Anais ISSN online:2326-9435
XXIII SEMANA DE PEDAGOGIA-UEM XI Encontro de Pesquisa em Educação
II Seminário de Integração Graduação e Pós-Graduação
CINEMA, GUERRA E REPRESENTAÇÕES: O FILME EM SALA DE AULA
BARBIERI, Rafaela Arienti
SILVEIRA, Fernanda da
ANDRADE, Solange Ramos de. (Orientadora)
Universidade Estadual de Maringá
Educação e Diversidade
INTRODUÇÃO
A partir das análises de autores como Ronald Bergan (2012), Philip Kemp (2011),
Alexandre Valim (2006) e Marc Ferro (1975) é possível compreender que o desenvolvimento
do cinema está, em vários momentos, relacionado ao fenômeno da guerra. Suas representações
foram utilizadas enquanto instrumentos de propaganda e como meio de defesa dos ideais de um
Estado específico, o que se aplica não apenas ao cinema Hollywoodiano como também ao
polonês, francês, soviético e alemão, por exemplo. A guerra pode tanto auxiliar no
desenvolvimento do cinema, à elaboração de gêneros, quanto prejudica-lo financeiramente,
dependendo de qual lado do conflito os estúdios encontram-se.
Partindo deste pensamento, o objetivo do presente trabalho é apresentar o surgimento
do aparelho que reproduz movimento e que paulatinamente transforma-se no que hoje
conhecemos como cinema, dialogando com a possibilidade da área de história pensa-lo como
fonte, por meio das análises de Edgar Morin (2008), Anne Goliot-Lété (1994) e Francis Vanoye
(1994). Tendo em vista tal abordagem, conduzimos a análise para as possibilidades do uso do
cinema em sala de aula, mais especificamente os filmes que discutem temáticas vinculadas à
guerra e como diversos conflitos podem influenciar na indústria cinematográfica de seu
período. Porém, não buscamos apresentar essas produções enquanto ilustrações do conteúdo
didático ou formas de mostrar o que “realmente aconteceu”, mas sim enquanto representações
que partem do real, que possuem objetivos e um público que visam atingir e, por isso, não
devem ser interpretadas enquanto espelhos da realidade.
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Do cinematógrafo ao cinema: mudanças na narrativa
As reflexões de Flávia Casarino Costa (2006) auxiliam na compreensão de que o cinema
conhecido hoje não é algo inventado apenas em um lugar do mundo, uma vez que o aparelho
que projeta movimento foi uma invenção feita em vários locais no hall de invenções do século
XIX. Neste período, alguns inventores começaram a divulgar os resultados de suas pesquisas
na busca da projeção de imagens em movimento, sendo que na França foram registradas em
1896, 129 patentes de achados cinematográficos, e 50 na Inglaterra:
[...] o aperfeiçoamento nas técnicas fotográficas, a invenção do celuloide (o primeiro
suporte fotográfico flexível, que permitia a passagem por câmeras e projetores) e a
aplicação de técnicas de maior precisão na construção dos aparatos de projeção.
(COSTA, 2006, p. 18).
No mesmo sentido, Morin indica que é impossível localizar a paternidade do cinema no
nome de um país ou indivíduo, na medida em que na França, Estados Unidos, Dinamarca,
Suécia, Alemanha, Rússia, filmavam-se cenas reais e as projetavam, realizando paulatinamente
descobertas semelhantes. (MORIN, p. 68). Em 1889 já identifica-se a câmera de Etiènne-Jules
Marey em Paris; 1893, Thomas Edison registrou a patente do quinetoscópio nos Estados
Unidos; em 1895 os irmãos Mas e Emil Skladanowsky fizeram uma exibição de 15 minutos do
bioscópio, seu sistema de projeção de filmes, em Berlim; por fim, também em 1895, os irmãos
Auguste Lumière (1862-1954) e Louis Lumiére (1864-1948) realizaram em Paris uma
demonstração do cinematógrafo. Tais aparelhos sofreram modificações em sua estrutura, no
tornando-se mais leves e facilitando o transporte. Segundo Morin, por exemplo, o praxiscópio
de Pateau se transformou em xootropo, lanterna mágica animada com projeção em tela e
desenho animado. (COSTA, p. 18-19), (MORIN, p. 27).
Conforme as companhias são criadas, acompanhadas pelas produtoras e distribuidoras,
a forma de filmar modifica-se. É nesse momento que os autores apresentam alguns movimentos
artísticos específicos e gêneros cinematográficos que viabilizam a percepção do quanto um
enquadramento pode possuir significados diferentes conforme a intenção daquele que o utiliza.
Mas além disso, todas essas mudanças, interações, descobertas de formas de montagem e
edição, a modificação da representação do tempo e do espaço na narrativa, são elementos que
gradativamente diferenciam o cinematógrafo do cinema. De acordo com Edgar Morin (2014),
uma das características do cinema é a fragmentação da cronologia; o tempo torna-se mais fluido
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na narrativa, é submetido a compressões, alongamentos, velocidades distintas e retrocessos.
(MORIN, p, 78-79).
Enquanto Costa, Vanoye e Goliot-Lété argumentam sobre o desenvolvimento de uma
linguagem cinematográfica, Morin distingue a narrativa do cinematografo e do cinema.
Apoiando-se em Georges Méliès (1861-1938), Morin argumenta:
[...] a essa passagem do cinematógrafo para o cinema, vamos encontrar no engendrar
de seus [Méliès] filmes a prestidigitação (trucagens) e, no resultado final, a fantasia;
mas, mais que isso, descobriremos que o primeiro truque, a operação que inicia a
transformação do cinematógrafo em cinema é uma metamorfose. (MORIN, 2014, p.
74).
A montagem, ou seja, o conjunto de elementos compostos por diferenciação de plano
segundo a distância entre a câmera e o objeto, movimentos da câmera, uso de cenários, efeitos
especiais de iluminação, fusões, sequências, e sobreposição de imagens, por exemplo, é o que
começa a provocar as distinções entre o cinematógrafo e o cinema. Segundo Morin, o tempo
do cinematógrafo possuía grande semelhança com o tempo cronológico real, enquanto o cinema
expurga e fragmenta a cronologia. (MORIN, p. 78).
O tempo do cinema é mais fluído, submetido a compressões e alongamentos, dotado de
velocidades diferentes e retrocessos, “o tempo é literalmente trucado pelo que chamamos de
câmera acelerada e câmera lenta”. (MORIN, 2014, p. 79). Na medida em que o tempo modifica-
se, o ambiente também sofre alterações, suscita um “[...] universo também fluido onde tudo
passa pela metamorfose”. (MORIN, 2014, p. 80).
Pensando nessas mudanças temporais, ainda destaca-se que o tempo do filme não é o
presente, mas um passado-presente, o que caminha em direção as análises do caráter das
imagens e sua propriedade evocativa feitas por Sandra Pesavento (2008). A autora compreende
que através de uma operação mental e artes da memória, presentifica-se uma ausência capaz de
tornar presente “[...] a forma, a cor, o conteúdo e, até mesmo, o som e o cheiro de algo ou
alguém. [...] Tais processos de representação visual e mental da realidade exemplificam bem o
caráter de representação da imagem. (PESAVENTO, 2008, p. 103). Em um raciocínio
semelhante, Marcel Martin (2005) afirma a localização da imagem fílmica no presente, porém,
ela é ao mesmo tempo, “[...] o passado perfeito, o imperfeito, eventualmente o futuro, não são
senão o produto da nossa apreciação colocada perante os meios de expressão fílmica cujo
significado aprendemos a ler”. (MARTIN, 2005, p. 30, grifo do autor).
Essa recuperação do passado por meio do cinema, nessa temporalidade e espaços
fluidos, constrói um
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Tempo mágico em certo sentido. Mas em outro sentido, tempo psicológico, subjetivo,
efetivo, tempo cujas dimensões – passado, presente, futuro – se encontram
indiferenciados, em osmose, como na mente humana, para a qual o passado-
lembrança, o futuro imaginário e o momento vivido estão simultaneamente presentes
e confundidos. Esse tempo bergsoniano, essa vivência indefinível, é definido pelo
cinema. (MORIN, 2014, p. 83).
A câmera possui o papel de transgredir a unidade de lugar, sendo que em termos de
plano ou do conjunto da montagem, o filme é “[...] um sistema de ubiquidade integral que
permite transportar o espectador para qualquer lugar ponto do tempo e do espaço” (MORIN,
2014, p. 84). Os recursos como o travellig1, ou ainda a sequência entre dois planos, é um truque
de metamorfose que no cinema é distinto do cinematógrafo, constitui um universo realista onde
“o tempo adquiriu a circularidade do espaço e o espaço, os poderes transformadores do tempo.
(MORIN, 2014, p. 86). Esse mesmo universo realista ainda conta com um cenário que não
possui a aparência de um cenário, “[...] mesmo (e principalmente) quando foi reconstruído em
estúdio, ele é coisa, objeto, natureza”. (MORIN, 2014, p. 87).
O cinema confere a fluidez do espaço e do tempo aos objetos que compõem a narrativa,
dilatando ou reduzindo-os, em jogos de luz, sombra e movimento, “insufla-lhes as potências
dinamogências que secretam a impressão de vida” (MORIN, 2014, p. 88). Os objetos passam a
viver, falar, agir e interpretar: “na tela, nada de natureza morta: é o revolver e a gravata do
assassino que cometem o crime tanto quanto ele”. (MORIN, 2014, p. 90).
Tal arcabouço do cinema ainda atribui ao próprio homem, segundo Morin, uma carga
cósmica, cosmomorfismo, “o rosto se torna médium: expressa as tempestades marítimas, a
terra, a cidade, a fábrica, a revolução, a guerra. O rosto é paisagem”. (MORIN, 2014, p. 93).
Ainda nesse sentido, o autor defende que
[...] o cinema implica antropomorfismo e cosmomorfismo, não como duas funções
separadas, mas como dois momentos ou dois polos de um mesmo complexo. O
universo fluido do filme pressupõe transferências recíprocas incessantes entre o
homem, microcosmo, e o macrocosmo. (MORIN, 2014, p. 93, grifo do autor).
Enquanto Morin compreende o desenvolvimento das técnicas de montagem enquanto
um parâmetro que diferencia o cinema do cinematógrafo, Jean-Claude Carrière (2006)
argumenta que foi na relação invisível entre uma cena e outra que o cinema gerou uma nova
linguagem. (CARRIÈRE, 2006, p. 17). Apesar de adotarem duas formas distintas de
interpretação, Morin e Carrière não estão necessariamente em contradição. Ambos indicam
1 Inventado por um operador de câmera em 1896, o travelling é o movimento de câmera sobre uma superfície,
dessa forma, ela não se mantém fixa e move-se pelo cenário. Pode deslocar-se, mantendo a mesma distância e o
mesmo ângulo ao objeto, aproximando-se ou afastando-se, ou ainda contornando personagens ou objetos.
Disponível: https://luisteves.wordpress.com/video/planos-e-movimentos-de-camara/ Acesso: 14/09/2017
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profundas mudanças provenientes da montagem e edição: “[...] o cinema, provido de novas
armas de óbvio potencial, logo forçou caminho no mundo das ideias, da imaginação, da
memória e dos sonhos de seus personagens”. (CARRIÈRE, 2006, p. 18). Da mesma forma que
Morin, Carrière destaca as mudanças provenientes no espaço, resultado de um simples
deslocamento de vista, onde um rosto, os olhos do ator, projetam e recebem sinais que
organizam a narrativa e criam sentimentos. “As imagens falam através do olhar”. (CARRIÈRE,
2006, p. 20)
O cinema e a guerra
O fenômeno da guerra pode ser parte do enredo cinematográfico ou compor o contexto
histórico que influencia uma produção fílmica. Um pouco antes da Primeira Guerra Mundial
(1914-1918), uma mudança de vários produtores independentes para oeste de Los Angeles
iniciou a formação do que hoje conhecemos como Hollywood. Foi aproximadamente no mesmo
período que a surgem a Universal Studios (1915), financiada por Carl Laemmle, e a United
Artists Corporation (1919), fundada por Charlie Chaplin, Mary Pickford, Douglas Fairbanks e
D.W. Griffth. (BERGAN, p. 19). Durante a guerra, o cinema tornou-se
[...] uma ferramenta para fazer propaganda da guerra e recrutar soldados.
Diferentemente do que nos acostumamos a ver em canais como a rede norte-
americana CNN, as cenas retratadas não eram imagens em tempo real. Segundo Felix
Schürmann, um dos coordenadores do projeto, proibições de filmagens impostas pelos
militares e uma série de limitações técnicas, como por exemplo o tamanho e o peso
dos equipamentos, impediam uma cobertura próxima dos combates. Por isso, a ação
tinha que ser capturada a partir de um ponto de vista fixo e distante. Mesmo assim, o
filme-batalha tornou-se um gênero em si mesmo. Edições mostrando grandes
operações de guerra eram imensamente populares com o público de cinema. E,
autênticas ou não, essas representações foram largamente utilizadas como ferramentas
de propaganda para reforçar as noções de superioridade militar e moral sobre as forças
opostas. (MARIUZZO, 2014)
Segundo Bergan, é após a Primeira Guerra Mundial que a prosperidade da indústria
cinematográfica na França e Itália cede espaço para a crescente importação de filmes
americanos. Do lado europeu, no período posterior à Revolução Russa (1917) marcada pela
guerra externa e civil, fome, distúrbios políticos, sociais, econômicos e instabilidade
institucional fomentaram a criatividade no âmbito cinematográfico. Segundo Kemp, muitos
produtores, cineastas e atores da geração pré-Outubro de 1917 haviam fugido da Rússia:
Durante os primeiros anos da era soviética, o circuito de exibição nacional se viu em
maus lençóis, com distribuidores e estúdios no limbo, à espera da nacionalização, e
estoques de película praticamente inexistentes até um acordo de exportação com a
Alemanha em 1922. A importação de filmes estrangeiros, que dominava o mercado
antes e 1917, cessou e a produção nacional ficou paralisada. (KEMP, 2011, p. 55)
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É nestas condições que uma nova geração de cineastas ganha oportunidade e liberdade,
realizando filmes de propaganda (agikti) por meio de uma combinação de película já existentes
com cinejornais e cenas documentais recém-filmadas. Tais produções eram exibidas em trens
equipados com telas de cinema, enviados para regiões isoladas do país:
Lev Kuleshov (1899-1970), Pudovkin Eiseinstein e Vertov, assim como os diretores
Leonid Trauberg (1902-1990) e Grigori Kozintsev (1905-1973), trabalharam nesses
filmes panfletários. A experiência de realizar obras destinadas a plateias em grande
parte iletradas, com fins educativos e ideológicos, teve um efeito profundo e formativo
em sua posterior abordagem radical dos aspectos estilísticos, intelectuais e estéticos
do cinema. (KEMP, 2011, p. 55).
Após a Segunda Guerra, identifica-se na Alemanha, até os nazistas assumirem o poder,
uma conscientização a respeito das tendências sociais e políticas. Por sua vez, na União
Soviética, predominava o denominado realismo socialista, “[...] interpretação ideológica da
história contada de forma direta e sem imaginação” (BERGAN, 2012, p. 30), o qual direcionava
os artistas à seguirem a linha ideológica do partido.
Já para Hollywood, o ano de 1930 teve recordes de bilheteria, para em 1931 a depressão
dos anos anteriores alcançar o cinema e fazer as arrecadações despencarem. Os denominados
filmes “B”, de baixo orçamento, surgem nesse momento, financiadas por produtoras como
Monogram, Republic, Columbia Pictures e Universal Pictures. Ainda na década de 1930,
Hollywood regulariza o Código de Produção (Código Hays), que dura aproximadamente até
1968. De acordo com Luiz Nazário (2007), o Código Hays impedia que a simpatia do público
fosse dirigida para o lado do crime, do erro, do mal e do pecado. O cinema devia mostrar
modelos de vida corretos e respeitar as leis divinas, natural e humana. A exposição da violência
era limitada ao máximo; desestimulava-se abordar suicídio, uso de drogas, rapto de crianças,
crueldade contra animais; homossexualidade, sexo ilícito e adultério estavam proibidos: as
instituições do casamento e do lar sendo sagradas, não se aceitavam relações casuais ou
promíscuas. Danças, alusões, gestos e palavras obscenas estavam banidos, assim como a nudez
de fato ou em silhueta. (NAZÁRIO, 2007).
O código começou a se enfraquecer em 1953 e foi durante os anos 1960 que sua
aplicação tornou-se insustentável e o Código de Produção foi definitivamente abandonado em
fins da década2. Já o Studio System teve seu auge entre 1932 e 1946 sendo o período que a
história do filme se confundiu com a história de Hollywood. Com o Studio System, todos os
2 Junto a decadência do Código de Produção, o Sistema da Associação dos Estúdios de Cinema dos Estados Unidos
(MPAA) classifica os filmes como Livre, Adulto, Restrito e “X”. (KEMP. 2011, p. 295).
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integrantes da produção (diretores, atores e roteiristas) ficaram diretamente subordinados às
ordens do produtor – a peça fundamental de todo esse sistema.
Os EUA permaneceram neutros na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) até o
bombardeio de Pearl Harbor (1941). De acordo com Bergan, a guerra na Europa ameaçava o
mercado importador de filmes de Hollywood: “a venda de produtos para as nações do Eixo –
em especial Alemanha, Itália e Japão – foi quase nula em 1937 e 1938, mas cerca de 1/3 de seu
lucro ainda vinha do exterior, particularmente do Reino Unido, seu único verdadeiro mercado
no final de 1940”. (BERGAN, 2012, p. 36). Em 1940 na França, a indústria cinematográfica
passou para o controle nazista, o qual baniu filmes em inglês.
Neste momento, o Reino Unido estava marcado por filmes de propaganda, como
Londres Pode pegá-lo3 (1940), Querer e Vencer4 (1942) e Por um Ideal5 (1942), bem como
pelos documentários como Henrique V6 (1944), dirigido por Laurence Olivier às vésperas da
invasão britânica à França ocupada, fazendo uso do fervor patriótico da peça de Shakespeare:
“entre 1939 e 1945, a bilheteria semanal triplicou no Reino Unido”. (BERGAN, 2012, p. 37).
Imagem 01: divulgação de Querer e Vencer (1941). Disponível:
https://www.imdb.com/title/tt0033621/mediaviewer/rm195957504 Acesso: 26/05/2018
Identificam-se ainda filmes pró-Eixo, como Além da Vida7 (1943), dirigido por Jean
Delannoy e lançado pela Film André Paulvé, bem como uma produção alemã de 1.100 longas
durante o regime nazista, entre eles, vários deles antissemitas. Durante a década de 1930 o
controle da produção cinematográfica da Alemanha foi dado a Joseph Goebbels:
Foi graças a ele que a propaganda nazista explícita nas telas alemãs ficou restrita em
grande parte aos cinejornais. Porém, enquanto a campanha que sancionava
oficialmente a perseguição às minorias ganhava impulso após a Noite dos Cristais em
1938, Goebbels supervisionou a produção de quatro longas-metragens antissemitas –
3 London Can Take It
4 The Foreman Went to France
5 The First of the Few
6 The Chronicle History of King Henry the Fifth with His Battell Fought at Agincourt in France 7 L’éternel retour
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culminando em 1940 com O Judeus Süss e o abjeto documentário O Eterno Judeu.
(KEMP, 2011, p. 138)
Imagem 02: cartaz de O eterno Judeu (1940). Disponível:
https://www.imdb.com/title/tt0156524/mediaviewer/rm2355894784 Acesso: 26/05/2018.
Nesse sentido, o conflito também favoreceu Hollywood, sendo que o governo passou a
perceber o cinema nacional como uma forma de “[...] diversão, informação, apoio moral e
propaganda – para a população e para as tropas”. (BERGAN, 2012, p. 38). Em 1942, 1/3 das
produções em longa metragem hollywoodianas falavam sobre Pearl Harbor. John Ford, Frank
Capra, John Hudson e William Wyler fizeram documentários sobre a guerra ou filmes de
treinamento. Criada neste mesmo ano, a Agência de Inteligência de Guerra dos Estados Unidos
foi fonte de propaganda durante a Segunda Guerra Mundial, coordenando seus esforços com os
da indústria do cinema.
Neste mesmo momento, a indústria cinematográfica europeia sofria o impacto do
crescimento americano na área. A produção de Hollywood atingiu o ápice entre 1943 e 1946,
apesar da redução da produção dos estúdios de 50 títulos anuais para 30, ficando em filmes
maiores e exibindo-os por mais tempo:
O cinema oferecia uma fuga fácil e barata das longas horas de trabalho, austeridade e
notícias devastadoras. Filmes de faroeste, musicais em Technicolor e comédias
sofisticadas tornaram-se calmantes. Para serem atuais, os gêneros tradicionais como
filmes de gângsteres e suspense punham um nazista ou quinta-colunista no lugar dos
vilões tradicionais. (BERGAN, 2012, p. 39).
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Após a finalização do conflito e a polarização do panorama político entre a URSS e os
Estados Unidos, a Guerra Fria (1945-1991) também influencia a produção cinematográfica do
contexto. Do lado estadunidense, Joseph McCarthy investiga uma possível infiltração
comunista na indústria do cinema e a HUAC (Comitê de Atividades do Antiamericanas do
Congresso) realiza em 1947 audiências públicas para interrogar testemunhas. Neste
movimento, mais de 300 artistas e técnicos do cinema caíram na lista negra, tiveram seus
contratos revogados e carreiras encerradas. (BERGAN, p. 43). Segundo Alexandre Valim
(2006):
Durante o período mais tenso da Guerra Fria, entre 1945 e fins da década de 1950,
alguns estúdios estadunidenses diminuíram a produção de filmes considerados de boa
qualidade e de conteúdo social, olhados com suspeita por setores mais conservadores
da sociedade. Passaram a colocar no mercado, atendendo à sugestão ou mesmo
imposição desses setores, incluindo-se no rol conhecido posteriormente como filmes
b. Muiros filmes contribuíram para construir ou reforçar o estereótipo clássico do
“comunista comedor de criancinhas” e não apenas nos Estados Unidos, já que a
produção de Hollywood era dominante nas telas do mundo. (VALIM, 2006, p. 50)
Ainda no período final da Segunda Guerra Mundial, a política do governo de Franklin
Delano Roosevelt contribuiu para a construção de representações positivas dos soviéticos, até
então importantes aliados. Os filmes de propaganda sobre os inimigos estadunidenses e sobre
a coragem de seus aliados foram supervisionados pela Divisão Cinematográfica do U.S Armý
Signal Corps. Algumas produções são destacadas por Valim como Missão em Moscou 8(1943),
The North Star 9(1943) e O Menino de Stalingrado 10(1943). Porém, após mudanças nas
políticas interna e externa estadunidense com a finalização da guerra e a chegada de Harry S.
Truman à presidência dos Estados Unidos, tais filmes simpáticos aos soviéticos passaram a ser
considerados como subversivos, sendo seus diretores, atores e roteiristas alvos da HUAC:
Durante as audiências do HUAC em 1947, membros do Comitê, incluindo Rixard
Nixon, deixaram claro que os estúdios deveriam produzir filmes anticomunistas,
assim como fizeram filmes antinazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Em uma
palestra militar proferida em Washington em 1947, a preocupação com o avanço da
propaganda comunista estava bastante explícita, indicando a percepção de que o
cinema poderia vir a ser um importante campo de batalha entre EUA e URSS.
(VALIM, 2006, p. 53).
Estre os filmes com tal temática, pode-se destacar Ninotchka (1939), comédia dirigida
por Ernest Lubitsch e interpretada por Greta Garbom, relançada em 1947 anunciando uma
intensificação da abordagem (VALIM, p. 54). Em A Cortina de Ferro11 (1948), “contendo
8 Mission to Moscow. 9 Estrela do Norte 10 The Boy From Stalingrad. 11 The Iron Curtain
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elementos da narrativa documental e fortemente influenciado pelas tensões políticas e sociais
do contexto de sua produção, o filme tratou um de um caso real de espionagem soviética
ocorrido no Canadá entre 1945 e 1946”. (VALIM, 2006, p. 55). A Ameaça Vermelha12 (1949)
e Fui Comunista para o F.B.I13 (1951) são outros exemplos de produções do período que
encaixam-se na temática em questão. Já o cinema soviético do pós-guerra foi mais fraco em
número, recuperando-se apenas em 1953 com a morte de Stálin e o discurso de Kruschev de
1956 contra aspectos do Stalinismo. Entre as produções do período estão Quando Voam as
Cegonhas14 (1957) e A Balada do Soldado15 (1959).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscamos apresentar ao longo do artigo, o desenvolvimento da narrativa cinematográfica
e a influência de conflitos como a Primeira e Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria na
denominada indústria cinematográfica, determinando censuras e indicações do Estado para as
produções. A importância de pensar esses processos de produção e desenvolvimento de
narrativas é importante em um contexto no qual as mídias possuem mais espaço na sala de aula:
A modernização da escola fez com que o cinema ganhasse espaço na sala de aula
como veículo pedagógico. No entanto, identificamos que não são todos os mestres
que sabem utilizar a sétima arte dentro do processo de ensino. Ainda existem
professores que empregam o cinema como divertimento ou como ilustrador do
conteúdo. Para esta atitude temos uma explicação muito simples: o professor não tem
conhecimento de como utilizar o cinema nas aulas de história. Isto não é uma
exclusividade do professor de história, pois o mesmo problema é comum a professores
de outras disciplinas. (CAPARRÓS-LERA; ROSA, 2013, p. 190).
De acordo com Josep María Caparrós-Lera e Cristina Souza da Rosa (2013), o uso do
cinema enquanto meio educativo começou na Europa depois da Primeira Guerra Mundial, mais
precisamente na França, Itália, Alemanha e União Soviética, o que estimulou a criação de
institutos de cinema educativos, sendo que a Itália foi o primeiro país a organizar o instituto de
cinema educativo, o Istituto Nazionale LUCE com o objetivo de fazer filmes educativos
destinados aos cinemas, escolas e centros operários da Itália. (CAPARRÓS-LERA; ROSA, p.
191).
Tais debates chegaram ao Brasil nos anos 20, e as revistas de educação e de cinema
serviram como cenário para a defesa do cinema enquanto meio de educação:
Em 1928, Fernando Azevedo, diretor geral da Instrução Pública do Distrito Federal,
determinou e regulamentou seu uso nas escolas do Distrito Federal, através do
12 The Red Menace 13 I Was a Communist for the F.B.I 14 Letyat zhuravli 15 Ballada o soldate
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decreto 2.940 (REVISTA NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 1932). Nele, Azevedo
deixou claro que “o cinema seria utilizado, em exclusivo, como instrumento de
educação e como auxiliar do ensino para que facilitasse a ação do mestre sem
substituí-lo” (p. 5). Outro passo importante para a introdução do cinema educativo
no Brasil foi a criação, em 1936, do Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE),
pelo governo de Getúlio Vargas. (CAPARRÓS-LERA; ROSA, 2013, p. 191).
De acordo com as autoras, citando a pedagogia da Escola Nova, os educadores dos anos
1930 tinham por preocupação que os filmes aproximassem a escola da realidade dos alunos,
sendo que professores como Jonathas Serrano e Venâncio Filho, influenciados pela Escola
Metódica, não recomendavam o uso de filmes em aulas de história, mas sim em disciplinas
como higiene, ciências naturais e geografia. (CAPARRÓS-LERA; ROSA, p. 192-193)
José Carlos Reis (1996) delineia alguns traços do “espírito positivo” da obra de Langlois
e Seignobos, destacando
[...] o apego ao documento (“pas de document, pas d’histoire”), o esforço obsessivo
em separar o falso do verdadeiro; o medo de se enganar sobre as fontes; a dúvida
metódica, que muitas vezes se torna sistemática e impede a interpretação; o culto do
fato histórico, que é dado, “bruto”, nos documentos. (REIS, 1996, p. 18).
Ainda que no século XIX o cinema não fosse compreendido enquanto documento
histórico, ele era utilizado em prol da Pátria e da exaltação de heróis nacionais, como também
afirmam Caparrós-Lera e Rosa. Dessa forma, o cinema não era tido pelos historiadores do início
do século XX como um registro histórico. “Sem vez nem lei, órfão, prostituindo-se para o povo,
a imagem não poderia ser uma companhia para esses grandes personagens que constituem a
Sociedade do historiador”. (FERRO, 1992, p.04).
De acordo com Marcos Napolitano (2006), ainda no início do século XX, a ideia de
cinema era fortemente vinculada com os chamados “filmes históricos”, portanto, pode-se
visualizar que “o cinema descobriu a história antes de a História descobri-lo como fonte de
pesquisa e veículo de aprendizagem escolar”. (NAPOLITANO, 2006, p. 240). Com o
desenvolvimento da Escola dos Annales, iniciada em 1929 por Marc Bloch e Lucen Febvre, e
mais tarde com o movimento de renovação historiográfica francesa de 1960 e 1970 denominado
Nova História, a identificação de novos objetos e métodos permitiu que o cinema fosse
admitido no panorama documental do historiador, onde o objetivo é analisar o filme como uma
construção, e não como evidência histórica.
Na medida em que o filme é passível de problematizações no campo historiográfico e
as salas de aula passam a contar com tal recurso didático, o objetivo desse artigo foi mostrar
que em tais produções não devem ser utilizadas enquanto ilustrações de conteúdo ou
substituição da explicação de um professor. Os filmes são altamente influenciados por seu
contexto de produção, são portadores de representações vinculadas aos interesses de um Estado
Universidade Estadual de Maringá, 11 a 14 de junho de 2018.
ou influenciadas pela visão de mundo dos diretores, produtores e atores; sejam filmes da das
décadas de 1930, 1940 ou ainda os mais atuais que trazem releituras e interpretações sobre
determinados conflitos.
Podem ser citados como exemplo A Lista de Schindler16 (1993), Pearl Harbor (2001)
O Pianista17 (2002), Bastardos Inglórios18 (2009), Corações de Ferro19 (2014). Diversos
conflitos são constantemente representados em narrativas cinematográficas, e cabe ao
professor, dotado das ferramentas metodológicas necessárias, problematizar essas narrativas e
não utilizar os filmes enquanto espelhos da realidade, sempre variando sua abordagem de
acordo com as necessidades da turma e lembrando que o aluno também é parte ativa de seu
processo de aprendizagem:
O aprendizado da história transforma a consciência histórica em tema da didática da
história. Vale lembrar que os processos de aprendizado histórico não ocorrem apenas
no ensino de história, mas nos mais diversos e complexos contextos da vida concreta
dos aprendizes, nos quais a consciência histórica desempenha um papel. Abre-se
assim o objeto do pensamento histórico para o campo da consciência histórica, e a
didática da história caiu nas malhas da teoria da história. (RÜSEN, 2007, p. 91)
REFERÊNCIAS
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http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/aletria/article/view/1408/1506 Acesso:
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NAPOLITANO, Marcos. Fontes audiovisuais: A história depois do papel. In: PINSKY, Carla
Bassanezi (org.). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2006.
16 Schindler's List 17 The Pianist 18 Inglourious Basterds 19 Fury