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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
"CONFIE NO CONAR?": A AUTORREGULAMENTAÇÃO DA EXPLORAÇÃO DA
IMAGEM DA MULHER NA PUBLICIDADE BRASILEIRA
Rochelle Cristina dos Santos1
Resumo: Considerando que a publicidade é uma atividade regulamentada no Brasil desde 1957,
seria esperado que suas implicações sociais recebessem atenção quanto aos impactos que provoca.
Para manter a fiscalização foram criados no Brasil organizações de regulamentação publicitária,
cada uma apresenta uma função distinta mas todas oferecem a mesma proposta: regulamentar a
difusão da publicidade Brasileira. Entre os organismos que surgiram no Brasil para exercer controle
e regulamentação sobre a publicidade o mais conhecido pela sociedade é o CONAR. O órgão indica
que tem como missão empresarial "Impedir que a publicidade enganosa ou abusiva cause
constrangimento ao consumidor ou a empresas e defender a liberdade de expressão comercial."
Uma das atribuições designadas ao CONAR é julgar campanhas publicitárias que foram
denunciadas pelo público em geral. O CONAR tem a função de avaliar e apresentar um parecer
sobre a acusação. Dependendo da situação, a campanha pode ou não ser retirada de circulação. Mas
quais interesses são prioridades nas avaliações do CONAR, os interesses da sociedade ou os
interesses mercadológicos? Com este artigo proponho a reflexão sobre a função do CONAR e suas
demonstrações de conivência com a criação e circulação de propagandas que apresentam imagens e
discursos não apenas machistas, mas também ofensivos às lutas feministas. A pesquisa é embasada
em peças publicitárias denunciadas pelo público e liberadas pelo Conar.
Palavras-chave: Conar. Feminismo. Publicidade Brasileira.
Confie no Conar (?)
Em fevereiro de 2015 a Skol (marca de cerveja pertencente ao grupo AMBEV) divulgou
uma campanha publicitária que foi veiculada durante o carnaval. Logo após sua inserção nas
mídias, a campanha foi criticada através das redes sociais online gerando uma repercussão negativa
para a marca. A campanha publicitária da Skol, produzida pela agência de publicidade F/Nazca
Saatchi & Saatchi2, cujas peças gráficas foram aplicadas em diferentes mídias, apresentava frases
como: "Esqueci o não em casa", reforçando o imaginário de que "No carnaval vale tudo".
A peça publicitária não passou despercebida por duas amigas que resolveram realizar uma
intervenção no cartaz e divulgaram as imagens através das redes sociais online. Abaixo da frase
"Esqueci o não em casa", as amigas colaram fita adesiva formando a frase complementar "E trouxe
o nunca". Mila Alves (jornalista) e Pri Ferrari (publicitária) são as duas mulheres que aparecem ao
1 Doutoranda no Programa de Pos-Graduação Interdisciplinar na Universidade Federal de Santa Catarina.
Professora efetiva no Curso de Design da Universidade Federal de Santa Catarina. 2 UOL, publicada em 11/02/2015. Disponível em http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2015/02/11/anuncio-da-
skol-para-o-carnaval-gera-polemica-peca-incentivaria-assedio.htm Acesso em 10 de junho de 2015.
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lado do cartaz, com a nova expressão textual, fazendo um gesto obsceno para confrontar a ideia
machista representada na peça original.
Figura 1: Imagem de Mila Alves e Pri Ferrari realizando uma intervenção nas peças publicitárias veiculadas pela
Skol no Carnaval de 2015. Imagem originalmente publicada no dia 22/03/2015 em matéria online da revista Carta
Capital. Disponível em http://www.cartacapital.com.br/sociedade/machismo-e-a-regra-da-casa-4866.html Acesso em 10
de junho de 2015.
A publicitária Pri Ferrari publicou a imagem da intervenção em sua página do facebook,
uma rede social. A legenda da imagem apresentou um texto com a reflexão da autora, indicando que
a campanha foi irresponsável por reforçar a ideia de que no carnaval tudo pode, considerando que
neste período festivo "o índice de estupros aumenta no Brasil"3. Até o dia 11 de fevereiro de 2015 a
postagem havia alcançado 26.983 curtidas4 e 8.533 compartilhamentos via facebook.
As matérias publicadas sobre a ação de intervenção receberam vários comentários5 de
leitores. Alguns desses comentários não concordavam com a intervenção, muitos falavam que a
peça não representava nenhum tipo de afronta ou não sugeria apologia ao estupro, como defende Pri
Ferreira. Entretanto, a partir de um possível conhecimento adquirido sobre discursos feministas,
bem como sobre a função social da publicidade para além da finalidade de vender produtos, as
amigas estimularam novas discussões e fizeram com que a peça fosse questionada em âmbito
nacional.
3 ZEROHORA, 11/02/2015 22h47min Disponível em: http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2015/02/skol-vai-
retirar-campanha-apos-acusacao-de-apologia-ao-estupro-4698784.html Acesso em: 10 de junho de 2015. 10 jun. 2015. 4 A rede social facebook disponibiliza 3 opções para interação entre usuários. A opção "curtir" indica que a pessoa
gostou da postagem. A opção "compartilhar" possibilita que a pessoa replique a postagem dando visibilidade ao seu
próprio grupo de amiga(o)s (aumentando o alcance da postagem). A opção comentar permite que a pessoa dê sua
opinião sobre a matéria. 5 É comum que veículos de comunicação permitam que leitores opinem sobre a matéria indicando seu ponto de vista.
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Este tipo de ação, onde a intervenção em peças publicitárias é realizada para modificar a
mensagem original, tem um histórico no universo da publicidade e possui uma denominação
específica Culture Jamming"6. A Culture Jamming rejeita frontalmente a ideia de que “o marketing
- porque compra sua entrada em nossos espaços públicos - deve ser aceito passivamente como um
fluxo de informação unilateral."7 Esta prática pode ter se tornado mais evidente a partir dos
recursos de produção de conteúdo que a internet proporciona, principalmente através da técnica de
compartilhamentos permitidas através das redes sociais online. De acordo com Iara Belelli,
O impacto da internet permitiu a criação de redes horizontais de comunicação, cujo
crescimento foi acelerado com as mídias digitais móveis, que agregam mobilidade
ao estar conectado, um campo marcado pela intertextualidade, onde convivem
conteúdos veiculados por variadas mídias que se retroalimentam8.
O caso da campanha da Skol ganhou repercussão em diversos portais de notícias (G1, UOL,
Terra, Zero Hora, BrasilPost, Folha, Exame, Estadão). Além destes canais que apresentam
conteúdos de interesses gerais. No âmbito profissional a campanha também repercutiu em mídias
como a revista online especializada em marketing e publicidade intitulada Meio e Mensagem9. Com
tanta exposição negativa, a AMBEV se sentiu pressionada e emitiu a seguinte nota:
As peças em questão fazem parte da nossa campanha "Viva RedONdo", que tem
como mote aceitar os convites da vida e aproveitar os bons momentos. No entanto,
fomos alertados nas redes sociais que parte de nossa comunicação poderia resultar
em um entendimento dúbio. E, por respeito à diversidade de opiniões,
substituiremos as frases atuais por mensagens mais claras e positivas, que
transmitam o mesmo conceito. Repudiamos todo e qualquer ato de violência seja
física ou emocional e reiteramos o nosso compromisso com o consumo
responsável. Agradecemos a todos os comentários.10
Este exemplo foi utilizado para apresentar o resultado da ação de duas amigas que buscaram
uma alternativa para lutar contra o posicionamento de uma empresa como a AMBEV, detentora de
muito poder de mercado e de mídia. Conforme matéria publicada na revista especializada Meio e
Mensagem11, no dia 11 de fevereiro de 2015, a AMBEV se posicionou e informou que faria as
6 KLEIN, Naomi. Culture Jamming: A ´publicidade sob ataque. In: KLEIN, Naomi. Sem logo: a tirania das marcas em
um planeta vendido. 5ºed. Rio de Janeiro: Record, 2006. 7 Ibdem, p. 209 8 BELELI, Iara. O imperativo das imagens: construção de afinidades nas mídias digitais. Cad. Pagu [online]. 2015,
n.44, pp. 91-114. ISSN 0104-8333. 9 Disponível em http://www.meioemensagem.com.br/home/comunicacao/noticias/2015/02/11/Skol-vai-mudar-
campanha-pol-mica.html Acesso em 10 de junho de 2010. 10 Disponível em http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2015/02/skol-vai-retirar-campanha-apos-acusacao-de-
apologia-ao-estupro-4698784.html Acesso em 10 de junho de 2015. 11 Disponível em http://www.meioemensagem.com.br/home/comunicacao/noticias/2015/02/11/Skol-vai-mudar-
campanha-pol-mica.html Acesso em 10 de junho de 2010.
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alterações das peças. Esta foi uma das poucas vezes que uma marca se manifestou de maneira
"espontânea" em favor de uma reivindicação social. As novas peças da campanha apresentaram
frases como: "Quando um não quer, o outro vai dançar.", "Neste carnaval, respeite.", "Não deu
jogo? Tire o time de campo. Neste carnaval, respeite."
Classifica-se o fato como uma atitude "espontânea" por não ter ocorrido nenhum tipo de
intervenção judicial para que a Skol se posicionasse. É de conhecimento da população em geral, ou
deveria ser, que as propagandas brasileiras são regulamentadas pelo CONAR (Conselho Nacional
de Autorregulamentação Publicitária). Este órgão não governamental surgiu no final dos anos 1970
com a finalidade de lutar contra a censura instaurada no regime militar, bem como para preservar a
liberdade de expressão comercial e os interesses do mercado publicitário, inclusive da(o)s
consumidora(e)s12. O CONAR atende denúncias públicas ou privadas e, com base na argumentação
das partes, realiza um julgamento e tem o poder de executar uma determinação, como por exemplo,
proibir a veiculação da campanha.
Após a manifestação online contra a Skol, o CONAR recebeu algumas denúncias motivadas
pelos argumentos de Pri Ferreira. Entretanto, o julgamento da campanha pelo CONAR só ocorreu
em abril de 2015, dois meses após o Carnaval, e dois meses após a própria AMBEV manifestar-se
publicamente e ter alterado, conforme tinha proposto, as peças da campanha. O resultado da ação do
CONAR está disponível no site da organização.
Grupo de consumidoras reclamou de publicidade em mídia exterior da Skol,
veiculada às vésperas do Carnaval, com a frase acima. Elas consideraram
que a peça publicitária podia implicar o estímulo ao abuso, constrangimento
e intervenção na liberdade de comportamento e autonomia de decisão, em
especial da mulher. Em sua defesa, anunciante e agência informaram os
contornos da campanha em que a peça publicitária estava inserida e que
propõe ao consumidor "aceitar os convites que a vida faz". Negou a defesa a
interpretação dada à frase, lembrando que não há imagem no cartaz de quem
pudesse estar vocalizando-a, o que, por si só, já deveria afastar qualquer
entendimento de que haveria intenção de tratar de assuntos ligados a sexo.
Pelo contrário, argumenta a defesa, a peça publicitária reforça o poder de
escolha das pessoas sobre o que querem fazer. Informou ainda a defesa que
foi feito contato com o grupo de queixosas e, em respeito a elas, optou-se
voluntariamente pela retirada do anúncio.
O relator da representação sugeria a alteração, por considerar que a frase,
ainda que pertinente ao contexto da campanha, quando vista isoladamente
pode dar margem à interpretação que originou a reclamação. Seu voto, no
entanto, foi vencido no Conselho de Ética pela recomendação de
12 Disponível em http://www.conar.org.br/ Acesso em 10 de junho de 2010.
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arquivamento. O autor do voto vencedor argumentou que a frase não é
dúbia, não faz insinuações maliciosas, tampouco é feita como uma
recomendação do anunciante.
Decisão: arquivamento.
Relator: Arthur Amorim
Pode-se perceber que, mesmo sendo considerado um órgão respeitável e de credibilidade no
mercado publicitário, o CONAR posicionou-se contra as denúncias públicas. Mesmo que no
momento do julgamento o caso já estivesse sido resolvido na prática, como de fato aconteceu, o que
fica nos registros da organização é o resultado da ação e a interpretação dos conselheiros do
CONAR reforçando que: " a frase não é dúbia, não faz insinuações maliciosas." Mas se não é para
defender as denúncias da sociedade, qual a real função do CONAR?
Fundada em 1º de agosto de 1949, a Abap defende e divulga os interesses de
agências brasileiras associadas à indústria de comunicação. Está presente
em todos os Estados do País e é a maior organização do setor na América
Latina. Suas associadas são responsáveis por 78% do investimento
publicitário brasileiro em mídia, movimentando um universo de 3.200
profissionais e 4.100 clientes.
Dentre as realizações da Abap estão a co-fundação do Conselho Nacional de
Autorregulamentação Publicitária (Conar), do Conselho Executivo das
Normas-Padrão (Cenp), do Instituto Verificador de Comunicação, do Fórum
Permanente da Indústria da Comunicação (Forcom), do Fórum de Produção
Publicitária e do Fórum do Audiovisual e do Cinema (FAC). Além disso, a
Abap inspirou a lei 4680/65, conhecida como a Lei da Propaganda, e foi
responsável pela realização de quatro Congressos Brasileiros de Publicidade
e do 5º Congresso da Indústria da Comunicação. A entidade também
contribuiu de forma decisiva para a aprovação da Lei 12.232, que
regulamenta os critérios para licitações públicas.13
Ressalta-se este trecho para evidenciar que a criação do CONAR foi estimulada por uma
associação que visa defender os interesses das "agências brasileiras" e não necessariamente da
sociedade. Com base no exposto, serão apresentadas algumas práticas, divulgadas nos últimos anos,
sobre a atuação do CONAR.
Um dos pontos relevantes a ser ressaltado é sobre o sistema de manutenção do CONAR, "
Mantido pela contribuição das principais entidades da publicidade brasileira e seus filiados –
anunciantes, agências e veículos –, tem sede na cidade de São Paulo e atua em todo o país."14 Se o
13 ABAP. Disponível em http://www.abap.com.br/institucional-entidade.cfm Acesso em 20 de julho de 2015. 14 CONAR.
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órgão é mantido por agências e veículos, é possível que seus "julgamentos" não sejam
necessariamente imparciais. Considerando os grandes volumes de verbas necessárias para produzir
e veicular uma campanha, conceder um parecer favorável à sociedade significa perder boa parte de
investimentos. Outro fator relevante é quanto a composição da diretoria do CONAR, vale destacar
que os membros que compõem o quadro administrativo do órgão são voluntários15. Abaixo segue
uma lista com a relação dos nomes e suas funções empresariais:
Presidente: Gilberto C. Leifert
Diretor da Central Globo de Relações com o Mercado. Bacharel em Direito
pela Universidade de São Paulo, é reconhecido como especialista em ética e
autorregulamentação publicitária. É presidente da instituição desde 1998; foi
membro titular do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional
por dois mandatos.
1º Vice-Presidente: Geraldo Alonso Filho
Diretor do Instituto Cultural da ESPM. Filho de um dos fundadores do
Conar
Está ligado ao Conar desde 1998, tendo sido presidente da 1ª Câmara do
Conselho de Ética até 2010.
2º Vice-Presidente: Eduardo Bernstein
Diretor de Marketing na JBS Foods. Foi vice-presidente da ABA entre 2008
e 2012 e atualmente faz parte do Conselho dessa associação.
3º Vice-Presidente: Antonio Carlos de Moura
Diretor-Executivo Comercial da Folha de S.Paulo, onde trabalha desde
1982, sendo o responsável pela área de comercialização publicitária de
todos os jornais do grupo e também do UOL, à frente de uma equipe de 250
pessoas. Participa do Conar desde o começo dos anos 90, como um dos
representantes da ANJ, e também no Cenp. Na ANJ, integra o Comitê de
Comercialização desde a sua criação.
VP Executivo: Edney G. Narchi
É formado em Direito pela Universidade de São Paulo. Trabalha no Conar
desde 1985
Diretor de Assuntos Legais:João Luiz Faria Netto
15 Ibdem.
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Jurista especializado em Direito à Informação, é um dos fundadores do
Conar. É Consultor Jurídico do Cenp, Diretor Jurídico do Sindicato de
Agências de Propaganda do Estado do Rio de Janeiro, advogado da Abap-
Rio e da Associação Brasileira de Propaganda.
Diretor: Fernando Portela
Em 1989, criou e dirigiu a gerência de Comunicação da Fiat do Brasil,
holding do grupo no País, voltando depois para o Grupo Estado, onde se
tornou diretor adjunto do Jornal da Tarde, cargo que ocupou até meados de
2005, quando fundou a Loqüi Editora. Lá, cuida da coleção Repórter
Especial em parceria com outras editoras. No Conar, responde pela direção
de Relações com a Imprensa.
Diretor: Dorian Taterka
Publicitário e diretor de comerciais respeitado internacionalmente, Dorian
Taterka é presidente da Taterka Comunicações e proprietário da TVC -
Televisão e Cinema. No Conar, ocupa o cargo de Diretor de Publicidade16.
Após uma breve análise sobre os nomes e funções dos membros da diretoria do CONAR foi
possível chegar a algumas conclusões: 1) A diretoria é composta apenas por homens; 2) A maior
parte dos integrantes atua faz décadas no CONAR, não existe transição de poder; 3) Todos estão
vinculados a grandes veículos ou anunciantes nacionais.
Estes dados são alarmantes, eles indicam que possivelmente os interesses do CONAR
podem estar atrelados a políticas de beneficiamento para as empresas em detrimento dos direitos da
sociedade. Todavia, o órgão afirma que,
Os preceitos básicos que definem a ética publicitária são:
- todo anúncio deve ser honesto e verdadeiro e respeitar as leis do país,
- deve ser preparado com o devido senso de responsabilidade social, evitando
acentuar diferenciações sociais,
- deve ter presente a responsabilidade da cadeia de produção junto ao consumidor,
- deve respeitar o princípio da leal concorrência e
- deve respeitar a atividade publicitária e não desmerecer a confiança do público
nos serviços que a publicidade presta.17
Ao informar que as peças publicitárias devem ter "senso de responsabilidade social, evitando
diferenciações sociais", o CONAR atribui uma função muito importante à sociedade: a função de
16 Ibdem. 17 Ibdem.
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contribuir para fiscalização das peças publicitárias. O órgão recebe "denúncias de consumidores,
autoridades, dos seus associados ou ainda formuladas pela própria diretoria."18
É inegável que em certos casos os julgamentos são bastante ágeis e eficientes. A maior parte
das denúncias recebidas pelo CONAR são de empresas, é a própria concorrência que denuncia
quando alguma peça é de certa forma enganosa provocativa19, tudo isso com a finalidade de
prejudicar o anunciante/concorrente. Entretanto, alguns casos, principalmente de impacto social,
acabam por receber menor atenção, ou mesmo são julgados de maneira questionável.
No ano de 2011, a marca de lingerie HOPE, divulgou uma campanha com a uber model
Gisele Bundchen. O vídeo intitulado "Hope ensina" mostrava Gisele "ensinando" às mulheres a
sensualizarem quando tivessem a necessidade de contar algo para os maridos. O roteiro girava em
torno da indicação entre o que era certo ou errado.
Figura 6: Hope Ensina
Fonte: Disponível em http://www.blogdogomes.com.br/2011/10/gisele-prevalece-e-propaganda-
continua/
A peça foi denunciada por aproximadamente 40 consumidoras, bem como pela Secretaria
Especial de Políticas Para as Mulheres (SPM)20. Nos arquivos do CONAR é possível encontrar os
18 Ibdem. 19 Entende-se por "Provocação" a utilização de discurso de uma marca que deprecie a concorrente. Existem alguns casos
famosos no Brasil, o último deles da Hyndai. 20 SIMON, Cris. Caso Hope/Gisele Bündchen é arquivado pelo Conar. Publicada em 13 de outubro de 2011.Disponível
em http://exame.abril.com.br/marketing/noticias/caso-hope-gisele-bundchen-e-arquivado-pelo-conar Acesso em 10 de
junho de 2015
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dados do julgamento, os mesmos ficam disponíveis para o público no site da instituição. A denúncia
foi protocolada na categoria "Respeitabilidade" e a decisão foi pelo arquivamento do caso. O
resumo do relato indica que,
O Conar recebeu 42 reclamações de consumidoras e consumidores de todo o país
contra campanha em TV do fabricante de lingerie Hope. A essas reclamações
juntou-se a enviada pela Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da
República. Todas consideraram os filmes sexistas e desrespeitosos para com a
condição feminina. [...] Anunciante e agência enviaram defesa ao Conar, apelando
para a evidente ironia e o bom humor da campanha, principalmente por ser
estrelada por uma das mulheres mais reconhecidas e bem-sucedidas do mundo.
Mencionam também o fato de a campanha ter recebido numerosas demonstrações
públicas de apoio, tanto de consumidores quanto da imprensa.[...]
Para a relatora, a campanha "busca reter a atenção de um consumidor diariamente
bombardeado por uma avalanche de informações e, para atingir esse objetivo de
forma eficiente, vale-se do lúdico, da licença poética, brincando com estereótipos".
Ela identificou dois deles na campanha da Hope: o da mulher objeto e o do homem
paspalho, facilmente manipulável por uma mulher sensual. "Mas será que esses
clichês - ou a forma como foram retratados - fogem ou destoam do que o brasileiro
rotineiramente vê na mídia em geral?", pergunta-se a relatora.
Ela entendeu que não. "Os anúncios são caricaturais e pautados pelo bom humor,
pela irreverência, são leves e sem qualquer ofensa à mulher ou ao homem
brasileiro. Acredito que nós, cidadãos, temos discernimento para identificar o
aspecto caricatural, o humor e a irreverência nessa campanha. Se gostamos ou não
é outra discussão, mas penso que uma campanha não deve ser suspensa por seu
eventual mau gosto, sob pena de tal decisão revestir-se de viés autoritário, qual
seja, o da imposição da opinião ou do gosto de uns sobre o dos outros. Afinal de
contas, aqueles que não gostam de determinada campanha publicitária sempre
poderão, assim como fizeram no presente caso, manifestar seu repúdio, sua
reprovação, em verdadeira demonstração do processo de amadurecimento da nossa
democracia".Sua recomendação, pelo arquivamento da representação, foi aceito
por unanimidade.21
A decisão do CONAR em relação a esta campanha causa uma sensação de impotência
perante a sociedade. A própria SPM, uma secretaria vinculada ao governo Federal, demonstrou sua
insatisfação com a peça e ainda assim o caso foi arquivado. Em alguns veículos de comunicação
foram veiculados um "complemento" sobre a decisão do CONAR, um dos relatos justificou-se
dizendo que "os estereótipos presentes na campanha são comuns à sociedade e facilmente
identificados por ela, não desmerecendo a condição feminina".22 Esta declaração não foi a única
21 CONAR. 22 Conar arquiva processo de suspensão de comercial de Gisele Bündchen. Publicado e m 13/10/2011 Disponível em
http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/conar-arquiva-processo-de-suspensao-de-comercial-de-gisele-
bundchen-a90ax7r12gpx60yjo4gvgwci6 Acesso em 10 de junho de 2015.
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notificação sobre o caso após o arquivamento, um dos relatores ratificou seu posicionamento
contrário as causas feministas em uma entrevista concedida à Jornalista Claudia Penteado:
O Conar decidiu a favor da campanha Hope Ensina. O que esse episódio, no fim
das contas, ensina?
Adilson Xavier – Ensina que o Brasil evoluiu e está pronto pra debater sobre
qualquer tema (que venham os temas mais relevantes). Ensina que a mulher
brasileira está muito mais madura do que algumas minorias acreditam, e não
precisa ser tutelada para saber a diferença entre piada e ofensa. Ensina que não
existe nada melhor do que uma discussão civilizada para que as coisas se
esclareçam, que todas as opiniões são bem-vindas, e que as opiniões raivosas
geralmente partem de quem não está enxergando a situação com o necessário bom
senso.23
As demonstrações públicas de machismo por parte do CONAR não se limitam aos
julgamentos das denúncias. A diretoria do órgão parece ter disposição para enfrentar as lutas
feministas. Em janeiro de 2014 o CONAR divulgou uma campanha publicitária onde o próprio
órgão "satiriza" o teor de algumas denúncias. "Criada pela AlmapBBDO, a campanha usa o “bom
humor” para satirizar algumas reclamações curiosas que chegam a entidade."24A campanha inclui
dois vídeos publicitários que fazem alusão a reclamações da(o)s consumidora(e)s. Uma das peças
questiona as denúncias contra diversos tipos de piadas através do vídeo intitulado "Palhaço"25. Já no
vídeo "Feijoada", as sátiras são direcionadas às reclamações feministas. Ao final dos dois vídeos a
locução acentua que, "O Conar é responsável por regular a publicidade no Brasil. Todos os dias
recebe dezenas de reclamações. Muitas são justas, outras, nem tanto. Confie em quem entende,
confie no CONAR"26.
Com esta campanha o CONAR reforça a ideia de que o órgão não está preparado para julgar
determinadas demandas sociais. Uma diretoria composta por homens (e talvez com a contribuição
de algumas mulheres) que parecem não ter o mínimo de conhecimento sobre questões feministas,
23 A entrevista na íntegra está disponível no link da referência. PENTEADO, Claudia. Conar Absolve Hope. Publicada
em 14 de outubro de 2011. Disponível em http://consumoepropaganda.ig.com.br/index.php/2011/10/14/conar-absolve-
hope/ Acesso em 12 de outubro de 2015. 24 URSINI, Nathalie. Publicada em 31 de janeiro de 2104. Conar satiriza reclamações e pede confiança. Disponível
em: http://www.meioemensagem.com.br/home/comunicacao/noticias/2014/01/31/Conar-satiriza-reclamacoes-e-pede-
confianca.html Acesso em 10 de junho de 2015. 25 Ibdem. 26 Ibdem.
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não poderia ser responsável pelo julgamento de determinadas peças publicitárias. Em muitos casos,
tais peças são criadas por colegas de trabalhos da própria diretoria.
Apesar disso é possível identificar que a naturalização do machismo, que vem sendo
reforçada e justificada por profissionais da área de publicidade e órgãos ditos competentes, está
perdendo poder de decisão diante das ações promovidas por movimentos feministas através de
divulgação de reclamações por mídia online. O caso da Skol é um exemplo da força dos feminismos
promovidos pela internet.
Aliadas a estas questões as ações de publicitárias, que estão finalmente expondo inúmeros
problemas de mercado, também podem ser consideradas forças feministas dentro deste novo
cenário que vem possibilitando novos questionamentos. A viralização de conteúdos feministas
relacionados às práticas publicitárias aindaé muito incipiente, contudo é possível perceber que
existe potencial para que esta forma de comunicação alcance patamares mais significativos. O
questionamento de quem pode falar pelos movimentos sempre será problematizado, uma indicação
já temos: não sabemos se é possível confiar apenas no CONAR, é preciso dar condições para
ampliar as vozes dos feminismos.
Referências
ABAP. Disponível em http://www.abap.com.br/institucional-entidade.cfm Acesso em 20 de julho
de 2015.
BELELI, Iara. O imperativo das imagens: construção de afinidades nas mídias digitais. Cad.
Pagu [online]. 2015, n.44, pp. 91-114. ISSN 0104-8333.
Disponível em http://www.meioemensagem.com.br/home/comunicacao/noticias/2015/02/11/Skol-
vai-mudar-campanha-pol-mica.html Acesso em 10 de junho de 2010.
Disponível em http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2015/02/skol-vai-retirar-campanha-apos-
acusacao-de-apologia-ao-estupro-4698784.html Acesso em 10 de junho de 2015.
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Abstract: Considering that advertising has been a regulated activity in Brazil since 1957, it would
be expected that its social implications would receive attention to the impacts it causes. To maintain
oversight, advertising regulation organizations have been created in Brazil, each of which has a
distinct function, but all offer the same proposal: regulate the diffusion of Brazilian advertising.
Among the agencies that have emerged in Brazil to exercise control and regulation on advertising,
the best known by society is CONAR. The body indicates that its business mission is to "Prevent
misleading or abusive advertising from causing embarrassment to the consumer or companies and
to defend freedom of commercial expression." One of the functions assigned to CONAR is to judge
advertising campaigns that have been denounced by the general public. CONAR has the task of
evaluating and presenting an opinion on the prosecution. Depending on the situation, the campaign
may or may not be taken out of circulation. But what interests are priorities in the evaluations of
CONAR, the interests of society or market interests? With this article I propose the reflection on the
function of the CONAR and its demonstrations of connivance with the creation and circulation of
advertisements that present images and discourses not only machismo, but also offensive the
feminist struggles. The research is based on analyzes of publicity pieces denounced by the public
and released by Conar.
Keywords: Conar. Feminism Brazilia. Advertising.