Download - Convivências #1
casa tomadaconvivências #1
atELiê aBERto #1
outubro/novembro
de 2009
agradecimentos agradecimentos agradecimentos agradecimentos agradecimentosagradecimentossérgio basbaum
arrigo barnabéjosé roberto eliezerlucio agramarjorie gueller
camila cardilloluana azeredo
ana luiza fonsecaeduardo de jesusfernando olivamarina buendiasilvia mecozzi
andré vainerclaudia azeredolucas rachedluiza nakazatopedro farkas
cuca diasfernanda brenner
electrica cinema e vídeopapelaria universitáriasérgio almeida / prol gráfica
maurício azeredosolange farkas
e a todos os amigos que colaboraram com a realização deste projeto
editorial editorial editorial editorial editorial editorial editorial editorial editorial editorialequipe equipe equipe equipe equipe equipe equipe
Concluir um processo artístico em um mês é difícil. Conviver com pessoas
diferentes e desconhecidas pode ser igualmente difícil. No último mês
aprendemos muito sobre formas de convivência e, também, sobrevivência
no coletivo. Entre momentos de atividades intensas, visitas, conversas e
momentos de ócio, fim de tarde na rede, tabules e tabuleiros; as relações foram
se fazendo e refazendo. Acompanhamos nossos 7 artistas em um mês de vai
e vem de emoções. E eles nos acompanharam neste mês, na tentativa de
entender qual é o nosso lugar dentro e fora da Casa Tomada. Ou a Casa
Tomada dentro e fora de nós. A convivência fez de cada trabalho individual
um grande trabalho em conjunto. E para concluir este mês de trocas entre
artistas e espaços, a Casa Tomada lança o primeiro número de Convivências
do Ateliê Aberto #1, acreditando na possibilidade de levar para fora de nossas
paredes as reflexões e experiências deste processo de convivência artística.
Esta publicação complementa as atividades da Casa Tomada, e leva à público
não só um resultado final de um processo criativo, mas as diversas etapas que
passamos até chegar aqui. Queremos fazer destas páginas uma sala de
convivência entre nós e vocês.
Tainá Azeredo e Thereza Farkas
Direção Casa Tomada
editorialequipe
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Direção Tainá Azeredo / [email protected]
Thereza Farkas / [email protected]
Produção Alice Riff / [email protected]
Publicações Júlia Ayerbe (texto) / [email protected]
Lila Botter (arte) / [email protected]
Conselho Carolina Mendonça / [email protected]
Habacuque Lima / [email protected]
casa tomada casa tomada casa tomada casa tomada casa tomada casa tomada casa tomada casa tomada casa tomadacasa tomada casa tomada casa tomada casa tomada casa tomada casa tomada casa tomada casa tomada
casa tomada casa tomada casa tomada casa tomada casa tomada casa tomada casa tomada casa tomada casa tomadacasa tomada casa tomada casa tomada casa tomada casa tomada casa tomada casa tomada casa tomada CASA TOMADA. LIGADA E NA PILHA.
O espaço sempre reconfigura a experiência. Sendo amplo ou muito pequeno,
as qualidades do espaço se desdobram pelos seus modos de uso e pelos afetos
que destinamos a ele, reconstruindo nossas experiências na lacuna entre hábito
e novidade. Cada espaço traz em si as suas qualidades físicas e concretas e a elas
colocamos novas camadas de sentido que fazem com que um espaço possa
significar e agir em quem o experimenta. Assim são as casas. Uma camada de
elementos concretos que se agrega a uma argamassa outra que liga, para além
daquilo que é mais palpável, afetos, memórias e experiências que de alguma
forma parecem ficar gravadas em nós e também na fisicalidade do espaço. Assim
o espaço torna-se ao mesmo tempo realidade e fabulação. Cada um percebe
o que é seu dentro daquilo que é comum. Multiplicidades de experiências se
encontram nas múltiplas formas do espaço a ser percebido.
Fiquei pensando nisso, logo depois de passar quase um dia inteiro na
Casa Tomada, um mês atrás. Encontrei um espaço tão acolhedor e
aberto que logo comecei a pensar em quem o ocupava e como
isso iria se dar. O espaço da Casa Tomada mescla o aconchego
doméstico, o espaço da intimidade e as potências para o
externo, para aquilo que está e vem fora. É feita para acolher,
para ser ponto de encontro e também de distribuição. A
vitrine do segundo andar dá essa dimensão de abertura, de
contaminar quem passa pela calmaria da rua em frente e
vê em textos e imagens o que se passa dentro. As
comunicações são
intensas e a casa
mesmo fechada se
abre para o que
se passa fora e
vice versa.
Eduardo de Jesus
Professor da Faculdade de Comunicação e Artes da PUC Minas
O espaço acolhe quem chega por ali e passa a ocupá-lo. O ponto em comum é
a produção artística, um espaço-casa para ser ocupado pela produção artística
e seus desdobramentos. Desde pensar, refletir, conversar e trocar até a execução
e o desenvolvimento das obras. Compartilhar esse espaço da Casa Tomada,
de alguma forma é compartilhar de uma intimidade que se constrói tanto nos
trabalhos desenvolvidos quanto nos encontros, sejam eles para uma palestra, aula
ou grupo de estudo quanto para um almoço ou jantar. Não há divisões muito
rígidas e tudo flui de forma intensa, aberta e bastante colaborativa. O espaço
aconchegante e tranquilo da casa parece tornar esses encontros mais fáceis. Tudo
está no mesmo jogo, na mesma sintonia. Lembro-me que nesse dia que passei
na Casa Tomada, conheci os artistas, conversei sobre os projetos, as propostas e
especialmente sobre os desafios que cada um se lançava em distintas linhas de
pesquisa e elaboração que englobam vídeo, performance, animações, fotografias,
colagens e instalações. Tudo em processo e em debate. Passagens entre uma
pesquisa e outra, debates cruzados e potentes que se abrem para o coletivo,
para um processo de criação que se desdobra na própria vida cotidiana da casa
com seus silêncios e ruídos, como na casa tomada de Cortazar. Esta no entanto,
também é tomada para encher de energia aqueles que como eu passaram por
lá. Inesquecível a exibição comentada dos filmes de Edgar Navarro por Sérgio
Basbaum e sua precisa conceituação do “olhar afetuoso” desprendida do filme
Zonazul de Henrique Faulhaber. Inesquecível esse encontro entre o passado, dos
antigos e resistentes filmes de super-oito dos anos 70, e o presente de uma nova
geração que se arrisca na produção artística estabelecendo outras formas de
produção e encontro. Vida longa para a Casa Tomada e espero passar outros dias
experimentando as multiplicidades desse espaço.
casa tomada casa tomada casa tomada casa tomada casa tomada casa tomada casa tomada casa tomada casa tomadacasa tomada casa tomada casa tomada casa tomada casa tomada casa tomada casa tomada casa tomada “Tive o prazer de conhecer a Casa Tomada neste mês de novembro.
Fui como artista, convidada para um jantar performático. .
Foi muito bom visitar as dependências da Casa e encontrar um grupo de jovens
criadores com propostas muito distintas, convivendo num pequeno ateliê onde
desenvolveram seus projetos durante uma residência de 30 e poucos dias.
Penso ser extremamente construtivo conviver com as dúvidas, as
angústias, as mudanças de rumo e as consequentes descobertas
que acontecem durante a criação de um trabalho.
Diferente das residências que oferecem espaços individuais de
pesquisa, a Casa Tomada, por sua arquitetura despojada, que
integra os ambientes, e por suas dimensões, aproxima os
artistas e proporciona um convívio doméstico entre eles.
A visita de artistas, escritores/teóricos, músicos e outros
profissionais experientes se dá de maneira muito informal
e acolhedora, o que permite uma troca muito direta.
Tivemos um papo muito franco e espontâneo em um
jantar que tinha como tema meu trabalho, uma homenagem
deliciosa, regada com várias garrafas de vinho que liberaram a
verve dos que ainda estavam meio tímidos pra expor suas ideias.
Fiquei muito bem impressionada com o cuidado com
que a Thereza e a Tainá estão conduzindo essa primeira
experiência e com a maturidade que já mostram mesmo
sendo tão jovens.
Sem dúvida esse é o começo de um projeto que ainda vai
tomar muito espaço na cidade de São Paulo.”
Silvia Mecozzi
“No decorrer de uma residência artística, cada pessoa que se conhece, cada
espaço que se descobre, servirá como combustível para levar a experiência vivida
ali a se tornar parte de um processo. Para tanto, esse espaço deve ter os canais
abertos para que a vivência do artista seja real.
Em um projeto como o Ateliê Aberto, da Casa Tomada, onde a proposta é o
encontro de jovens artistas de diferentes áreas da arte, não existe apenas o
estranhamento padrão das demais residências (casa, ateliê, bairro, grupo, etc.).
Conhecer o universo de um outro artista já pode ser um desafio, mas é um
desafio maior quando os referenciais desse universo são outros. É claro que, pela
própria proposta da Casa Tomada, no final descobre-se que estamos todos muito
mais próximos do que imaginamos.”
Ana Luiza Fonseca e Marina Buendia
casa tomada casa tomada casa tomada casa tomada casa tomada casa tomada casa tomada casa tomada casa tomadacasa tomada casa tomada casa tomada casa tomada casa tomada casa tomada casa tomada casa tomada
ATELIê ABERTO ATELIê ABERTO ATELIê ABERTO ATELIê ABERTO ATELIê ABERTO ATELIê ABERTO ATELIê sérgio basbaumCAPÍTULO I: Naquele tempo: 1. A gente era professor 2. T era uma aluna 3. T e J to- mam café com a gente: “a conversa não começa para acabar aqui” 4. T convida a gente pa
ra orientar seu trabalho 5. Após 10 meses de trabalho & conversa, T faz a Trança 6. A Trança foi visitada durante três dias e discutida em 1: “resistance is our Business” 7. nós
ficamos muito contentes CAPÍTULO II 1. tempos depois: T&T, a conversa recomeça, num café de muitos livros 2. Convidado para orientar 7 artistas num projeto de residênci
a 3. A gente acha que orientar não é possível, no máximo uma interlocução 4. outro café (foram vários): fala-se em workshops, jantares, e em espaço digitalmente expandido
(expaço?) 5. T&T mostram pra gente 6 jovens artistas, nem todos de uma vez 6. mos- tram um sétimo artista: número cabalístico 7. nos encontramos todos para uma conversa
na casa CAPÍTULO III 1. Um sorriso luminoso igual ao da Leda Catunda 2. O parado- xo das superfícies e da profundidade 3. O paradoxo do instante e do movimento + bicicl
etas 4. espaços invisíveis de todos os tipos 5. tesouros & mistérios (alguém tem um mapa?) 6. Calvino fala da leveza contando como Perseu dominou a Medusa com o espelho,
então vamos fazer espelhos 7. onde é o dentro onde é o fora? pessoas, coisas & senti- do. CAPÍTULO IV 1. a gente vai ter de ter palavras durante um mês: Artur Omar não seri
a capaz: mas as palavras não vêm da gente 2. devia ter escrito uma palavra por dia: isso bastaria 3. a gente está aberto pra balanço em dois dias de workshops: memória é algo
que a gente inventa todo dia, mas não é todo dia que a gente pode fazer isso abertamen- te 4. a gente leu trechos do livro do Fábio & da Marilá, editado pela Regina 5. a gente re
viu a gente mesmo com outros olhos (os olhos dos outros) 6. o Eduardo de Jesus tam- bém estava lá 7. nós ficamos muito contentes CAPÍTULO IV: 1. Coisas em que a gente ac
redita: a gente acredita que a arte, por si só, não vai nos salvar, mas que, sem ela, não há muito o que salvar (o mundo vai virar um grande formigueiro) 2. a gente acredita no z
elo no uso das palavras, e em buscar a palavra certa 3. a gente acredita que, em termos científicos, há uma grande probabilidade de que a gente exista de fato. 4. 5. livros &
mais livros: memórias, teoria & referências 2. muitas conversas: a gente gosta de conhe- cer as pessoas, para ver se pode de algum modo contribuir 3. porque quem precisa ness
a vida de encontros sem sentido? 4. se a gente não faz sentido, a conversa não flui 5. a conversa fluiu 6. falamos muito de fotografia 7. uma fotografia não tem nada a ver com
1 AdelitA AhmAd é formada em teatro pelo Célia Helena, em artes plásticas
pela Faap e trabalha há três anos com performance. Encubome foi o trabalho que
apresentou para a mostra Verbo, na Galeria Vermelho em 2008, onde morou em
silêncio por uma semana em um cubo de vidro dentro do espaço expositivo. O seu
trabalho artístico remete às questões do mundo feminino e à superação dos limites
físicos e psicológicos. 2 Bruno BAptistelli ou Beba, é formado em artes plásticas
pela Unicamp. Em 2007 criou, com Gustavoprafrente, a dupla Bebaprafrente, que
participou esse ano da Bienal Ventosul onde realizaram um Street Churras. Bruno vive
pela cidade observando caçambas e espaços esquecidos, como postes, terrenos
baldios e entulhos. A partir disso realiza intervenções urbanas, pinturas e fotografias.
3 deco FArkAs formou-se em artes plásticas pela Faap. Trabalha com vídeo,
animação, desenho, pintura e grafite. Com muito humor e poucas palavras, produz
animações em stop motion dando personalidade a objetos. Seus vídeos buscam a
melhor relação possível entre música e imagem em movimento tentando chamar a
atenção do espectador pela sensibilidade provocada. 4 gui mohAllem é formado
em Cinema e Vídeo pela ECA-USP, especializando-se em cinematografia. Em 2007
passou a se dedicar exclusivamente a fotografia, e no ano seguinte fez sua primeira
exposição individual em Nova York com Ensaio Para a Loucura. Como método de
trabalho criou o “efeito compota” onde tira fotos e as deixa curtindo até um sentimento
as resgatarem para o mundo. 5 henrique césAr é formado em artes plásticas na
Faap. Seu trabalho gira em torno do fato de que “o caos existe, resiste e reina. Seja
em forma de erva-daninha no concreto, de infiltração nas paredes, ou em forma de
universo soturno que atravessa a parede da ordem, e nos invade obscuro”. É com esse
pensamento e com muita desenvoltura para a fala que produz, em cada projeto, uma
intensa pesquisa que passa por diversas mídias, como desenho, fotografia e escrita.
6 mAírA mesquitA é diretora de arte e cenógrafa, formada em cinema pela Faap.
Realizou diversos filmes como Sobre a Maré, de Guile Martins; Os Sapatos de Aristeu,
de René Guerra; FilmeFobia, de Kiko Goifman, entre outros. Pesquisadora de objetos
encontrados pelo caminho, possui um acervo tão grande de traquitanas que certo
dia foi obrigada a levantar o colchão do quarto para poder circular. Esses objetos
hoje habitam suas animações, trabalho que se dedica atualmente, que após viverem
suas histórias podem descansar no lixo. 7 mAri poppovic acabou de se formar em
moda na faculdade Santa Marcelina. O seu projeto final foi inspirado em cinema de
exploitation, glam rock e psychobilly. É observadora afinca das pessoas, pois identidade
é um conceito fundamental em seu trabalho. Desenha muito e costuma trabalhar com
giz de cera, lápis, aquarela e marcadores nos cadernos que sempre carrega consigo.
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OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTASOS ARTISTAS
OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTASAdelITA AhmAd
Tentando Entender
Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada,
No vento da madrugada
Serei um pouco do nada,
invisível, delicioso
(Mario Quintana)
Entra na Casa e começa a explorar o território. Ao chegar no ateliê se enfia
embaixo da cama, sube na mapoteca e deita na mesa. Na janela, um espaço
inusitado, um cubículo com uma parede em diagonal que sobe até o
pequeno jardim do andar de cima. Encosta na parede, olha pra cima e sente
esse ambiente. Pergunta: “Eu tomo a Casa ou ela que me toma?”
Adelita procurou todos os lugares nos quais pudesse se esconder dentro da Casa. E foi se escondendo que encontrou a si mesma. Fez de um jardim 2X2 uma imensidão.
OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTASAdelITA AhmAdclick.
o lugar é esse.
click.
Estou procurando. Estou
procurando.
E não sei o que fazer com o
que eu vou achando.
Hoje choveu o dia todo. O
jardim tá todo molhado. É bom
pisar descalça nele.
Agora as folhas secas do outono cairão
em cima dela. Num balanço embaixo do
jardim, naquele espaço do subsolo que
ela foi no primeiro dia da Casa, ela olha
a ampulheta que de tempos em
tempos solta as folhas. O outono é
a estação que ela não entende,
mas está tentando
entender.
Para pensar o trabalho que vai
criar após um mês de residência,
Adelita vai ocupando os espaços
com o seu corpo, com o intuito
de entender onde ela cabe, onde
se enfia, onde o seu sentimento
reverbera melhor.
A cada dia pesquisa os lugares com
sua câmera fotográfica. Encontra
objetos na garagem, uma escada,
uma velha poltrona, uma bicicleta
e uma caixa. Junta todos eles e senta no sofá, entra na caixa e sobe na bicicleta.
Não contente vai até a cozinha. Pousa ao lado de um vaso de flor. Tenta comer
o vaso, deita, nua, e veste algumas maçãs. Quando chega no banheiro encontra
uma máscara de carnaval, de lantejoulas amarelas. Misteriosamente diz: “Você se
esconde mas eu te acho no seu esconderijo”. Quem se esconde? Parece que um
pedaço dela está solto pela Casa e ela não consegue encontrar.
Chega a hora de descobrir o jardim. Com um vestido florido
entra no arbusto – parece os frutos daquela árvore. Relaxa o rosto e sente
o tempo da natureza. Se sente só.
Ainda continuo no jardim. Sozinha. Ainda com a minha máquina, conto 10
segundos e me coloco no espaço.
click.
mais 10 segundos.
Quando você entrou na Casa, pesquisou o ambiente? Sim, tirei fotos dos
espaços. Primeiro fui conhecer o subsolo, o espaço que ocuparíamos. No fim não fui
para o resto da casa, só me preocupei com esse andar. Meu trabalho é bem ligado
à minha dinâmica aqui. Chegava, descia e já arrumava um lugarzinho na mesa.
Quando vi que usaria o lixo, comecei a fotografá-lo, trabalhava e encontrava as
pessoas que estavam por ali, não transitei muito pelos outros andares.
Então a ideia do lixo saiu dessa dinâmica. Sim. Eu estava pesquisando a imagem
do lixo e fiz pinturas a partir das sacolas, só o plástico. Quando comecei a explorar
o subsolo encontrei lugares muito interessantes, como uma salinha que está
cheia de coisas, que pensei em reorganizar, fazer algo ali. Fotografei e mexi com
esse interesse, até encontrar o lixo. No primeiro dia tirei foto dos lixos do nosso
andar, olhei as imagens e pensei “acho que isso dá alguma coisa”. No segundo
dia fotografei e pensei, “vou também guardar algumas coisas do lixo”. Na terceira
semana comecei a produzir.
Em outros trabalhos seus aparecem a caçamba, o lixo. Existe um olhar seu
para isso? Então, tem uma escolha nesse sentido. Gosto bastante do trabalho
do artista Artur Barrio, que tem um manifesto sobre a postura de usar
materiais abandonados porque
é a realidade dele... “As bagagens de todos estão
se somando no espaço”
OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTASbRunO bApTISTellI
Foto dos livros trazidos
pelos artistas do Ateliê
Aberto #1, feita nos
primeiros dias, durante a
investigação do espaço
Entre papéis de bolacha e retalhos da vida alheia, Bruno desconstruiu o universo da casa, transformando restos descartados em vitrines para a invisibilidade.
Como foi a sua vinda à Casa Tomada? Fui a última pessoa a entrar.
Trabalhava com a artista Shirley Paes Leme e ela me indicou. Mandei
um email com o site da minha dupla, me chamaram para conversar
e rolou. Gosto muito dessa questão do espaço e o fato deste ser
habitado por pessoas diferentes é muito bacana.
De precariedade... Também. Pelo o que entendi, Barrio acredita que a arte
não deve estar vinculada propriamente à materialidade da coisa, também
parto um pouco dessa ideia. O lixo é especial porque ele foi
produzido pelas pessoas que estavam lá trabalhando no espaço.
Meu principal objetivo é estabelecer uma relação. Fiquei muito feliz
quando perguntei para os artistas o que esse trabalho estava gerando
neles, porque senti que criei uma relação indireta com todos. Eles
pensavam “esse lixo o Bruno vai pegar”, isso me interessou muito. Foi
uma coisa legal que aconteceu.
E todo esse processo resultou em colagens? São na verdade objetos
em caixinhas. Mas surgiu um problema, a colagem é uma etapa, a etapa
mais entendida como objeto de arte, que surgiu do processo. A Casa vai
abrir para exposição e virão pessoas que estão fora disso
e que terão um entendimento como objeto do mundo.
Ele vai ser encarado mais como trabalho, ele já tem uma
categoria, é categorizado na História da Arte...
Mas veio de uma
experiência. Exato.
Comecei a pensar no
que fazer para mostrar esse processo e tive a ideia de fazer meio que um cinema
estático, como nas Cosmococas do Hélio Oiticica, de pôr uma luz mais fechada e
em imagens de ação, do cortar, do coletar o lixo. Talvez isso vire mesmo objeto
artístico, mas queria que as pessoas vissem também que esse trabalho existiu por
um contexto e por uma dinâmica que estabeleci.
Mas dentro dessa ideia do objeto artístico, tem uma linguagem pop, nas
cores, um pop brasileiro. É, isso já é o meu universo imagético. Fiz um trabalho
de iniciação científica chamado A Pintura Espaço Vida, onde saí um pouco da
pintura, da proteção das imagens da sociedade e chego no Brasil, falo do Hélio
Oiticida e de imagem. Mas também acho que o pop me interessa porque é um
pouco da minha família, ninguém é artista, isso é uma mistura, são os meus pais
e também quero ter interlocução com essas pessoas. Minha formação de
imagem foi a TV, é produto mesmo, é o popular, é o comum.
Claro que fui estudar e fui ver, e hoje essa linguagem é uma
escolha. O dia que entendi o porque do trabalho foi quando
estava indo pra casa de um amigo no Brooklyn e para
chegar é preciso atravessar a avenida dos Bandeirantes.
O lugar que esperava o farol fechar era uma pequena
praça. Vi umas madeiras abandonadas e reorganizei-as
junto com uma árvore. Cheguei na casa e fiquei um tempo
por lá. Quando voltei vi os garis limpando a praça
e titubeando em limpar a reorganização, eles
viram que tinha alguma coisa e não mexeram.
Teve uma experiência, o cara parou e olhou.
Então acho que tá falando, tá solto, tá rolando.
OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTASbRunO bApTISTellI
Como é o trabalho que você fez aqui na Casa? O meu trabalho é um vídeo
em looping, algo em torno de dois minutos, com animações feitas com
elementos e objetos da Casa. A trilha sonora é uma onomatopeia, com vários
sons sobrepostos da minha própria voz. São como uma brincadeira, como
imagino o som de cada coisa, de um saco caindo na areia por exemplo, encaixo
esses sons com a animação.
Como foi a seleção dos objetos? Fiz uma pequena pesquisa, então me apropriei
de materiais que estavam à minha disposição e me despertaram interesse plástico.
OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTASdecO fARkAS
Deco pediu para que não mexêssemos em nada, e colocou obstáculos em nossos caminhos diários. Nós não mexemos, ele não mexeu, e tudo se mexeu sozinho.
Em outros trabalhos seus, como a animação Secadora, você cria um
certo tipo de personalidade para os objetos que anima. Isso se repete?
Sim, cada um dos objetos, como por exemplo o tubo de cola e o rolo
de filme, tem uma existência própria. A cola tem essa coisa de subir
e descer, então eu imagino que ela terá uma personalidade feminina, é
espertinha, vai andar pelos espaços, se equilibrando. Acho que cada objeto
já tem sua personalidade, posso direcionar um pouco manipulando o
movimento, mas eles já são eles.
Como eles ocupam a Casa? Todos estão fazendo os seus percursos, eles não
têm uma missão, estão fazendo o que tem que ser feito, começam a explorar lá
embaixo, sobem para o térreo, dão uma leve explorada nesse andar e ficam por
lá. E também aparecem pessoas. Em todos os encontros que aconteceram aqui na
Casa fiz testes e fotografei o pessoal e com isso construí alguns loopings.
Como é seu jeito de trabalhar? Produzo, produzo, produzo, sem pensar no que
fazer. No processo tenho várias ideias e tenho que lapidar para chegar a um conceito.
Como foi a experiência de produzir para um meio que você não está
acostumado, como o das artes plásticas? Diferente. Tenho um pouco de
trauma das artes plásticas, de arte conceitual, uma certa intelectualização que
você sente e acha que é inacessível, não sei muito bem. Mas ao mesmo
tempo acho muito interessante porque é livre e então você se sente à vontade
pra fazer o que realmente quer.
E expor seu trabalho nos jantares, pensar ele com outras pessoas no
processo do Ateliê Aberto, foi bom? Para mim é sempre bom conversar
e discutir. Outro dia alguém falou que meus trabalhos são irônicos porque eles
têm medo de se expor. Quando você é irônico você se fecha, tenho medo que
o meu trabalho seja meio assim. Sempre uso o humor e não é uma coisa que
escolho, sempre fui um cara do humor, então acaba sendo fácil ganhar as pessoas
com o meu trabalho. As pessoas gostam porque não é algo que as intimida a
elaborar conceitos ou entender, não tem o que entender, é aquilo ali, você vai
sentir a música e ver as imagens e aquilo vai gerar reações em você e acabou.
OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTASdecO fARkAS
“As pessoas gostam do meu trabalho porque não é algo que as intimida a elaborar conceitos”
OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTASgUi mOhAllem
Você apresentou no Ateliê Aberto fotos de Coney Island. Qual sua relação
com esse espaço e como foi o processo de escolha das fotos? Coney Island
está ao sul de Nova York e é o super lugar comum para fotografia, muito clichê.
É como fotografar o centro de São Paulo. Tem uma questão das pessoas que
frequentam o lugar, é muito anacrônico, tem uma roda gigante de 1930 e um
parque de diversão bem decadente. Eu não sabia disso, descobri depois. Um dia
mandei algumas fotos minhas para um editor de Nova York e ele disse que eu
havia fotografado Coney Island totalmente diferente do que ele já tinha visto. Lá
você também vê outra coisa, tem muito freak, deslocado, tem campeonato de hot
dog (um cara comeu 65 hot dogs em 2 minutos). Mas não é isso que me atrai lá,
não volto o olho, a câmera e o coração pra isso; toda vez que vou pra lá fico muito
ensimesmado e começo a escrever e escrever, e naturalmente começo a
andar e fotografar as pessoas que estão lá. Essa série de fotos que eu
trouxe pra Casa estavam na parede do meu ateliê me
atormentando, todas verdes. Há muito tempo não
tenho coragem emocional de mexer nelas.
Pode explicar um pouco a questão das fotos verdes? É uma
técnica que uso onde super exponho o negativo captando de
250 a 4000 vezes mais luz do que precisa. Na hora de revelar peço
para não alterar a cor e então esverdeia tudo, perco totalmente a
noção do real. As fotos brutas são verdes e esculpidas para chegar
onde quero com a imagem. No começo do processo era tudo um
muro de fotos verdes, fui tratando e pintando, é um cruzamento
de pintura com escultura, sinto que é tridimensional, que estou
quebrando, mas o movimento é de pintura, de desenho.
É interessante essa ideia de como você desfigura a realidade,
você fotografa, desmembra as cores, o que era já não é mais,
mas é um ponto de partida. Isso tem muito a ver com um trabalho
de Roland Barthes, A Câmara Clara, a foto não é mais a realidade.
Entendo a foto como memória, porque o fato é só a tela onde a
gente pinta a memória, você tem apagão, isso é o fato, a memória é
o que você viveu naquele momento. Alguém chegou e disse assim
"não quero mais, pra mim acabou", como você vai lembrar disso
depende muito de como vai pintar essa história na memória.
Você disse que Coney Island era um autorretrato, então a foto, com outras
pessoas, paisagens, fala sobre você. Seu trabalho tem muito do outro falar
sobre você, certo? Sim. Isso tem a ver com tudo o que gosto de fazer, é muito
mais confessional, é uma coisa que já tinha organizado na cabeça, que o outro
fala muito de mim, é um jeito de pensar a coisa. Gosto muito do que as pessoas
falam para mim. Um amigo me disse "interessante que as suas fotos são do ponto
de vista de quem tá encharcado, mas ninguém pisa na água".
gUi se desligou do mundo fora da Casa e deixou crescer o cabelo e a barba nos longos dias que passou aqui. Foi resgatando memórias antigas e inventando novas cores para colorir o passado.
Como foi o processo que viveu aqui? Você trouxe as fotos e passou
por processos de seleção até chegar no ponto que queria? Não sei se
tem planejamento. Engenheiro é que planeja, meu processo é intuitivo.
Espalhei as fotos na parede e fiquei olhando. Olhava, sentia e pegava a
imagem, tratava e ia fazendo isso pelo sentimento, uma ou duas fotos
por dia. Tiveram dias que não tratei foto nenhuma. Na Casa Tomada o meu
trabalho operacional rendeu pouco, mas a produção intelectual, emocional,
a troca, a epifania, nas conversas houve uma forte interação com os outros
artistas, um diálogo muito intenso.
Você e a Adelita tiveram um diálogo pelo blog da Casa, como foi isso?
Conversamos sobre solidão, sobre amor e falei sobre uma história do poeta Rainer
Maria Rilke e ela ficou encantada. Eu não
soube contar direito e quando fui para
minha casa pensei: "preciso achar o Rilke".
E não achei. Achei um e-mail, postei
aquilo que tinha a ver com o que
eu e ela estavamos passando e
rolou uma identificação. Antes
eu não tinha uma coisa com
a Adelita, ela tem uma chave,
funciona em uma frequência
que eu não alcanço, uma leveza.
Ela lida com coisas muito profundas
de uma maneira muito leve, o riso
dela é borbulhante. E às vezes eu trato
coisas muito leves de forma
muito pesada. Então a princípio não
encaixava, achava ela uma
pessoa legal, mas
me identificava
mais com outros da
Casa. De repente
ela e o Bruno
apareceram para mim, uma amizade,
um amor mesmo com as pessoas. E essa troca com a Adelita
está no meu texto e no meu trabalho.
Seus trabalhos estão vinculados ao momento que
você tá vivendo, ao que está sentindo? Ao que
eu acredito naquele momento, o que eu já discuti. Eu
mudo muito. Tenho experiências muito transformadoras.
Vim aqui não para usar o Ateliê, eu vim me transformar,
vim com uma questão. As coisas que acontecem são
intensas, eu procuro essa intensidade, saio depois de um
mês muito transformado. Tem a ver com as relações que
se criam aqui dentro, com as trocas que foram feitas. Isso
acontece com cada viagem, é praticamente um exílio. E no
exílio você olha mais para si mesmo e para a interação com
o outro, você se descobre. Sou muito apaixonado, acredito
no que estou fazendo naquele momento, muito, mas essa
paixão vai e não olho pra trás. E o que acontece quando
junto o texto à imagem, é que parece que o texto vence,
não a imagem, mas o texto vence.
OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTASgUI mOhAllem
O Estranho
Não sejamos ingênuos em achar que a ideia de casa é sempre
conectada a conforto, bem-estar e segurança. Se por um lado ela
nos isola com suas paredes dos possíveis perigos do mundo externo,
por outro, possui dentro de si ameaças. Tema inesgotável de suspense
e terror, os armários, a madeira rugindo, os quartinhos do fundo
causam medo. São os fantasmas.
O artista Henrique César quando entrou na Casa Tomada resolveu
investigar o seu lado oculto. Seu interesse se voltou para a ideia de
que o caos reina e não há como apartá-lo, não existe edificação que dê
conta disso. Na época estava lendo o texto Unheimlich, de Freud.
Dessas investigações começou a elaborar estratégias para trazer ao
público esses lugares. Primeiro pensou num estetoscópio para ouvir
as duas caixas d’água da casa, a esquerda e a direita, que bombeiam
o líquido que abastece o lugar. O barulho do cano, do ralo, do que
escorre, do que se expele e do que se ingere. Mas os canos estavam
“É incrível saber que o heimlich, ou doméstico,
é algo que para um emerge
como situação segura e
familiar, e que para outro
ocorre como um espaço
desconhecido, impossível de
ser frequentado, estranho.”
OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTASHenRIque CéSAR
Em 30 dias Henrique percorreu todos os cantos da Casa e foi do sótão ao porão para encontrar seus fantasmas. Agora está aberta a temporada de caça.
OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTASHenRIque CéSAR
muito ocultos, difíceis de trazer à superfície. Partiu então para
os escombros e restos, amontoados de coisas jogadas em
cantos e espaços inutilizados, pouco habitados e visitados
pela memória. Surgiu então a ideia de construir uma máquina
que detectasse os fantasmas desses lugares. A Máquina para
Ver Fantasma foi projetada com a finalidade de localizar e
apontar indícios de situações invisíveis a olho nu. O invisível
quando visível, assusta, para isso, basta pendurar a máquina
no pescoço e andar pela Casa.
Dentro do quarto seguro, vive o armário que há de ser fechado. E coberto
na cama, há o vento que invade a orelha descoberta.
o estranho vol. 17 obras psicológicas
ele é estranho pra casa e a casa é estranha pra ele
como encontrar um fantasma travestido em trauma
guardar tralha é guardar trauma
entropia
não dar conta de algo que é maior que você
Embora usado com frequência para descrever qualquer coisa
estranha ou inusual, o sentido estrito da palavra se refere a algo
além do nosso conhecimento, além do nosso alcance, portanto
não é necessariamente algo sobrenatural
é que ele está fora do nosso entendimento, costuma trazer consigo
conotações óbvias de medo, e por isto o termo é frequentemente
usado tanto em relação ao horror quanto ao sobrenatural
Unheimlich/Uncanny não deriva seu terror de alguma
coisa externa, estranha ou desconhecida, mas, pelo
contrário, de algo estranhamente familiar, que tentamos
afastar de nós, mas que resiste aos nossos esforços.
OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTASMAíRA MeSquITA
Maíra encontrou na Casa uma forma silenciosa de passar o tempo e foi transformando os lugares mais esquecidos em laboratórios de seres animados.
O homem criou o relógio para se libertar da tarefa de contar o
tempo. A partir desse momento não cabe mais a ele esse afazer,
a máquina o realiza por ele. Porém, tendo por convenção o
tempo dividido, e por comodidade o homem adaptado a essa
divisão, podemos fazer a seguinte pergunta: o tempo contado
se dispõe ao homem ou à máquina?
Quando vemos a Máquina de Passatempo de Maíra Mesquita não encontramos
apenas um engenho destinado a transformar uma forma de energia em outra
e/ou utilizar essa transformação para produzir determinado efeito. Encontramos
uma artista inventando uma máquina poética, com traços humanos. Por tal razão,
vemos nela a inutilidade que pode ter o tempo numa máquina criada para passar
o tempo. O passatempo lúdico ganha um teor político ao fugir do cronômetro
e vivenciar um tempo próprio, libertando o relógio. “O tempo todo, para alguém,
é a vida inteira, mas pode ser o tempo que você gasta pensando no tempo.
Pode ser o tempo inútil, da brincadeira, o ‘passatempo’. Pode ser o tempo que
você não tem, porque leva uma vida muito agitada e precisa de um outro relógio,
não cronológico, um relógio interno, que digere as coisas, que faz o tempo
passar por dentro também”.
OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTASMAíRA MeSquITA
Essas máquinas são compostas
por traquitanas que a artista
coleciona, formando um
grande acervo, um gabinete de
curiosidades onde cada objeto
tem uma vida, uma história e um
lugar. Por essa razão, quando
foi trabalhar na Casa Tomada e tomou o laboratório de fotografia embaixo da
escada como seu escritório, levou consigo parte de seu acervo. Havia malas com
diversos tipos de engrenagens antigas, flores secas, taças quebradas, um cowboy
num cavalo de brinquedo, botões antigos, todos organizados em maletas com
divisórias e compartimentos. Alguns deles nem foram utilizados, mas fizeram
parte da cenografia do lugar.
Criou em um mês as doze máquinas animadas em stop motion. A primeira
Máquina de Passatempo surgiu de uma peça misteriosa que encontrou na rua.
A guardou por dois anos e, após agregar uma mola e uma cinta-liga, surgiu
“Nunca me senti artista, mas sempre acreditei em um processo
artístico no meu trabalho– um processo de pesquisa e
imaginação, constante movimento e apropriação empírica...”
1. máquina de passatempo;
2. máquina de passatempo
com puxador e ponteiro
ornamentado; 3. máquina de
passatempo com puxador,
ponteiro ornamentado,
marcadores e extras; 4.
máquina de passatempo
com puxador, ponteiro
ornamentado, marcadores,
extras e chip; 5. máquina
de passatempo modelo
feminino; 6. máquina
de passatempo modelo
feminino com simulador
endócrino-dramático; 7.
máquina de passatempo
modelo feminino com
simulador endócrino-
dramático e vitamina B12;
8. máquina de passatempo
modelo retrô; 9. máquina
de passatempo modelo
botânico; 10. máquina de
passatempo modelo; 11.
máquina de passatempo
modelável; 12. máquina de
passatempo kids.
um mecanismo. A partir desse princípio
básico, surgiram os doze desdobramentos.
Encontramos todas as máquinas dentro de
uma caixa, vemos elas a partir de um
pequeno buraco em um contêiner endereçado
à artista. Ao lado um Manual de Instruções com
descrições e funcionamentos. Percebemos e
sentimos todas as formas da Maíra entender
e vivenciar o tempo, repensamos o nosso
próprio tempo e passamos a culpar o nosso
relógio, a máquina que criamos para nos
ajudar com o tempo. O maquinário que
ela criou, o seu Manual de Maquinaria
Fantástica nos remete às possibilidades de
repensar as categorias e convenções.
OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTASMARI POPPOvIc
Louca por papéis e lápis coloridos, Mari encontrou nas identidades das outras
personagens uma maneira de dizer sem precisar ser vista. Pensou não ser observada, mas os desenhos não tiraram os olhos dela.
Seis retratos, um de cada artista da Casa. Mari Poppovic,
ilustradora formada em moda, se interessa
por gente, por identidade e, por isso,
no período que ficou em ateliê, foi
silenciosa e observadora. “Fico bem na
minha, prefiro do que conversar. Me
interesso pelas pessoas e como ando
muito de ônibus e metrô fico sempre
atenta aos outros.”
Desenhista compulsiva desde
criança, logo se encantou
por todos os materiais que
a Casa oferecia, lápis, papel
colorido, em cada gaveta
que abria encontrava uma
nova possibilidade. A ideia
de trabalhar a questão de
identidade surgiu logo, e para
isso pediu a cada artista uma foto
3x4. Começou a desenhar com o
que cada um tinha na cabeça, a
partir dos suportes e dos materias
que cada um trabalha. “Queria dar
continuidade ao meu trabalho de
conclusão de curso da faculdade,
onde explorei superfícies, do
OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTAS OS ARTISTASMARI POPPOvIc
tecido e da pessoa e por isso queria fazer retratos superficiais investigando o que
é a identidade da pessoa.”
A oportunidade de entrar no Ateliê Aberto foi importante como um primeiro
passo para desenvolver o seu trabalho como artista, e poder criar um canal
de diálogo entre moda e arte, mundos que muitas vezes se aproximam. “É
engraçado estar nesse universo das artes porque para mim era meio mito.
Adorei o projeto, de ter essa oportunidade de entrar, já ter uma
projeção, conversar com artistas, galeristas. E a Casa é
bem legal, ter todos os materiais, mexer em tudo,
poder interagir com os outros e no fim
ter essa exposição é perfeito.”
“Me interesso muito pelas pessoas, fico sempre atenta aos outros.”
o mundo lá fora CAPÍTULO V: 1. são fotos pela casa, com humor e graciosidade 2. são maçãs que ficarão pelo caminho 3. Lydia Schouten 4. Caspar David Freidrich: um pint
or romântico que pintava as fotos que ele foi fazer, à seu modo, mais de 100 anos de- pois 5. John Lennon & Yoko Ono 6. Yves Klein 7. Robert Frank CAPÍTULO VI 1. são fot
os que são olhadas miríades de vezes e são re-inventadas de acordo com um olhar que desvenda solidões 2. uma fotografia não tem nada a ver com mundo cá fora 3. cientifica
mente falando, há uma grande probabilidade de que o mundo exista de fato 4. dilúvio das imagens técnicas: centenas de fotos pela casa! 5.casa tomada por rolinhos de filme e
m homenagem a McLaren: converse! 6. no meio do caminho tinha um incêndio: pe- gou fogo na obra de HO e falou-se muito pouco disso (no Brasil) nessas últimas semanas 7.
falamos (duas vezes) com Hércules Martins e as meninas em Amsterdam e a casa ultra- passou seus limites físicos se é que há algum CAPÍTULO VII 1. apesar de que a gente n
ão consegue estar lá todo o tempo, a gente pode perceber as conversas se cruzando e uma certa energia se criando, se acumulando e se distendendo a partir dos espaço de ateliê
e de conversa 2. mais uma vez a gente tinha vontade de ter feito um diário e se faz mui- tas perguntas sobre muitas coisas 3. a gente se encanta com um texto muito elegante que
parece vir de um mar de mistérios onde também há desenhos & máquinas & delicade- za 4 . isso vai se tornar uma bela máquina dadaísta cercada de mariposas 5. é algo para
ser achado só por quem procura 5. ela diz assim: para quem procurar o suficiente, há mui- ta beleza – muita mesmo 6. enquanto isso Oscar Wilde participa de um desfile de mo
da e sorri 7. o senso de humor não vai nos salvar, mas sem ele também resta pouco o que salvar (será que formigas contam piadas? talvez sobre abelhas ou pulgões...) CAPÍT
ULO VIII 1. T&T também precisam de um interlocutor! 2. eu sozinho não rimo 3. nós dois, juntos, rimos 4. ela foi muito rápida e sintética e deu a notar que não poderia ser u
m big brother 5. o que aprendemos com alguns trabalhos sobre o espaço é que o espaço físico não existe exatamente 6. quer dizer: um espaço se define pela maneira como ele é
habitado. por aquilo que ele abriga, e pelo modo como ele abriga 7. pelo que se perfor- ma com ele e por meio dele CAPÍTULO XIX 1. permeability show: uma casa fechada e
m si mesma e impermeável é como um sistema nervoso sem mundo: não tem sentido ne- nhum 2. sem sentido nenhum fica, naturalmente, muito nervoso 3. a janela é a porta de
ATELIê ABERTO ATELIê ABERTO ATELIê ABERTO ATELIê ABERTO ATELIê ABERTO ATELIê ABERTO ATELIê sérgio basbaum
encontros encontros encontros encontros encontros encontros encontros encontros encontros encontros
Ao longo do Ateliê Aberto nossos artistas
receberam visitas de pessoas relacionadas
às artes para um jantar na própria Casa.
Estes jantares foram organizados por
Camila Cardillo, chef de cozinha, e Luana
Azeredo, pesquisadora de tendências.
A dupla realizou jantares sinestésicos
pensados especialmente para cada visita,
elaborando assim um estímulo informal
para os encontros.
O conceito de cada jantar foi permeado pelos assuntos, temas e ideias levantados
pela obra ou pelo trabalho de cada um dos visitantes, além de interações e
conexões que levaram os artistas, através das descobertas gustativas e visuais
provocadas pela experiência gastronômica, a produzirem insights e a gerarem
novas discussões entre eles e destes com seus pares e obras.
1 Silvia Mecozzi, artiSta pláStica
Seu trabalho profundamente inspirador
nos levou ao desenvolvimento de um
jantar ultra conectado, ligando um prato
ao outro e os mesmos aos insights visuais
trazidos pela artista. Círculos, fios, palavras,
histórias que levam às outras e sabores
que traduzem emoções. Um macarrão de
fios de abobrinha, um bolo de queijo ao
forno com palavras surpresa, uma sopa de
couve-flor com sabores diversos de
acordo com as frases resgatadas no
bolo: ácido, amargo, doce, picante,
umami e salgado. Para completar,
fios de algodão doce e outras
sobremesas para fazer a festa
e encher o olho.
Camila e Luana contam como foram os
jantares nesta primeira edição do Ateliê
Aberto, focados em três visitas.
Luana e Camila preparando um dos jantares da
primeira edição do Ateliê Aberto
encontros encontros encontros encontros encontros encontros encontros encontros encontros encontros2 Marina Buendia e ana luiza FonSeca, aMBaS da Galeria verMelho
Óbvio seria avermelhar todo o jantar, mas como a dupla em si nos trazia
inspiração de sobra, fizemos um jantar em duplas, com dobradinhas clássicas
de sanduíches e drinks. Cada um deveria encontrar seu par e compartilhar, cada
parte do jantar com
uma pessoa diferente
da mesa. Interações e
conexões em dupla,
para pensar em triplo e
desfrutar com todos.
3 Fernando oliva, curador e proFeSSor
O último encontro tinha a função de organizar as ideias e fazer
um fechamendo do processo. Tendo então o pensamento
curatorial como ponto de partida, desenvolvemos um jantar
no qual cada participante foi colocado como curador do
seu próprio prato, escolhendo opções dentre as variedades
oferecidas e de acordo com um conceito específico por ele
definido: amarrando os elementos através de sua cor, textura,
gosto, lembranças... O exercício gatronômico-curatorial
proporcionou discussões sobre processos de seleção,
conceitos expositivos,
relacionando o Zona
de Risco do CCSP e a Casa
Tomada e, principalmente
no que diz respeito às
alegrias e dificuldades de
um projeto com pessoas
de diferentes áreas.
entrada para o mundo da representação 4. ela & sua janela: da rede ao balanço 5. do tem- po da ampulheta ao tempo mais essencial das folhas que caem 6. performar na janela é
a história da cultura moderna (!) 7. e se fizéssemos uma anti-lanterna que cria zonas de sombra? CAPÍTULO X 1. há jantares que alimentam a alma: a gente participou de dois
em três 2. no primeiro reencontramos alguns momentos felizes na Vermelho: a sala de jo- gos 3. rizoma + riso = risoma (como não pensei nisso antes?) 4. é justo homenagear a
Camila (e a Luana) que planejou e executou esses jantares em que a comida não é fim mas começo (de encontros): dejeneur sur l’herbe (mas a relva é assunto e não lugar). 5. a
gente espera ter estado à altura 6. no outro jantar veio o Fernando Oliva e falou-se de crí- tica e curadoria e foi bom 7. ficamos todos muito contentes e as coisas estavam toman
do rum(o) CAPÍTULO XI 1. fantasmas também são a história da arte moderna 2. no sim- bolismo, nas fastasmagorias que antecedem o cinema 3. no conflito entre o que a supe
rfície mostra e o que ela reprime 3. e também a história dos artistas cuja obra permane- ce como fantasmas vigiando a inteligência vigente: o fantasma de Marcel Duchamp 4. m
as sempre isso: o peso da história? 5. essa história é liberadora, só cobra rigor, sensibili- dade, inteligência e humor. 6. o resto vale 7. justamente é o que ele fez valer: os restos
CAPÍTULO XII 1. além do rigor, da sensibilidade, da inteligência e do humor, tem a me- mória 2. mas a memória a gente re-inventa todo o tempo, contanto que não seja para n
ão ver 3. o resto é um tipo de memória 4. e eles lembram Matisse! 5. e contam a histó- ria da casa pela porta da saída, e re-inventam essas coisas 6. tudo pode ser exatamente o
seu contrário 7. talvez o filme seja o processo e as coisas a presença, porque não? CA- PÍTULO XIII 1. um arquiteto faz todo mundo se sentir organizado! 2. eu vi os sete trabal
hos 3. uma galeria de retratos, como nos castelos! 4. a gente aprendeu que orientar sete artistas exigiria uma arrogância que a gente não quer ter 5. foi ótimo, a gente se desorie
ntou bastante, hahaha! 6. a gente gostou muito de tudo, admirou todos, e espera ter esta- do à altura 7 ficamos muito contentes (in doubt we trust) SãoPaulo novembro 2009
ATELIê ABERTO ATELIê ABERTO ATELIê ABERTO ATELIê ABERTO ATELIê ABERTO ATELIê ABERTO ATELIê sérgio basbaum
AdelitA AhmAd
bruno bAptistelli
deco fAr
kAs
gui mohAllemabandono, renúncia e resignação.
o coração15 enterrado num deserto de água.
a promessa é também uma ameaça11, perspectiva sem ponto de fuga.
uma comunhão qualquer com uma pessoa qualquer, socorro5 para
o náufrago.
não há. eu sei. nunca será preenchido.
e espero10.
em algum lugar 7 talvez algum dia quem sabe num lugar bem
distante.
projeto.
henrique césAr mAírA mesquitA
mAri poppovic
A Casa Tomada é um espaço reservado
para práticas, investigações e reflexões
de caráter artístico. O projeto surgiu da
vontade de construir um espaço que
fosse um ponto de convergência entre
as diversas áreas de atuação das artes.
Focada em todo o processo de
produção e não somente no produto
final artístico, a Casa Tomada tem
como proposta incentivar a discussão
e o desenvolvimento de trabalhos com
caráter conceitual, motivados pelo
ambiente da casa e seu entorno.
www.casatomada.com.br