Como te fazer um poema?
Texto: Assuero GomesImagens: WebMúsica: Vinicius e Tom Jobim
Como fazer um poema para ti, meu profeta? Se entre palavras entrelaçadas em versos, descreveste-me a
beleza das estrelas bordadas no manto de Maria, ou o silencioso e belo matinho que crescia por entre pedras
de concreto na tua porta?
Como vou te fazer versos ou espalhar rimas, se nem a mais preciosa delas chegaria perto da
pureza de teu coração e da sinceridade de teus sentimentos para conosco?
Como posso escrever algo, senão um lamento de saudades de tantos anos de
tua partida, que se torna presença na ausência de outro pastor digno deste
nome?
Como te fazer um poema?
Mesmo que a instituição te esquecesse, mesmo que conseguissem estilhaçar tua imagem em mil
pedaços, como contas coloridas e brilhantes, mesmo assim, Olinda e Recife jamais te
esqueceriam, e fariam de cada pedacinho partido de saudade, uma semente, e plantar-se-ia em cada morro, em cada mangue ou alagado, em cada casebre, em cada lar despedaçado pela
fome e pelo sofrimento, em cada coração desiludido e sem ânimo...plantar-se-ia este
pedacinho teu, mas não há necessidade, pois tu vives neles, já e sempre.
Como fazer-te um poema, senão como uma canção, que chegasse baixinho aos ouvidos e às mentes abertas, dos amigos e amigas, que a escutariam pensando na canção
dos dois mundos, e essa melodia simples como um pássaro partido e cansado, que mesmo desfigurado chegou ao seu destino anunciando a paz, entraria
finalmente no coração, que é uma gaiola ao inverso, dos ouvintes...ah, mas não é necessária tal canção, pois já vives no coração da gente e tuas palavras doces não
saem dos nossos ouvidos.
Como te fazer um poema?
Como fazer para ti um poema sacro ou uma oração, se tu já és uma oração viva, que não
descansou senão algumas horas nas madrugadas, e mesmo assim nestas horas
fugidias, sonhavas com um futuro melhor para teus irmãos desamparados, ou com a liberdade
para os encarcerados, ou um alívio para os perseguidos?
Como fazer para ti um poema sacro ou uma oração, se tu já és uma oração viva, que não descansou senão algumas horas nas madrugadas, e
mesmo assim nestas horas fugidias, sonhavas com um
futuro melhor para teus irmãos desamparados, ou com a
liberdade para os encarcerados, ou um alívio
para os perseguidos?
Escrever-te-ia um livro, se pudesse, mas com que letras? Pois já as roubaste todas, em mais de sete mil versos, em cartas sem fim, em filas
e filas de linhas e linhas, traçadas em luz e esperança, em consolo, costurando com elas um tecido de remendo à uma Igreja cansada e
envelhecida, rota nos seus ideais primeiros, ou costurando um manto para o pobre se agasalhar, pois na grandiosidade do teu coração,
perguntavas a nós, como no Deuteronômio: "se não devolver-lhes o manto, como o pobre dormirá?".
"se não devolver-lhes o manto, como o pobre dormirá?"."se não devolver-lhes o manto, como o pobre dormirá?".
D. Helder, D. Helder, como acostumar com outro depois que nos acostumaste a amar, a ajudar, a acolher, a servir, a ver o pobre como ao próprio Cristo, a amar uma Igreja servidora e
pobre como Ele?
Como acostumar com outro quando nos ensinaste que, de nada valem os rituais se não
traduzem uma verdadeira mudança de vida e de postura em favor da vida do próximo? Que os títulos e as honrarias valem para os príncipes deste mundo, mas não para Cristo?
Um pergaminho, uma lauda ou um documento, uma bula, um edito, um papiro ou um rolo de
Qumrã, em que pudesse escrever-te, pelo menos uma
palavra que te resumisse todo, numa síntese total e encarnada, Amor... mas não seria original nem causaria surpresa nem
admiração alguma, pois ela já está escrita na carne do coração
dos pobres.
Como te fazer um poema se tu és meu poeta?