-
contra-capa
-
Juliana Neves Barros
Legislao Ambiental Aplicada Minerao
Cruz das Almas - BA2017
-
FICHA CATALOGRFICA
B277I Barros, Juliana Neves.Legislao ambiental aplicada minerao /
Juliana Neves Barros._ Cruz das Almas, BA:UFRB 2017.
86p.; il.
ISBN: 978-85-5971-025-0
1.Meio ambiente - Legislao. 2.Minerao-Minas e recursos minerais. I.Universidade Federal doRecncavo da Bahia, Superintendncia de EducaoAberta e a Distncia. II.Ttulo
CDD:504
Ficha elaborada pela Biblioteca Universitria de Cruz das Almas - UFRB
https://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/4.0/
-
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECNCAVO DA BAHIA - UFRB
Silvio Luiz de Oliveira Soglia
Reitor da Universidade Federal da Bahia - UFRB
Georgina Gonalves dos Santos
Vice Reitora da Universidade Federal da Bahia - UFRB
SUPERINTENDNCIA DE EDUCAO ABERTA E A DISTNCIA-SEAD
Ariston de Lima Cardoso
Superintendente Coordenador UAB
Docente/CETEC
Adilson Gomes dos Santos
Coordenador Adjunto UAB
Docente/CETEC
CENTRO DE CINCIAS AGRRIAS, AMBIENTAIS E BIOLGICAS - CCAAB
Elvis Lima Vieira
e-mail: [email protected]
Diretor
Marcela Rebouas Bomfim
Coordenador do Curso Especializao
em Minerao e Meio Ambiente - Ead
Josival Santos Souza
e-mail: [email protected]
Vice-Diretor
Giselle Chagas Damasceno
Vice-Coordenador do Curso Especializao
em Minerao e Meio Ambiente - Ead
EQUIPE DE PRODUO DA SEAD
Agesandro Azevedo Carvalho
Tcnico em Assuntos Educacionais
Sabrina Carvalho Machado
Assistente em Administrao
Dayane Sousa Alves
Assistente em Administrao
Luiz Artur
Assistente em Administrao
Jnatas de Freitas Santos
Tcnico em Informtica
Karina Zanoti Fonseca
Chefe do Ncleo de Mdias
Docente/CCS
Alberto Roque Cerqueira de Azevedo
Tcnico em Audiovisual
Carlos Andr Lima de Matos
Diagramador - Estagirio
Lailson Brito dos Santos
Estagirio
Raimar Ramos de Macedo Filho
Diagramador - Estagirio
SEAD - UFRBCasa N1 - Campus Universitrio. Telefone: (75) 3621-6922.
Rua Rui Barbosa, 710 - Centro. Cruz das Almas-BA
-
APRESENTAO DO CURSO
Prezado(a) Aluno(a),
A questo ambiental contempornea tem como marco de emergncia enquanto questo
pblica os anos 60 e 70, como fenmeno associado ao crescente debate sobre os limites do
crescimento econmico e das tendncias dos grandes empreendimentos produtivistas, do
agronegcio e dos setores industriais sobre o uso predatrio dos recursos naturais.
O termo ambientalizao do Estado e dos conflitos sociais (BUTTEL 1992; LOPES, 2006;
ACSELRAD, 2010) vem a indicar esse processo histrico de construo de novos fenmenos
associado a um processo de interiorizao pelas pessoas e pelos grupos sociais das diferentes
facetas da questo pblica do meio ambiente. A constituio dessa questo parte da reao
a um processo de devastao intensificado pela industrializao, das lutas de populaes
atingidas, profissionais, agncias estatais e ONGs contra riscos sade dos trabalhadores e de
populaes prximas a fbricas e empreendimentos poluentes. Embora tenha se iniciado nos
pases desenvolvidos industriais, relacionada produo de acidentes industriais ampliados e
de grandes riscos, a realizao da conferncia sobre o meio ambiente promovida pela ONU
em Estocolmo, em 1972, contribui para sua internacionalizao e o surgimento de questes
globais (LOPES,2006).
A ambientalizao pode ser notada pela transformao na forma e na linguagem de
conflitos sociais e na sua institucionalizao parcial. Nesses mais de 30 anos, foi se configu-
rando internacionalmente, e no Brasil, uma srie de novas instituies de controle ambiental.
Cria-se a figura do licenciamento ambiental e uma poltica nacional de avaliao de impactos
ambientais, exigindo estudos e audincias pblicas para o licenciamento de atividades poten-
cialmente poluidoras. Desencadeia-se todo um trabalho de normatizao que ser depois
transformado em normas federais, em resolues do Conselho Nacional do Meio Ambiente
(CONAMA) na criao da lei de ao civil pblica, que disciplina a ao civil pblica de respon-
sabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valores
artsticos, estticos, histricos. Criam-se fundos pblicos de multas e compensaes aos
danos ambientais (BRASIL, 1988). Em 1988, h a promulgao da nova Constituio Federal,
-
com um importante captulo sobre o meio ambiente como que coroando esse processo de
construo de uma institucionalidade ambiental e articulando-o com outros domnios conexos
que alimentaram reivindicaes de movimentos sociais nos anos 1980.
Assim, como nos lembra Lopes (2006), a questo ambiental como nova fonte de legitimi-
dade e de argumentao nos conflitos pode ser vista em inmeras instncias: nas novas reas
jurdicas, com o crescimento do direito ambiental e da categoria de direitos difusos e coletivos
orbitando em torno da necessidade de reproduo da qualidade de vida de uma gerao para
outra; nas escolas, aparecendo a promoo da educao ambiental como uma nova disciplina
transversal, mas tambm comportando formas de difuso por meios de comunicao de
massa; dentro das empresas, em que assumem importncia as gerncias ambientais, aparece
a auto-regulao empresarial e do mercado internacional atravs dos selos ambientais, e
ganha nfase o discurso da responsabilidade social corporativa, associando-se as questes
ambientais como questo de eficincia produtiva, de marca e legitimidade no mercado e na
sociedade. Grupos populares, trabalhadores e populaes atingidas por danos ambientais
tambm passam a se utilizar tambm da questo ambiental como repertrio de seus interesses
e reivindicaes, passando a ocupar instncias de gesto pblica participativa e organizaes
da sociedade civil, como conselhos de meio ambiente, associaes de moradores e sindicatos.
Alm das novas instituies criadas, o carter totalizante da problemtica ambiental induz s
revalorizaes profissionais, com ampliao para atuao na rea ambiental de vrios campos
de domnio tcnico-cientifico (engenheiros, qumicos, advogados, gelogos, mdicos, bilogos,
e outros, inclusive cientistas sociais).
Considerando a dinmica assumida pela economia brasileira, voltada para a exportao
de matrias-primas, assistimos a um acirramento dos conflitos socioambientais devido
expanso da fronteira agrcola e mineral e tambm a realizao de obras de integrao regional
marcados pela incorporao de territrios ocupados por outros grupos sociais, notadamente
comunidades rurais e povos tradicionais. Se a reprimarizao da economia, de um lado, pode
gerar vantagens no crescimento econmico; de outro, vem produzindo novas desigualdades
tanto do ponto de vista econmico e social quanto ambiental.
Particularmente, tem-se constatado um aumento expressivo do extrativismo mineral, que
assume caractersticas novas e particulares por suas modalidades tecnolgicas, produtivas, de
-
investimento e de comercializao que se diferenciam de como ele era realizado no passado.
Ao lado de Minas Gerais (MG) e Par (PA), a Bahia hoje um dos grandes centros de
investimentos de capital estrangeiro na rea, alimentados pela grande presena de formaes
geolgicas favorveis ocorrncia de minerais valorizados no mercado internacional. Nquel,
Ouro, Diamante, Bauxita, Ferro, Cobre, entre outros diversos minerais, fazem do Estado um
dos locais mais procurados do pas pelas mineradoras. Assim como no mbito nacional,
observa-se uma forte tendncia a uma concentrao e fuso de operaes por meio de joint
ventures no mercado estadual, o que implica na atuao de conglomerados empresariais
com mais fora e poder de presso sobre o Estado. Associado expanso mineral, tem-
se o acirramento de conflitos ambientais envolvendo grupos sociais com outras prticas
espaciais incompatveis com a minerao e que tem seus modos de vida e acesso a recursos
territorializados comprometidos.
O objetivo do nosso curso Legislao Ambiental aplicada minerao contribuir no
conhecimento sobre a regulao ambiental do setor minerrio no Brasil, de modo que sejam
potencializados os usos dos instrumentos legais voltados para a afirmao de direitos frente
s dinmicas e os efeitos desencadeados pela atividade sobre o meio ambiente, populaes
e territrios. Incentivando tambm formas de controle social e regulao pblica dessas
empresas e seus negcios de extrao. O curso ser desenvolvido em 2 unidades: na
primeira, trataremos de questes gerais da legislao ambiental e na segunda, voltaremos
mais especificamente sobre as normas aplicveis ao setor minerrio.
Bom curso a todas e todos!
-
Sumrio
I Legislao Ambiental Aplicada Minerao
1 O QUE MEIO AMBIENTE? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
2 PROTEO DO MEIO AMBIENTE NO DIREITO INTERNACIONAL 19
3 A PROTEO DO MEIO AMBIENTE NO BRASIL . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
3.1 A Poltica Nacional de Meio Ambiente 23
3.2 O Meio Ambiente na Constituio Federal de 1988 24
4 PRINCPIOS DO DIREITO AMBIENTAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
4.1 Princpio do acesso justo e democrtico aos recursos naturais 29
4.2 Princpio da preveno e precauo 30
4.3 Principio da reparao 30
4.4 Princpio da qualidade 31
4.5 Princpio da participao popular 31
4.6 Princpio da publicidade ou da informao 31
4.7 Ordem econmica e desenvolvimento sustentvel 32
5 LICENCIAMENTO AMBIENTAL E ESTUDOS DE IMPACTO AMBIEN-
TAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
5.1 Estudo de Impacto Ambiental(EIA) e Relatrio de Impacto Ambienta(RIMA) 35
-
5.2 As etapas do licenciamento: Licena Prvia, Licena de Instalao e Licena de
Operao 38
5.3 rgos intervenientes nos processos de licenciamento ambiental federal 39
5.4 Empresas irregulares e as possibilidades de regularizao ambiental 40
5.5 Competncias para o licenciamento 42
6 RESPONSABILIDADE POR DANOS AMBIENTAIS . . . . . . . . . . . . . . . . 45
II Legislao Ambiental Aplicada Minerao
7 MINERAO E IMPACTOS AMBIENTAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
8 A REGULAO DA ATIVIDADE DE MINERAO . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
9 DOMNIO DOS RECURSOS MINERAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
10 COMPETENCIAS CONSTITUCIONAIS SOBRE ATIVIDADE MINERRIA
63
11 LICENCIAMENTO AMBIENTAL E EXIGNCIA DE ESTUDOS AMBI-
ENTAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
12 RECUPERAO DA REA DEGRADADA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
13 REAS DE RESTRIES OU IMPEDIMENTOS DA EXPLORAO
MINERAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
14 TERRAS INDIGENAS, QUILOMBOLAS E OUTRAS TERRAS DE USO
TRADICIONAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
-
15 PLANO NACIONAL DE MINERAO (PNM 2030) E PROJETO DE
NOVO CDIGO DA MINERAO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
-
I 1 O QUE MEIO AMBIENTE? . . . . . . . . 152 PROTEO DO MEIO AMBIENTE NODIREITO INTERNACIONAL . . . . . . . . . 193 A PROTEO DO MEIO AMBIENTE NOBRASIL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 233.1 A Poltica Nacional de Meio Ambiente
3.2 O Meio Ambiente na Constituio Federal de 1988
4 PRINCPIOS DO DIREITO AMBIENTAL
29
4.1 Princpio do acesso justo e democrtico aos recursos
naturais
4.2 Princpio da preveno e precauo
4.3 Principio da reparao
4.4 Princpio da qualidade
4.5 Princpio da participao popular
4.6 Princpio da publicidade ou da informao
4.7 Ordem econmica e desenvolvimento sustentvel
5 LICENCIAMENTO AMBIENTAL E ESTU-
DOS DE IMPACTO AMBIENTAL . . . . 35
5.1 Estudo de Impacto Ambiental(EIA) e Relatrio de Im-
pacto Ambienta(RIMA)
5.2 As etapas do licenciamento: Licena Prvia, Licena
de Instalao e Licena de Operao
5.3 rgos intervenientes nos processos de licenciamento
ambiental federal
5.4 Empresas irregulares e as possibilidades de regulariza-
o ambiental
5.5 Competncias para o licenciamento
6 RESPONSABILIDADE POR DANOS
AMBIENTAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
Legislao Ambiental Aplicada
Minerao
-
1. O QUE MEIO AMBIENTE?
Para que se entenda o que meio ambiente, essencial uma viso ampla do tema,
partindo da ideia de que a vida no Planeta Terra deve ser considerada em seu conjunto. O
meio ambiente tem a ver com as condies de clima, habitao, circulao, respirao,
alimentao, sade, trabalho, lazer dos seres humanos no planeta terra, no mundo em
que vivemos. tudo o que nos cerca e nos d condio de realizar as funes e atividades
vitais, no s dos seres humanos mas de todos os seres vivos.
Assim, podemos definir o meio ambiente como o conjunto de todo o patrimnio natural ou
fsico (gua, ar, solo, energia, fauna, flora), artificial (edificaes, equipamentos e alteraes
produzidas pelo homem) e cultural (costumes, leis, religio, criao artstica, linguagem,
conhecimentos) que possibilite o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas.
Afinal, o ser humano precisa da natureza para o seu sustento e ao mesmo tempo a natureza,
marcada pela cultura, precisa do ser humano para ser preservada e para poder manter ou
recuperar seu equilbrio (BOFF, 1998, p.73).
Entender o meio ambiente como direito humano fundamental significa que sua real-
izao condio necessria para a garantia de uma vida digna e sadia a qualquer ser
humano. A prpria sobrevivncia do planeta, garantia de um mundo para as presentes e
futuras geraes, depende da preservao do meio ambiente. S se pode falar na realizao
de outros direitos, a partir da garantia do maior deles, que o direito vida e ao mundo que
habitamos de um modo saudvel.
Nas palavras de dis Milar (2001, p.112), o reconhecimento do direito a um meio ambiente
sadio configura-se, na verdade, como extenso do direito vida, quer sob o enfoque da prpria
existncia fsica e sade dos seres humanos, quer quanto ao aspecto da dignidade desta
-
16 1. O QUE MEIO AMBIENTE?
existncia a qualidade de vida que faz com que valha a pena viver.
Meio ambiente como construo social
Os diferentes grupos humanos desenvolvem diferentes formas de pensar, representar
e agir sobre o ambiente. A natureza no uma condio absoluta, o que natureza ser
sempre diferentemente construdo, segundo os diferentes lugares ocupados neste espao
por diferentes classes e gneros de grupos sociais. Cada cultura observa a natureza de uma
maneira, interpreta de acordo com suas cosmologias prprias. Os diferentes significados
atribudos ao meio ambiente refletem e se projetam no campo social.
Conceituar meio ambiente tomar posio, tomar partido num processo social conflituoso
que coloca em foco os modos de apropriao do ambiente (VAINER, 1995, p.556).
Nesse sentido, importante afirmar que o meio ambiente no nico e universal,
ele mltiplo em suas qualidades socioculturais e no h meio ambiente sem sujeito.
Assim, falar de direito humano ao meio ambiente falar essencialmente do exerccio da
poltica, num processo que envolve diversas relaes de poder entre atores diferenciados
por suas identidades, interesses e valores, com diferentes condies e capacidades
para intervir, por exemplo, nos usos e acessos aos bens naturais. So as disputas pelas
diferentes formas de apropriao e usos distintos dos bens naturais que desencadeiam
os conflitos ambientais.
A noo de direito humano ao meio ambiente igualmente no deve se restringir ao que se
reconhece numa lei ou tratado, mas antes de tudo aquilo que uma determinada sociedade
reconhece como justo, necessrio e imprescindvel a qualquer pessoa ou a organizaes coleti-
vas. Ou seja, direito tambm noo cultural, varivel conforme experincias histricas
e sociais dos grupos humanos. Por isso, comunidades distintas atribuem importncia difer-
ente a determinados bens.
A noo da importncia do meio ambiente, por exemplo, independentemente do seu
reconhecimento por lei, mais enraizada em comunidades tradicionais, rurais, que tm uma
relao direta de dependncia dos recursos naturais, do que em agrupamentos humanos de
base industrial desenvolvida, em que o consumo de servios, alimentos e outras necessidades
se d por intermdio de produtos industrializados e servios mediados pelo mercado, e em
-
17
que o papel dos bens naturais, chamados de primrios, situados no incio da cadeia de
produo, menos visvel . Ao contrrio dos grupos empresariais ligados produo de
papel, energia, alumnio, produo de alimentos para exportao, por exemplo, grupos sociais
como as comunidades ribeirinhas, que tm relao direta de subsistncia com os rios, os
seringueiros com as florestas, os pescadores e marisqueiros com o mangue e o mar, os povos
indgenas e quilombolas que atribuem forte valor espiritual s matas e cachoeiras, tendem a
incorporar nos mnimos atos do dia a dia prticas sustentveis e de maior respeito no trato
com o meio o ambiente natural.
Observem as diferenas entre a viso dos ndios Yanomami e a viso predominante em
nossa sociedade sobre a extrao de minrios da terra no texto A queda do cu e o ouro
canibal: (link externo).
As desigualdades e injustias ambientais
A ideia de desigualdade ambiental rompe com a noo de que a crise ambiental ou
os prejuzos ao meio ambiente so arcados por todos do mesmo modo ou na mesma
intensidade. Muito pelo contrrio, no capitalismo, os danos decorrentes das prticas poluentes
recaem predominantemente sobre grupos sociais vulnerveis. nas reas de maior privao
socioeconmica e/ou habitadas por grupos sociais e tnicos sem acesso s esferas decisrias
do Estado e do mercado que se concentram a falta de investimento em infraestrutura de
saneamento, a ausncia de polticas de controle dos depsitos de lixo txico, a moradia de
risco, a desertificao, entre outros fatores, concorrendo para suas ms condies ambientais
de vida e trabalho (ACSELRAD et al, 2009).
A problemtica ambiental est longe de ser aquela que uniria todos os atores sociais
em torno de um objetivo comum, uma vez que reserva a determinados grupos o papel de
receptculo dos rejeitos produzidos por atividades que destinam aos grupos hegemnicos os
proveitos do desenvolvimento. Com frequncia, os deserdados do projeto desenvolvimentista
so populaes pobres do campo e das cidades, mas tambm indgenas, afrodescendentes, co-
munidades e povos tradicionais cujos direitos foram reconhecidos na ordem jurdica instaurada
pela Constituio Federal de 1988 (COLETIVO, 2013).
http://www.proyanomami.org.br/v0904/index.asp?pag=htm&url=/v0904/depoimentos/ourocanibal.htm
-
18 1. O QUE MEIO AMBIENTE?
Procurem observar nas notcias de desastres ambientais quem so as maiores vtimas, qual
o perfil de cor/classe/raa; como a falta de gua atinge diferentemente homens e mulheres;
como normalmente as industrias poluentes localizam-se em reas mais perifricas. Vejam
o exemplo do Memorando Summers, de 1991- um memorando de circulao restrita aos
quadros do Banco Mundial que vazou para a imprensa e trazia a seguinte proposio: C
entre ns, o Banco Mundial no deveria incentivar mais a migrao de indstrias poluentes
para os pases menos desenvolvidos?
A propsito, voc j ouviu falar de Racismo Ambiental? Se estiver curioso, pesquise
mais no site (link externo).
http://racismoambiental.net.br/
-
2. PROTEO DO MEIO AMBIENTE NO
DIREITO INTERNACIONALO interesse dos Estados e a preocupao jurdica do ser humano com a qualidade de
vida e a proteo ao meio ambiente se intensifica nos anos 1970 a partir da constatao do
processo de degradao ambiental e da crescente conscincia sobre a finitude dos recursos
naturais.
A Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente Humano, realizada em Esto-
colmo, em Junho de 1972, representa, no cenrio internacional, a sistematizao deste novo
olhar, sendo a Declarao de Estocolmo considerada como o marco de nascimento do Direito
Ambiental internacional. Ela estabelece o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
como direito fundamental do indivduo, equiparando-o a outros direitos j consagrados como a
liberdade e a igualdade:
Princpio no 1: o ser humano tem o direito fundamental liberdade, igualdade e
ao desfrute de condies de vida adequada em um meio cuja qualidade lhe permita
levar uma vida digna e gozar de bem-estar, e tem a solene obrigao de proteger e
melhorar esse meio para as geraes presentes e futuras.
Na mesma oportunidade da Conferncia de Estocolmo, foi criado o PNUMA Programa
das Naes Unidas para o Meio Ambiente - que a agncia do Sistema ONU responsvel
por monitorar a ao internacional e nacional para a proteo do meio ambiente no contexto
do desenvolvimento sustentvel. Desde 2004, o PNUMA tem escritrio no Brasil.
Apesar de no estar previsto em nenhum tratado internacional especfico como direito
humano, a referncia a outros direitos humanos como dignidade humana, sade, trabalho,
vida, bem-estar, moradia, inclui necessariamente o reconhecimento do meio ambiente como
direito humano, pois tudo depende dele para se realizar. Assim, podemos citar como tratados
-
20 2. PROTEO DO MEIO AMBIENTE NO DIREITO INTERNACIONAL
e diplomas internacionais que garantem o direito humano ao meio ambiente:
- a Declarao Universal de Direitos Humanos, que dispe que toda pessoa tem direito a
um nvel de vida adequado que lhe assegure sade e bem estar;
- as disposies do Pacto Internacional de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais, em
que se reconhece que nenhum povo pode ser privado de seus prprios meios de subsistncia;
- o Protocolo Adicional Conveno Americana de Direitos Humanos em matria de Dire-
itos Econmicos, Sociais e Culturais, que estabelece o direito de toda pessoa de viver em
meio ambiente sadio e de contar com os servios pblicos bsicos;
- a Declarao de Estocolmo sobre Meio Ambiente, a Declarao do Rio de Janeiro
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Agenda 21, a Conveno sobre Mudana
do Clima, a Conveno sobre Diversidade Biolgica, a Conveno de Estocolmo sobre
Poluentes Orgnicos Persistentes, a Conveno sobre Desertificao, a Conveno da
Basilia sobre Movimentos Transfronteirios de Resduos Perigosos, a Conveno de
Roterd, os compromissos internacionais assumidos por ocasio da Cpula do Milnio e
outros que tratam da proteo dos recursos ambientais;
- Tratados, Convenes, Protocolos e Acordos Internacionais de que o Brasil faz parte sobre
erradicao da pobreza e melhoria das condies de vida da populao, especialmente de
trabalho, de habitao, de sade, de alimentao, de educao e, nesse sentido, de proteo
ao meio ambiente;
- documentos internacionais que garantem o direito informao ambiental como instru-
mento para organizaes e cidados intervirem no processo de tomada de deciso sobre
gesto ambiental. So eles: a Declarao de Estocolmo, que reconhece a importncia da
educao e da divulgao de informaes para fundamentar as bases de uma opinio pblica
consciente de suas responsabilidades sociais e ambientais, em especial atravs dos meios
de comunicao; a Declarao do Rio(1992), que tratou das obrigaes entre os Estados de
notificar casos de desastres naturais ou outras emergncias, cujos efeitos possam ultrapassar
suas fronteiras; e o direito informao perante as autoridades pblicas, inclusive quanto a
materiais e atividades perigosas nas comunidades; e declara o dever dos Estados de disponibi-
lizar informaes para a coletividade, visando facilitar e estimular a conscientizao pblica e a
-
21
participao democrtica; a Agenda 21, que reconhece que cada pessoa usuria e provedora
de informao em sentido amplo (dados, informaes, experincias e conhecimentos) e que
a necessidade de informao surge em todos os nveis, desde o de tomada de decises
superiores, nos planos nacional e internacional, ao comunitrio e individual.
-
3. A PROTEO DO MEIO AMBIENTE
NO BRASILAt a Constituio de 1988, o meio ambiente no havia sido motivo de preocupao
particular no Brasil. As primeiras legislaes ambientais surgiram durante o perodo da
ditadura militar, como forma de mitigar os danos causados aos recursos naturais pela poltica
desenvolvimentista do perodo, com suas aberturas de estradas, estmulo imigrao e
criao da gado na Amaznia, instalao de indstrias poluentes, construo de barragens e
explorao de minrios entre outras. Foi s aps participar da 1a grande conferncia sobre o
meio ambiente, realizada em Estocolmo em 1972, que o Brasil criou a SEMA (Secretaria de
Meio Ambiente) para lidar com a questo ambiental. Aos poucos foram surgindo movimentos e
organizaes, instituies de pesquisa voltadas proteo do meio ambiente.
3.1 A Poltica Nacional de Meio Ambiente
O Brasil promulgou leis de extrema importncia para a tutela do Meio Ambiente na dcada
de 80, influenciado pela criao de um direito ambiental internacional bem como pela crescente
fora que vinha ganhando os movimentos ambientalistas. A promulgao da Lei no 6.938/81,
que estabelece a Poltica Nacional para o Meio Ambiente, foi o marco inicial de uma proteo
jurdica nacional para com as questes ambientais, estabelecendo a responsabilidade por
prtica de danos ambientais e criando instrumentos de defesa do bem.
A referida Lei foi a responsvel pela estruturao da Poltica e do Sistema Nacional do Meio
Ambiente (PNMA e SISNAMA). No seu art. 6o, trata da concepo, montagem e distribuio
de competncias entre os rgos principais integrantes dos SISNAMA (1981):
Art. 6o Os rgos e entidades da Unio, dos Estados, do Distrito Federal, dos
-
24 3. A PROTEO DO MEIO AMBIENTE NO BRASIL
Territrios e dos Municpios, bem como as fundaes institudas pelo Poder Pblico,
responsveis pela proteo e melhoria da qualidade ambiental, constituiro o Sistema
Nacional do Meio Ambiente SISNAMA.
J no artigo 9o apresenta um rol de treze incisos elencando os instrumentos da Poltica
Nacional do Meio Ambiente. So eles:
I o estabelecimento da Poltica Nacional do Meio Ambiente;
II o zoneamento ambiental;
III a avaliao de impactos ambientais;
IV o licenciamento e a reviso de atividades efetiva ou potencialmente
poluidoras;
V os incentivos produo e instalao de equipamentos e a criao ouabsoro de tecnologia, voltados para a melhoria da qualidade ambiental;
VI a criao de espaos territoriais especialmente protegidos pelo PoderPblico federal, estadual e municipal, tais como reas de proteo ambiental,de relevante interesse ecolgico e reservas extrativistas;
VII o sistema nacional de informaes sobre o meio ambiente;
VIII o Cadastro Tcnico Federal de Atividades e Instrumentos de DefesaAmbiental;
IX as penalidades disciplinares ou compensatrias ao no-cumprimento dasmedidas necessrias preservao ou correo da degradao ambiental;
X a instituio do Relatrio de Qualidade do Meio Ambiente e RecursosNaturais Renovveis IBAMA;
XI a garantia da prestao de informaes relativas ao Meio Ambiente,obrigando-se o Poder Pblico a produzi-las, quando inexistentes;
XII o Cadastro Tcnico Federal de atividades potencialmente poluidorase/ou utilizadoras dos recursos ambientais;
XIII instrumentos econmicos, como concesso florestal, servido ambien-tal, seguro ambiental e outros.
3.2 O Meio Ambiente na Constituio Federal de 1988
Em meio a presses sociais e econmicas, a Constituio Federal de 88 dispensou um
Captulo inteiro proteo ao meio ambiente, o captulo VI do Ttulo VIII, com o artigo 225,
seus pargrafos e incisos. O caput do art. 225 assim estabelece:
Art. 225 Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,bem de uso comum do povo e essencial sadia qualidade de vida, impondo-seao Poder Pblico e coletividade o dever de defend-lo para as presentes efuturas geraes.
-
3.2 O Meio Ambiente na Constituio Federal de 198825
Vejamos algumas consideraes importantes sobre os bens ambientais que podemos
extrair do referido texto constitucional.
a) O bem ambiental como bem comum
O disposto no art. 225 da Constituio Federal atribui a todos, indefinidamente, o direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado. O objeto desse direito indivisvel, significando
que a satisfao do direito para uma pessoa, beneficia a coletividade, bem como a leso ao
direito tambm prejudica toda a coletividade.
Por no ser individual, particular, a ningum dado o direito de destruir ou praticar atos que
agridam o meio ambiente, pois estar violando direitos de outras pessoas e mesmo de outros
seres vivos. um direito do qual todos so titulares ao mesmo tempo, por isso caracterizado
como um direito difuso, ou seja, espalhado por toda a sociedade. Implica um exerccio de
solidariedade, de dever de respeito mtuo, que se realiza num processo de interao social,
cultural e natural entre os diferentes grupos.
b) Responsabilidade partilhada: dever do Estado e da coletividade
O texto constitucional inova tambm quando divide a responsabilidade pela defesa do meio
ambiente entre o poder pblico e a coletividade, ampliando a importncia da sociedade civil
organizada e, portanto, tambm reforando o seu ttulo de constituio cidad. Os incisos
e pargrafos seguintes do art. 225 e alguns outros artigos tambm elencam alguns deveres
especficos do Poder Pblico na gesto do meio ambiente. Dentre esses, destacamos como
principais deveres do Estado na proteo do meio ambiente:
- Defender e preservar o meio ambiente, de modo a mant-lo ecologicamente equilibrado;
- Preservar e restaurar os processos ecolgicos essenciais; prover o manejo ecolgico das
espcies e dos ecossistemas;
- Preservar a integridade do patrimnio gentico do pas e fiscalizar as entidades dedicadas
pesquisa e manipulao de material gentico;
- Dar acesso informao sob sua guarda: a sociedade tem o direito de receber do estado
informaes sobre as condies atuais e futuras do meio ambiente e sobre as suas aes em
defesa do mesmo;
-
26 3. A PROTEO DO MEIO AMBIENTE NO BRASIL
- Definir espaos territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos; disciplinar
e fiscalizar seu uso (Unidades de Conservao);
- Exigir Estudo Prvio de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) de atividade potencialmente causadora
de impacto ao meio ambiente e dar-lhe publicidade;
- Controlar a produo, a comercializao e o emprego de tcnicas, mtodos e substncias
que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
- Proteo especial fauna e flora; proteo especial a macrorregies (floresta amaznica,
mata atlntica, pantanal, caatinga, cerrado, pampas)
- Promover a Educao Ambiental em todos os nveis de ensino;
- Identificar as terras devolutas (terras pblicas no discriminadas, que no receberam ainda
qualquer uso pblico) necessrias proteo dos ecossistemas naturais;
- Demarcar territrios indgenas (art.231, CF), quilombolas (art.68, CF) e de outras comunidades
tradicionais (Conveno 169 OIT e Decreto 6040/07), garantindo-lhes acesso aos bens naturais
essenciais sobrevivncia fsica e cultural;
- Responsabilizar o causador do dano ambiental (princpio da reparao).
Vejam baixo algumas leis que garantem a proteo ao meio ambiente no Brasil e buscam
disciplinar mais especificamente alguns temas e instrumentos previstos na Constituio.
- Lei 9985/2000 - Institui o SNUC - Sistema Nacional de Unidades de Conservao
- Lei 12.651/12 - Cdigo Florestal
- Lei 5197/67 - lei de proteo fauna
- Lei 6938/81 - lei da Poltica Nacional do Meio Ambiente
- Lei 9433/97 - lei da Poltica Nacional de Recursos Hdricos
- Lei 7347/85 - disciplina a ao civil pblica de responsabilidade por danos causados ao
meio ambiente;
- Lei 7802/89 - lei que regula o uso de agrotxicos
- Lei 9605/98 - lei dos crimes ambientais.
-
3.2 O Meio Ambiente na Constituio Federal de 198827
- Lei n.o 10.650/03 - que dispe sobre o acesso pblico aos dados e informaes existentes
nos rgos e entidades integrantes do Sisnama - Sistema Nacional de Meio Ambiente.
- Decreto no 6.040, de 7 de fevereiro de 2007 - estabelece a Poltica Nacional de Desenvolvi-
mento Sustentvel dos Povos e Comunidades Tradicionais
c) Competncias em matria ambiental
A competncia (quer dizer, quem tem a atribuio/obrigao de agir) para legislar em
matria de meio ambiente prevista no artigo 24 da Constituio Federal, que estabelece ser
tal prerrogativa concorrente entre Unio, Estados e Distrito Federal. De acordo com o mesmo
artigo 24, em seus 1o a 4o, a competncia concorrente deve observar alguns critrios.
O primeiro deles limita o papel da Unio Federal edio de normas gerais. Seriam
normas gerais, apesar da falta de previso conceitual constitucional a respeito, aquelas de
abrangncia nacional e/ou regional. Por sua vez, o 2o do art. 24 da CF/88 estabelece
que os Estados e o Distrito Federal em razo do disposto no 1o, esto restritos a
suplementar as normas gerais editadas pela Unio. Segundo entendimento do STF em alguns
casos sobre a matria, tem-se sustentado ser possvel que dispositivos legais dos Estados e
do Distrito Federal se mostrem mais restritivos do que o comando normativo geral emanado
da Unio. Nesse sentido, suplementar seria tornar mais restrito, embora a complexidade
da questo exija solues caso a caso. Apenas quando inexistente norma federal, os demais
integrantes da federao estariam autorizados a legislar de forma plena sobre meio ambiente.
J a competncia para proteger o meio ambiente e combater a poluio em qual-
quer das suas formas (BRASIL, 1988) comum Unio, Estados, Distrito Federal e
Municpios (art.23, CF). As regras de cooperao para a competncia comum ficam a cargo
da Lei Complementar n.140/11. Por estarem mais prximos dos bens, recursos e servios
ambientais, a atuao dos Estados, Distrito Federal e Municpios bastante destacada na rea
de gesto, reservando-se Unio a atuao sobre obras e atividades de impacto nacional ou
que possam afetar reas sob seu domnio.
-
4. PRINCPIOS DO DIREITO
AMBIENTALPara a proteo do bem de uso comum e garantia de uma vida saudvel, o direito ambiental
utilizou-se de uma srie de princpios, expressos tanto na Constituio brasileira quanto na
Poltica Nacional de Meio Ambiente.
Voc sabia que os princpios constituem as ideias centrais de um determinado sistema
jurdico? So aquelas disposies fundamentais, hierarquicamente superiores, que influen-
ciam e repercutem sobre todas as demais normas do sistema. Conhecer os princpios do
Direito condio essencial para interpret-lo e aplic-lo!
Dentre os princpios do direito ambiental, cabe destacar os seguintes:
4.1 Princpio do acesso justo e democrtico aos recursos naturais
Os bens ambientais devem ser utilizados de forma a satisfazer as necessidades comuns
de todos os habitantes da Terra, orientando-se sempre pela igualdade de oportunidades
no seu uso. Alm disso, devem ser explorados de tal modo que no haja risco de serem
esgotados, resguardando-os para as futuras geraes. O acesso justo e equitativo, direto e
indireto, aos recursos ambientais do pas tambm elemento bsico para a realizao do
direito humano ao meio ambiente, ou para realizao da justia ambiental, que assegura que
nenhum grupo social, seja ele tnico, racial ou de classe, suporte uma parcela desproporcional
dos efeitos negativos dos danos ambientais; que todos os grupos tenham acesso justo aos
recursos ambientais do pas e tenham amplo acesso informao e a processos democrticos
e participativos na definio de polticas, planos, programas e projetos que lhes dizem respeito.
-
30 4. PRINCPIOS DO DIREITO AMBIENTAL
4.2 Princpio da preveno e precauo
Determina que as normas de direito ambiental devem sempre se orientar para o fato de
que necessrio que o meio ambiente seja preservado e protegido como patrimnio pblico.
A preveno aplica-se a situaes em que h certeza quanto aos riscos de danos ambientais,
a precauo s situaes onde existem dvidas e incertezas. A precauo sugere, ento,
medidas racionais que incluem a imposio de restries temporrias e o compromisso da
continuao da pesquisa tcnica ou cientfica para comprovao do nexo de causalidade. J a
preveno impe a proibio, mitigao ou compensao da ao ou omisso como forma de
evitar a ocorrncia do dano ambiental.
Assim, por exemplo, se na permisso ou autorizao para uma obra ou para o uso de um
novo agrotxico h incerteza sobre a existncia ou probabilidade de danos sade pblica ou
natureza, tal atividade, em observncia ao princpio da precauo, no dever ser autorizada
ou, pelo menos, devero ser tomadas medidas preventivas que afastem os riscos. Enfim,
prevenir agir antecipadamente a fim de evitar danos graves e irreparveis ao meio ambiente.
De outro lado, antes de ser colocada a questo h certeza quanto a possibilidade de dano?,
deve ser feita outra pergunta, mais importante que a primeira: precisamos realmente desta
atividade?. Ou seja, deve ser questionado, antes de tudo, se a atividade atende ao bem
comum e, apenas em caso afirmativo, questionar-se quanto aos impactos no meio ambiente e
s formas de preveno.
4.3 Principio da reparao
Diante da complexidade do bem ambiental, toda vez que danificado, complexa ser tam-
bm a reparao dos estragos realizados. O Direito Ambiental enfatiza em sua essncia
sempre a precauo e a preveno. Mas, diante da ocorrncia de um dano e na medida
do possvel, prevalece e impe-se a preferncia pela reparao ao estado anterior. Apenas
na impossibilidade de recuperao do ambiente ao estado anterior que, subsidiariamente,
a obrigao se converte em indenizao e/ou em medidas de compensao. No particular,
o princpio da recuperao se diferencia do princpio do poluidor pagador, pois que tem
natureza compensatria do dano produzido.
-
4.4 Princpio da qualidade31
4.4 Princpio da qualidade
Orienta para o fato de que o meio ambiente deve ter qualidade propcia vida saudvel e
ecologicamente equilibrada. Os organismos internacionais passam a medir a qualidade de
vida no mais apenas com base nos indicadores econmicos e comeam a incluir fatores e
indicadores sociais. A exposio de comunidades e trabalhadores a contaminantes oriundos
de fbricas e usinas, bem como o uso de mquinas e equipamentos ruidosos no ambiente de
trabalho, so exemplos de descumprimento do princpio da qualidade ambiental.
4.5 Princpio da participao popular
Decorre da necessidade de uma democracia participativa, bem como do fato de que cuidar
do meio ambiente no tarefa apenas do Estado, mas de toda a sociedade civil. Assim,
fundamental um espao de dilogo e cooperao entre os diversos atores sociais, seja para
a formulao e execuo de polticas e aes ambientais, seja para a soluo de problemas.
Como exemplo de aplicao deste princpio, ainda que de forma muito imperfeita, temos
as audincias pblicas e os conselhos de direitos, os comits de bacias hidrogrficas para
deliberar sobre gesto das bacias e apreciar sobre uso das guas e as conferncias nacionais
de meio ambiente.
4.6 Princpio da publicidade ou da informao
Decorre do princpio da participao e permite que os indivduos possam participar ativa-
mente das questes atinentes ao meio ambiente, seja na esfera individual, causando menor
degradao ambiental, seja na esfera pblica, pelos meios legais disponveis, cobrando me-
didas das autoridades administrativas e judiciais. O Brasil deu importante passo na garantia
desse direito com a Lei n.o 10.650/03, que disps sobre o acesso pblico aos dados e
informaes existentes nos rgos e entidades integrantes do Sisnama, Sistema Na-
cional de Meio Ambiente. Por essa lei, os rgos do Sisnama ficam obrigados a permitir
o acesso pblico aos documentos, expedientes e processos administrativos que tratem de
matria ambiental e a fornecer todas as informaes ambientais que estejam sob sua guarda
-
32 4. PRINCPIOS DO DIREITO AMBIENTAL
em meio escrito, visual, sonoro ou eletrnico, especialmente as relativas a assuntos como
qualidade do meio ambiente, resultados de sistemas de controle de poluio, pedidos de
licenciamento, renovao e concesso de licenas, situaes de risco ou de emergncia ambi-
entais, emisses de efluentes lquidos e gasosos, e produo de resduos slidos, substncias
txicas e perigosas, diversidade biolgica e organismos geneticamente modificados. Qualquer
indivduo, independente de mostrar interesse especfico, pode requerer informaes ambientais
aos rgos pblicos. Foi potencializada pela Lei do Acesso Informao, Lei 12.527/11, que
regula o acesso a informaes previsto no inciso XXXIII do art. 5o, no inciso II do 3o do art.
37 e no 2o do art. 216 da Constituio Federal; altera a Lei no 8.112, de 11 de dezembro de
1990; revoga a Lei no 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei no 8.159, de 8 de
janeiro de 1991; e d outras providncias (BRASIL, 2011).
4.7 Ordem econmica e desenvolvimento sustentvel
Em seu artigo 170, a Constituio Federal determina que a ordem econmica, fundada na
valorizao do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existncia
digna, observados os princpios da soberania nacional, da funo social da propriedade, busca
do pleno emprego e defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado
conforme o impacto ambiental dos produtos e servios e seus processos de elaborao e
prestao. Assim, a ideia de desenvolvimento econmico no contraria ou exclui o respeito ao
meio ambiente, mas sim deve ser compatvel com este, seguindo a lgica da sustentabilidade.
lvaro Luiz Valery Mirra (1996) nos alerta para a considerao de que tal princpio refere-
se incluso do meio ambiente, no como aspecto isolado, setorial, das polticas pblicas,
mas como parte integrante do processo global de desenvolvimento dos pases. No mesmo
sentido, mas utilizando-se da denominao princpio da considerao da varivel ambiental no
processo decisrio de polticas de desenvolvimento, Edis Milar (2015) ressalta que se trata da
obrigao de se levar em conta a varivel ambiental em qualquer ao ou deciso pblica
ou privada que possa causar algum impacto negativo sobre o meio.
Assim , por exemplo, que nos seus artigos 182 e 186, a Constituio Federal de 1988
condiciona o exerccio da propriedade ao cumprimento de uma funo socioambiental,
que a obrigao que o proprietrio tem de dar destinao sua propriedade de forma que,
-
4.7 Ordem econmica e desenvolvimento sustentvel33
alm de atender aos seus interesses, este exerccio promova os interesses da sociedade e
respeite as normas ambientais. A funo social parte da estrutura do direito de propriedade,
no se limitando propriedade rural, mas tambm propriedade urbana. O no cumprimento
da funo ambiental da propriedade rural pode tambm ocasionar a desapropriao por
interesse social e para fins de reforma agrria.
-
5. LICENCIAMENTO AMBIENTAL E
ESTUDOS DE IMPACTO AMBIENTALO Licenciamento Ambiental um instrumento de essencial importncia para a proteo do
meio ambiente. Previsto inicialmente pela Lei 6.938/81 Poltica Nacional do Meio Ambiente
(PNMA) e regulamentado dezesseis anos mais tarde pela Resoluo 237/97 do CONAMA.
Trata-se do procedimento administrativo por meio do qual o poder pblico autoriza qualquer
construo, instalao e ampliao de atividades utilizadoras de recursos ambientais,
considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer
forma, de causar degradao ambiental.
O licenciamento ambiental e a licena ambiental so coisas distintas. O licenciamento
ambiental um conjunto de atos e procedimentos que engloba, dentre outros, o pedido de
autorizao para funcionamento de determinado empreendimento, a demonstrao de que
o referido empreendimento atende legislao ambiental e a deciso do rgo administra-
tivo acerca do atendimento ou no dos requisitos necessrios para a concesso da licena
ambiental. J a licena o objetivo almejado pelo empreendedor, o ato administrativo pelo
qual o rgo ambiental competente concede o pedido feito pelo particular, podendo, por meio
desse ato de concesso, estabelecer condies, restries e medidas de controle ambiental
de observncia obrigatria pelo empreendedor.
5.1 Estudo de Impacto Ambiental(EIA) e Relatrio de Impacto Ambienta(RIMA)
Nas palavras de Edis Milar (2001, p. 165), a implantao de qualquer atividade ou obra
efetiva ou potencialmente degradadora deve submeter-se a uma anlise e controle prvios.
Tal anlise se faz necessria para se anteverem os riscos e eventuais impactos ambientais a
-
36 5. LICENCIAMENTO AMBIENTAL E ESTUDOS DE IMPACTO AMBIENTAL
serem prevenidos, corrigidos, mitigados e/ ou compensados quando da sua instalao, da sua
operao e, em casos especficos, do encerramento das atividades.
Um dos principais instrumentos desse controle a avaliao de impactos ambientais,
que aparece na prpria Constituio Federal de 1988, no artigo 225, 1o, inc. IV, sob a forma
de estudo prvio de impacto ambiental (EIA), bem como na lei 6.938/1981 (art. 9o, inc. III).
Alm das previses constitucionais e da Lei da Poltica Nacional do Meio Ambiente, a
Resoluo CONAMA n. 237/97 reitera a exigncia do estudo prvio de impacto ambiental para
atividades consideradas efetivas ou potencialmente causadoras de significativa degradao do
meio ambiente. Caso o rgo ambiental competente entenda que a atividade no apresenta
significativo potencial lesivo de agresso ambiental, poder dispor sobre outros tipos de estudos
ambientais, que no o detalhado e complexo EIA/RIMA.
A avaliao de impacto ambiental, como instrumento de poltica do meio ambiente, visa
garantir o prprio princpio da precauo, o incremento dos nveis de informao e
transparncia na execuo de projetos com potencial poluidor, atraindo a sociedade civil
organizada e, com ela, o aumento da participao popular e dos mecanismos de controle de
ao do estado.
Res. 237/97, art. 11: Os estudos necessrios ao processo de licenciamento devero ser
realizados por profissionais legalmente habilitados, s expensas do empreendedor.
Pargrafo nico O empreendedor e os profissionais que subscrevem os estudos previstos
no caput deste artigo sero responsveis pelas informaes apresentadas, sujeitando-se
s sanes administrativas, civis e penais.
O EIA deve ser elaborado por profissionais legalmente habilitados e deve:
X Trazer todas as alternativas tecnolgicas e de localizao de projeto, considerando
sempre a hiptese de no execuo do projeto;
X Identificar e avaliar sistematicamente os impactos ambientais gerados nas fases de
implantao e operao da atividade;
X Definir os limites da rea geogrfica a ser direta ou indiretamente afetados pelos impactos,
considerando sempre a bacia hidrogrfica na qual se localiza;
X Considerar a compatibilidade do projeto com os planos e programas governamentais
-
5.1 Estudo de Impacto Ambiental(EIA) e Relatrio de Impacto Ambienta(RIMA)37
propostos e em implantao na sua rea de influncia.
Considerando a extenso, a quantidade de detalhes e o fato do EIA ser redigido em
linguagem tcnica, deve ser elaborado o Relatrio de Impacto Ambiental (RIMA), em lin-
guagem mais acessvel, com o objetivo de atender demanda da sociedade por informaes
a respeito do empreendimento e de seus impactos.
O RIMA exigido em todos os casos em que se exige o EIA, mas so dois documentos
distintos e com focos diferenciados. O RIMA deve oferecer informaes essenciais para que a
populao tenha conhecimento das vantagens e desvantagens do projeto e as consequncias
ambientais de sua implementao. Em termos gerais, pode-se dizer que o EIA um documento
tcnico e que o RIMA um relatrio com linguagem mais popular, devendo conter, de acordo
com os incisos I a VIII do art. 9o da Resoluo Conama 001/86: os objetivos e as justificativas
do projeto, resumo dos resultados dos estudos de diagnstico ambiental da rea de influncia
do projeto, a descrio dos provveis impactos ambientais, o programa de acompanhamento
e monitoramento dos impactos, a recomendao quanto alternativa mais favorvel, entre
outras questes.
De acordo com o art. 11 da Res. 237/97, os custos relativos aos estudos necessrios
ao processo de licenciamento ambiental correro por conta do empreendedor. A imparciali-
dade dos estudos fica por conta das responsabilizaes administrativas, civis e penais pelas
informaes contidas nos estudos de impacto ambiental.
Veja como a Lei da Poltica Nacional do Meio Ambiente (6.938/1981) define o conceito de
recursos ambientais, poluio e degradao:
Art. 3.o Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
II degradao da qualidade ambiental, a alterao adversa das caractersticas do meio
ambiente;
III poluio, a degradao da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou
indiretamente:
a) prejudiquem a sade, a segurana e o bem-estar da populao;
b) criem condies adversas s atividades sociais e econmicas;
-
38 5. LICENCIAMENTO AMBIENTAL E ESTUDOS DE IMPACTO AMBIENTAL
c) afetem desfavoravelmente a biota;
d) afetem as condies estticas ou sanitrias do meio ambiente;
e) lancem matrias ou energia em desacordo com os padres ambientais estabelecidos.
...
V recursos ambientais: a atmosfera, as guas interiores, superficiais e subterrneas, os
esturios, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora.
5.2 As etapas do licenciamento: Licena Prvia, Licena de Instalao e Li-
cena de Operao
O licenciamento ambiental constitui-se em um ato complexo, composto de diversas fases
sequenciais com o fim de se garantir o princpio da precauo ambiental. S se pode avanar
de uma fase outra aps cumprimento de todas as condicionantes legais impostas ao em-
preendedor. Envolvendo vrios atos administrativos, podemos dizer que, em sntese, os passos
de um licenciamento so os seguintes:
1o Elaborao do Termo de Referncia junto ao rgo ambiental para realizao dos
Estudos de Impacto Ambiental;
2o Elaborao dos Estudos de Impacto Ambiental (EIA), de responsabilidade de equipe
contratada pelo empreendedor, contemplando os seguintes elementos: Diagnstico ambiental
(meios fsico, biolgico e socioeconmico) da rea de influncia do empreendimento; Anlise
dos impactos ambientais do projeto e de suas alternativas: medidas mitigadoras dos impactos
negativos (previso de programas ambientais previstos para serem implementados a fim
de reduzir os danos ao meio ambiente); programa de acompanhamento e monitoramento,
indicando os padres de qualidade a serem adotados como parmetros.
4o Parecer do rgo ambiental competente sobre o EIA-RIMA e divulgao por meio da
realizao de audincias pblicas;
5o - Licena Prvia (LP)- fase preliminar do empreendimento ou da atividade, que diz respeito
localizao e concepo do empreendimento, bem como atesta a viabilidade ambiental e
estabelece os requisitos bsicos e as condicionantes a serem atendidas nas prximas fases de
-
5.3 rgos intervenientes nos processos de licenciamento ambiental federal39
sua implementao, observados os planos municipais, estaduais ou federais de uso do solo;
6o -Licena de Instalao (LI) - autoriza a instalao do empreendimento de acordo com as
especificaes constantes dos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as obras e
demais condicionantes;
7o - Licena de Operao (LO) - autoriza a operao do empreendimento ou atividade, aps
a verificao do efetivo cumprimento do que consta das licenas anteriores.
Todas essas licenas, no entanto, no tiram do empresrio a obrigao de ter outras
autorizaes ambientais junto aos rgos competentes, a exemplo da outorga de direito de uso
de recursos hdricos (conforme os preceitos constantes da Lei 9.433/97, que institui a Poltica
Nacional de Recursos Hdricos), a supresso de vegetao, a anuncia do rgo gestor da
unidade de conservao e demais atos associados.
Voc sabia que...
A Lei baiana, com as alteraes trazidas pela lei estadual 12.377/2011, prev ainda a
Licena Prvia de Operao (LPO), que ser concedida a ttulo precrio, vlida por no
mximo 180 (cento e oitenta) dias, para os empreendimentos e atividades em que se fizer
necessria a avaliao da eficincia das medidas adotadas pela atividade na fase inicial de
operao. Cabe avaliar se a avaliao que permite a operao do empreendimento no
compromete o cumprimento das condicionantes e requisitos para a concesso da LO.
5.3 rgos intervenientes nos processos de licenciamento ambiental federal
Sempre que o empreendimento interferir em terra indgena, em terra quilombola, em bens
culturais acautelados e em reas ou regies de risco ou endmicas para malria, o Ibama
dever consultar respectivamente a Fundao Nacional do ndio (Funai), a Fundao Cultural
Palmares (FCP), o Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (IPHAN) e o Ministrio
da Sade, para que estes rgos se manifestem e especifiquem as peculiaridades que devero
integrar o processo de licenciamento ambiental. Vale lembrar, que por se tratar de comunidades
tradicionais, deve-se respeitar o que est institudo na Conveno 169 da OIT, garantindo a
consulta e todas as informaes e participao das comunidades atingidas nesse processo.
-
40 5. LICENCIAMENTO AMBIENTAL E ESTUDOS DE IMPACTO AMBIENTAL
importante ressaltar que a regularidade ambiental de um empreendimento ou atividade
no termina com a obteno da Licena de Operao. A manuteno da regularidade
ambiental fundamental e deve passar necessariamente pelo cumprimento permanente das
diversas exigncias explcitas ou implcitas nas licenas ambientais, como por exemplo, as
condicionantes, que so condies que precisam ser cumpridas pelos empresrios para que a
licena ambiental seja considerada vlida.
De acordo com o art. 19 da Res. 237/97, o rgo ambiental competente tem poderes
para suspender ou cancelar as licenas ambientais. Este ato vinculado a hipteses
de 1) violao ou inadequao de quaisquer condicionantes ou normas legais; 2) omisso
ou falsa descrio de informaes relevantes que subsidiaram a expedio da licena e 3)
supervenincia de graves riscos ambientais e de sade. Com o advento da Lei 9.605/98
(Lei dos Crimes Ambientais) passou-se a criminalizar as atividades sem a respectiva licena
ambiental.
5.4 Empresas irregulares e as possibilidades de regularizao ambiental
muito comum, principalmente nos casos de grandes empreendimentos que causam
impactos ambientais significativos, as empresas iniciarem as obras sem terem a licena de
instalao. Nesses casos, a obra ilegal e os responsveis cometem crime ambiental (Lei de
Crimes Ambientais - Lei 9.605/98).
Com o intuito de promover a regularizao destes empreendimentos, foi prevista a possibil-
idade de um Termo de Compromisso para que a empresa passe a cumprir algumas exigncias
feitas pelo rgo ambiental. Nesse caso, ser emitida a licena de instalao, sem a neces-
sidade de recorrer ao licenciamento prvio. Quando firmado o Termo de Compromisso, a
empresa ainda se beneficia com a suspenso da multa aplicada em decorrncia da ausncia
de licenciamento. Ficam tambm suspensas as sanes administrativas.
No caso do Estado da BAHIA, a regularizao ambiental no Estado da Bahia de respon-
sabilidade do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hdricos (INEMA), rgo executor
da Poltica Estadual de Meio Ambiente. A Lei Estadual no 10.431/2006, posteriormente
alterada pela Lei 12.377 de 28 de dezembro de 2011 estabelece competncias, critrios
-
5.4 Empresas irregulares e as possibilidades de regularizao ambiental41
e diretrizes relacionados a regularizao ambiental no estado da Bahia e a melhoria dos
instrumentos de controle ambiental (licena, fiscalizao e monitoramento). A legislao
baiana prev mais trs tipos especficos de licena:
- a Licena de Alterao (LA), que ser concedida para a ampliao ou modificao de
empreendimento, atividade ou processo regularmente existente, podendo ser requerida na
em qualquer fase do licenciamento ambiental;
- a Licena Unificada (LU), que ser concedida a atividades ou empreendimentos de
pequeno a mdio potencial poluidor (Decreto estadual 14024/12), nos casos em que
as caractersticas do empreendimento indiquem a possibilidade das fases de viabilidade
ambiental, implantao e operao se darem por meio de uma nica licena;
- e a Licena de Regularizao (LR), objeto de muita polmica e questionamento de sua
constitucionalidade, estabelecida pelo decreto 14024/12, que prev que os empreendimen-
tos e atividades sujeitos a LR, efetiva ou potencialmente causadores de pequeno e mdio
impacto ambiental, tero exigncia de avaliao de impacto ambiental e para os potencial-
mente causadores de significativa degradao ser exigido estudo ambiental equivalente
ao EIA/RIMA, com as adequaes necessrias definidas pelo rgo licenciador.
Por fim, a legislao baiana prev a Licena Ambiental por Adeso e Compromisso
(LAC), que ser concedida de forma eletrnica para atividades ou empreendimentos de baixo
e mdio potencial poluidor, em que o licenciamento ambiental seja realizado por declarao
de adeso e compromisso do empreendedor aos critrios e pr-condies estabelecidas
pelo rgo licenciador. A constitucionalidade dessa licena tambm questionada uma
vez que cria uma espcie de autoregulao ambiental, sem qualquer controle efetivo
do rgo ambiental. Os requisitos para concesso da LAC exigem que: I - se conheam
previamente seus impactos ambientais, ou; II - se conheam com detalhamento suficiente as
caractersticas de uma dada regio e seja possvel estabelecer os requisitos de instalao e
funcionamento de atividades ou empreendimentos, sem necessidade de novos estudos.
-
42 5. LICENCIAMENTO AMBIENTAL E ESTUDOS DE IMPACTO AMBIENTAL
5.5 Competncias para o licenciamento
No que toca a responsabilidade comum dos trs entes da federao - Unio, Estados e
municpios cabe ressaltar que a Lei Complementar 140/11 veio a estabelecer regras mais
discriminadas para partilha das competncias acerca do licenciamento. No geral, atividades
com repercusso em mais de um Estado ou reas limtrofes, reas da Unio, terras indgenas
ou atividades que envolvam uso de tecnologia nuclear, so de competncia do rgo federal
(IBAMA). Atividade cuja repercusso ultrapasse mais de um municpio ou incida sobre reas
estaduais ou fora delegadas pela Unio ao estado por meio de instrumento legal so de
competncia do estado. Atividades consideradas de impacto local podem ser licenciadas pelos
municpios.
Se por muitos anos, diante da falta de uma melhor regulamentao sobre o exerccio
das competncias, levou a que se concentrasse muitos processos no mbito de rgos
ambientais estaduais e federais, a partir da LC 140/11 e com a demanda crescente por uma
maior descentralizao e participao dos municpios, vrios estados tem emitido resolues
em que se discrimina mais detalhadamente a noo de impacto local e as exigncias de
estruturao do municpio para exerccio do poder de licenciar. Ressalte-se que toda a atuao
dos Municpios com relao a impacto local definida por fora constitucional pelo Conselho
estadual de meio ambiente.
Os municpios - quando tiverem todas as condies exigidas - possuem competncia para
licenciar empreendimentos que causam impactos locais, com exceo das reas de Proteo
Ambiental (APAs). Para que o municpio possa licenciar, ele precisa ter tcnicos prprios
ou em consrcio que sejam habilitados para fazer o licenciamento. necessrio controle e
fiscalizao dos processos de licenciamento para evitar favorecimentos pessoais, corrupo de
servidores entre outras aes que colocam em risco a atuao do Estado e o meio ambiente.
Para o municpio licenciar precisa ter um Conselho de Meio Ambiente com carter deliberativo,
participao popular e profissionais habilitados legalmente.
No caso da Bahia, o CEPRAM j havia institudo, antes mesmo da Lei Complementar
140/2011 o Programa GAC - Gesto Ambiental Compartilhada, atravs da Resoluo
3925/2009 que atende a diretriz do Governo do Estado de apoio descentralizao da
-
5.5 Competncias para o licenciamento43
gesto pblica do meio ambiente e tem como principal objetivo apoiar os municpios baianos,
individualmente ou atravs de consrcios territoriais de desenvolvimento sustentvel, para a
adequao de suas estruturas municipais de meio ambiente. Aps a edio da Lei Comple-
mentar 140/2011, o Estado da Bahia, atravs da SEMA, publicou a Resoluo CEPRAM
4.327/13 (com alteraes da resoluo 4.420/2015), que dispe sobre as atividades de
impacto local de competncia dos Municpios, fixa normas gerais de cooperao federativa
nas aes administrativas decorrentes do exerccio da competncia comum relativas
proteo das paisagens naturais notveis, proteo do meio ambiente e ao combate da
poluio em qualquer de suas formas. Na Bahia, cerca de 211 municpios j se habilitaram
para o poder de licenciar as atividades elencadas nos anexos da Resoluo.
Considerando os riscos e potenciais dessa municipalizao do licenciamento, a preocu-
pao maior que no se multipliquem na esfera municipal as tendncias de flexibilizao,
desregulao e esvaziamento das funes do licenciamento ambiental a que se assiste num
cenrio mais geral. Essa ameaa maior nos municpios face as possibilidades de maior
injuno dos interesses econmicos, a situao de precria composio tcnica nos quadros
de servidores e a situao de dficit oramentrio que tornam o empreendimento a ser licen-
ciado uma fonte de receitas o qual se deve atrair para o municpio a qualquer custo. Outra
questo que se coloca como desafio para que a prpria noo de impacto local no con-
solide noes restritas e fracionadas de impacto dos empreendimentos a que comumente se
denuncia nos inquritos e nas aes acompanhadas pelas promotorias ambientais.
A fragilizao dos licenciamentos na prtica
Na ltima dcada, entretanto, temos assistido a um processo permanente de enfraque-
cimento dos dispositivos de regulao ambiental sob a justificativa de que representam
entraves para o desenvolvimento do pas. Em boa parte dos casos, o licenciamento tem
sido considerado como mera etapa burocrtica e no como um momento de avaliao
pblica sobre a viabilidade desses projetos em termos socioambientais. Reporta-se a
um aumento progressivo no nmero de concesses com sinais de uma maior permissivi-
dade nos processos de avaliao de impacto e a criao de conceitos inexistentes na lei
como condicionantes em cumprimento ou parcialmente atendidas; a fragmentao de
licenas ou a adoo inadequada de processos simplificados; a desigualdade no acesso
-
44 5. LICENCIAMENTO AMBIENTAL E ESTUDOS DE IMPACTO AMBIENTAL
informao e aos espaos de deciso comprometendo sobretudo os grupos sociais mais
vulnerveis e normalmente os mais afetados; a falta de publicidade adequada das infor-
maes produzidas; omisses nos estudos de impacto quanto diversidade sociocultural
das formas de apropriao do meio ambiente e das prticas produtivas, normalmente com
inexistncia de dados sobre comunidades tradicionais e ausncia de parmetros para a
verificao dos nveis de impactos sobre elas; simplificao do licenciamento e descon-
siderao da integralidade dos impactos do projeto; falhas na realizao de audincias
pblicas, que so instncias polticas estratgicas para a participao da populao local,
para a obteno de informaes e a formulao de questionamentos sobre o projeto, os
quais subsidiariam sua aprovao ou recusa; a no aplicabilidade da Conveno 169 da
OIT, que refora o reconhecimento feito pela CF de 88 de um Estado brasileiro pluritnico e
multicultural, referenciados em alguns dos dispositivos constitucionais mais emblemticos
como os artigos 210, 2o, 215, 216, 231 e 232 e art. 68 do ADCT.
-
6. RESPONSABILIDADE POR DANOS
AMBIENTAISO legislador constituinte optou por um sistema de responsabilidade em trs esferas: civil,
administrativa e criminal. A responsabilidade ambiental pelo dano objetiva, isto , inde-
pende da prova de culpa (negligencia, impercia ou imprudncia) ou dolo (inteno) do
empreendedor. O simples fato de ter assumido a atividade cujos riscos de danos so
inerentes gera a responsabilidade. Assim, a redao do artigo 225, 3o, prev que [a]s
condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitaro os infratores, pessoas
fsicas ou jurdicas, a sanes penais e administrativas, independentemente da obrigao de
reparar os danos causados. Nas esferas administrativa e penal, a Lei de Crimes Ambientais
(Lei n. 9.605/1998) passa a ser o referencial regulatrio do referido dispositivo constitucional.
O dever de reparar estende-se aos scios da pessoa jurdica causadora do dano e ao
Estado em casos de omisso no dever de fiscalizar. Neste caso, a responsabilidade se dar
de forma subsidiria. Aos causadores do dano que efetivamente pagarem pela reparao, fica
resguardado o direito de regresso aos corresponsveis.
Pela repercusso coletiva do dano ambiental e em certos casos individual, pode causar
efeitos patrimoniais e extrapatrimoniais. Os principais meios processuais para a reparao
dos danos ambientais, incluem: ao civil pblica e ao popular. Em relao Ao Civil
Pblica, a CF/88 em seu art. 129, inc. III, atribui como funo institucional do Ministrio Pblico
promover o inqurito civil e a ao civil pblica, para a proteo do patrimnio pblico e social,
do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. H dois caminhos para se iniciar
uma ao civil pblica de responsabilidade por danos ao meio ambiente:
a) Um deles acionar diretamente a Justia, por iniciativa de uma associao representativa
da comunidade, por exemplo, uma associao de moradores;
-
46 6. RESPONSABILIDADE POR DANOS AMBIENTAIS
b) O segundo caminho procurar o Promotor de Justia, para que ele faa o Ministrio Pblico
tomar a iniciativa da ao.
Um outro tipo de ao judicial a Ao Popular, assim disposta no art. 5o, inc. LXXIII, da
CF/88: Qualquer cidado parte legtima para propor ao popular que vise anular ato lesivo
ao patrimnio pblico ou de entidade de que o Estado participe, moralidade administrativa,
ao meio ambiente e ao patrimnio histrico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada m-f,
isento de custas judiciais e do nus da sucumbncia.
As sanes administrativas so diversas e variam de mera advertncia determinao
de suspenso total das atividades do empreendimento. Caso haja cumulao de infraes,
possvel somar as sanes administrativas. No que diz respeito a competncia para definir
infraes administrativas e suas penalidades, o art. 17, caput, da LC n. 140/11, determina que
esta uma atribuio do rgo responsvel pelo licenciamento ambiental.
Como os grupos sociais podem defender o meio ambiente?
Para a garantia dos direitos ambientais, existe uma srie de meios aos quais a sociedade
pode recorrer.
- Em primeiro lugar, cabe a populao fazer uso do direito de receber informaes dos
rgos pblicos, ser consultada e participar dos processos de deciso referentes a polticas
pblicas, projetos ou atividades que afetem sua vida.
- A adoo de polticas pblicas em que os impactos sejam relevantes para o meio ambiente
e a qualidade de vida das populaes s legtima quando antecedida de amplo debate
pblico. Por isso as comunidades atingidas e entidades da sociedade civil defensoras do
meio ambiente devem exigir dos governos a realizao deste debate, no qual lhes deve ser
assegurado o acesso pleno s informaes e aos meios de comunicao utilizados pelos
empreendedores.
- Ainda que no prevista expressamente em lei, as comunidades afetadas deveriam exigir
que sejam consultadas sobre os termos de referncia dos Estudos de Impacto Ambiental a
serem realizados, ou seja, os aspectos que devero ser considerados nesse estudo. Alm
dos vrios impactos ambientais que considerem importantes, as comunidades devem exigir
uma avaliao cuidadosa dos impactos socioeconmicos e o estudo de alternativas para as
-
47
obras e atividades planejadas.
- No caso da adoo de empreendimentos ou obras, com ou sem EIA-RIMA, comunidades
afetadas e entidades da sociedade civil defensoras do meio ambiente devem exigir a
realizao de audincias pblicas, nas quais as informaes lhe sejam trazidas de modo
preciso e completo, e lhes seja concedida oportunidade para manifestar-se a respeito.
Caso o empreendedor ou o rgo pblico responsvel no garanta efetivamente o direito
informao e participao, ou desconsidere a posio dos grupos locais afetados na
tomada de deciso final, eles devero recorrer ao Judicirio e ao Ministrio Pblico para
interromper o andamento das obras ou o seu licenciamento.
- Ter acesso aos Estudos de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) de um empreendimento ou ativi-
dade uma das condies fundamentais do direito informao: quais sero os impactos
sobre a populao afetada, a fauna e flora, sobre povos indgenas e populaes tradicionais,
na qualidade da gua, na biodiversidade e, mais importante, quais as falhas e ausncias
desses estudos que podem prejudicar uma viso real dos impactos ambientais. Isso porque
a legislao brasileira afirma que o EIA-RIMA deve ser realizado por uma equipe contratada
pelo empreendedor interessado e vai compor um processo de licenciamento junto ao Ibama
ou ao rgo estadual de fiscalizao ambiental competente. A falta de independncia
das equipes tcnicas implica na realizao de estudos parciais, que manipulam e omitem
informaes para obter parecer favorvel dos rgos ambientais responsveis.
As falhas e omisses do EIA/RIMA tambm podem ser questionadas na justia.
- Outros instrumentos de ao do estado podem ser exigidos pela populao como: elabo-
rao de estudos integrados dos impactos ambientais e sociais dos projetos de desenvolvi-
mento; fortalecimento da participao social nas esferas pblicas de participao, como no
Conselho Nacional do Meio Ambiente; defesa e valorizao do processo de licenciamento
ambiental como instrumento da Poltica Nacional do Meio Ambiente; ampliao da democ-
ratizao do acesso terra, aos recursos naturais e aos bens de servio e de consumo
essenciais; realizao da reforma agrria com a implementao de estrutura capaz de viabi-
lizar econmica e ambientalmente os assentamentos; a regulamentao da desapropriao
dos imveis que no cumprem sua funo social em razo da utilizao inadequada dos
-
48 6. RESPONSABILIDADE POR DANOS AMBIENTAIS
recursos naturais e dos que no cumprem as normas trabalhistas; a titulao de terras
indgenas e quilombolas e a implementao de reservas extrativistas e de desenvolvimento
sustentvel em benefcio das diversas populaes tradicionais; a ordenao fundiria e
a implementao, no campo, de servios adequados de sade, educao, saneamento,
energia e comunicaes.
- A populao tambm deve procurar acompanhar e propor junto aos vereadores, deputados,
comisses legislativas, a apresentao de projetos de lei estabelecendo novas regras
ambientais. Exemplo disso so as vrias leis municipais que probem o plantio de eucalipto
em muitos municpios, leis que autorizam o acesso livre de mulheres quebradeiras de coco
s propriedades privadas para extrao do babau; outras que criam reas de zoneamento
ecolgico, garantindo espao para produo de sementes crioulas, entre outros bons
exemplos.
- De outro lado, importante acompanhar a movimentao de setores econmicos cujos
projetos visam eliminar direitos ambientais essenciais.
-
II 7 MINERAO E IMPACTOS AMBIEN-TAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
8 A REGULAO DA ATIVIDADE DE MIN-
ERAO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
9 DOMNIO DOS RECURSOS MINERAIS
61
10 COMPETENCIAS CONSTITUCIONAIS
SOBRE ATIVIDADE MINERRIA . . . 63
11 LICENCIAMENTO AMBIENTAL E EX-
IGNCIA DE ESTUDOS AMBIENTAIS
65
12 RECUPERAO DA REA
DEGRADADA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
13 REAS DE RESTRIES OU IMPEDI-
MENTOS DA EXPLORAO MINERAL
73
14 TERRAS INDIGENAS, QUILOMBO-
LAS E OUTRAS TERRAS DE USO
TRADICIONAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
15 PLANO NACIONAL DE MINERAO
(PNM 2030) E PROJETO DE NOVO
CDIGO DA MINERAO . . . . . . . . . . 79
Legislao Ambiental Aplicada
Minerao
-
7. MINERAO E IMPACTOS
AMBIENTAISNas ltimas dcadas do sculo XX e no incio do sculo XXI, diversos processos resultaram
em um boom minerador na Amrica Latina. De um lado, houve a consolidao de um novo
padro sociotcnico do capital que orientou a mercantilizao de certos minrios metlicos e
no metlicos antes excludos do processo de valorizao capitalista e agora requeridos pela
massa de novos produtos eletrnicos. De outro, a chamada revoluo verde que implicou na
difuso, em escala mundial, do agronegcio que tem na produo crescente de agroqumicos
um de seus sustentos e tambm demanda novos minerais no metlicos. Essa ltima fase do
extrativismo mineral teria assumido caractersticas novas e particulares por suas modalidades
tecnolgicas, produtivas, de investimento e de comercializao que se diferenciam de como
ele era realizado no passado1.
Embora a explorao e exportao de matrias-primas no sejam atividades novas na
Amrica Latina, nos ltimos anos se intensificou visivelmente a expanso de megaprojetos
destinados a controlar a extrao e exportao dos recursos naturais sem maior valor agregado,
sustentados pelo boom dos preos internacionais das matrias-primas e dos bens de consumo
mais exigidos pelos principais pases e potncias emergentes. Este contexto gera vantagens
comparativas no crescimento econmico mas tambm produzido desigualdades profundas
tanto do ponto de vista econmico e social quanto do ponto de vista ambiental.
A respeito das escalas e modalidades tcnicas assumidas pela explorao mineral contem-
pornea, uma pesquisa sobre conflitos minerais na Amrica Latina (SEONE et al, 2011) aponta
1SEONE,Jos;TADDEI,Emlio;ALGRANATI, Clara. Mineria Transnacional y resistncias Sociales Em Africay America Latna:Experincias de resistncia y e mobilizacion social frente a las estrategias corporativas de lascompanhias Vale (brasil) y Anglo Gold Ashanti (Sudfrica) en Argentina, Colombia, Peru, Angola y Mozambique.Dilogo de los Pueblos y Grupo de Estudios sobre Amrica Latina y el Caribe (Geal).GEAL:2011. Disponvelem:http://www.dialogosdospovos.org/pdf/liv_ibase_mineracao_port_REV2.pdf. Acesso em 14/11/2014.
-
52 7. MINERAO E IMPACTOS AMBIENTAIS
que, com a explorao de sculos das minas subterrneas e o seu quase esgotamento, foi con-
solidada a prtica de minerao a cu aberto. Sua extrao se sustenta atravs da exploso
de grandes massas rochosas e/ou da explorao intensiva com procedimentos qumicos,
mediante o emprego de substncias altamente contaminantes, como mercrio, cianeto e cido
sulfrico, entre outros. Porm, consiste em uma tcnica que requer grandes quantidades de
gua (necessria para produzir um barro qumico a partir do qual so extrados os diferentes
minerais), tende a esgotar e contaminar rapidamente os bens hdricos das regies submetidas
explorao mineradora.
Devido a essas dinmicas produtivas, a rentabilidade dos empreendimentos est associada
a prolongados ciclos de explorao que requerem elevados volumes de capital por parte da
indstria mineradora. A maior parte dos investimentos no setor mineral de companhias
canadenses e o principal destino so para os pases da Amrica Latina, especialmente Peru,
Chile e Brasil. Enquanto entre 1990-1997, o investimento mundial em minerao aumentou
90%, e no mesmo perodo cresceu 400% somente na Amrica Latina, representando 44% do
total mundial para o setor2. No Brasil, houve uma expanso acelerada da produo mineral,
que cresceu 550% entre 2001 e 20113. Neste perodo, a participao da indstria extrativa
mineral no Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 156% (DNPM, 2012).
Segundo a pesquisa realizada em 2014 a partir de 105 estudos de casos sobre conflitos
envolvendo mineradoras no Brasil4, esta forte carga impactante da indstria extrativa mineral
se caracteriza por ser diariamente exercida, descentralizadamente, pelas mais de 3 mil minas e
das 9 mil mineradoras hoje em atividade no pas. Conforme dados do Departamento Nacional
de Produo Mineral (DNPM), existem 8.870 empresas mineradoras no pas. Os efeitos
negativos esto associados s diversas fases de explorao dos bens (como lavra, transporte
e beneficiamento do minrio), tendo como impactos mais comuns:
a) aqueles relacionados dimenso socioeconmica: a proliferao de doenas, prob-
2 SCOTTO, Gabriela. Estados Nacionais, Conflitos Ambientais e Minerao na Amrica Latina. Trabalhoapresentado no 4o Seminrio de Pesquisa do Instituto de Cincias da Sociedade e Desenvolvimento Regional, daUniversidade Federal Fluminense (UFF), realizado em Campos dos Goytacazes (RJ), mar. 2011. Disponvel em:http://www.uff.br/ivspesr/images/Artigos/ST03/ST03.2%20Gabriela%20Scotto.pdf
3O Brasil um dos maiores produtores e exportadores de minrios do mundo. O minrio de ferro lideracom 60% do valor total da produo mineral brasileira; o ouro ocupa o segundo lugar, com apenas 5%. Osinvestimentos programados para o perodo entre 2012 e 2016 so de US$ 75 bilhes (CETEM, 2014).
4Idem.
http://www.uff.br/ivspesr/images/Artigos/ST03/ST03.2%20Gabriela%20Scotto.pdf
-
53
lemas trabalhistas, questes fundirias, crescimento desordenado do municpio, ausncia
de infraestrutura, aumento da violncia, baixo crescimento econmico e social do municpio
envolvido, aumento da prostituio, empobrecimento da populao e trabalho infantil;
b) aqueles relacionados aos impactos ambientais: poluio da gua, prejuzos ao ecossis-
tema local, assoreamento de rios, poluio do ar, disposio inadequada de rejeitos e escrias,
desmatamento, poluio do solo, poluio do lenol fretico, impactos na paisagem e extino
de espcies vegetais e/ou animais, atuao em rea de preservao ambiental, extrao ilegal
de madeira nativa e rompimento de barragens.
A contaminao por substncias perigosas foi destacada pela frequncia com que acontece,
sendo que a mais comum a contaminao por metais pesados presentes na composio
mineralgica, seguida de substncias utilizadas no processo de minerao, como cianeto e
mercrio, asbesto e metais radioativos. As questes j mencionadas sobre o impacto ambiental
acarretado pelos processos produtivos, soma-se a demanda por vastas extenses de terras,
que vem provocando os deslocamentos de comunidades inteiras, sobretudo camponesas.
Outro dado refere-se construo de barragens em que se depositam rejeitos qumicos,
uma alternativa tecnolgica j superada em muitos pases que realizam toda decomposio
do material qumico, e cujas estruturas de construo no Brasil tem causado desastres
de propores gigantescas, como o que recentemente aconteceu na barragem do Fundo
comprometendo o rio Doce.
Sobre a caracterizao da populao envolvida nos empreendimentos minerais da regio,
os municpios-sede dos empreendimentos minerais so, em sua maioria, de pequeno porte
e os conflitos envolvem, alm da populao residente urbana, grupos tradicionais como os
quilombolas, pescadores artesanais, assentados da reforma agrria, coletores e ribeirinhos.
As comunidades locais so seriamente afetadas desde o momento de implantao do projeto,
em que muitas vezes no so cumpridos os pr-requisitos de consulta prvia ou os relatrios
de impacto ambiental so ineficientes. Quando a mina se esgota, ocorre a transferncia das
atividades da empresa para outras localidades, deixando escavaes abandonadas, rejeitos,
contaminao do solo, dos rios e lenis freticos e do ar, bem como doenas, decadncia
econmica e empobrecimento.
No cenrio nacional, a Bahia goza de privilegiada posio na prospeco mineral, com
-
54 7. MINERAO E IMPACTOS AMBIENTAIS
61% de seu territrio mapeado por meio de levantamentos aerogeofsicos. Ainda assim, o
estado possui um dos maiores potenciais minerais inexplorados do Brasil. A potencialidade
do subsolo baiano para descoberta de novas jazidas e ampliao das reservas dos depsitos
minerais existentes comprovada pela quantidade de requerimentos de pesquisa protocolados
no DNPM. O estado , hoje, um dos primeiros do pas em requisies de rea para pesquisa
mineral, especialmente commodities minerais (CBPM, 2014).
Ao lado de Minas Gerais (MG) e Par (PA), a Bahia hoje um dos grandes centros de
investimentos de capital estrangeiro na rea, alimentados pela grande presena de formaes
geolgicas favorveis a ocorrncia de minerais valorizados no mercado internacional. Nquel,
Ouro, Diamantes, Bauxita, Ferro, Cobre, entre outros diversos minerais, fazem do Estado
um dos locais mais procurados do pas pelas mineradoras. Associado expanso mineral,
tem-se o acirramento de conflitos ambientais envolvendo grupos sociais com outras prticas
espaciais incompatveis com a minerao e que tem seus modos de vida e acesso a recursos
territorializados comprometidos.
Apesar de o ltimo perodo ter sido marcado pelo fim do megaciclo das commodities que
ocorreu durante a primeira dcada dos anos 2000, decorrncia da desacelerao da economia
chinesa - maior importadora de minrios do mundo e maior parceira comercial do pas. E, ainda
que exista pouca expectativa de que os preos das commodities minerais voltem aos nveis
anteriores no curto prazo, o Departamento Nacional de Produo Mineral (DNPM) aponta que
a produo do setor, medida pelo ndice de Produo Mineral (IPM), cresceu 15,5% no primeiro
semestre de 2015, em comparao ao mesmo perodo do ano anterior. Sobre as exportaes,
ainda que tenham cado em valor (US$), principalmente em decorrncia da queda preo do
minrio do ferro (que caiu ainda mais esse ano e o principal produto exportado), o quantum
exportado cresceu 7,1% este ano (em tonelada).
A estratgia no novo ciclo ps-boom do preo dos minrios tem sido a intensificao
da explorao e produo a um custo menor, o que implica menores investimento em tec-
nologias e em aes de monitoramento e preveno de acidentes. Dados indicam que h
uma relao estrutural entre eventos de rompimento de barragens de rejeitos e os ciclos
econmicos da minerao: essa relao estaria associada acelerao dos processos de
licenciamento ambiental e presso sobre os rgos licenciadores na fase de preos elevados,
-
55
bem como intensificao da produo e presso por reduo de custos no perodo de re-
duo dos preos. Alguns desses elementos podem ser identificados no desastre tecnolgico
da Samarco/Vale/BHP em Minas Gerais e seu carter estrutural sugere que outras empresas
podem estar provocando situaes de risco semelhantes.
Dentro desse contexto de tendncia de aumento da ocorrncia de acidentes em associao
com a queda nos preos e na expanso mineral no estado, h que se atentar ainda para uma
forte tendncia desregulao do setor dadas as presses empresariais exercidas para a
flexibilizao das leis em favor da reduo de riscos ou da criao de um ambiente favorvel
para os negcios.
Considerando que os grupos afetados correspondem geralmente a grupos tnicos politi-
camente minoritrios e economicamente vulnerveis, com pequenas possibilidades de fazer
ouvir suas demandas por direitos na esfera pblica, importante que se aumente o controle
social sobre agentes do Estado e sobre as empresas na forma como se exploram os bens
minerais do pas.
-
8. A REGULAO DA ATIVIDADE DE
MINERAO
A Constituio Federal, o Cdigo de Minerao e outras leis especficas
A minerao, como se observa, uma atividade que traz inmeros impactos negativos ao
meio ambiente: desmatamento, poluio e assoreamento de cursos dagua, poluio sonora,
etc. Por isso, a atividade deve passar por intenso controle regulatrio por parte do Estado e da
sociedade, em suas diversas etapas. Lembramos que qualquer alterao das propriedades
fsicas, qumicas e biolgicas do meio ambiente, afetando a biota, as condies estticas e
a qualidade dos recursos ambientais deve ser considerada impacto ambiental (Resoluo
1/86 CONAMA).
A atividade de minerao regulada pela Constituio Federal de 1988, pelo Cdigo
de Minerao e Leis especficas, alm de atos normativos do Departamento Nacional de
Produo Mineral (DNPM), Ministrio de Minas e Energia (MME) e Ministrio do Meio
Ambiente (CONAMA).
O Cdigo de Minerao est regulamentado pelo Decreto-Lei no 227, de 28 de fevereiro
de 1967, que estabelece regras que esto voltadas indstria de produo mineral. O
Cdigo conceitua as jazidas e as min