na sequência ocorreram os
trabalhos do Clube de Roma (72-74) que apontaram a impossibilidade de um crescimento
infinito com recursos finitos.
Possivelmente os momentos mais marcantes desse debate sejam o Relatório Brundland,
promovido pela ONU, que realizou um esforço de definição de desenvolvimento
sustentável na linha da garantia das necessidades básicas da atual geração sem
50
comprometer a geração futura; e a Conferencia do Rio 92 propondo um código de conduta
chamado de Agenda 21, que incluía a perspectiva de uma agricultura ambientalmente
correta (GUZMÁN; MOLINA, 1996).
No âmbito da agricultura mundial, entre as décadas de 50-60, ocorreu um grande avanço
do processo de modernização da agricultura descrito na seção anterior do texto. As
indústrias agroalimentares paulatinamente promoveram a inserção ou a subordinação da
agricultura como um setor da indústria. Segundo Almeida (1999), as mudanças
tecnológicas ocorridas no processo de modernização da agricultura como a
motomecanização, quimificação e uso de sementes melhoradas promoveram uma
dependência da agricultura para com a indústria, tanto a montante, como fornecedora de
tratores, equipamentos, adubos, venenos, entre outros; como a jusante, na integração com
a indústria na aquisição da matéria prima agropecuária ou nas redes de comercialização.
Os limites do processo de modernização ocorrem no Brasil a partir da crise econômica,
ambiental e social da década de 80, a intitulada por Graziano Silva (1996) como a década
perdida, em razão da estagnação do crescimento industrial. Emerge nessa fase a discussão
da necessidade de uma agricultura sustentável através de um novo paradigma tecnológico
que realize agricultura sem agredir ao meio ambiente (ALMEIDA, 1999).
Segundo Buttel (1995), a degradação ambiental decorrente da fase modernizante,
salientada pela erosão dos solos, contaminação das águas e a contaminação dos alimentos
com os venenos, são problemas centrais do modelo. Por outro lado, a ampliação na
sociedade do debate em torno da necessidade de ecologização da agricultura, demarca o
início, de forma incipiente, da fase de transição agroecológica.
Para Altieri (1993), a agricultura moderna diminui a capacidade homeostática do
agroecossistema, principalmente diminuindo a ciclagem de nutrientes e a relação
predador-presa entre insetos e seus inimigos naturais; diminui a capacidade evolutiva do
sistema pela excessiva homogeneização do material genético; existe no mundo uma
concentração de terra e água na mão de poucas pessoas; e ocorre utilização de tecnologias
inapropriadas. Todos esses elementos promovem a insustentabilidade desse modelo de
agricultura.
Como premissa uma agricultura sustentável deve reunir um conjunto de atributos
voltados a sustentabilidade, como promover a manutenção da produção agropecuária em
longo prazo, causar mínimos impactos ambientais, trazer retorno econômico aos
agricultores e ser voltada a produção de alimentos. Nos aspectos tecnológicos são
propostos os caminhos da redução do uso de venenos e adubos solúveis, o controle da
erosão dos solos, a rotação de culturas, a integração entre lavoura-pecuária e a busca de
novas fontes de energia (ALTIERE, 1993).
No Brasil o debate da agricultura sustentável adentra pela ideia de uso de tecnologias
alternativas de agricultura, ainda na década de 70, e na atualidade está assentado na noção
de Agroecologia (DAL SÓGLIO, 2012).
Segundo Altiere (1993), a Agroecologia é um paradigma técnico-científico capaz de guiar
estratégias de desenvolvimento rural sustentável, pois estuda sistemas agrícolas em uma
perspectiva ecológica e socioeconômica.
No bojo dessas reflexões teóricas, emergem no ambiente acadêmico, as discussões em
torno da noção de Agroecologia como uma estrutura conceitual que propõe um novo
estilo de Desenvolvimento Rural, sendo uma possibilidade de pensar o processo de
transição e os impactos negativos junto aos agricultores e suas organizações em relação
à modernização da agricultura (CAPORAL, 1998).
51
Para Cotrim (2013), a Agroecologia é entendida enquanto um campo de conhecimento
interdisciplinar formada por aportes de diversas disciplinas científicas que combina
essencialmente as ciências naturais e as ciências sociais, tendo a pretensão de estudar as
inter-relações existentes entre processos agronômicos, ecológicos e sociais no sentido do
desenvolvimento de procedimentos mais sustentáveis. Neste arcabouço teórico e
metodológico, que possui uma dimensão prática indivisível da analítica, são buscadas as
bases para o entendimento das relações sócio naturais em uma visão contemporânea da
ciência.
Um dos temas centrais de estudo da Agroecologia é a análise da sustentabilidade dos
processos de desenvolvimento, intervenções planejadas e dos agroecossistemas. Segundo
Costabeber (1998), a sustentabilidade é estudada e proposta como uma busca permanente
de novos pontos de equilíbrio entre as suas diversas dimensões. Cabe salientar que a prova
da sustentabilidade está no futuro.
Por esse motivo se torna necessária a conceituação de dimensões básicas que possibilitam
a construção de indicadores de monitoramento do processo. Não existe uma escala rígida
e padronizada para os indicadores. Esses indicadores multidimensionais buscam apropriar
uma noção de sustentabilidade auxiliando na condução dos processos voltados a uma
agricultura sustentável e ao final uma avaliação do nível de sustentabilidade ao qual foi
atingido, dentro de uma perspectiva contemporânea da ciência de características
complexa e holística.
Caporal e Costabeber (2002), propõem um conjunto de seis dimensões de análise da
sustentabilidade em processos de desenvolvimento rural que estão relacionados entre si e
distribuídos em três níveis hierárquicos. Em um primeiro nível estão as dimensões
ecológica, social e econômica; em um segundo nível a dimensão cultural e política; e em
terceiro nível a dimensão ética.
A dimensão ecológica enfoca a preservação e melhoria das condições químicas, físicas e
biológicas dos solos; salvaguarda da biodiversidade do ecossistema; cuidados com os
mananciais hídricos; e a constante busca pela ampliação da ciclagem de nutrientes e
biomassa e energia dentro dos agroecossistemas. Na dimensão social são percebidas a
busca pela melhoria de qualidade de vida das famílias através de uma distribuição
equitativa do produto gerado dentro do agroecossistema. Isso permite uma menor
desigualdade na distribuição dos recursos. Dentro da dimensão econômica é buscado um
balanço positivo entre a produção agropecuária e os gastos energéticos no sistema. Não é
perseguido apenas um superávit econômico as custas de depredação ambiental. Também
nessa dimensão são tratados os aspectos como a produção para o autoconsumo familiar
focado na reprodução sociais e a ênfase em circuitos curtos de comercialização para
ampliação da autonomia (CAPORAL; COSTABEBER, 2002).
A dimensão cultural da sustentabilidade se preocupa com o respeito com a cultura local
nos processos de intervenção. Esses devem espelhar a identidade cultural do grupo social.
Cabe o entendimento que a agricultura é uma prática social onde os grupos sociais se
relacionam com o ecossistema, nesse sentido o conhecimento ambiental adquirido por
gerações é socialmente útil. Na dimensão política da sustentabilidade é analisado os
aspectos da participação nos processos de desenvolvimento com foco na democracia. Nos
procedimentos em prol do desenvolvimento é fundamental a preservação das relações de
diálogo dentro dos espaços comunitários e outros focando na otimização da organização
social. A última dimensão da sustentabilidade sugerida pelos autores é a ética. Essa é
voltada a solidariedade intra e intergerações em relação ao ambiente. Nessa é buscado um
52
novo contrato ecológico e social, novos valores, na direção da solidariedade entre as
pessoas (CAPORAL; COSTABEBER, 2002).
Esse conjunto de seis dimensões foi construído dentro de uma noção de sustentabilidade
no ambiente rural e partindo da agricultura. Servem como guias para a avaliação de
processos de intervenção, projetos de desenvolvimento e redesenhos de agroecossistemas
no sentido da busca constante de padrões mais sustentáveis. Cabe salientar, que outros
autores podem buscar essa aproximação da sustentabilidade a partir de outro campo da
ciência, como por exemplo, as ciências sociais.
A título de conclusão...
Nessa finalização cabe uma análise sobre as perspectivas da agricultura sustentável em
contraponto a agricultura moderna da fase da modernização da agricultura. O viés
escolhido por esse artigo foi a questão tecnológica da agricultura trilhando um percurso
teórico entre autores que debatem a partir das ciências agrárias e vão penetrando os
meandros de outros campos científicos.
O esforço desprendido na confecção de várias dimensões dos indicadores de
sustentabilidade traz como pano de fundo a tentativa de evitar a expansão desmesurada
da esfera econômica, ou seja, a economia não deve ser tomada com instituinte da lógica
dos grupos sociais.
Dentro da teoria da modernização, que orientou o processo de modernização da
agricultura, o centro da análise está focado na ampliação da produção e da produtividade
de cultivos e criações pela inserção de insumos modernos para a ampliação da renda. Esse
dinheiro gerado promoveria a felicidade dos grupos sociais. Nessa perspectiva o principal
aspecto analítico sempre é o econômico em detrimento aos demais.
A lógica teórica desenhada pela ideia das dimensões da sustentabilidade é de
característica piramidal, onde na sua base estão alocados os aspectos ecológicos,
espelhando os princípios ambientais, e sociais, no caminho das regras e costumes de cada
grupo social. Também está alocada a dimensão econômica salientando a sua imersão
dentro das relações sociais. Apoiados nessas três estão as dimensões políticas, ligadas a
participação das pessoas, e culturais, enquanto o respeito as diferenças. A ponta da
pirâmide, ou seja, o elemento final é a dimensão ética pensada como um novo contrato
inter e intrageracional em relação ao ambiente.
Trazendo essa perspectiva para o debate de uma agricultura sustentável existe um
deslocamento do foco econômico do processo em relação a fase da modernização da
agricultura, para um foco multidimensional e mais complexo. Ou seja, a agricultura
sustentável como um elemento de superação da agricultura moderna requalifica um
conjunto de relações e aspectos que a aproximam da sustentabilidade, como um atributo
positivo do desenvolvimento.
Dentro da discussão proposta no texto emerge também o conceito de Agroecologia. Esse
campo de conhecimento tem a função de produzir guarida teórica e metodológica para a
estruturação de um grupo de novos elementos no redesenho de agroecossistemas voltados
a uma agricultura sustentável. Porém ainda é um campo teórico novo e que está em
consolidação. Esse fato gera profundos conflitos entre os pressupostos teóricos que
sustentam a agricultura moderna que possuem um maior grau de amadurecimento
53
científico. Nesse sentido, esse atual período pode ser entendido como uma fase de
transições dentro desse aspecto.
Referencias
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movimentos sociais no sul do país. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1999.
ALTIERI, M. Sustainability and rural poor: a Latin American perspective. New
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BUTTEL, F. Transiciones agroecológicas en el siglo XX: analises preliminar.
Agricultura y Sociedad, Madrid, n. 74, p. 9-38, 1995.
CAPORAL, F. R.; COSTABEBER, J. A. Análise multidimensional da sustentabilidade
uma proposta metodológica a partir da agroecologia. Agroecologia e Desenvolvimento
Rural Sustentável, Porto Alegre, v.3, n.3, p.70-85, jul./set. 2002.
CAPORAL, F.R. La extensión agraria del sector público ante los desafíos del
desarrollo sostenible: el caso de Rio Grande do Sul, Brasil. 1998. 517 f. Tese
(Doutorado) - Programa de Doctorado en Agroecología, Campesinado e Historia, ISEC-
ETSIAN, Universidad de Córdoba. Córdoba, 1998.
COSTABEBER, J. A. Acción Colectiva y Transición Agroecológica en Rio Grande
do Sul, Brasil. 1998. 434 f. Tese (Doutorado) - Programa de Doctorado en
Agroecología, Campesinado e Historia, ISEC-ETSIAN, Universidad de Córdoba.
Córdoba, 1998.
COTRIM, D. O estudo da participação na interface dos atores na arena de
construção do conhecimento agroecológico. Tese de Doutorado. PGDR-UFRGS.
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DAL SÓGLIO, F. Desenvolvimento, agricultura e agroecologia: qual a ligação?
2012. Manuscrito.
GOODMAN, D. SORJ, B. WILKINSON, J. Das lavouras às biotecnologias:
agricultura e indústria no sistema internacional. Centro Edelstein de Pesquisas Sociais.
2008.
GRAZIANO SILVA, J. A nova dinâmica da agricultura brasileira. Campinas:
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GUZMÁN, E.S.; MOLINA, G. S. Sobre la agroecologia: algunas reflexiones en torno a
la agriculturra familiar en España. In: GARCIA DE LEÓN, M.A. El campo y la
ciudad. Madrid: [s.n.], 1996.
MAZOYER, M.; ROUDART, L. História das agriculturas do mundo: do neolítico à
crise contemporânea. Lisboa: Instituto Piaget, 2001.
SCHULTZ, T. W. A transformação da agricultura tradicional. Rio de Janeiro:
Zahar, 1995.
54
8 Capítulo IX - Desenvolvimento Rural: Do local ao territorial.
Introdução
O debate sobre desenvolvimento (rural) no mundo ocorre em duas fases distintas.
Inicialmente toma forma pós segunda guerra mundial, a partir da reconstrução da Europa
no desenrolar do Plano Marshall, através dos anos 50 chegando aos anos 70. Em uma
primeira instancia está associado a lógica do crescimento econômico e ao processo de
modernização da agricultura. O peso da economia na agricultura é ampliado e novas
formas de racionalidade produtiva são inseridas no sentido da mercantilização da vida
social (NAVARRO, 2001).
Durante a crise econômica social e ambiental nos anos 80 sucumbiu o debate sobre
desenvolvimento. O tema é retomado a partir dos anos 90 pelo viés da impossibilidade
do desenvolvimento no padrão existente. No rural um conjunto de externalidades do
processo de modernização são evidenciados e retoma-se a discussão de um
desenvolvimento rural que busque diminuir os impactos dos processos modernizantes
(NAVARRO,2001)
O objetivo desse texto é trazer para o debate três enfoques sobre desenvolvimento que
emergem nessa segunda fase buscando evidenciar os elementos essenciais de cada
abordagem e considerações sobre os seus limites.
A estrutura desse artigo está dividida em uma primeira etapa de apresentação das noções
de rural e de desenvolvimento rural; uma segunda etapa de apresentação dos enfoques do
desenvolvimento local/endógeno e territorial; e uma conclusão voltada a uma apreciação
dos limites dessas abordagens.
Resultados e discussões
Como ponto de partida para a análise proposta nesse texto é necessária uma rápida
caracterização do que é rural. Evitando uma inesgotável discussão que ocorre na literatura
sobre a definição de rural tendeu-se a busca de pontos de consenso para a construção da
noção. Preliminarmente existe o afastamento da perspectiva dicotômica de entender o
rural como o que não é urbano ou o rural como produtor agropecuário.
Segundo Kageyama (2004), é possível apreender a ideia de rural como não sendo
sinônimo de agrícola, apesar da importante influência dessa atividade, entendendo esse
como multissetorial levando a termo o fenômeno da pluriatividades dos atores; o rural é
multifuncional entendendo que além da função produtiva existem aspectos ambientais de
preservação da paisagem e da biodiversidade e sociais através do tecido social formado
pelas comunidades e território; as áreas rurais têm menor densidade populacional; e não
existe um isolamento entre o espaço rural e urbano devido a criação de conexões entre
esses.
Partindo desse substrato se torna necessário um segundo aspecto de definição voltado ao
que é desenvolvimento rural. Existe um conjunto de teorias que buscam explicações da
questão do desenvolvimento em áreas rurais. Muitas vezes essas tendem a uma
simplificação devido a complexidade do estudo enfocando aspectos do desenvolvimento,
55
como por exemplo, a economia nas áreas rurais. Nesse texto será evitada uma longa
discussão da emergência e fases da disputa pela noção e será trazido a luz o momento
atual.
Segundo Favareto (2006), o desenvolvimento está ligado a ideia de evolução da sociedade
em um processo de longo prazo. As teorias que perderam a conexão com a ideia de
trajetória histórica dos grupos sociais acabam abarcando pedaços desse processo gerando
capacidade explicativa reduzidas. Também é necessária a concepção que o
desenvolvimento possui ao menos três dimensões, ou seja, a do crescimento econômico,
as questões sociais e a dimensão ambiental.
Segundo Ploeg (2000) a ideia de desenvolvimento rural via a modernização da agricultura
com o intuito de ampliação da produção e da produtividade dos cultivos e criações e
consequente aumento da renda está sendo suplantada por um novo paradigma de
desenvolvimento rural. Nesse é um buscado um novo modelo para o setor agrícola através
da preservação da paisagem enquanto um bem público, a busca do entendimento das
conexões entre os grupos sociais locais e o ecossistema e a pluriatividade entre as famílias
rurais.
Nesse caminho o processo de desenvolvimento rural deve ser compreendido em três
níveis. O primeiro relacionado ao global analisando as relações da agricultura e a
sociedade; o segundo de nível intermediário na busca de um novo modelo para a
agricultura enfocado as relações dos atores com o ecossistema em dimensão local e
territorial; e o terceiro no nível da propriedade rural através da ampliação da autonomia
dos atores no processo de coprodução e a inserção das pluriatividades. Nesse contexto
entende-se que o processo de desenvolvimento rural deve ser apreendido como
multinível, multiator e multifacetado (PLOEG,2000).
Segundo Terluin (2003), nos estudos sobre desenvolvimento em áreas rurais três enfoques
podem ser utilizados. No primeiro o desenvolvimento rural é imposto por forças externas
e implantado em certas regiões, tendo como o exemplo o processo de modernização da
agricultura. No segundo enfoque o desenvolvimento rural ocorre a partir do endógeno,
ou seja, um desenvolvimento local gerado por estímulo locais e baseado em recursos
locais com ênfase nos atores e instituições locais, sendo exemplo os distritos industriais.
Finalmente, existe o enfoque do desenvolvimento centrado na combinação das forças
internas e externas a região onde os atores locais estão envolvidos em redes internas e
externas simultaneamente, sendo exemplo os estudos de território.
A abordagem local/ endógena do desenvolvimento rural
A noção de desenvolvimento local/endógeno emerge a partir do enfraquecimento do
Estado na perspectiva neoliberal e na onda de redução da ação nacional e ampliação da
ação política descentralizada. Tende a ser uma resposta ao desenvolvimento global, ou
seja, a globalização, a partir da ideia da elevação do local (cidades ou microrregiões) e
sua inserção na economia.
O desenvolvimento local invoca a ideia de crescimento e mudança estrutural voltada a
melhoria do bem estar social. Navarro (2001) exemplifica o desenvolvimento local a
partir da ação de organismos não governamentais que criam estratégias de ação com
populações em áreas geograficamente restritas, grupos de agricultores familiares,
construindo estratégias de resistência ao processo de modernização da agricultura.
56
O desenvolvimento endógeno permeia a noção de crescimento da economia regional
através da mobilização do potencial endógeno voltado a rendimentos crescentes. Partilha
o entendimento de fortalecimento das capacidades locais nos aspectos técnicos,
empresarias e das instituições.
Segundo Gonzalez (1998), a noção de desenvolvimento local e endógeno podem ser
aproximadas sendo ambas um contraponto a ideia de desenvolvimento regido por fatores
externos que é característica de um processo de desenvolvimento regional. É
caracterizado como um processo voluntário e combinado com a coletividade, que se
diferencia de regiões proximais e sendo pautado pela introdução de inovações que geram
valor adicionado as atividades produtivas.
Barquero (2002) entende que o desenvolvimento endógeno ocorre graças a utilização
produtiva do potencial da região. A forma de organização da produção, a estrutura
familiar, a estrutura social e os códigos de conduta da população favorecem, ou limitam,
o desenvolvimento.
O desenvolvimento local/endógeno utiliza um conjunto de recursos do local na geração
de economia de escala através da criação de redes de empresas e de relacionamentos que
juntam pequenos negócios gerando externalidades positivas comparáveis as grandes
corporações. Fortalecem as capacidades técnicas, financeiras e gerenciais locais
(BRAGA, 2013).
Existem três dimensões que devem ser atentadas no processo de desenvolvimento
local/endógeno A primeira referente ao caráter econômico focada na liberdade dos atores
de utilização eficiente dos fatores produtivos na busca de índice de produtividade
possibilitando sua concorrência externa. O segundo referente ao caráter sociocultural na
integração entre os atores com as regras locais formando um sistema denso de relações
voltado aos valores da sociedade. A terceira de cunho político apontando um conjunto de
iniciativas locais que estimule a produção e favoreça o desenvolvimento (BARQUERO,
2002).
A título de síntese é possível apreender a lógica de desenvolvimento local/endógeno a
partir de sua ênfase no aspecto econômico, sua contraposição a globalização invertendo
a escala do desenvolvimento e em sua crença no uso das forças locais na geração de
instituições focadas em industrias mais competitivas. Um forte exemplo dessa noção são
os distritos industriais.
A experiência do Vale do Silício na Califórnia EUA e distritos industriais marshalianos
na Itália são sempre citados na perspectiva de exemplo de desenvolvimento
local/endógeno. O primeiro é um fenômeno tecnológico formado a partir da massa crítica
de conhecimento gerada pela vizinhança da Universidade de Stanford e outras; o segundo
constitui um fenômeno estruturalmente histórico em uma região da Itália de fortes laços
sociais de solidariedade e permeada por uma perspectiva política comunista, ou seja, um
conjunto de traços sociais marcantes (BARROS, 2006).
A abordagem territorial do desenvolvimento
A noção de território possui um conjunto de interpretações teóricas que vão desde uma
unidade de atuação do Estado através das políticas públicas; passando pelo entendimento
de uma unidade de recursos específicos para o desenvolvimento econômico; indo a noção
57
de componente fundamental da sociedades tradicionais; e chegando a noção de produto
da ação coletiva dos atores.
Para esse estudo existe o entendimento de território como um local de construção de
projetos coletivos dos atores, em uma ação combinada através da constituição de regras
sociais, que transcende a agricultura, busca as multifuncionalidades do rural e respeita a
diversidade das famílias.
Segundo Favareto (2006) a noção de desenvolvimento territorial emerge a partir das
interpretações da nova ruralidade que derruba a separação dicotômica entre rural urbano
imputando a necessidade de uma análise relacional entre os atores e a perspectiva que o
rural não é somente agrícola.
Existem um conjunto de elementos centrais, elencados nessa nova ruralidade, que apoiam
a ideia de desenvolvimento territorial. Uma primeira dimensão abarca que o território tem
proximidade com a natureza, ou seja, existe dentro desse a possibilidade concreta de ações
de preservação da biodiversidade e da paisagem e também a construção de fontes
alternativas e renováveis de energia. Em uma segunda dimensão afasta a ideia do rural
produtor de bens primários e aponta que existem vantagens através do relacionamento do
território com as cidades próximas através da integração inter setorial no chamado
fenômeno da industrialização difusa. A terceira dimensão é que nessa nova ruralidade
existe um maior grau de inter-relacionamento pessoal através da facilidade de mobilidade
física e da informação invertendo a ideia de isolamento do rural. Finalizando uma quarta
dimensão que valoriza o conjunto de regras sociais construídas, ou seja, as instituições
existentes dentro dos grupos sociais rurais que favorecem o desenvolvimento.
Para a possibilidade de estudos sobre desenvolvimento territorial é necessário um aporte
teórico que tenha como ponto de partida a ideia de evolução de longo prazo da sociedade
e consiga dialogar com os aspectos econômicos, ambientais e sociais do
desenvolvimento. A fragmentação disciplinar das ciências dificulta essa tarefa, pois
invariavelmente existe um viés alocado dentro da economia, ou sociologia ou ecologia.
Favareto (2006) aponta que uma alternativa teórica para os estudos territoriais é a Nova
Economia Institucional-NEI em razão de produzir uma explicação para as mudanças
econômicas de longo prazo através das instituições. Essa parte da pergunta do porque
existem grandes diferenças de desenvolvimento em regiões similares? A resposta
institucional é que em determinados locais foram geradas instituições, regras do jogo, que
motivaram a continuidade do progresso.
Um dos principais autores da NEI, Douglas North, traz em suas obras que o ponto de
partida para o entendimento do desenvolvimento é a história da agricultura onde a pressão
populacional sobre a necessidade de alimento levou paulatinamente os seres humanos ao
direito de propriedade sobre as terras no sentido de uma consequente especialização para
ampliação da produção de excedentes. A sociedade para garantir essa produção alimentar
produziu instituições, no sentido de regras formais (leis) ou informais (tradições,
condutas) para garantir o direito de propriedade e os ganhos da especialização. Quanto
mais fortes e efetivas essas instituições menor é o custo de transação, ou seja, o custo de
negociar, de contratos, de garantias, pois se reduz as incertezas. Essas regras estáveis,
essa matriz institucional, com o passar do tempo produz um mecanismo de aprendizagem
crescente no sentido do desenvolvimento, o que o autor intitulou com path dependece
(FAVARETO, 2006).
A partir desse arcabouço teórico cabe o entendimento que o desenvolvimento territorial
traz uma escala especifica dos processos sociais que é o território. Emerge a partir do
58
entendimento de uma nova ruralidade. Evidencia os aspectos relacionais entre os atores
através do desenvolvimento de uma matriz institucional formada por regras sociais
formais e informais que garantem o direito de propriedade e os ganhos continuados da
especialização produtiva, e diminuindo os custos de transação em razão da redução das
incertezas. A chave para o desenvolvimento territorial está na construção de um conjunto
de instituições forte e duradouras para que emerja o mecanismo do path dependece.
Um exemplo da operacionalização da abordagem territorial é a política pública dos
Territórios Rurais desenvolvida pela Ministério do Desenvolvimento Agrário. A sua
lógica é construir dentro de espaços territoriais processos de debate e análise das
potencialidades e limites para o desenvolvimento. Utilizam um conjunto de ferramentas
de dinamização de grupos dos atores no sentido da autorreflexão e do entendimento das
principais instituições, enquanto regras e costumes, que os orientam. Nesse caminho
buscam uma ampliação de uma matriz institucional que favoreça o desenvolvimento e ao
final desse processo financiam pequenas estruturas nos pontos de gargalos identificados
pelos atores.
A título de conclusão...
Na finalização desse artigo cabe uma análise apontando os limites salientados por
diversos autores na operacionalização das abordagens do desenvolvimento local,
endógena e territorial. Cabe salientar que essa apreciação está assentada em uma
perspectiva acadêmica não refletindo uma avaliação empírica desses processos.
Para Navarro (2001), existe uma premissa falsa na abordagem do desenvolvimento local
que é a de que os atores locais estão preparados para se organizarem e encontrar soluções
para os seus problemas. O autor afirma que existem um claro limite da capacidade dos
agricultores o que os impede nos processos de desenvolvimento.
Segundo Braga (2013), existem limites a perspectiva do desenvolvimento
local/endógeno. A primeira crítica é voltada que a noção atomiza o local, ou seja,
transmite aos atores locais a carga de serem os responsáveis pelos investimentos e
controle do desenvolvimento, indo na contramão dos processos centralizados, por isso
essa abordagem é considerada um pouco ingênua; a segunda crítica é que essa noção
reduz o espaço a uma mera questão de escala e de proximidade, não propondo mudanças
nas configurações espaciais; a terceira vertente de críticas aponta que essa noção não
escapa da teoria neoclássica lhe dando apenas uma ampliação de escopo.
Segundo Favareto (2006) as críticas a noção de desenvolvimento territorial são dirigidas
em especial ao referencial teórico da Nova Economia Institucional de Douglas North. Ele
aponta que existe apenas uma ruptura parcial do pensamento da NEI em relação à
economia neoclássica que foi a base da lógica do desenvolvimento econômico. Além
disso é evidenciado que apesar da descrição com consistência das revoluções da
agricultura como base de análise o autor não explica o motivo que levou esse processo a
ocorrer em determinado local deixando a explicação vaga.
Finalizando, mesmo considerando os elementos das críticas as abordagens
local/endógena e territorial, é possível a constatação que essas buscam uma aproximação
analítica do tema do desenvolvimento envolvendo novos elementos para além da
perspectiva meramente econômica. Trazem a discussão o papel dos atores locais, suas
estratégias e modos de vidas, e consideram como fatores essenciais os elementos
59
ambientais. Esses atributos permitem um novo olhar do desenvolvimento e a
possibilidade de um conjunto de novas perspectivas de construção de processos mais
sustentáveis.
Referencias
Barquero, A.V. Desenvolvimento Endógeno em tempos de globalização. Porto
Alegre. UFRGS. 2002
Barros, A.B.G. Desenvolvimento local e Desenvolvimento endógeno: Questões
conceituais. Revista Desenvolvimento Econômico nº 14. Salvador. 2006.
Braga, T.M. Desenvolvimento local endógeno e suas aplicações na formulação de
políticas públicas municipais. 2013.
Favareto, A.J. Paradigmas do desenvolvimento rural em questão: Do agrário ao
territorial. Tese doutorado. 2006.
Gonzalez, R.R. La escala local del desarollo: definicion e aspectos teóricos. Revista
Desenvolvimento Econômico nº 1. Salvador. 1998.
Kageyama, A. Desenvolvimento Rural: conceito e medida. Caderno de ciência e
tecnologia nº 3. 2004.
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do futuro. Estudos Avançados. 2001.
Ploeg, J.D. Rural development: From practices and policies towords theory. 2000.
Terluin, I.J. Differences in economic development in rural regions of advanced
countries. Oxford. 2003
60
9 Capítulo X- Multifuncionalidade da agricultura
Introdução
Na fase de consolidação do modelo de desenvolvimento urbano-industrial a agricultura
exercia as funções que lhe eram atribuídas de produção de excedentes alimentares,
produção de commodities para geração de divisas, liberação de mão de obra para indústria
e mercado consumidor de insumos industriais (GRAZIANO SILVA, 1996).
Recentemente a academia identifica um conjunto de novos elementos na agricultura que
se passou a chamar de um “novo rural brasileiro”. Nessa nova ótica de análise é destacado
que os espaço rural não é apenas local de atividades agropecuárias. As atividades não
agrícolas passam a ser responsáveis por parcelas cada vez mais respeitáveis da renda dos
agricultores. Emergem as pluriatividades com os agricultores tipo part time que
conseguem melhores rendimentos econômicos que os agricultores monoativos agrícolas
(GRAZIANO SILVA, 1996).
Começam a perder força explicativa as noções setoriais do desenvolvimento, onde o
urbano é sinônimo de indústria e o rural é de produção agrícola. O fenômeno da
industrialização difusa promove a presença de indústrias em espaços rurais aproveitando
as vantagens comparativas de cada território. Cresce o interesse pela abordagem territorial
do desenvolvimento na busca do entendimento das dinâmicas sociais dentro do espaço
(FAVARETO, 2006).
Muitos outros novos elementos são conectados com essa nova percepção de rural como
a comercialização em circuitos curtos, a produção agropecuária de base ecológica, a
experiência de assentamentos rurais entre tantas outras.
O presente texto se insere nesse debate sobre as modificações desse novo rural. Esse se
propõe a discutir a multifuncionalidade da agricultura. Porém, antes disso traz a luz uma
interpretação, com base na Perspectiva Orientada pelos Atores, de como é formada a
heterogeneidade dentro da agricultura. Nesse sentido o objetivo central do artigo é a
análise do mecanismo de promoção da heterogeneidade sócio espacial nos territórios
rurais e a colocação de foco no fenômeno da multifuncionalidade da agricultura. A título
de conclusão são tecidos comentários de como a noção de multifuncionalidade pode ser
útil na construção de processos de Desenvolvimento Rural.
Resultados e discussões
A formação da heterogeneidade sócio espacial
Na discussão sobre a formação da diversidade sócio espacial da agricultura será utilizada
como aporte teórico a Perspectiva Orientada pelo Ator-POA (LONG; PLOEG, 1994).
61
O conceito teórico central da POA utilizado neste texto é o de ator, onde os sujeitos
sociais são entendidos como atores sociais, tendo papel ativo dentro dos processos sociais.
O ator é um sujeito ativo que processa informação e utiliza suas estratégias nas relações
sociais (GIDDENS, 1989). Os atores são dotados de capacidade de agência. Esse processo
emerge a partir da livre organização coletiva dos atores. O caminho para o
desenvolvimento é construído socialmente na interação continuada entre os atores.
A agência dos agricultores como atores sociais são partes ativas das ações utilizando
estratégias nas suas interfaces com outros atores. Nesse sentido, cada agricultor se
caracteriza como um ator que exercita suas estratégias na construção de seus projetos e
influência nas concepções dos outros atores.
A agência dos atores agricultores é exercida na participação que é comprometida com as
práticas de organização social. Os atores manifestam a sua agência na rede de relações,
sendo uma capacidade exercitada na relação social. A capacidade de agência dos atores
se cristaliza na interface entre eles e entre os mediadores dentro da arena de construção
dos projetos sociais. Nessa interface são trocadas ideias, experiências, e colocadas em
prática as estratégias de cada ator na consolidação dos projetos sociais. As interfaces entre
os atores ocorrem dentro da arena no encontro face a face, onde se enfatizam as
negociações, os conflitos e as disputas. Nessas se desenvolvem o exercício dos discursos
dos atores no sentido da intersecção das experiências (LONG, 2001).
Os atores constroem seus projetos na interface com outros atores dentro da arena. Existe
uma ampla heterogeneidade na constituição dos projetos dos agricultores. A vida social
é heterogênea abarcando uma ampla diversidade de formas sociais e repertórios culturais.
Os projetos dos atores e suas práticas são constituídos dentro da arena social. Esses
projetos entram em luta, ou disputa, dentro das arenas configurando a noção de
articulação de projetos, sendo nessa ação, na interface entre os atores, lançada mão de
estratégias, de recursos, de um repertório de discursos e modos de argumentação no
sentido da busca da hegemonia. Essa disputa entre projetos produz um gradiente de
filiação às práticas sociais de cada projeto, sendo um dos promotores da heterogeneidade
no rural. Esse processo é central na constituição de estilos heterogêneos de agricultura, a
partir da hegemonia ou não de cada um dos projetos. Essa é a raiz da constituição da
heterogeneidade entre os projetos sociais dos atores (PLOEG, 2008).
A arenas possuem uma conformação entrelaçada, partindo de uma dimensão comunitária,
onde os atores se inter-relacionam dentro das comunidades rurais e chegam a uma
dimensão territorial. Nesse percurso os atores angariam elementos de projetos articulados
com um grande grupo de outros atores. Nesse tipo de processo social a heterogeneidade
se torna uma característica intrínseca. A composição dos projetos sociais a partir dos
diversos elementos angariados na arena gera um grau amplo de projetos heterogêneos.
Nesse sentido, é possível o entendimento de que o projeto de cada agricultor é individual
único e coaduna uma série de mediações que mesclam aspectos do agroecossistema, do
grupo social e das vontades pessoais de cada família dos agricultores. O projeto social é
fruto da agência dos atores dentro da arena na busca da afirmação de seu projeto junto ao
grupo social.
A tentativa de delimitar em categorias estanques para a apreensão dos tipos e grupos do
rural invariavelmente se torna simplificadora da realidade. Essa é uma das características
observadas durante o processo de “modernização da agricultura” onde o tamanho da
propriedade ou o estrato da renda enquadravam grupos familiares dentro de mesmas
categorias, mas com um imenso grau de heterogeneidade em diversos outros aspectos.
62
Tentando vencer as limitações apontadas, Ploeg (2008) propõem um formato de
entendimento através de uma relação dinâmica entre grupos sociais rurais que possibilita
a compreensão de um conjunto de atributos e principalmente das lógicas gerais dessas
famílias rurais respeitando a diversidade sócio espacial do rural.
Um primeiro grupo é formado pelo que o autor chamou de agricultura camponesa. Essa
busca através de processos de coprodução, a ampliação da qualidade de vida da família
através de projetos sociais, que coadunam as bases ecológicas do ecossistema e as
características sociais dos agricultores. As estratégias de comercialização dos excedentes
procuram mercados curtos e descentralizados embebidos em relações sociais. Os atores
retomam as ideias de diversificação de cultivo e criações, buscando uma base
autossustentada de produção.
Um segundo grupo é intitulado pelo autor de uma agricultura empresarial. Esse tipo de
agricultura é baseado em insumos tecnológicos industriais como adubos químicos,
motomecanização e sementes melhoradas. A produção é altamente especializada e
completamente orientada ao mercado. Dependente fortemente de financiamento público
e privado para a aquisição de insumos essenciais na agricultura. O conjunto desses
aspectos tendem a uma redução da autonomia dos agricultores deixando-os a mercê do
mercado. Normalmente esse grupo é formado após processos de “modernização da
agricultura”.
O terceiro grupo é chamado pelo autor de agricultura capitalista ou coorporativo de
grande escala. Em momentos anteriores na história foi formada pelo latifúndio, donos das
terras, que possuem grande extensão de terra. Esses foram atingidos em várias partes do
mundo por processos de reforma agrária diminuindo seu tamanho. Porém na atualidade
retoma essa categoria sobre a égide do mercado agroexportador. São formadas por grupos
empresariais que utilizam mão de obra assalariada para o desenvolvimento da agricultura.
A produção é voltada para a maximização do lucro formada por conglomerados.
Ploeg (2008), afirma que a diferença central entre esses três grupos de agriculturas não
está assentada na escala e no tamanho da propriedade, mas sim na forma de estruturar o
social e o material na agricultura. O autor explica que os agricultores empresariais se
relacionam diferentemente dos outros dois tipos com o processo de produção, estando
muito mais distantes, não havendo envolvimento cultural ou social na agricultura. Os
modos de produção dos camponeses, por exemplo, são muito diferentes em relação aos
capitalistas e empresariais. Eles exercem um processo de coprodução com a natureza
buscando nela o máximo de insumos e buscando arranjos que permitam a
sustentabilidade. Em suma, essas agriculturas se constituem em três categorias sociais
diferenciais.
Porém, essas categorias não estão estanques no tempo e no espaço. O autor aponta que
elas estão em uma relação dinâmica. A ruptura da lógica social e a valorização dos
mercados acima das relações sociais foram captadas por Ploeg (2008), quando esse
propõe a noção de descampesinização. Esse conceito expressa a dinâmica que se
caracteriza pelo enfraquecimento, erosão e até desaparecimento das práticas e
racionalidades camponesas, se aproximando de uma racionalidade empresarial, ou seja,
ações dirigidas pelo mercado autorregulado. Por outro lado, esse descreve a noção de
recampesinização como o processo de emergência de uma gramática articulada, mais
coerente e mais abrangente fortalecendo as relações socioeconômicas autossustentadas.
O objeto central do processo é a ampliação da autonomia distanciando de uma
racionalidade ditada pelo mercado.
63
Tomando esse conjunto teórico como uma lente para análise do rural se torna perceptível
o alto grau de heterogeneidade existente entre cada família rural, ou seja, não existem
propriedades rurais iguais, cada uma reflete um projeto social diferentes.
Os projetos das famílias são construídos dentro das arenas sociais através de uma “luta
pelos projetos” desenvolvidos pelos mais diversos atores sociais através do discurso. Isso
permite que cada ator agregue pedaços de projetos de outros atores. Essas arenas de
construção de projetos possuem dimensões locais, do ponto de vista comunitário, e
dimensões territoriais. Esse aspecto conecta a dimensão territorial a vida social dos
agricultores.
A relação entre as agriculturas camponesa, empresarial e capitalista não são estanques.
Existe uma dinâmica social que pode aproximar agricultores empresariais e capitalista de
uma lógica camponesa chamado de recampesinização. Por outro lado, emergem ações
voltadas a intensificação do uso de insumos industriais, ampliação do grau de
especialização em cultivos e criações e aumento da influência do mercado na tomada de
decisão da família com a consequente redução da autonomia levando ao processo
chamado de descampesinização.
Os elementos apresentados nessa seção promovem indícios da complexidade, diversidade
e heterogeneidade que a agricultura é entendida na atualidade. A partir desse arcabouço
iremos analisar o fenômeno da multifuncionalidade da agricultura.
A noção da multifuncionalidade da agricultura
A emergência da noção de multifuncionalidade da agricultura acontece através de várias
frentes dentro dos estudos de Desenvolvimento Rural, como por exemplo, nas análises
das externalidades sociais, ambientais e culturais ocorridas dentro do processo de
“modernização da agricultura”; no mesmo período estava amadurecendo na sociedade a
ideia força de Desenvolvimento Sustentável gerando uma sintonia dentro da academia
desses debates; e também como fonte geradora podemos lembrar os estudos sobre a
importância das atividades não agrícolas dentro do rural, como o projeto Rurbano
desenvolvido por Jose Graziano da Silva na década de 90.
A questão central levantada por todas essas frentes apontava que o rural não era sinônimo
de agrícola. Dentro do espaço rural existiam um conjunto de atividades agrícolas e não
agrícolas exercidas por seus atores. Dentro dessas reflexões emergia a noção da
pluriatividade dos agricultores onde a renda familiar estava sendo composta por um
arranjo composto pela produção agropecuário e por um conjunto de outras atividades não
agrícolas dentro ou fora da propriedade e por um ou mais membros da família
(SCHNEIDER,2003).
Do mesmo modo foi amadurecida a noção de que a agricultura não era apenas responsável
pela produção de alimentos e fibras, existiam funções ligadas a segurança alimentar e a
sustentabilidade dos agroecossistemas. No Brasil esse debate se aproximou dos debates
de consolidação da categoria social da Agricultura Familiar, sendo ela um ator central na
produção de alimentos para segurança alimentar e nos arranjos socioeconômicos dentro
do agroecossistema. A noção de multifuncionalidade se caracteriza como uma forma de
evidenciar as diversas funções da agricultura na estratégia de desenvolvimento
(CARNEIRO; MALUF, 2003).
64
Dentro da academia a emergência da noção de multifuncionalidade esteve associada a um
debate de duas abordagens que entendiam papeis e funções diferentes dos camponeses.
A primeira que entende que para os agricultores a produção agropecuária é uma dimensão
da sua vida e uma forma de viabilização da reprodução social. Essa abordagem enfoca os
estudos no entendimento da lógica das famílias rurais. A segunda coloco o centro de
análise na abordagem da produção agropecuária, colocando a família na condição de
produtor agropecuário ligado as regras gerais do mercado a busca do lucro. Somente para
o primeiro caso faz sentido a análise das outras funções para a agricultura.
A noção de multifuncionalidade amplia o campo das funções sociais da agricultura para
além da produção agropecuária incorporando aspectos sociais, culturais, ambientais
envolvidos nas atividades agrícolas e não agrícolas (CARNEIRO; MALUF, 2003).
Para Wanderley (2009) o rural deixa de ser unicamente um espaço de produção e passa a
ser considerado um espaço de vida. Existe um rompimento com o enfoque setorial vindo
da economia. Passa-se a valorizar a agricultura na preservação da paisagem, na
manutenção da cultura, promoção da segurança alimentar, no sentido da coesão social e
geradora de emprego e renda.
O fato é que a multifuncionalidade é um enfoque que permite a melhor compreensão da
realidade rural brasileira funcionando como uma nova lente para estudos na área e apoio
na formulação de políticas públicas. Tem a pretensão de trazer uma nova síntese para as
múltiplas dimensões envolvidas nas atividades agrícolas e não agrícolas, na reprodução
social das famílias e nas formas de ocupação social do espaço agrários, sendo esse o ponto
de conexão com a noção de território (CARNEIRO; MALUF, 2003).
Na operacionalização da noção de multifuncionalidade da agricultura em espaços
empíricos de estudos se torna necessário que o foco se desloque da produção agropecuária
para a família rural, sendo essa entendida como unidade de produção e consumo e que
tem como objetivo a reprodução social (CHAYANOV, 1974).
Segundo Carneiro e Maluf (2003) o enfoque multifuncional permite colocar no mesmo
quadro analítico diversos elementos e fatos sociais que compõem o universo social
agrário. Os autores propõem que em estudos empíricos seja buscada a compreensão da
multifuncionalidade da agricultura através da observação de quatro grupos de elementos,
sendo ele:
O primeiro grupo de análises está direcionado ao entendimento da lógica de reprodução
social das famílias buscando averiguar as fontes geradoras de emprego e renda de todos
os membros familiares, tanto ligados a atividades agrícolas e não agrícolas. Também é
buscado o entendimento das possibilidades de sucessão familiar através da averiguação
das condições de permanência dos jovens através da possibilidade de sociabilidade e a
seu grau de autonomia.
O segundo grupo de apreciações é centrado na segurança alimentar. Este campo analítico
abrange tanto a produção para o autoconsumo familiar através de cultivos e criações
voltados a manutenção familiar, como a produção mercantil de alimentos. São abrangidos
aspectos tecnológicos a produção, como por exemplo os cultivos de base orgânica, bem
como o entendimento dos canais de comercialização. Aqui são salientados os circuitos
curtos de comercialização como feiras, mercado local, cooperativas da agricultura
familiar e políticas públicas como Programa Nacional de Alimentação Escolar-PNAE e
o Programa de Aquisição de Alimentos-PAA. Esses espaços de mercado têm
características de serem socialmente mediados e reconectarem aspectos de sociabilidade
do grupo ampliando a autonomia das famílias de agricultores.
65
O terceiro grupo de analises está voltado a manutenção do tecido social e cultural. Esse
campo tem referência na manutenção da vida social das comunidades rurais na busca de
sua legitimação e sua conexão com o estrato territorial. As comunidades rurais são as
arenas locais de interface entre os atores sociais na construção conhecimento através da
luta entre os projetos sociais (LONG,2001). Essas dinâmicas sociais são responsáveis
pela legitimação da identidade social e da promoção da integração sociais fundamentais
em processos de Desenvolvimento Rural.
O quarto grupo de apreciações está voltado ao aspecto ambiental pensando a preservação
dos recursos naturais e a da paisagem rural. Essa dimensão analisa o cuidado com a
biodiversidade entendendo como uma riqueza dos grupos sociais, a preservação dos
recursos naturais na atividade da agricultura e a cautela com a paisagem do território.
Nesse caminho as questões ambientais ganham sentindo como uma função da agricultura
em contraponto a posição dicotômica colocada quando são pensados o ambiente e a
produção agrícola na perspectiva econômico-produtivista.
Nos termos pensados através das quatro dimensões propostas por Carneiro e Maluf (2003)
existe a ampliação do universo de análise para além da dimensão econômica da produção
agropecuária. Essa opção permite visualizar as diferentes participações da agricultura na
renda familiar (agrícolas e não agrícolas), assim como as relações com a dinâmica social
das famílias incluso a preocupação com a sua sucessão. A conexão com dinâmica do
território enquanto espaço de relações dos atores e a relação da articulação da sociedade
com a natureza na preocupação ambiental e da preservação da paisagem se tornam claras
e fazem sentido dentro das novas funções de uma agricultura multifuncional.
A título de conclusão...
O entendimento da diversidade sócio espacial da agricultura, que foi o tema explorado na
primeira seção desse texto, permite a compreensão que existem múltiplas dimensões
analíticas quando se propõem um processo de Desenvolvimento Rural em determinado
território.
A heterogeneidade das agriculturas é extrema podendo chegar ao limite do entendimento
que cada projeto social de cada agricultor é único e foi construído dentro da dinâmica da
articulação de projetos dentro das arenas. Em um esforço de categorização levando em
conta essa complexidade e vários atributos, Ploeg(2008) propôs as categorias sociais da
agricultura camponesa, empresarial e capitalista/corporativa que possuem um dinamismo
entre elas através dos processos de descampesinização e recampesinização.
Um dos fenômenos que emergem a partir dessa nova ótica de entendimento do rural é a
multifuncionalidade da agricultura. Essa noção se propõe a auxiliar na construção de
políticas públicas captando essa diversidade sócio espacial. Nesse sentido tem um caráter
pragmático de apoio na compreensão das lógicas internas dos territórios nos processos de
Desenvolvimento Rural.
Nesse aspecto quando se planeja uma intervenção via mediadores sociais, por exemplo
da extensão rural, em projetos de desenvolvimento e se pretende problematizar com os
agricultores a formação da sua renda necessariamente emerge o entendimento da
existência de arenas onde os atores constroem seus projetos sociais. Essas arenas têm
dimensões comunitárias e territoriais que estão conectadas. Existe uma vida social e
cultural dos agricultores e a sua manutenção é uma das novas funções da agricultura. Essa
66
perspectiva modifica a forma de ação dos mediadores, de uma postura impositiva de
caráter difusionista, para uma participativa voltado ao debate dentro das arenas. O local
de ação dos mediadores também se desloca, da propriedade rural nos processos de difusão
tecnológica, para a comunidade e para o território nos processos participativos.
A possível proposta dos mediadores de modificação de um sistema de produção no
sentido da alteração da renda deve estar balizada pelos aspectos da manutenção ambiental
e preservação da paisagem (outra nova função da agricultura) e apoiado na perspectiva
de um processo de recampesinização. Nessa a base ecológica dos cultivos e criações e a
manutenção da biodiversidade se tornam centrais. A agricultura camponesa esta pautada
na coprodução dentro do agroecossistema.
Essa modificação no sistema de produção deverá analisar o impacto dentro da produção
do autoconsumo familiar como, por exemplo, na competição pelo tempo dos agricultores.
E também tomar em conta a questões da comercialização em circuitos curtos visando a
ampliação da autonomia das famílias.
Finalizando, uma simples proposta de ação dos mediadores sociais para modificação de
um sistema de produção voltada a ampliação da renda nessa nova perspectiva de
entendimento da ruralidade, que envolve a diversidade sócio espacial e a noção de
multifuncionalidade, se torna uma sugestão que exige uma análise sistêmica e holística
com uma alta complexidade, mas que possui um maior grau de aproximação com a
realidade da agricultura.
Referencia
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agricultura familiar. NEAD. Rio de Janeiro. 2003.
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