UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA
MESTRADO EM SOCIOLOGIA
CULTURA DO TRABALHO E INTERAÇÃO
NO SERVIÇO DE GARÇONS
MARINA LEMES LANDEIRO
Goiânia
2012
TERMO DE CIÊNCIA E DE AUTORIZAÇÃO PARA DISPONIBILIZAR AS TESES E
DISSERTAÇÕES ELETRÔNICAS (TEDE) NA BIBLIOTECA DIGITAL DA UFG
Na qualidade de titular dos direitos de autor, autorizo a Universidade Federal de Goiás
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1. Identificação do material bibliográfico: [x ] Dissertação [ ] Tese
2. Identificação da Tese ou Dissertação
Autor (a): Marina Lemes Landeiro
E-mail: [email protected]
Seu e-mail pode ser disponibilizado na página? [x ]Sim [ ] Não
Vínculo empregatício do autor
Agência de fomento: Capes Sigla: Capes
País: Brasil UF: GO CNPJ:
Título: Cultura do trabalho e interação no serviço de garçons
Palavras-chave: Cultura do trabalho; interação em serviços; tipologia metodológica; trabalho
em serviços; bares restaurantes; garçons
Título em outra língua: Culture of work and interaction in service waiter
Palavras-chave em outra língua: Culture of work; interaction services; methodological typol-
ogy; service work; bar restaurants. waiters
Área de concentração: Sociologia
Data defesa: (dd/mm/aaaa) 29/08/2012
Programa de Pós-Graduação: Programa de Pós-Graduação em Sociologia
Orientador (a): Jordão Horta Nunes
E-mail: [email protected]
Co-orientador
(a):*
E-mail: *Necessita do CPF quando não constar no SisPG
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________________________________________ Data: 20/11/2012
Assinatura do (a) autor (a)
1 Neste caso o documento será embargado por até um ano a partir da data de defesa. A extensão deste prazo suscita
justificativa junto à coordenação do curso. Os dados do documento não serão disponibilizados durante o período de
embargo.
i
MARINA LEMES LANDEIRO
CULTURA DO TRABALHO E INTERAÇÃO
NO SERVIÇO DE GARÇONS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Sociologia como requisito parcial para a obtenção do título de mestre em sociologia. Orientador: Jordão Horta Nunes
Goiânia
2012
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
GPT/BC/UFG
L254c
Landeiro, Marina Lemes.
Cultura do trabalho e interação social no serviço de garçons
[manuscrito] / Marina Lemes Landeiro. – 2012.
xi, 143 f. : il., tabs.
Orientador: Prof. Dr. Jordão Horta Nunes.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Goiás,
Faculdade de Ciências Sociais, 2012.
Bibliografia.
Inclui lista de tabelas.
Anexos.
1. Garçom – Interação social. 2. Cultura do trabalho. I.
Título.
CDU:642.6:3
ii
MARINA LEMES LANDEIRO
CULTURA DO TRABALHO E INTERAÇÃO
NO SERVIÇO DE GARÇONS
Dissertação defendida e aprovada em vinte e nove de agosto de 2012, pela
banca examinadora constituída pelos professores:
______________________________________________________
Jordão Horta Nunes (Orientador) – Universidade Federal de Goiás
______________________________________________________
Revalino Antônio de Freitas – Universidade Federal de Goiás
______________________________________________________
Thomas Patrick Dwyer – Universidade Estadual de Campinas
Goiânia
2012
iii
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador Jordão Horta Nunes por me assistir em todo o
processo de aprendizagem, que inclui duas orientações de iniciação científica e
o mestrado. Também quero agradecer a todo apoio oferecido durante esta
jornada e, sobretudo, agradeço pelo empenho para desempenhar o seu
trabalho, o que tem consequências fundamentais em nossas trajetórias.
Agradeço aos professores Revalino de Freitas e Cleito dos Santos por
colaborar com o desenvolvimento deste trabalho a partir de observações e
sugestões feitas na defesa de qualificação e também em outros momentos,
como as reuniões do Nest e apresentações de trabalho.
Ao professor Thomas Dwyer sou grata pelo estímulo e orientação em
uma importante fase da consolidação deste trabalho: a finalização do projeto e
a formulação do desenho de pesquisa.
Aos meus amigos Lúbia Dutra e Marcos Reis por me acompanhar,
confortar e incentivar durante o período do mestrado e pelas conversas e
conselhos dados em momentos imprescindíveis. E também ao meu amigo
Juciano Rodrigues, agradeço pela companhia e diversas dicas e diálogos sobre
a temática.
Algumas pessoas foram fundamentais para pesquisa. Devo mencionar
os companheiros de trabalho de campo que em diversos momentos me
acompanharam e colaboraram com a atividade, afinal uma mulher jovem e
sozinha em bares ainda causa certa estranheza. Seguindo ordem cronológica e
considerando os mais frequentes agradeço a: Marcello Garbelim; Lucas
Machado, Lúbia Dutra e ao Caio Stuart. Agradeço também ao Marcelo Batalha
pela ajuda e companhia no período em que estive em campo em Campinas.
Ao Caio Stuart quero agradecer por estar ao meu lado e por me fazer
feliz.
Também devo agradecer aos diversos colaboradores desta pesquisa, a
maior partes deles não é possível nomear, afinal foram muitos os informantes,
colegas e entrevistados. Agradeço também aos tantos clientes e consumidores
que se dispuseram a dialogar comigo. Ao Bruno Ribeiro, jornalista de
iv
Campinas, pela entrevista concedida. Sou grata ao professor Antônio Edmilson
Rodrigues (PUC – Rio de Janeiro) pela esclarecedora conversa que tivemos no
I Seminário Internacional do Bar Tradicional. E de modo geral, agradeço a
todos os membros dos estabelecimentos que pesquisei: garçons, cumins,
gerentes, maîtres, proprietários, balconistas, funcionários da limpeza, do bar,
da copa, da cozinha, seguranças, caixas, dentre outros. Muito obrigada por me
receberem.
Para finalizar agradeço a Capes pela bolsa de estudos concedida e por
possibilitar através do Programa de Cooperação Acadêmica Novas Fronteiras
(Procad – NF), o proveitoso intercâmbio acadêmico com a Unicamp.
v
EPÍGRAFE
“Saber administrar a relação do presente com o passado, a tradição e a
mudança, é uma tarefa que cabe tanto à nossa geração, quanto às
precedentes. Executá-la de forma razoável e equilibrada é, em primeiro lugar,
uma marca de inteligência”.
História da alimentação – J. L.Flandrin e M. Montanari
“My interest in those happy gathering places that a community
may contain, those “homes away from home” where unrelated people relate, is
almost as old as I am”.
The great good place, Ray Ondenburg
vi
RESUMO
O aumento das atividades de serviços é uma importante mudança no mundo do trabalho. Esta modificação atinge especialmente indivíduos com pouca qualificação e baixa escolaridade. Os afetados tendem a ocupar cargos em serviços pessoais, em outros termos, são aqueles que atendem a demanda individual, como a ocupação de garçom. As relações estabelecidas em serviços pessoais suscitam identidades ocupacionais e identidades sociais específicas que necessitam análises. O objeto de pesquisa da dissertação é o trabalho de garçons, contudo privilegia o triângulo de poder “gestor/trabalhador/consumidor” nas situações de trabalho. O objetivo da pesquisa é analisar sociologicamente o serviço de garçons em bares restaurantes de duas cidades brasileiras: Campinas – SP e Goiânia – GO. O suporte teórico utilizado é da sociologia do trabalho em serviços. A análise articula: a) cultura do trabalho e; b) interações entre garçons e clientes/consumidores em estabelecimentos específicos. A metodologia privilegia a abordagem qualitativa e a triangulação de dados. Observações e entrevistas foram realizadas. O critério de escolha dos bares restaurantes parte da construção inicial de tipos ideais, que opõem inicialmente estabelecimentos “tradicionais” e “modernos”. Duas tipificações descritivas foram elaboradas ao longo da pesquisa de campo. As tipificações descritivas compõem a caracterização dos estabelecimentos. Uma referente à cultura do trabalho (familiar ou empresarial); a outra referente à interação entre garçons clientes e consumidores (informais ou formais). A partir do serviço de garçom a pesquisa evidencia mudanças quanto: as formas de direção e aos modos de interação que correspondem à vida em uma sociedade do consumo. Palavras-chave: Cultura do trabalho; interação em serviços; tipologia metodológica; trabalho em serviços; bares restaurantes; garçons.
vii
ABSTRACT
The increase of service activities is an important change in the labour world. This change affects particularly people with low qualification and education. Those affected tend to occupy jobs in personal services, in other words, are whose that attend individual demand, as in waiter occupations. The relations in personal services raise occupational identities and social identities that require specific analysis.The dissertation´s research object is the waiter´s work, but favors the power triangle "manager / worker / consumer" in work situations. The aim is to analyze sociologically the service of waiters in bars restaurants bars at two Brazilian cities: Campinas - SP and Goiânia - GO. The theoretical support comes from the sociology of service work. The analysis articulates: a) culture of work and b) interactions between waiters and customers / consumers in individual establishments. The methodology centers on the qualitative approach and data triangulation. Systematic Observations and interviews were employed. The requirements for selection of bar restaurants departs from the former construction of ideal types, which initially opposed the "traditional" and "modern" establishments. Two descriptive typifications were developed based on field research. Descriptive typifications compose a characterization of the establishments. One refers to work culture (family or business), the other mentions the interactions between waiters, clients and consumers (formal or informal). From the waiter service the investigation shows changes in direction ways and interaction modes that correspond to life in a consumer society. Keywords: Culture of work; interaction services; methodological typology, service work, bar restaurants, waiters.
viii
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 - PIB PERCAPITA DE GOIÂNIA E CAMPINAS E DAS SUAS
REGIÕES METROPOLITANAS.....................................................................p.14
QUADRO 2 – COMBINAÇÃO DE ESTABELECIMENTOS SEGUNDO AS
TIPIFICAÇÕES DESCRITVAS.......................................................................p.44
QUADRO 3 – TIPOLOGIA PARA A CULTURA DO
TRABALHO.....................................................................................................p.49
QUADRO 4 – CLASSIFICAÇÃO DOS ESTABELECIMENTOS SEGUNDO A
TIPOLOGIA DE CULTURA DO TRABALHO..................................................p.61
QUADRO 5 – TIPOLOGIA DE FRENKEL et. al.
(1999)..............................................................................................................p.87
QUADRO 6 – TIPOLOGIA PARA AS INTERAÇÕES ENTRE GARÇONS
CLIENTES E CONSUMIDORES....................................................................p.89
QUADRO 7 – CARACTERIZAÇÃO DOS BARES RESTAURANTES SEGUNDO
AS TIPOLOGIASELABORADAS....................................................................p.90
ix
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
Campo de pesquisa: a sociologia do trabalho de serviços..................p.01
Objeto de pesquisa: o trabalho de garçons em bares restaurantes....p.03
Procedimentos metodológicos.............................................................p.07
Estrutura da dissertação......................................................................p.11
Empiria nas duas cidades....................................................................p.12
Campinas e Goiânia.............................................................................p.13
1 SOCIEDADE DE SERVIÇOS: SOCIOLOGIA E PERSPECTIVAS
1.1 A sociedade pós-industrial: pontos de vista...................................p.20
1.2 Sociologia do trabalho em serviços................................................p.31
2 CULTURA DO TRABALHO: O SERVIÇO DE GARÇONS EM BARES
RESTAURANTES
2.1Os bares restaurantes como locais de análise...............................p.38
2.2 Recurso metodológico: os tipos ideais e os tipos descritos...........p.41
2.3 Cultura do trabalho: familiar e empresarial....................................p.44
2.4 Bares restaurantes e cultura do trabalho.......................................p.51
2.4.1 Bares restaurantes de Campinas................................................p.51
2.4.2 Bares restaurantes de Goiânia....................................................p.56
2.4.3 Cultura do trabalho: o serviço de garçons em bares
restaurantes....................................................................................................p.61
2.5 Considerações finais......................................................................p.81
3 INTERAÇÕES EM SERVIÇOS: O JOGO DE CINTURA DOS GARÇONS
3.1 Os terceiros lugares.......................................................................p.82
3.2 Interações em serviços formais e informais...................................p.86
x
3.3 À maneira de Erving Goffman: as regiões na perspectiva de análise
dramatúrgica.................................................................................................p. 90
3.4 Interações em serviços: garçons de bares restaurantes..............p. 95
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................p.123
5 REFERÊNCIAS..................................................................................p.127
6 ANEXOS
ANEXO A – Termo de anuência concedendo a realização da pesquisa
no estabelecimento
ANEXO B - Termo de consentimento livre e esclarecido
ANEXO C – Termo de assentimento de participação como sujeito de
pesquisa
ANEXO D – Roteiro de entrevista para garçons
ANEXO E – Roteiro de entrevista para proprietários de estabelecimentos
ANEXO F – Letra da música “Conversa de Botequim” (Noel Rosa e
Vadico)
INTRODUÇÃO
1
Campo de pesquisa: a sociologia do trabalho de serviços
A terciarização constitui uma importante mudança no mundo do trabalho.
Trata-se de um processo gradual que convergiu para o aumento das atividades
de serviços (ALMEIDA, 2004). Os avanços tecnológicos da terceira revolução
industrial e o desenvolvimento econômico propiciaram o descarte de boa parte
da mão de obra do meio agropecuário e industrial e que, devido à ampliação da
produção e demandas, em parte foi acolhida pelo setor de serviços (MORAIS,
2006). Pochmann (2006) também pondera o aumento da média da expectativa
de vida como outro aspecto que contribui para a concentração de trabalho em
serviços.
Entretanto as mudanças no mercado de trabalho são abrangentes e não
atingem a todos de modo equivalente. Além da perda da importância relativa
do setor agropecuário e industrial no mercado de trabalho duas direções
caracterizam o trabalho no setor. Uma delas é articulada a serviços modernos,
de alta tecnologia e que exige profissionais qualificados; outra, em
contraposição, emerge como uma perspectiva de sobrevivência e requer pouca
qualificação.
Distintos posicionamentos e orientações sobre a sociedade de serviços
surgem. Alguns autores têm visões otimistas, outros a analisam criticamente.
Há também aqueles que examinam diferentes aspectos e ponderam pontos
positivos e negativos da mesma.
Fato é que a heterogeneidade caracteriza o setor de serviços. Apesar de
o setor absorver força de trabalho excedente e excluída do mercado nota-se
que os menos favorecidos socialmente, aqueles com baixa escolaridade e
pouca qualificação, são os mais atingidos com as mudanças no mercado de
trabalho. Seja em segmentos tradicionais, ou a partir do processo de
terciarização de algumas atividades ou pelo crescimento do setor informal (Cf.
MELO, 1998 e MORAIS, 2006), cada trabalhador, segundo seu feitio, se insere
socioeconomicamente no tecido social. Muitos deles ficam à margem dos
benefícios e seguridades sociais proporcionados pela formalidade. Entretanto,
sob tais circunstâncias encontram abrigo contra o desemprego e alternativas
de sobrevivência.
2
Os trabalhadores de baixa qualificação exercem atividades
desprivilegiadas e que praticamente não logram reconhecimento social.
Compreendem esses serviços àqueles relacionados, principalmente, aos
serviços pessoais, ou seja, aqueles que atendem a demanda individual1:
manutenção e reparação, limpeza e conservação, serviços de alimentação,
serviços domésticos, serviços de beleza, dentre outros.
Além disso, eles devem se adequar às mutáveis formas de organização
do trabalho e de contratação nesses setores, como o emprego em tempo
parcial, o trabalho temporário, o emprego terceirizado etc. Somado a isso, no
dia a dia de serviço têm de conviver com diversas disparidades sociais
(tecnológicas, econômicas, culturais).
Contudo, mesmo com a expressividade econômica e as distinções
ocupacionais e identitárias que caracterizam o trabalho em serviços, estudos
científicos sobre o setor são recentes e escassos na literatura. A sociologia do
trabalho privilegiou por muito tempo o setor produtivo e os estudos sobre
acerca da organização do trabalho. As pesquisas feitas sobre o setor de
serviços são realizadas, sobretudo na área da economia, na tentativa de defini-
lo, quantificá-lo ou mapeá-lo. A área da administração também contribui para a
compreensão do setor, especialmente porque preconiza o atendimento ao
cliente, faceta eminente às prestações de serviços. Por sua vez, a literatura
estrangeira, inclusive sociológica, aponta para outra direção, o setor de
serviços atualmente é mais estudado que o setor produtivo. E as abordagens
de análise são distintas da sociologia do trabalho clássica, esta mais
influenciada pelo marxismo prioriza o aspecto da produção, pois atendem às
especificidades do mundo dos serviços, que transcendem os condicionamentos
do setor produtivo.
As consequências sociais da sociedade de serviços requerem outras
análises, especialmente quando se considera as relações sociais de serviços
1 A classificação das atividades de serviços é orientada pela demanda de serviços, ela
foi elaborada por Browning e Singelmann - 1978, e mais tarde aprimorada por Elfring - 1988. Quatro tipos de serviços são qualificados: serviços produtivos atendem a demanda das empresas durante o processo produtivo (serviços bancários, jurídicos, comunicação); serviços distributivos atendem a demanda das empresas após o processo produtivo finalizado (transporte, armazenagem, comércio); serviços sociais atendem a demanda coletiva (educação, saúde, lazer); e serviços pessoais (alimentação, hotelaria, domésticos), (Cf. MELO, 1998).
3
numa sociedade de consumo. No que se refere ao trabalho em serviços, por
exemplo, presume-se certa cultura do trabalho que implica em identidades
ocupacionais/profissionais específicas, bem como práticas de consumo
relacionadas com importantes nuanças no que se refere à relação: entre
trabalhador de serviços e gestores de empresas prestadoras de serviços e
entre trabalhador de serviços e consumidores.
Na modernidade, valorização social e condições sociais estão atreladas;
a incompatibilização entre esses fatores pode acarretar problemas individuais,
na esfera do reconhecimento na acepção de Honneth, referente à comunidade
de valores e à solidariedade, ou seja, às capacidades individuais avaliadas
intersubjetivamente (HONNETH, 2003). Nunes (2011) destaca distintas formas
de reconhecimento da sociedade do trabalho para a sociedade do consumo, se
antes o trabalhador era reconhecido pelo trabalho, agora aspectos do
reconhecimento “Correspondem a relações de crédito, serviços pessoais,
aquisição ou locação de bens e, sobretudo, aos serviços mais diversos
(médico-odontológicos, de turismo, educacionais, desportivos, artísticos,
sexuais etc.)” (p.16).
Objeto de pesquisa: o trabalho de garçons em bares restaurantes A pesquisa que originou esta dissertação foi precedida por duas
investigações na área de serviços, em nível de iniciação científica, no período
de agosto de 2007 até julho de 2009. A primeira teve como objeto a atividade
de mototáxis em Goiânia focando nas identidades sociais dos trabalhadores.
Depois foi desenvolvida uma pesquisa sobre o trabalho de garçons, com
caráter mais exploratório, motivando o tema que foi proposto no projeto de
mestrado.
O trabalho de garçons2 foi privilegiado por alguns motivos. A atividade
que presume interação face a face com os clientes corre risco de
2 Segundo a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) os trabalhadores na família
ocupacional de garçons “atendem os clientes, recepcionando-os e servindo refeições e bebidas em restaurantes, bares, clubes, cantinas, hotéis, eventos e hospitais; montam e desmontam praças, carrinhos, mesas, balcões e bares; organizam, conferem e controlam materiais de trabalho, bebidas e alimentos, listas de espera, a limpeza e higiene e a segurança do local de trabalho; preparam alimentos e bebidas, realizando também serviços de vinhos”.
4
desvalorização e de perda identitária ocupacional. Em termos conjunturais,
pode-se dizer que muitas vezes os serviços de alimentação são efetivados
através do autoatendimento, descartando não só o trabalhador de serviços,
mas também a necessidade do serviço prestado. O autosserviço é consumado
quando o consumidor produz o serviço desejado, ele presta o serviço para si
mesmo (Cf. TÉBOUL, 1999). Outra diferença identificada é quando a prestação
é servida e quando a prestação é vendida, como no caso dos fast foods, self-
service ou drive thru. Em alguns estabelecimentos também acontece de os
garçons serem substituídos por modelos e hostesses3.
Além de estes serviços adotarem princípios racionais na realização do
trabalho, como a divisão do trabalho, a automação e a informatização também
já estão presentes nos mesmos. O sociólogo inglês, Ritzer (1995) escreve
sobre este tema e cunha o conceito de McDonaldização, “processo pelo qual
os princípios dos restaurantes de comida rápida estão vigorando e invadindo
um número crescente de setores da sociedade americana assim como do resto
do mundo”4 (RITZER, 1995, p. 20). Fischler utiliza o conceito de
McDonaldização cunhado por Ritzer. Segundo ele a desestruturação dos
hábitos alimentares colabora com o processo de McDonaldização, a seguir o
autor corrobora com o ponto de vista apresentado por Ritzer:
Industrialização racionalização, funcionalização crescentes: desde o final do século XIX essa tripla dimensão aparece, sem qualquer dúvida, de maneira ofuscante nas modificações que perturbaram nossa alimentação. Da produção ao consumo, passando pelo abastecimento, sua realidade é incontestável (1998, p. 845).
No que se trata do controle dos trabalhadores em estabelecimentos de
alimentação normalmente há funcionários específicos para supervisionar o
serviço prestado por garçons. Os maîtres têm essa função; basicamente eles
assumem posição de chefia e são responsáveis por planejar a rotina de
trabalho, coordenar e treinar e equipes de estabelecimentos. É comum que os
maîtres tenham sido garçons no passado e tenham alçado tal posição ao longo
3 O colunista da Folha de São Paulo, André Barcinski, expressa essa situação “Perdi a
conta de quantas vezes fui atendido em algum restaurante por um (a) modelo que passou mais tempo fazendo o cabelo que decorando o cardápio. Daí você faz qualquer pergunta que está fora do roteiro e eles se descabelam e correm para perguntar ao maître” (BARCINSKI, 2011). 4 A tradução foi feita pela autora do espanhol para o português.
5
de sua trajetória ocupacional. Dentro da estrutura de estabelecimentos de
alimentação também existem os chefes de fila, eles são responsáveis por:
recepcionar clientes, averiguar o nível de satisfação do cliente, fechar contas e
organizar a lista de espera.
Somado a isso, por vezes, os serviços de alimentação são realizados
em não lugares (Cf. AUGÉ, 1994; BAUMAN, 2001), locais preenchidos por
estranhos, onde não há incentivos para haver trocas identitárias, são pontos de
passagem: como hotéis, shopping-centers, lojas de conveniência, galerias,
aeroportos, dentre outros. Segundo Bauman os não lugares são:
Ostensivamente públicos mas enfaticamente não-civis: desencorajam a idéia de ‘estabelecer-se’ , tornando a colonização ou a domestificação do espaço quase impossível (...). O que quer que aconteça nesses “não-lugares”, todos devem sentir-se como se estivessem em casa, mas ninguém deve se comportar como se verdadeiramente em casa (2001, p. 119-120).
Na modernidade os consumidores vangloriam os novos
estabelecimentos. O último bar do momento é desejado pelos consumidores.
Isso sugere algumas questões: os consumidores se relacionam com os
trabalhadores dos estabelecimentos ou trata-se apenas de encontros
esporádicos; se existe relacionamento será que ele é importante para os
consumidores afinal a evasão dos estabelecimentos é notável; será que os
trabalhadores também migram atrás das novidades e maiores lucros; é
possível que os trabalhadores destes locais fiquem a margem das relações de
consumo efetivadas; será que se trata de empreendedores que
continuadamente mudam de lugares e criam outros ambientes para atrair
eternos consumidores esporádicos?
Fato é que “novos bares” localizados em setores nobres, que
concentram esse tipo de lugar, são aclamados. A dinâmica dos
estabelecimentos é previsível. Quando um estabelecimento se torna comum
outro “mais novo” assume os poderes do antigo e se torna o point da vez, onde
todos querem estar para serem vistos. Bauman explícita o desenvolvimento
disto na sociedade de consumidores ao afirmar que os consumidores se
tornam também mercadorias:
6
Ninguém pode se tornar sujeito sem antes virar mercadoria, e ninguém pode manter segura sua subjetividade sem reanimar, ressuscitar e recarregar de maneira perpétua as capacidades esperadas e exigidas de uma mercadoria vendável (2008, p. 20).
A atividade de garçom também é estigmatizada pela realização de um
trabalho que demanda certo esforço físico e é geralmente realizada em
momentos de lazer ou descanso dos consumidores, mas também de familiares
e amigos. E o significado cultural da confraternização de pessoas ao comerem
e beberem juntos é inegável. O ritual explicita relações de confiança e aliança.
Althoff destaca a ideia ao afirmar que, na Idade Média, “a refeição era
reconhecida e utilizada como um sinal de criação ou de reconhecimento de um
laço social”. E os garçons comumente participam trabalhando desse tipo de
ritual, enquanto são ausentes de eventos similares organizados por familiares e
amigos, devido ao horário de trabalho alternativo e elevada carga horário de
trabalho 5.
Outro fator que contribui para a desvalorização da atividade
desempenhada decorre da prática de um trabalho imaterial, ou seja, em que
não há produção de bens6.
O foco do projeto de pesquisa é o trabalho de garçons; contudo,
privilegia-se o triângulo de poder desenvolvido entre “gestores, trabalhadores e
consumidores” nas situações de trabalho. Pode-se constatar a existência de
três focos de poder que caracterizam os serviços interativos: o primeiro é
referente à gestão e o controle dos trabalhadores; o segundo é referente às
experiências e estratégias dos trabalhadores nos serviços interativos e; o
5 No Brasil as refeições têm sua importância de confraternização. Entretanto cada
cultura assume a alimentação de sua maneira. Fischler aborda o tema: “a forma como os americanos se relacionam com a alimentação constitui uma fonte de espanto constante para os europeus: o tempo de comer não é isolado, delimitado; não existe necessariamente por si mesmo, como tal. É possível trabalhar e comer ao mesmo tempo, comer e empreender, aparentemente, qualquer outra atividade. Na velha Europa, a refeição é (era) um tempo e um espaço ritualizados, protegidos contra a desordem e as instruções: o decoro proibia telefonar na hora as refeições ou, mais ainda, de fazer uma visita” (1998, p. 852). 6 Não há um consenso na literatura a respeito de uma distinção pronunciada entre
serviços e produção. Autores inspirados na orientação marxista tendem a aproximar serviços de produção. Ruy Braga, por exemplo, sustenta que serviço é um tipo de produção, é uma forma imaterial de “produtividade” (BRAGA, 2006). Para Dal Rosso (2008) serviços que exigem capacidades intelectuais, culturais e afetivas são imateriais e produtores de valor. Já os serviços marcados pela materialidade, pelo emprego do trabalho físico e corporal, se assemelham ao trabalho industrial no sentido de sua materialidade.
7
terceiro ao poder dos clientes durante os serviços interativos (Cf. MCCAMMON
e HOLLY, 2000).
Basicamente o objetivo da pesquisa é o de analisar sociologicamente o
serviço de garçons em bares restaurantes de duas cidades brasileiras, a cidade
de Goiânia – GO e a de Campinas – SP, tendo como suporte a sociologia do
trabalho. Pretendeu-se identificar em estabelecimentos específicos
(selecionados segundo alguns critérios) e analisar de modo articulado: a) a
cultura do trabalho (Cf. BENSON, 1988) de cada bar restaurante pesquisado e;
b) as interações entre garçons e clientes/consumidores. Propõe-se relacionar
situações sociais e cultura do trabalho por meio da análise dos ambientes de
trabalho, trajetórias ocupacionais e práticas discursivas de trabalhadores, além
de suas interações com clientes e consumidores.
Procedimentos metodológicos A metodologia usada preconiza a abordagem qualitativa. Trata-se de
uma triangulação de dados (Cf. FLICK, 2004), de uma metodologia que
emprega vários métodos de análise qualitativos. Além disso, uma abordagem
teórica não é unicamente privilegiada no texto, que decorre de contribuições de
diferentes tendências, como o interacionismo simbólico, a sociologia crítica dos
serviços e a sociologia francesa.
Os estabelecimentos pesquisados foram caracterizados e selecionados
tendo como base dois tipos ideais: bar tradicional e bar moderno, tipos
construídos com base na leitura de cadernos especializados de gastronomia,
acervos de hemeroteca das cidades, informações obtidas com moradores da
cidade, conversas exploratórias com responsáveis e trabalhadores dos bares
restaurantes e consideráveis horas de observações diretas em diversos
estabelecimentos. A descrição dos estabelecimentos escolhidos e comentários
sobre os tipos ideais elaborados, bem como os tipos descritivos construídos
serão apresentados no início da parte dois da dissertação. A observação em
cada um dos quatro bares restaurantes pesquisados das duas cidades ocupou
cerca de uma semana e entre duas a cinco horas por dia de observação.
Durante este período foram: presenciadas e observadas as rotinas de trabalho
dos locais; foram realizadas as entrevistas com trabalhadores e proprietários
8
dos estabelecimentos e capturadas imagens do local e dos trabalhadores, nos
estabelecimentos que facultaram esse tipo de registro observacional.
Convém mencionar que, desde a realização do projeto desenvolvido
como bolsista de iniciação científica em 2009, vários bares da cidade de
Goiânia foram visitados e alguns botequins cariocas famosos e até centenários.
Houve também a realização de entrevistas com garçons atuantes nas cidades
de Goiânia e Rio de Janeiro, além de visitas a outros estabelecimentos na
cidade de São Paulo. Essa trajetória também amparou a escolha dos
estabelecimentos pesquisados.
A realização da pesquisa nos estabelecimentos depende da assinatura
do termo de anuência (anexo A) dos responsáveis pelo local. A anuência
concede o direito de realizar o projeto naquele local, atendendo as solicitações
requeridas pela pesquisadora. O documento exigido pela Comissão de Ética
está em anexo (anexo B).
As entrevistas são realizadas apenas com alguns garçons e com os
proprietários de estabelecimento quando são presentes na dinâmica do local,
ou seja, quando dirigem o estabelecimento, estando quase sempre no bar
restaurante. A escolha dos entrevistados é relativamente intencional, segue o
procedimento que Glaser e Strauss denominaram amostragem teórica, ou seja,
as decisões amostrais são realizadas segundo a análise do material coletado e
também a partir de critérios relacionados às teorias adotadas, visando obter os
maiores insights (FLICK, 2004, p. 79). Contudo, as entrevistas dependem da
disponibilidade e vontade de voluntários.
As entrevistas apenas são realizadas com o assentimento de cada
informante em relação ao termo de compromisso exigido pela Comissão de
Ética (anexo C). São entrevistas semiestruturadas, ou seja, o pesquisador
conduz a entrevista a partir de um roteiro orientador pré-elaborado. As
entrevistas realizadas privilegiam experiências individuais e estimulam o
desenvolvimento de narrativas biográficas e narrativas episódicas, “o elemento
central dessa forma de entrevista é o convite periódico à apresentação de
narrativas e situações”, é uma maneira de apreender a “construção social da
realidade durante a apresentação das experiências” dos informantes (FLICK,
2004, p.118 e p. 122). Nada obstante os pontos levantados pelo pesquisador é
que direcionam as narrações.
9
A duração das entrevistas foi variada, em torno de aproximadamente
quarenta minutos a uma hora e meia. O roteiro de entrevistas (anexo D e E) foi
construído com base no referencial teórico-metodológico e em vista dos dados
já obtidos.
As entrevistas foram realizados empregando um gravador digital, no
local de trabalho, em um ponto mais discreto, antes ou no início da abertura do
estabelecimento, o que ocorria em torno de 9:00h para os locais que abrem de
manhã e em torno de 16:00h para os lugares que abrem à tarde. Nesse
período os trabalhadores ficavam responsáveis por montar o “salão”. O termo é
utilizado para se referir à área onde os consumidores se acomodam. Montar o
salão quer dizer, organizar mesas e cadeiras e utensílios que serão utilizados
pelos garçons e clientes nas praças (guardanapeira, pimenteira, entre outros),
passar álcool nos pratos e talheres etc. O usual é a organização entre os
garçons para que um possa realizar a entrevista, enquanto outros continuam o
trabalho.
Após a realização das entrevistas as observações, anotações no
caderno de campo e o registro de imagens eram elaborados.
Quinze entrevistas foram feitas em Campinas, duas com proprietários,
duas com ex-garçons dos estabelecimentos pesquisados e onze com garçons.
Em Goiânia, doze entrevistas foram realizadas, duas foram com proprietários
de estabelecimentos e dez com garçons7. A codificação das entrevistas foi feita
no aplicativo de análise de dados qualitativos, Atlas.ti (Analysis of. Qualitative
Data)8. Nomes fictícios para os estabelecimentos pesquisados e para os
entrevistados foram criados e substituídos nas transcrições para que suas
identidades fossem resguardadas.
A observação consistiu outra estratégia metodológica utilizada. A partir
desta, uma perspectiva externa descritiva de situações sociais9, torna-se
7 Além dessas entrevistas, durante o período da iniciação científica, doze entrevistas
com garçons foram feitas em outros estabelecimentos de Goiânia e seis entrevistas foram realizadas na cidade do Rio de Janeiro. 8 O software foi desenvolvido por Muhr e “baseia-se na abordagem da teoria
fundamentada e da codificação teóricasegundo Strauss” (FLICK, 2009, p. 325). O aplicativo processa outros arquivos além dos textuais, como imagens, sons e gráficos. 9 Erving Goffman define situação social como “um ambiente que proporciona
possibilidades mútuas de monitoramento, qualquer lugar em que um indivíduo se encontra acessível aos sentidos nus de todos os outros que estão 'presentes', e para quem os outros indivíduos são acessíveis de forma semelhante” (1999).
10
possível perceber além do nível da fala dos informantes e alcançar informações
pouco relatadas ou desconsideradas e até mesmo opostas aos discursos e
práticas vivenciadas.
A riqueza em termos qualitativos que a observação oferece deve ser
ponderada perante a complexidade do ato de realizá-la. Flick (2004), em
referência à Friedrichs (1973), aponta para importantes dimensões da
observação: a) observação secreta e observação pública; b) observação não
participante e observação participante; c) observação sistemática e observação
não-sistemática e; d) auto-observação e observar os outros. São comuns nas
observações de pesquisadores os aspectos das dimensões se mesclarem em
diferentes momentos, porém a reflexão sobre estas nuanças são pouco
contempladas no período de análise.
No caso, as observações empreendidas ao longo da pesquisa de campo
variaram conforme o estágio da pesquisa. No início tratava-se de observações
exploratórias, por isso, eram secretas e não sistemáticas. A partir da anuência
concedida pelos estabelecimentos selecionados as observações passaram a
ter caráter público; todos os trabalhadores sabiam da presença de uma
pesquisadora e minimamente possuíam ciência das intenções em foco. Os
clientes e consumidores que se indagavam sobre a curiosa presença podiam
também ter conhecimento a respeito.
As observações são sistematizadas ao longo de uma semana, em
horários e dias semelhantes, preponderantemente nos mesmos locais do
estabelecimento e foram registradas em caderno de campo. As observações
ora podem ser enquadradas como não-participantes, ora como participantes,
seja atuando como pesquisadora, seja como consumidora. Por isso, em parte a
presença da observadora no ambiente de trabalho é também contemplada na
análise, bem como o processo de negociação de espaço da pesquisadora
durante a pesquisa e a confiança desenvolvida (Cf. BEAUD e WEBER, 2007).
A ideia é problematizar a presença da observadora em campo, a relação entre
pesquisadora e pesquisados, enfim o processo de observação com um todo.
(Cf. MELUCCI, 2005).
Michael Burawoy (1998), de forma similar, admite que a participação do
pesquisador no mundo o desestabiliza enquanto produtor de conhecimento
científico; a metodologia é então utilizada como base para manter o
11
pesquisador em equilíbrio. No caso do modelo de ciência reflexiva, em
oposição à positivista, por exemplo, a objetividade científica é obtida através do
diálogo, orientado por teorias, entre pesquisador e pesquisado e pela
reconstrução de teorias a partir de anomalias empíricas.
Estrutura da dissertação
O texto é composto por três partes; a primeira, preponderantemente
teórica, e intitula-se “Sociedade de serviços: sociologia e perspectivas”.
Compreende o exame das modificações do mundo do trabalho; preconizando
as referentes ao período pós-industrial. Os debates empreendidos acerca do
assunto por autores como Daniel Bell, Alain Touraine, Claus Offe, Jean Lojkine,
André Gorz, dentre outros, serão problematizados. A intenção é expor as
expectativas existentes no início da sociedade de serviços.
As outras duas partes da dissertação equilibram teoria e empiria. A
segunda parte “Cultura do trabalho: o serviço de garçons em bares
restaurantes” explicita a metodologia adotada e justifica escolhas da pesquisa,
como o porquê de analisar bares restaurantes e não botequins, botecos,
mercearias, restaurantes. Expõe também a construção dos recursos
metodológicos utilizados: os tipos ideais e os tipos descritivos, caracterizando o
processo de pesquisa de modo geral. No que se refere à parte empírica aborda
a questão da cultura do trabalho, um dos objetos específicos da pesquisa. Ela
remete a sociologia do trabalho mais tradicional, no que se refere aos assuntos
abordados. O foco está nas questões referentes: à organização do trabalho; às
formas de direção; ao ambiente de trabalho; à qualificação dos profissionais e à
trajetória ocupacional.
A terceira parte, “Interações em serviços: o jogo de cintura dos garçons”,
aborda as interações em serviços dos garçons, e tem como prioridade as
interações desenvolvidas com consumidores e clientes. O relacionamento com
patrões, gerentes e colegas de trabalho é na segunda parte do trabalho, por
ser considerado constituinte da cultura do trabalho do local pesquisado.
Problematiza-se aqui as interações em serviços como um todo, com base na
tríade de poder “gestor/trabalhador/consumidor”. O tipo de atendimento
12
prestado por garçons para clientes e consumidores e o teor das interações
(participantes, igualitárias, subservientes) desenvolvidas são analisados. As
performances dos garçons em serviço também são discutidas; a
instrumentalização de sentimentos e emoções no trabalho; as demandas de
consumo sob o ponto de vista dos trabalhadores.
Uma das intenções é mostrar como a relação da tríade de poder
direciona as interações em serviços em bares restaurantes. A análise é
articulada ao perfil dos consumidores de cada estabelecimento (clientes fiéis,
consumidores esporádicos), bem como os perfis de consumidores que a
empresa busca alcançar. Afinal alguns estabelecimentos pretendem conquistar
e fidelizar clientes, em oposição, outros não necessariamente, estes tendem a
almejar manter o local em voga e cheio, independente de quem sejam os
consumidores. Os modos como os consumidores e clientes coproduzem o
estabelecimento também é contemplado.
Nas considerações finais o resultado do trabalho é apresentado e
avaliado, bem como são consideradas propostas para novos estudos e
questões a serem trabalhadas.
Empiria nas duas cidades A pesquisa empírica nas duas cidades decorreu da inserção como
estudante no Programa de Cooperação Acadêmica Novas Fronteiras
(PROCAD-NF), desenvolvido pelo projeto “Trabalho, gênero e participação:
identidade, associativismo e políticas públicas de emprego e renda” 10. O
projeto é desenvolvido pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais
da Universidade Federal de Goiás, localizado em Goiânia, e pelo Programa de
Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Campinas,
localizado em Campinas-SP.
10
O projeto é financiado pela Capes e tem como um dos objetivos consolidar o Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFG e aperfeiçoar a formação de alunos e docentes do Programa. Informações sobre o Procad e sobre o projeto podem ser obtidas em: http://www.capes.gov.br/bolsas/programas-especiais/procad-nf e http://www.cienciassociais.ufg.br/nest/?menu_id=1238620432&pos=esq&site_id=153.
13
Ainda que a metodologia adotada seja tratado na segunda parte da
dissertação, pretende-se aqui justificar o desenvolvimento da pesquisa nas
duas cidades.
Previamente é preciso apontar que autores clássicos das ciências
sociais, como, Karl Marx, Auguste Comte, Émile Durkheim, Max Weber fizeram
análises a partir do método comparativo. E retificar que ainda hoje as análises
comparativas continuam usuais no campo das ciências sociais. Comparar
fenômenos tem algumas vantagens. É possível confrontar similaridades,
divergências e fenômenos inter-relacionados das configurações culturais e
históricas de um determinado lugar. Comparar permite explicitar presenças e
ausências.
Para Ianni o método comparativo tem importância diante do complexo
processo da globalização, segundo ele: “o cientista social é levado a mapear
ângulos e tendências, condições e possibilidades, recorrências e
descontinuidades, diversidades e desigualdades, impasses e rupturas,
desenvolvimentos e retrocessos, progressos e decadências” (1998, p. 37).
Contudo, a intenção da pesquisa não é de realizar uma comparação
estritamente sistemática entre as duas cidades, mas a partir de apontamentos
feitos no que tange à cultura do trabalho, modos de direção e interações
desenvolvidas entre garçons e clientes e consumidores em estabelecimentos e
de cidades conjunturalmente e culturalmente diferentes pensar caminhos que
possíveis de trilhar no que se refere ao trabalho em serviços e ao consumo de
serviços. O percurso histórico dos estabelecimentos pesquisados das duas
cidades ressalta variações, constantes e especificidades do processo
vivenciado por diferentes estabelecimentos de alimentação.
Campinas e Goiânia: aspectos sociais e demográficos
Campinas é uma cidade do interior do estado de São Paulo, situada a
apenas a 98 quilômetros de distância da capital. Goiânia é a capital do estado
de Goiás, na região Centro-Oeste do Brasil. Conforme o Censo Demográfico
2010 a população goianiense (1.302.00) é maior que a campinense
14
(1.080.113). No entanto, a população da região metropolitana de Goiânia
(2.100.771) é menor do que a de Campinas (2.798.477).
O Produto Interno Bruto (PIB)11 per capita referente ao ano de 2008 de
Goiânia é consideravelmente menor do que o de Campinas. Em relação ao PIB
per capita das regiões metropolitanas, o PIB per capita de Goiânia é maior do
que o da sua região metropolitana; no caso de Campinas é menor do que sua
região metropolitana. Em outros termos, o local em que Campinas está inserida
é mais rico do que o que Goiânia está. Isto porque na região de Campinas há
forte concentração industrial e agrícola, bem como a presença de centros de
pesquisa, campos tecnológicos e serviços especializados. É preciso ponderar
que algumas cidades do entorno de Campinas, como Paulínia, possuem
pequenas populações, mas o com o valor do PIB per capita bastante elevado.
Paulínia tem suas especificidades, no local há alta produção de petróleo, além
de um polo cinematográfico de referência. A seguir o Quadro 1 expõe os
valores do PIB das cidades e respectivas regiões metropolitana em reais
referentes ao ano de 2008:
QUADRO 1 - PIB PERCAPITA DE GOIÂNIA E CAMPINAS E DAS SUAS
REGIÕES METROPOLITANAS
LOCAIS PIB PER CAPITA EM REAIS (2008)
Goiânia 15.376,50
Campinas 27.788,98
Região Metropolitana de Goiânia 13.069,31
Região Metropolitana de Campinas 28.453,37
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do IBGE Cidades@. Obtidos no site: www.ibge.gov.br
Somado a isso, a diferença de idade das cidades é considerável,
Campinas é uma cidade antiga, foi fundada em 1774. Goiânia é mais recente,
foi fundada em 1933.
11
O Produto Interno Bruto expressa a produção de bens e serviços no período de um ano e é o principal indicador de produção de riqueza de uma economia (Cf. OBSERVATÓRIO DAS METRÓPOLES, 2009).
15
Apesar da diferença de idade das cidades a história das duas regiões
ora se encontra. É que a origem de Campinas está ligada à ocupação do oeste
brasileiro. A descoberta do ouro no Centro-Oeste do país no século XVII
culminou na abertura de caminhos para Goiás e Mato Grosso12. O “Caminho
dos Goiases” ligava São Paulo a Goiás pelo Triângulo Mineiro.
A viagem até Cuiabá durava até quatro meses, durante o caminho havia
pousos para os viajantes. Um deles, Campinas do Mato Grosso de Jundiahy,
originou a cidade de Campinas. No início o local pouco habitado tinha como
subsistência especialmente a agricultura elementar e o comércio para as tropas
viajantes (Cf. SILVA, 1996; GONÇALVES, 2002; BAENINGER, 1992). Com o
crescimento do pouso, logo se tornou arraial, depois freguesia, depois vila, por
fim recebeu o título de município, em 1842, retomando sua denominação
inicial, Campinas (Cf. LADEIRA e OTÁVIO, 1907, p. 7-10). A princípio o pouso
tornou-se conhecido na região por ter sido considerado positivamente:
O local era magnífico, exuberante; e o pouso se tornou arraial, porque a fama da uberdade do solo havia corrido; o arraial se foi argumentando a pouco a pouco. Já moradores de outras plagas, e principalmente de Taubaté, como Francisco Barreto Leme, que devia ser fundador de Campinas, se haviam aqui localisado, desde 1739, ao que diz (LADEIRA e OTÁVIO, 1907, p. 7).
Enquanto o ciclo do ouro teve importância para o surgimento de
Campinas, sua decadência e o princípio ciclo do açúcar, no início do século
XVIII, tiveram importância para o desenvolvimento da cidade. O fortalecimento
da economia a partir da cana-de-açúcar propiciou o incremento da malha viária
da província de São Paulo, e Campinas era ponto estratégico pela expressiva
capacidade de produção de açúcar e quantidade de escravos no município.
Além disso, a posição geográfica de Campinas muitas vezes vinculou capital e
interior.
Neste período, Campinas, ainda enquanto Vila tornou-se a maior
produtora de açúcar de São Paulo e continha o maior número de escravos do
estado. Em 1836 mais da metade da população campinense era composta por
12
O Caminho de Goiases era uma rota secundária criada mais tarde, em 1722, com o intuito de evitar a passagem pelas Minas Gerais, região marcada pelo confronto para explorar jazidas de ouro descobertas no local. O conflito tornou-se conhecido por Guerra dos Emboabas (Cf. GONÇALVES, 2002).
16
escravos africanos, aqueles que sustentavam a produção açucareira. A taxa de
crescimento do local mantinha-se constante durante o ciclo açucareiro. O
crescimento apenas começou a decair a partir da suspensão do tráfico negreiro
e da saída dos mesmos de Campinas, bem como devido ao fortalecimento do
movimento abolicionista (Cf. BAENINGER, 1992).
Todavia a economia açucareira apoiou paulatinamente a passagem para
a economia cafeeira. “A vila açucareira, ia se transformando na cidade do café,
que pelo crescimento e riqueza, iria adquirir em todo o país grande prestígio
político e social” (GONÇALVES, 2002, p. 44).
A economia cafeeira teve início no começo do século XIX e inicialmente
utilizava mão de obra escrava, mas com o real encerramento da escravidão no
país a próspera região atraiu muitos migrantes, tantos nacionais como
estrangeiros. A utilização da mão de obra estrangeira contribuiu para o
incremento das técnicas utilizadas na agricultura, anteriormente mais
rudimentares, este incremento inclusive marcou analiticamente uma divisão na
economia cafeeira (Cf. BAENINGER, 1992). Os novos hábitos de consumo da
população impulsionaram ainda mais o comércio e também a indústria (Cf.
MARTINS, 2010), o que tornou a cidade um polo de referência regional de
comércio e serviços (Cf. BAENINGER, 1992). Segundo Camargo (1981) em
1874 a população de Campinas chegou a ter o mesmo porte de São Paulo, no
que se refere ao número de habitantes. Em 1886, houve outra grande
imigração no país e Campinas recebia boa parte dos estrangeiros, de diversas
origens, alemães, italianos, portugueses, espanhóis, suíços. Martins destaca a
importância do café em Campinas:
Não significou apenas mais fazendas e riquezas. Significou também mais comércio e maior diversificação das atividades urbanas, criando novas oportunidades através de novas necessidades, inerentes ao crescimento econômico e populacional. Local de financiamento e escoamento de safras, ponto de chegada e partida de imigrantes para o interior, a cidade de Campinas, ganhou ao longo dos anos uma série de melhoramentos urbanos (MARTINS, 2010, p. 24).
Campinas além de ter sido bastante beneficiada pela rede ferroviária do
estado assume função central quanto ao centro ferroviário do estado. Dessa
forma, Campinas retoma a seus princípios relacionados aos acessos (Cf.
17
SEMEGHINI, 1988). O desenvolvimento do local propiciou o título de “Princesa
D’Oeste”.
Fato é que o dinamismo econômico que marca a cidade de Campinas
desde meados da economia açucareira e a riqueza proporcionada pelo café
possibilitaram concomitantemente à crise do café, em 1929, o início exitoso, do
processo de industrialização e urbanização da cidade, o que permitiu seguir o
curso do desenvolvimento nacional. Continuamente a cidade foi se adaptando
as etapas de crescimento do país.
Segundo Baeninger (1992), nesta fase, a região recebeu incentivos
governamentais graças à subordinação da agricultura à indústria e o mercado
de trabalho atraente. A acomodação de agroindústrias e indústrias “intensificou
a conurbação de municípios e a tendência a um processo de metropolização”
(p. 12). Atualmente Campinas se destaca pela concentração agrícola, industrial
e de importantes centros de serviços.
Por sua vez, o estado de Goiás, que já era conhecido pelos portugueses
e povoado por povos indígenas, apenas passou a ser ocupado por portugueses
no século XVIII, a partir da descoberta do ouro na região. É que no século XVII
já haviam encontrado ouro nas Minas Gerais e nas Minas de Cuiabá, por isso
bandeiras paulistas foram ordenadas para o território goiano, região
intermediária as duas minas, em busca de mais minério.
Alguns vilarejos surgiram perto de minas de ouro, como o Meia Ponte,
onde está situada a atual cidade de Pirenópolis. Dentre outros vilarejos
existentes destacou-se o formado nas margens do Rio Vermelho, ao lado da
Serra Dourada, atualmente onde está situada a Cidade de Goiás. Tratava-se
do arraial Sant’Anna, fundado em 1727, pelo Anhanguera, o Bartolomeu Bueno
da Silva. Uma década depois o Arraial que servia de apoio aos bandeirantes e
escravos à execução da mineração tornou-se Vila Boa de Goiás. Pouco depois,
para melhor administrar a região e seus recursos, sobretudo o ouro, à região
que pertencia à Capitania de São Paulo foi emancipada originando a Capitania
das Minas de Goiás (Cf. PALACIN, 1976).
Entretanto, a mineração do ouro em Goiás não durou muito, a partir da
década de setenta do século XVIII algumas regiões já apresentava declínio na
mineração, mas havia regiões com grandes minerações até os anos 1800 em
Goiás (Cf. BERTRAN, 1997). Bertran destaca dois motivos para que a ideia de
18
decadência da mineração em Goiás fosse difundida. Além do real declínio, o
autor aponta para as dificuldades geológicas e mineralógicas correntes, bem
como o receio das autoridades locais quanto às fraudes fiscais e o contrabando
existente do mineral, dessa forma o autor conclui: “Convinha portanto às
autoridades coloniais, como precaução política, antes bradar ao trono a
decadência da mineração, do que pôr a mão no fogo pelo seu desempenho”
(1997, p. 12).
As regiões mineradoras de Goiás já começam a mostrar indícios de
estagnação em fins do século XVIII com a decadência da exploração do ouro.
A população de Goiás foi reduzida e a economia tendeu para a ruralizarão. A
particularidade do povoamento da região, marcado pela instabilidade e
irregularidade (Cf. PALACÍN e MORAIS, 2001), novamente se apresenta. A
agropecuária local foi incrementada para fornecer mantimentos para o mercado
interno e um pouco para o comércio externo. Entretanto dificuldades relativas
principalmente ao transporte dificultam o comércio e o desenvolvimento da
região. A pecuária também se iniciou com a migração de pecuaristas paulistas
visando boas terras para criar gado. Apenas com a construção de estradas no
final do século XIX e de estradas férreas no início do século XX aumentou as
possibilidades de crescimento econômico na região (Cf. FERREIRA, 1999).
Já no fim do século XIX a Cidade de Goiás já não apresentava
capacidade geográfica e sanitária adequadas para sediar a capital do estado. A
mudança tanto discutida estava por vir. Durante o primeiro governo do
presidente Getúlio Vargas e de Pedro Ludovico Teixeira, o então interventor
federal de Goiás, decidiu-se, por fim, transferir a capital estadual de Goiás e
construir a nova capital do estado, Goiânia (Cf. CHAUL, 1988).
A capital goiana surgiu a partir de idealizações de renovação e
modernização do interior brasileiro. Diante do plano de Vargas para a
ocupação do Oeste do país pouco depois da fundação de Goiânia, em 1933, foi
inaugurada a nova capital do país, Brasília, em 1960 a duzentos e dez
quilômetros de Goiânia. O distrito federal engloba parte do território goiano.
Além disso, em 1988, outra modificação no território aconteceu. O estado de
Goiás foi dividido devido às consideráveis disparidades do extenso território
goiano. A região norte do estado, a mais precária, deu origem ao estado do
Tocantins, estado que passou a pertencer ao norte do país.
19
Ao longo da “Marcha para o oeste”, proclamada por Vargas, o sudoeste
do país passava por um processo de industrialização e este novo modo de
acumulação dependia do desenvolvimento do setor agropecuário, o que ocorria
então no estado de Goiás (Cf. BORGES, 1996). A partir de meados do século
XX o nível de crescimento econômico de Goiás aumentou consideravelmente
modificando a estrutura produtiva do estado. Somado a isso, a partir da década
de setenta a migração do campo para a cidade foi acentuada na região centro-
oeste do país (Cf. RODRIGUES, 2006).
Atualmente Goiânia se encontra no eixo econômico Goiânia-Anapólis-
Brasília e se destaca economicamente na agropecuária e na prestação de
serviços.
A história das duas cidades anuncia diferenças em alguns aspectos que
aqui interessam. O que dizer da tradicional Campinas e da recente Goiânia?
No que se refere às vivências que envolvem diferenças sociais algo tem para
ser expresso. Em serviços subalternos prestados, em uma sociedade do
consumo, as diferenças sociais podem ser notadas no relacionamento entre
servidor e servido e aí diferenças culturais podem ser notadas.
PARTE 1
SOCIEDADE DE SERVIÇOS: SOCIOLOGIA E PERSPECTIVAS
20
1. 1 A sociedade pós-industrial: pontos de vista
Um novo tipo de sociedade estava a se formar. Nela os serviços tornam-
se base da economia, em detrimento da outrora vigente produção de bens e há
a emergência do profissional ancorado na técnica e no conhecimento científico.
Várias denominações foram dadas para demarcar o tipo de sociedade que
emergia: programada, pós-industrial, tecnocrática, sociedade da informação,
dentre outras. As designações evidenciam diferentes problemas considerados
e as expectativas existentes diante da nova fase.
A intenção aqui é abordar importantes autores e obras sobre a temática
do capitalismo de serviços. Como base e inicialmente serão apresentados os
pensamentos de Daniel Bell e Alain Touraine. Os dois são nomes significativos
no debate sobre a sociedade já não mais considerada como industrial. Em
seguida serão apresentados autores que questionaram as análises de ambos.
Para por fim relacionar o debate com a temática base da dissertação: os
serviços, mais especificamente os da área da alimentação.
Em sua obra clássica, O Advento da Sociedade Pós-Industrial, publicada
em 1973, o sociólogo estadunidense Daniel Bell atenta-se para a recorrente
utilização intelectual de prefixos que denotam a transição seguida pela
sociedade (“pós” e “além”) e formula o conceito de “sociedade pós-industrial” 13.
O conceito representa uma tentativa de identificar a mudança na estrutura
social da sociedade ocidental. Por estrutura social Bell entende que “são as
maneiras segundo as quais se organiza as instituições primordiais que
ordenam a existência dos indivíduos no seio de uma sociedade” (BELL, 1977,
p. 21). A intenção do autor nesta obra é especular sobre o futuro da sociedade.
Para tanto, as regularidades e tendências históricas são consideradas.
Bell destaca as cinco dimensões da sociedade pós-industrial: 1) a
mudança de uma economia de produção de bens para uma economia de
serviços: 2) o predomínio de uma classe profissional e técnica; 3) a
13
Apesar das dúvidas em relação à originalidade da expressão “sociedade pós-industrial”, o termo foi utilizado pela primeira vez por Bell em 1959. Bell explica em nota de rodapé na introdução do livro Sociedade Pós-Industrial que o termo foi usado um ano antes por David Riesman, mas além do significado ser diferente do popularizado no discurso intelectual, Riesman não desenvolveu a ideia. Décadas antes, o inglês Arthur Penty também utilizou o termo “pós-industrial”, todavia Daniel Bell é quem é considerado criador do conceito.
21
centralidade do conhecimento teórico nas inovações tecnológicas e no meio
político; 4) o controle da tecnologia e de sua distribuição; 5) a invenção de uma
“tecnologia intelectual” atuante na tomada de decisões políticas.
A concepção de sociedade pós-industrial de Bell reforça o papel central
da ciência e do conhecimento na sociedade: os cientistas passam a colaborar
tecnicamente no processo de tomada de decisões políticas e o trabalho
intelectual é mais pressionado e burocratizado.
Bell apresenta de modo superficial como o conhecimento científico
organiza o desenvolvimento econômico e a estratificação da sociedade. Assim
a relação entre ciência e política é salientada, pois o autor sustenta que ela
permite atingir a mudança na estrutura social e os problemas dela decorrentes.
Contudo, na visão de Bell as alterações na estrutura social promovem
problemas para a sociedade, mas não os determinam:
Em suma: o aparecimento de uma nova espécie de sociedade põe em questão a distribuição da riqueza, do poder e do status, problemas centrais em qualquer tipo de sociedade. Acontece, porém, que a riqueza, o poder e o status não são dimensões de classe, mas sim valores buscados ou conquistados por classes. Numa sociedade, as classes são criadas pelos eixos de estratificação mais importantes da sociedade ocidental são a propriedade e o conhecimento. Paralelamente a eles, há um sistema político, que os está administrando cada vez mais e que faz surgir elites temporárias (temporárias, no sentido de não existir uma continuidade necessária de poder entre as mãos de um grupo social específico, continuidade mantida através de um cargo, como existe uma continuidade de família ou de classe, mantida através da propriedade e da vantagem diferencial de pertencer a uma meritocracia)” (BELL, 1977, p. 60).
Em seu livro Bell também contesta o ponto de vista de autores
neomarxistas acerca da fase em constituição, alguns deles são: Alain Touraine,
Radovan Richta, Serge Mallet, André Gorz, e Roger Garaudy.
Fundamentalmente ele pondera a crise ideológica do marxismo perante a
revolução socialista não materializada e profetizada por Karl Marx. Em sua
obra O fim da ideologia (1960), Bell aborda especificamente a exaustão de
paixões ideológicas e a busca por outras novas, além da demanda pela tomada
de decisão de forma técnica. Atento a essas questões percebe a tentativa de
alguns autores de “‘salvar’ o conceito marxista de mudança social” (p. 56) ao
22
focarem em análises preponderantemente sobre a velha e a nova classe
operária, já que a antiga classe operária perde sua expressividade histórica.
A crítica estava no fato de ao invés de buscarem a compreensão das
reais modificações correntes, esses autores ainda tinham como norte a
continuidade do pensamento de Marx. Para estes autores a classe
trabalhadora da sociedade pós-industrial, a “nova classe trabalhadora”,
composta por profissionais tecnicamente qualificados, seriam os agentes
históricos da mudança social vislumbrada por Marx. A ideia é que haveria uma
proletarização dos funcionários técnicos a partir da perca de seu valor devido à
expansão da educação pública e a massificação da classe. Entretanto, Bell
apresenta pesquisas empíricas que mostram a distância entre a classe
operária e a classe de funcionários técnicos. A última não teria como aliada a
primeira, pois suas origens medianas e imagem típica mereceriam ser
preservadas.
Um dos autores criticados por Bell é o sociólogo francês Alain Touraine.
Como um todo o cerne do estudo de Touraine é a formação da ação histórica,
sua obra privilegia a análise dos movimentos sociais. Em A sociedade post-
industrial 14, obra publicada em 1969, Touraine discorre sobre a mudança nas
formas de dominação social. O autor utiliza o termo sociedade programada
para demarcar a fase em constituição, o termo a define pela “natureza do seu
modo de produção e de organização econômica” (TOURAINE, 1970, p. 7). Já
os termos sociedade pós-industrial e sociedade tecnocrática demarcam,
segundo Touraine, a intenção de, respectivamente: apontar a distância das
sociedades industriais e; expor o poder que domina a sociedade. Ao escolher o
termo sociedade programada a intenção do autor é de enfrentar um problema
específico: o da dominação social.
Segundo Touraine, na sociedade programada os conflitos sociais ainda
são relacionados com o domínio da produção. Isso por que: a educação, a
informação e o conhecimento – inerentes a essa fase – são diretamente
ligados a este domínio, estas compõem as forças de produção e colaboram
com o crescimento econômico. A diferença da sociedade programada está na
existência e na importância da interferência da esfera política nas atividades
14
Livro traduzido para o português de Portugal.
23
econômicas15. Com isso as lutas sociais tornam-se menos ligadas aos
mecanismos econômicos e mais ligadas às questões relacionadas ao poder e
ao âmbito cultural. A classe operária e o movimento sindical, por exemplo, já
não são centrais para a transformação social.
Touraine emprega a ideia de alienação com o intuito de evidenciar as
relações sociais envoltas às possíveis situações de conflito e situar atores na
estrutura social. O alienado é aquele que participa de maneira “dependente” no
mundo em que vive. Ao mesmo tempo ele é: integrado ao sistema e atua
mantendo os interesses e a dominação da classe dirigente. A eles são
impostos os modelos de crescimento que desejam a classe dominante, mas a
imposição é despercebida devido à impessoalidade do modelo. É que há a
aparência de um modelo que seja adequado para todos. O conflito social só
aparece quando a situação de alienação é percebida e condenada. É a partir
da tomada de consciência da condição vivenciada e a ação contrária à situação
de alienação que a luta social acontece. Na obra de Touraine, A sociedade
post-industrial, evidencia-se que:
Por um lado, é o apelo às próprias orientações da sociedade contra a sua apropriação privada pela classe dirigente; por outro, é a resistência da experiência pessoal e coletiva a mudanças que não são controladas pela coletividade (...). A sociedade, entorpecida durante muito tempo na satisfação do seu êxito material, não rejeita o progresso técnico e o crescimento econômico, mas a sua submissão a um poder que se proclama impessoal e racional, que espalha a ideia de já não ser, ele próprio, senão o conjunto das exigências da mudança e da produção (TOURAINE, 1970, p. 15-16).
Touraine demonstra a natureza dos movimentos sociais na sociedade
programada. Para ele um enfrentamento relevante carece de um envolvimento
organizado de todos os domínios da vida social interferindo diretamente nas
decisões políticas por meio de instituições.
O sociólogo francês questiona primeiramente o conceito de classes.
Qual seria a importância desse conceito na sociedade programada? Segundo
ele o poder do conceito tradicional de classe perdeu sua força explicativa. A
15
A interferência da esfera política nas atividades econômicas possibilita o objeto da sociologia, quando os mecanismos econômicos eram definidos pela própria economia não havia objeto para tal ciência. Neste sentido, para Touraine, a sociologia não advém da revolução industrial, mas sim em meados do século XIX, quando há direcionamento do futuro da sociedade, quando há ação social.
24
temática deveria ser revista, para tanto o autor repensa os elementos que
compunham a noção clássica do conceito: como a definição de classe e de
relações de classes e a concentração de poder. Mas para Touraine a temática
somente deve ser valorizada se há consciência de classe. Em outros termos,
se há organização dos interesses classistas e não apenas sentimentos de
exploração, exclusão ou dominação.
As visões, de Bell e Touraine, veem a passagem de um tipo de
sociedade para outra de forma positiva. Em sua obra, Da sociedade pós-
industrial à pós-moderna, publicada em 1978, Krishan Kumar, sociólogo
indiano e professor na Universidade de Virginia analisa três teorias advindas da
teoria de Bell sobre a sociedade pós-industrial: a sociedade da informação; as
teorias do pós-fordismo e; as teorias da pós-modernidade. Kumar considera
que as teorias sobre a sociedade da informação sucederam os pensamentos
de Bell acerca da sociedade pós-industrial. Segundo o autor ambas as teorias
possuem um caráter progressista e amparado no ideal de racionalidade e
progresso.
O autor também avalia o posicionamento dos autores de esquerda como
sendo “inesperada”. É que apesar do desenvolvimento econômico colaborar
diretamente como motor da história, o que explica o entusiasmo de
esquerdistas, as diferenças da fase em constituição – a atenuação dos conflitos
entre capital e trabalho, a relevância do setor de serviços, dentre outras – não
foram contempladas nos pensamentos de Marx. Isso, afirma Kumar, demandou
desses autores uma análise do período em vigência, para compreender o
processo de transformação.
Um desses autores, crítico das teorias sobre a sociedade pós-industrial
e a sociedade da informação, foi o economista americano Harry Braverman.
Em sua obra publicada no ano de 1974, Trabalho e capital monopolista,
Braverman traz elementos que caracterizam o trabalho como taylorizado. Há aí
uma contradição. Como pode na sociedade pós-industrial, que pressupõe o
conhecimento como sua base, possuir atividades laborais marcadas
basicamente pela eficiência nas operações? O autor pondera a utilização de
máquinas e instrumentos durante o trabalho que colaboram para a pouca
necessidade de trabalhadores qualificados. Os trabalhadores tornam-se
complementares às máquinas. Braverman inclusive aponta para a feminização
25
da força de trabalho burocrática. Em outros termos, o autor demonstra a
participação de mulheres trabalhando em boa parte das atividades em
escritórios do tipo “colarinho branco”. A ideia de Braverman é mostrar o fosso
existente entre uma pequena parcela de profissionais do conhecimento e uma
maioria de trabalhadores com baixos níveis de qualificação e ainda exercendo
atividades burocratizadas e taylorizadas (Cf. BRAVERMAN, 1987).
Os teóricos da sociedade pós-industrial e da sociedade da informação
asseguravam que os trabalhos envolvendo conhecimento iriam aumentar e se
tornarem predominantes diante de outros tipos trabalhos. Contudo a pergunta
mais recorrente feita, já na década de oitenta, era se a tecnologia empregaria
ou desempregaria trabalhadores. Outro questionamento é contemplado nas
analises de Kumar: os trabalhos nessas sociedades são realmente realizados
por profissionais peritos e autônomos? (Cf. KUMAR, 1997). Tendo em vista,
sobretudo a presença e o domínio do taylorismo nas atividades prestadas: “a
tecnologia da informação possui maior potencial de proletarizar do que
profissionalizar o trabalhador (...). Muitos desses trabalhadores, no entanto, são
profissionais de nível superior apenas no nome” (KUMAR, 1997, p. 37-38).
Kumar desvela em seu levantamento bibliográfico que na dita
“sociedade da informação” há a existência de políticas que contribuem para o
incremento das desigualdades. Apesar das teorias sobre a sociedade da
informação trazerem junto a si um discurso que possui um intenso apelo
popular. As expectativas otimistas em relação ao período a porvir, demarcadas
no pensamento de Bell e Touraine são, portanto, gradativamente discutidas.
É necessário recuar novamente para o trabalho de Bell. O conceito dele
de sociedade pós-industrial compreende cinco dimensões, cabe aqui uma
analise das duas principais. A primeira refere-se à mudança da economia de
produção para uma economia de serviços; e a segunda refere-se à mudança
na distribuição de ocupações convergindo para o predomínio de atividades
profissionais e técnicas16. É que muito se esperou do crescimento das
atividades ligadas à sociedade pós-industrial e pouco foi dito sobre o
crescimento em geral das atividades terciárias. Em outros termos, as
16
As outras três dimensões basicamente dizem sobre a instrumentalização do conhecimento, que passa a contribuir diretamente nas questões políticas e no âmbito das inovações técnicas. Ambas colaboram para orientar ações futuras.
26
expectativas ofuscaram importantes pontos do debate, como por exemplo, a
real distribuição ocupacional em constituição. Contudo, as prenuncias de Bell
podem ser relevadas, pois se tratava de um período em formação, sua
intenção era desvelar a futura mudança na estrutura social.
A maior parte do crescimento de empregos das últimas décadas é
apontada por Kumar (1997) como não sendo no setor do conhecimento, “mas
nos níveis mais baixos da economia terciária, onde o grau de habilidades e
conhecimento não é alto” (p. 39). Basicamente:
Os novos empregados típicos haviam sido admitidos em estabelecimentos de “comes e bebes”, incluindo lanchonetes, em “serviços de saúde”, principalmente sob a forma de enfermeiras e pessoal auxiliar em hospitais e casas de repouso particulares, e em “serviços e empresas”, sobretudo de trabalhadores em tarefas rotineiras de informação ligadas a processamento de dados, cópias e mala direta. Muitos eram mulheres e um bom número trabalhava em regime de meio expediente ou temporário. Os níveis salariais eram baixos e virtualmente nulas a segurança no emprego e a possibilidade de fazer carreira (KUMAR, 1997, p. 39).
O sociólogo americano Wright Mills publicou em 1951 a obra A nova
classe média (White Collar), que discute basicamente a formação da nova
classe, a dos colarinhos-brancos17. O interessante é que esta obra é anterior às
referidas de Bell e Touraine e nela Mills já havia abordado, de modo pertinente
e com forte teor qualitativo, à questão da fragmentação da classe média. Com
isso, seria ingênuo considerá-la de maneira pouco extensa.
Há hierarquia entre os colarinhos-brancos, ou seja, eles pertencem a
diferentes níveis. E o autor analisa as diferentes posições sociais ocupadas
pelos membros da classe média. Decrescentemente, no que se refere à
hierarquia, por exemplo, existem: os burocratas políticos e os gerentes, os
profissionais liberais estabelecidos (médicos, advogados e engenheiros, etc.),
os vendedores especializados, empregados de escritório que executam tarefas
17 O conceito de colarinho branco designa trabalhadores que desenvolvem atividades que não estão diretamente envolvidos na produção de bens e que ao final do mês recebem um salário. Diferentemente do pagamento dos operários que recebem por hora, dia ou semana. A contagem do valor a ser recebido também não é feito da mesma forma. A remuneração dos colarinhos brancos normalmente é estipulada por contratos, a dos operários é estipulada por tempo de atividades prestadas. Outro fator que os distingue é o status e o prestígio que os colarinhos brancos possuem, eles, por exemplo, utilizam roupas de passeio no trabalho.
27
rotineiras, auxiliares de máquinas, recepcionistas, balconistas, dentre outras
ocupações. A ideia dele é considerar não uma camada horizontal dos
colarinhos-brancos, mas uma pirâmide social dos mesmos. Dessa forma, Mills
acredita que:
Para compreender a nova classe média é necessário traçar pelo menos um esboço da estrutura social de que ela faz parte. O caráter de uma camada social consiste, em grande parte, em suas relações, ou ausência de relações, com as camadas superiores e inferiores; suas consequências ressaltam dessa comparação (1976, p.22).
Ao considerar as ocupações da classe média Mills utiliza três critérios na
qual são vinculadas para decompô-las, são eles: o poder; o status; a situação
de classe; bem como a especialização e função da atividade. A seguir o autor
demonstra parte dessas caracterizações da classe, note:
As raízes históricas do seu prestígio incluem, além da renda superior, a semelhança de seu lugar e tipo de trabalho com os da antiga classe média. Como suas relações com o empresário e freguês rico se tornaram mais impessoais, passaram a tornar emprestado o prestígio da própria firma. Seu aspecto físico, especialmente o fato de que a maioria dos cargos de colarinho branco lhes permite o uso de roupas de passeio, influenciou esse prestígio, assim como as especializações que são exigidas para a maior parte dos empregos, e em muitos deles a variedade de tarefas executadas e o grau de autonomia no trabalho. Além disso, o tempo gasto para aprender essas especializações e a maneira como eles adquirem, através da educação formal e de contatos frequentes com as categorias superiores, tiveram uma grande influência em seu prestígio (MILLS, 1976, p. 94)
Uma diferença essencial entre a antiga classe média e a nova classe
média está na relação com a propriedade. A primeira, composta por
empresários independentes, são detentores de propriedade. Já os segundos,
não possuem propriedade e são dependentes de instituições ou empresas na
qual prestam serviços e recebem o salário ao final do mês. Segundo o autor:
“Em termos negativos, a transformação da classe média representa uma
passagem da propriedade para a não-propriedade; em termos positivos, é a
passagem de uma estratificação social baseada na propriedade para uma
estrutura baseada na ocupação” (MILLS, 1976, p. 85). Em outros termos,
entende-se que para compreender ambas as classes é preciso ponderar no
28
caso da antiga classe média à situação diante das propriedades empresariais e
no caso da nova classe média à estrutura ocupacional influente. Por um lado o
status, o poder e o prestígio são determinados pelo controle da propriedade
detida, por outro pela habilidade empregada no mercado de trabalho.
Também são diferenciados os colarinhos brancos dos operários. No que
se refere à situação de renda a dos primeiros é levemente superior. Porém ao
considerar o status e o prestígio dos primeiros diante das atividades ocupadas
há uma profunda disparidade e o impacto psicológico seja por falta ou não de
reconhecimento é evidenciado tanto nos colarinhos brancos e nos operários. E
isso contribui para a distinção social dos mesmos.
Agora já é possível perceber a ligação de Mills com a sociologia da
ocupação e logo, as suas grandes contribuições feitas para o debate em voga,
porém escassamente referidas.
Apesar disso, obras como a de Mills mostraram a necessidade de
alcançar e aprimorar informações sistemáticas sobre aos diferentes tipos de
colarinhos brancos. Já que “a passagem de uma dicotomia simples entre
proprietários e não-proprietários a uma série de diferenciações no interior da
categoria dos não-proprietários” ( MILLS, 1976, p. 307) recaiu na obrigação de
autores de ideais marxistas, sobretudo, revisarem a orientação clássica de
Marx, que praticamente desconsiderava a contribuição de classes medianas no
processo de transformação social.
Ainda assim, Mills reconhece a ligação entre política e estratificação
social, porém pensa uma revisão de Marx a partir de uma perspectiva
psicológica. Essa seria uma tentativa de problematizar a verdadeira vivência
individual e da classe média em questão. Já que estas estão permeadas por
uma falsa consciência de si e cercadas por vivências de alienação. Mills queria
atingir a psicologia da classe média por meio das experiências individuais
cotidianas para compreendê-la:
O homem de colarinho branco não tem cultura própria, a não ser os conteúdos da sociedade de massas que o moldou, e procura aliená-lo (...). Alienado do produto do seu trabalho, desempenhando anos a fio a mesma rotina, dedica seu tempo a lazer à diversão ersatz que lhe é vendida, e participa excitação sintética que não tranquiliza nem relaxa. Ele entedia-se no trabalho, enerva-se no lazer, e essa alternância que o esgota (MILLS, 1976, p. 18).
29
A partir desses autores citados percebe-se que inicialmente o debate
sobre a sociedade pós-industrial foi fortemente marcado por uma perspectiva
da esquerda e ancorado por questões políticas que visavam à transformação.
Por isso, muitos consideravam essa sociedade de forma positiva, como um
passo para uma mudança social.
Um deles, autor não referido anteriormente, é o sociólogo Jean Lojkine.
Em sua obra A Revolução Informacional, publicada em 1999 o autor traz à tona
a questão do monopólio do pensamento ante a dominação capitalista e as
novas tecnologias. O ponto está na divisão do trabalho. Segundo Lojkine a
revolução informacional representa um grande potencial para minar a distância
existente entre dirigentes e produtores. Em outros termos, o monopólio do
conhecimento, inerente ao modo da divisão do trabalho, desapareceria com a
revolução informacional, bem como a sociedade de classes, a que opõe
homens, tendo em vista as grandes modificações nas funções da divisão do
trabalho entre os que decidem e os que executam.
Outra perspectiva positiva sobre a sociedade pós-industrial, mais atual, é
do italiano Domenico De Mais. Em sua obra publicada em 2000, O Ócio
Criativo, o autor confia no decréscimo do tempo destinado ao trabalho de
produção e no acréscimo de tempo destinado ao trabalho criativo. Por isso,
haveria a utilização livre do tempo, este seria gasto tendo em vista a satisfação
das necessidades individuais e a liberdade individual de cada um (Cf. DE
MASI, 2000).
Por sua vez, o sociólogo alemão, Claus Offe, publicou em 1977 o ensaio
O crescimento do setor de serviços, onde expõe quatro bases de expectativas
de autores otimistas em relação ao crescimento dos serviços: 1) o esforço do
trabalhador será atenuado porque não mais realizará empenhos físicos
diretamente com máquinas e ferramentas, pois, o trabalhador tratará com
pessoas e símbolos; 2) o trabalhador receberá treinamento para atividades
específicas aos serviços e as funções administrativas serão burocratizadas; 3)
o setor de serviços absorverá o trabalho excedente, assim não haverá
desemprego estrutural; 4) o conflito industrial da produção será diminuído ou
ainda eliminado. Offe também exibe quatro importantes explicações
sociológicas acerca do crescimento de serviços e apresenta falhas em todas
elas. Em síntese, Offe conclui afirmando que todas têm merecimentos relativos,
30
mas nenhuma delas consegue convencer completamente. Trata-se de
abordagens com teores funcionais e estruturais18.
Contudo, além de Braverman, passada algumas décadas da obra de
Bell, houve outros autores que contestaram o ideal da sociedade pós-industrial
e a avaliaram como sendo negativa. Um deles é André Gorz. Já em 1988 Gorz
publicou Metamorfoses do trabalho. Nesta obra o autor não vangloria a
sociedade de serviços por prover empregos qualificados e empregados
autônomos como foi amplamente exposto inicialmente por intelectuais
otimistas. Ao contrário, a propósito da perspectiva crítica da racionalidade
econômica19, Gorz denuncia a dinâmica de economia de tempo, que é
possibilitada pela inovação técnica e o advento de atividades de serviços
mercantis de proximidade que antes não eram remuneradas. Há, assim, a
perpetuação de uma dinâmica de economia de tempo: basicamente o tempo
disponível daqueles que logram atributos que possibilitam uma posição de
conforto aumenta, enquanto outros realizam atividades próprias a serviçais,
sem status e sem remuneração descente. Gorz relaciona a sociedade em
questão com o aumento da precariedade e informalidade nos serviços
prestados. É admitido pelo autor que muitas vezes um serviço é requisitado
para proporcionar prazer a uma pessoa em particular que deseja ser servida.
Deste modo, Gorz declara sua percepção sobre o retrocesso social corrente,
pois:
Para uma parte ao menos dos prestadores de serviço, trata-se, dessa vez, de submissão e de dependência pessoal frente àqueles ou àquelas que se fazem servir. Renasce hoje o que a industrialização, depois da segunda guerra mundial abolira: uma classe servil (GORZ, 2007, p. 18).
Gorz, ao perceber o acirramento da racionalidade econômica assume
um ponto de vista bastante crítico e por isso difere de autores que
vislumbravam a sociedade pós-industrial como um passo para uma
18
Sobre o assunto veja também outro ensaio de C. Offe realizado em parceria com J. Berger, A dinâmica do desenvolvimento do setor de serviços, publicado em uma organização de Offe denominada Trabalho e Sociedade, v. 2, 1991. 19
A racionalidade econômica está atrelada ao cálculo contábil em relação ao trabalho moderno. Já que este tem em vista a troca mercantil devendo então ser o mais eficaz possível (GORZ, 2007).
31
transformação social ou a concebiam apenas de um ângulo, valorizando os
aspectos positivos desse tipo sociedade e omitindo os aspectos negativos.
Finalmente, em vista do debate apresentado e dos autores abordados a
intenção do texto até aqui é a de também revelar como a sociologia, de modo
geral e a sociologia do trabalho, mais especificamente, esteve ligada à obra de
Karl Marx e, portanto, a esfera da produção e aos ideais de transformação
social. No tópico a seguir a sociologia do trabalho em serviços será destacada,
assim como a temática convergirá para os assuntos específicos da dissertação.
1.2 Sociologia do trabalho em serviços A partir do ponto de vista de Gorz, anteriormente apresentado, nota-se
que as mudanças no mercado, apesar de abrangentes, não atingem a todos de
modo equivalente. Incidem, principalmente, sobre os menos favorecidos
socialmente. Sob tais circunstâncias, trabalhadores com pouca qualificação e
baixa escolaridade acomodam-se em serviços que exigem poucos requisitos e
em atividades informais. De modo geral, são serviços pessoais (domésticos,
higiene e beleza, hotelaria, alimentação), aqueles que atendem a demanda
individual, e serviços distributivos (transporte, comércio, armazenagem) e os
que atendem a demanda de empresas após o processo produtivo finalizado
(Cf. OLIVEIRA, 2003). Tais atividades, a despeito de sua importância,
comumente são desprivilegiadas e logram pouco reconhecimento social.
É indubitável a heterogeneidade do setor de serviços. Nele coexistem
atividades modernas de alta tecnologia que empregam profissionais
qualificados e autônomos e; segmentos tradicionais que demandam pouca
qualificação e muitas vezes estão relacionados à precarização e/ou
informalidade (Cf. ANTUNES, 2009; POCHMANN, 2006). Eles coexistem em
diferentes proporções, dependendo da economia de um determinado país. Por
exemplo, segundo Morais (2006), no caso brasileiro a dinâmica do mercado de
trabalho engendrada nos anos 90 caracterizou-se pela desarticulação da base
do trabalho assalariado e pelo aumento intensivo dos segmentos ocupacionais
não assalariados, em sua maioria nas atividades de serviços pessoais e
domiciliares, ou seja, em ocupações de baixa qualificação, pouco rendimento e
32
com níveis consideráveis de informalidade. Para Morais a configuração da
estrutura ocupacional baseou-se no aumento das ocupações de mão de obra
semiqualificada, contrapostas àqueles empregos para profissionais
especializados – desenvolveram-se dois pólos.
Almeida (2004) argumenta nesse sentido, enfatizando que os serviços
relacionais são os que mais expandem. Na maior parte são serviços
especializados, em que a competência técnica é respeitada. Mas os serviços
com menor grau de profissionalização também são requisitados, como os
serviços de restauração e atendimento em balcão. Já os empregos em
transporte, logística e comércio decrescem, bem como atividades bancárias e
em telecomunicação, visto que são serviços capazes de serem padronizados e
mecanizados. A procura por serviços relacionais justifica-se, segundo Almeida,
devido ao aumento de necessidades e desejos de cuidados, assistência,
formação e lazer e também devido ao enfraquecimento de laços de
solidariedade de familiares e vizinhos.
Fato inegável é que a terciarização é uma importante modificação do
mundo do trabalho. Trata-se de um processo gradual que convergiu para o
aumento das atividades de serviços (ALMEIDA, 2004). Em termos analíticos
esse processo pode ser mensurado pelo incremento na participação no
Produto Interno Bruto (PIB) da economia do país e pelo aumento nas
ocupações e empregos (Cf. OFFE e BERGER, 1991; SILVA, 2009).
No entanto, apesar do setor de serviços ser bastante expressivo na
economia e no mercado de trabalho, ainda é pouco compreendido. Na
sociologia do trabalho brasileira, mais influenciada por teorias marxistas, os
estudos ainda abrangem principalmente o setor produtivo e até o agrário e as
análises privilegiam, sobretudo, à organização do trabalho. No Brasil,
majoritariamente as pesquisas realizadas sobre o setor são na área da
economia, ou em sua fronteira, tratam-se de estudos quantitativos que visam
mapear, definir e classificar o setor.
Korczynski (2009) evidência três motivos para a negligência de estudos
do setor de serviços, são eles: o foco dos sociólogos do trabalho estava nas
relações industriais e nos conflitos de classe; os sociólogos do trabalho,
majoritariamente homens, desprivilegiavam teoricamente o setor de serviços
por ser predominantemente composto por mulheres e; por questões
33
pragmáticas boa parte das pesquisas era realizada em grandes locais de
trabalho.
A análise da literatura estrangeira da última década indica outra direção,
atualmente o setor de serviços é mais analisado do que o setor industrial
(KORCZYNSKI, 2009; LOPEZ, 2010). As sociologias do trabalho de serviço:
estadunidense, inglesa, australiana, por exemplo, iniciadas na década de 1990
e desenvolvidas ao longo dos anos 2000 incidem em pesquisas empíricas e
qualitativas com teor interacionista e estudos organizacionais. Basicamente os
debates compreendem temáticas relacionadas ao trabalho emocional, à
relação triangular nos serviços (gestor, trabalhador e cliente) e o nexo entre
gênero e controle em trabalhos de serviços, já temáticas ligadas à raça são
mais raras (Cf. LOPEZ, 2010)20.
Segundo Pettinger (2005) o foco nas interações entre trabalhadores e
clientes é uma maneira de tentar caracterizar o emprego em serviços, já que o
mesmo é considerado pela presença do cliente no ambiente de trabalho e
também é uma maneira de abordar estratégias eficazes para a gestão das
interações entre trabalhadores e clientes.
A precursora obra de Arlie Hochschild, The Managed Heart (1983), ainda
é amplamente discutida. Hochschild aborda o poder do controle organizacional
sobre os trabalhadores, de maneira crítica, aponta para os custos sócio-
psicológicos embutidos aos trabalhadores de serviços. Nessa obra Hochschild
apresenta o conceito de trabalho emocional, que consiste na administração de
emoções e sentimentos tendo em vista o ideal da interação social. Já a
expropriação do trabalho emocional refere-se à coação exercida pela
administração sobre os trabalhadores de serviços interativos para que estes
omitam e encorajam determinados emoções e sentimentos, visando um bom
atendimento e o bem estar do cliente. As emoções são expropriadas do
trabalhador com a finalidade de produzir lucro. Com aporte nas considerações
de Hochschild evidencia-se a atuação de atendentes de mesa, por exemplo, a
partir de um roteiro a ser seguido nas relações com clientes que é adotado
20 Lopez (2010) chama a atenção para o princípio da sociologia do trabalho em serviços,
quando o periódico Work and Occupations publicou pela primeira vez uma edição especial sobre o assunto, em 2000, e para o aumento progressivo dos serviços nos Estados Unidos, em contraposição as escassas pesquisas na área. Para chegar a tais conclusões a autora mapeou e examinou os artigos publicados neste periódico desde o fim dos anos 2000 até o fim de 2009 e mais em dois outros periódicos.
34
voluntariamente ou forçadamente como estratégias de trabalho que reforçam
ou são reacionárias em relação às interações com clientes.
Entretanto a expropriação do trabalho emocional é um fenômeno sutil,
podendo ser facilmente confundido com identificação espontânea. Segundo a
visão de Hochschild “Quanto mais profundo o laço, mais se faz trabalho
emocional e menos consciente se é disso” (HOCHSCHILD, 1983, p. 359-360).
O empoderamento por parte do trabalhador é relativo, uma vez que ele está
sob uma cultura de trabalho, e possui noções sobre como melhor atender o
consumidor, sobre a melhor maneira de representar a empresa, ou o
comportamento certo ditado pelos administradores e funcionários que
trabalham no local há mais tempo, bem como pelas demandas de
consumidores por um bom tratamento. Ou seja, percebe-se em algumas
situações de serviços certa preponderância de uma cultura do trabalho
orientada não por protocolos, mas por práticas de consumo específicas que
privilegiam a qualidade da interação. Neste sentido, deve-se atentar para as
relações estabelecidas entre consumidores e prestadores de serviços, pois são
impregnadas de representações simbólicas que convergem diretamente para a
composição da identidade social dos trabalhadores.
Karla Erickson (2004) desafia a literatura do trabalho emocional após
realizar um estudo em um pequeno restaurante de subúrbio na cidade de
Minneapolis nos Estados Unidos. Erickson se posiciona contra os efeitos
alienantes da utilização instrumental da emoção no trabalho delineados por
Hochschild. A autora utiliza o método do caso estendido de M. Burawoy21. A
emoção é entendida por Erickson como estratégia psicológica utilizada em
benefício próprio, seja em negociações identitárias ou no desenvolvimento de
roteiros para utilizar nas interações no trabalho. Em sua análise, privilegia
trocas espontâneas em encontros de serviços e estudou como os
trabalhadores voluntariamente modificam scripts para adaptar às demandas
dos clientes (2004, p. 551). Erickson destaca a temática do gênero e detecta
diferenças quanto ao modo de lidar com o trabalho emocional. Mulheres,
21 O método do caso estendido proposto por Michael Burawoy (1998) tem como base a
ciência reflexiva, em oposição à positivista. Sob essa perspectiva a objetividade científica é alcançada pelo diálogo orientado por teorias, entre pesquisador e pesquisado e pela reconstrução de teorias a partir de anomalias empíricas. A ideia de Erickson era de estender a teoria do trabalho emocional a partir de cuidadoso trabalho empírico.
35
majoritariamente, adotam a estratégia do investimento: aproveitam o uso da
emoção e se envolvem; neste caso as relações exigidas para além da troca
dão sentido ao trabalho e o trabalho emocional é fonte de prazer. Há certa
quebra de papéis entre atendentes e consumidores, dando maior igualdade na
relação. Na estratégia do distanciamento, adotadas majoritariamente por
homens, há o distanciamento emocional nas trocas de serviço, portanto as
práticas do trabalho e as adotadas pelo self autêntico são díspares. O trabalho
não é elemento identitário; assim, na ausência do consumidor o trabalhador
desloca-se para seu self original.
Tendo em vista as contribuições de Hochschild, Nunes (2009) ao
analisar serviços subalternos ou de baixa qualificação também apresenta
problemas de autenticidade e identificação decorrentes das indeterminações
entre “agir normalmente” e o “agir manipulando emoções”. Hochschild (1983)
levanta algumas questões nesse sentido para problematizar a relação entre
sentimento verdadeiro e fingimento:
Quando as regras de como sentir e de como expressar são estabelecidas pela administração, quando os trabalhadores têm direitos mais fracos de cortesia do que os clientes, quando agir superficialmente e profundamente são formas de labor para ser vendida, e quando a capacidade privada para a empatia e cordialidade são colocadas para os usos corporativos, o que acontece com a forma como uma pessoa se relaciona com seus sentimentos ou sua aparência? Quando a cordialidade excitada torna-se um instrumento de trabalho em serviço, o que uma pessoa aprende sobre si mesma de seus sentimentos? E quando um trabalhador abandona seu work smile, que tipo de vínculo permanece entre seu sorriso e o seu self? (HOCHSCHILD, 1983, p. 89-90).
22
No entanto, sociólogos do trabalho que utilizam as abordagens do
trabalho emocional têm sido alvo de criticas por privilegiar apenas um aspecto
da interação (o trabalho emocional) e desconsiderar ou abordar de forma
superficial outros aspectos que interferem na conduta do trabalhador e do
cliente, como por exemplo, aspectos econômicos e o contexto organizacional
(Cf. PETTINGER, 2005). Ainda existem críticas relativas ao poder de agência
dos trabalhadores e os aspectos positivos do trabalho emocional, como os
elencados por Erickson. Somado a isso, importantes questões relativas à
22
Tradução própria.
36
identidade social e expropriação do trabalho emocional são encobertas, apesar
da intrínseca relação de ambos, como mostrado anteriormente pelas palavras
de Hochschild.
A análise de relações entre trabalhadores e consumidores e clientes
também é recente na sociologia do trabalho e decorre de novos estudos na
área de serviços. Para Korczynski (2009) este tipo de análise é importante
porque é uma tentativa de atenuar as lacunas existentes entre a sociologia do
trabalho e sociologia do consumo. Para o autor pensar os consumidores e
clientes como figuras centrais nas relações de serviços pede que “sociólogos
do trabalho e sociólogos do consumo comecem a falar uns com os outros em
vez de uns sobre os outros” (p. 956).
Pettinger (2005) observa, por exemplo, que os trabalhos realizados
sobre o atendimento ao serviço comumente tratam o cliente a partir do ponto
de vista do trabalhador ou da gestão e raramente a partir do ponto de vista do
próprio cliente. Desta forma, Pettinger identifica que em pesquisas que são
desenvolvidas por métodos etnográficos sobre as ocupações de serviços o
cliente aparece de forma marginalizada.
Os clientes carecem de ênfase porque também influenciam o encontro
de serviços e até exercem certo controle nas interações. Além disso, há ainda
a ideia de que os serviços colaboram para a constituição de identidades de
consumo, tanto dos consumidores como dos trabalhadores. Neste sentido, os
serviços modificam até mesmo aspectos culturais e econômicos de países.
Já Johston e Sandberg (2008) advertem que, apesar da literatura de
serviços abordar os clientes de modo secundário, há trabalhos na literatura do
consumo que privilegiam o papel do cliente e parte da ideologia da soberania
do cliente, o que conduz, de certa forma, a considerar a agência nas interações
de serviços aos consumidores e não trabalhadores. Em contraposição existe a
perspectiva teórica que considera a tríade de poder nas relações de serviço
(trabalhador, gestor e cliente); sob este ponto de vista considerar de tal
maneira a soberania do cliente e agência do mesmo é inapropriado porque
desfigura atores que compõem a situação social. Neste sentido, o controle das
interações sociais perpassa, de modos desiguais, por diferentes atores sociais.
E a análise sobre o assunto é mais complexa do que da maneira como tem
sido tratada.
37
Outro interessante elemento recentemente abordado nas pesquisas
sobre serviços trata o grau de desigualdade, de status e hierarquia, entre
trabalhadores e clientes e consumidores. A ideia é mostrar como as interações
entre trabalhadores e clientes constituem hierarquia de status para ambos (Cf.
LOPEZ, 2010).
Uma obra clássica que elucida a ênfase nos consumidores é Counter
Culture (1988) de Susan Benson. A obra é pioneira no estudo do trabalho em
serviços, sua análise parte de uma abordagem histórica. A autora é também
valorizada por, mesmo diante da forte influência marxiana nos estudos sobre
trabalho, utilizar o conceito de cultura do trabalho de forma pertinente (Cf.
MCGRAW, 2005).
No que se refere especificamente ao objeto de pesquisa dessa
dissertação trata-se de garçons de bares restaurantes, que fazem parte de um
grupo de trabalhadores de um lado específico dos polos da sociedade de
serviços, mas que não integram a parte extrema do polo. Comumente garçons
são trabalhadores que possuem pouca qualificação e baixa escolaridade, por
isso, se acomodaram em uma atividade que exige pouco e possibilita
rendimento considerável, analisado-se o nível de exigência inicial de
qualificação.
PARTE 2
CULTURA DO TRABALHO: O SERVIÇO DE GARÇONS EM BARES RESTAURANTES
38
2.1 Os bares restaurantes como locais de análise
Os bares restaurantes são preconizados nesta dissertação por alguns
motivos. Inicialmente a análise privilegia o trabalho formal, por isso
estabelecimentos estritamente familiares e comportando atividades sem
vínculo formal são descartados. O crivo do trabalho formal permite utilizar com
mias confiança bases de dados administrativas como a RAIS (Relação Anual
de Informações Sociais) e estatísticas, como a PNAD (Pesquisa Nacional de
Amostra de Domicílios). Mercearias, botecos e bares com organização mais
simples foram rejeitados porque além de muitas vezes serem estabelecimentos
informais e familiares, comumente não incorporam o trabalho de garçons, já
que o proprietário, seus familiares e até mesmo os clientes executam as tarefas
do garçom.
Muitos estabelecimentos se aproximam a isso. É o caso de
estabelecimentos que foram transformados com a chegada de grandes redes
de supermercados. No caso dos armazéns e mercearias, por exemplo,
passaram, para se manterem no mercado, a comercializar bebidas alcoólicas
para consumo no próprio estabelecimento, tornando-se também “botecos”. É o
caso do centenário e familiar Armazém do Senado no Rio de Janeiro, segundo
o proprietário, as mudanças no comércio atacadista fizeram com que eles
fossem obrigados a mudar “aproveitando o aspecto do armazém que é
atraente, folclórico do Rio de Janeiro e com a tradição da casa a gente
conquista o freguês”. A trajetória do Joaquim, atual proprietário de um bar de
Goiânia, explicita parte de sua história que se assemelha ao assunto:
O certo pra fazer era um comércio rápido de pouco investimento, seria uma mercearia. Foi exatamente o que eu coloquei, uma mercearia porque você ia comprando, girando, pagando e você ia formando o patrimônio. E com o tempo Goiânia foi crescendo, desenvolvendo, desenvolvendo, ai veio o Pegue Pague, o Mini Box, veio esses supermercados e eles me engoliram. E ai eu migrei pra outro lado, que se chama comida, bar, e ai a coisa deu certo, pegou. Com minha luta, minha insistência pegou. E até hoje continuo insistindo nesses trinta e oito anos continuo insistindo pra não deixar cair. Deu certo? Deu! Dentro deste contexto de mercearia eu comecei a colocar outras coisas que se chama espetinho, a tradição goiana hoje né, sempre foi né, desde que começou. Colocar o espetinho, a cerveja, isso foi pegando e deixei a fatia que eu tinha dos secos e molhados e fui ficando com outro, que foi a bebida.
39
Mas inicialmente a intenção foi pesquisar bares, devido à imagem desse
tipo de estabelecimento como local democrático, de sociabilidade e atenuante
de diferenças sociais. O bar representa momento de descanso, de
informalidade nas relações que são desenvolvidas em torno do balcão ou
mesa, acompanhado de alguma bebida (Cf. CHALHOUB, 2001). Na
apresentação do livro Ponto Chic de Angelo Iacocca (2011), o jornalista Ignácio
Brandão conta suas recordações do antigo e famoso bar paulista, note a
imagem que faz do lugar:
O Ponto Chic foi a instituição mais democrática que conheci. Igualava classes sociais Promovia a solidariedade. Dia e noite, cheio. (...). Ali era o ponto de encontro, num tempo em que os bares ou restaurantes eram lugares para se jogar conversa fora. Hoje, come-se e bebe-se discutindo negócios
23.
As palavras de Brandão expressam uma representação social24 positiva
acerca do Ponto Chic e dos bares de modo geral. Todavia essas
representações sociais de bares também conservam resquícios de discursos
médicos e governamentais do início do século passado que visavam alcançar à
modernidade, à civilização e à ordem. O bar, o botequim, o cabaré eram, e em
até certo ponto são até hoje considerados:
em contraposição à fábrica, à oficina e ao escritório, espaços do trabalho, e ao espaço do lar. Considerava-se que esses espaços de lazer encorajavam a indisciplina e libertinagem, neles se misturavam sociabilidade, violência, prazer e desordem, causando problemas no trabalho e ruína na vida doméstica. (...) O bar, a taberna, o botequim, pontos de encontro para beber, jogar, centro aglutinador e difusor de informações, mas também de território onde se desenrolavam conflitos e brigas por diferentes motivos (MATOS, 2000, p. 75-76).
23
O Ponto Chic foi inaugurado no ano de 1922 no centro de São Paulo e é bastante
famoso pelo sanduíche de Bauru. Na época o centro da cidade era bastante movimentado, perto do bar havia cinemas e shoppings. Atualmente, com a descentralização da cidade, o Ponto Chic tem-se espalhado por São Paulo (Cf. IACOCCA, 2011). 24
As representações sociais são sempre tomadas de posição simbólicas, organizadas de maneiras diferentes. Trata-se de princípios relacionais que estruturam as relações simbólicas entre indivíduos e grupos, constituindo ao mesmo tempo um campo de troca simbólica e uma representação desse campo (DOISE, 2001, p. 193).
40
No entanto, ao longo do tempo, devido a várias mudanças sociais, os
bares têm mudado e assumido outra feição. Há a ideia de que a presença de
mulheres e familiares em bares, outrora incomum, por exemplo, modificam
estabelecimentos, tornando-os mais “limpos”. As opções do cardápio
expandem e passam a existir atrativos para crianças, por fim, as refeições
continuamente deixam de serem feitas em casa (Cf. FISCHLER, 1998) e os
bares tornam-se cada vez mais bares restaurantes.
Fato é que dentre as opções para os consumidores usufruírem, os bares
restaurantes têm predominado em detrimento de outros, como o típico bar-
botequim, hoje mais caracterizado pela informalidade e familiaridade nas
relações de trabalho25. A análise então privilegia estabelecimentos do tipo bar
restaurante.
Deve-se ponderar também que houve uma expansão de
estabelecimentos de alimentação e de lazer no período pós-industrial e o que
ocasionou o aumento da demanda pelos serviços de garçons. Com isso, o
tempo de qualificação profissional da categoria diminuiu. Estabelecimentos de
alimentação que não carecem dos serviços de garçons também aumentaram,
graças aos estabelecimentos que oferecem outros tipos de serviço, como o
drive thru, o fast foods ou o self-service. Se antes chefes e garçons iniciavam
suas carreiras lentamente e alçando novos degraus dentro de
estabelecimentos de alimentação ou do ramo da hotelaria, atualmente o
percurso tem sido modificado. Marra, Rego e Jardim (2002), ao discorrerem
sobre a valorização da gastronomia e de certos estabelecimentos de
alimentação, expõem parte desse processo:
A maioria dos antigos chefs começou lavando pratos. Surgiram assim grandes profissionais, mas sem preparo – sua cultura culinária, higiene alimentar e noções de saúde eram intuitivas. Quem entrava na profissão vinha geralmente do Nordeste. Hoje muitos jovens de classe média querem seguir a carreira e para isso fazem cursos no Brasil e no exterior. O perfil e a bagagem cultural dos chefs melhoraram, fazendo com que vários deles assumissem as rédeas do negócio, vendendo inclusive vendendo produtos com sua grife. (...) O restaurante “de dono”, no entanto, continua a existir mais forte e empresarial do que nunca. Exemplo disso é o Fasano, que deixou de
25
Obras de referência sobre o bar botequim foram escritas: uma delas é o livro de Sidney Chalhoub, Trabalho, Lar e Botequim; o artigo de referência de Luis Machado da Silva, O significado do botequim; a crônica de João do Rio, A alma encantadora das ruas; o livro de Luiz Edmundo O Rio de Janeiro do meu tempo, dentre outras.
41
ser familiar quando Rogério Fasano fez sociedade com outros empresários (p. 170-171).
2.2 Recurso metodológico: os tipos ideais e os tipos descritos Os critérios para escolha dos bares restaurantes partem inicialmente da
construção de tipos ideais puros (Cf. WEBER, 1992) de estabelecimentos. O
tipo ideal é um meio metodológico que permite apreender discursivamente a
realidade. Trata-se de uma construção racional do pesquisador que consiste
em exagerar alguns aspectos característicos de um fenômeno a partir de um
ponto de vista. O referencial e a objetividade do tipo ideal permitem “medir e
comparar tal fenômeno pela diferença que mantém com relação ao seu tipo
ideal” (Cf. SAINT-PIERRE, 2004, p.58).
Segundo MCKinney (1966), que analisou a construção de tipologias na
pesquisa sociológica, no livro Constructive typology and social theory (1966),
não é possível esgotar a realidade empírica em sua totalidade e complexidade,
por isso é necessário realizar uma seleção da mesma. Para tanto realiza-se
construções a partir de abstrações intelectuais. Desta maneira, o único e o
exótico são ignorados da experiência perceptiva do pesquisador. Obviamente
deve-se avaliar que a generalização tem um custo. Entretanto a ideia apontada
por McKinney é a de reduzir objetos de análise, por vezes, considerando casos
dessemelhantes como similares, para diminuir o número de relações
examinadas e possibilitar a análise científica ao designar relações hipotéticas
entre variáveis.
McKinney apresenta dois tipos de abstração. A primeira é a “abstração
da qualidade comum entre elementos diferentes”, ou seja, ao invés de
considerar por que objetos são diferentes entre si, leva-se em conta o que os
mesmos têm em comum. No processo abstrativo pensa-se, por exemplo, sobre
o que há de comum entre palmeiras, pinheiros e macieiras – é que todas são
árvores – assim é valorizada a semelhança genérica dos objetos, mas não as
diferenças especificas delas. A segunda é a “abstração sob a forma de
seleção” tendo como base os interesses teóricos do cientista, ou seja, esse tipo
de abstração considera o semelhante por demais complexo, pois é repleto de
qualidades mais simples. As diferentes qualidades aqui então são valorizadas a
42
partir de um problema particular, o cientista tem a função de selecionar certas
qualidades e excluir outras. As omissões limitam a construção, mas é
justamente isso que permite o cientista distinguir o que é essencial e o que não
é em relação ao problema analisado (Cf. McKINNEY, 1966).
A segunda maneira de realizar a abstração é aqui privilegiada. Os tipos
ideais foram elaborados durante a iniciação científica e anteriormente a ida ao
campo. A construção dos tipos ideais partiu de observações do cotidiano,
dados históricos e referências bibliográficas. Foram considerados, por exemplo,
desde a música de Noel Rosa e Vadico “Conversa de Botequim” (Anexo F) à
obra “Trabalho, Lar e Botequim” de Sidney Chalhoub.
Os tipos ideais construídos opõem bares. De um lado, o
“estabelecimento tradicional”, é caracterizado por relações de proximidade e
confiança, sociabilidade e integração, são estabelecimentos informais de
bairros com fregueses fixos, em que o proprietário está no controle e é
bastante presente na dinâmica do bar. Trata-se do típico botequim carioca.
Muitas vezes conhecido como “pé-sujo”, em referência aos insuficientes
cuidados com higiene e limpeza; a popularidade vem do “boca a boca” (Cf.
MELLO, 2003).
De outro lado, o “estabelecimento moderno”, é caracterizado pela
efetivação de encontros impessoais, são estabelecimentos formais, que
preconizam a marca e imagem do estabelecimento. Cuidados com a
apresentação, higiene e instalações do estabelecimento são essenciais e
delineiam esse novo estilo de bar. Os serviços de acessória de imprensa são
requisitados para trabalhar o conceito do estabelecimento e buscar notoriedade
(Cf. SANTOS, 2005).
Além disso, ir a um “bar moderno”, em contraste aos botecos de bairro,
adquiriu status de realização de um programa, em que se deve vestir
apropriadamente. No “bar moderno” a figura do proprietário é praticamente
inexistente, a dinâmica do bar é traçada muito mais por profissionais
especializados do que pelo proprietário. A existência de filiais ou até mesmo
franquias é comum neste tipo de estabelecimento.
Mello (2003) sugere uma contraposição semelhante de bares a partir da
clientela do local: o bar de proximidade conta com fregueses fixos; já o bar de
passagem absorve uma clientela flutuante. Por sua vez, ao discorrer sobre o
43
significado comunitário dos botequins, Silva (2011), caracteriza
estabelecimentos segundo: a intensidade da permanência no local, ou seja, o
tempo que o consumidor permanece no lugar e; a intensidade da frequência
dos clientes, ou seja, ao número de vezes que a mesma pessoa frequenta o
estabelecimento.
Em cada cidade quatro estabelecimentos foram pesquisados e
escolhidos segundo a tipologia construída (bar tradicional/bar moderno).
Contudo, a pesquisa de campo aponta para a complexidade dos locais
pesquisados. Em consonância aos pensamentos de McKinney (1966) nota-se
que a simples oposição de bares construída para os tipos ideais não
compreende suficientemente a realidade empírica dos estabelecimentos, ainda
que permita comparar dados empíricos aos tipos ideais construídos. O recurso
metodológico utilizado inicialmente é contornado a partir de tipos descritivos de
estabelecimentos, construídos ao longo da pesquisa de campo e já em período
de análise, tendo em vista os objetivos específicos do projeto e às teorias
tomadas.
Duas tipificações descritivas pensadas ao longo da pesquisa de campo
compõem a caracterização de bares restaurantes: uma referente à cultura do
trabalho (familiar ou empresarial); a outra referente à interação entre garçons
clientes e consumidores (informal ou formal). Em seguida, já na fase de
análise, as construções discursivas a respeito dos estabelecimentos foram
adequadas nas tipificações. A pretensão metodológica das tipificações é a de
alcançar de maneira mais eficaz a complexidade dos estabelecimentos
selecionados e principalmente transpor fatores ora ligados à tradição, ora à
modernidade.
As tipificações elaboradas consideram então modos de direção de
estabelecimentos, maneiras de organizar o trabalho e formas de consumo no
que se refere ao tratamento efetivado entre garçons e clientes e consumidores.
Esclarecimentos sobre as tipificações descritivas serão apresentados ao longo
do texto. Aqueles referente à cultura do trabalho vêm logo a seguir; os
referentes a interações entre garçons e consumidores e clientes serão
explicitados na terceira parte da dissertação. Por ora basta dizer que a cultura
do trabalho familiar e as interações informais entre garçons, clientes e
consumidores remetem ao tipo de “estabelecimento tradicional”. Já a cultura do
44
trabalho empresarial e as interações formais entre garçons e clientes e
consumidores relacionam-se ao “estabelecimento moderno”. Um
estabelecimento pode ser então definido conforme as seguintes combinações
explicitadas no Quadro 2:
QUADRO 2 – COMBINAÇÃO DE ESTABELECIMENTOS SEGUNDO AS
TIPIFICAÇÕES DESCRITVAS
Cultura do trabalho Interações entre garçons e consumidores e clientes
Familiar Informal
Empresarial Formal
Familiar Formal
Empresarial Informal
2.3 Cultura do trabalho: familiar e empresarial Adota-se aqui a posição de S. Benson (1988), que considera a cultura
do trabalho como as “ideologias e práticas com que os trabalhadores
demarcam, de modo relativamente autônomo, a esfera de ação do trabalho”
(BENSON, 1988, p. 228). Esse conjunto remete à acumulação informal de
valores e regras habitualmente utilizados, transmitidos e impostos e está de
acordo com a estrutura de autoridade do local. Para Benson a cultura do
trabalho é criada pelos trabalhadores para enfrentar limitações e maximizar as
possibilidades no trabalho. Nela estão incorporadas as noções que os
empregados têm acerca do trabalho. A cultura do trabalho está atrelada ao
mesmo tempo à gestão do estabelecimento e a gestão própria do empregado
no trabalho e constitui um resultado da combinação de ambos. Além disso, sua
compreensão aprimora a análise das interações estabelecidas no local de
trabalho.
Quanto à construção dos tipos ideais relativos à cultura do trabalho de
bares restaurantes tomou-se como base a argumentação de Boltanski e
Chiapello apresentada no livro O novo espírito do capitalismo (2009). Os
autores escrevem sobre as mudanças ocorridas nas empresas ao longo do
45
século XX acerca do processo econômico em contexto da França. Duas
descrições tipificadas do espírito do capitalismo26 foram criadas. Para tanto a
literatura da gestão empresarial voltada para executivos é utilizada como base,
pois além do caráter técnico possui teor moral, trata-se de uma literatura
normativa que visa estimular e atrair executivos. Textos da década de sessenta
e da década de noventa, do século passado, foram comparados pelos autores
na tentativa de compreender o processo de transformação do espírito do
capitalismo. A primeira tipificação remete ao início do século XX e ao
capitalismo familiar, em que “proprietários e patrões eram conhecidos
pessoalmente por seus empregados, o destino e a vida da empresa estavam
fortemente associados aos destinos de uma família” (p.51). A figura do burguês
empreendedor e a descrição dos valores burgueses estão no centro desta
tipificação. Ambos
contribuem com os elementos de segurança numa combinação original que associava as disposições econômicas inovadoras (avareza ou parcimônia, espírito poupador, tendência a racionalizar a vida cotidiana, em todos os aspectos, desenvolvimento de habilidades contábeis, de cálculo e previsão) posicionamentos domésticos tradicionais: importância atribuída à família, à linhagem, ao patrimônio, à castidade das moças (para evitar comportamentos desvantajosos e dilapidação do capital); caráter familiar ou patriarcal das relações mantidas com os empregados (BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2009, p. 49).
A segunda tipificação do espírito do capitalismo é desenvolvida nos anos
trinta a sessenta e representa a separação entre propriedade e direção. Trata-
se do capitalismo de empresa; nela é central a figura nova de profissionais
como diretores e administradores assalariados, “à qual é progressivamente
transferido o gerenciamento operacional das grandes empresas, já que os
proprietários se confinavam ao papel de acionistas” (CHANDLER, 1988 Apud
BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2009, p. 85). Neste tipo de empresa, a família é
desvinculada dos negócios. A burocratização é um processo corrente, há a
hierarquização dos postos e a presença de supervisores cada vez mais
26
O espírito do capitalismo não é entendido para os autores como em Max Weber. O espírito capitalista weberiano remete aos motivos éticos relacionados ao protestantismo que inspiram as ações de empresários em prol da acumulação capitalista na gênese do sistema capitalista. Boltanski e Chiapello buscam saber das razões morais que corroborem aliar-se ao capitalismo. Para eles o espírito do capitalismo é “a ideologia que justifica o engajamento no capitalismo” (BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2009, p. 39).
46
qualificados bem como a existência de acionistas anônimos. A seguir a
descrição de Boltanski e Chiapello (2009) do tipo “capitalismo de empresa”:
Centrada no desenvolvimento, no início do século XX, da grande empresa industrial centralizada e burocratizada, fascinada pelo gigantismo, essa caracterização tem como figura heróica o diretor que diferentemente do acionista que procura aumentar sua riqueza pessoal, é habitado pela vontade de aumentar ilimitadamente o tamanho da firma que ele dirige, com o fim de desenvolver uma produção de massa, baseado em economias de escala, na padronização dos produtos, na organização racional do trabalho e em novas técnicas de ampliação dos mercados (marketing) ( p. 50).
Segundo os autores há separação entre propriedade e direção, ou seja,
o proprietário não necessariamente está na chefia da empresa, o que recai na
profissionalização de cargos executivos, já que os proprietários de empresas
desejavam serem mais autônomos e compartilhar poder de decisão e por
vezes até criavam níveis hierárquicos, mas não distribuíam poder. A direção
passa a ser menos centralizada na figura do proprietário, a empresa deixa de
ser pessoal e dirigida por uma burguesia patrimonial e passa a ser dirigida por
uma burguesia de dirigentes assalariados e qualificados a nível superior. A
separação entre patrões patrimoniais e executivos assalariados desvela críticas
em relação ao modo de direção tradicional:
A legitimação dos executivos tem como reverso negativo a deslegitimação do patronato tradicional, a crítica à mesquinharia, ao autoritarismo e a irresponsabilidade que demonstram. São especialmente denegridos os pequenos patrões, acusados de abusar de seu direito de propriedade, de confundir os interesses de empresa com as da família, instalando os integrantes incapazes em postos de responsabilidade, e de pôr em perigo não só a sua a sua própria firma como a sociedade inteira por ignorarem as técnicas modernas de administração das organizações e comercialização dos produtos (BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2009, p.96)
Os mecanismos criados como solução para a centralização da direção e
motivação dos trabalhadores são descritos pelos autores, tais como a
administração por objetivos e a meritocracia. A administração por objetivos
consiste em conceder certa autonomia aos executivos diante de suas funções.
Os critérios de avaliação de desempenho são objetivos e visam ponderar
promoções de trabalhadores e nortear planos de carreira. Dessa forma a
47
ordem vigente nas empresas é racionalizada e valoriza-se o mérito. Em
contraposição, julga-se que as empresas familiares avaliam os trabalhadores
de forma subjetiva, portanto de forma injusta. Além disso, “os novos sistemas
de avaliação também se caracterizam por acabar com a promoção por
antiguidade, que só recompensa a fidelidade – valor doméstico por excelência
–, mas não a eficiência” (BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2009, p. 95).
Boltanski e Chiapello acreditam que diante da elevação do nível
educacional e do fenômeno do individualismo emergem também justificações
morais contrárias as relações de dominação e de hierarquia nas empresas. A
organização do trabalho passa a ser mais horizontal, os trabalhadores não
dependem mais dos patrões para trabalhar, se organizam em equipes e são
relativamente autônomos para realizar suas tarefas. Contudo, perante a alta
concorrência a lógica do trabalho passa a privilegiar o cliente, ele se torna o
patrão dos trabalhadores e exerce controle na lógica de trabalho. Trata-se da
mudança do controle para o autocontrole focando na satisfação do cliente27.
No livro O fim da Ideologia Bell dedica o capítulo O desaparecimento do
capitalismo familiar para abordar o assunto. Segundo Bell o capitalismo familiar
está relacionado à propriedade e ao casamento dinástico. A propriedade
possibilita poder e o casamento dinástico possibilita a transmissão da
propriedade pelas leis da herança, conservando, assim, a empresa familiar. No
entanto, a relação entre família e propriedade tem sido minorizada, por alguns
motivos, de ordem econômica ou relacionados a formas de organização
familiar. Os econômicos referem-se, sobretudo, à estima pela utilização de
técnicas administrativas na empresa, ao invés do privilégio das relações
familiares no trabalho. As mudanças na constituição das relações familiares
também contribuem para a modificação do capitalismo:
Na sociedade burguesa, o matrimônio era um meio para manter as relações sexuais dentro de determinados limites; no casamento burguês, como observou com espírito Denis de Rougement, cada mulher tinha um marido e desejava uma amante. As grandes novelas
27
D. Linhart (2007) identifica a “empresa participativa” e a figura central do cliente na
nova dinâmica de trabalho de forma negativa, o controle outrora exercido pela tecnologia passa a ter o cliente como o pressionador do trabalho e os colegas de trabalho tornam-se competidores para diferenciar o atendimento prestado. Segundo a autora esta estratégia de gestão preconiza o equilíbrio e o consenso e desconsideram a desigualdade de status dos trabalhadores.
48
européias do século dezenove – Ana Karênina, de Tolstoi, Madame Bovary, de Flaubert, com sua geometria do adultério, ilustram este paradoxo. O desenvolvimento do romantismo, a grande importância atribuída às ligações individuais e á livre escolha do companheiro, a tradução das paixões em termos seculares e carnais – tudo isso trabalhou contra o sistema de casamento “dinástico”. A emancipação da mulher significou, num certo sentido, o desaparecimento de um dos aspectos estáveis da sociedade burguesa. Se as mulheres pudessem casar-se livremente, inclusive desrespeitando as fronteiras de classe, o sistema econômico com que o matrimônio “dinástico” estava entreligado perderia em parte sua continuidade (BELL, 1980, p. 34).
Bell acrescenta que é preciso entender a conjuntura econômica que
marcou os Estados Unidos no período de 1890 a 1910 para entender o trânsito
do capitalismo. A crescente expansão industrial até o fim do século XIX
proporcionou diversas crises econômicas que foram contidas pelo sistema
financeiro. Os banqueiros assumiram a função de reorganizar empresas em
crises. Um novo profissional é então empregado, o gerente. Trata-se da origem
do “capitalismo financeiro” nos Estados Unidos e da separação entre
propriedade e família. Todavia, na medida em que os gerentes se mostravam
suficientemente capazes para desempenhar sua função, o papel realizado por
banqueiros é suprimido. Assim, continuadamente, cada vez mais, gerentes
reinvestem e buscam o lucro.
Através do processo de esgotamento do capitalismo familiar
apresentado por Bell nos Estados Unidos nota-se que o acesso ao poder não é
mais ditado pela herança familiar, pela propriedade privada, mas pela
competência técnica adquirida.
Bell destaca ainda que a empresa familiar tem mais fôlego na Europa,
por causa da “persistência dessas empresas, caracterizadas pela prudência, o
conservadorismo e a rejeição do capital externo” (1980, p. 34). Já nos Estados
Unidos não prevalecem obrigações de herança e há a ideia de que o indivíduo
deve-se estabelecer a partir do desenvolvimento de suas próprias capacidades
e não suceder o pai. Boltanski e Chiapello argumentam a este respeito:
A eliminação dos comportamentos vinculados a uma lógica doméstica é tarefa urgente na velha Europa, especialmente na França, ainda impregnada por um passado feudal de alianças e privilégios. Por toda a parte se encontram resquícios do Antigo Regime, e, seguindo o exemplo dos Estados Unidos, que tiveram a sorte de nunca terem sido submetidos por esse tipo de regime e de terem sido constituídos
49
já de início com a sociedade de iguais, é urgente dar-lhe o golpe de misericórdia. A adoção dos métodos americanos, mais democráticos, mas também mais eficazes, é também sentida na França como uma questão de sobrevivência, pois o poder dos Estados Unidos é tal, que os autores franceses têm medo de não conseguirem resistir a uma invasão econômica (p. 95).
As considerações de, Boltanski e Chiapello, quanto às formas de direção
foram aqui incorporadas para construir os tipos descritivos de cultura do
trabalho em bares restaurantes. A predominância em cada estabelecimento
dos três seguintes aspectos é avaliada: a presença ou não do(s) proprietário(s)
na dinâmica do estabelecimento; a relação existente entre a direção e os
trabalhadores e; o desenvolvimento da organização do trabalho. O Quadro 3 a
seguir ilustra a tipologia construída:
QUADRO 3 – TIPOLOGIA PARA A CULTURA DO TRABALHO
Variáveis
Tipos descritivos
Bar Tipo Tradicional Bar Tipo Moderno
Cultura do trabalho
“familiar”
Cultura do trabalho
“empresarial”
Proprietário Presente na dinâmica do
estabelecimento
Ausente na dinâmica do
estabelecimento
Organização do trabalho Individual, seguindo
ordens da direção
Em equipes, decidindo
tarefas coletivamente
Relação entre direção e
trabalhadores Pessoal Impessoal
A análise pioneira de Foote Whyte da “estrutura social do restaurante”
influiu bastante na construção da tipologia de cultura do trabalho aqui
considerada. Em 1949 o sociólogo publicou um artigo com a intenção de
discorrer sobre as principais diferenças entre fábricas e restaurantes,
principiando pela relação tripartite dos estabelecimentos de serviços, que
incluem o consumidor no processo de trabalho. Foote Whyte apresenta, nesse
artigo, cinco estágios de desenvolvimento de restaurantes, pois em
50
restaurantes pequenos os problemas de coordenação e atendimento ao cliente
são relativamente simples, mas não em grandes estabelecimentos que
necessitam de uma maior estrutura para atender todas as demandas. Os
estágios elencados por Foote Whyte ajudam a compreender a tipificação da
cultura do trabalho e as mudanças que ocorrem em estabelecimentos de
alimentação.
No primeiro estágio, em restaurantes pequenos, há pouca divisão do
trabalho: o proprietário e os outros funcionários atuam em todas as funções:
balconistas, lavadores de pratos, atendentes, basicamente todos dispensam
ordens pelo balcão.
No segundo estágio ainda há flexibilidade e informalidade nas atividades
desenvolvidas. O proprietário conhece a maior parte dos clientes. O
estabelecimento ainda não requer elaboração formal de papéis de trabalho,
bem como controles. O aumento nos negócios solicita certa divisão de trabalho
(lavador de pratos, funcionários de cozinha, funcionários que recepcionam
clientes, etc.). Apesar disso, o proprietário ainda consegue intervir diretamente
nos problemas de coordenação do restaurante.
O crescimento dos negócios leva ao estágio três, caracterizado pelo
aumento da complexidade da organização e do tamanho físico do
estabelecimento. Somado a isso, gerentes e/ou supervisores são contratados
já que o proprietário não consegue mais realizar todas suas funções.
O estágio quatro emerge quando o proprietário percebe que se
aumentar a divisão do trabalho pode receber um número maior de clientes.
Atividades são criadas para diminuir o trabalho de alguns funcionários e torná-
lo mais específico e eficiente. Passam a existir: o supervisor de controle de
qualidade, o funcionário responsável pela bebida (bartander), o trabalhador da
copa, o carregador de louças, atendentes de despensa etc.
Basicamente o último estágio apresentado é caracterizado pela
existência de outros níveis de autoridades, exercidas por funcionários
localizados em um escritório central.
O artigo de Foote Whyte ilustra de forma bastante clara a tipologia criada
para a cultura do trabalho em bares restaurantes. O crescimento do
estabelecimento e o acentuamento da divisão do trabalho na prestação de
serviços modificam a cultura do trabalho de diferentes formas. Isto remete ao
51
tema abordado no tópico seguinte, a caracterização dos estabelecimentos
pesquisados.
2.4 Bares restaurantes e cultura do trabalho A seguir os oito bares restaurantes pesquisados serão previamente
apresentados. Depois os estabelecimentos são analisados em relação às
culturas do trabalho, de forma comparativa.
2.4.1 Bares restaurantes de Campinas
O Bom Bar é um antigo estabelecimento de Campinas, passa dos 50
anos e foi classificado como representante da cultura do trabalho do tipo
familiar. O estabelecimento já teve três donos, o atual proprietário, o português
João, está no comando há dezessete anos. A trajetória de trabalho do
proprietário do Bom Bar é ascendente, começou como empregado. É
relativamente comum no ramo que empregados se tornem, ou ao menos
desejem, serem proprietários de estabelecimentos na área. João, por atuar no
ramo e ter estudado pouco acabou tornando-se dono de bar. Atualmente o
estabelecimento conta com a colaboração de mais de trinta funcionários.
Quatro garçons atendem pouco mais de trinta mesas. Também existem
clientes que se acomodam sob a mureta ou em pé de frente ao balcão. A
mureta divide os dois espaços do bar: a parte interna com poucas mesas de
madeira e a parte externa, com mesas de plástico na calçada. O lugar
consegue atender cerca de até duzentas pessoas. João é presente na
dinâmica do bar, no entanto, não fica o tempo todo no lugar, ele é responsável
pelo comando do lugar no primeiro turno e no segundo turno um sócio
minoritário assume. O entrevistado não sente a necessidade de estar no
estabelecimento durante o período noturno, mas comumente passa para
conferir o ambiente. O Bom Bar funciona quase vinte quatro horas por dia, pois
fecha de madrugada, dependendo do dia mais cedo ou tarde e abre às seis da
manhã. Muitos vão ao bar apenas para comprar quitutes para levar, na parte
da manhã ou no mais para o fim da tarde o movimento na parte de dentro do
52
bar lembra uma padaria. Acima do balcão, por exemplo, há um quadro de
preços. Pratos-feitos são serviços no horário do almoço, no dia de sexta-feira
há uma opção especial: a bacalhoada. Os funcionários do Bom Bar, de modo
geral, logram um tempo considerável de serviço prestado ao estabelecimento.
Não há música ambiente ou apresentações de músicos. O som local é das
pessoas conversando, é um lugar de convivência de amigos e de
desconhecidos. Trata-se de um bar frequentado por várias classes sociais, mas
a classe média predomina. O Bom Bar é localizado no Bairro Cambuí, região
antiga e nobre da cidade. No Cambuí concentra-se a maior parte dos
estabelecimentos do ramo de serviços de alimentação da cidade, já que
predominam bares, restaurantes, cafés, lanchonetes e boates. Em frente ao
estabelecimento há uma exuberante igreja que é um ponto turístico e centro
cultural da cidade. Na praça há um teatro e muito dos que frequentam o teatro
passam pelo Bom Bar. Também ocorre na praça uma feira de artesanato e
antiquários semanalmente. O local é conhecido por ser um ponto de encontro
de jornalistas por ficar aberto até tarde e por ser anteriormente bastante
frequentado por estudantes universitários da cidade.
O Balhego Imperial foi classificado como próximo à cultura do trabalho
do tipo empresarial. Talvez ele seja o estabelecimento do ramo mais antigo de
Campinas, está quase completando os seus 80 anos. O Balhego modernizou-
se junto à cidade; possui filiais e existem acionistas que investem na marca.
Entretanto o nome do bar, que advém do sobrenome do primeiro proprietário,
um imigrante, permanece. Além disso, uma rede de padarias da cidade
pertence aos proprietários do Balhego; a rede fornece salgados para o
estabelecimento. Na década de 1980 o bar foi vendido para um português, daí
virou rede e se expandiu. Neste sentido é um bar “sem dono”. Ao longo do
processo de modernização parte das demandas de consumo foi atendida. Além
do Balhego Imperial, localizado no Centro da cidade, existem mais dois outros
estabelecimentos em Campinas, O Balhego Hall e o Balhego Cambuí. O
primeiro é localizado em um dos shoppings da cidade e o outro em um Bairro
nobre da cidade. O Imperial permanece no mesmo local desde o princípio. É
um local pequeno e aconchegante, ao contrário das filiais que comportam o
número bem maior de frequentadores. A marca do Balhego é levada para
outras filiais e é adequada ao local e a clientela, em contrapartida o Imperial é
53
conservado. Por isso, possui ao mesmo tempo uma clientela cativa e uma
passageira, composta por curiosos turistas, por exemplo. Gerações passam
pelo estabelecimento, desde avós a netos e muitos funcionários permanecem
trabalhando no local e percebem o fluxo familiar. Na entrada há um pequeno
espaço para exposição de produtos que levam a marca Balhego: tulipas,
camisetas, bonés, etc. É necessário frisar que o bar pesquisado foi o Balhego
Imperial, contudo, uma apreciação das filiais foi realizada para contextualizar a
marca. O estabelecimento é em um pequeno prédio com três andares: no
térreo é o bar; no primeiro há o banheiro para clientes e o depósito; no segundo
andar há uma barbearia comanda por um senhor e também tem um senhor que
conduz um ponto de jogo de bicho; o terceiro andar é destinado para os
trabalhadores do Balhego, nele há banheiro e armários para guardar objetos
pessoais. Antes da compra do prédio do estabelecimento, o prédio era alugado
para três contratantes (o Balhego, o barbeiro e o bicheiro). Quando o prédio foi
adquirido pelo Balhego, os atuais proprietários preferiram manter ambos,
barbeiro e bicheiro, no local por estarem no prédio há muitos anos.Para o
barbeiro Elídio foi dito de modo taxativo “compramos o prédio com o que tinha
dentro, você fica aí”. Para ir até ambos é preciso passar pelo Balhego, não há
uma entrada diferenciada, existe a brincadeira de que para ir visitá-los é
preciso “pagar pedágio para o Balhego”, ou seja, beber um chope antes. Sete
garçons são responsáveis pelo bar, na parte interna dele, existem vinte e
quatro pequenas mesas de madeira redondas e na parte externa, na calçada,
onze mesas de ferro. O Balhego Imperial abre logo pela manhã e recentemente
passou a servir almoço. Músicas não são tocadas no bar. A partir da década de
1970 as mulheres começaram, timidamente, a frequentar o Balhego. É que
antes disso a entrada de mulheres era coibida, se não proibida, era um
ambiente eminentemente masculino, por isso as mulheres tinham receio de
frequentá-lo, por medo de serrem mal vistas por estarem ali. No entanto,
muitas iam até o local encomendar pratos; pediam do lado de fora e lá mesmo
esperavam. As mais modernas por vezes entravam. Nesta época tratava-se de
um “botecão”, segundo o gerente Pereira, o local passou por reformas para
adaptar a presença de mulheres (mais rigor na limpeza, pratos mais leves,
opções de bebidas não alcoólicas). Atualmente a maior parte da clientela do
Balhego Imperial é masculina, mas existe a presença de mulheres. O Pereira
54
afirmou que os clientes que não gostavam da presença de mulheres no bar “já
morreram”. Entretanto, a paquera não é bem vista por lá, trata-se de um
ambiente do tipo familiar.
O Gira Mundo Bar foi classificado como próximo à cultura do trabalho do
tipo familiar. É um estabelecimento recente, está há 6 anos no mercado e é
localizado no Bairro Cambuí, mais especificamente no local em que o “agito” de
Campinas é concentrado. O atual proprietário do estabelecimento, Jan,
começou junto com um sócio, que investiu financeiramente no negócio e o Jan
colaborou, sobretudo no conhecimento que tinha do ramo e com o trabalho. É
que Jan trabalhou muitos anos em renomados estabelecimentos da cidade
como garçom. Ele sempre alcançou sucesso no que se refere ao atendimento
ao cliente e ainda é popular na cidade devido ao trabalho no ramo durante mais
de duas décadas. O sócio deixou o negócio e agora apenas Jan está no
comando. O fato deste ser uma figura conhecida na cidade ajudou bastante o
Gira Mundo, muitos tornaram-se clientes do bar por sua causa. Jan
normalmente fica no estabelecimento; entretanto existem outros funcionários
que o ajudam a gerenciar o bar: uma pessoa da família cuida do departamento
financeiro, um amigo de infância é gerente e outro responsável pelo salão. Um
diferencial do local é que todos os dias há música ao vivo. Por isso, para entrar
no lugar é preciso desembolsar um valor considerável, não se trata exatamente
de um couvert artístico, é que o bar é realmente fechado. Inicialmente a
proposta do bar era outra, a de um estabelecimento alternativo, em que música
regional e música popular brasileira seriam apresentadas em shows ao vivo. A
ideia era remeter à “época de ouro do Cambuí”, época em que o Cambuí era a
“Broadway campineira, na década de oitenta, noventa” (palavras do Jan).
Neste período a Música Popular Brasileira era privilegiada nos bares de
Campinas. Entretanto, o número de estabelecimentos no Cambuí começou a
crescer demais, inclusive lugares com propostas semelhantes, além disso,
alguns transtornos surgiram como o trânsito excessivo na região e a falta de
estacionamentos e o cartel dos vigias de carros, que cobram altos preços e
adiantadamente para vigiar o veículo. Muitos consumidores preferem buscar
locais mais tranquilos. Consequentemente o tipo de cliente do Cambuí, de
modo geral, foi modificado. Para agradar os jovens o estilo musical do bar
predominante é o pop rock. O Gira Mundo deixou de ser um local do tipo ponto
55
de happy hour alternativo para uma balada noturna da moçada. Por dois anos
seguidos o bar foi coroado pela revista Veja como o “Bar para paquerar”. O
Gira mundo tem outra especificidade, é decorado pó objetos de outros países e
por bandeiras, de diversos estados e países, todas doadas por clientes por isso
muitos estrangeiros vão até o estabelecimento. Possivelmente os taxistas
colaboram nesse sentido. O cardápio do lugar é pensando em torno de lugares,
diversas cidades, estados e países são homenageados. Isso porque Jan é um
viajador nato. O Gira Mundo tem como estratégia para fidelizar clientes: o
Clube do Uísque. Funciona assim: a pessoa compra a garrafa de uísque e tem
privilégios na casa, tem acesso direto ao bar, ou seja, não é preciso utilizar a
fila, tem um caixa exclusivo, uma pulseira com cor diferente especifica quem
faz parte do clube. O número de garçons é pequeno para o estabelecimento,
existem apenas seis garçons trabalhando no local e um cumim os auxilia; às
vezes, dependendo do dia um free lancer é chamado. Entretanto, o temporário
estava trabalhando lá há cerca de três meses e a expectativa era de contratá-
lo. Os clientes podem fazer pedidos de bebida direto no balcão, para o
barmens, que são três, e também há um chopeiro. O pedido é marcado na
comanda eletrônica, que cada cliente recebe ao entrar no estabelecimento. O
cartão controla o número de pessoas que ingressam; quando a casa está
lotada, mais de quatrocentas pessoas se acomodam no local, em pé ou nas
mesas.
O Vila Cambuí 1 foi considerado um estabelecimento estritamente
pertencente à cultura do trabalho do tipo empresarial. É um estabelecimento
renomado de Campinas, na cidade possuem duas unidades do local, o Vila
Cambuí 1 e o Vila Cambuí 2. O Vila Cambuí 1 é o primeiro e já está no
mercado há 11 anos. É localizado no Bairro Cambuí e o outro no Gramado. O
estabelecimento emprega profissionais especializados e os proprietários, dois,
são pouco presentes na dinâmica do bar. O diálogo deles é restrito aos
profissionais da área da administração: marketing, comunicação, financeiro e
outros. O lugar é bonito e muito organizado e limpo, além disso, possui
estacionamento próprio. O estabelecimento é grande, acomoda cerca de
56
quinhentas pessoas. Dez praças28 dividem o ambiente, no verão aumenta mais
uma, porque são colocadas mesas no jardim. Dez garçons cuidam do espaço.
Não é permitido o atendimento direto no balcão, apenas direto com o garçom.
Além dos dez garçons, existem dois cumins, um maître, um chefe de fila29. Se
necessário, free lancers são solicitados. Existem mesas de vários tamanhos,
mas sentados acomodam-se cerca de trezentas pessoas. O local recebe
muitos estrangeiros, mas de modo geral o público é diversificado e composto
predominantemente por pessoas da alta classe média. Não há música ao vivo,
mas DJ’s são chamados para animar a noite; o estilo de música predominante
é música eletrônica, mas, mais cedo é tocado MPB. No Vila Cambuí 1
acontece uma espécie de happy hour, mas não é um bar restaurante para ir
direto do trabalho, é um local sofisticado, as pessoas se produzem para ir até
lá. O lugar serve almoço, por isso os garçons têm dois turnos de trabalho. Há o
Clube do Cambuí, um clube de destilados, como o Gira Mundo, participando o
cliente tem vantagens. A profusão de marcas no local é corriqueira existe: na
camiseta dos garçons, nos banheiros, nas paredes, no bar, no local destinado
a espera, dentre outros tantos30. Festas são realizadas para confraternizar
clientes e comemorar o aniversário do estabelecimento, convites são
mandados diretamente para a casa dos aclamados convidados.
2.4.2 Bares restaurantes de Goiânia O Arena foi considerado um estabelecimento pertencente à cultura do
trabalho empresarial, embora não atenda às três variáveis relacionadas ao tipo.
Existe há cerca de 2 anos e meio e é localizado no setor Marista. O Marista é a
28
Praça é um termo utilizado pelos garçons para demarcar a área que cada garçom está
responsável por atender. Ou seja, o estabelecimento é dividido em espaços e cada garçom é responsável por atender um destes espaços, que são chamados por eles de praça. 29
Ambos, maîtres e chefes de fila, controlam o serviço prestado pelos garçons. O maître
tem a função de supervisionar o serviço de garçons, basicamente é responsável por planejar a rotina de trabalho, coordenar e treinar e equipes de estabelecimentos. É comum que os maîtres tenham sido garçons no passado e tenham alçado tal posição ao longo de sua trajetória ocupacional. Dentro da estrutura de estabelecimentos de alimentação também existem os chefes de fila, eles são responsáveis por: recepcionar clientes, averiguar o nível de satisfação do cliente, fechar contas e organizar a lista de espera. 30
Carmen Rial escreve sobre o assunto e identifica nos fast foods a profusão de publicidade em elementos não tradicionais, como a TV, cinema, jornais, rádios, ou em out-doors. Segundo ela “os fast foods inovaram também na introdução de publicidade em suportes anteriormente neutros, como o cardápio e a toalha de mesa (1996, p. 94).
57
região de Goiânia que atualmente mais concentra bares e boates da cidade;
também existem restaurantes e alguns cafés. O Arena possui dois sócios,
ambos amigos e jovens, com idade aproximada de trinta anos. Ian e Júlio já
trabalhavam em Goiânia promovendo eventos, festas, shows. Além disso, o
Júlio era sócio de uma boate sertaneja de Goiânia. Eles decidiram abrir um bar
por gostarem e frequentarem muitos, a ideia era construir um “com a cara
deles”. Outro fator considerado foi o número de conhecidos e amigos na
cidade. O Ian está sempre no Arena, já o Júlio vai as vezes, então quem toma
conta e é responsável no dia-a-dia é o Ian. Entretanto, a mãe do Júlio trabalha
na parte administrativa da empresa. Os clientes são fundamentalmente os
amigos dos donos, os que se tornaram amigos deles após a criação do bar e
os outros que apreciam o local. Os amigos dos proprietários e os proprietários
costumam ficar em uma mesa específica, logo na entrada do estabelecimento.
Dali a rotina do ambiente é observada. Os donos acabam por fazer “o social”
para os amigos e ao mesmo tempo avaliam o serviço prestado e a qualidade
dos produtos ofertados. Para eles o trabalho também envolve a diversão. O
estilo musical do bar é o sertanejo, há um DJ no comando. Por toda parte tem
TV’s exibindo clipes de música, ou lutas. Contrariando o estilo, a decoração
não remete ao sertanejo, há muitos quadros de filmes e artistas (Beatles,
Poderoso Chefão, Michael Jackson, Elvis etc.) frases de poetas, objetos
antigos, artigos de futebol. Nas paredes também há propagandas de bebidas,
cigarros, mas são discretas, parecem compor a decoração. Há propagandas no
uniforme dos garçons também. Ao longo da noite, mulheres bonitas panfletam,
divulgando lugares, festas, shows. O Arena acomoda duzentos e cinquenta
pessoas sentadas e a lotação máxima acontece mais nos fins de semana. Ao
todo são trinta e seis funcionários, sendo que nove são garçons, um cumim e
um maître. O maître da casa trabalhou quase dez anos na famosa Choperia
Matilha, apenas saiu da casa devido à proposta do pessoal da Arena ser
bastante atrativa. O Ian e o Júlio conheciam o trabalho do maître no Matilha e
resolveram chamá-lo para coordenar o serviço de atendimento ao cliente no
Arena. Ele também é responsável pela fila de espera. O bar tem vários
ambientes, do lado de fora, na calçada, existem dez mesas de plástico, o salão
maior possui trinta e uma mesas e é o lugar mais disputado, o salão superior,
com doze mesas, o mais próximo da cozinha e do bar, cinco mesas
58
americanas em frente aos banheiros e cerca de quinze bancos espalhados ao
redor do bar. O Arena faz uso do comércio eletrônico em sites de compra
coletiva. Segundo o Ian é uma forma de fazer propaganda do estabelecimento.
Apesar de aparecer clientes que destoam do perfil do lugar, ele acredita que
trás mídia para o lugar e conquista novos clientes que se identificam com o
estabelecimento. É uma maneira de manter o comércio intenso diante de tanta
concorrência.
O Cidinho Petisqueria foi considerado um estabelecimento estritamente
pertencente à cultura do trabalho familiar. Ele está localizado no Setor Oeste e
está no mercado há 21 anos. No início era uma pequena lanchonete em frente
a uma escola; com o aumento da clientela mudou de lugar duas vezes, mas
sempre tendo no Setor Oeste. No último ponto já são quatorze anos. Ao todo
são cento e quarenta mesas e cerca de vinte garçons divididos pelo salão
interno e parte externa. A casa tem quase sessenta funcionários. À parte
externa é bem maior e é coberta por árvores e toldos. É um ambiente do tipo
happy hour, mas muitos frequentam o ambiente mais tarde, no fim da noite ou
no início da madrugada. Lá não se toca música, às vezes na parte de dentro
alguma MPB como som ambiente. Mas o Cidinho prefere não ter música, para
não desagradar o gosto de distintos clientes. Um diferencial da casa é uma
mesa de petiscos self-service por quilo. A lotação máxima é de seiscentas
pessoas e a rotatividade da casa gira em três vezes ao dia. Inicialmente a
lanchonete sequer tinha nome, mas acabou levando este nome devido à
clientela falar “vamos para o Cidinho?”. O Cidinho comanda o estabelecimento
junto com seus dois filhos. Agora que os filhos estão mais presentes Cidinho
não é tão atuante como antes. Entretanto a popularidade é praticamente toda
do Cidinho. Os clientes gostam de vê-lo no lugar. Um dos filhos cuida mais da
parte administrativa, enquanto o outro do tratamento com os clientes. Devido
estar a família trabalhando e muitos amigos frequentarem o local fala-se na
Família Cidinho. Além disso, muitos funcionários trabalham lá por muito tempo.
A Choperia Matilha foi considerada como pertencente à cultura do
trabalho familiar, mas não atende a todas as características do tipo. Ela surgiu
há 25 anos e atualmente é um ponto gastronômico de referência da cidade. O,
Marcos, proprietário do estabelecimento iniciou o trabalho na área com um
pequeno empreendimento de lava-jato acoplado a um barzinho. O local
59
localizado no Setor Oeste era ponto de encontro de amigos e estudantes. Com
o tempo, com a intenção de diversificar a clientela, um bar restaurante mais
sofisticado foi aberto. Depois outra unidade foi aberta no Setor Marista
(estabelecimento pesquisado); o local é dividido entre choperia e restaurante.
O ambiente passou a ser frequentado por famosos que visitavam a cidade, por
políticos e figuras sociais importantes. Nos fins de semana a clientela é mais
jovem e o clima de paquera toma conta do lugar. A marca Matilha teve
expansão na cidade, além da choperia há dois Empórios Matilha, um
restaurante em um dos shoppings da cidade e o serviço de bufê também é
ofertado. O Marcos tem uma pessoa da família como braço direito na parte
administrativa do negócio. Ele se apresenta no local basicamente para tomar
decisões importantes e resolver questões essenciais. Além disso, visita os
estabelecimentos para verificar a qualidade dos produtos e serviços prestados.
Muitos funcionários são antigos na casa, sobretudo os da cozinha. O ambiente
pesquisado basicamente é dividido em três áreas: restaurante, sem acesso
direto para a choperia; parte interna e superior com mesas de madeira, e parte
externa inferior com mesas de plástico. O som tocado no ambiente é
diversificado, porém discreto, no local há TV’s que passam clipes e, às vezes
jogos de futebol.
O Santa Parada foi considerado um estabelecimento estritamente
pertencente à cultura do trabalho do tipo empresarial. É um bar recente em
Goiânia, não tem sequer 2 anos. Também é localizado no Setor Marista. A
inspiração do estabelecimento vem da Vila Madalena, em São Paulo, local de
grande concentração de bares, boates e restaurantes da capital. O
estabelecimento possui dois andares e é decorado preponderantemente com
imagens de Goiânia. O Vila Marista não tem uma proprietária, que não participa
da organização do estabelecimento e até vai razoavelmente pouco ao local. Ela
possui outro estabelecimento de entretenimento na cidade e exerce também
uma profissão, a advocacia. A gerente, Rafaela, é quem fica no comando do
lugar. Os garçons são direcionados por ela, já que a casa não possui maître. A
Rafaela já havia trabalhado em um renomado restaurante da cidade. Devido
aos seus contatos muitos garçons foram trabalhar no estabelecimento por a
conhecerem. O local não tem estilo happy hour, funciona mais como ponto de
balada. Para se firmar no mercado e aumentar o número de clientes algumas
60
estratégias foram desenvolvidas; o segundo andar tornou-se uma boate, em
que é preciso pagar para assistir shows. A atitude foi tomada muito pela notória
clientela do bar em frente, que tinha música ao vivo. O estilo musical é bastante
variado durante a semana, mas se toca em geral sertanejo, pop rock, pagode,
MPB. Outra estratégia utilizada para conquistar clientes é a utilização de
ofertas em sites de compra coletiva. Pode-se visitar o local quando a promoção
estava em vigência, a clientela bastante variada, com certeza fugia do tipo de
cliente desejado, além de o atendimento ter deixado a desejar, devido ao
número excessivo de pessoas no local e o tipo de serviço ser diferente, pois se
tratava de servir almoço e não bebidas e petiscos como normalmente se faz no
local. No Santa Parada trabalham dez garçons e cada um fica responsável por
dez mesas. Há um rodízio: quem trabalha um dia em baixo trabalha no
seguinte em cima e vice-versa.
Tendo em vista que os estabelecimentos pesquisados foram
apresentados, o Quadro 4 expõe em qual tipo de cultura do trabalho cada bar
restaurante foi inicialmente adequado. Resta ainda esclarecer que alguns
locais são considerados estritamente familiares ou empresariais, mas nem
todos, alguns apenas se aproximam do tipo descritivo elaborado. O
estabelecimento é amplamente considerado familiar e empresarial se atende
todas as variáveis avaliadas: 1) presença ou ausência do proprietário na
dinâmica do local; 2) relação entre direção e funcionários pessoal ou impessoal
e; 3) organização do trabalho individual (seguindo ordens da direção) ou em
equipes (decidindo tarefas coletivamente). Caso atenda apenas duas variáveis
é considerada pertencente ao tipo, mas não totalmente. Claramente, essas
variações se apresentam e é isso que será abordado no tópico seguinte.
61
QUADRO 4 – CLASSIFICAÇÃO DOS ESTABELECIMENTOS SEGUNDO A
TIPOLOGIA DE CULTURA DO TRABALHO
Cultura do trabalho
Familiar Empresarial
Bom Bar Balhego Imperial
Gira Mundo Bar Vila Cambuí 1
Arena Santa Parada
Cidinho Petisqueria Choperia Matilha
2.4.3 Cultura do trabalho: o serviço de garçons em bares restaurantes A princípio será tratada a presença ou ausência do proprietário em bares
restaurantes. Sua presença em estabelecimentos antigos e consolidados no
mercado não é essencial, no que se refere à organização do trabalho de
garçons. Como, normalmente, os funcionários são antigos na casa, já
conhecem o modo de trabalhar e apenas seguem o modelo. Quando novatos
começam o trabalho o aprendizado e a adequação ao local de trabalho
acontece junto aos outros colegas de trabalho. Ao mesmo tempo, nota-se a
preferência em alguns casos, de nomear e instruir funcionários. Como é o caso
do português João, proprietário do Bom Bar: sua trajetória é ascendente,
começou na área como empregado até se tornar dono do próprio negócio. Em
suas palavras, quem “trabalhou em tal lugar, tal lugar, eu não quero, mas se
ele me falar, “não trabalhei em lugar nenhum”, então vem que eu ensino. Claro
que eu levo muito mais tempo”. O fato de não ter trabalhado na área ou em
outros estabelecimentos demonstra que o funcionário não terá manias
inadequadas vindas de outro tipo de local. O funcionário “verde” aprende como
o dono quer que seja sem hesitar. O Cidinho Petisqueria seleciona funcionários
de forma semelhante, prefere os funcionários da casa mesmo, que trabalha em
outras funções, como os cumins, mas possui dois tipos de seleção, como
afirma Cidinho:
62
Ou a gente pega o cumim, o cumim é aquele que começa aqui. Ele vai levar os pratos feitos, vai limpar as mesas, tirar garrafa, trocar cinzeiro. Então esses quando ele começa cumim se o cara for muito bom, você vê que ele tem jeito pra coisa, a gente sobe ele pra garçom. Primeiro dá uma testada, né, vai pondo ele assim no dia que precisa numa praça mais fraca, ai falta um você joga ele ali até... A gente tem esse critério e muitas vezes você está com o cumim e o cumim não tem nenhum perfil pra ser garçom, por exemplo, teve uma época que eu tava com uns quatro ou cinco cumim então tem uma época que os quatro não têm aquele perfil ou ainda não está preparado pra entrar, daí a gente pega algum de alguma casa ou quem vem procurar emprego, saiu por um motivo ou outro, então tem isso, ou é... Ai acontece o seguinte, tem os pretendentes que passam e deixam o currículo. Aí tem o maître, ele faz isso eu não, ele faz a entrevista, tudo.
O Joaquim, dono de um estabelecimento de mais de quarenta anos de
Goiânia, boteco não selecionado nesta pesquisa, declara que, “com o tempo
você vai descobrindo o potencial de cada funcionário, a qualificação você vai
fazendo com o tempo”. Outro fato que ele chama atenção é para a dificuldade
com a mão de obra, que além de ter pouca qualificação o rodízio de
funcionários é considerável. Um fato peculiar notado na pesquisa, é que muitos
garçons saem e voltam para o ramo ou para a casa anteriormente ocupada,
esse assunto será tratado adiante. A seguir, Cidinho expressa uma política de
sua petisqueria sobre o retorno de ex-funcionários:
Teve uma época que a gente não aceitava ex-funcionário, tinha que passar quatro anos. Como a dificuldade era muito grande e tem funcionário que sai por bobeira, outro sai pra tentar outra coisa e não dá certo ai quer voltar, então quando era quatro anos era difícil até passar quatro anos, ai passamos pra dois anos. E ai hoje a gente já abre mão também se o cara for muito bom e quer voltar a gente sempre dá uma chance pra ele. Mas o cara que vai pra fora ele volta bom, porque com a cabeça lá fora, ele viu que aqui o caminho era mais fácil, porque a gente paga rigorosamente em dia, nunca atrasou um pagamento, damos incentivo, damos.
Já no Arena, estabelecimento do tipo empresarial, em que o dono, Ian,
acompanha a rotinha do bar, mas possui um renomado maître coordenando a
atividade dos garçons desde a seleção de funcionários, o processo é diferente.
Ian assegura os critérios avaliados “apenas duas coisas: se for experiente, os
locais que já trabalharam e as referências. Se não for – vontade de trabalhar,
esforçar e crescer”. É relevante frisar que a trajetória de Ian não é ascendente
63
como nos exemplos de estabelecimentos do tipo familiar em que o proprietário
trabalhou em outras casas até montar seu próprio negócio ou começou com
um estabelecimento pequeno até se tornar reconhecido. Casos assim são
como os do João (Bom Bar), Jan (Gira Mundo), Cidinho (Petisqueria do
Cidinho). Ian era um empreendedor de eventos, até se tornar dono de bar. Por
isso, para a seleção de funcionários, requer o auxílio de um maître e a
referência de outros estabelecimentos para trabalhar no Arena. A ideia é que o
trabalhador chegue ao estabelecimento pronto, justamente para que não gaste
tempo para qualificar funcionários. Acredita-se que com a experiência adquirida
em outros estabelecimentos contribua para que haja destreza suficiente para
que o funcionário se adapte as demandas do novo local de trabalho.
Sobre a relação desenvolvida entre a direção e funcionários pode-se
dizer que em estabelecimentos em que o proprietário é presente na dinâmica
do estabelecimento a relação entre o patrão e o trabalhador é de certa
proximidade, pode ser considerada como uma relação pessoal. No Bom Bar,
há relatos de que o João libera funcionários a faltarem do dia de trabalho caso
necessitem por motivos pessoais. João explicita o motivo do seu diferencial no
que se refere ao seu tratamento com funcionários e ainda expõe uma situação
de solidariedade entre ele e um dos seus empregados:
Sabe por quê? Principalmente, eu já fui empregado, eu comecei como funcionário. Com quinze anos vim de Portugal, fui trabalhar atrás de um balcão de bares. (...) Agora eu tenho consciência porque eu fui funcionário, e sei como eles me tratavam, e sei como eu queria ser tratado, por isso trato eles dessa maneira, se eles têm um problema eu tento resolver. Tenho trinta se cada um traz um problema eu tento ajudá-lo a resolver o problema, mesmo particular. Esses dias um funcionário: “nossa meu filho está com problema saiu umas pipoquinhas e não sara”. Eu falei “traz o teu menino” e eu paguei um médico particular para o filho do funcionário. Ele foi fazer a consulta e o médico cobrou R$ 300,00 reais a consulta, levei e paguei. E depois quis saber se o menino sarou, então essas coisas eu sei que faz o diferencial. Eu não faço isso para ganhar nada, eu faço isso porque eu acho que a gente tem que ser útil ao próximo.
Na rotina do ambiente de trabalho João também desenvolve uma
relação igualitária entre os funcionários. O grupo e as pessoas são valorizadas
por ele. Assim, o relacionamento entre os membros do estabelecimento é
64
privilegiado independente das funções ocupadas. O garçom Vilmar expressa
satisfação ao falar sobre o assunto:
Aqui é o seguinte, é maravilhoso, o patrão come junto com você não tem essa “aqui é só os cabeças e os operários tudo pra lá”. Aqui você come o que você quiser. A única coisa que diz é “não jogue fora”. Mas se eu quiser chegar agora e comer dois quilos de bacalhau eu como dois quilos de filé de bacalhau. Ele deixa comer e beber à vontade, todo mundo.
Em outro momento o garçom Vilmar, que já trabalhou no Gira Mundo,
contou como era trabalhar lá. A discrepância no que se refere ao tratamento
dos funcionários e distinção dos mesmos nos dois locais é aparente. Os
utensílios de uso dos funcionários são de qualidade bem diferente do que os
utilizados pelos consumidores. Para tomarem água durante o trabalho copos
de plásticos não descartáveis são utilizados. Isso é válido para os ambientes
usados, a área do bebedor era semelhante a um depósito, cheio de objetos em
volta e com escassa limpeza. A alimentação só pode ser feita durante o horário
do jantar. É uma regra, nada pode ser consumido pelos garçons fora deste
período. Embora, relatos de alimentação escondida feita com os restos dos
pratos dos clientes foram ouvidos pelo próprio Vilmar e outro funcionário da
casa. O garçom Otalício do Bom Bar, que já trabalhou no Balhego, ao escutar a
conversa com o Vilmar acrescentou: “no Balhego, também é assim, garçom
não come o que o cliente come”. Outra diferença do Bom Bar é que se não
houver mesas vagas o garçom pode pedir licença para algum cliente amigo ou
antigo para se sentar e comer. Muito contrastante do que acontece no Vila
Cambuí, que as vias de acesso dos clientes não podem ser utilizadas pelos
funcionários de baixo escalão da casa, ou seja, aqueles que vestem uniformes.
Existem vias especificas e fechadas para que os trabalhadores não sejam
vistos, o que, em muitas circunstâncias, é antioperacional. Já o clima protetor
do Bom Bar é apresentado por Vilmar, ao falar de sua relação com seu patrão,
o João:
Eu falar do seu João é muito suspeito, eu tenho doze anos com ele. Hoje o que eu sou é através dele, quando eu vim pra cá, era um cara completamente descabeçado, então seu João pra mim é como um pai, tudo que faço na minha vida pessoal, primeiro eu consulto ele.
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“Estou pensando em comprar isso, o que você acha e tal” ele dá a opinião dele, se ele falar assim: “não é necessário” não faço negócio não.
No Gira Mundo, estabelecimento considerado do tipo de cultura do
trabalho familiar o garçom Roberto reconhece os problemas de relacionamento
do patrão Jan, por ás vezes ser grosseiro na maneira de tratar pessoas.
Entretanto, gosta do fato de Jan ter o cuidado de questionar se está tudo bem,
perguntar pela família ou se está precisando de algo. Afirma que já trabalhou
em lugares que sequer ouvia a voz do dono, muito menos comprimentos, como
“boa tarde”. Outra situação de que se lembrou, ao falar de Jan, é a respeito de
um funcionário colega da casa que faleceu e ele teve o cuidado de cuidar das
questões formais de um sepultamento, já que boa parte da família estava
distante. Simples atos, como o de o patrão servir um cliente, geram
proximidade no grupo. Ao indagar se o patrão era legal, Roberto responde:
É. Ele já foi garçom. Porque ele entende o lado da gente, às vezes quando está pegando ele está aí começa a ajudar a gente, tira garrafa e vai, atende, ajuda levar pedido, nunca quer se aparecer. Ele sempre fala que um dos melhores serviços da vida dele foi ser garçom, hoje ele tem um lugar devido ele ser garçom, ele dá muita força pra gente. Às vezes na reunião ele fala assim “eu queria que vocês ganhassem dez mil, vinte mil”, ele fala. Eu acho que das casas aqui, a única casa que paga mais certo, certinho é o Gira Mundo. (...) Mas para falar que ele tem dinheiro, ele não tem dinheiro, ele luta na vida dele, uma pessoa que era um cara, que era garçom que teve uma ideia e arranjou um pessoal que ajudasse ele. É uma ótima pessoa, ele é capaz de vender gelo para pinguim, para esquimó.
Por sua vez, na Choperia Matilha, local estabelecido na cidade e que
passou por um processo de expansão do negócio: empórios foram abertos, o
serviço de bufê foi criado e outros restaurantes foram inaugurados, o
proprietário Marcelo não é tão presente na rotina de trabalho da choperia. Isso
é possível porque a casa têm funcionários bastante antigos e de confiança. O
maître de lá, por exemplo, está na função há vinte e três anos e trabalhou
outros anos como garçom na casa. Por isso, muito do que precisa ser resolvido
não é atribuído ao Marcelo. Quando frequenta o estabelecimento raramente
reclama ou dá palpite no trabalho dos garçons. O contato é pequeno entre eles,
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ao falar sobre as passagens dele no local o garçom Dalton diz “ele conversa
com os clientes, mas com nós não”.
No Cidinho Petisqueria foi dito que os problemas do dia a dia devem ser
resolvidos diretamente com o maître, apenas se preciso o contato deve ser
feito com o Cidinho ou algum de seus filhos. Ou seja, existe uma estrutura de
hierarquização instituída e mediada pela descentralização da tomada de
decisões, não mais concentrada na figura do proprietário. Ainda assim, o
garçom Neto, que trabalha há onze anos no estabelecimento, conta situações
em que o patrão se mostra solidário às necessidades pessoais dos
funcionários: “um tempo atrás eu estava com um problema financeiro e ele foi e
arrumou pra mim, ele faz pra mim. Quando eu tive um acidente de moto ele
adiantou um dinheiro pra mim para arrumar minha moto”.
No Balhego casos semelhantes foram relatados: três garçons afirmaram
que, se precisar de ajuda do patrão, possivelmente recebem o apoio. Os
garçons Abelardo, Gerson e Lauro, afirmaram já terem contato com a ajuda
financeira do patrão quando preciso. Abelardo vai além e afirma “quando a
gente precisa de alguma coisa eles ajudam a gente. Financeiramente. Se tiver
um problema para resolver dá orientação, eu acho que eu não quero outro
lugar”. Contudo, os proprietários do Balhego não participam da rotina diária do
estabelecimento, a ampla divisão de trabalho e funcionários especializados
possibilita que estes se ausentem do local, ainda que continuem com certa
relação com os funcionários, até pelo tempo de serviço dos funcionários do
Balhego ser grande.
No Santa Parada a relação entre a direção e funcionários tem sua
especificidade. A proprietária não participa da dinâmica do local; de vez em
quando aparece para conferir como está o estabelecimento, portanto,
praticamente não desenvolve relacionamento com os funcionários. Além disso,
o estabelecimento é recente em Goiânia. Por sua vez, a gerente responsável
pelo bar restaurante tem relação próxima com alguns garçons, porque chamou
alguns deles para trabalhar no Santa Parada por conhecer o serviço dos
profissionais de outros estabelecimentos em que trabalharam juntos e até por
serem amigos. Então alguns possuem posição privilegiada pela direção do
local. Ainda assim, a gerente Rafaela, não tem condições de conferir privilégios
que um proprietário poderia efetivar. Mesmo assim, a proximidade trás
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benefícios. O garçom João conta que sua namorada foi contratada a seu
pedido porque ela estava com ciúmes devido ao trabalho noturno. Além disso,
afirmou ter privilégios por ser o mais antigo da casa, como ligar e dizer que vai
se atrasar, ou até ser liberado durante o carnaval para fazer uma viagem.
Somado a isso, ele contou que é colocado pela direção para atender clientes
especiais na praça de outro garçom, o que gera certo desconforto entre os
colegas de trabalho.
Ian é proprietário do Arena junto com o Júlio, mas apenas Ian, que
acompanha diretamente a dinâmica do local falou sobre sua relação com os
garçons: “amizade cada vez que passa eu tento diminuir, porque eles, não
todos mas, a maioria, são uma coisa aqui trabalhando, e outra fora daqui,
quando saem. Mas o que eles precisam, sempre é dinheiro, e agente tenta
ajudar sempre que possível”. No Arena é o maître Ribeiro quem é responsável
por coordenar o trabalho dos garçons, então os proprietários não dirigem a
palavra para os garçons, quando é preciso criticar falam com o Ribeiro para
que este tome as devidas providências. Isso torna o relacionamento entre eles
ameno. O garçom Sandro dá sua opinião sobre os patrões e do seu superior, o
maître Ribeiro:
. O dono mesmo, o Ian, é super gente boa com todos, ele não tem exceção, brinca com todo mundo, eu vejo aí que ele trata a gente como se fosse irmão, o Júlio é mais fechadão, porque é o homem de negócio. Mas ele é super gente boa também, sempre que eu precisei ele me ajudou, tipo, vale, essas coisas, eu já fiz vale com ele, me ajudou bastante. O Ribeiro o convívio está melhor agora, antes eu vinha pra cá, “nossa eu vou conversar com o Ribeiro”, chegava aqui e ficava na minha aqui, quietinho e ele na dele lá, a gente não se batia não, mas hoje não, hoje eu estou aqui no canto ele vem e me cumprimenta, conversa comigo, nós moramos no mesmo setor, quase vizinhos e antes não dava certo, eu não estava fazendo o serviço correto, pra falar a verdade eu estava acomodando, agora não.
Apesar de algumas divergências entre os colegas de trabalho do Vila
Cambuí o relacionamento entre eles é considerado de maneira positiva. Desde
o gerente de salão, o maître, o chefe de fila, garçons, responsáveis pelo bar e
cozinha. Mas os proprietários, Carlito e Plínio, nunca são mencionados nas
conversas ou entrevistas, apesar de o Carlito estar sempre no estabelecimento,
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na parte reservada para a administração do local. O que é comum na maior
parte dos estabelecimentos como conhecer os proprietários ou fazer pedidos
de vale ou empréstimo de dinheiro, não foi relatado. O relacionamento entre os
proprietários e funcionários é restrito aos empregados de maior escalão. Estes
realizam reuniões e coordenam a dinâmica do estabelecimento junto com os
outros funcionários. Ou seja, o padrão a ser seguido foi estabelecido e cabe a
alguns averiguar se os procedimentos estão sendo realizados com excelência.
No caso do Vila Cambuí então pode-se dizer que a relação existente entre os
patrões e funcionários é impessoal. Possivelmente sequer se conhecem.
Em estabelecimentos burocráticos são considerados por Perrow como
empresas que criam cargos especializados na tentativa de criar rotina nos
processos internos e diminuir a influência de fatores externos para aumentar a
eficiência do trabalho (1972, p. 83). O Vila Cambuí pode ser considerado um
estabelecimento burocrático, ou seja, é uma empresa em que sua estrutura
funcional é pautada claramente pelo nível de: autoridade, informação e
capacidade técnica dos trabalhadores. A ideia é de uma pirâmide de
conhecimentos:
À medida que se desce essa pirâmide hierarquicamente, diminuem as informações técnicas e locais, sobre as referidas circunstâncias, o mesmo acontecendo com o controle sobre os recursos da firma. Verifica-se também a existência de um delineamento mais claro das tarefas de cada pessoa, por seu superior, de modo que tal pessoa pode não só saber o que fazer, em circunstâncias normais, sem precisar consultar ninguém, como pode também saber até que ponto uma situação pode afastar-se da rotina. Além de um certo limite, ela não terá autoridade nem informações suficientes e, normalmente, faltar-lhe-á autoridade nem informações suficientes e, normalmente, faltar-lhe-á capacidade técnica para tomar qualquer decisão. Informa-se-lhe, claramente, portanto, a extensão desses limites, além dos quais só lhe resta um caminho: comunicar os fatos ao superior imediato (PERROW, 1972, p. 62).
Maîtres e chefes de fila ocupam posições superiores aos garçons,
ambos supervisionam o serviços prestado. Por ocuparem um cargo acima da
hierarquia e atuarem diretamente com os garçons podem interferir no trabalho
destes. Maîtres e chefes de fila se vestem de modo diferente do que os
garçons. O uso da gravata para eles é obrigatório na composição da
vestimenta e demonstra o status adquirido por eles. Já em muitos
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estabelecimentos os garçons usam o avental para não se sujarem, caso
aconteça, o avental é virado de lado (Cf. MARRA; REGO; JARDIM, 2002).
Outra interessante característica foi comumente percebida nos locais
pesquisados, tanto em estabelecimentos com cultura do trabalho familiares e
empresariais. Trata-se da contratação por indicação. Amigos e familiares de
garçons, proprietários e até de outros funcionários de bares são recrutados por
serem conhecidos. Obviamente muitos desses amigos são conhecidos por
terem trabalhado juntos em outras casas. Ou seja, além do conhecimento
interpessoal há, às vezes, prévia experiência no ramo. O garçom Vilmar está
no Bom Bar há treze anos e foi contratado por convite do primo, o então
gerente do estabelecimento. O garçom China, do Arena, conta como foi
trabalhar no local “Eu comentei com um amigo meu que trabalha aqui e ele
falou “eu arrumo pra você”, aí liguei e falei com o gerente e ele resolveu me dar
uma oportunidade”. O mesmo aconteceu com o Israel, do Vila Cambuí , “Eu
tinha procurado emprego aqui antes e não tinha conseguido, tinha um amigo
meu que entrou e me indicou, eu vim e fiz o teste, deu certo, o pessoal aprovou
a entrevista”. O Volnei foi trabalhar lavando pratos no Gira Mundo porque o tio
era gerente do lugar. E assim como tantos outros casos documentados. O
garçom Rildo, do Santa Parada, afirma que algumas casas não contratam pelo
currículo, apenas por indicação, segundo ele acontece é que:
Quem indica geralmente somos nós mesmos, nossos próprios colegas. Para você ter um bom restaurante você precisa ter uma boa equipe também. A boa equipe começa dessa forma um indicando o outro, aí a casa vai embora.
Devido ao grande tempo de convivência no trabalho, sobretudo nos
horários de lazer e descanso de amigos e familiares, e devido à contratação de
pessoas conhecidas e próximas torna o ambiente de trabalho de certa forma
“familiar”, pelo menos este pensamento é propagado em frases do tipo
“passamos mais tempo aqui do que com nossos familiares”. No Vila Cambuí,
em que os funcionários dobram o turno, trabalham durante o período do
almoço e noturno isto é evidente, nas palavras do Israel:
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A gente tem uma afinidade muito grande, como se fosse uma família na verdade, é muito bacana. Muito tempo, a gente acaba se apegando um ao outro, como se diz quando acaba acontecendo uma perda, saindo da empresa a gente acaba sentindo bastante. Muito ligado à pessoa no dia-a-dia, a gente acaba vivendo mais com os parceiros de trabalho do que com a própria família, na verdade, se for contar as horas que a gente fica aqui.
Pelo tempo no serviço e convivência próxima há certos desgastes na
equipe de trabalho que lembram brigas e rixas de irmãos. As brincadeiras e
zoações marcam isso. Por vezes há estresse, mas logo “tudo volta ao normal”,
como fala o garçom do Balhego, Abelardo. O Fred, do Cidinho Petisqueria,
expressa o tipo de brincadeira que acontece, bem como o Gerson do Arena,
respectivamente:
Tem de todo jeito. Mas, mais é de mulher “pé de pano”. O cara vai embora e o Ricardão vai lá na sua casa. Esse tipo de brincadeira. Às vezes a gente não gosta, porque não tem esse de intimidade com a pessoa. Aí brinca e a gente corta. Esse eu considero um péssimo dia de trabalho.
Às vezes acontece brincadeira demais, exagerando um pouco. Eu até falo na hora da muvuca mesmo está todo mundo a flor da pele. Às vezes uma brincadeira chata dá uma vontade de explodir e aí a gente tem liberdade, segura um pouco. Comigo eles ainda não brincaram, mas tem uma brincadeira que eles fazem assim, “oh tá armado?!” e puxa a caneta da gente assim, “tá armado?” aí eles vêm e puxam a caneta, aí você tem que tirar e colocar, brincar com eles, aí a gente perde tempo. Eles não brincam comigo, mas eu acho isso muito ruim.
No Bom Bar, onde o ambiente de trabalho é mais informal, as
brincadeiras são corriqueiras, tanto entre os funcionários, quanto entre
funcionários e clientes. O garçom Otalício resume: seus colegas de trabalho
“são brincalhões!”. Outro garçom de lá, Vilmar, conta:
A gente se diverte pra caramba dá risada, brinca com os funcionários, a gente faz umas pegadinhas com os funcionários, por exemplo, um copo se tiver trincado a gente coloca de uma forma que na hora que ele vira esbarra e quebra e a gente ri.
O rendimento da atividade é bom para o nível de qualificação exigido.
Além disso, foi constatado que o nível de escolaridade dos garçons não é alto.
Dentre os entrevistados nem a metade possui ensino médio completo e apenas
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um cursa ensino superior. No discurso dos garçons é habitual ouvir que é difícil
sair da profissão devido à escassa qualificação e escolaridade para
ingressarem em outras atividades e pelo rendimento alcançado no ramo da
alimentação.
Relatos de garçons que desistiram da ocupação e buscaram outras
formas de se manterem foram narradas: seja na área da construção civil ou
aqueles que abriram pequenos negócios. O Fred, do Cidinho Petisqueria,
expõe uma tentativa de abandonar a profissão: “Projeto a gente já fez muitos.
Inclusive em dois mil e três eu abri um depósito de gás, mas não deu certo,
trabalhei um ano, mas não deu certo, eu fechei. Tentar a gente tenta. A
expectativa é não trabalhar mais para os outros no futuro”. No entanto, todos
voltaram a serem garçons.
Nesta atividade é comum que em momentos de alto estresse
trabalhadores abandonem seus empregos. Seja para tentar outra carreira ou
para voltarem a suas origens. Voltam para amenizar a saudade de sua terra,
família e amigos. O maior número de garçons entrevistados não trabalha em
sua cidade natal, apenas quatro deles trabalham na cidade em que nasceu.
Alguns são do interior do estado, outros de Minas Gerais e o restante do
Nordeste do país. A economia de um tempo de trabalho é utilizada para tanto.
Também é dito que se deve sair de um estabelecimento sem deixá-lo de portas
fechadas, caso seja necessário retornar para o emprego. Os garçons Volnei do
Gira Mundo e o China do Arena, contam respectivamente um dos fatores que
os fazem estressar em um ambiente de trabalho e até pedir as contas é a troca
de gerentes:
É o seguinte, cada vez que muda o gerente é muito difícil adaptar naquele esquema dele. Você está aqui acostumado a beber leite todos os dias, e no outro dia é café com leite e você não gosta, aí pede sai, entra em acordo. Depois que eu estou aqui passou uns quatro.
Tem um tempo que estressa. O fato deu ter saído da casa na maioria das vezes é troca de gerente. Troca de gerente, você já está acostumado, aí chega outro, sabe, e quer mostrar serviço. E você já trabalha muito tempo daquele jeito. O cara quer chegar ou quer chegar e por o pessoal dele de outro lugar.
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A dificuldade em sair desta atividade também tem haver com a trajetória
ocupacional vivenciada na área, que normalmente é ascendente. Alguns
começaram realizando serviços gerais em algum estabelecimento de
alimentação, limpando, lavando pratos, sendo auxiliar de cozinha, trabalhando
no bar ou copa, até alçarem um lugar no atendimento ao cliente, em alguns
casos, passando antes pelo serviço de cumim. No caso de garçons mais
antigos no ramo e, sobretudo os estimados maîtres seguiram trajetórias
ocupacionais ascendentes iniciadas em hotéis, em seus bares e restaurantes,
em que todo o serviço prestado é experimentado por terem ocupado todas as
funções existentes. Assim, a dinâmica de um bar restaurante é dominada por
este tipo de profissional. Os garçons mais jovens no ramo não possuem
trajetória idêntica, começaram a trabalhar diretamente em bares e restaurantes.
Em alguns casos iniciaram logo como garçons ou tiveram ascensão no ramo.
A movimentação funcional dentro da ocupação motiva o funcionário e dá
segurança aos trabalhadores, o que dificulta a saída efetiva da profissão.
O principal motivo que faz com que alguns garçons se estressem e
desistam de seus empregos é o horário de trabalho. É uma clara “chateação”
para os garçons. Contudo, essas reclamações foram mais feitas em bares de
cultura do trabalho empresarial, em que os números, metas e o lucro são
amplamente valorizados em detrimento dos recursos humanos que a empresa
detém. O Bom Bar, definido como cultura do trabalho familiar, é o único dos
estabelecimentos que é fechado no domingo. Isso implica mais oportunidades
para encontros interpessoais e possibilidade de frequentar festas de amigos e
familiares e um tempo de lazer em um dia que as oportunidades de fazê-lo
existem com maior frequência. A seguir as diversas queixas dos garçons sobre
o assunto:
O lado ruim é o familiar, casa, não é tão bom, por quê? Não tem tempo. Você chega em casa cansado, saí cedo de casa e chega a noite, de dia você quer dormir, você acorda e tem que almoçar e já tem que ir embora, falta o tempo com a família. (China – Arena) A parte ruim é que você não tem tempo pra namorar direito, trabalha a noite acaba dormindo durante o dia, então fica complicado arrumar uma namorada, ficar muito tempo com ela. Às vezes ela não te entende, acho que isso é a parte que mais incomoda mesmo. (João – Santa Parada)
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Ruim é o horário, entrada e saída, não tem horário pra sair, só tem pra entrar, não tem final de semana, não tem feriado. Enquanto os outros estão se divertindo você está trabalhando. (Marcolino – Vila Cambuí)
A parte ruim de ser garçom: o que a galera fala mais eu não sei. Porque não conseguimos sair da noitada, tive a oportunidade e não fui. Sair e divertir, como eu vou sair para divertir se eu estou trabalhando, se os melhores dias para se divertir eu estou aqui, que são os fins de semana, que tem a balada, tem festa, tem aniversário e não sei o quê, a gente está. (Volnei – Gira Mundo) Falta de tempo, as datas comemorativas, não tem tempo pra família. (...). A parte ruim é trabalhar a noite, deixar sua família em casa e trabalhar a noite. (Neto – Cidinho Petisqueria).
Enquanto os horários são considerados como a parte ruim da atividade
de garçom, o salário e o fato de conhecer muitas pessoas e pessoas que têm
maior condição financeira e status são considerados como aspectos positivos
de se trabalhar como garçom.
Outra característica do trabalho de garçons é referente à taxa de
serviços. No ramo é comum que a taxa seja direcionada individualmente para
cada garçom conforme seu desempenho enquanto vendedor. Dentre os bares
pesquisados apenas o Bom Bar e o Balhego, ambos de Campinas, adotam a
taxa de serviço global, ou seja, o total da venda do estabelecimento é
socializada igualmente entre os garçons. Só que no Balhego a taxa de serviços
global é adotada apenas no período diurno; no período noturno a taxa é
individual. Já no caso do Bom Bar o valor é dividido igualmente entre todos os
funcionários (segurança, balconistas, chapeiros, cozinheiros, etc.).
Todavia, a forma como o valor é distribuído varia bastante entre os
estabelecimentos: no Gira Mundo, por exemplo, os garçons recebem um
salário mínimo mais 5% do valor das vendas efetuadas por cada um, os outros
5% das vendas de todos os garçons são utilizadas para repor as perdas do
estabelecimento (utensílios quebrados) e dividido entre os funcionários do bar
e da cozinha. No Santa Parada há situações atípicas, existe garçons que não
têm vínculo empregatício com a casa, ou seja, não têm a carteira de trabalho
assinada, não recebem salário fixo, mas recebem integralmente os 10% do
valor vendido individualmente. Trata-se de um acordo entre ambas as partes.
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Os outros garçons cada casa recebem 7% das vendas efetivadas, além de um
salário mínimo.
Entre os garçons há o discurso arraigado de que a taxa de serviços
individual é o ideal, apesar de relatarem em suas falas certa dependência no
trabalho entre eles, o que é característico da organização de trabalho de
garçons. O garçom Neto, do Cidinho Petisqueria, defende que a taxa de
serviço deve ser individual já que não é justo que quem trabalha mais ou
menos receba o mesmo valor no fim do mês. Para ele é um direito receber um
valor maior pelo trabalho realizado com mais esforço para vender ou mais ágil.
O Volnei, do Gira Mundo, fala sobre sua insatisfação quando a taxa de serviços
era global: “Eu vendia dez mil, doze mil e o parceiro do meu lado vendia três
mil e aí? Ia tirar da minha para passar pra dele, isso não era legal”. O que é
dito pela maioria deles é que muitos “escorram” e “acomodam” diante do
trabalho dos outros. O garçom Roberto do Gira Mundo expressa bem esse
ponto de vista, inclusive introduz a questão de gênero em sua resposta, ao
comparar o seu desempenho no trabalho ao de Paula, sua colega de trabalho
garçonete:
Eu acho que é bom, sabe por quê? Se for global, por exemplo, ela tem um ritmo de trabalho e eu tenho outro, eu gosto de fazer as coisas certas, gosto de correr, de andar rápido, não gosto de ficar parado senão fico doente, eu gosto de atender rápido, atender mais mesas, agora imagina? Tem outra pessoa devagar e ganhar o mesmo tanto que aquela pessoa que não está nem aí, agora o individual não! Você quer ganhar.
Apesar de Volnei e Roberto, ambos referidos anteriormente e
funcionários do Gira Mundo, apregoarem que a taxa de serviço deve ser
individual, em certos pontos o posicionamento deles é divergente. Por um lado,
Roberto define o colega como sendo um garçom “liso”. Para ele isso quer dizer
que ele é um funcionário esperto diante das situações que envolvem os
colegas de trabalho, ou seja, que costuma folgar diante de ocasiões que
podem render algo a ele. Já Volnei identifica situações semelhantes e as
encara como sendo um aspecto que denota a solidariedade existente na
ocupação:
75
Aqui nem isso tem competitividade, aqui é o seguinte: você tá nessa praça aqui, aí cada um tem sua praça, aí tem alguém nadando, a gente fala nadando, não sei, se você já ouviu falar essa palavra. Nadando é o seguinte: quando a gente está cheio de pedido e não consegue atender, não consegue. Tipo quando a gente está num mar e sai de barco, fica quieto no mar, aí a gente vem e ajuda todo mundo. Se você está aqui e eu tiro o seu pedido, aí a Paula foi lá no banheiro, tomar água, fazer as necessidades dela, aí você chega, eu vou atender vocês, marco na comanda manual e quando ela chegar eu passo pra ela, é assim que funciona. Não tem esse negócio deu chegar aqui...
A dependência entre colegas de trabalho acontece quando, por
exemplo, algum garçom se ausenta da praça para jantar e o colega de trabalho
responsável pela praça ao lado fica responsável pela praça do outro. Os
pedidos anotados na comanda, seja de papel ou eletrônica, devem ser
marcados no nome ou número do colega, para que a taxa de serviços seja
destinada a ele. Ou seja, há aí, por um lado, uma relação de confiança, e por
outro, ao mesmo tempo, possivelmente, certo sentimento de cobiça, no que se
refere a vendas. Também pode ser uma estratégia da gestão para que o
trabalhador não demore no período da refeição. Outra situação que acontece é
quando um cliente chama um garçom que não é o responsável pela praça em
que ele está trabalhando. Há casas em que a regra é a de que não se deve
negar atendimento ao cliente dizendo “está não é minha praça” ou “não estou
responsável por atender essa mesa”, deve-se, portanto, anotar e levar o pedido
ou então repassar o pedido para o garçom da praça. Também há casas em
que o comando é para não atender clientes de outras praças. Novamente
mostra-se a estreita relação entre certa confiança e cobiça e as possíveis
divergências entre os colegas de trabalho. Acontece também de situações
desagradáveis em o garçom vende na praça do colega justamente porque sua
praça está vazia, enquanto a do outro está cheia. O Israel, do Vila Cambuí,
conta uma situação que aconteceu e que causa chateação entre os colegas de
trabalho:
Como a gente trabalha com venda de repente o pessoal faz uma brincadeira ou uma atitude acaba te irritando, dando um de João Bobo. De repente vende uma água na sua praça, a gente trabalha com venda, aí chega e fala “foi sem querer”, mas isso acaba te irritando e deixando você irritado.
76
A questão é que a taxa de serviços individual prega atitudes e valores
individualistas em uma atividade em que a dependência entre trabalhadores é
necessária. Outro exemplo para elucidar a dependência dos garçons: as
praças de atendimento normalmente não são fixas, todo dia elas são sorteadas
entre os garçons. E existem praças boas e ruins, isso depende do movimento e
da preferência dos clientes; então acontece de garçons estarem repletos de
serviços enquanto outros estão parados. Assim como também é preciso da
ajuda de colegas para observar mesas de consumidores considerados
suspeitos a saírem sem pagar. Neste tipo de caso, a solidariedade é natural já
que eles conhecem o sofrimento de levar um calote. A competitividade velada
nas palavras dos garçons é facilmente percebida em algumas situações. Por
exemplo: um garçom atende com capricho uma mesa que tem alto valor de
consumo e os integrantes da mesa resolvem mudar de mesa e isso implica em
mudar de praça, seja para outra em que possam serem mais vistos ou verem
mais, ou para um local mais arejado, o que seja. Como o ideal de que a razão
do cliente é que comanda os estabelecimentos a troca de mesas é permitida,
desde que tenha mesas disponíveis. O Sandro fala sobre uma situação
semelhante:
Somos seres humanos, o ser humano é egoísta, tem pessoas que não entra na minha mente, não bate, isso que atrapalha, mas eu procuro sempre fazer o meu melhor, dar o melhor de mim. Tem gente que toma uísque e às vezes você tem que transferir aquela mesa para outro garçom, porque o cliente quer passar para outra mesa. Tem garçom que quer fechar a mesa para não passar a porcentagem para outro garçom, eu não tenho isso, eu acho que ele tem o direito se quiser pedir a mesa ele pede. Pra mim pode ir para a outra mesa de boa. Já fizeram isso comigo, eu não gostei, pedir para puxar a conta do cliente eu não tenho coragem. (...). Eu estou com aquela mesa ali e o outro garçom está do lado, o cliente vai sentar na mesa dele, se o cliente dele senta na minha mesa, se ele perguntar: “Sandro eu estou quase terminando de atender e ele está quase indo embora, pode terminar pra mim?”. Às vezes minha praça está ruim e tem pouca gente ou então não estou vendendo bem, eu não posso deixar... A praça é minha, a norma da casa é essa, se o cliente passou para a minha mesa, a mesa é minha.
A taxa de serviços individual não acorda com o paradigma da
administração científica, a taxa de serviços está voltada para o paradigma da
administração centrada na figura do cliente. Assim é possível haver competição
individualizante a partir do discurso instrumentalizado do atendimento
77
diferenciado (Cf. LINHART, 2007). Uma das preocupações de empresas
burocráticas do século XX é destacada por Mills e se assemelha ao
pensamento de Linhart, trata-se do “hiato existente entre a produção em massa
e o consumo individual” (1976, p.197). Mills analisa o papel da publicidade no
processo de vendas, auxiliando o vendedor; a ideia dele é mostrar como o
processo é difuso. Para Mills o vendedor é, muitas vezes, apenas o elo entre
consumidor e produto e eles têm posturas diferentes diante do processo de
vendas:
Se a venda é fragmentada em suas etapas, torna-se evidente que as três primeiras fases – estabelecimento de contato, criação de um interesse e fixação de uma preferência – são hoje realizadas pela publicidade. Restam ao vendedor duas etapas conclusivas: fazer uma proposta específica e obter um pedido (1976, p. 200).
Quanto às competências, o pessoal de vendas abrange desde os vendedores que criam e satisfazem os novos desejos, os vendedores que não criam desejos ou fregueses, mas esperam por eles, até que simplesmente recebam um pedido (1976, p. 182).
O atendimento ao cliente será abordado especificamente no próximo
capítulo. No que se refere à competição por vender mais, em bares
restaurantes, é preciso ressaltar que, o ranking de vendas de garçons utilizado
em algumas casas expressa isso. A técnica colabora para acirrar a competição
entre os trabalhadores, trata-se de uma estratégia de motivação31 para
aumentar o lucro dos estabelecimentos. Entretanto, como consequência a
estratégia pode enfraquecer a rede de apoio mútuo dos trabalhadores; a
colaboração entre eles diminui já que o reconhecido será dado individualmente,
a moral passa a ser individual.
No Gira Mundo e no Vila Cambuí o ranking dos vendedores é exposto
mensalmente. É necessário lembrar que o proprietário do Gira Mundo
trabalhou como garçom ou maître em casas conceituadas de Campinas,
inclusive no Vila Cambuí. Isso interfere no modo de gestão de seu
31
Motivação é um termo utilizado no campo da psicologia e refere-se a uma força
instituída que visa direcionar comportamentos segundo determinado objetivo. A ideia é que a força instituída funciona como um incentivo já que a mesma rompe o equilíbrio existente, assim, haverá uma tensão para que o equilíbrio seja retomado. Desta maneira, identifica-se a motivação, não sendo um atributo individual, mas uma reação diante do ambiente interacional (Cf. AlLLEGRETTI; TITTONI, 1999).
78
estabelecimento; apesar disso, o Gira Mundo é considerado familiar, porque
atende as outras características do tipo de cultura familiar. Ao contrário dos
proprietários de estabelecimentos que são estritamente familiares, em que a
gestão do local é eminentemente leiga. O Balhego apresenta às vezes o
ranking, a estratégia não é utilizada mensalmente. No Balhego a ideia é de os
garçons se acomodam em uma zona de conforto no que se refere às vendas.
Os rankings seriam uma forma de motivá-los a aumentar o valor recebido ao
final do mês através da competitividade benéfica criada. O gerente do local
afirma que a estratégia motivacional visa alcançar os garçons mais antigos, os
que são mais acomodados. Mas talvez, até por serem funcionários mais
antigos e com maior idade, a estratégia não tenha o efeito desejado. O Bom
Bar, em que a taxa de serviço é global, não faz uso dessa técnica. Os
estabelecimentos pesquisados de Goiânia, todos com taxa de serviço
individual, são claramente divididos: os do tipo familiares (Cidinho Petisqueria e
Choperia Matilha) não fazem rankings dos funcionários, os do tipo empresariais
(Arena e Santa Parada) utilizam.
Possivelmente pela maneira de trabalhar de cada garçom é normal que
as posições diante do ranking não variem tanto. Ainda assim não é possível
afirmar que a estratégia não tenha validade, conforme se depreende de alguns
depoimentos. O garçom China, do Arena, vangloria-se: “em várias casas que
eu trabalhei, fui recorde de vendas, primeiro, aqui também é, numa noite de
vendas o recorde também é meu”. Bem como o João, do Santa Parada:
“exatamente tem uns três meses que eu sai em primeiro lugar nas vendas, né,
então eu acho que eu melhorei bastante esses dias”. O Israel, do Vila Cambuí,
orgulha-se por ocupar continuamente o primeiro e o segundo lugar dentre os
garçons que mais venderam garrafas de destilados. A seguir ele comenta suas
estratégias para vender mais:
O cara tem que trabalhar o cliente, de repente o cara pede uma água e você oferece um coquetel ou uma bebida energética, você oferece e vê que a pessoa está mais agitada está tomando uma água oferece coquetel, energético, “vai te dar mais disposição”, você acaba ganhando, isso é um vendedor.
79
Para motivar às vezes há premiação para os primeiros colocados, mas
nem sempre, apenas estampar as primeiras colocações diante dos colegas
basta. O garçom João, que ficou três vezes consecutivas em primeiro lugar no
Santa Parada comenta esse aspecto: “a gerente tinha pensado em fazer uma
premiação para primeiro, segundo e terceiro lugar nas vendas, só que acabou
que acho que ela esqueceu isso, acho que vou lembrar ela”. A motivação por
vezes parece ser subjetiva como expressa Volnei, do Gira Mundo, que estipula
suas próprias metas, porém pode-se considerar que o mesmo assuma as
metas da organização como sendo suas. Possivelmente, a prática da empresa
é assumida vigorosamente e subjetivamente. Um valor é estipulado como meta
de acordo com a satisfação de suas necessidades individuais impulsionadas
pelo estabelecimento, nas palavras de Volnei:
Eu sempre tenho uma meta de vendas. É minha mesmo. Eu não posso vender menos de sete mil por semana, acima de oito mil reais. Eu sempre tenho essa meta, não posso ficar menos sete mil, têm que ser oito, dez mil reais.
Também existem regras que visam motivar o comportamento adequado
dentro da organização. Algumas têm estilo punitivo. O Sandro, do Arena, por
exemplo, contou sobre uma estratégia da direção do local para que os
funcionários cheguem no horário estipulado. O ambiente é fechado por duas
grandes grades pesadas e altas, a norma da casa é que os dois últimos
garçons a chegarem ao estabelecimento devem retirá-la do local e guardar no
local designado. A norma causa desavenças entre os colegas de trabalho. Em
um dos dias de observação do local o último garçom a chegar foi o Rilton, o
mais velho dentre eles. Contudo, pela idade, ele tem maiores dificuldades para
realizar a tarefa. Mesmo diante da discussão ocorrida ele e o segundo que
chegou mais tarde foram executá-la com a ajuda de um colega. Já o
proprietário Cidinho mencionou outro tipo de estratégia motivacional realizada
por ele em algumas das reuniões da equipe:
No caso de uma reunião, assim você inventa moda. Por exemplo, quem chega até três horas, até três horas o cara tem direito a participar de um sorteio. E ai você faz um sorteio ai, vamos supor R$ 120,00 reais, R$ 150,00 reais, ai você põe lá e quem chegou três horas e dois minutos, já não pode participar.
80
O tipo descritivo sobre a organização do trabalho dos bares restaurantes
pesquisados foi elaborado segundo a oposição: individual, seguindo ordens da
direção e; em equipe, decidindo tarefas coletivamente. O primeiro tipo refere-se
à cultura do trabalho familiar e a segunda à cultura do trabalho empresarial. Na
prática, empiricamente foi difícil distingui-los. Em alguns estabelecimentos as
práticas organizacionais estão bem estabelecidas, mas em outros não, quando
não aparecem estar mescladas o que complica o entendimento sobre a
situação.
No Bom Bar, os garçons seguem suas rotinas sem serem questionados
ou mesmo convocados para algo; eles sabem o que e como fazer. Na Choperia
Matilha e no Cidinho Petisqueria, ambos pertencentes à cultura do trabalho
familiar e estabelecimentos há certo período no mercado, a dinâmica é
semelhante; contudo há a presença da maîtria para interferir em casos que
escapam do controle dos garçons, principalmente em relação ao atendimento
de clientes. No Arena, o trabalho do maître têm maior interferência no trabalho
dos garçons, talvez por ser um estabelecimento recente e ainda não ter
atingido um padrão a ser seguindo conforme a identidade do local e por ainda
não compor uma equipe de trabalho coesa diante dos ideais do
estabelecimento. Trata-se de uma organização orientada pelo poder e marcada
pela hierarquização diante das funções atribuídas. No Santa Parada, a
gerência decide as tarefas coletivamente, aí pode haver uma questão de
gênero. A gerente, nova, é quem comanda o serviço dos garçons, todos
homens, ao contrário de outros estabelecimentos, em que há maîtres mais
velhos e com bastantes anos de atividade na área. Neste caso, do Santa
Parada a subordinação de funcionários é pouco aparente. No Gira Mundo, em
que o proprietário trabalhou muitos anos no ramo e o estabelecimento ainda
tenta firmar seu lugar no mercado de Campinas, Jan participa de modo ativo na
rotina de trabalho dos garçons, até porque não acerta na escolha de um
gerente de salão ou maître. Lá a rotatividade do cargo é alta e isso causa
desconforto e insegurança nos funcionários devido à falta de um modelo de
referência a ser seguido e de um líder a ser respeitado. Jan até é visto como
um chefe rigoroso e autoritário por perceber aspectos inadequados no
ambiente de trabalho.
81
No Balhego e no Vila Cambuí traços relacionados a uma gestão
empreendedora são percebidos. A participação e o envolvimento do
trabalhador na dinâmica do trabalho são instigados, bem como a
especialização dos serviços prestados. No material de treinamento interno do
Balhego são explicitados a Missão, a Visão e os Valores do estabelecimento,
como se vê a seguir:
Missão e Visão Intercâmbio de opiniões obtidas pelo esforço em equipe, buscando sempre superar as expectativas da empresa. Capacitar novos profissionais, reciclar os antigos e formar equipes especializadas em atendimento e serviços. Valores TRABALHO EM EQUIPE: Ajudar os colegas de trabalho que precisam de ajuda para que tudo seja perfeito: atendimento e serviço. Dessa forma, todos colaboram para que o resultado final seja a satisfação do cliente. RESPONSABILIDADE: Ao fazermos parte de uma empresa, assumimos responsabilidades e compromissos perante a ela. Devemos cumprir normas e regras, trabalhando com seriedade e desempenhando corretamente a nossa função.
Outras características relevantes no que se refere à cultura do trabalho
serão avaliadas apenas no próximo capítulo, pois se referem ao atendimento
ao cliente. O grau de autonomia dos garçons constitui um exemplo desta, pois
é em algumas situações do atendimento ao cliente que o serviço de garçons se
afasta da rotina de e o funcionário pode demarcar de maneira mais ou menos
livre sua esfera de ação no trabalho.
2.5 Considerações finais
Percebe-se que os tipos descritivos sobre a cultura do trabalho dos
bares restaurantes pesquisados enquadram estabelecimentos segundo
algumas variáveis consideradas. Ainda assim, pelo desenvolvimento das ideias
é possível notar as especificidades de cada local e a complexidade da questão
discutida. Resta analisar a cultura do trabalho dos estabelecimentos quando se
considera a relação entre garçons e clientes e consumidores, tema discutido na
82
próxima parte que se vincula às relações efetivadas na modernidade,
sobretudo nas interações de serviços.
PARTE 3
INTERAÇÕES EM SERVIÇOS: O JOGO DE CINTURA DOS GARÇONS
82
3.1 Os terceiros lugares
O sociólogo estadunidense Ray Oldenburg escreve sobre a importância
de locais informais e públicos de reunião para a sociedade. No livro The Great
Good Place o autor classifica três tipos de locais: o primeiro é a casa, lugar da
família, do descanso, não é um bom local para conhecer outras pessoas, fazer
amigos e socializar, não há conforto adequado para isto e nele existem objetos
danificados; o segundo lugar é o local de trabalho, este é o local para alcançar
o sustento e demais regalias, o cenário é estruturado e preparado para a
produção e competitividade, também não é um local adequado para a
socialização; por sua vez, o terceiro lugar é caracterizado pelas conversas,
amizades e por nivelar perfis (Cf. OLDENBURG, 1999).
Segundo o autor os terceiros lugares são fundamentais porque exercem
uma importante função social: reunir diferentes pessoas que estabelecem
relações amigáveis. Nele a informalidade e a ausência de uma estrutura social
sólida abrem margem para diferentes experiências; relações humanas são
desenvolvidas. Neste tipo de local as pessoas suprem suas necessidades de
filiação e intimidade; as situações vivenciadas em terceiros lugares funcionam
como “tônicos espirituais” para aqueles que frequentam esses lugares. Trata-se
de locais em que ocorrem boas conversas, onde há equilíbrio entre egoísmo e
altruísmo. As pessoas se animam após uma xícara de café amigável em um
terceiro lugar e assim, ficam imunes as pessoas infelizes dos segundos
lugares. Ao mesmo tempo, lá recebem e dão aceitação ao outro, as relações
estabelecidas faz com que as pessoas se sintam melhores (Cf. OLDENBURG,
1999).
O terceiro lugar é denominado pelo autor de the great good place32. Os
terceiros lugares podem ser: cafés, bares, livrarias, salões de beleza, pubs,
botequins, tavernas, dentre outros.
32
Oldenburg expressa no livro sua surpresa diante da pouca atenção dada na literatura científica para os benefícios dos terceiros lugares. Estes lugares são comumente identificados como locais que funcionam como uma válvula de escape para o estresse, solidão e alienação. Por muitos são considerados como remédio para estes males. Opostamente, o autor acredita na vivacidade da comunidade e na autenticidade das pessoas nestes lugares. Além disso, Oldenburg surpreende-se diante da literatura que valoriza benefícios transcendentais de encontros ritualísticos, como encontros de meditação, corrida e massagem.
83
Em seu livro, após caracterizar os terceiros lugares e identificar
elementos comuns, Oldenburg descreve alguns tipos de terceiros lugares de
diferentes culturas: como o pub inglês, o café francês, o jardim da cerveja
alemão, e outros. Ao singularizar cada tipo Oldenburg acredita que assim está
tornando o padrão dos terceiros lugares mais evidente.
K. Erickson (2004) trás uma contribuição ao trabalho do autor ao
destacar que na visão de Oldenburg os terceiros lugares são resultados da
produção de comportamentos dos frequentadores do local. Entretanto Erickson
contesta este ponto de vista e considera também o papel dos prestadores de
serviços para criar um ambiente agradável; transfere o foco do consumidor de
sociabilidade para o servidor. Neste sentido, o enfoque aqui adotado se inspira
no trabalho de Erickson.
O sociólogo e historiador R. Sennett influenciou a obra de Oldenburg
sobre os terceiros lugares e traz importantes contribuições para a temática. Na
obra O declínio do homem público (1988) Sennett realiza uma investigação
sobre a decadência da esfera pública e o advento de uma sociedade intimista.
O autor defende que há um descompasso entre a vida pública e a vida íntima.
Na sociedade intimista as pessoas estariam mais preocupadas com suas
histórias e sentimentos. Em contraste, o espaço público torna-se sem sentido e
silencioso. Para Sennett há uma ambivalência entre a visibilidade em público e
o isolamento íntimo meio aos estranhos das cidades graças à vinda de mão de
obra necessária ao capitalismo industrial. Basicamente na sociedade intimista
há o predomínio de uma cultura narcísica e há a formação de comunidades
destrutivas, o termo remete ao oposto da cultura cosmopolita, surgem
comunidades fechadas integradas.
Ao adotar a metáfora do Theatrum Mundi33 o autor vai além, ao afirmar
que na contemporaneidade os atores estariam inibidos de representar. Para
representar é necessário um público de estranhos e não de pessoas íntimas.
Deste modo os atores estariam desprovidos de sua essencial arte de
desempenhar papéis sociais. Os atores sociais passam a serem expectadores
33
A genealogia do Theatrum Mundi remonta a Platão ao referir sobre a comédia e tragédia da vida. A metáfora do drama social, da vida como um teatro originou o método dramatúrgico (Cf. TEIXEIRA, 1998).
84
da vida pública, vivem em silêncio, e aos poucos a cultura pública está a se
esfacelar.
Sennett realiza, em seu livro, o diagnóstico a partir de duas cidades
ocidentais importantes dos séculos XIX e XVIII: Londres e Paris. O autor
discute articulando o crescimento das cidades e os locais que estranhos se
encontravam. Sennett reflete sobre a criação de praças e parques urbanos
para pedestres como lazer; a época em que cafés, restaurantes, bares e pubs
(estabelecimentos que servem bebidas alcoólicas) tornaram-se centros sociais.
Outro tipo de centro de reuniões prestes a se constituir em meados do século
XVIII era o clube para homens, contrariando o perfil dos outros centros sociais,
a base dos clubes é que a plateia é selecionada, trata-se de uma associação
privada. A abertura de venda aberta para teatro e ópera, anteriormente
concentrada na distribuição de lugares por aristocratas também é destacada
pelo autor. É um momento em que privilégios familiares não mais centravam as
relações sociais, propiciando então encontros de estranhos.
Os cafés, por exemplo, estavam no auge no século XVII e apenas
decaíram com a importação de chás no século seguinte. Na época os cafés
eram importantes centros de informação de ambas as cidades; neles os jornais
eram lidos:
Como centros de informação, os cafés eram naturalmente locais onde floresciam discursos. Quando um homem entrava no recinto, encaminhava-se diretamente ao bar, pegava um penny, era avisado, se nunca tivesse estado lá anteriormente, sobre os regulamentos da casa (por exemplo, não cuspir nesta ou naquela parede, não brigar perto das janelas etc), e então se sentava para divertir. Isto, por sua vez consistia em conversar com outras pessoas, comandada por uma regra cardinal: a fim de que as informações fossem as mais completas possíveis, suspendiam-se temporariamente todas as distinções de estrato social; qualquer pessoa que estivesse sentada num café tinha o direito de conversar com quem que fosse, abordar qualquer assunto, quer conhecesse as outras pessoas, quer não, quer fosse instada a falar, quer não. Era desaconselhável fazer referências às origens sociais das pessoas com que se falava no café, porque isso poderia ser obstáculo ao livre fluxo da conversa. (...). O tom da voz, a elocução, as roupas, podiam ser dignos de nota, mas a questão toda estava em não se notar (1988, p. 109).
Por sua vez, o bar e o pub, são retratados como instituições do século
XVIII; a maior parte dos frequentadores eram trabalhadores subalternos.
Sennett também escreve sobre a ligação entre classe e estabelecimentos que
85
vendiam bebidas alcoólicas. De início este tipo de sociabilidade não era temido,
“o beber os faria calar” (SENNETT, 1988, p. 265). Mas logo, no século XIX,
passou a ser considerado uma ameaça social. Este tipo de reunião então
passou a ser coibido pela polícia. Apenas em estabelecimentos próximos aos
teatros a clientela era misturada e servia de ponto de encontro antes e depois
das apresentações (p. 110):
Quando o café se tornou local de conversação entre os pares no trabalho, ameaça a ordem social; quando o café tornou um local onde o alcoolismo destruía o discurso, mantinha a ordem social. A condenação de pubs das classes baixas pela sociedade respeitável precisa ser vista com olhos desconfiados. Ao mesmo tempo em que essas condenações eram sem dúvida sinceras, muitos exemplos de fechamento de cafés e de pubs ocorreram não quando a beberagem tumultuosa ficava fora de controle, mas, antes, quando se tornava evidente que as pessoas do interior dos cafés estavam sóbrias, zangadas e conversando (1988, p. 266).
A ideia apresentada por Sennett perpassa uma mudança social em que
“o silêncio é a ordem, porque o silêncio é ausência de interação social” (p.
266). Assim as pessoas poderiam se proteger contra a sociabilidade e gozar da
“privacidade pública” (p. 269). Tratava-se de uma época em que cafés estavam
repletos de pessoas, no entanto cada uma estava separada das outras,
lendo,bebendo, relaxando, todavia a sós.
O autor ainda destaca mudanças nas relações mercantis quanto ao
consumidor final:
O mercado urbano do século XVIII era diferente de seus predecessores medievais ou do Renascimento: sendo internamente competitivo, aqueles que nele vendiam competiam para atrair a atenção de um grupo mutável e amplamente desconhecido de compradores. À medida que a economia de mercado se expandiu, e as modalidades de crédito, de contabilização e de investimento tornaram-se mais racionalizadas, os negócios eram realizados em escritório e lojas e numa base cada vez mais impessoal. Fica claro que seria errôneo imaginar que a economia ou a sociabilidade dessas cidades em expansão tomaram de um só golpe o lugar das modalidades mais antigas de negócios ou de prazer. Melhor é dizer que modalidade sobreviventes de obrigação pessoal se justapuseram a novas modalidades de interação, adequadas a uma vida levada entre estranhos, sob condições de uma expansão empresarial regulamentada de forma diferente (p. 32-33).
86
A intensa instigação de Sennett serve de ponto de partida para a
apresentação dos tipos descritivos desenvolvidos quanto à interação entre
garçons, clientes e consumidores em bares restaurantes do século XXI nas
cidades brasileiras pesquisadas e nos estabelecimentos selecionados.
3.2 Interações em serviços formais e informais
Quanto à construção dos tipos descritivos relativos às relações
desenvolvidas com os consumidores tomou-se como base inicial a tipologia
criada por Frenkel et al. (1999) e a pesquisa empírica então em andamento. A
tipologia foi expressa no livro On the front line, baseado em um estudo feito por
quatro autores em cinco anos com oito empresas líderes dos Estados Unidos,
Austrália e Japão. A classificação triádica desenvolvida caracteriza o ambiente
de trabalho, em contexto de economia da informação, como: burocrático,
empresarial ou de conhecimento intensivo.
Para analisar a relação estabelecida entre a organização e seus
consumidores os autores elaboraram tipos ideais para as várias nuanças que
interferem no trato com o consumidor, são elas: 1) relação entre trabalhador e
consumidor; 2) relação entre gestão e consumidor; 3) relação entre gestão e
trabalhador; 4) relação do triângulo de poder “gestor/trabalhador/consumidor” e
por fim; 5) as mais prováveis relações constituídas em cada tipo de ambiente
de trabalho. O Quadro 5, organizado por Frenkel et al. (1999), expõe as
relações referentes entre organização e consumidores segundo cada ambiente
de trabalho:
87
QUADRO 5 – TIPOLOGIA DE FRENKEL et. al. (1999)
Relações
Tipos ideais de ambiente de trabalho
Burocrático Empresarial Conhecimento
intensivo
Trabalhador e consumidor
Neutralidade Afetiva Baixa proatividade do trabalhador Encontro34
Afetiva-instrumental Alta proatividade do trabalhador Pseudorrelação
Afetiva Alta proatividade do trabalhador Relação
Gestão e consumidor
Consumidores indiferenciados Passíveis de rotinização
Consumidores diferenciados em categorias Soberania do consumidor reconhecida
Consumidor visto como altamente diferenciados
Trabalhador e Gestão
Trabalhador usado para maximizar a eficiência e padronizar o serviço
Trabalhador contratado como agente, mas deve seguir regras
Trabalhador com poderes ilimitados para negociar o serviço
Gestão/trabalhador/consumidor
(triângulo de poder)
Gestão tem mais poder
Consumidor tem mais poder
Ambiguidade quanto o mais poderoso
Relações mais prováveis
Aliança entre gestão e trabalhador contra o consumidor
Aliança entre gestão e consumidor contra o trabalhador
Aliança entre gestão e consumidor
34
Esta tipologia de interações de serviços (encontro, pseudorrelação e relação) é
proposta por B. Gutek et al. (2000). A tipologia parte de três questões a respeito da experiência de serviços: 1) trabalhador e consumidor conseguem identificar a pessoa com que eles interagiram?; 2) trabalhador e consumidor esperam interagir no futuro? e; 3) existe uma história de interações compartilhadas entre eles?. Há uma relação de serviço quando trabalhador e consumidor tornam-se interdependentes e, portanto esperam interagir no futuro. Há um encontro de serviço quando trabalhador e cliente não esperam interagir no futuro. A pseudorrelação é um tipo híbrido de interação, o cliente não necessariamente volta no mesmo prestador de serviço, ou seja, ao mesmo trabalhador, mas volta à mesma empresa prestadora de serviço.
88
Apesar de os autores não abordarem diretamente os serviços de
alimentação para construir a tabela, supõe-se que possam ser integrados na
classificação mais ampla por eles desenvolvida. No caso dos bares
restaurantes aqui analisados, apenas o ambiente de trabalho de tipo
“burocrático” interessa pouco, ainda que as relações estabelecidas com os
consumidores sejam bastante frutíferas para explicar o que ocorre em serviços
de fast food. Em estabelecimentos de fast food prevalecem aspectos
eminentemente racionais como a eficiência, a calculabilidade, a previsibilidade
e o controle35. Para Ritzer (1995) o sucesso desse tipo de estabelecimento é
justamente porque oferecem, tanto para clientes, trabalhadores e diretores a
racionalidade durante a jornada de trabalho e durante o período de consumo.
Trata-se de uma empresa burocrática, porque, como afirma Perrow (1972):
dispõe de trabalhadores especializados que atuam para manter os processos
internos e diminuir a influência de fatores externos com a intenção de aumentar
a eficiência do trabalho.
Já as relações estabelecidas com clientes em ambientes de trabalho
“empresarial” e de “conhecimento intensivo” são mais evidentes nos bares
restaurantes pesquisados, pelo menos no que se refere à relação entre
trabalhador e consumidor e à relação entre gestão e consumidor. Nesse
sentido, presume-se que o ambiente de trabalho “empresarial” se incline para o
estilo de estabelecimento denominado como moderno e o ambiente de trabalho
de “conhecimento intensivo” se incline ao estilo de estabelecimento
denominado tradicional.
Quanto à própria tipologia descritiva elaborada para as interações entre
garçons e consumidores/clientes em bares restaurantes foram considerados: 1)
a predominância em cada estabelecimento: da afetividade na interação entre
ambos; 2) o tipo de experiência predominante nas interações entre garçons e
consumidores e clientes; segundo a tipologia proposta por Gutek et al. (2000)
e; 3) o tipo de atendimento oferecido pelo estabelecimento (pessoalizado ou
35
Segundo Ritzer (1995), autor que teve como objeto de pesquisa uma renomada empresa de fast food, a eficiência é marcada pela realização rigorosa de um processo predeterminado sob a supervisão de um superior. A calculabilidade é marcada pela ênfase em todo processo de aspectos quantitativos (tempo gasto, tamanho do produto). A previsibilidade assegura que a oferta de produtos e serviços será a mesma independente da franquia que esteja. Os trabalhadores seguem ordens corporativas em relação ao modo de falar com os consumidores, seguem scripts para criar interações previsíveis. O controle exercido nos trabalhadores e consumidores assegura a rapidez no serviço prestado.
89
impessoalizado). A seguir o Quadro 6 expõe a tipologia desenvolvida para o
caso deste projeto:
QUADRO 6 – TIPOLOGIA PARA AS INTERAÇÕES ENTRE GARÇONS
CLIENTES E CONSUMIDORES
Variáveis
Tipos descritivos
Bar Tipo Tradicional Bar Tipo Moderno
Interações informais Interações formais
Afetividade na relação
entre garçons e
consumidores
Afetiva Neutralidade afetiva ou
Afetiva-instrumental
Experiência de
interações entre
garçons e
consumidores
Pseudorrelação ou Relação
Encontro ou
Pseudorrelação
Atendimento
consumidor e cliente Pessoalizado Impessoalizado
Por fim, o Quadro 7 ilustra a caracterização dos bares restaurantes
pesquisados segundo as duas tipologias criadas, a referente à cultura do
trabalho e à referente ás interações desenvolvida entre garçons clientes e
consumidores. Notando que a cultura do trabalho familiar e as interações
informais desenvolvidas entre as partes consideradas remetem ao tipo
inicialmente denominado como bar tradicional. Enquanto a cultura do trabalho
empresarial e as interações formais entre garçons e consumidores e clientes
remetem ao tipo dito bar moderno.
90
QUADRO 7 - CARACTERIZAÇÃO DOS BARES RESTAURANTES
SEGUNDO AS TIPOLOGIAS ELABORADAS
Bares restaurantes
Tipos descritivos
Cultura do trabalho
Interação entre garçons clientes e consumidores
Bom Bar
Familiar Informal
Balhego Imperial
Empresarial
Informal
Gira Mundo Bar
Familiar
Formal
Vila Cambuí 1
Empresarial
Formal
Arena Familiar
Formal
Cidinho Petisqueria Familiar
Informal
Santa Parada
Empresarial Formal
Choperia Matilha Empresarial
Informal
3.3 À maneira de Erving Goffman: as regiões na perspectiva de análise
dramatúrgica
Goffman apresenta uma perspectiva sociológica para estudar a vida
social, sobretudo em estabelecimentos sociais (hospitais, escolas,
restaurantes, etc.). A perspectiva adotada por ele é da metáfora do teatro, em
outros termos, basicamente Goffman pretende analisar as interações sociais
em lugares públicos a partir da representação teatral. Além da perspectiva da
metáfora teatral Goffman propõe como modelo de análise a ordem social. A
ordem social é entendida como “consequência de qualquer conjunto de normas
morais que regulam a forma com a qual as pessoas buscam atingir objetivos”
(GOFFMAN, 2010, p. 18).
Alguns conceitos norteiam a obra do sociólogo canadense. A
apresentação, por exemplo, acontece quando um indivíduo na presença de um
91
grupo exerce certa influência. A representação idealiza a situação social, por
isso os indivíduos tendem a incorporar valores reconhecidos socialmente
quando interagem. Ao indagar sobre a representação deseja-se saber da
legitimidade do ator em desempenhar um determinado papel social. A
representação feita por um impostor pode enfraquecer o elo moral da situação
social. A fachada é referente ao desempenho individual normalmente geral e
fixo de definir a situação diante dos observadores. O cenário corresponde aos
elementos do pano de fundo da ação (decoração, mobília, disposição, etc.). Já
a fachada pessoal diz respeito dos elementos expressivos do próprio ator
(idade, vestimenta, sexo, expressões gestuais e corporais, etc.) (Cf.
GOFFMAN, 2008).
A região é outro conceito importante, Goffman realça a relação entre o
ambiente físico e a vida social. O modelo conceitual proposto colabora para
compreender a estrutura normativa que envolve as interações face a face. A
região, por exemplo, é um lugar “limitado de algum modo por barreiras à
percepção” (GOFFMAN, 2008, p. 101). A partir da metáfora teatral Goffman
distingue duas regiões: a fachada e o bastidor. A primeira é onde a
representação ocorre e atos legítimos são executados. Já nos bastidores, atos
que são suprimidos na fachada aparecem. Nos bastidores há elementos de
apoio à encenação do ator social. Isso porque nos bastidores não há a
presença da plateia. Na fachada os atores vigiam a representação e agem em
tom de autoridade, já nos bastidores o clima é informal e familiar. E é nos
bastidores que os atores oferecem apoio uns aos outros.
Na ocupação de garçons é evidente as duas regiões existentes no
ambiente de trabalho. O próprio métier da ocupação é dividido nos momentos
de atuação na fachada e bastidor.
Ao chegarem ao ambiente de trabalho os garçons primeiramente
montam o salão. Neste momento, em que estão no local físico onde mais tarde
se tornará fachada, mas sem os olhares de clientes e consumidores estão no
bastidor. Os garçons ficam sem uniforme já que ainda não começaram a
atender clientes. Antes de assumirem o trabalho de atendimento eles se
alimentam, mas normalmente não no mesmo lugar em que os clientes
consomem aquele ambiente. Frequentemente são em lugares mais precários,
pequenos, escuros, quentes e com poucas cadeiras e mesas. Os utensílios
92
para se alimentarem também são bem diferentes do que os clientes usam,
trata-se de pratos, talheres, copos de plásticos, os alimentos também não são
os mesmos, é uma refeição diferenciada para os trabalhadores. Apenas o Bom
Bar, dentre os estabelecimentos pesquisados, como mencionado
anteriormente, não assume esta postura de diferenciar trabalhadores e clientes
e consumidores de forma tão acentuada.
Depois de organizarem o salão, os garçons se alimentam, vestem o
uniforme (sempre limpo e bem passado), para depois atenderem os clientes.
Daí em diante, sobretudo em estabelecimentos estritamente formais, a postura
é amplamente modificada, os garçons se apresentam apenas em pé e em
direção aos clientes, nunca de costas. Os rostos passam a serem aprazíveis
em relação aos clientes, sorrisos aparecem no semblante dos trabalhadores.
Estresse, fisionomia brava e problemas exteriores ao bar são amplamente
coibidos em todos os estabelecimentos pesquisados, já que há a ideia de que
os clientes estão no estabelecimento para minar o estresse. Além disso, os
clientes estão dispostos a gastar dinheiro no estabelecimento e são eles é
quem incrementam o salário do garçom. Portanto, os clientes devem ser bem
tratados para que voltem e façam propaganda do lugar. E mais do que isso,
para que não façam propaganda negativa do lugar, afastando outros
consumidores. Aqui, fica claro que estas ações acontecem na fachada.
Nos bastidores é diferente, quando chateados com consumidores
enjoados ou mesmo exigentes demais os garçons desabafam nos bastidores,
onde não podem ser vistos por quem não é da organização. Muitas vezes
fazem piadas, conversam e até choram fazendo referência às interações que
tiveram com os consumidores. É nos bastidores que as emoções dos
trabalhadores florescem naturalmente. Na fachada as emoções não são
manipuladas. É comum o receio que nos bastidores acontecem ações
desrespeitosas em relação ao cliente, como garçom que cospe na bebida
alheia e etc. Nada disso foi relatado na pesquisa de campo, dizem que é lenda
sobre a ocupação, mas há essa ideia nas representações sociais sobre
garçons.
No caso do Bom Bar, devido ao pouco espaço do lugar, não existe um
local que poderia ser chamado de bastidor, já que o espaço é constituído
apenas pelo salão e pela área atrás do balcão e pelo caixa em que os garçons
93
nem entram. A cozinha do Bom Bar, que poderia ser entendida como um
bastidor, é em outro lugar, está a mais ou menos um quilômetro
estabelecimento. Quando estressados e cansados do barulho e calor os
chapeiros, balconistas e garçons tinham como hábito de se acomodar do lado
de fora do local, junto às mesas e cadeiras extras colocadas, ali conversavam e
alguns fumavam cigarro. O local funciona quase como um bastidor, entretanto
nem sempre se tem tempo para ausentar do serviço e sair. Até mesmos os
banheiros são comuns a trabalhadores e consumidores.
O Balhego é semelhante ao Bom Bar quanto ao espaço pequeno. Há
apenas o salão, o balcão e uma cozinha bem pequena, que sequer comporta
outras pessoas além do cozinheiro. A área que pode ser considerada o
bastidor está nos outros andares do prédio, no primeiro em que há um depósito
e no terceiro onde há uma área própria para os trabalhadores se vestirem e
guardar pertences. Como é preciso fazer um deslocamento vertical e também
há a falta de tempo, o local acaba por não funcionar como um bastidor, porque
é difícil encontrar outros pares para desabafar.
Nos outros estabelecimentos pesquisados havia uma clara divisão entre
fachada e bastidor.
A divisão de regiões nos estabelecimentos era claramente percebida
pela restrição da presença da pesquisadora no local. O bastidor simplesmente
não era apresentado ou aberto. No Gira Mundo, através de um pedido e da
confusão sobre a minha presença no local um garçom, sem jeito de recusar,
um garçom me conduziu até uma área específica para trabalhadores: onde
estava o armário dos trabalhadores, o banheiro e bebedouro. Mas com certeza
a ação causou certo desconforto no estabelecimento. A cozinha eu consegui
visualizar da parte de fora, de onde os garçons retiram os pratos. Na Choperia
Matilha consegui visualizar a cozinha porque para ir até o escritório do local é
preciso passar por ela, por isso, a presença não causou estranheza. Entretanto
foi uma passagem pelo ambiente e não uma apresentação.
Por sua vez, a experiência no Bom Bar foi diferente. Após conceder uma
entrevista João, todo orgulhoso, me levou até a cozinha do Bom Bar e mostrou
todo o processo de produção dos alimentos do lugar. No estabelecimento
também tive a interessante oportunidade de estar do lado de lá do balcão e
perceber o local de outro ponto de vista, no Balhego também foi possível isto.
94
A diferença do Bom Bar e do Balhego quanto ao local do bastidor não se
deve apenas ao pequeno espaço do estabelecimento. Deve-se também a
tradição na cidade de estabelecimentos com balcão. É uma diferença cultural.
Estabelecimentos com balcão desenvolvem outro tipo de interação em
serviços. Em outros termos, é preciso ressaltar que o balcão assume outro
significado na cidade e nesses estabelecimentos. Nestes lugares o ato de
beber em pé no balcão é corriqueiro. Dali é possível visualizar o trabalho
desenvolvido e conversar com garçons, balconistas, chapeiros, chopeiros,
caixas, sanduicheiros, gerente, proprietário. No balcão é possível se familiarizar
com o estabelecimento de modo mais completo.
No moderno Vila Cambuí, outro estabelecimento de Campinas, é
diferente. Existe balcão, mas é regra não é permitido beber ou sequer fazer um
pedido no balcão. A presença da pesquisadora diante dele causava certo
desgosto, ainda que não tenha sido dito foi possível perceber.
Já nos estabelecimentos pesquisados de Goiânia o balcão é funcional,
servia para repassar bebidas. Até mesmo em um estabelecimento que tem
nitidamente a inspiração em botequins cariocas (estabelecimento visitado
durante a iniciação científica) o balcão é vazio, é apenas ocupado por
trabalhadores. Ou seja, a arquitetura dos botequins é construída, mas a
informalidade, a sociabilidade e a intimidade, que marcam a essência do
botequim carioca36 não são efetivas.
O pensamento do cientista social D. Slater (2002) sustenta a presença
de um “botequim carioca” em Goiânia ao considerar a cultura do consumo na
modernidade. Slater escreve no prefácio do livro Cultura do consumo &
Modernidade que: “ser moderno é ser consumidor; modernizar é, em última
instância, manter tanto um modo de vida consumista quanto a capacidade de
participar da cultura do consumo global” (SLATER, 2002). Ou seja, um
36
Uma estimulante conversa sobre os bares tradicionais ocorrida no I Seminário Internacional do Bar Tradicional, realizado em dezembro de 2011 na capital carioca, discutiu justamente a primazia da comida em botecos. A ideia em voga era a de que a gastronomia estava a invadir este tipo de estabelecimento e isso evidencia algo simples “não temos o que conversar”. A sociabilidade, eminente a estes lugares, não ocupa mais a motivação central de consumo destes estabelecimentos. Para colaborar a hipótese resta destacar os vários eventos gastronômicos realizados, um deles que é feito em ambas as cidades da pesquisa, evento de referência, é o “Comida di Buteco”. Além disso, existem os eventos realizados pelos sindicatos de estabelecimentos de alimentação e pela Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes) para divulgar os estabelecimentos das cidades.
95
“botequim carioca” em Goiânia expressa ao mesmo tempo o consumo de uma
novidade e certa participação de outra cultura. Ainda que haja uma adaptação
à cultura local.
3.4 Interações em serviços: garçons de bares restaurantes
Serviços interativos são chamados de serviços da linha de frente, porque
o servidor interage diretamente com o consumidor. O cliente participa da
produção do serviço em maior ou menor grau, dependendo do tipo de serviço.
Quando um cliente pede sugestões ou realiza um pedido para o garçom, por
exemplo, desenvolve seu papel na situação. Téboul (1999) reflete sobre os
serviços como uma “caixa preta”: o que entra na caixa é a necessidade ou
problema do cliente, após o serviço prestado, ou seja, fora da caixa preta
apresenta-se o cliente suprido ou com a solução. “Dentro de um restaurante,
por exemplo, um cliente entra esfomeado e sai satisfeito. Da mesma forma
ocorre no hospital, um paciente entra doente e sai curado” (TÉBOUL, 1999, p.
20).
A coprodução do cliente nos serviços aumenta o grau de incerteza da
atividade. A rotina não é habitual, afinal situações inusitadas acontecem e o
comportamento dos consumidores não é previsível. Se a empresa é
estritamente burocrática como o McDonald’s, em que seu layout e proposta
direcionam o comportamento do consumidor, é possível controlá-lo de modo
suficiente. Caso contrário não. Ainda assim, é preciso destacar que ambos,
trabalhador e consumidor, atuam seguindo normais morais da ordem social. Ou
seja, atuam conforme os valores reconhecidos nas situações sociais
vivenciadas. Outra forma de aumentar a previsibilidade das interações em
serviços é a partir de uma criteriosa seleção e treinamento de funcionários (Cf.
MCCAMMON; HOLLY, 2000). Perrow (1972) enfatiza técnicas e procedimentos
utilizados por empresas burocráticas para direcionar como deve ser o
relacionamento com os consumidores:
Os indivíduos são separados por categorias, porque seria tremendamente dispendioso tratar cada caso especialmente, através de uma análise completa. As categorias, assim como os estereótipos, permitem-nos atuar num ambiente em que vivemos sem ter que
96
tomar decisões a cada minuto. A impessoalidade e o formalismo são essenciais em uma organização, para evitar o favoritismo e a discriminação prejudiciais e para proteger indivíduos do constrangimento causado pelo conhecimento e amizade, quando a situação exige uma decisão impessoal (1972, p. 82).
No Vila Cambuí, a situação é semelhante. O estabelecimento é
considerado um representante de um estabelecimento com interações formais
entre garçons, clientes e consumidores. A gestão do estabelecimento coíbe
contato mais íntimo e igualitário dos trabalhadores com o público, acentuando
as diferenças sociais entre trabalhadores, clientes e consumidores ao
determinar o posicionamento distante dos garçons perante os frequentadores
do lugar. Trata-se de estabelecer abertamente o lugar dos garçons diante da
situação social. Quando acontece algum problema mais grave em uma mesa,
por exemplo, o garçom se abstém e chama o maître para responder a questão.
Os garçons não devem estabelecer laços com os consumidores, ainda que os
conheçam. Cumprimentos e apertos de mão, por exemplo, são proibidos. As
vias de acesso ao estabelecimento são diferenciadas para clientes e
trabalhadores.
Neste sentido percebe-se que as interações entre garçons, clientes e
consumidores do Vila Cambuí são preponderantemente formais e impessoais.
Há neutralidade afetiva ou afetividade-instrumental. Alguns clientes, por
exemplo, arriscam “fazer amizade” com garçons por interesse, o garçom Israel
relata: “quando ele volta ali ele já quer de graça, algum benefício, vantagem”.
Mas a distância exigida dos garçons em relação aos consumidores dificulta o
afeto. Os garçons devem estar apostos para atender o consumidor: com
postura solicita, braços cruzados para trás e virados em direção sua praça de
modo que fiquem em contato direto como os seus clientes. Um garçom do
estabelecimento, Marcolino, aponta para a dificuldade em utilizar a formalidade
durante a atividade no Vila Cambuí, e de certa forma, também para a demanda
por parte dos clientes de atenuar o formalismo no tratamento:
Eles cobram, só que a gente não consegue essas cobranças em dia, porque a gente já tem o conhecimento de muitos anos da casa, da cobrança. A cobrança com o cliente é “senhor e senhora”. E a cobrança deles. A gente não consegue fazer isso porque têm conhecimento com os clientes muito grande, todos os clientes aqui.
97
Marcolino inclusive menciona o comportamento de alguns clientes do
Vila Cambuí que não colaboram com o serviço porque acreditam que o garçom
deve fazer o trabalho dele da melhor forma. Para não ocorrerem casos de
garçons que “leiloam pedidos”, o estabelecimento criou uma forma de numerar
além das mesas, as cadeiras dos clientes:
Já pensou você chegar na mesa “de quem é o suco de laranja?”. Fica aquela coisa, o cliente começa a assustar, tem cliente que nem responde se o suco é dele, mas ele nem responde, tem cliente desse jeito. Se eu pedi o garçom ele tem que saber. Ele tem a obrigação de saber de quem é o suco dele, tem uns que responde, tem uns que responde mais bravo.
No entanto, há relatos de situações que fogem das exigências gerenciais
da empresa quanto ao tratamento com clientes. Normalmente a regra informal
da ocupação de garçom é que o trabalhador deve seguir a demanda do cliente.
Então se o cliente estende a mão para cumprimentar o garçom este precisa
fazer o mesmo. Se o cliente puxa conversa ou faz perguntas o garçom deve
responder. Ou seja, o garçom está ali para servir o consumidor. Entretanto o
garçom não deve iniciar uma conversa ou ter a iniciativa de cumprimentar
pessoalmente o cliente. Frases receptoras devem ser exprimidas “boa noite”,
“seja bem visto”, “a disposição”, na saída, “volte sempre”, “até mais”. Isso são
regras informais da atividade, contudo variam de estabelecimento para
estabelecimento. O garçom Marcolino, do Vila Cambuí, afirma não conversar
muito com os clientes: “eu acho que o cliente não saiu da casa dele para
conversar com o garçom, se ele puxar conversar com você, você conversa e
de cara já procura sair para não tomar muito o tempo dele, principalmente se
tiver acompanhado”.
No caso do Vila Cambuí há uma curiosa especificidade sobre a postura
do garçom. Ele não deve respeitar os estímulos do cliente, se o cliente
entender a mão para cumprimentar o garçom, o mesmo não deve fazê-lo, por
exemplo. É uma forma de educar o cliente à proposta do estabelecimento e
selecionar o tipo da clientela do local. Porém, nem sempre na prática é assim,
há situações que destoam das reivindicações gerenciais. O garçom Israel e o
Marcolino apresentam, concomitantemente, pontos de vista e situações sobre o
assunto em voga:
98
O cliente tem um relacionamento como se fosse amigo, muito parceiro, admira muito. Os clientes chegam e têm um carinho muito grande pelo o nosso profissional. Abraça, beija, quer saber como você está e sua família. A gente fica satisfeito porque a pessoa preocupa com a gente. Uma situação é que a gente expõe um pouquinho para poder trazer ele pra gente, conversa. Acontece muito, você vê o cliente entrando daquele jeito e você faz uma leitura. E chega lá ele é outra pessoa, acontece, aconteceu comigo ontem. O senhor entrou, um casal, entrou sério, eu achei que ele era uma pessoa mais séria. Ele começava a brincar com a mulher e eu não aguentava, chegava perto da mesa e começava a sorrir. E ele “pô! Você só vem na minha mesa sorrindo”, “não aguento olhar no seu rosto”, “se você vim me atender e começar a sorrir vou dá soco em você”, brincando, a mulher dele não aguentava de risada, era legal, era divertido o coroa.
Mas de modo geral, pode-se afirmar que o relacionamento desenvolvido
entre garçons e consumidores do Vila Cambuí é instrumentalizado e baseado
na aparência. A afirmação de Marcolino expressa claramente isto:
Tem gente que gosta que chame pelo o nome, para mostrar que eles já conhecem a casa e conhece os garçons. Por ser o terceiro maior clube de bebidas, o cliente quando entra aqui ele já gosta que leva a garrafa dele pra mostrar que ele é conhecido da casa.
Mas ainda que haja “causos”, neste estabelecimento, situações mais
marcantes e um pouco menos formais que ocorrem entre garçons e clientes
advêm de episódios não rotineiros, como um incidente na prestação do serviço.
Certo dia, no Vila Cambuí, um jovem cliente mostrou descontentamento com o
garçom quando este trouxe copos molhados para degustar uma cerveja
importada (o hábito de beber cervejas importadas no país tem se popularizado
e o mercado apresenta rápida expansão). Fato é que o barman do
estabelecimento preparou a bebida e os copos especiais para a cerveja para o
garçom levar, antes imergiu os copos em um recipiente de gelo. Certo ou não,
o cliente não gostou e acusou o garçom de ter levado copos molhados
(escorrendo água) para a mesa. Este sem saber ao certo explicitar o motivo
técnico de os copos estarem daquela forma disse que era norma da casa o
99
procedimento37. Prontamente pediu desculpas e buscou um lenço e secou os
copos em frente à mesa, enquanto os amigos discutiam sobre a maneira
correta de degustar a cerveja o precursor da situação ainda resmungava. A
situação demonstra insatisfação com o estabelecimento, sobre seus
procedimentos adotados, contudo a “chateação” é descontada no garçom.
Afinal está é uma característica da atividade, por estar em contato direto com o
consumidor a maioria dos problemas ocorridos no processo são creditados ao
garçom. Porém as reações dos consumidores são variadas e Israel, garçom do
estabelecimento, comenta:
De repente aconteceu um acidente ali na mesa e nada a ver, uma pessoa superpreparada, chega e derruba uma coisa na pessoa e a pessoa acaba te surpreendendo porque você esperava uma dura. Tem cliente que se você derrubar uma gota de água no braço da pessoa fala que você é um péssimo profissional, chama o gerente e quer te tirar da casa (...).Tem clientes que são muito pra frente chega e chama na lasqueira, chega e fala, tem umas que são muito educadas, outras que são através do olhar.
Israel afirmou que, quando alguém se altera na mesa, sempre tem uma
pessoa na mesa que entende a situação e tenta apaziguar, mas mesmo assim
o garçom assume a posição subalterna na situação. “Por mais que seja um
acidente ou não, não foi à intenção, você fica humilde, pede desculpas, “foi
distração minha”, você tem que assumir”. Segundo ele é gratificante saber lidar
com o estado do cliente:
Acho que a gente usa um pouco dessa psicologia porque a pessoa que está querendo conversar, desabafar, a pessoa chega estressada, você tem que falar com ela pra ela sorrir, é gostoso. Eu acho que é persistência, você chegar na pessoa e tentar agradar, sempre sorrindo, você consegue.
37
Em alguns estabelecimentos barman realizam pequenos cursos de preparação de
drinques oferecidos por distribuidoras de bebidas. Quando algum bar fecha uma parceria com uma marca específica é possível que isso ocorra. Além disso, garçons passam por um treinamento para vender os drinques. Através do Vila Cambuí participei de ambos: do curso para barman ministrado para vários barman da cidade e do treinamento para garçons do Vila Cambuí para vender drinques e também vinhos, oferecido por outra distribuidora. A ideia era que todos os estabelecimentos vendessem drinques específicos com o intuito de instigar e aumentar o consumo de bebidas destiladas no Brasil, já que a expressividade das vendas no país é pouco notória. O que assinala para a massificação e padronização nas situações de consumo, entretanto que ocorre em estabelecimentos específicos. Ou seja, aqueles considerados modernos e empresariais, que fecham contratos com marcas específicas para promovê-las e promover o estabelecimento. Em contrapartida, assinala situações de contínua formação dos funcionários.
100
O Vila Cambuí busca o fidelizar o consumidor diante do estabelecimento
e não do atendimento personalizado; em outros termos trata-se de uma
experiência de serviços que é considerada por Gutek et al. (2000) como uma
pseudorrelação, o consumidor volta ao estabelecimento prestador de serviços,
mas não volta atrás por causa de um profissional específico que presta o
serviço. Em alguns serviços específicos a confiança depositada em um
profissional graças a sua competência técnica faz com que o consumidor volte
ao profissional do ramo: como é o caso de serviços de beleza, reparação ou
cuidados.
Ao que parece o Vila Cambuí ambiciona manter-se uma comunidade
destrutiva, no sentido apresentado por Sennett. Ou seja, em que surgem
comunidades fechadas e integradas cunhadas a partir de uma cultura
narcísica. No qual nelas, trabalhadores subalternos devem manter distância
correlata à ocupação desenvolvida. É fácil perceber ao analisar a rotina do
estabelecimento, o jornal impresso e o site do estabelecimento. Fotos de
famosos e pessoas bonitas são estampadas para mostrar quem passou pelo
Vila Cambuí. A ideia apresentada é de que aquele não é um mero
estabelecimento, é “o lugar” daquelas pessoas. Ou seja, é a “Vila” delas, bem
como é a base do clube de homens apresentado também por Sennett, ou seja,
a plateia é selecionada. O estabelecimento, por exemplo, proporciona festas
exclusivas para seus clientes. No jornal comemorativo de dez anos do
estabelecimento são aclamados ordenadamente: os frequentadores do local;
os eventos e propostas do lugar; sua história; prêmios; depoimentos de
parceiros e clientes e para finalizar, na última página; trabalhadores que
compõem a equipe do Vila Cambuí. O que mostra o lugar e importância destes
na proposta do estabelecimento.
No Balhego Imperial é diferente. Ele é considerado representante de um
estabelecimento com interações informais entre garçons, clientes e
consumidores. Os funcionários da empresa são valorizados. São antigos. O
Balhego motiva os funcionários ao declarar que eles foram escolhidos para
trabalharem na renomada casa campinense. A cada cinco anos “de casa” os
garçons recebem um broche em formato de tulipa de chope para afixarem no
101
uniforme. Funciona como uma espécie de medalha; a intenção é reconhecer o
trabalho prestado na casa. Também é uma forma de mostrar isso aos clientes
e consumidores, bem como uma maneira de fazer com que considerem e
respeitem o trabalhador pelo tempo que está atuando na casa.
A combinação de funcionários antigos e clientes frequentes recai em
certa familiaridade e intimidade entre ambos e faz com que certo tipo de
interações seja desenvolvido. O gerente Pereira, que antes de alcançar o cargo
tinha sido garçom no Balhego, por vezes senta-se a mesa com alguns clientes
para prosear. Clientes conversam com garçons. também conversam com
outros clientes que ali se encontram por acaso. Pontes conta sobre os clientes
do local: “o cliente aqui normalmente vem todos os dias, você tem uma
amizade com ele, você sabe como ele gosta de ser tratado”. Pontes também
afirma que brincadeiras costumam resolver as angústias dos clientes: “se é um
domingo o cliente não tem pressa pra ir embora, normalmente eu falo ‘hoje é
domingo pra que a pressa? O lanche vai sair rapidinho’. Não pode é ficar
estressado com o cliente senão ele vai cancelar e pedir a conta e ir embora”.
Os clientes chegam a perceber o estado dos garçons:
Tem muitos clientes que vem todos os dias, tem muita amizade com o garçom. Se algum dia você está com algum problema eles percebem na fala do garçom. “Hoje ele não está igual nos outros dias, sorrindo, brincando”. Então normalmente como tem mais contato, vem mais vezes e tal, conhece, pode ter alguma reclamação... Brincando né, eles falam pra mim “hoje o Pontes não está sorrindo não”, mas na brincadeira e acaba incentivando a gente sorrir, sorriso no rosto.
O hábito de acomodar ao balcão é comum. Certo dia também um cliente
ficou parado um bom tempo na porta do estabelecimento tomando um chope e
observando o movimento do centro da cidade e o largo a frente. Outro cliente
disse que ser um hábito saudável ir até o Balhego. “Bar é vida, quem não vem
não sabe nada da vida. Aqui é possível sentir o pulso da cidade, dilemas e
dramas”.
O clima de sociabilidade e tradição do local é evidente. O Pereira afirma
que as mudanças normalmente não são bem vistas pelos clientes do Balhego
Imperial. Se os outros estabelecimentos da rede mudam algo, não
necessariamente a medida é implementada no local. Lá a preocupação de
102
manter as coisas. Pereira nota “às vezes há uma mudança boa no mercado e
o cliente não acompanha”. Para ele o antigo cliente Pedro é radical, tem suas
manias. Constantemente aparece para tomar um chope, mas só aceita se for
tirado por Manuel. Além disso, o estabelecimento guarda tulipas antigas para
os poucos clientes que não gostam de tomar chope no novo copo, como é o
caso de Pedro. A massa do pastel que antes era feita no cocho e agora é feita
na máquina também causa descontentamento em alguns. Por sua vez, o
gerente pondera a mesma qualidade do produto e funcionários saudáveis, sem
forçarem excessivamente os braços e coluna para amassar a massa.
Entretanto a maior descoberta no estabelecimento foi quanto à diferença
no tratamento dos tradicionais clientes do Balhego Imperial. Segundo Pereira o
cliente do estabelecimento “quer ser tratado como rei, ele não quer intimidade,
não quer amizade” e ainda ressalta o desprezo de alguns que sequer
respondem ou olham quando o garçom cumprimenta “boa noite”. Lá há tanto
os clientes que reconhecem o trabalho dos garçons e os que não se importam,
desejam apenas serem atendidos por um garçom discreto. Para estes o
trabalhador é praticamente invisível, algumas vezes o atendimento sequer é
agradecido.
Ainda assim conforme a cartilha do Balhego é essencial identificar
clientes. Pereira destaca isto: “o fato de cumprimentar um e não outro faz com
que quem não foi se sinta diminuído, ele quer ser conhecido”. Na apostila de
treinamento, por exemplo, um dos aspectos elencados que diferencia o
profissional é o atendimento personalizado “chamando-o sempre pelo nome”. O
tratamento deve ser diferenciado porque “as pessoas sentem a necessidade de
serem tratadas como únicas” e isso carece capacidade do funcionário de
perceber o cliente. Porém não pode haver discriminação no atendimento. A
evidência valorativa disto é apontada pelo garçom Abelardo: “o dinheiro vale
tanto quanto o do outro”. O garçom Gerson conta sobre as diferenças dos
clientes, mas diz que eles gostam de atenção:
Tem cliente chega quer tomar o chopinho dele, quer privacidade e não quer nem papo. Mas tem cliente, a maioria deles, quer que você trate dando atenção a eles, como se ele fosse o único e ninguém mais em volta dele. Você conta piada pra ele e dá risadas, conversa com você e você dá atenção ao que ele está falando não importa que seja sobre serviço, assunto de trabalho ou de fora, mas dá atenção
103
pra ele, e às vezes uma palavra de apoio naquele momento ele vai gostar muito. Às vezes o cliente chega “você não me viu aqui não? Nem me cumprimentou” porque de repente é difícil você atender um cliente e ser de fora, primeira vez que vem aqui, geralmente o cara “eu já vim aqui você lembra de mim?”. Eu costumo falar um ditado que é verdadeiro, a gente do Balhego conhece a metade de Campinas e a outra metade conhece a gente.
Por sua vez, a intimidade pode ser mal vista. Abelardo conta uma
situação que ocorreu com ele e apresenta distintos gostos dos clientes quanto
ao tratamento:
Tem cliente que se você ficar massageando ele, ele acha ruim, tem cliente que não gosta e a gente tem que entender. Eu já tive cliente que eu fui atender, recepcionar na porta ele fez um sinal pra mim (sinal de pare), tava com a mulher dele aí, esse aí eu nunca mais, eu deixo ele a vontade.
No Balhego, extremamente curioso é há ânsia por caprichos por parte
dos clientes, fazendo com que algumas vezes o garçom extrapole suas
obrigações, como comprar remédios para clientes em comércios vizinhos ou
comprar crédito para o celular do cliente que degusta tranquilamente um
chope, chamar táxi, entre outras coisas. O garçom está ali para servi-los de
modo amplo e parte dos consumidores do Balhego gosta desta cômoda
situação. É o prazer em ser servido ressaltado por Gorz. Abelardo conta
situações vivenciadas no estabelecimento neste sentido, bem como o garçom
Pontes:
Às vezes, o cliente está sentado e ele pergunta pra mim: “onde vende cartão telefônico, cartão para carregar celular?”, eu falo “na banca”. Se eu tiver parado sem fazer nada eu peço para o outro garçom “dá uma olhada na minha praça para eu buscar o cartão do cliente”. É uma cortesia, para sair lá e comprar um cigarro. O cliente não vai falar “vai lá comprar pra mim”, ele não vai exigir de você, a gente que vai e compra. O cliente gosta, agradece, às vezes dá até caixinha, tem uns que dá tem uns que não dá.
Você quer agradar o cliente, por exemplo, tem muito cliente que pede pra gente buscar alguma coisa e a gente vai para agradar ele. Mesmo que não seja o papel da gente, eu procuro sempre fazer para agradar ele. Lógico se for uma coisa demais você não vai fazer.
O gerente Pereira apresentou outras situações que ocorrem. Como por
exemplo: se preciso é possível inventar algo para o cliente que extrapole o
104
cardápio, “como um caldinho, vale para qualquer um”. Também ocorre de os
clientes quererem levar alguma peça de frios exposta no estabelecimento.
Apesar de os objetos não estarem ali com esta intenção, Pereira assegura
primeiro serve ao cliente, “se quiser, vende. Ter o produto e não servir o
cliente, não dá!”.
Este tipo de situações de serviços denota algo semelhante ao que
defendido por Sennett no período de grande urbanização, trata-se de certa
necessidade dos indivíduos de adquirir
reputação: ser conhecido, ser reconhecido, ser singularizado. Numa cidade grande, essa busca da fama por se tornar um fim em si mesmo; para tanto, os meios são todo tipo de imposturas, convenções e etiquetas com que as pessoas estão sempre tão dispostas a jogar numa cosmópolis (SENNETT, 1988, p. 152).
Essa característica é única ao Balhego. Em Goiânia algo semelhante
não foi encontrado, nem mesmo nos outros estabelecimentos de Campinas.
Com certeza, essa é uma diferença cultural que remonta à história da cidade, a
tradição do Balhego em Campinas e de seus consumidores. Uma cidade em
que a elite por muito tempo foi servida por farta mão de obra escrava parece
carregar resquícios da escravidão. Ainda que esta característica identificada no
Balhego corrobore com a tipificação descritiva de interações informais entre
garçons e clientes, no sentido de que, demonstra a afetividade nas interações
de serviços. Bem como também demonstra uma tentativa de desrotinizar o dia
a dia de trabalho.
Quanto ao relacionamento com clientes o Balhego Imperial apresenta
estabelecer relações marcadas pela afetividade, ora pela afetividade
instrumental, graças à efetividade nos processos de seleção e treinamento dos
funcionários contratados e anos de experiência no local. Por ser um
estabelecimento conhecido na cidade as experiências de serviços manifestam
principalmente relações e pseudorrelações, mas encontros de serviços
ocorrem também devido a sua fama. A pseudorrelação é entendida pelo nível
do padrão de qualidade que o estabelecimento alcançou ao longo dos anos.
Pela idade, tradição e política do estabelecimento o relacionamento com
clientes é pessoalizado.
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O Bom Bar é considerado um estabelecimento com interações informais
entre garçons, clientes e consumidores. A afetividade e o atendimento
personalizado são evidentes nas interações de serviços. Saudações, abraços,
apertos de mão, beijos no rosto, fala ao pé do ouvido e atos afetuosos entre
trabalhadores e clientes foram comuns na observação durante a pesquisa
empírica. Denominações carinhosas feitas por garçons para clientes também
eram comuns de observar como “amigão”, “minha deusa”.
Além disto, a informalidade é constante no Bom Bar. Os garçons fazem
brincadeiras e “pegadinhas” com clientes e trabalhadores. Uma delas, por
exemplo, é quando um garçom bate a caneta duas vezes no pé de alguém
distraído e continua de forma séria o trabalho. A pessoa olha ao redor e não
entende o que aconteceu. Um dos garçons, Vilmar, cantarola e marca o ritmo
na batida do cardápio, “oh abre alas que eu quero passar” e também faz sinal
da sirene para que as pessoas saiam do pequeno caminho da parte interna do
estabelecimento. Quando alguém dá caixinha para um balconista, eles gritam
alto para animar os colegas “caixinha de fulano”. A caixinha recebida no Bom
Bar é dada diretamente aos funcionários e é dividida para todos no fim do
expediente. A pessoalidade é eminente no Bom Bar, o aviso imperativo nos
banheiros do local expressa isto: “conserve, que eu limpo, Pretinho, o cara que
limpa. Obrigado”.
O relacionamento com a pesquisadora não foi diferente. Os clientes
cumprimentavam e os trabalhadores também. Também houve em alguns
momentos em que o estabelecimento oferecia como cortesia da casa,
deliciosos salgadinhos quentes, sobretudo. Ao pagar as contas o Gerônimo no
caixa entregava gentilmente um bombom.
O Bom Bar possui clientela variada, tem pessoas mais jovens, mais
velhas, mais simples, mais abastadas. Segundo o garçom Vilar no
estabelecimento “dá de tudo sem exceção, eu acho que aqui é a escola da vida
eu falo para os outros funcionários, porque você trabalha desde os lá de baixo
até os topes mesmo”. O estabelecimento tem clientes antigos e bastante
frequentes no estabelecimento, tem clientes antigos, mas não tão frequentes e
tem aquelas pessoas que vão ao estabelecimento apenas para conhecer. São
clientes realmente assíduos. Na semana em que acompanhei a rotina do
estabelecimento reconheci várias faces. Aqueles com hábitos extremamente
106
rotineiros, aqueles que ali encontravam a turma de amigos, aqueles que por
morarem bastante próximo ao lugar estavam sempre no Bom Bar. Por isso,
pode-se considerar que a predominância nas experiências de serviços é
marcada pela relação ou pseudorrelação. O número pequeno de garçons no
estabelecimento, apenas quatro, também tende ajudar a vislumbrar que as
pessoas voltem ao estabelecimento não apenas por gostarem do
estabelecimento, mas por gostarem do atendimento prestado pelos garçons da
casa. Outras evidências apresentadas a seguir, denotam que relação de
serviços é importante para muitos clientes do Bom Bar. O garçom Vilmar,
começou a trabalhar aos dezoito anos no Bom Bar e já está na casa há doze
anos, ele conta sobre o seu relacionamento com os clientes:
Tem clientes super amigos, de marcar churrasco no fim de semana, tem uns que já é sócio da casa, vem todos os dias. A gente já considera que faz parte da família, porque aqui devido os funcionários serem tudo antigo, então a gente já considera uma família, esses clientes que já são né, que vem todos os dias, já considera um dos nossos, então há uma grande amizade sim.
Por isto um diferencial da casa é que muitos clientes possuem conta na
casa. Dois clientes diários da casa que pagam suas contas mensalmente
afirmaram que o critério para a barganha é que no Bom Bar o “pedágio é ser
honesto”. E não só isto, muitos clientes se servem, vão até o freezer abrem a
cerveja e pede ou para os balconistas ou garçons anotarem. Ao indagar para o
João sobre o ato velado de vender fiado ele responde enfaticamente:
Claro, uai. Como é que eu não vou vender fiado, eu não quis vender fiado. Mas, o sujeito levanta e vai embora e não paga a conta. Quando foi outro dia o cara vem e fala “está aí a conta”. Sabe o que eu falo pra você hoje em dia 90% de quem vêm aqui eles sabem quem é e o nome da pessoa.
Além disto, o nível de confiança dos clientes com os garçons é alto. Um
dia um cliente anota a senha do cartão em um guardanapo e entrega junto ao
cartão para o garçom para que ele efetue o pagamento. Em outros
estabelecimentos não percebi nada parecido, talvez aconteça. Mas com
certeza é uma característica semelhante ao que acontece no tradicional
107
Balhego, em que os clientes pedem aos garçons para comprarem coisas no
comércio vizinho.
O garçom Otalício está trabalhando há apenas um ano no Bom Bar, mas
afirma conhecer o estabelecimento há muitos anos. No passado ele foi garçom
do Balhego, ele e outros colegas de trabalho foram mandados embora quando
o estabelecimento em que trabalhava foi fechado. Apesar do pouco tempo no
Bom Bar, o tempo de trabalho em outras casas de Campinas e sua experiência
na área evidencia sua afetividade no tratamento com os clientes e a afetividade
dos clientes com ele:
Tem o carinho que alguns clientes têm com a gente. É uma coisa muito... A pessoa gosta de você, gosta de você atender. Te trata bem, te trata com muita atenção. Isso é uma coisa que marca a gente, isso marca, tem vários clientes aqui, clientes ativos que nossa! São gestos, abraços, eles te olham nos olhos e isso a gente percebe, o cliente não te vê só como um garçom... Diz: “vai na minha casa e tal”.
Além disto os garçons, de modo geral, acabam por aproveitar o bom
relacionamento com clientes e o reconhecimento do trabalho prestado de
algumas formas. Uma delas é ganhar presentes ou serviços relacionados ao
trabalho dos clientes ou ainda receber ofertas de emprego. O garçom Vilmar
conta que ele e sua filha já foram atendidos gratuitamente por médicos que são
seus clientes e a seguir menciona os presentes que recebe e
consecutivamente, Otalício conta uma constrangedora situação vivenciada com
um cliente do Bom Bar, dono de uma fábrica de colchão:
Camisa, vinho, champanhe, quando eles viajam traz uma lembrancinha da cidade. Tem uma moça que me considera como um filho, devido à vida dela ser corrida e a minha também, então todas as datas marcantes dia das mães, natal eu sempre mando mensagem pra ela, ela sempre traz presente para minha filha, pra mim, nossa quando ela me ver quase chora. Chora, dá aquele abraço.
Aí eu perguntei pra ele “quanto você me venderia um colchão?”, ele falou “Otacílio me dá o seu endereço, eu vou mandar com o preço pra você”. Chegou lá e entregou com a nota fiscal isento. Eu queria pagar, mas é uma coisa que eu não gosto. Eu gostei de ganhar, mas eu me senti mal porque não sei... É gostoso você ganhar, mas eu vou pagar pelo ao menos um pouco pra ele.
108
A situação narrada pelo garçom expressa a proximidade e pessoalidade
entre garçons e clientes do estabelecimento, bem como a informalidade
apresentada nas interações de serviços. Para Otalício agradar o cliente é
importante para alcançar um bom relacionamento com o cliente e ele gosta de
fazê-lo:
Eu sei o que você gosta de tomar eu já trago pra você, minha intenção é de te agradar. Você vai sentir: “pô! O garçom lembra do meu nome e sabe o que eu gosto de tomar”. Ou isso é ruim? É gostoso você chegar, o cliente, e o garçom te abordar a dez anos, ver as pessoas, ele saber o seu nome.
O garçom Vilmar tem outra característica no que se refere ao tratamento
de clientes, sua autenticidade é manifesta no trabalho. Várias situações
mostram isto. Em um diálogo com uma mãe e filha adolescente após
comprarem um chocolate derretido e reclamarem ele pergunta se quer que
coloque na geladeira, mas logo em seguida diz: “o gostoso minha filha é lamber
o papel” e mostra o gesto. De fato é o que ocorre. Ao escutar outro resmungar
“tem mais na garrafa”, diz “ah quer lavar e beber”. Outro dia estava a fazer
massagem na cabeça de uma cliente. Quando a esposa de um cliente reclama
do calor e ele pede um ventilador ele volta com um cardápio, abana ela e diz
“que marido inútil que você tem”. O cliente segue a mesma linha: “olha não vai
cobrar mais que 10%”.
No Bom Bar os garçons possuem maior autonomia quanto ao
atendimento aos clientes, podendo desenvolver suas personalidades sem que
seja instrumentalizada tendo em vista o gerenciamento e os benefícios da
empresa. Segundo Erickson (2004) quando os trabalhadores possuem maior
autonomia no trabalho são mais envolvidos com o mesmo. Com isto a
propensão de sofrerem psicologicamente com os princípios gerenciais é
menor. Vilmar conta que quando trabalhou em outra casa, o Gira Mundo, era
bem diferente, “você mal podia ver um amigo seu cumprimentar e dar um
abraço, aqui não, deixa você totalmente à vontade, desde que você não deixe
o seu serviço”. A seguir Vilmar conta como é sua postura diante dos clientes do
Bom Bar:
109
No meu caso eu procuro ser legal com todo mundo. A gente tenta dar o melhor da gente. Eu gosto de brincar bastante. Já que eu vou passar várias horas no meu serviço eu procuro fazer do meu trabalho uma diversão. Lógico tem gente que não gosta, mas aqueles que não gostam você já percebe de imediato. Você faz uma brincadeirinha ela faz uma carinha que não gostou, tranquilo você faz o seu trabalho. Eu gosto de tirar sarrinho. Vamos supor: você faz um pedido e como tem muita coisa acumulada dá uma demoradinha você fala que estar vindo de Portugal ou fala que está vindo de jegue, então esses fatos aí.
Eu procuro tratar da mesma forma, a única coisa que muda em relação algumas atitudes. Eu sei o cliente que posso atender brincando, aquele que não posso me aproximar muito dele. O atendimento é o mesmo, o que diferencia é a forma que a pessoa deixa chegar próxima dela. Quem vem sempre já é bastante amigo nosso. Já aconteceu de pessoas serem assim no início e ao decorrer do tempo vem aqui direto, e a gente vai quebrando essa barreira com ele, e ele se solta mais com a gente.
Sobre os assuntos conversados com os clientes Vilmar afirma que os
clientes é que iniciam a conversa. E frisa o fato de serem psicólogos em sua
atuação no trabalho, por escutarem e até aconselharem seus clientes. Pelo fato
de não poderem deixar o serviço para prosearem uma técnica utilizada por ele
para não ser descortês com o cliente ao ter que deixá-lo é usar frases como “só
um minutinho”, quando o papo está divertido diz “está na hora do comercial”.
Segundo ele é como “uma programação boa, você está assistindo e chega o
comercial. Eu falo agora está na hora do comercial porque às vezes o assunto
está tão agradável, que eu tenho que parar pra atender”.
Mills (1976), à semelhança de Hochschild (1983), destaca no mundo das
vendas a comercialização da personalidade, porque ao servir as pessoas é
necessário características pessoais que interferem diretamente na esfera
comercial. Sorrisos e gestos amáveis são bem vindos, enquanto a
agressividade deve ser repreendida. Trata-se do aluguel de “seus talentos
pessoais para o lucro de outros” (p. 19). O controle de aspectos pessoais em
função de uma troca comercial refere-se à comercialização de
personalidades38:
38
Para Mills (1976) o mercado das personalidades é marcado por três características: 1) o empregado deve trabalhar em uma empresa burocrática, ser selecionado, treinado e controlado por um superior; 2) seu trabalho está associado ao contato direto com o público; 3) a grande proporção do público é composta por anônimos (p. 201).
110
Conhece-se o vendedor não como uma pessoa, mas como uma máscara comercial, uma saudação e um reconhecimento padronizados; não é preciso ser gentil para com um homem da lavanderia hoje, basta pagá-lo; ele, por sua vez, deve apenas ser cordial e eficiente. A gentileza e a amabilidade tornam-se aspectos dos serviços personalizados ou das relações públicas das grandes firmas, padronizadas para aumentar as vendas. Assim, o Homem Vitorioso, com uma falsidade anônima, instrumentaliza sua própria aparência e personalidade (MILLS, 1976, p. 201).
Para o proprietário do Bom Bar o essencial para um garçom é a
educação. Quando o estabelecimento está lotado, por exemplo, ele indica que
o garçom deve atender o cliente pedindo “um minuto” para que possa atendê-
los ou dizendo “já venho te atender”. Segundo ele independendo do tempo que
o garçom o fizer esperar, os clientes compreenderam a situação e esperaram.
Vão embora apenas se realmente precisarem.
Um caso que passou aqui sexta-feira passada um garçom que não é mal educado, mas estava numa correria e dirigiu a um cliente. E ele veio e reclamou pra mim que ele era mal educado. Oh cara chegou e perguntou como é o esquema daqui e o garçom respondeu: “pergunta pra o gordo aí”. Ele achou que não foi legal e veio reclamar pra mim. O cara perguntou como é o esquema ele deveria ter respondido “só um minutinho” essa é a maneira, a maneira mais simples.
O direcionamento dado pelo João aos clientes remete a algo
interessante mencionado no I Seminário Internacional do Bar Tradicional por
um amante de botequins cariocas. Segundo ele não ser atendido tem o seu
charme, chamar pelo garçom é bom. Ou seja, trata-se justamente da
valorização da informalidade em que esperar e não ser prontamente servidos é
natural e até desejável. Aí a máxima comercial de que o cliente sempre tem
razão não tem lugar. Cabe ao cliente se adaptar aos moldes do
estabelecimento está e se preciso “espere um minutinho”.
Contudo, o relacionamento dos garçons com os clientes e consumidores
do Bom Bar também apresentam problemas relativos a um serviço subalterno.
É uma atividade em que normalmente o status de quem é atendido é superior
ao do servidor. Conforme Mills (1976) em conflitos com clientes ou com algum
superior no trabalho o servidor vai ser sempre “o perdedor padronizado: deve
sorrir e permanecer por trás do balcão”. Trata-se de ocupações em que “a
cortesia, a obsequiosidade e amabilidade, antes traços do caráter individual,
111
fazem parte agora dos elementos impessoais de uma profissão”. (p. 18-19).
Contudo, a postura de alguns garçons do Bom Bar, como o Vilmar, não
é passiva quanto aos maus tratos dos clientes. Segundo ele, é o seguinte: “eu
trato as pessoas do jeito que me trata, eu não gosto dessas indiferenças não.
Se você me jogar uma pedra eu jogo tijolo, se você me dê um abraço eu te dou
um beijo, eu sou assim”. Há casos drásticos, Vilmar menciona um ato de
violência física ocorrido no estabelecimento em que traz consigo cicatrizes do
evento. Em outro caso, o garçom Everton recebeu inexplicavelmente um murro
de um cliente. Diante da situação os funcionários do Bom Bar espancaram o
agressor. A seguir Vilmar conta uma situação desgastante com uma
consumidora do estabelecimento:
Eu tenho comigo assim eu vim para trabalhar e eu estou aqui para atender todo mundo bem, mas não vem me tirar não que eu não aguento não! O cliente vê que você está com o seu avental e ele acha que é o rei do mundo. Sabe aquele tipo de gente que fala com aquela autoridade. Uma vez aconteceu um fato assim: dois casais, os caras estavam bem vestidos, engravatados, pediram uma mesa pra mim e tinha uma mesa disponível que era mais afastada e eu disse: “liberando aqui eu trago vocês”, “tudo bem”. Acomodei eles lá e tal. E fizeram o pedido beleza! E essa menina me chamou e falou assim: “porque não tem música ao vivo aqui?”. Expliquei pra ela: “moça a gente está a 500 metros do hospital e não permite som” e o bar era aberto. Ela já começou só porque eu falei “sinal sonoro” ela começou a tirar sarro. Aí liberou uma mesa, mas tinha uma fila de espera, eu falei que “tinha duas pessoas na sua frente quando der eu ponho vocês”. Aí ele falou “liberou uma mesa na frente ali”. Eu falei como “eu te falei tem duas pessoas na frente ainda não é a sua vez”. Ela: “não é a minha vez ou você não quer me colocar lá?”. Aí eu brinquei com ela “olha moça! Se você não me der serviço eu não tenho emprego” e ela “o mal de assalariado é isso” aí eu perdi as estribeiras. Eu penso assim a partir do momento que o cliente te maltrata ele te dá liberdade de maltratar ele. Eu falei “moça simplesmente não é porque os dois caras estão de gravata não significa que ganha mais dinheiro do que eu com esse aventalzinho. Esse aventalzinho aqui, tudo que eu tenho hoje, tenho a minha casa, tenho o meu carro” aí ela começou a dar risadas pois é pelo o que eu ganho aí ela ficou quieta.
O Gira Mundo é considerado um estabelecimento com interações
formais entre garçons, clientes e consumidores. Lá o contato com os clientes é
mais restrito. Porque o estabelecimento funciona mais como uma boate. O
número de pessoas dentro do local é alto, por vezes até dificultando o
atendimento ao cliente. Por isto, muitos fazem pedidos diretamente para o
barmen no balcão, o que é possível porque a comanda é individual e não por
112
mesa. As conversas que acontecem com o cliente são normalmente restritas
ao atendimento prestado. Segundo o garçom Roberto o atendimento é do “tipo
profissional, não pode ir para o pessoal, porque não tem tempo, você tenta dar
o máximo de atenção para o mínimo de tempo, é uma coisa muito compacta”.
Para ele é desonesto com os colegas e com o estabelecimento conversar com
clientes outros assuntos enquanto a casa está lotada. O garçom Volnei
reafirma: “aqui dentro não dá pra conversar muito. Só vender o produto,
alguma conversa mais sobre venda mesmo. Mais é sobre a casa, a agenda
musical”.
Uma situação de alto estresse vivenciado no Gira Mundo pelo garçom
Roberto expressa a impossibilidade em atender clientes de maneira
personalizada. Foi um dia que o estabelecimento estava lotado e o palm parou
de funcionar. Segundo ele sua vontade era de “largar tudo e sair correndo, ir
embora”. Apesar de poder utilizar a comanda de papel, manual, nestas
situações, o número alto de pedidos em pouco tempo dificulta o trabalho dos
mesmos e dos barmen:
Uma loucura, gente pra todo lado e você não consegui se movimentar. Você ia no bar e os caras não conseguem te atender. Você estava aqui na quinta-feira? Então naquela quinta-feira que você estava aqui deu quase quinhentas pessoas, você não conseguia andar. Naquele balcão, loucura, palm dando pau, travando, eu mesmo já quebrei um, ah! Mil reais. Daí pedi alguém pra ficar aqui e fui lá, bebi um pouquinho de água, alguma coisa pra tomar e relaxar, fumei um cigarro, lavei o rosto e voltei de novo. Queria atender e o palm não ia.
Mas, por ser um local em que as pessoas frequentam para paquerar,
também acontecem especulações dos clientes com os garçons sobre os
frequentadores da casa, bem como os garçons entregam bilhetes e medeiam
conquistas.
Ou seja, percebe-se que no Gira Mundo há uma ligação instrumental
entre garçons e clientes e consumidores. Estes desejam obter informações dos
garçons sobre o estabelecimento e os seus frequentadores. Trata-se de uma
afetividade instrumental ou de uma neutralidade afetivas nas interações de
serviços. Por parte dos garçons o atendimento ao cliente também é
instrumentalizado, a amizade com clientes pode ser mal vista, assim observa o
113
garçom Roberto: “o cliente não te dá mais caixinha”; “você não vai enfiar uma
faca nele, ao invés de você vender um fusquinha você não vai mais vender
uma Mercedes, é mais ou menos assim”. É como o garçom Volnei analisa seu
“melhor cliente”:
Duas semanas atrás atendi um cliente, “gostei muito do seu serviço”, aí deu uma olhada pra minha mão e colocou duzentos reais, fiquei feliz (risos). E disse “gostei do seu serviço sempre que eu vir aqui quero ser atendido por você”. E hoje é o meu melhor cliente, sempre que ele vem.
Pode até haver atendimento personalizado, mas o tipo de atendimento
predominante no Gira Mundo é impessoal. Da mesma forma, percebe-se que
os encontros de serviços são evidentes neste tipo de estabelecimento. Mas
também existem aqueles consumidores que gostam do local e possuem
experiências de serviços cunhadas na pseudorrelação. Dificilmente se nota
relações de serviços, ou seja, ambos, funcionários e consumidores, não
possuem uma história juntos e não possuem a expectativa de interagirem no
futuro.
No Gira Mundo, gestos carinhosos ou conversas entre garçons e
clientes e consumidores eram raras. Em contraposição ao observado e dito
sobre as restrições nas interações de serviços, o discurso dos garçons, por
vezes é contraditório. O garçom Roberto, afirma que clientes chamam para
“curtir”, já o garçom Neto, por exemplo, acredita que tem amizade com os
clientes do Gira Mundo:
A gente acaba pegando amizade com o cliente, tem cliente que convida a gente: “vamos sair daqui, vamos lá na boate”. Tem clientes que convida a gente pra sair com eles, eu não gosto muito de sair assim, fechou aqui e vou pra casa, às vezes passo num bar e tomo uma cerveja.
O garçom Roberto lembra que “tem gente que vai embora sem te
cumprimentar. Eu passei dez dias fora e escutei ‘nossa pensei que você tinha
saído’, isso te gratifica”. Volnei afirma ter ganhado vários presentes e que os
garçons perguntam se ele está no estabelecimento. Ele conta sobre a amizade
com os clientes:
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Aqui tenho muito amigo, muita gente que gosta de mim! Cara que me quer super bem, aqui dentro, fora, só cliente gente boa (...). Às vezes encontro com eles nas ruas ou onde eles trabalham, advogados. Conversa, vou lá onde eles trabalham. Às vezes encontro e passo no escritório, eu moro no Centro. Às vezes tomo uma junto. Às vezes liga pra mim (...). Paga a conta (risos). Apesar deu ser garçom tem muita gente que me considera!
Além disto, Volnei assegura que as amizades têm limites. Isto porque o
Gira Mundo identifica que o elo pode ser prejudicial à casa. Algo errado pode
estar acontecendo. Ou seja, ambos, garçons e clientes, podem se unir segundo
seus interesses em detrimento dos interesses do estabelecimento. “Toda casa
tem que ter um certo limite. Todo mundo brinca, brinca com o cliente, o cliente
brinca com a gente, mas tudo tem o seu limite, e eles falam pra gente, está
passando a gente corta”. Além disto, a posição do garçom diante do cliente de
certa forma é complicada. Afinal o trabalhador tem que mediar expectativas
individuais de clientes e estabelecer os preceitos da organização. Por um lado
está mais distante da gestão, por outro mais próximo (Cf. FRENKEL, et.al.,
1999).
Um número considerável de garçons entrevistados, tanto em Campinas,
como Goiânia, trabalhou na boate Café Cancun. E um saudosismo existe sobre
este período. Se o estabelecimento cunhado na ideia de diversão agradava
consumidores os trabalhadores muito mais. O garçom Roberto que pouco
interage com os clientes do Gira Mundo conta sobre como era trabalhar no
Café Cancun:
O Café Cancun era apaixonante! A gente vai sabe: trabalhar cabisbaixo, não ter felicidade de trabalhar? Não tem um por que de você trabalhar? Lá não! Você não via a hora de ir trabalhar, você contava os minutos para poder ir trabalhar lá, lá se vestia de palhaço, pintava o cabelo, arrepia os cabelos, pintava a cara, colocava a roupa, fantasiado, tinha aniversário pegava panela, subia em cima da mesa, dançava em cima do balcão. Quebrava totalmente essa barreira entre nós e os clientes. Chamava por nome “oh! Fulano”. Chegava abraçando, pô, você trabalhar vamos dizer sete, oito anos, onze anos, então tinha uma relação assim. Sabe o dia que a pessoa vai, sabe o que a pessoa gosta de beber, gosta de comer, se a pessoa está de bem, se largou da namorada, se está de bem, tem gente que casou ali conheceram no Cancun e se casaram.
Os estabelecimentos pesquisados de Goiânia não apresentam tantas
115
distinções e peculiaridades quanto às interações formais e informais entre
garçons, clientes e consumidores como nos estabelecimentos pesquisados da
cidade de Campinas.
No Cidinho Petisqueria as interações entre garçons, clientes e
consumidores foram consideradas preponderantemente informais. O maître do
local é o Fagundes, segundo ele, o estabelecimento possui clientes assíduos,
ele conta como é seu reacionamento com clientes do estabelecimento e expõe
a proximidade que possui com eles: “tenho uns quinhentos nomes na cabeça,
já fui em uns dez velórios de cliente”.
A postura dos garçons do Cidinho Petisqueria não é protocolar e
baseada na formalidade. Os garçons, por exemplo, são vistos conversando
entre eles quando a casa não está cheia. Conversam em roda junto até mesmo
do maître do local. Ao fazerem isto, contrapõem preceitos básicos de
estabelecimentos formais, ou seja, dar as costas para a praça em que está
atendendo.
O Cidinho Petisqueria é um estabelecimento grande, tem cerca de vinte
garçons atendendo a clientela. Por isto, o atendimento nem sempre é
personalizado. Quer dizer, não é sempre que os garçons conhecem os clientes
pelo nome e sabem de seus gostos. Mas existem os clientes que os garçons
desenvolvem afetividade por eles e os tratam de maneira pessoal. No
estabelecimento existem os três tipos de experiências de serviços elencados
por Gutek et al. (2000). No entanto, no estabelecimento predominam as
relações e pseudorrelações de serviços.
O garçom Neto, que trabalha há onze anos no Cidinho Petisqueria,
conta como é seu relacionamento com os clientes do local:
Eu acho que sou o garçom mais velho, então eu conheço a maioria dos clientes. Porque tem cliente... Se você tiver amizade com o cliente, atender o cliente bem desde o começo que ele chegou, que você começou a trabalhar no local, aí você vai ter intimidade com o cliente. Aí você trata ele bem e ele já sabe o seu nome, chama você direitinho e você dá atenção pra ele.
Neto prefere não conversar assuntos pessoais dos clientes. Os assuntos
mais comuns são futebol e especulações dos clientes sobre mulheres, inclusive
a respeito de profissionais. Os clientes também perguntam sobre a vida
116
pessoal dele, sobre família e hábitos. O diálogo entre garçons e clientes e
consumidores é aceito no estabelecimento. O garçom Fred inclusive diz que os
colegas de trabalho falam que tem um cliente chamando um garçom. “Você
estar atendendo de um lado e o cara pergunta ‘fulano está aí?’.Aí alguém vem
e chama e você vai lá”
Convites também são feitos para garçons, sobretudo para trabalhar em
algum evento promovido por algum cliente. Mas a falta de tempo não possibilita
atender à solicitação do cliente. Entretanto, convites relacionados à diversão
ocorrem em proporções bem menores, mas acontece inclusive de serem
realizados, como conta Neto: “tem cliente que eu já fui no Serra Dourada
(estádio de futebol em Goiânia) com ele já, aí tem um que é torcedor do Goiás,
já me chamou também pra ir. São muitas poucas pessoas que convida você
pra essas coisas aí, muitas poucas mesmo”.
Além disto, Neto destaca que há tratamento diferenciado oferecido a
certos clientes, o que acaba causando certa recompensa financeira, porque
estes tendem a só sentarem na praça do garçom preferido. Ao chegarem os
clientes procuram determinado garçom ou perguntam ao maître onde ele está
atendendo. Ao mesmo tempo, Neto admite que existem aqueles clientes que
não o agradam, mesmo assim, confessa fingir durante o atendimento gostar de
servi-los.
O garçom Fred é recente na casa, trabalha há apenas um ano no
estabelecimento. Apesar do pouco tempo de serviço no Cidinho Petisqueria,
Fred afirma ter um relacionamento bom com os clientes. Segundo ele existem
clientes de outras casas em que trabalhou que frequentam o local após
saberem que ele estava trabalhando no estabelecimento. O ponto de vista
adotado por ele é que “toda ação tem uma reação”, por isto nas mesas em que
atende os agradecimentos e elogios são normais. Fred conta com animo e
talvez de modo exagerado que uma situação marcante para ele foi o seu
casamento:
Fora que, quando eu casei, mais de cinquenta foram no meu casamento, ganhei muitos presentes de cliente, ganhei casa na praia, ganhei casa em Caldas Novas. Tudo cliente que me deu. Mas eu não pude usufruir dessa área porque o poder aquisitivo de casal novo é pouco, mas estar lá para quando eu quiser. Você tem dez dias. Tem dez dias lá em Itaparica. Eu ganhei a casa na praia de Itaparica em
117
Salvador do Wesley Prado e o outro foi do João Heitor, professor da Universidade Católica de Goiás.
Fred nota que para alguns clientes o garçom sequer importa. E muitos
ainda chamam garçons de modo que causa chateação nos mesmos, como
quando dizem “psiu”, estalam os dedos, assobiam com os lábios ou utilizando
garrafas. A maneira preferida de serem chamados é pelo nome, assim como os
clientes também preferem. A seguir o ponto de vista expresso pelo garçom
Fred:
nem olha para o garçom que esta atendendo ele, nem conhece, não é a toa que você passa e ele diz “ô cadê minha cerveja?”. “Não é você que está me atendendo não?”. Não tem a preocupação, a perspectiva visual de relacionar a imagem ao garçom dele. A gente ainda brinca assim: “pô o cara não sabe ler nem o nome do garçom dele!”. Olha o tamanho do crachá.
No Cidinho Petisqueria clientes que cumprimentam e conversam com
garçons foram observados. Clientes frequentes da casa também.
Uma interessante situação observada foi a de um senhor debilitado em
sua condição de saúde frequentar o local para tomar pinga. O senhor tem
dificuldades em escutar, no entanto, apesar da dificuldades em manter uma
comunicação, conversa bastante, inclusive, segundo um dos garçons, tem o
hábito de “alugar” as moças do local. Também pechincha e reclama do preço
da cerveja. Ele paga, não pede a conta. Quando deixou o recinto, o senhor que
é vizinho do estabelecimento, um garçom foi ajudá-lo a atravessar a rua para
chegar em casa.
Na Choperia Matilha existe tratamento personalizado e há afetividade no
atendimento ao cliente, porque o estabelecimento é antigo, bem como muitos
funcionários são. Além disto, o bar restaurante possui clientes fiéis também
pelo fato de o estabelecimento se destacar pela qualidade dos produtos
oferecidos e serviços prestados. Então muitas experiências são relações ou
pseudorrelações de serviços.
Há inclusive clientes assíduos da Choperia Matilha que são pessoas
famosas, ou importantes da cidade. O local muitas vezes recebe pessoas de
fora, ou seja, trata-se de um local de referência da cidade. O maître do local
disse que cantores, apresentadores e atores vão até o local. Na parte do
118
escritório do estabelecimento há um mural que exibe boa parte das pessoas de
famosas e de referência que já estiveram na choperia. De certa forma, os
garçons tomam emprestado o prestígio dos frequentadores do local e do
estabelecimento de trabalho. Um dos garçons até contou que gosta de ir a uma
loja e contar que trabalha na Choperia Matilha, porque isto impõe respeito
sobre sua pessoa. É semelhante ao que Mills (1976) afirma em A nova classe
média referindo-se as balconistas de grandes magazines e proprietárias de
pequenas lojas, ambas gostam de estarem associadas a alguns tipos de
fregueses (p.192).
Então os garçons, ao mesmo tempo em que gozam do prestígio de
trabalhar num local dese tipo também recebem clientes ativos e amigos. O
maître do estabelecimento Jairo conta sobre o status do estabelecimento e
sobre uma característica dos goianos: “goiano é igual boi, gosta de estar
embolado e assim é aqui, o povo gosta de fila, gosta de esperar no balcão, de
esperar em pé”. Neste caso, não se trata de um tumulto para estar no point do
momento. Afinal o estabelecimento é antigo e sequer realiza reformas no
ambiente para atrair clientes. O renome do estabelecimento é que seduz
clientes e consumidores.
A Choperia Matilha é considerada um estabelecimento com interações
informais entre garçons, clientes e consumidores. Apesar de os garçons
conhecerem muitos clientes e também haver certa pessoalidade no
atendimento (garçons e clientes se cumprimentam, chamam pelo nome,
garçons conhecem os gostos dos clientes, e sabem como preferem ser
abordados e tratados etc.), há um pouco de formalidade nas interações de
serviços.
Neste estabelecimento é evidente, por exemplo, que os garçons evitam
ter intimidade com o cliente. A postura do garçom Dalton evidencia isto: “levo
mais para o lado profissional, evito intimidade, converso com ele, mas se for
para pedir as coisas não é comigo. Ele é meu amigo, ‘vou vê se ganho alguma
coisa’, eu não levo para esse lado”. O recente garçom Fábio afirma que a
relação deve ser estritamente profissional “a gente não pode misturar, tem que
ser relação normal cliente com o garçom”. Ainda assim, há casos de garçons
que recebem presentes de clientes. Inclusive há clientes que vão todo dia ao
estabelecimento, há aqueles para quem é preciso reservar uma mesa
119
específica e também os garçons sentem falta quando um cliente que está
presente todo dia não comparece.
A maneira como o antigo garçom Lauro chama os clientes também
denota distância e diferenciação social entre garçons e clientes: “doutor”,
“madame”. Segundo ele não são todos clientes que gostam de serem
chamados de senhor e senhora, por isto ele chama assim e ainda afirma que
os clientes gostam de serem chamados deste jeito. A ideia na Choperia Matilha
é que o cliente é quem deve conversar com o garçom e jamais o contrário. As
conversas existentes entre ambos também entoam diferença, basicamente
remetem ao dia a dia, aos hábitos e obviamente os problemas vivenciados por
clientes. E também existem aqueles clientes que possuem o telefone do
garçom e liga para perguntar como está ou para desejar feliz Natal.
O garçom Fábio, por sua vez, que trabalha como garçom há apenas um
ano no estabelecimento e mais dois anos em atividades de bastidor afirma que
os clientes agradecem o atendimento e que irão procurá-lo novamente. Mas
para ele é claro que os garçons mais antigos sejam mais requisitados. O que
causa certo ciúme nos garçons, porque às vezes acontece de um cliente ser
atendido por um garçom e pedir para chamar outro para que possam
conversar. Por fim, pedem que de vez em quando, se possível, apareça por lá.
A informalidade nas interações de serviços é expressa na Choperia
Matilha através de brincadeiras com o cliente, quando reclamam de algo, por
exemplo, o garçom Fábio, está pronto a rebater com uma descontração.
O garçom Lauro é mais antigo, trabalhou doze anos na casa, saiu e está
novamente há dois anos no estabelecimento. Os clientes têm maior liberdade
com ele, conversam e brincam. Segundo ele, se ficar sem crachá os clientes o
chamam pelo nome. Lauro conta com satisfação como é conhecer o gosto dos
clientes e poder servi-los sem que sequer façam seus pedidos:
Tem um pessoal, tem uma cliente minha que ela chega aqui, ela nem pede ela já chega e eu já trago a bebida dela. Ela bebe a tacinha martini e um pouquinho de groselha pra misturar e ai fica um kir royal e ai ela gosta. Ela adora quando ela já chega aqui já levo pra ela água, né só é servido água. (...) Tem, tem pessoas que a gente conhece, a bebida que ele gosta. Se ele gosta de Signo Cirraf eu levo Signo Cirraf pra ele. Às vezes ele fala “não hoje eu não vou beber vinho”, aí você já traz o cardápio, né. “E ai doutor que bebida vai beber hoje?”.
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O Santa Parada possui a peculiaridade de comportar dois ambientes.
Primeiramente, no estabelecimento que não obteve tanto êxito enquanto bar
restaurante foi aberta uma boate com música ao vivo no segundo andar. Com
certeza as interações de serviços correntes giravam em torno da boate. Trata-
se de um estabelecimento considerado com interações formais entre garçons,
clientes e consumidores. O relacionamento do garçom João com as pessoas
que frequentam o lugar demonstra isso. Trata-se de um atendimento cunhado
pela afetividade instrumental. Ao interagirem com os garçons os consumidores
desejam obter informações sobre o local e sobre mulheres. É que ali o garçom
também funciona como um promoter do lugar e dos eventos realizados, assim
como faz intermédio de paqueras no estabelecimento por meio de recados e
bilhetes. Alguns clientes possuem o telefone do garçom para saber dos shows
ou se tem ou vai ter mulher bonita em um dia específico. Daí o garçom reserva
a mesa para seus clientes. Neste sentido, a gestão até incentiva elos entre
garçons e consumidores. Alguns casos demonstram relações de serviços, mas
com certeza os encontros e pseudorrelações predominam no Santa Parada.
Por isto, o atendimento também normalmente é impessoal. Um interessante
fato que aconteceu entre o garçom João e um dos seus clientes mostra
proximidade:
Olha, aqui já teve um cliente que bebeu demais e eu tive que levar ele em casa. Pegar a chave do carro dele, ele pediu eu pra levar ele em casa. Foi bem engraçado esse dia, ele bêbado me atentando, querendo que eu corresse demais, tive que levar ele na casa dele. Foi aquela história eu com medo da polícia e foi triste. Eu sou garçom dele há muito tempo né, que eu atendo ele né, como ele viu que estava muito bêbado me pediu pra levar ele em casa. E o mais engraçado que ele veio no outro dia e falou que não lembrava de nada, veio perguntar como é que ele chegou em casa. Acredita? Ele mora aqui pertinho, no Marista mesmo. Mas ai foi bem engraçado, ele chegando e perguntando como é que eu cheguei em casa? Como que eu fui embora? Como que eu sai daqui? E eu aprontei alguma? E ai a gente acaba conversando com ele e rindo, né.
O garçom Rildo do Santa Parada é mais cauteloso ao destacar como é
criado o elo com clientes. Mostrando que normalmente o atendimento é
impessoal e com de neutralidade afetiva. Segundo ele:
Não é fácil. Porque você tem que fidelizar o cliente, fidelizar um cliente não é fácil, você tem que tratar ele muito bem, é um processo
121
lento e demorado, porque não tem como você fidelizar muitos numa noite só. Então você tem que fixar num grupo de clientes, não é que você vai se desfazer dos outros. Não tem como pelo fato da gente atender várias pessoas ao mesmo tempo, não tem como você dar um atendimento 100% pra todo mundo, principalmente se a casa estiver cheia. Como eu estou dizendo pra você é outra coisa. Por quê é outra coisa? Todo mundo senta, tem todo processo de leitura de cardápio, pedido, você tem como dialogar com o cliente, explicar o que vai e o que não vai, tem todo esse processo, nesse processo você vai fidelizar o cliente, vai uma conversa diferente, uma história que ele te conta, então são coisas que você vai vivendo no seu dia-a-dia e cada dia mais. Tem cliente que te fala uma coisa hoje e de repente aconteceu um fato na vida dele e ele fala pra você e no outro dia ele volta e te pergunta como é que está e por aí vai criando amizade.
No Arena as interações entre garçons, clientes e consumidores foram
consideradas formais. O tratamento normalmente é impessoal. As queixas de
garçons reclamando de serem chamados de “psiu”, “ou”, estalando dedos são
consideráveis. Os garçons afirmaram conhecer por nome, sobretudo os amigos
dos proprietários. E também foram poucos os relatos de clientes que chamam
os garçons pelo nome e preferem o atendimento de um garçom específico e às
vezes ligam para pedir para resevar mesa. Percebe-se que os encontros e
pseudorrelações de serviços são predominantes no Arena. A neutralidade
afetiva ou a afetividade instrumental também são destacadas em relação a
afetividade nas interações entre garçons, clientes e consumidores. Os assuntos
são os básicos, futebol e mulher.
O mais interessante de notar é que diante toda a formalidade e distância
entre garçons e clientes e consumidores, raras às vezes foram relatadas casos
de brincadeiras com clientes para espairecer e divertir no trabalho, mas
existem. O garçom China, mais descontraído, conta um caso, bem como o
garçom Gerson, respectivamente:
É o meu estilo é mais na brincadeira, mesmo que você seja séria. Uma vez aconteceu uma coisa com o ketchup. Eu fui lá e naquela correria toda e levei pra mesa, tinha voltado de outra mesa. O cara abriu e colocou lá de volta, o cara pegou... Eu já conhecia ele, “está tudo aberto”, “não irmãozinho eu trouxe aberto para facilitar pra você e você ainda reclama”, daí já virou brincadeira, foi o que veio na hora. Aconteceu esses dias, como tem esse negócio da Lei Seca veio um grupinho de seis pessoas. “Dá uma cerveja aí”, “quantos copos?” a gente pergunta porque as vezes tem gente que não bebe e tal “me dá só cinco”, “dá refrigerante pra ele”, é brincadeira, mas a gente não leva. Os outros pegaram cerveja. Servi ele com coca de boa, e brincando e tal. E eu falei “vou fazer uma gracinha com esse menino”.
122
A gente tem que ver o bom humor dos clientes também, aí eu peguei meio copo americano de leite, coloquei um pouco de café velho, toddy e umas torradas, e coloquei no prato e peguei aquele negócio que chama de pica-pau, ele vem no prato tampado, cheguei na mesa dele e falei “foi aqui que vocês pediram um prato individual?”, ele ficou meio assim e ninguém tinha pedido nada “não pedi nada não”, mas eu falei para o outro colega dele e o colega dele “foi eu que pedi pode por aí”, aí coloquei do lado dele e quando abri o toddy e a torrada e os caras morreram de rir, aí ficou extrovertido, ficou marcante. Fiquei conhecido por eles, eles me chamam até pelo o nome “gostei demais da sua brincadeira” e o outro fechou a conta dele, e ainda foi lá e me deu uma caixinha.
Entretanto o mais comum no Arena é formalidade e o tratamento
distante em relação aos clientes. O garçom Gerson inclusive afirma que não se
deve misturar profissional com pessoal. Segundo ele quando um garçom faz
amizade com o cliente os responsáveis pelo estabelecimento tendem a pensar
que eles estão “fazendo rolo”, então para ele “cliente é cliente, garçom é
garçom, funcionário, estou aqui pra trabalhar. Eu não tenho muito diálogo. Eu
converso só sobre a empresa mesmo, cardápio”. O garçom Grandão também
do Arena age da mesma forma, aliás ele até menciona que pelo fato de os
clientes serem mais jovens o público já chega e faz o pedido, não pede
sugestão:
Converso pouco. Não sou muito de ficar batendo papo assim não. Eu gosto de tentar fazer o serviço bem feito. Não sou de ficar papeando não. Você viu aquele negócio ontem? Não sei o quê? Você assistiu isso aqui?. Não gosto muito dessas barulheiras não.
Aqui as interações entre garçons, clientes e consumidores
desenvolvidas em diferentes estabelecimentos de Campinas e Goiânia foram
consideradas informais e formais. Além disto, os aspectos que caracterizam
cada tipo descritivo foram analisados. Nas considerações finais, a relação entre
os dois tipos descritivos utilizados é destacada.
123
CONSIDERAÇÕES FINAIS
123
O projeto de pesquisa que originou esta dissertação propunha analisar,
no serviço de garçons, a cultura do trabalho; e as interações desenvolvidas
entre garçons, clientes e consumidores de determinados estabelecimentos de
duas cidades brasileiras. As tipologias elaboradas demonstraram a
complexidade dos estabelecimentos e a insuficiência de denominá-los de
“tradicionais” e “modernos”. Da mesma forma, as tipologias descritivas
fornecem a vantagem de mostrar variações, ora se aproximando mais ou se
afastando de um tipo. Também demonstram mudanças e contradições histórias
que remontam para mudanças e caracterizações de diferentes ordens sejam
mercantis ou culturais, por exemplo.
É preciso destacar que, ainda que o foco do trabalho seja o trabalho de
garçons o desenvolvimento da pesquisa está relacionado à estabelecimentos
que primariamente foram considerados como ligados à tradição ou
modernidade. Saber situar-se como pesquisadora diante desta distinção para
que não fosse seduzida pelo saudosismo de botequins e mercearias ou pelo
consumismo eminente as diferentes marcas ofertadas no mercado foi um
instigante estímulo.
No que se refere aos resultados obtidos, alguns estabelecimentos
pesquisados destacam-se, por exemplo, por estarem muito associados à
tradição, como no caso do Bom Bar, em que a sociabilidade é eminente e a
proximidade não é apenas entre os membros que compõem o estabelecimento,
mas também entre clientes e consumidores, funcionários e clientes e
consumidores. A pessoalidade e o tratamento diferenciado são claros e
considerados normais pela direção do estabelecimento. Além disto, na
organização do trabalho, não é evidente uma organização baseada na
especialização de funções. O tratamento entre proprietário e funcionários é
próximo e tem como uma das bases a solidariedade.
Já o Vila Cambuí evidencia estar associado à modernidade. A gestão
preconiza a impessoalidade, tanto no que se refere ao tratamento dado aos
funcionários, como ao tratamento dos funcionários com clientes e
consumidores. Além disso a gestão também apregoa a distinção entre
funcionários e consumidores. Contatos pessoais não devem ser efetivados,
vias de acesso são diferentes para funcionários e clientes, bem como os
acessórios utilizados pelos empregados.
124
Por sua vez, o Balhego Imperial tem características de ambos os
estabelecimentos; por um lado os hábitos de consumo são relacionados à
tradição. Os clientes gostam dos objetos que remetem ao passado, assim
como nas interações estabelecidas com garçons percebe-se muito de
servilidade, quando, por exemplo, clientes pedem aos garçons para efetuarem
atividades que esquivam de suas obrigações. De certa forma essa atitude
remete a situações usuais para um garçom tradicional, como já caracterizava
Noel Rosa em “Conversa de Botequim”. Por outro lado, a empresa conseguiu
expandir-se no mercado, ao mesmo tempo em que respeita as demandas dos
clientes do Balhego Imperial. A equipe de trabalho da organização é extensa e
especializada. Os funcionários são bem selecionados e treinados, tendo em
vista os objetivos da empresa. Contudo, a mão de obra é valorizada e não é
substituída por novos funcionários. A lealdade não é apenas dos clientes, mas
dos funcionários também.
A Choperia Matilha é semelhante a este estabelecimento, também tem
filiais e expande sua marca, mas ainda assim conserva funcionários e clientes
antigos. Entretanto. na Choperia Matilha não há evidências que remetem à
tradição do local como há no Balhego Imperial. O estabelecimento da jovem
Goiânia é marcado mais pela sofisticação e qualidade dos produtos e serviços
prestados. Daí se deve os clientes do estabelecimento. Ao mesmo tempo, para
manter a marca funcionários tiveram que apreender o padrão do bar
restaurante; por isto, os trabalhadores também são mais antigos, o que facilita
a maior sociabilidade no ambiente.
Ir a um lugar e encontrar pessoas familiares é confortável. Bem como é
confortável, ir ao McDonald’s e tudo estar igual ou muito parecido. Em um
mundo globalizado conhecer pessoas e processos é cômodo. E aí está um
aspecto que denota tradição. Afinal ser moderno, conforme Slater, é consumir
em uma cultura do consumo global. Logo frequentar ambientes familiares
remete a uma volta à tradição.
Outros estabelecimentos, como o Gira Mundo, o Santa Parada e até o
Arena, alcançam públicos que consomem a modernidade. O importante é estar
em um lugar em que outras pessoas estarão, para ali se tornarem vendáveis,
no sentido utilizado por Bauman, que em uma sociedade de consumo as
pessoas também são mercadorias. As relações entre garçons e clientes e
125
consumidores que são estabelecidas neste tipo de estabelecimento são
instrumentalizadas. Não cabe ao garçom socializar, entreter, sugerir. Cabe à
ele vender mais e aumentar o valor da taxa de serviço destinado a ele ao final
do mês. Atender o cliente, apenas quando lhe é pedido, seja para enviar um
bilhete, obter informações, ou, por vezes, dependendo do estado do cliente,
escutar um desabafo e até, quem sabe, emitir conselhos. Os garçons, para
quebrarem o estado de invisibilidade, indiferença e pouca autonomia, às vezes
realizam brincadeiras que fogem à regra. Numa dessas, podem até ganhar o
cliente, ou ao mesmo uma caixinha, pelo momento de espontaneidade.
O trabalho de garçom consiste em basicamente em organizar
estabelecimentos para receber consumidores, para então servi-los. Contudo, a
maneira de servi-los diferencia conforme o estabelecimento em que o garçom
trabalha, conforme destacado nos estabelecimentos analisados. Em
estabelecimentos familiares tanto as relações de trabalho, seja com colegas de
trabalho ou com consumidores, tende a serem mais próximas e cunhadas na
pessoalidade no tratamento. Enquanto em estabelecimentos empresariais a
relações de trabalho tendem a serem mais distantes e impessoais. E não se
pode vislumbrar que em estabelecimentos com cultura do trabalho familiar as
relações de trabalho serão calcadas eminentemente pelo autoritarismo de um
chefe e que pessoas da organização são privilegiadas por ele. Percebe-se,
neste tipo de estabelecimento, maior autonomia para o trabalhador desenvolver
o seu trabalho e também laços de solidariedade existentes no local de trabalho,
desenvolvidos tanto entre proprietários e funcionários, entre funcionários e
funcionários e também entre funcionários e clientes. Da mesma forma, não se
deve vislumbrar que em estabelecimentos com cultura do trabalho empresarial
as relações de trabalho sejam sempre cunhadas pela competitividade e
impessoalidade. Relações de amizade e solidariedade também foram notadas
nos locais analisados. Assim como a especialização e hierarquização destes
estabelecimentos podem dificultar a realização de trabalhos em equipe.
Por fim, cabe salientar que as narrativas de proprietários e garçons
tipificam a relação desenvolvida com clientes e consumidores, sejam
interações mais igualitárias, participativas, subservientes etc. E cabe ao
garçom ter jogo de cintura para se adaptar a novas mudanças, seja de
estabelecimentos e consumidores. Ou até mesmo de graduais modificações
126
mercantis e culturais que ocorrem. Entretanto recorrer aos clientes e
consumidores também contribui para incrementar ainda mais o debate sobre o
setor de serviços. A problemática em questão proposta direciona para novas
pesquisas a serem realizadas.
127
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135
ANEXO A – Termo de anuência concedendo a realização da pesquisa no estabelecimento
_____________, ____, de _____________ de 201__
À Marina Lemes Landeiro
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFG
Eu,____________________________________________________________________
______________________________________, declaro que estou a par da proposta de
pesquisa da cientista social Marina Lemes Landeiro, aluna regularmente matriculada no
curso de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade
Federal de Goiás e integrante do Programa de Cooperação Acadêmica Novas Fronteiras
– Procad NF 2008 – com o Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da
Unicamp, RG. 4758670. A pesquisa intitula-se “Cultura do trabalho e interação no
serviço de garçons”, cujo objetivo é analisar sob o prisma da sociologia do trabalho o
serviço de garçons em bares com nuanças e contradições no que tange à modos de
interação entre trabalhadores e clientes e modos de gestão do estabelecimento nas
cidades de Goiânia –GO e Campinas – SP.
Venho aqui conceder a aquiescência para que Marina Lemes Landeiro observe e
presencie a rotina de trabalho no ____________________________________ durante
uma semana, entreviste trabalhadores e capture imagens.
Estou ciente que a mestranda Marina Lemes Landeiro respeitará todas as
exigências do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa, ao qual se subordina ao Comitê
de Ética da Universidade Federal de Goiás.
Atenciosamente
___________________________________
Nome e contato da organização
______________________________________________________________________
136
ANEXO B - Termo de consentimento livre e esclarecido
SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-
GRADUAÇÃO
COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Você está sendo convidado (a) para participar, como voluntário, de uma
pesquisa, sou a pesquisadora responsável e minha área de atuação é a Sociologia do
Trabalho. Após ser esclarecido (a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar
fazer parte do estudo, assine ao final deste documento, que está em duas vias. Uma
delas é sua e a outra é do pesquisador responsável. Em caso de recusa você não será
penalizado de forma alguma.
Para tirar dúvidas sobre a pesquisa ou obter maiores informações entre em
contato com a pesquisadora responsável, Marina Lemes Landeiro, nos telefones (62)
3086-4114 e (62) 8133-5475 ou no e-mail [email protected]. Em caso de dúvidas
sobre seus direitos como participante nesta pesquisa, você poderá entrar em contato com
o Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Goiás pelos telefones: (62)
3521-1075 e (62) 3521-1076.
INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA:
Título do Projeto de Pesquisa: Cultura do trabalho e interação no serviço de
garçons
Pesquisadora responsável: Marina Lemes Landeiro
Orientador: Jordão Horta Nunes
Esta pesquisa tem como objetivo geral analisar, sob o ponto de vista da
sociologia do trabalho e do consumo, o serviço de garçons de modo comparado, nas
cidades de Goiânia – GO e Campinas – SP e em bares com nuanças e contradições no
que tange à modos de interação entre trabalhadores e clientes e modos de gestão do
estabelecimento. Pretende-se identificar e analisar: a cultura do trabalho da ocupação; as
137
interações entre garçons e consumidores e; as identidades laborais de garçons. São
utilizadas informações de arquivos de órgãos públicos (SEPLAN, SEDESE, IBGE), de
bases de dados (RAIS, Censo Demográfico, PNAD), de instituições do sistema S
(SEBRAE) e de livros e artigos especializados sobre o assunto. Serão também
realizadas entrevistas com trabalhadores – cumins, garçons e mâitres – proprietários e
gestores de estabelecimentos comerciais, além disso será recolhido endereços
eletrônicos de consumidores de bares para que respondam um formulário online sobre
hábitos de consumo em bares e modos de interação com garçons. Serão realizadas cerca
de 35 entrevistas.
Apesar da expansão das atividades de serviços, as pesquisas sociológicas ainda
concentram-se no setor produtivo. Neste sentido, a pesquisa trará contribuições sobre
uma forma de tratamento entre pessoas na sociedade ocidental: a relação entre servidor
e servido; a construção da identidade laboral de garçons e parâmetros para a
profissionalização da atividade.
O intuito da pesquisa é estritamente científico, os resultados desta serão
publicados apenas em revistas científicas e em eventos científicos e estará disponível a
todos entrevistados interessados. As entrevistas serão gravadas no local de trabalho do
entrevistado e têm a duração de 30 a 80 minutos. Só serão efetivadas entrevistas após a
assinatura do termo de consentimento da participação da pessoa como sujeito da
pesquisa. A identidade do entrevistado será resguardada e só serão divulgadas
informações relacionadas a pseudônimos ou nomes fictícios. O entrevistado tem o
direito de, a qualquer momento durante ou após a entrevista, retirar seu consentimento,
obrigando o pesquisador a não utilizar as informações porventura registradas ou de não
responder perguntas incomodas. O sujeito entrevistado não incorrerá em qualquer
sanção ou penalidade caso retire seu consentimento. O entrevistado é voluntário e não
receberá nenhum incentivo financeiro ou gratificação para participar da pesquisa.
A Universidade Federal de Goiás e a Universidade Estadual de Campinas
aproximam-se, assim, das necessidades e demandas da sociedade, procurando
alternativas para analisar as representações sociais da cultura do trabalho e das práticas
de consumo no setor de serviços.
___________________________________________
Marina Lemes Landeiro
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ANEXO C – Termo de assentimento de participação como sujeito de pesquisa
SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-
GRADUAÇÃO
COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA
CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DA PESSOA COMO SUJEITO DA
PESQUISA
Eu,___________________________________________________________________,
RG/CPF____________________, abaixo assinado, concordo em participar como
sujeito da pesquisa: Cultura do trabalho e interação: o serviço de garçons em
perspectiva comparada. Fui devidamente informado(a) e esclarecido(a) pela
pesquisadora Marina Lemes Landeiro sobre a pesquisa, os procedimentos nela
envolvidos, assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha
participação. A pesquisadora declarou que minha identidade será resguardada,
assegurando a privacidade dos dados confidenciais, e só serão divulgadas informações
relacionadas a pseudônimos ou nomes fictícios. Foi-me garantido que posso retirar meu
consentimento a qualquer momento, sem que isto leve a qualquer penalidade.
Local e data:________________________________________________
Nome e Assinatura do sujeito ou responsável:
_____________________________________________________
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ANEXO D – Roteiro de entrevista para garçons
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA
NÚCLEO DE ESTUDOS SOBRE O TRABALHO
Roteiro de entrevista (garçom)
Estímulo a memória
Imagine que você está indo trabalhar, o que você pensa que te aguarda no dia de
trabalho, quais são as primeiras coisas que lhe vem à cabeça.
Ambiente de trabalho
Descrever ambiente de trabalho, falar de satisfações e insatisfações.
Dia-a-dia de trabalho
Descrever, contar sobre como é um dia de trabalho seu.
Descrever um ótimo e um péssimo dia de trabalho. O que acontece nesses dias?
Relação com colegas de trabalho
Falar sobre relações/situações que envolvam fidelidade, amizade, solidariedade,
hierarquia, situações marcantes vivenciadas.
Trajetória ocupacional
Obter uma descrição de empregos/trabalhos. Identificação ou não. Diferenças entre
estabelecimentos (bares).
Sair e voltar para a mesma casa.
Motivação para se tornar garçom.
Questões jurídicas.
Identidade pessoal/social (representação social)
Definir-se como pessoa.
Como se reconhece? O que acha que é?
Como as pessoas te reconhecem?
Você acha que as pessoas o conhecem como você realmente é?
Identidade ocupacional (representação social)
Expectativas e anseios que tem frente à atividade exercida.
Identificação (gosto).
Aspectos positivos e negativos.
Como seria a sua vida se não fosse garçom e com que acha que estaria trabalhando.
Com que realmente gostaria de trabalhar, realização, sonho.
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Curso de qualificação, estudo.
Representações sociais de garçons
O que é ser garçom? Como é ser garçom? Como você se sente sendo garçom?
Pra você como é um bom garçom?
Subjetividade
Relação com a vida privada, doméstica, particular.
Frequenta bares, como se sente, como trata trabalhadores.
Como é em casa?
Representações sociais de bares
Pra você o que é um bar?
Quem frequenta bares?
O que as pessoas fazem nos bares?
O que procuram nos bares?
Interações com clientes
Qual o perfil dos seus clientes? Como você acha que são suas vidas deles?
Relacionamento com clientes. Relações de fidelidade, amizade, solidariedade.
Remontar conversas típicas, frequentes com clientes.
Contar situações marcantes vivenciadas com clientes.
O que faz pra contornar situações desagradáveis?
“O cliente sempre tem razão”.
Sorriso.
Relação “oficial” de garçons e clientes Normativo, o que deve ser, postura da administração. O que pode e não pode.
O que faz para atender as expectativas e exigências da empresa?
História de vida e Hábitos
Contar sobre família (pais, irmãos, esposa, filhos). O que fazem, de onde são, religião, o
que deseja para eles.
Hábitos, o que gosta de fazer.
Gênero
Trabalho majoritariamente masculino, por quê? A atividade tem a ver com o masculino?
A atividade colabora pra identidade como homem?
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ANEXO E – Roteiro de entrevista para proprietários e gestores de
estabelecimentos
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA
NÚCLEO DE ESTUDOS SOBRE O TRABALHO
Roteiro de entrevista (proprietários)
Estabelecimento
Capacidade, média de clientes por dia, faturamento médio, quantas mesas, cadeiras,
quantos funcionários.
Lógica de funcionamento
Organização dos trabalhadores, 10%.
História e caracterização do estabelecimento
Idade, nomes e caracterizações, localização, tamanho, proprietários, tipo de empresa,
clientela, o que tem num bar (tipos de comida, de bebida, de produtos) inspiração em
algum bar.
Representações sociais de bares
Como é um bar hoje e antigamente.
Imagem que tem de bares.
Relação do dono com clientes
Fidelidade, amizade, solidariedade, situações marcantes.
Relação do dono com funcionários
Fidelidade, amizade, solidariedade, situações marcantes.
Relação “oficial” com clientes e funcionários: normativo, o que deve ser, postura da
Administração, relação com garçons.
Público-alvo e público-atingido
Interesses do estabelecimento, perfil do cliente.
Garçons
Seleção – critérios, gênero, qualificação, questões jurídicos com funcionários.
Subjetividade
Motivação para ter um bar, identificação, trajetória de trabalho/história de vida, se
freqüenta bares, relação com a vida privada, doméstica, particular.
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Dia-a-dia de trabalho: descrição.
Ambiente de trabalho: descrição, satisfações insatisfações, hierarquias.
Associações e sindicatos.
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ANEXO F – Letra da música “Conversa de Botequim” (Noel Rosa e Vadico)
Seu garçom, faça o favor de me trazer depressa
Uma boa média que não seja requentada,
Um pão bem quente com manteiga à beça
Um guardanapo e um copo d‟água bem gelada.
Feche a porta da direita com muito cuidado
Que eu não estou disposto a ficar exposto ao sol.
Vá perguntar ao seu freguês do lado
Qual foi o resultado do futebol.
Se você ficar limpando a mesa
Não me levanto nem pago a despesa.
Vá pedir ao seu patrão
Uma caneta, um tinteiro,
Um envelope e um cartão.
Não se esqueça de me dar palitos
E um cigarro para espantar mosquitos.
Vá dizer ao charuteiro
Que me empreste umas revistas,
Um isqueiro e um cinzeiro.
Seu garçom o favor de me trazer depressa
Uma boa média que não seja requentada,
Um pão bem quente com manteiga à beça
Um guardanapo e um copo d‟água bem gelada.
Feche a porta da direita com muito cuidado
Que eu não estou disposto a ficar exposto ao sol.
Vá perguntar ao seu freguês do lado
Qual foi o resultado do futebol.
Telefone ao menos uma vez
Para três quatro, quatro, três, três, três
E ordene ao seu Osório
Que me mande um guarda-chuva
Aqui pro nosso escritório.
Seu garçom me empreste algum dinheiro,
Que eu deixei o meu com o bicheiro.
Vá dizer ao seu gerente
Que pendure esta despesa,
No cabide, ali em frente.
Seu garçom, faça o favor de me trazer depressa
Uma boa média que não seja requentada,
Um pão bem quente com manteiga à beça,
Um guardanapo e um copo d‟água, bem gelada.
Feche a porta da direita com muito cuidado
Que eu não estou disposto a ficar exposto ao sol.
Vá perguntar ao seu freguês do lado
Qual foi o resultado do futebol.