Download - Como um Estalo
Raphael Barros Alves
comoumestalo
CapaProjeto Gráfico
PoemasDesenhos
DiagramaçãoRevisão
ProduçãoImpressãoRealizaçãoPatrocínio
Gustavo Diógenes Patrícia DouradoRaphael Barros Alves Cecília Shiki e Gustavo DiógenesPatrícia DouradoPatrícia Dourado e Raphael Barros AlvesMurinho BaixoExpressão GráficaGoverno do Estado do CearáSecretaria da Cultura do Ceará
Catalogação na Fonte
A 474 c Alves, Raphael Barros Como um Estalo./ Raphael Barros Alves; Gustavo Diógenes e Cecília Shiki. [ilustradores].-Fortaleza: Expressão Gráfica Editora, 2011. 156p.: ilustr.
Isbn:978-85-7563-692-3 1. Literatura brasileira 2. Poemas I. Diógenes, Gustavo II. Shiki, Cecília III. Título
CDD: 869.1
desenhos deCecília Shiki & Gustavo Diógenes
Raphael Barros Alves
comoumestalo
Tudo é como um estalo. Às vezes longo, demorado. Noutros, curto, breve. Um estalo. Se poesia se pes-ca no ar, Alves as pesca, comprime e deixa estalar. O estalo da criança malina, do homem atento e do velho ranzinza e borrachudo, que de tão ranzin-za volta a ser malino e criança outra vez. Num só. Sem preocupar-se. Se velho, se homem, se criança, o que sei é que a criança está sempre à espreita, não desaparece. Se esconde, brecha. Da coxia, dei-xa que os outros demonstrem seus títeres cansados e ressurge gargalhando das verdades incompletas dos adultos. Verdades não há, mas estalos – splact! – há desses muitos. Bons estalos e que amanhã você acorde mais malino e menos certo de muitas coisas, mas ainda certo de uma: todo tempo é perdido, e a maior graça (a graça brobró de tudo) é nunca, nun-ca mais, encontrá-lo. Porque da vida, só fica o estalo.
Patrícia Dourado
prefácio
Aos meus pais
o avião caíaa vida
é passageira
PARAÍSO
para issonão precisaISO
WAlDICk
Humano, sí! Perro,
no mucho.
ENqUETE
que é tempo?Vida.
E não-tempo?Morte.
Contratempo?Sorte.
gira, ponteiro,no começo e no fimés o porteiro
amor que fica é amor de tíbia
EPIfANIA DE UM NARCISO
De tantose ter,citou:quero sero cameloque passa pela agulha.
BOêMIO
Não sou intelectual,leio o mínimo,
gosto de chapéu-panamá e camisa de linho.
dum espirroo céufica bonito
fernando,quando criança,
era pessoinha
SUCO EM ESPAñA
E olhava uma laranja, E pensava na matéria, E bebia à efemeridad.
ExISTêNCIA SUTIl
E ela me falou: - Teu pai vai ser avô.
O PODER DA INSINUAçãO
A morte apresenta-se: "queres ainda viver"? E a vida insinua-se: "Ainda queres morrer"?
DOS NOMES E DA fRUTA
No dicionário, tangerina pode sermexerica.Bergamota também. Comecei a comer tangerina pensando em bergamota. A fruta ficou menos gostosa. Maldito dicionário!
ENDIVIDADO COMO BAUDElAIRE
VendoAs flores do Mal,
quem as quer?
MUDANçA
Ah, que vontade de mudar!Sonhem, meu amores,Desculpem-me a caturrice.É que estou numa fase estranha:Entre a infância
E a velhice.
DE CRIATURA PARA CRIADOR
Míssil em missiva mister para mister: misericórdia.
AMOR
Nunca vi esta cor, acho que era rosa e desbotou.
DA ORIGEM DAS NUVENS
Desconfio que Deus
seja fumante, com essas nuvens
pululantes.
JARDINS SUSPENSOS
de manhã e à tardeas aves voame o povo aplaude
MATERIAlISTA
alma penada minha fé
não é de nada
A IDA SENIl
Ah, vô, vó... Ah, vó, vô... Ah, vô, vô!
vento da aurorao saco branco
brinca de roda
O qUARTO lIVRO
Ao lado de três livros,durmo desacordado. Meu corpo é o quarto, sonhando-se folheado.
POETIzAçãO
Pai: ardis. Mãe: matriz.
Alice: Ruiz.
ah! amaraljôfares do tamanhodo mar
lágrima durafere meu pé
distraído
PESADElO
fugindo d’outro mundoperseguido por outrem,acordo assustado, suado,trêmulo como um trem.
Procuro ao meu ladoa minha querer-bem.Pior do que pesadelo!Não encontro ninguém.
AUTOSSUfICIENTE
por si o Sol se põe
COTONICUlTURA
na terraexistem nuvens
de algodão
PRAGMATISMO RElIGIOSO
Ateio fogo no ateupara ele acreditar.Depois falo sarcásticoque é fogo secular.
HAIMUNDO
O português, deveras conciso,
virou japonês.
DA PlANTAçãO OU UMA GEóRGICA CONTEMPORâNEA
Antes de ter: terreno; Antes de ser: sereno.
REflExãO MATUTINA
Minhas trevas acabaram.Acordei com o abajur
ligado.
ACAlANTO
no vai e vem a rede faznhom e nhem
fUNDAMENTAlISMO VEGAN
desmascara-se o alface
face a face
ASCESE
Para Alexander Supertramp
lágrima um,lágrima dois.Água e sal.falta o arroz.
CHORO fORTE
Olho co’a dor, borra! de visão.
O líquido revitalizador evaporou-se na desolação.
fOlHAS CAÍDAS
o rastro da vitalidadeencontra-seno chão da realidade
HAICAI DE UM RECÉM-NASCIDO OUESCATOlOGIA EM TRêS ATOS
golfoxixi
cocô
ENCANTAMENTO
Ontem vi a morte com cara de gás.Era volátil,não fui atrás.
DINâMICA
Por que não deixar a vida passar?
Estática é que não pode ficar.
DICIONÁRIO
A dúvida persiste, não sei se cavalo, ou burrice.
A PEqUENA
Ela é pequena eme deixa alto,
só não sei se de amor ou de sapato.
PECADO ORIGINAl
desfaçatez:maçãs incoloresna tez
MOçA COM TERçO NA MãO
enquanto rogavanem percebeu
que ele passava
O ÚlTIMO SONO
A vida é assim.No fim,coberta de capim.
TREM
de vagão em vagão os ouvidos
divagam
DIA DE AGOSTO
fatal,acordei meiodown.
DEPOIS DO COITO
Para tudo! Um minuto
de luto.
TEMPO
Depois da puberdade,vem a idade.Depois, a saudade.
VESTIR-SE
Para se abrir uma gaveta,é preciso acaso.
A indecisãoé a mãe do atraso.
PUM!
De dentro sai um arzinho: fum!
O BUSÍlIS
Depois de anos sem amor,encontrei um
que não gostou.
DE qUANDO SE ESTÁ DE PAPO PRO AR
Urubus no céu, meu corpo no chão.É só uma visão.
Dê-SE
Se une: ciúme,
desune.
fAlSO AUMENTATIVO
Solidãoparece aumentativo, mas é tão pequena que cabe no coração.
DEBAIxO DA ESCADA VAzADA
Viva à altura,na expectativa
das coxas nuas.
INTERPRETAçãO
Um poema escrito com angústia não é poema,
é súplica.
SERVIDãO
Yá, iaiá.
ExCElSO DA NATUREzA
Ah, árvores doidivanas,sempre dando
frutas extemporâneas.
A ARTE DE COMPENSAR
quando falta-me céu,sobra-me chão.
CONTO DE fADAS
A China chinela
quebrou o cabresto
e virou Cinderela.
COPO
que azara moscaresolveu nadar
CONflITO DE GERAçõES
desencana, rouxinol,não queiras como gaiolaa modernidade do urinol
DITO
Água mole em pele suja, tanto molha
até que enruga.
ROUqUIDãO
na voz rouca as cordas prendem a beleza fugidia
MIGAlHAS AOS POMBOS
o velho Avelino cultiva seu
jardim matutino
SONHO DE MISSE
quando Misse, gostaria de dizer: - Meu sonho, meu verdadeiro sonho, é escrever o que sinto e entender o que leio.
TV É CUlTURA
quando ligo a TV,me sinto
um tanto blasé.
COlAGEM
(re-cor-to palavrassimplóriaspara colar numa poesia de memória)
O MOTORISTA
Correndo sentado o motorista é o ser-estático
mais rápido.
HElIOCêNTRICO
eu Solo mundo
EU, CARESTIA
Um bom vinho, uma boa carne.Minha perdição.
o balanço balançao ventoainda é criança
veste de cinza esses olhos endomingados:hoje é dia monocromático
SOMA
cabeçamaistroncomaismembrosigual aUMBIGO
ah! vaginacom ou sem
melanina
DO SOfRER
Rua; porta; quarto; cama.
DA AlEGRIA
Cama; quarto;
porta; rua.
quero te comer, querido,mas a sublimaçãodesviou a minha libido
cada casca arrancadaé mais um motivo
para a dor ser cantada
SOBRE A PROfUNDIDADE
Pressiono um olho com força: fico sem noção de profundidade.Um poço ou uma poça?
EM fRENTE À BANCA
Revista de fotos, revista de letras.
Revista com as mãos. - Opa! Sou cidadão.
ADEDONHA fRANCISCANA
Recreio franciscano:Passa-tempo franciscano:- Coisa simples começada com m.... - Modéstia.
POEMINHA DO GAUCHE
Cuido-me e não me salvo; salvo-me e descuido-me.
É SIMPlES
Ei, vamos parar de besteira,a vida é lua cheia.
REflExãO DE UM TEólOGO COM fOME
Deixo o fim pra depois,troco meus estudos
por um prato de arroz.
BlACk POWER
A lente negrailuminouminha vida.
GAGUEIRA SURDA-MUDA
Na conversa manual, a gagueira
é um tique gestual.
CARNAl
Tudo tez,pele-a-pele,mês-a-mês.
SOBRE O PONTO fINAl
Ponto final. Ponto final. Ponto final. ... reticência.
Pontos finais?
ARqUITETURA
Um traço, dois traços, ......... Terraço.
DA IMPORTâNCIA DO TAMANHO
Deus é grande. O homem também.
A criança mais ainda, mesmo se achando
pequenina.
lITERAl
Ah, desentendimento sem fim,A escrita, esta bendita,Há tempos não gosta de mim.
CONSUMADO
Depois de amar, amante.
Depois de fumar, fumante.
fragilidade infantilo coraçãodeu o último pio
meia-noitepesadelo é o preço
da pernoite
BAR, EU, TAxISTA NãO BATEU
Tragos:trapo.Trapotrago.
CAfÉ
Dentro de mim sacudo-me, tremo a mão.
lembrando que a vida é invenção.
A cica do teu olhar me trava a garganta.
unhas roídasnão me servem
de comida
o pau duro pensano amolecerdo teu corpo
o telefone tocouera ela dizendoque já me amou
TENTAçãO
Mulheres, bebidas, sorrisos ao lado.Vade retro! Sou casado.
HUMANIDADE
falou-se de Deus, senti o diabo.
Há algo mais atinado?
ECONOMIA NA ESCRITA
$
conhecimento a distância:o conhecimento não chega,
cansa
ACONTECE
Truz; cruz.
PERGUNTA OCEâNICA
Água marinha,ensina-me a fecundaruma conchinha?
DO MEU DICIONÁRIO
Vida: palavrinha complicada
e bonita.
AMOR-MATÉRIA Para João C. de M. Neto
Eu te amo por escolha,eu te amo por opção.Eu te amo de corpo-matéria,mesmo sem ter coração.
EJACUlAçãO
Gozo a liberdadede gozar o que me sai.
Espesso, viscoso ou ralo,pra mim tanto faz.
fecundar o teu espíritoé o que realmente me apraz.
DO PÁSSARO OU DO fUTURO
pelas gradesvejo manhãsque me abatem
SÚPlICA
pego-me a Deuspara não dizeres
adeus
BêBADO-BêBEDO
Meu coração brinca de
bate-não-bate,
Meu pulmão de
puxa-não-solta,
Meu cérebro pensa-não-
Amo-te-amo.
HAICAI DE CURA
Amor, eu queria ser a tua dor, pra num ímpeto de rebeldiame transformar na tua regalia.
NOTÍCIA ERóTICA
VElHO DIABÉTICO MORRE EM CIMA
DE DOCE MENINA
violão-sem-braçoem traços horizontaisteu som infinito
Eu, dedo na cara do medo,
e o medo na minha cara.
CEARENSE
escrevo este haicaisem muita influência japonesaescrevo este haicai como um cidadão de fortaleza
HAICAI DA SEPARAçãO
te querer bemme faz tão mal
na hora do ciao
PASSEIO NOTURNO
Gatos sempre voltam para casa,se gatos de casa.Se gatos vão para a morte,encontrarão o caminho de volta?
DIfICUlDADE DE ACORDAR
Sonho lento.A realidade,
não aguento.
sem raiva, trovão,fazer o quê? o relâmpagoé desses brilhantes
coca-cola,chamar-te-ei
caco-cola
GATA VIRGEM
Defloraram-na ainda criança.Barriguda, morreu de parto.Não conseguiu parir vermes.Morreu casta, sem aliança.
A MESMA NUNCA MAIS
A palavra surgiu, não quis anotar.
Depois no dicionário, fica difícil encontrar.
IT IS NOT A RAPHAEl
Não sou cachimbo Não sou pincel Sou um pedaço De carne A granel
CAlMARIA
A dor disse:- Adeus.Todo mundo ria.
AUTOESTIMA
Nero, Romeu?
Sou mais eu.
SECRETÁRIA ElETRôNICA
Alô?Rapidinho,Imita Bashô!
MAIS UM HAICAI SOBRE AMOR
É tudo igual.No próximo,
uma pitada de sal.
CORAçãO
O coração bate com exaltação. Sê calmo, amigo, tem pressa não.Ele diz: não.Bate, bate, bate. Ele diz: agora não bato, não. Coração.
DECISãO
Já brinquei de intelectual, poeta, gourmet.
Não consegui ser. Agora vou brincar de viver.
Sabe, é o melhor a fazer.
Se tudo que penso escrevo,talvez de silêncio padeça.
www.comoumestalo.com.br
3464.2222
Impresso nas oficinas da Expressão Gráfica em março/2011, sendo em papel cartão supremo 250g/m2
e o miolo em papel Chamois Fine 120g/m2.