Comunidade e Sistema Prisional: possibilidades de intervenção
Valdirene Daufemback2008
“Ninguém conhece verdadeiramente uma nação até que tenha estado em
suas prisões” (Mandela)
1. Sistema prisional: uma construção e desconstrução de responsabilidade de todos
2. Avançando na construção de uma outra forma de lidar com a criminalidade
• Cenário nacional da organização dos Conselhos;
• Comissão Nacional de Fomento aos Conselhos da Comunidade
• Conselho da Comunidade (criação, função, atuação);
• Articulação dos Conselhos (experiência da região sul e dados da região norte);
“Achava que a justiça servia para condenar quem fazia algo errado, que quem fazia tinha que pagar. Mas a sociedade julga antecipadamente, não é porque você éacusado você é ladrão. Às vezes, só porque mora perto já é acusado de ladrão. Agora tenho um olhar diferente sobre a justiça, acho que ela é cega, para a juíza vale mais a palavra de um policial corrupto do que de alguém desempregado. Também acho que no Brasil a justiça émuito lenta. Penso que poderia ser diferente, que eles deveriam analisar a fundo o processo, mas como tem muito processo, eles querem se ver livre de tanto trabalho, aí vão decidindo sem provas. O advogado que o Estado paga não trabalha, não aparece na audiência, não conversa com o preso. Tudo fica perdido para o preso. Outra coisa é que a polícia coloca quem tem raiva na cadeia, quem não pode se defender. “
Encarcerado – Presídio Reginal de Joinville
Segurança Pública: Política Pública?
“Sociedade dos Indivíduos”(Thomas Hobbes, 1971)
Se por um lado esse modelo supervaloriza o indivíduo de direitos e sua independência, o
vulnerabiliza por desliga-lo de acordos coletivos. Nesse contexto, se amplia a função do Estado que
precisa dar conta da demanda incondicional de proteção da sociedade, e ao mesmo tempo, fazer
isso com respeito à liberdade e autonomia dos indivíduos.
“Sensação de insegurança”
“Cultura do risco”(Anthony Giddens, 1994)
“Expressão do medo”
É nessa conjuntura que a população urbana parece se relacionar com a segurança pública: num
modelo de convivência individualizador e fundamentado na insegurança, inflacionando a
existência de riscos e perigos a partir de uma alta exigência de proteção e cultuando o medo como forma de perpetuar o ciclo da insegurança social.
1
A história do processo penal na sociedade étambém a história da constituição do poder.
Período da vingança privada
Período da vingança divina
Período da vingança pública
Período humanitário
Oliveira (2003)
1Características dos aspectos da pena por período
histórico
Aspectos da pena Até o século XVII A partir do Século XVIII
Caráter da pena Suplício público Processo penal velado
Objeto da pena Corpo Liberdade
Castigo Sensações insuportáveis
Privação de direitos
Eficácia da pena Intensidade visível
Fatalidade
Justiça e Execução Penal
Juntas Autônomas
Executores da pena
Carrascos Técnicos
Impacto social Justiça vilã Louvor à justiça
É nessário, porém, considerar a prisão no contexto da crise social que atravessamos. A criminalidade estácrescendo. Trata-se de fenômeno sócio político, que não se resolve com o direito penal. A suposta tutela jurídica que se pretende realizar através da ameaça
penal é uma das muitas ficções com que os juristas se comprazem, pois não está demonstrado o efeito preventivo da tal ameaça. A experiência também
demosntra que através do encarceramento não se consegue, por igual, prevenir o delito. As taxas de
reincidência são incomparavelmente maiores quando se manda o condenado para a cadeia, e são tanto
maiores quanto mais longa for a pena. Qualquer que seja o tipo de prisão e qualquer que seja o
‘tratamento”, as taxas de reincidência se mantém sempre elevadas.
Heleno Fragoso
1
1Sistema prisional: a exclusão pode transformar-se
em inclusão?
A prisão não é natural da humanidade, ela é uma invenção da modernidade (século XVIII), que pressupõe uma
concepção de sujeito e de sociedade onde alguns precisam exercer controle e dominação sobre outros, usando
estratégias de segregação. Algumas concepções foram criadas para sustentar essa invenção, os conceitos de
periculosidade e de defesa social fazem parte delas. Com eles permitiu-se que, em nome da distinção daqueles que são “perigosos” e da manutenção da ordem, os aparelhos
policial, jurídico e penal fossem criados para prender, julgar e penalizar.
1. Sistema prisional: uma construção e desconstrução de responsabilidade de todos
2. Avançando na construção de uma outra forma de lidar com a criminalidade
• Cenário nacional da organização dos Conselhos;
• Comissão Nacional de Fomento aos Conselhos da Comunidade
• Conselho da Comunidade (criação, função, atuação);
• Articulação dos Conselhos (experiência da região sul);
Cenário Sistema Prisional Brasileiro
• Em diversos estabelecimentos: cadeias públicas, presídios, penitenciárias, hospitais penitenciários, hospitais de custódia, albergues, entre outros tipos (em alguns Estados em Distritos Policiais inclusive)
• Responsabilidade dos governos de Estado – estrutura organizativa, administrativa e de pessoal não uniformes.
• Variação salarial acentuada entre os Estados da federação: salários variantes de 800 a 6.500 reais para o mesmo cargo de Agente Penitenciário;
• Estrutura de pessoal insuficiente com formação deficiente.
• Violações institucionalizadas aos direitos humanos.
Cenário Sistema Prisional Brasileiro
515 Penitenciárias Estaduais
02 Penitenciárias Federais
27 Colônias Agrícolas e Industriais
45 Casas de Albergado
28 Hospitais de Custódia
454 Cadeias Públicas
39 Patronatos ou Similares
* Relatório Sistema Penitenciário Brasileiro - DEPEN - 2007
Cenário Sistema Prisional Brasileiro
0
100.000
200.000
300.000
400.000
500.000
600.000
1995 2003 2004 2005 2006 2007
População carceráriaDéficit de vagas
Variação 2005/2006: População Carcerária (+10,97%). Déficit de Vagas (+50,85%)
• 10/08 - Aproximadamente 440 mil encarcerados/as
UF PRESO/100.000 hab PRESO/VAGA CONDENADO/VAGA
BRASIL 227,63 1,60 0,91
AC 374,63 2,39 1,09
AL 56,50 0,94 0,34
AM 84,92 1,59 0,63
AP 293,31 2,31 1,41
BA 62,39 1,27 0,67
CE 151,41 1,47 0,81
DF 328,70 1,31 1,10
ES 158,70 1,12 0,62
GO 157,96 1,13 0,76
MA 51,76 1,84 0,99
MG 93,98 0,77 0,42
MS 412,94 2,22 1,56
MT 302,22 1,76 0,80
PA 87,02 1,01 0,28
PB 245,53 2,11 1,38
PE 206,81 2,11 0,81
PI 72,93 1,04 0,42
PR 189,72 1,10 0,97
RJ 190,24 1,04 0,81
RN 94,67 1,06 0,67
RO 288,48 1,61 1,15
RR 306,66 2,38 1,23
RS 229,27 1,50 1,16
SC 187,72 1,70 1,18
SE 108,55 1,26 1,26
SP 341,98 1,52 1,04
TO 147,73 1,18 0,68
América do Sul(165,5)
* King's College London - International
LEGENDA
Valor abaixo do índice da América do Sul.
Valor entre os índices da América do Sul e do Brasil.
Valor acima do índice Brasil.
Cenário Sistema Prisional Brasileiro
•Características da população encarcerada (Relatório 2007 - DEPEN) - a maioria das pessoas aprisionadas é jovem, de baixa renda, de pouca escolaridade e com situação profissional indefinida.
• 94% de homens e 6% de mulheres
• 42% da população encarcerada é branca; 39%, parda; 17%, negra; e 1%, amarela,1%, outras.
• 61% estão entre 18 a 29 anos, 32% entre 30 a 45 anos, e 7% com mais de 45 anos
• 7% dos encarcerados são analfabetos, 75% até o ensino fundamental, (completo - 12%), 16% com até o ensino médio (completo – 6%), 1% da população com até curso superior.
Cenário Sistema Prisional Brasileiro
• média de crimes contra o patrimônio é de 38%, crimes relacionados às drogas correspondem a 14% dos casos, crimes contra a pessoa correspondem a 27% e os restantes 21% se referem a outros casos
• 18% estão encarcerados no regime semi-aberto e 82% no regime fechado
• Crescimento de 37%, média anual de 8,19%
• Homens: 24,87%, 7,68%
• Mulheres: 37,47%, 11,19%
• Regime fechado: crescimento de 13,05%, média annual de 3,11%
• Regime fechado dez/06 a dez/07: redução de 4,03%
• Regime semi-aberto: crescimento 89,75%
População Carcerária2003 a 2007
• Taxa média de crescimento anual de 8,12%:
626.803 presos – crescimento de 32,54%
• Homens: 92,35%
• Mulheres: 7,65%
• Regime semi-aberto: crescimento
• Presos em delegacia: redução de 4,77%
• Deficit de vaga está diminuindo nos últimos 3 anos, tende a diminuir.
População Carcerária2007 a 20012
2
Cenário Conselhos da Comunidade
Relatório sobre a situação atual dos Conselhos da Comunidade – Abril 2008
Elaborado pelo DEPEN a partir dos dados dos Planos Diretores do Sistema Prisional dos Estados
2
2
2
Conselhos da Comunidade Instituídos: 494
Comissão Nacional de Fomento aos Conselhos da Comunidade
• Instituída em 2004
• Fomentar e apoiar os conselhos da comunidade: cartilha, oficina nacional, articulação junto aos juízes, Encontros Regionais, rede virtual, entre outras atividades.
2
A experiência da Região Sul
• Rio Grande do Sul
Incentivados e articulados pela Corregedoria-Geral da Justiça (Projeto Trabalho pela Vida, Seminários, Convênios, Suporte). Criação da Federação Estadual dos Conselhos da Comunidade.
Cerda de 80 instituídos.
•Santa Catarina
Articulados pelo movimento de Conselhos da Comunidade (Encontros, deliberações comuns, troca de experiência, folder).
Cerca de 46 instituídos, 36 em funcionamento.
•Paraná
Incentivados pelo Conselhos Penitenciário (Acompanhamento).
Cerca de 111 instituiídos.
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2
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Atividades
Tipo Sempre Às vezes Nunca Não RespondeVisita à unidade prisional 75% 17% 8%Relatório da situação prisional ao Juiz e demais autoridade
56% 29% 6% 9%
Campanhas de arrecadação de recursos para a unidade prisional
15% 33% 33% 19%
Projetos de educação com os encarcerados
35% 31% 23% 11%
Projetos de trabalho com os encarcerados
33% 45% 6% 16%
Projetos de assistência social com os encarcerados
41% 41% 6% 12%
Projetos de saúde com os encarcerados
45% 29% 13% 13%
Atividades com as famílias 24% 38% 25% 13%
Atividades com os egressos 25% 29% 31% 15%
Atividades relacionadas às penas alternativas
29% 35% 21% 15%
Atividades com os funcionários do sistema prisional
17% 25% 43% 15%
Atividades de formação para a comunidade
15% 31% 35% 19%
Atividades
Tipo Sempre Às vezes Nunca Não Responde
Pesquisa científica ou projetos de extensão universitária em parceria com entidades de ensino
25% 23% 31% 21%
Informativo relacionado ao sistema prisional
29% 15% 35% 21%
Reuniões dos conselheiros 81% 8% 2% 9%
Reunião com o Juiz Corregedor 50% 23% 12% 15%
Reunião com a Direção da Unidade Prisional
44% 31% 12% 13%
Reunião com a Equipe Técnica da Unidade Prisional
23% 29% 35% 13%
Reunião com a Secretaria Estadual que é responsável pelo sistema prisional
10% 67% 23%
2A experiência da Região Norte
2A experiência da Região Norte
Conselhos da ComunidadeCriação
São instalados pelo juiz da vara de execução criminal da respectiva comarca.
Função
É importante que os Conselhos assumam um papel de representação da comunidade na implementação das políticas penais e penitenciárias no âmbito municipal. É necessário assumir uma função política, de articulação e participação das forças locais e ainda de defesa de direitos e não apenas aquela assistencial.
Atuação
Apesar de articulados com o Poder Judiciário para sua formação e, com a administração carcerária para a execução de suas atividades, os conselhos devem buscar preservar sua autonomia para que possam exercer de forma independente suas funções.
2
Princípios para o trabalho dosConselhos da Comunidade
Respeito aos direitos humanos- Construção de uma cultura de respeito aos direitos- Compreensão do direito a ter direitos- Conhecimento e aplicação das normativas nacionais e internacionais
Democracia- Igual possibilidade de acesso aos bens socialmente produzidos- Direito ao acesso à Justiça- Democratização das instituições públicas
Participação social- Compreensão da prisão como integrante da sociedade e da comunidade- Compreensão da prisão como uma instituição pública e portanto permeável ao controle da sociedade
Perspectiva histórico social do delito - Compreensão do delito e do delinqüente a partir de determinações econômicas, culturais, sociais e individuais- Necessidade de abordagem trasdisciplinar e multifatorial no enfrentamento da violência e da criminalidade.
Funções dos Conselhos de Comunidade
1) Representação /intermediação da comunidade
2) Educativa
3) Consultiva
4) Assistencial
5) Auxílio material para o presídio
6) Fiscalizadora
Instrumentos Legais importantes para o trabalho dos Conselhos de Comunidade
• Constituição Federal• Constituição Estadual• Lei de Execução Penal • Regras mínimas para tratamento de presos – ONU• Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou
Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes - ONU• Constituição estadual• Lei/decreto de regulamentação do órgão estadual• Regimento interno do presídio
Estratégias...
Conselhos da Comunidade
Defensoria Pública
Penas Alternativas
Reforma Psiquiátrica no
Sistema Prisional
Assistência Egresso
Ciclo vicioso da exclusão e criminalização da pobreza
Mito dasCausasInternas
SegurançaSocial
SistemaPrisional
Criminalidade
Ciclo da inclusão e responsabilização
ComplexidadeDe
Fatores
RelaçõesDe
Pertencimento
ResponsabilizaçãoProjeto de Vida
CidadãoCriminalidade
Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com issoEu não era negro
Em seguida levaram alguns operáriosMas não me importei com issoEu também não era operário
Depois prenderam os miseráveisMas não me importei com issoPorque eu não sou miserável
Depois agarraram uns desempregadosMas como tenho meu emprego Também não me importei
Agora estão me levandoMas já é tarde.Como eu não me importei com ninguémNinguém se importa comigo.
Bertold Brecht (1898-1956)
Valdirene DaufembackConselho Carcerário da Comunidade Joinville
Comissão Nacional de Fomento aos Conselhos da Comunidade – DEPENConselho Nacional de Políticas Criminais e Penitenciárias – CNPCP
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(47) 99643037 / 30253447