Download - Colagem e Montagem Cinematografica
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO | ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS || (CAP 5400) COR E CIDADE | PROF. MARCO G. GIANOTTI | 2015/01
Colagem e montagem cinematográfica Raquel Magalhães
Colagem e montagem:
fragmento e sentido
A colagem é uma técnica que se desenvolve no período do modernismo,
oficialmente, tem início por volta de 1912 com os papier-colle de Braque e
Picasso. A colagem não se limita estritamente ao procedimento de colar papeis ou
materiais sobre uma superfície. Ela na verdade engloba uma série de questões
que se tornam definitivas para toda arte moderna e o que surge depois dela.
Proporciona um rompimento do espaço perspectivado na pintura, e com isso, todo
caráter mimético e ilusionista. A pintura passa não mais a ser um espelho do
mundo, mas sim uma realidade em si. No momento em que salienta sua própria
materialidade, seus meios construtivos, a pintura se torna um campo onde “ao
invés de copiar a realidade, a colagem permite a incorporação de pedaços do
mundo na própria obra” (GIANNOTTI, 2009).
De maneira semelhante, o próprio cinema, que surge por volta da ultima
década de 1800, inaugura não só uma nova maneira de apresentar imagens, mas
também de operar com elas. De maneira semelhante a uma colagem, a aparência
final do filme compreende a manipulação e combinação de inúmeros fragmentos
já existentes, previamente filmados, a fim de serem reorganizados de forma a
constituírem uma narrativa, um sentido que é “estranho” àquelas imagens quando
sozinhas, que só existe e se faz nesse encontro.
O conceito de montagem no cinema compreende o ordenamento de
fragmentos de cenas colocados em sentido narrativo. (AUMONT;
MARIE,1993:195,196)
O “sentido narrativo” depreendido daí, no entanto, não se apresenta tão óbvia
e instintivamente como poderíamos imaginar. O cinema durante boa parte de sua
história, foi feito de tentativas de organizar o espaço visual projetado de uma
maneira “convincente” o suficiente.
PORTER, Edwin S. Life of an American fireman. Estados Unidos: Edison Manufacturing Co., 1903, 63min.
“O que caracterizava o primeiro cinema era o fato de tudo ser colocado de
forma simultânea dentro do quadro” (MACHADO, 2011:95). Nos primeiros filmes
em preto e branco, é comum ver pedaços de cenas que correspondem a ações
em diferentes espaços e tempos, juntas na mesma tela, por exemplo, em A Vida
do Bombeiro Americano (Edwin S. Porter, Estados Unidos: Edison Manufacturing Co.
1903, 63min.)1.
O uso da tela partida, ou montagem paralela era comum, então, para mostrar
diferentes cenas que ocorriam ao mesmo tempo. À medida que as histórias
filmadas foram se tornando mais complexas, foram existindo cada vez mais
problemas a serem resolvidos para que a narrativa continuasse a parecer
“coerente” para os espectadores. Isso envolveu um esforço diretamente
relacionado ao tipo de edição utilizada. O cinema americano especialmente, com
David Griffith (LaGrange, 1875 – Hollywood, 1948), se encaminhou para uma
maneira de montar o filme onde a sucessão das imagens se desse de maneira
quase “invisível”, resultando na construção de narrativas lineares.
Esse distanciamento progressivo do cinema, iniciado com Griffith, em direção
a uma linguagem mais “próxima da vida real”, no entanto, fez com que
perdêssemos muitas descobertas técnicas e soluções visuais que eram então
empregadas. Essas soluções eram visualmente muito próximas da técnica da
colagem que também na mesma época, teve seu início.
É interessante notar algumas características comuns que encontramos em
paralelo nestes dois meios, como: o abarrotamento do espaço visual sem
hierarquia, plano e sem profundidade; a criação de verdadeiras aberrações,
cabeças gigantes, o uso de diferentes escalas em um mesmo “corpo” ou partes
de corpos e/ou objetos unidos de maneira impossível; e por fim, de diferentes
formas, uma representação vertiginosa do espaço. A presença desses elementos
tanto no cinema quanto na colagem, evidenciam a superfície e o material que
criam a ilusão. Essa ênfase da materialidade do suporte, e de demonstração da
imagem como criação e invenção, é própria do momento histórico/cultural do
começo do século XX, onde estes dois meios se desenvolveram: o Modernismo.
1 Interessante notar aqui, que esse filme, o primeiro de Edwin S. Porter, é composto por vídeospertencentes ao arquivo de Edison, o que hoje chamamos de “stock-footage”. Mais tarde, veremos omesmo recurso gerando os estudos de Kuleshov sobre a montagem no cinema, quando ele partetambém de arquivos encontrados e apropriados para criar seus primeiros filmes.
1
MELIES, George. Le voyage dans la lune. França: Star Film Co., 1902, 16min. HAUSMANN, Raoul. Tatlin at home, 1920 colagem papel e guache.
MELIES, George. Un homme de têtes. França: Star Film Co., 1898, 1min. HÖCH, Hannah. Untitled, 1929, fotomontagem.
VERTOV, Dziga. Cheloveks kinoapparatom. Russia: VUFKU, 1929, 68min. HÖCH, Hannah. New York, c.1922, fotomontagem, 29,5x18,5cm.
Colagem, Cinema e a Cidade: o
inicio do século XX
No inicio do séc. XX, existiu uma profusão de novidades e invenções que
modificaram drasticamente a vida urbana, especialmente nos grandes centros do
mundo. Não era apenas uma mudança que se sentia, mas uma experiência vivida
diariamente por aqueles que andavam nas ruas, liam os jornais, viam os panfletos
ou olhavam as vitrines.
Houve nesse momento o surgimento de novas tecnologias que tornaram
possíveis não apenas a fabricação de imagens fotografadas e filmadas, mas
também sua larga reprodução, assim como sua utilização na propaganda, no
entretenimento e em mensagens politicas. As ruas e vitrines começam a se
encher de cartazes, pôsteres, propagandas. Mais e mais esses sinais da vida
moderna tomam forma e invadem cada espaço da cidade, acumulam-se,
sobrepõem-se uns aos outros e ao espaço urbano. Houve uma mudança não
apenas na cidade, na visualidade da mesma, mas na forma com que as pessoas
passaram a se relacionar com este espaço novo.
Não é à toa que a colagem, como a conhecemos, sob a forma dos papier-
colle tenha surgido exatamente neste período em um dos maiores centros
urbanos da época, Paris.
De maneira análoga, podemos compreender como ocorreu o surgimento da
montagem no cinema russo em meados de 1920. Se as grandes transformações
urbanas que tomaram conta das grandes cidades na Europa ocorreram na
primeira década do século XX, na União Soviética, elas viriam somente após o
término da Revolução Russa, em 1917. Nesse período, a URSS passou de uma
espécie de sociedade feudal diretamente para um regime comunista.
Esse novo governo Bolshevik faz largos investimentos na difusão de seus
ideais comunistas através, principalmente, de uma educação pelas imagens.
Essas imagens da propaganda, acabaram gerando uma visualidade própria bem
como um vocabulário de imagens e formas, que podemos perceber, remetem e
tomam de empréstimo muitas das características da colagem – junção de material
heterogêneo, ocupação da superfície, relações espaciais entre os elementos,
relações entre forma, cor, figura e palavra.
RODCHENKO, Alexander. Lengiz livros sobre totdos assuntos .Photomontage, 1925
Da mesma forma que com os cartazes e mídia impressa, existiu um incentivo
do governo para a criação de uma indústria cinematográfica nacional que pudesse
propagandear o partido assim que plenamente estabelecida.
Trem de propaganda Bolshevik, carro de cinema V.I Lenin Nº1, 1918
No começo, no entanto, os jovens cineastas russos não partiram
imediatamente para a criação de filmes próprios, eles começam reutilizando
antigos rolos de filme que encontravam nos arquivos públicos. É a partir da
fragmentação desses rolos antigos que surge o interesse em compreender como
essas imagens, depois de recortadas, poderiam ser recombinadas para criar
novos significados. Tem início, assim, uma verdadeira escola de cineastas russos
interessados na questão da montagem fílmica.
Cinema Russo: Kuleshov, Einseinstein e Vertov
Entre 1924 e 1930, diversos filmes soviéticos apresentaram um estiloradicalmente original, geralmente reconhecido como “estilo montagem”. Amontagem era utilizada para construir uma narrativa (formulando umtempo e espaço artificiais ou guiando a atenção do espectador de umponto da narrativa para outro); para controlar o ritmo, para criarmetáforas, e ressaltar pontos retóricos.2 (BORDWELL, 1972:9)
Através de um experimento simples de montagem, Lev Kuleshov (Tambov,
1899 - Moscou, 1970), em meados de 1920, buscou elucidar e salientar a
importância da montagem como sendo determinante para a narrativa fílmica. A
experiência consistia na utilização de um mesmo take de um homem com uma
expressão neutra no rosto, combinado e justaposto a três outros takes diferentes:
um prato de comida, uma criança morta e uma mulher sedutora. Através da
projeção do filme para um público que desconhecia o propósito do experimento,
foi possível concluir que frente aos espectadores, a expressão facial do homem
“assumia” diferentes humores, denotava diferentes carateres, em decorrência da
imagem à qual se associava.
KULESHOV, Lev. Efeito Kuleshov, c. 1920, 46s.
21�“Between 1924 and 1930, several soviet films exhibited a radically original film style, generallyknown as the montage style. Montage was used to build a narrative (by formulating an artificial timeand space or guiding the viewer’s attention from one narrative point to another). To control rhythm, tocreate metaphors, and to make rhetorical points”. Em BORDWELL, David. The idea of montage onsoviet art and film. Cinema Journal, vol.11, nº2. Texas: University of Texas Press, 1972, p.9-17.
2
Kuleshov demonstra, assim, de maneira objetiva o que ocorre neste encontro
entre as imagens, onde elas se contaminam e adquirem um novo significado.
Eiseinstein, Podovkin, Vertov e outros cineastas russos contemporâneos à
Kuleshov teorizaram e praticaram em seus filmes a montagem a partir deste
mesmo ponto em comum.
Por sua vez, Sergei Eiseinstein (Riga, 1898 – Moscou, 1948), talvez o mais
famoso cineasta russo desse início de século, foi também o que teorizou mais a
fundo a questão da montagem e da linguagem no cinema. Para Eiseinstein a
montagem não deveria ser uma relação entre imagens por likage (ligação) – como
era para Kuleshov, mas por colisão, conflito. Sua visão sobre a constituição da
montagem é uma “pela qual, da colisão de dois fatores determinados, nasce um
conceito”3.
EISEINSTEIN, Sergei. Strike. Russia: Goskino, 1925, 82min.
Dizga Vertov (Belostok, 1895 - Moscou, 1954) no entanto, era o mais radical de
todos esses grandes nomes. Vertov não acreditava em um cinema com atores,
enredo ou cenários. Pretendia mostrar a “vida real”, e no entanto essa “vida real”
é mostrada no cinema como uma intrincada construção, uma colagem vertiginosa.
Para Vertov, como afirma Jacques Aumont,
entre ‘mostrar’ e ‘montar’, não é surpreendente que a montagem seja
definida por Vertov como uma ‘organização do mundo visível’,
diretamente. O cineasta organiza o visível: por aí torna-o realmente
visível. (AUMONT, 2012:114)
Vertov seguia esquemas rigorosos de sua própria feitura sobre o ritmo do
filme, o tamanho (duração) de cada take em diferentes posições do rolo, onde
inserir repetições de imagens, a velocidade das cenas aumentando ou diminuindo
3� Em: EISEINSTEIN, Sergei. A forma do filme, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.3
de acordo com o andamento do filme. E mesmo apesar de toda sua rigidez
técnica, ele nos apresenta um dos maiores feitos cinematográficos até hoje:
Homem com uma Câmera (Cheloveks kinoapparatom. Russia: VUFKU, 1929, 68min). Nele,
especialmente, Vertov trabalha a montagem a partir de seu conceito de “intervalo”:
Em musicologia, um intervalo é a distância entre duas notas, mensurável
pela relação de suas frequências; o ouvido um pouco treinado consegue
facilmente reconhecer e apreciar essas distâncias, e a música funciona
assim, concreta e positivamente, com base no que em si é apenas uma
relação abstrata. Foi esta última observação que permitiu a utilização
matafórica, pelo cineasta russo Dziga Vertov, do termo intervalo para
designar a distância entre duas imagens de filme. (AUMONT, 1993:248)
O intervalo para Vertov, portanto, existe na diferença entre dois planos
sequenciais. O intervalo é um “salto” de tempo e de diferença que modifica ao
mesmo tempo em que liga um plano a outro. A narrativa em Vertov, portanto, não
é explícita, ela se faz na medida em que nosso olhar percorre essa distância entre
as cenas, e vai “juntando” as imagens umas às outras, fabulando uma ligação
coerente.
VERTOV, Dziga. Homem com uma câmera, Russia: VUFKU, 1929, 68min.
Vestígios:
Tuymans, Tillmans e Fischl, breves comentários
Justapondo essa imagem [Dusk, óleo sobre tela, 166x260cm, 2004] comaquela de The Worshipper [óleo sobre tela, 194x148cm, 2004] – umafigura enigmática que fotografei com uma câmera Polaroid no MuséeInternational du Carnaval et du Masque - fui capaz de criar umasensação de desconforto, como se algo fosse acontecer. Juntas, essasimagens combinam noções de religião, folclore e fundamentalismo.(TUYMANS, Luc. 2010:17)4
Luc Tuymans (Morstel,1958) é um artista que sempre foi muito influenciado
pelo cinema e pela linguagem cinematográfica. Em uma entrevista ele diz que o
cinema “fundamentou uma nova maneira de ver. A montagem, o movimento da
imagem, o close-up – eles todos têm sido muito importantes para o meu trabalho”5.
Tuymans trabalha a partir de uma variedade de referências: captura de filmes,
fotografias que ele mesmo tirou, pequenos vídeos que ele filma, ou imagens
encontradas em revistas, jornais e internet. Imagens que ele utiliza de uma
maneira cinematográfica. seja através da justaposição, através da ênfase de
características dessas imagens fotográficas e fílmicas - como ruídos, falta de
definição e luz estourada -, ou pelo procedimento de enquadramento que ele
utiliza, “recortando” as pinturas no momento em que estica suas telas no chassis.6
TUYMANS, Luc. The Spill, óleo sobre tela, instalação na Wako Works of Art, Japão 2010.
41� “By juxtaposing this image with that of The Worshipper – an enigmatic figure that I photographedwith a Polaroid camera at the Musée International du Carnaval et du Masque – I was able to create asense of unease, as if waiting for something to happen. Together, these images combine notions ofreligion, folklore and fundamentalism.” Em TUYMANS, Luc. Les Cinq Anneaux. In: TUYMANS, Luc;SIGG, Pablo; VERMEIREN, Gerrit et al. Is it Safe? Nova York: Phaidon. 2010, p.17
5� “It laid the basis for a different way of looking. Montage, the movement of image, the close-up – they have all been very important for my work.” Em TUYMANS, Luc. Entrevista para exposição Eyes Without a Face: Films curated by Luc Tuymans. Chicago: Museum of Contemporary Art of Chicago, 2010. Disponível em: < http://www.mcachicago.org/programs/now/all/2015/e510>.
6� LOOK, Ulrich (org.) et al. Luc Tuymans. Nova York: Phaidon, 2005.
5
6
4
Wolfgang Tillmans (Remscheid, 1968) é o artista mais jovem dentre os três que
seleciono, e também o único que não é pintor no sentido mais estreito do termo.
Trabalha com fotografias que no entanto, estabelecem um forte diálogo com a
pintura. Tillmans trabalha a noção de montagem das imagens como um problema
não apenas de conteúdo, mas de espaço. Suas montagens expositivas são mais
do que uma escolha por temas associados ou relações entre imagens, mas como
essas imagens e temas se conjugam em diferentes dimensões das imagens,
cores e lugar que ocupam no espaço arquitetônico. Ocupando não apenas as
paredes brancas das galerias, mas as portas de saídas de emergência, paredes
de escadas, lugares muito altos ou muito baixos e assim por diante, tornando o
espaço expositivo inteiro um grande exercício de colagem.
TILLMANS, Wolfgang. Soldiers Installation (Chicago) , Museum of Contemporary Art, Chicago, 2006
As pinturas de Eric Fischl (Nova York, 1948) compreendem e lidam com a forte
presença de narrativas. Narrativas muitas vezes estranhas, sombrias e que são
ainda mais tensionadas através da maneira de construção da pintura. Como se
fossem fragmentos de fotografias ou personagens que sairam de uma cartola,
Fischl monta, corta e cola as cenas. Não raramente, de forma bastante literal,
utilizando ferramentas como o Photoshop para montar suas imagens.
Por vezes, ainda, trabalha de maneira mais incisiva, como um diretor, guiando
atores e montando cenários. Em seu projeto Krefeld, p a r a o Krefelder
Kunstmussen, na Alemanha. Fischl ocupou durante dias a Haus Esters, uma casa
modernista que faz parte do museu, contratou atores e arranjou móveis e
decorações diversas para constituir o cenário das pinturas. Neste período, Fischl
capturou em torno de duas mil fotografias de cenas “domésticas”7. Que serviram
de base para a série de pinturas que realizou posteriormente, e que no entanto,
foram mais uma vez manipuladas, quando Fischl não de todo contente, adiciona
trabalhos de Andy Warhol, Max Beckmann, Gerhard Richter e Bruce Nauman em
seu cenário, tornando, como se fosse possível, a ficção ainda mais ficcional. Nas
palavras de Robert Rosenblum:
Cada pintura, especialmente as em formato wide-screen, são como uma
cena [still] de um filme, mas cabe a nós fornecer toda narrativa que falta.
Não existem respostas claras. (…) As técnicas narrativas do teatro e do
cinema estão em seu pleno uso aqui, e no entanto, não existe enredo e
os personagens são sem nome.8 (ROSENBLUM, 2004:12)
FISCHL, Eric. Dining Room Scene 2 óleo sobre tela, 226,1x315cm, 2003
7� ROSENBLUM, Robert. Eric Fischl: The Krefeld Project. Bielefeld: Kerber Verlag, 2004
8� “Each painting, especially those in wide-screen format, is like a still from a movie, but it is up to us tosupply all the missing narrative. There are no clear answers. (…) The narrative skills of the theater and the cinema are in full use here, but there is no plot and the characters have no names.” Em ROSENBLUM, Robert. Eric Fischl: The Krefeld Project. Bielfeld: Kerber Verlag, 2004 p.12.
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Paralelos:
minha produção em pintura
Percebo em minha produção em pintura, aproximações com essas questões
em torno da colagem e montagem que muito brevemente trouxe aqui. Acredito
existirem paralelos não apenas formais, da aparência do trabalho que ocorrem em
vista do uso de imagens retiradas de filmes e vídeos apropriados, como também
(e principalmente), pela maneira de operar com o trabalho. Através do uso de
procedimentos que também são parte da construção em colagem e montagem no
cinema: o corte, o enquadramento, a repetição, a justaposição, e por fim, a
ressignificação dessas imagens pintadas através das relações entre umas com as
outras.
MAGALHAES, Raquel. In the large dining room em cinco partes, óleo sobre tela, 12x9cm 12x9cm 12x22cm 10x15cm 10x15cm, 2013
MAGALHAES, Raquel. Danubio, óleo sobre tela, 10x15cm 10x15cm, 2015
Acredito que o conceito de montagem, já mencionado anteriormente, seja um
paralelo interessante com a linguagem cinematográfica em vista do que esta
implica: a criação de sentido. Assim como no filme, onde os planos capturados
quando juntos formam uma narrativa que liga e reúne esses fragmentos, em meu
trabalho, a montagem do trabalho no espaço da parede estabelece novas
relações de significado.
Um significado que não tem mais relação com a imagem fotográfica que
origina cada pintura, mas um novo, ficcional, que se cria e só existe deste contato
entre as telas e da tensão entre as imagens pintadas.
MAGALHAES, Raquel. Big Bang, óleo sobre tela em 48 partes, 2015
De acordo com John Berger (Hackney, 1926), “em todo ato de ver, existe a
expectativa por um sentido” (BERGER, 1928:117). Um sentido, que apesar de
tudo, não costuma chegar a se fazer claro. “Como oráculos elas [as aparências]
vão além, insinuam mais do que o discreto fenômeno que apresentam, e ainda
assim, suas insinuações são raramente suficientes para constituir uma leitura
clara e inequívoca.” (BERGER, 1928:118)
Em meu trabalho, as pinturas agregam significado em vista do que se
encontra em seu entorno. Despertam a busca por estabelecer relações narrativas
mesmo que não seja possível determinar com certeza ao que elas se referem. As
possibilidades de inferência quanto ao que está sendo mostrado são muitas, e as
imagens não contém em si, uma solução para isso. A narrativa permanece
sempre incógnita, nebulosa. Me interessa essa “incompletude” das imagens que
nunca se resolvem.
Percebo que existe uma relação estreita entre essa “falta de resolução” e a
forma de operar com o trabalho, de utilizar em grande parte telas pequenas, de
fragmentar as imagens, bem como de posteriormente constelar as pinturas,
trabalhar com conjuntos delas. Existe para mim aí, uma conjugação entre o
espaço interior da pintura e o espaço externo dela, que se faz presente não só na
construção do trabalho, mas também na percepção do mesmo.
MAGALHAES, Raquel. Spare Parts I óleo sobre tela em 7 partes, 2014
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