Rio de Janeiro
2020
Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande
Estratégia Brasileira
ESCOLA DE COMANDO E ESTADO MAIOR DO EXÉRCITO ESCOLA MARECHAL CASTELLO BRANCO
Ten Cel Inf FABIO GOMES BARBOSA
Tenente-Coronel FABIO GOMES BARBOSA
CULTURA ESTRATÉGICA NACIONAL: UM ESTUDO SOBRE A GRANDE ESTRATÉGIA BRASILEIRA
Dissertação submetida à Banca de Defesa para o Mestrado Acadêmico em Ciências Militares, enquadrado pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu do Instituto Meira Mattos da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, Rio de Janeiro – RJ.
Orientador: Tenente-Coronel Rafael Soares Pinheiro da Cunha - Dr
Rio de Janeiro 2020
B238c Barbosa, Fábio Gomes
Cultura estratégica nacional: um estudo sobre a grandeestratégia nacional. / Fábio Gomes Barbosa. 一 2020.
124 f. : il. ; 30 cm.
Orientação: Rafael Soares Pinheiro da Cunha .Dissertação (Mestrado em Ciências Militares) 一 Escola de
Comando e Estado-Maior do Exército, Rio de Janeiro, 2020.Bibliografia: f. 119-124.
1. BRASIL. 2. PRIMEIRA REPÚBLICA. 3. GRANDEESTRATÉGIA. 4. CULTURA ESTRATÉGICA. 5. POLÍTICANACIONAL DE DEFESA. I. Título.
CDD 355.4
Ao meu primeiro filho, Gabriel, e a minha
esposa, Raquel, pela perda de horas de
lazer juntos em prol da consolidação deste
trabalho.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeço a Deus por ter me dado força e saúde para superar todos
os obstáculos.
Agradeço à minha companheira e amada esposa, Raquel Firmino Magalhães
Barbosa, que me apoiou de maneira incondicional, possibilitando a conclusão deste
trabalho.
Aos meus pais, pela minha educação e formação, me mostrando sempre o caminho
do bem, através do exemplo de suas condutas como cidadãos e, também, pela
dedicação à família.
Ao Exército Brasileiro e à Escola de Comando e Estado-Maior, pela oportunidade em
realizar uma dissertação de mestrado, ampliando meus conhecimentos.
Ao meu orientador, o Tenente-Coronel Rafael Pinheiro, por suas orientações, por seu
inestimável apoio e pela dedicação ao meu trabalho.
“Graças a minha leitura, eu nunca fui pego
de surpresa em nenhuma situação, sem
prejuízo para como qualquer problema foi
abordado antes (com sucesso ou sem
sucesso). Não me dá todas as respostas,
mas ilumina o que é, muitas vezes, um
caminho escuro à frente” (General James
Mattis).
RESUMO
O objeto desta pesquisa concentra-se na cultura estratégica, tendo como objetivo geral identificar traços da Cultura Estratégica Nacional, a partir da influência da Grande Estratégia praticada na Primeira República (1889-1930) na condução da Grande Estratégia Brasileira da atualidade. O referencial teórico apresenta os conceitos modernos de Estratégia, Grande Estratégia e Cultura Estratégica necessários ao esclarecimento de pontos-chave que guiaram a execução do trabalho. Assim, a cultura estratégica foi categorizada tendo por base o conhecimento formulado por três gerações que representam o início e a evolução desta literatura, aquele que busca explicar o comportamento das nações pela observação da política em ação (grande estratégia). Na sequência, o período da Primeira República foi o laboratório de onde se observou a grande estratégia nacional do passado para conectá-la a do presente, destacando sua influência na cultura estratégica brasileira. Como forma científica de descortinar o atual estado da arte sobre o assunto, foi realizada uma pesquisa sistemática levando-se em conta artigos científicos de relevância publicados e de acordo com os querryies/strings definidos na pesquisa. Por fim, a Política Nacional de Defesa (PND) foi posta em perspectiva sob o foco cultural. O ponto de comparação entre passado, Primeira República, e presente, da apresentação da PND ao Congresso Nacional (2012) aos dias atuais, foi o cultural, tendo como indicadores os componentes da estratégia adotada pela República (objetivos, meios, modo ou ação). A base de comparação foram as primeiras décadas da República, por tal período representar o início das grandes mudanças estruturais das instituições nacionais. Para isso, buscou-se apoio em Colin Gray (2015), Beaufre (1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam o pensamento moderno sobre a Estratégia e suas adjetivações. Para a compreensão das mudanças políticas do pós-Guerra Fria, foram levadas em consideração as estruturas estabelecidas por Huntington (1996; 1998) e Buzan & Hansen (2009). As questões nacionais da Primeira República foram analisadas a partir do ponto de vista de Carvalho (2005), McCann (2009) e Coelho (2000), além de pesquisa nos Relatórios do Ministério da Guerra e das Relações Exteriores. Quanto à proposta metodológica, esta caracteriza-se como um estudo de caso comparativo, de caráter exploratório e qualitativo, com levantamento de dados bibliográficos, sendo seus resultados apresentados de forma mista (artigos científicos e revisão histórica). Assim, pode-se observar as alterações, as similitudes e os eventuais padrões de continuidade no pensamento nacional, destacando características presentes em decisões e contribuindo para o entendimento das linhas gerais e estruturantes do pensamento estratégico nacional. Palavras-chave: Brasil; Primeira República; Grande Estratégia; Cultura Estratégica; Política Nacional de Defesa.
ABSTRACT The object of this research focuses on strategic culture. Having as its general objective to identify traces of the National Strategic Culture, from the influence of the Grand Strategy practiced in the First Republic (1889-1930) in the conduction of the present Grand Brazilian Strategy (2012) up to the present day. The theoretical framework presents the modern concepts of Strategy, Grand Strategy and Strategic Culture necessary to clarify key points that guided the execution of the work. The strategic culture was categorized based on the knowledge formulated by three generations. They represent the beginning and evolution of that literature that seeks to explain the behavior of nations by observing the policy in action (Grand Strategy). Following this, the period of the First Republic was the laboratory from which the grand national Strategy of the past was observed to connect it to the present, highlighting its influence on the Brazilian strategic culture. As a scientific way to unveil the current state of the art on the subject of this research, systematic research was conducted taking in account relevant scientific articles published and according to queries/strings defined in the research. Finally, the National Defense Policy was put into perspective under the cultural focus. The point of comparison between past, First Republic, and present, from the presentation of the National Defense Policy to the National Congress (2012) to the present day, was the cultural one, having as indicators the components of the Strategy adopted by the Republic (objectives, means, way or action). The basis of comparison was the first decades of the Republic, for such a period to represent the beginning of the significant structural changes of the national institutions. For this, support was sought from Colin Gray (2015), Beaufre (1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) and Silva (1981). , since they represent the modern thinking about the Strategy and its variations. To understand the post-Cold War political changes, the structures established by Huntington (1996; 1998) and Buzan & Hansen (2009) were taken into account. National issues of First Republic were analyzed from the point of view Carvalho (2005), McCann (2009) and Coelho (2000), as well as research in the Ministry of War and Foreign Relations Reports. As for the methodological proposal, it is characterized as a comparative, exploratory and qualitative case of study, with bibliographic data collection, and its results are presented in a mixed way (scientific articles and historical review). Thus, it is possible to observe changes, similarities and eventual patterns of continuity in national thinking, highlighting characteristics present in decisions and contributing to the understanding of the general and structuring lines of national thinking. Keywords: Brazil; First Republic; Grand Strategy; Strategic Culture; National Defense Policy.
ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES
Figuras
Figura 1: o paradigma estratégico ............................................................................ 23 Figura 2: delineamento da pesquisa ......................................................................... 26 Figura 3: validação dos dados .................................................................................. 30
Quadro
Quadro 1: categorias de análise, indicadores e tipo de pesquisa ............................. 28 Quadro 2: técnica empregada para identificação das obras relevantes ................... 29 Quadro 3: Ministros da Guerra entre 1889 e 1910 ................................................... 37
Tabela
Tabela 1: aumento dos efetivos ................................................................................ 57
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 9
1.1 APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................... 9
1.2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ...................................................................................................... 10
1.3 PROBLEMA ................................................................................................................................ 12
1.4 OBJETIVO GERAL ...................................................................................................................... 13
1.5 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ....................................................................................................... 13
2 REFERENCIAL TEÓRICO................................................................................................................. 14
2.1 ESTRATÉGIA, GRANDE ESTRATÉGIA E CULTURA ESTRATÉGICA ..................................... 14
2.2 RELAÇÕES ENTRE CIVIS E MILITARES .................................................................................. 25
3 REFERENCIAL METODOLÓGICO ................................................................................................... 25
3.1 PERSPECTIVA EPISTEMOLÓGICA .......................................................................................... 26
3.2 ESTRATÉGIA DE INVESTIGAÇÃO ............................................................................................ 27
3.3 MÉTODO DE PESQUISA ............................................................................................................ 27
4 RESULTADO E DISCUSSÃO ........................................................................................................... 30
4.1 OS ANOS INICIAIS DA GRANDE ESTRATÉGIA NACIONAL NA REPÚBLICA ......................... 30
4.1.1 Conflitos internos .......................................................................................................... 33
4.1.2 Conflitos externos ......................................................................................................... 34
4.1.3 A Grande Estratégia na Política dos Governadores .................................................. 36
4.1.4 A Estratégia do Poder Naval ......................................................................................... 38
4.1.5 A Estratégia Terrestre ................................................................................................... 42
4.1.6 A Volta dos Militares, A Primeira Guerra Mundial, A Lei do Serviço Militar
Obrigatório e a Missão Francesa .............................................................................................. 49
4.1.7 A Grande Estratégia na implosão da Primeira República ......................................... 60
4.2. ELABORAÇÃO DE ARTIGOS CIENTÍFICOS ............................................................................ 63
ARTIGO 1: PESQUISA SISTEMÁTICA SOBRE CULTURA ESTRATÉGICA BRASILEIRA ...... 63
ARTIGO 2: A POLÍTICA NACIONAL DE DEFESA SOB O PONTO DE VISTA CULTURAL ...... 92
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................. 115
REFERÊNCIAS ................................................................................................................................... 119
9
1 INTRODUÇÃO
1.1 APRESENTAÇÃO
Em linhas gerais, esta pesquisa visa apresentar alguns elementos da cultura
estratégica brasileira com base no entendimento de seu caráter nacional e de sua
identidade. Foge do lugar comum da visão puramente realista do equilíbrio de poder
e busca novas perspectivas para explicar a lógica brasileira para a elaboração de sua
Grande Estratégia. Pretende estabelecer a ligação entre as experiências estratégicas
ocorridas no período da Primeira República e o que foi consolidado no DNA nacional,
vindo a influenciar a Grande Estratégia brasileira atual.
O interesse no desenvolvimento de tal pesquisa surgiu durante as aulas da
disciplina eletiva de Cultura Estratégica do Curso de Comando e Estado-Maior
(CCEM) da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), quando
algumas questões foram formuladas e careciam de uma explicação mais apurada, tais
como: “qual seria a vocação brasileira - marítima ou terrestre?”; “a política nacional foi
feita de maneira acertada?”; e “o Brasil tem um projeto estratégico?”, dentre tantas
outras instigantes inquietudes.
A metodologia da pesquisa priorizou o estudo de caso comparativo entre dois
períodos de consideráveis mudanças - Primeira República e período posterior à
publicação da Política Nacional de Defesa (PND). Assim, poderão ser observadas as
alterações, as similitudes e os eventuais padrões de continuidade no pensamento
nacional, destacando características presentes em decisões e contribuindo para o
entendimento as linhas gerais e estruturantes do pensamento nacional.
Para isso, o referencial teórico traz os conceitos modernos sobre Estratégia,
Grande Estratégia e Cultura Estratégica. O capítulo de resultado e discussão inicia-
se com uma revisão histórica dos elementos da grande estratégia praticada na
Primeira República; na sequência, os resultados de uma pesquisa sistemática sobre
a cultura estratégica nacional são apresentados; e, finalmente, a PND foi analizada
sob o foco cultural.
Na revisão histórica da Primeira República, buscou-se relacionar, sob a ótica
da grande estratégia, os meandros dos principais desafios internos e externos que
acometeram o País, ficando gravados no subconsciente nacional, no período de 1889
a 1930; a revisão sistemática foi apresentada em forma de artigo científico acerca da
10
cultura estratégica nacional, o seu foco foi identificar o modo como esta temática tem
sido trabalhada no meio acadêmico; e, por último, outro artigo científico pôs em
perspectiva a PND, parte simbólica da grande estratégia brasileira, sob o enfoque
cultural.
O estudo enquadra-se na linha de pesquisa Estudos da Paz e da Guerra do
Programa de Pós-graduação em Ciências Militares (PPGCM) da ECEME, uma vez
que o tema central relaciona-se à Grande Estratégia e à Cultura Estratégica nacionais.
1.2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Como conceitos iniciais, postula-se que a Grande Estratégia deve ser
entendida como a política em ação, ou seja, a preparação e o emprego (ação/way) do
Poder Nacional (meios/resources) para atingir os interresses nacionais (objetivos/aim)
(MARTEL, 2015). Cultura Estratégica, por sua vez, representa o conjunto de atitudes,
crenças e comportamentos que influenciam a política de poder de determinado país
(BLACK, 2012).
No escopo de uma Grande Estratégia, entende-se que esforços devam ser
conjugados com o intuito de garantir a soberania, a segurança e o desenvolvimento
nacional a fim de proporcionar maior liberdade de ação ao país ante o sistema
internacional. Para tanto, faz-se necessário amplo debate que tenha alcance nas
políticas externa e de defesa do Brasil (objetivo nacionais), levando em consideração
seu entorno estratégico, suas relações interestatatais, a cultura estratégica (o DNA do
modo/way de agir), contando com o knowhow adquirido, e suas estruturas de Poder
para a Segurança Nacional, tomando-se por base os meios disponíveis (militares ou
não).
Barcelos (2016) comenta que a Doutrina de Góes Monteiro, dos anos de 1930,
concebia uma noção de Grande Estratégia a ser executada pelo Estado Brasileiro
com o auxílio das Forças Armadas, a partir de uma visão própria do desenvolvimento
e da ampliação do poder nacional.
Corrêa (2014) afirma que, nos últimos anos, o Brasil tem se tornado um ator
internacional de relevância crescente e que, nesse escopo, o século XXI é marcado
por antagonismos e incertezas. O País procura afirmar-se como potência regional e
projetar-se no cenário internacional, tendo passado por reformulações notáveis no
que tange aos documentos de Defesa e de Estratégia no sistema internacional.
11
Estudos sobre a Grande Estratégia Brasileira, em cenário prospectivo e
comparativo, têm notável relevância no ambiente acadêmico nacional. Góes (2008)
analisou a construção sistemática da Grande Estratégia, destacando as principais
diferenças entre a formação norte-americana e a brasileira. Comparou, portanto, os
conceitos de Segurança Nacional, a formulação conceitual de Política e Estratégia,
colimando para a relevância da formulação de um modelo estratégico genuinamente
sul-americano.
Ademais, estudos que buscam identificar detalhes sobre a Grande Estratégia
Brasileira não se limitam a pesquisas realizadas dentro das fronteiras nacionais. Cita-
se, por exemplo, a pesquisa de Brands (2010), realizada no Strategic Studies Institute
do Army War College, em que analisou a Grande Estratégia durante os oito anos de
governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Mais recentemente, a Grande Estratégia do Brasil é comentada a partir de
discursos, artigos e entrevistas, durante a gestão de Celso Amorim no Ministério da
Defesa, entre os anos de 2011 e 2014. O compilado reuniu os principais
pronunciamentos acerca da política de defesa, apresentando a visão de uma Grande
Estratégia de defesa do interesse nacional e de contribuição para a paz, em que as
políticas, externa e de defesa, conjugam-se em uma sociedade plural e democrática
(AMORIM, 2016).
Martins e Oliveira (2015) entendem o Conceito Estratégico Nacional como o
"princípio organizacional segundo o qual se dá forma e direcionamento para o poder
nacional". Complementam a ideia sugerindo que a compreensão de que a defesa
nacional depende das infraestruturas econômica, geográfica e tecnológica,
proporcionando suporte ao aparato militar.
Kalout e Degaut (2017), em Relatório de Conjuntura que pressupõe o Brasil
como um país em busca de uma Grande Estratégia, discutem a necessidade de
relançar-se um projeto de política externa coerente e que seja capaz de alcançar
resultados adequados às aspirações e potencialidades do País. No documento,
apresentam tópicos relacionados à Cooperação Sul-Sul e à Reforma da Organização
das Nações Unidas (ONU); ativismo comercial fora do eixo; integração sul-americana
e as ambições globais do Brasil; e Defesa, Segurança e Inteligência. Concluem,
afirmando que todo país que se propõe a assumir um papel global ou exercer
liderança em sua região precisa de um projeto estratégico de Estado, focado no longo
12
prazo, mas que também seja capaz de dar coerência e coesão aos projetos atuais.
Para eles, o Brasil carece de um projeto integrado, particulamente em política exterior.
1.3 PROBLEMA
No contexto da atual ordem internacional, não há sinais de arrefecimento de
conflitos militares, gerados pelos mais diversos motivos, por acesso a recursos
estratégicos e ainda pela ascensão de novas ameaças, tais como o terrorismo e os
ataques cibernéticos. Assim, a situação de pouca definição no sistema internacional
canaliza a conjugação de esforços para que o Brasil mantenha uma Grande Estratégia
coerente com suas necessidades, resiliente e atualizada, adequando os seus meios
aos interesses nacionais. Desta forma, é necessário haver sinergia e coordenação
entre setores sociais e instituições nacionais de modo a maximizar o potencial do
Poder Nacional.
Adicionalmente, a Nova Era Mundial1 trouxe problemas complexos para a
Defesa Nacional, onde a ameaça nuclear, a bipolarização e o inimigo interno já não
fazem mais sentido, dando espaço ao multilateralismo, às novas ameaças, ao
conceito de desterritorialização, à maior interdependência entre os Estados e à
ampliação do conceito de segurança2, onde o conceito de defesa está inserido.
Nesta nova ordem, os Estados-nações continuam sendo os mais importantes
na arena mundial, porém seus interesses, alianças e conflitos são moldados por
fatores culturais e civilizacionais (HUNTINGTON, 1998). Assim, cada Estado deve
encontrar sua própria estratégia e interagir de forma individual com os demais para
atingir os seus objetivos nacionais.
Neste sentido, faz-se importante para o Brasil reafirmar a sua identidade
nacional para melhor se enquadrar ao lado das potências ocidentais, quer seja como
representante legítimo de tal cultura, quer seja como uma subcultura3 integrante
1 Define-se nova era mundial, ou nova ordem mundial, como o período compreendido entre o fim da Guerra Fria e os tempos atuais, onde a ordem bipolar foi substituída por uma ordem ainda não definida. 2 Com o fim da Guerra Fria houve uma ampliação do conceito de Segurança, onde não só os problemas de guerra e paz entre os Estados eram importantes, mas também as vertentes da coesão societal (ou identitária), humana, alimentar, dentre outras (BUZAN e HANSEN, 2012). 3 Termo usado no sentido de: “[...] indicar a cultura que é própria da área de uma parte dividida da Cristandade, precisamos ter cuidado em não supor que uma subcultura é necessariamente uma cultura inferior; lembrando também que, embora uma subcultura possa sofrer perda ao se separar do corpo principal, o corpo principal também pode ser mutilado pela perda de um membro seu” (ELIOTT, 1988, p.95).
13
daquela. Em busca de tal reafirmação, o período, de aproximadamente quarenta anos,
que se seguiu à Proclamação da República, foi crucial para o amadurecimento das
instituições republicanas, e sem dúvidas o espelho adotado foi, no primeiro momento,
europeu, embora a Constituição Nacional tenha se baseado na República Americana
(MAcCANN, 2009).
Assim, a substituição do imperador pelo presidente, embora tardia para os
padrões ocidentais, a laicização do Estado com fulcro no pensamento positivista, os
dois grandes conflitos internos de cunho religioso (Canudos e Contestado), a
consolidação das nossas fronteiras, legalizando anos de expansão para o oeste, a
participação na Primeira Guerra Mundial ao lado do ocidente, os primeiros contatos
com a doutrina comunista, a vinda da Missão Francesa e a imposição de Vargas como
presidente, entre diversos outros episódios, marcaram os momentos iniciais da jovem
república brasileira com reflexos para os anos seguintes.
Neste sentido, traçou-se o seguinte questionamento: em que medida a Grande
Estratégia Nacional praticada no período da Primeira República (1889-1930)
influenciou a formulação da PND (Grande Estratégia Brasileira da atualidade)?
1.4 OBJETIVO GERAL
O objetivo da pesquisa será identificar a influência da grande estratégia
adotada na Primeira República para a formulação da Grande Estratégia Brasileira da
atualidade. Assim, pôde-se destacar os padrões de mudanças e de continuidade, fruto
de amadurecimento histórico ou do particularismo político vigente, e as continuidades,
mais afetas ao caráter nacional.
1.5 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
A maneira brasileira de conduzir suas questões dá um tom nacional à sua
Grande Estratégia, motivado pelo seu entorno estratégico, pela sua história militar,
sua evolução política e pelas características de sua população.
Destarte, a forma brasileira de conduzir “a guerra”, ou o processo de condução
da solução de conflitos, aliada às novas ameaças, demandam mecanismos modernos
e eficientes para gerar as capaciddades necessárias.
14
Tendo em vistas estas premissas acima elencadas, foram estabelecidos,
respectivamente, os seguintes objetivos específicos:
1. Compreender os aspectos gerais do pensamento estratégico ocidental
acerca da Estratégia, Grande Estratégia e Cultura Estratégica;
2. Estudar a Grande Estratégia praticada pelo Brasil durante a Primeira
República (1889-1930);
3. Identificar a influência da cultura estratégica na Grande Estratégia da
atualidade (2012 aos dias atuais) com base na PND, e
4. Comparar a Grande Estratégia adotada no período da Primeira República
com a Grande Estratégia Brasileira da atualidade, ressaltando aos padrões de
mudança e de continuidade a fim de identificar a influência da cultura estratégica
nacional na formulação da Grande Estratégia Brasileira, seja ela escrita ou praticada.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
De acordo com Creswell (2009), o capítulo referente à teoria pode ser
empregado para explicar alguns termos fundamentais para a compreensão da
pesquisa, apresentar o modelo teórico a ser comprovado ou negado durante a mesma
ou para defender um novo modelo teórico proposto. Para fins deste trabalho, adotou-
se o primeiro modelo.
2.1 ESTRATÉGIA, GRANDE ESTRATÉGIA E CULTURA ESTRATÉGICA
Falar sobre estratégia não é tarefa fácil. Geralmente requer muitos anos de
estudos e uma boa experiência em setores do Estado envolvidos com a mesma. No
entanto, não se pode ter dúvidas quanto ao seu principal propósito e, muito menos,
medo de abordar o assunto, correndo o risco de se perder sua essência, que é
fundamental para a defesa de um país (PROENÇA JR; DINIZ; RAZA,1999).
A Estratégia do presente herdou as mesmas características do passado,
quando se fala em teoria, porém suas ferramentas, o ambiente e as mudanças
culturais causaram imensas transformações nos tipos de ameaça, objetivos nacionais
e meios disponíveis para atingi-los. Para Gray (2016):
Os gregos e, depois, os romanos necessitaram de segurança, e a maneira como tais necessidades foram, ou não, atendidas pode ser vista sob a lente de uma teoria geral da estratégia. Como teoria, a estratégia é capaz de lidar
15
tanto com as galerias a remo ou as lanças pontiagudas como com as armas
nucleares e convencionais de precisão dos dias de hoje.
Algumas considerações são cruciais para entender o pensamento atual acerca
do assunto. A partir deste ponto, serão apresentadas algumas ideias fundamentais
para o entendimento da evolução e do funcionamento da Estratégia na atualidade, a
saber: 1) o surgimento dos principais aspectos da Estratégia e os momentos em que
os mesmos foram incorporados ao pensamento moderno; 2) a Grande Estratégia, que
é o produto final da evolução da própria estratégia;e 3) a Cultura Estratégica, o “DNA”
nacional formado a partir de um framework de acontecimentos, decisões e
experiências únicas de cada Estado, sendo um contraponto à visão puramente
armamentista e realista.
2.1.1 Estratégia
A partir do século XVIII, a europa presenciou a consolidação da ciência e o
surgimento de diversas áreas do conhecimento, tais como a matemática, a física, a
geometria e a astrologia, todas baseadas nas ciências naturais, aquelas que eram
provadas pela observação. As ciências militares, até então, não passavam de um
conjunto de regras/conselhos a serem seguidos, tais como formas de recrutamento,
tipos de formações, movimento de tropa, e etc.
Foi o caráter filosófico da obra de Clausewitz (1832), Vom Krieg, refletindo o
pensamento prussiano da época e utilizando ferramentas Hegelianas, no que tange à
dialética e ao determinismo histórico – que fez com que surgisse uma ciência militar
com ferramentas importantes para a compreensão de um pensamento superior e o
desenvolvimento de ferramentas (ciência) para se aperfeiçoar e melhor compreender
uma arte: a estratégia. A maneira como o pensamento científico da época influenciou
o trabalho de Clausewitz (1832) é resaltada por Howard (1983, p.12):
A idéia dos filósofos britânicos Berkeley e Hume, de que o homem não observava e absorvia passivamente os conhecimentos, mas que, ao invés disto, através do processo de observação criava esses conhecimentos e moldava o mundo através da sua própria percepção, exerceu uma grande influência na Alemanha. Clausewitz não precisou ler os trabalhos do seu contemporâneo Kant (e não há qualquer indício de que o tenha feito), para tornar-se familiarizado com essas idéias que formavam a base da filosofia daquele autor. Ele assimilou também aqueles autores que haviam reintroduzido o pensamento filosófico com o restabelecimento do Helenismo e que tanta influência exerceram no trabalho de Hegel.
16
Os estudos sobre estratégia, durante todo o século XX e XXI, tiveram algum
embasamento na obra-prima de Clausewitz (1832). Suas profundas análises sobre a
condução das operações militares, principalmente aquelas empreendidas durante o
período napoleônico, foram responsáveis pelo sucesso da unificação alemã através
das campanhas de 1866/70 (contra a Áustria e a França), e isso foi evidenciado pela
afirmação de Moltke4 e Bismarck5 de que “fora a Bíblia e Homero, Clausewitz era o
autor cuja obra mais o havia influenciado” (HOWARD, 1983, p. 53).
Vom Kriege foi escrito através da observação de Clausewitz sobre as vitórias
e derrotas prussianas e francesas durante a chamada Era Napoleônica. Marcada pela
Revolução Francesa, essa era rompeu com todo tipo de ação estratégica adotada até
então, inaugurando uma época de grandes manobras com grandes efetivos aliada a
mente de um general oriundo de uma arma técnica (artilharia) e apoiada nas ciências
(balística), Napoleão Bonaparte.
A referida obra permanece como ponto de partida para novos pensadores, pois
o produto do profundo e instigante esforço filosófico foi o surgimento de conceitos que
permitiram o desenvolvimento de novas teorias. Conceitos como guerra abstrata e
guerra absoluta, a existência da fricção, o duelo de duas vontades, guerra limitada e
guerra total, centro de gravidade e ponto culminante, dentre outros conceitos
empregados até a presente data, se transformaram em ferramentas importantes para
a articulação da estratégia. A partir da nova linguagem introduzida por Clausewitz
(1832) a teoria continuou sendo desenvolvida.
O ponto de toque entre a teoria da estratégia desenvolvida por Clausewitz
(1832) e a Grande Estratégia está relacionado às suas reflexões finais, quando já
possuia um entendimento político mais apurado. Assim, a subordinação do poder
militar ao político e suas observações sobre a natureza da guerra, materializada no
camaleão6 e na trindade7, já apontam para a necessidade de um entendimento maior
e mais amplo sobre as esferas que influenciam a estratégia, aquela que transcede o
4 Marechal-de-Campo prussiano, responsável pelas vitórias prussianas nas Guerra contra a Áustria
(1866) e a França (1870) 5 Primeiro Ministro do Reino da Prússia (1871) e primeiro Chanceler do Império Alemão (1890) 6 A guerra é como um “camaleão” que muda sua aparência/natureza/características para cada situação configurada de acordo com a trindade. (CLAUSEWITZ, 2010) 7 A teoria da guerra orbita entre as três forças, representadas pelo povo, forças armadas e governo, mas não há a necessidade de um equilíbrio entre elas. “Eventos no campo de batalha têm influenciado as pessoas e os líderes políticos, enquanto os fatores populares e políticos, por sua vez, afetam a performance do Exército” (VILLACRES; BASSFORD, 1995, p.13).
17
campo puramente militar e representam a vontade política ou a política em ação – a
Grande Estratégia.
Clausewitz (1832) percebeu que o poder militar e o poder político estavam
configurados em Napoleão Bonaparte, e o quão esta situação foi maléfica para a
França, pois a guerra começou a se alimentar de mais guerra e não houve o interesse
em diferenciar a estratégia militar da estratégia política, pois o exercício das mesmas
estava nas mãos de uma só pessoa. Fruto desta percepção, nasceu a ideia de
subordinação do poder militar ao político e o uso da força como instrumento deste,
mesmo sendo o último recurso. Tal pensamento, embora tenha causado algum
desconforto pela má interpretação do que seria a tal subordinação, gerou variados
modelos de relações entre civis e militares. Em suma, segundo Fuller (2002, p.65), a
grande contribuição de Clausewitz (1832) para a teoria da arte militar é sua insistência
nas relações da guerra com a política.
A compreensão mútua acerca das responsabilidades e das tarefas dos poderes
militar e politico é fundamental para o alinhamento dos objetivos de cada nação e para
o sucesso de qualquer conflito. Na história das duas grandes guerras mundiais essa
compreensão amadureceu com os erros e acertos. Mas as relações entre civis e
militares, fruto da subordinação, é dinâmica e depende da personalidade de cada
autoridade envolvida. Segundo Hart (1991, p. 319–320):
Muitas vezes soldados tiveram a absurda intenção de subordinar a política aos interesses das operações militares e, principalmente nos países democráticos, os políticos procuraram ultrapassar seu campo de ação para interferir no emprego do instrumento militar. [...] Por outro lado, o governo responsável pela formulação da política de guerra, precisa adaptá-lo ao curso das operações e pode, legitimamente, interferir nos planos militares já elaborados, porém somente para substituir o comandante responsável pela execução ou para modificar seus objetivos. Embora não deva jamais interferir diretamente nas operações, deve indicar, claramente, as tarefas a serem cumpridas.
Gray (2015) põe a subordinação da guerra à política de maneira metafórica,
por intermédio da ponte estratégica. Esta tem a função de ligar a política militar aos
objetivos políticos. Sem a capacidade de construí-la os esforços não poderão ser
estrategicamente conduzidos para alcançar o propósito político.
Embora seja clara a relação entre a guerra e a política, em momentos do passado a política foi um instrumento da guerra, ao menos temporariamente. Em vez de a estratégia servir de ponte para superar o rio tenebroso que
18
separa a política das esferas militares, trabalhando de maneira construtiva em ambas as encostas – o establishment militar e a sociedade com sua política que deveria ser protegida por aqueles – isso pode ser um severo desafio. Em alguns casos a ponte estratégica simplesmente não funcionou – de fato, ela pode nem ter existido. O maior exemplo disto foi o caso da Alemanha nas duas grandes guerras. Nem em 1914 – 1918, ou em 1939 – 1945, a Alemanha teve uma instituição responsável pela estratégia capaz de guiar o combate de acordo com o senso político. O que aconteceu foi que em ambas as guerras os alemães lutaram com grande habilidade e determinação, mas felizmente eles não foram dirigidos pela estratégia para atingir um razoável propósito político. O que faltou, ou foi impossível, para a Alemanha Imperial e a Nazista foi a construção e o emprego de uma ponte estratégica (GRAY, 2015, p.28).
Uma estratégia pode dar errado e sair do controle, civis podem, e sempre o
fazem, criticar uma estratégia adotada, principalmente se for puramente militar e der
errado, mas isso não quer dizer que ela não esteja subordinada a política, e que não
tenha sido uma escolha dentre várias disponíveis (MARTEL, 2015).
A direção política da guerra ou conflito e a influência cultural de cada escolha,
garante as características políticas da estratégia. O caráter essencialmente político da
estratégia é ressaltado por Gray (2015):
Independentemente dos detalhes técnicos e culturais específicos, a estratégia deve ser regida por um processo político superior. Isso não é discricionário. Violência, organizada ou de outro tipo, sempre, e em todos os lugares, tem algum significado político (GRAY, 2015, p.5).
O seu caráter político a torna ambígua, pois a estratégia é a maneira com que
a elite que está no poder acha melhor par atingir os objetivos que lhe atendem de
certa forma, encontrando, assim, sempre um opositor pronto para criticar e apresentar
alternativas que, de fato, são estratégicas mas seguem em outra direção, a da
oposição (MARTEL, 2015).
A Estratégia é paradoxal – si vis pacem, para bellum – e o paradoxo causa
confusão sendo de difícil entendimento para políticos, cujo pensamento é linear,
simplesmente pelo fato de não agregar votos em tempos de paz. No entanto, no
campo da estratégia, a citação romana faz total sentido. Para Luttwak (2009, p.18):
Por que essa ruidosa contradição é tão facilmente aceita? Considerar o absurdo de fato equivalente em qualquer outra esfera de vida que não a estratégica seria: se você deseja A, lute por B, seu opositor; ou se você deseja perder peso, coma mais; ou ainda se você deseja tornar-se rico, ganhe menos – certamente rejeitaríamos todas essas proposições. É apenas no campo da estratégia que engloba a conduta e as consequências das relações humanas no contexto do conflito armado real ou possível, que nós aprendemos a aceitar proposições paradoxais como válidas.
19
Outras questões paradoxais são: um meio mais rápido de se chegar a um
determinado objetivo, nem sempre é uma reta; milhões gastos com armamento
nuclear, objetivando ter superioridade na guerra, porém o que se consegue é: a mútua
destruição, que nunca foi objetivo estratégico; e inviabilidade de um conflito ou
incapacidade de ameaçar dada a força desproporcional da mesma. Em países menos
desenvolvidos, gastos com estratégias são contestados ao passo que pessoas vivem
na pobreza e não se consegue justificar o investimento alto em defesa (LUTTWAK,
2009).
Gray (2015) sinaliza a importância de um contexto cultural para maior
aceitabilidade de uma estratégia, além de ela se relacionar sempre com as
ansiedades atuais da sociedade, estando impossibilitada de ser produzida em
ambiente isolado (abstrato), mas sim influenciada pelo futuro próximo. O autor
recomenda que se faça uma consideração acerca do passado histórico de cada
nação, a fim de separar as ações que podem ser impulsivas daquelas que realmente
tiveram efeito para determinada nação.
Até a Primeira Grande Guerra, o foco ainda era a estratégia pura, aquela
destinada ao poder militar, pois os outros poderes nacionais ainda não estavam tão
desenvolvidos institucionalmente ao ponto de decidirem um impasse (MARTEL,
2015).
2.1.2 Grande Estratégia
Com a industrialização, o poder econômico virou o centro da estratégia,
fazendo com que sua base fosse social. Assim, a sociedade virou a mola propulsora,
fornecendo não somente recrutas, mão de obra, capacidades tecnológicas, e suporte
político dentro de suas fronteiras, mas também, direcionando parte desse arsenal,
bem como bombas voadoras, para alvos civis do outro lado da fronteira. Ou seja, na
época da Segunda Grande Guerra, os Estados industrializados possuíam uma gama
de potencialidades que eram mais atinentes a sociedade (MARTEL, 2015, p. 25).
Coutau-Begarie (2010) corrobora a ideia de Grande Estratégia como a política
em ação, que surgiu como uma ideia anglo-saxônica nos anos 1920, cujo propósito,
definido por Hart (1990), era de “coordenar e dirigir todos os recursos da nação ou de
uma coalizão, a fim de atingir o objetivo político da guerra” (COUTAU-BÉGARIE, 2010,
20
p. 101). Assim, as responsabilidades de defesa recaíram também sobre a economia
e a diplomacia que já começavam a fazer a diferença no campo internacional.
De acordo com Gray (2015), o termo “Grande Estratégia” pode ser entendido
de um ponto de vista mais elevado e, hierarquicamente falando, como sendo a
estratégia do topo, aquela que engloba todas as outras e que é materializada.
Existe uma ambiguidade quando se fala sobre Grande Estratégia, pois ela
constantemente é usada tanto para especificar uma abordagem geral para a política
(Policy) como políticas específicas (politics) que um Estado deve perseguir em tempos
de paz ou de guerra (MARTEL, 2015).
Segundo o mesmo autor, o processo de implementação da Grande Estratégia
consiste em duas capacidades: primeiro, organizar os fundamentos domésticos do
poder nacional para fortalecer os interesses domésticos a longo prazo, e segundo, a
habilidade do Estado equilibrar meios e objetivos.
Os objetivos são traduzidos em interesses e aspirações do grupo nacional,
tendo em vista a sua própria sobrevivência como grupo, isto é, asseguradas as três
condições básicas de autodeterminação, integração crescente e prosperidade, dentro
do quadro especial, seja imposto pela tradição histórica, seja requerido por condições
julgadas essenciais àquela mesma sobrevivência. A elaboração dos objetivos
nacionais permanentes (ONP) é, por assim dizer, instintiva e resultante naturalmente
do processo histórico através do qual o grupo adquire e plasma uma sociedade
nacional (SILVA, 1981, p. 251–252).
Ainda no tocante aos objetivos, é interessante ressaltar a diferença entre
objetivo nacional e objetivo militar. Para que não fique a ideia de que determinado país
devesse conduzir uma guerra simplesmente pela guerra, mas sim, em perseguição
de sua política. Os dois são diferentes embora não estejam separados. Hart (1991,
p.338) diferencia objetivo nacional (object) de objetivo militar (aim), postulando que o
primeiro visa o propósito da política (e deve ser em termos da paz que se deseja além
do conflito), enquanto o último, o modo como as forças militares são direcionadas em
serviço da política (em termos de conquista física e geográfica).
Quanto aos meios, “para ser grande, a estratégia precisa ser capaz de
mobilizar qualquer um dos ativos da comunidade” (GRAY, 2015, p.15).
Como os fins condicionam os meios, é necessário fazer uma reflexão sobre
onde queremos chegar (objetivos) para nos assegurarmos da adequabilidade, ou não,
21
dos meios. Silva (1981) faz uma interessante inversão desta ordem, voltada para
países como o Brasil, onde o Poder Nacional é limitado e, objetivando obtê-lo, põe o
desenvolvimento dos meios como sendo os fins para, em um segundo momento,
poder almejar mais alto.
Buzan e Hansen (2009) discorreram sobre novos componentes da Grande
Estratégia Nacional por intermédio da obra “A Evolução dos Estudo de Segurança
Internacional”, introduzindo o conceito de segurança e o seu uso pelos Estados para
atingir seus objetivos políticos a partir do pós-Segunda Guerra Mundial. Diversas
interpretações a respeito da referência a ser securitizada hifenizaram tal conceito de
maneira que servissem aos diversos propósitos. Os Estudos de Segurança
Internacional, tendo como conceito-chave “segurança” e não mais defesa ou guerra,
segundo Buzan e Lene (2009, p.24), “ampliou o estudo para um conjunto maior de
questões políticas, incluindo a importância da coesão societal e a relação entre
ameaças e vulnerabilidades militares e não militares”. Assim, as questões que
estruturaram os Estudos de Segurança Internacional (1.estadocentrista; 2.ameaças
internas e externas; 2.expansão da segurança para além do setor miltar e do uso da
força; e 4. Dinâmica de ameaças, perigos e urgência) repercutiram de alguma forma
na eleboração das diversas estratégias nacionais a partir do fim da 2ª Guerra Mundial.
2.1.3 Cultura Estratégica
O esforço para entender e o carimbo dado por Liddel Hart (1991) ao modo de
fazer guerra britânico, através de um estudo abrangente de História Militar, nos
fornece um quadro sequencial e deliberado que ressalta a estratégia indireta daquele
país. Muito tempo depois, durante a Guerra Fria, o cientista político Jack Sydney veio
com a ideia de que os russos não pensavam da mesma maneira que os americanos,
em relação à destruição mútua assegurada, ele supunha que os russos pensavam
diferentemente da teoria da escolha racional (SONDHAUS, 2006), em função de os
dois países terem diferentes culturas estratégicas. Esses conceitos, modo de guerra
e cultura estratégica, abriram o caminho para a relevância da cultura no
comportamento estratégico, não em oposição à visão realista, mas em complemento
a ela.
Segundo o mesmo autor, durante longos períodos, os dois corpos de literatura,
historiadores e cientistas políticos, seguiram caminhos distintos entre si. Percebendo
22
a importância de um ponto de vista amplo, compreendendo outras disciplinas como
sociologia e geopolítica, por exemplo, Sondhaus (2006) explica em sua obra "Strategic
Culture and Ways of War" os aspectos culturais da Europa, dos americanos, da Ásia
e da África, sendo mais específicos com algumas potências como Inglaterra, Rússia,
Estados Unidos e Alemanha e mais genérico em relação a países como o Brasil, na
América do Sul e o Paquistão, na Ásia. No entanto, todos os países têm um papel
crucial em suas respectivas regiões, e a compreensão a respeito da cultura
estratégica do Brasil, em particular, pode contribuir para a continuidade da paz na
zona mais desmilitarizada do globo.
Com Snyder (1977) e Gray (1999), a primeira geração de cultura estratégica
veio das análises do comportamento entre os Estados Unidos e a União Soviética
durante a Guerra Fria. Snyder (1977) concluiu que ambas as nações tinham culturas
diferentes e isso influenciaria em sua mentalidade sobre o uso de armas nucleares.
Em sua maior parte da teoria, a cultura estratégica tem um papel crucial na formação
do comportamento do estado. Segundo Sondhaus (2006), Gray foi responsável pela
evolução da literatura, tendo suas definições mais abrangentes surgidas de sua
resposta a Johnston em 1999.
O surgimento da segunda geração, como uma oposição a primeira, ressaltou
a separação radical entre cultura estratégica e estratégia declarada. Assim, a cultura
estratégica é vista como uma ferramenta para a consolidação da política hegemônica
do ponto de vista das decisões estratégicas. Enquanto a cultura estratégica visa
reforçar a hegemonia política de determinado grupo no poder, a estratégia declarada
“apresenta diversas orientações para a violência e os modos como o Estado pode
legitimar o seu uso contra inimigos em potencial” (KLEIN, 1988, p. 136). O interesse
dos decisores, mais que a cultura estratégica, é que molda e limita a escolha
estratégica (SONHOUS, 2006, p.8). Neste ponto, “foi palpável a produção política de
hegemonia articulada teoricamente pela concepção Gramsciana” (KLEIN, 1988).
Para Johnston et al. (1995), um representante da terceira geração, se um
estado tem uma diversidade de particularidades que podem moldar seu
comportamento - experiências geográficas, políticas, culturais e estratégicas - é válido
assumir que esta situação pode produzir diferentes culturas estratégicas. O autor
defende uma noção de cultura estratégica que poderia ser “falsiable” ou que pudesse
ser “distinguível das variáveis não culturais”. Ele define a cultura estratégica com uma
23
“suposição básica sobre um conjunto de símbolos” 8 que trabalham juntos para
apresentar uma estratégia de acordo com eles. Em seu modelo há três eixos principais
a serem considerados, resultando em uma resposta (estratégia), figura 1.
Figura 1: o paradigma estratégico
Fonte: Johnston (1995)
A existência da “Estratégia dos Símbolos”, como estratégia operacional, não
exclui uma “Estratégia Simbólica”, como documento protocolar para formalizar,
dissuadir ou até suavizar uma linha de ação agressiva que parte de uma interpretação
particular dos símbolos. “A declarada (abstrata) doutrina nuclear representa o que os
tomadores de decisões estratégicas desejam que suas decisões sejam, embora
possam diferir da doutrina operacional (absoluta ou real)” (JOHNSTON et al.1995, 57).
Gray (1999), em resposta a Johnston (1995), afirma que a imortalidade da
cultura estratégica reside em ser ela uma das dimensões da estratégia, englobando
ideias persistentes, atitudes, tradições e hábitos da mente, ou mesmo métodos
preferenciais de operações que pertencem a uma "comunidade de segurança"
particular com características geográficas e particularidades históricas. Embora cada
dimensão possa ser analisada isoladamente, todas elas funcionam sinergicamente
8A cultura estratégica como um "sistema de símbolos" compreende duas partes: a primeira consiste
em suposições básicas sobre a ordenação do ambiente estratégico, isto é, sobre o papel da guerra nos assuntos humanos (se ela é inevitável ou uma aberração), a natureza do adversário e a ameaça que ele representa (soma zero ou soma variável) e sobre a eficácia do uso da força (sobre a capacidade de controlar resultados e eliminar ameaças, e as condições sob as quais a força aplicada é útil) (JOHNSTON, 1995, p.90).
24
para formar a estratégia como um todo. Para o autor, a unidade entre influência
cultural e ação política nega a existência de causa e efeito. Ele destaca que as
particularidades de um país dizem muito sobre suas atitudes, como no caso da Guerra
Fria, onde algumas das ações foram realizadas por motivos internos e não pela
necessidade de equilíbrio das forças. Gray concorda com Johnston em algum
aspecto, quando ele diz: as escolhas estratégicas são levantadas de acordo com as
percepções de seus oponentes e de si mesmo; a cultura influencia e é influenciada
pelo contexto; e uma escolha estratégica pode negar uma cultura predominante, e
uma comunidade de segurança pode ter mais de uma cultura estratégica.
Black (2012) nos recorda da característica dinâmica da cultura tal como a
realidade e o processo analítico, considerando a problematização da mesma. Em seu
ponto de vista, as Ciências Sociais entenderam essa questão, enquanto a História
Militar continua menos refinada. O autor destaca que é útil apresentar a cultura como
ela própria mutável e não como uma força constante que impõe um conjunto de
práticas aos seus sujeitos. Para ele, existem diferenças entre respostas culturais e
respostas a circunstâncias funcionais específicas. Uma situação específica no
passado, isolada, não pode refletir a cultura atual de um Estado. Outra questão
essencial é que a tendência de separar o modo de guerra ocidental do não ocidental
ou os cristãos dos muçulmanos comete o erro de não considerar a individualidade que
compõe essas partes do mundo. Esta última consideração pode ser vista na variedade
de culturas estratégicas islâmicas, e na capacidade dos Estados desenvolverem suas
próprias opções estratégicas.
Por razões que garantem a classificação da Grande Estratégia como cultural,
a cultura estratégica pode ser categorizada de acordo com ela. Um padrão de
confiança em um ou alguns dos instrumentos da Grande Estratégia caracterizaria uma
cultura estratégica específica. De acordo com essa ideia de Gray (2016), este estudo
é baseado, tentando entender os padrões de continuidade existentes em uma Grande
Estratégia em particular ao se pôr em perspectiva as estratégias do passado lado a
lado com as do presente, sem, no entanto, acreditar que em todas as ocasiões o
comportamento ocorrerá da mesma maneira.
25
2.2 RELAÇÕES ENTRE CIVIS E MILITARES
A partir da prudente premissa clausewitziana da subordinação do poder militar
ao poder político e segundo Hungtinton (1996, p.76), “Clausewitz também contribuiu
com primeira justificativa teórica para o controle civil”. Desta forma, toda formulação
estratégica e as decisões tomadas por um país passavam por um jogo de interesses
entre civis e militares.
Em sua obra “O Soldado e O Estado”, Samuel Hungtinton (1996) ressalta dois
tipos de controle civil mais importantes: o controle civil subjetivo e o controle civil
objetivo. O primeiro é amplamente negativo, com envolvimento de militares na política
e com domínio de “grupos civis” sobre os militares, além de haver um boicote da força
militar com graves consequências para sua operacionalidade. Já o segundo, vem com
maior profissionalização dos militares e ausência de interferências externas na política
militar. As ferramentas da teoria (controle objetivo, controle subjetivo e relações entre
civis e militares) de Hungtinton (1996) para medir tais relações dicotômicas serão
empregadas para se entender o peso dessas relações passadas nas decisões
tomadas e na atual Grande Estratégia Nacional.
3 REFERENCIAL METODOLÓGICO
Este tópico tem o objetivo de definir a maneira como a pesquisa foi realizada e
a metodologia empregada. Assim, foram delineados os parâmetros metodológicos
mais adequados ao tipo de pesquisa a ser realizada.
Foi empregado o modelo de Creswell (2009) como parâmetro para o
delineamento da pesquisa, conforme a Figura 2 onde estão em vermelho as escolhas
da Epistemologia, das Estratégias, do Delineamento da Pesquisa e do Método de
pesquisa que serão utilizados.
26
Figura 2: delineamento da pesquisa
Fonte: Creswell (2009, p.5), adaptado pelo Autor
3.1 PERSPECTIVA EPISTEMOLÓGICA
A epistemologia, ou visão de mundo empregada, foi a social-construtivista, onde,
segundo Creswell (2009), busca-se a compreensão do mundo em que vivemos e
trabalhamos, bem como desenvolve-se significados subjetivos de experiências
adquiridas, direcionando o entendimento de certos objetos ou coisas. Tal teoria
baseia-se na história e nas experiências vividas pelos indivíduos que, interagindo,
formam uma maneira própria de agir e pensar. A perspectiva social-construtivista,
ainda, permite trabalhar melhor ideias complexas e abertas tal como o é o tema
proposto.
Epistemologia Pós-positivista Social Construtivista Participatória Pragmática
Estratégias Qualitativas (ex., Estudo de caso) Quantitativa (ex., experimental) Misto (ex., sequencial)
Método de pesquisa Questões Coleta de dados Análise dos dados Interpretação Escrituração Validação
Delineamento da Pesquisa Quantitativa Qualitativa Mista
27
3.2 ESTRATÉGIA DE INVESTIGAÇÃO
Para Creswell (2009), as estratégias de investigação são modelos qualitativos,
quantitativos ou mistos que dão uma direção específica aos procedimentos em um
delineamento de pesquisa.
Na presente pesquisa, realizou-se uma comparação por meio de um estudo de
caso, pois tal método “pode ser usado como base para desenvolver tipologias ou
modelos dos diferentes modos que países ou culturas se organizam ou pensam sobre
eles mesmos” (MATTHEWS; ROSS, 2010, p.131).
Um estudo de caso comparativo entre a grande estratégia desenvolvida no
período da Primeira República e a observada na atualidade – a partir da apresentação
da Política Nacional de Defesa ao Congresso Nacional, em 2012 – pode revelar os
padrões de mudança e continuidade desta última em relação à primeira. Observando
tais padrões, pode-se avaliar a Cultura Estratégica Nacional, objeto desta pesquisa.
3.3 MÉTODO DE PESQUISA
A pesquisa foi do tipo exploratória, pois proporcionou a familiaridade com uma
temática pouco explorada, oferecendo subsídios para apontar aproximações e
distanciamentos sobre o que foi estudado e analisado (GIL, 2008).
Levando em consideração que o método de pesquisa a ser empregado “deve
ser baseado na questão de pesquisa e na natureza dos dados a serem coletados e
analisados para responder tal questão” (MATTHEWS; ROSS, 2010, p.113), foi
adotada uma abordagem plurimetodológica, do tipo qualitativa, devido à
complexidade e à abrangência temporal do tema. Para tanto, foram realizados os
seguintes tipos de pesquisa sobre o tema pesquisado: histórica, sistemática e
documental.
Na pesquisa histórica, buscou-se elencar os principais desafios enfrentados
pelo País nas décadas iniciais da República. A pesquisa sistemática, por sua vez, teve
por finalidade descobrir o atual estado da arte do objeto de estudo, visando, também,
qualificar a produção literária, prover referenciais teóricos e metodológicos, além de
proporcionar uma visão de pontos a serem esclarecidos e ou pesquisados. Por fim, a
pesquisa documental pôs em perspectiva a PND.
28
Assim, as principais bibliografias referentes às categorias de análise (Quadro 1)
foram exploradas sob a lupa dos indicadores desta pesquisa. Abrangeu, também,
busca em documentos primários, por intermédio dos Relatórios do Ministério da
Guerra, referentes ao período da Primeira República (1889-1930), existentes no
Arquivo Histórico Nacional. Foram utilizados, também como fonte primária, os atuais
documentos estratégicos nacionais. Deste modo, buscou-se, a todo momento, a
qualificação dos indicadores delineados no Quadro abaixo.
Quadro 1: categorias de análise, indicadores e tipo de pesquisa
Tipo de pesquisa
Categorias de análise Indicadores Resultado
Revisão histórica
Grande Estratégia da Primeira República
Ameaças Objetivos e Interesses
Preparação do Poder Nacional Ações
Caracterização da Cultura Estratégica Nacional pela identificação de traços de continuidade na atual Grande estratégia Nacional pela influência do Período da Primeira República.
Pesquisa sistemática
Pesquisa
documental
Grande Estratégia Atual
Fonte: o Autor
Os resultados da pesquisa foram apresentados em forma de uma revisão
histórica e dois artigos científicos, intitulados respectivamente: Os anos iniciais da
Grande Estratégia Nacional na República; Pesquisa Sistemática Sobre Cultura
Estratégica Brasileira; e A PND Sob Ponto de Vista Cultural.
Para a pesquisa histórica, partiu-se da literatura básica que trata sobre o Exército
e a sociedade nos primeiros anos da República (ALSINA JUNIOR, 2015; CARVALHO,
2006; CARVALHO, 2009; MAcCANN, 2009; VINHOSA, 2015; COELHO, 2009), além
da leitura de relatórios do Ministério da Guerra. O produto foi a categorização temporal
de episódios importantes para o imaginário nacional (cultura estratégica).
Já na pesquisa sistemática, foi realizada uma busca na literatura disponível nas
principais bases de dados da Seção de Publicação, Divulgação e Catalogação
(SPDC) - Biblioteca "31 de Março" da ECEME, com o acesso ao Portal de Periódicos
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES),
empregando unidades semânticas com seus sinônimos e adjetivos relacionados no
Quadro 2.
29
Quadro 2: técnica empregada para identificação das obras relevantes
Unidade Semântica Idioma Palavras-chave
Estratégia (E) Português estratégia AND (militar OR defesa) AND Brasil
Inglês strategy AND (military OR defense) AND Brazil
Cultura (C)
Português cultura AND (militar OR defesa OR segurança) AND
Brasil
Inglês culture AND (military OR defense OR security) AND
Brazil
CRITÉRIOS COMUNS DA PESQUISA
Limitadores
Analisado por pares
Tipos de documentos
Revistas acadêmicas
Exibição
Por representatividade
Fonte: o Autor.
Os dados bibliométricos (avaliação do estrato do periódico, segundo o Qualis
CAPES, ano de publicação, autores e revistas) foram catalogados com o intuito de
qualificar os trabalhos encontrados. Para isso, a pesquisa sistemática seguiu o
esquema bottom-up da Figura 3, onde os dados bibliográficos foram extraídos das
bases de dados citadas acima, organizados com o emprego do software EndNoteX9
(correção de dados, organização, leitura e seleção); após o levantamento e
preparação dos artigos, empregou-se o software IRAMUTEQ para a definição das
temáticas encontradas; e, por fim, os conteúdos foram inter-relacionados,
interpretados e descritos.
No artigo destinado à análise da PND, empregou-se o software de análise de
dados ATLAS ti para categorizar o conteúdo da PND, pondo os objetivos e as
orientações constantes no corpo do referido documento em perspectiva para inferir
sobre a influência da cultura estratégica na Grande Estratégia Nacional.
30
Figura 3: validação dos dados
Fonte: Creswell (2009, p. 185), adaptado pelo Autor.
4 RESULTADO E DISCUSSÃO
Os resultados foram apresentados em forma de uma revisão histórica e dois
artigos científicos a serem formatados de acordo com a revista escolhida, ainda não
definida.
4.1 OS ANOS INICIAIS DA GRANDE ESTRATÉGIA NACIONAL NA REPÚBLICA
Fator decisivo para a queda do antigo regime no Brasil foi a insatisfação militar
com todo o desprestígio experimentado durante grande parte do período Imperial. A
chamada “política de erradicação” 9 do Exército com o intuito de, indiretamente,
enfraquecer o poder central, havia ido longe demais.
Segundo o próprio Ouro Preto, em conversa com Deodoro da Fonseca, o
mesmo declarou que:
No meio do mais profundo silêncio, certificou-me de que se pusera à frente do Exército para vingar as gravíssimas ofensas recebidas do Governo (...) só o Exército, afirmou, sabia sacrificar-se pela Pátria, e, no entanto, maltratavam-no os homens políticos que até então haviam
9 A política de erradicação, que se nutre de atitudes hostis à existência de uma força armada permanente e oficial, consiste em aplicar à organização militar a máxima do conformar-se ou perecer (COELHO, 2000, p.49).
Validação dos dados
Interpretação do Significado dos Temas/Descrições
Interrelacionamento dos Temas/Descrição
Tema Descrição
Codificação dos dados
(computador)
Leitura dos dados
Organização dos dados para análise
Dados primários e bibliográficos
31
dirigido o país, cuidando exclusivamente dos seus interesses pessoais (JÚNIOR, 2015).
Esta fala de Deodoro resume todos os motivos que levaram o componente
militar a iniciar esta intervenção na política nacional, o desprestígio do Exército
Brasileiro. Soma-se a isso a existência da Guarda Nacional cujo recrutamento
concorria com o Exército de maneira a desprestigiar este último, como observa
Carvalho (2006):
O piso da renda para o serviço na Guarda excluía dela praticamente todos os cidadãos que eram normalmente recrutados para o Exército e a Marinha. A Guarda incorporava os grupos de renda mais alto do país, ao passo que o Exército não se ligava a esses grupos nem mesmo pela oficialidade, como em parte o fazia a Marinha. Criou-se assim um verdadeiro divórcio entre o Exército e a elite civil (CARVALHO, 2006, p.21).
O subemprego do Exército, também foi ponto de ruptura com o antigo regime,
pois por muito tempo a Força Terrestre estava sendo empregada para caçar escravos
fugitivos, situação pouco louvável e que suscitou movimentos contestatórios e ações
indisciplinadas contra a ordem dos superiores. Tal situação foi parar na Câmara dos
Deputados, na declaração de Joaquim Nabuco: “O Governo está empregando o nosso
Exército em um fim completamente estranho a tudo que há de mais nobre para o
soldado. O Governo está empregando os soldados brasileiros como capitães-do-mato
na pega de negros fugidos!” (McCANN, 2009, p.30).
Com o seu protagonismo na Proclamação da República, os vínculos primários
que o ligavam a sociedade civil numa relação de dependência absoluta foram
rompidos e a força terrestre iniciaria um movimento para a obtenção de uma
identidade baseada na crença da deterioração da ordem civil e na superioridade da
ordem militar (COELHO, 2009).
Fundada a República, chega-se a fase do governo. Agora sem o poder
moderador, apoiado no Senado Vitalício e no Conselho de Estado, o Exército seria o
fio de Ariadne, condutor do novo regime pelos labirintos da "República Velha”. O
problema, porém, consistia no modelo a ser adotado. Moderador ou Regenerador da
sociedade? Ambos foram empregados para justificar a atuação dos militares na
Grande Estratégia Nacional.
32
A via Moderadora, com suporte na Constituição de 1891, justificou as
intervenções sob cooptação das elites civis, notadamente a paulista. A regeneradora
estava mais presente na mentalidade militar, porém de maneira vaga (COELHO,
2009). De qualquer forma, a profissionalização da força foi deixada de lado enquanto
crescia nas elites civis a necessidade do controle destes sobre os militares.
Embora de inspiração americana, a constituição teve em seu Art. 14, referente
às forças armadas, origem positivista e garantidora da intervenção militar, quando
necessária, de acordo com as observações de Faoro (2012):
Um decreto de 14 de abril de 1890 define, nos consideranda, a posição do militar na sociedade política: “o soldado, elemento de força, deve ser de hoje em diante o cidadão armado – corporificação da honra nacional e importante cooperador do progresso como garantia da ordem e da paz públicas, apoio inteligente e bem intencionado das instituições republicanas, jamais instrumento servil e maleável por uma obediência passiva e inconsciente que rebaixa o caráter, aniquila o estímulo e abate o moral”. A doutrina que o decreto revela, acusada de introduzir no direito o militar político, vestíbulo do militarismo, obra de Benjamin Constant evoluiu para a cláusula do artigo 14 da constituição de 1891: “A força armada é essencialmente obediente, dentro dos limites da lei, aos seus superiores hierárquicos a sustentar as instituições constitucionais” (FAORO, 2012, p.612).
O grande desafio à grande estratégia nacional da Primeira República seria
manter coeso um país tão dividido pela existência de verdadeiras ilhas de
desenvolvimento sem a devida infraestrutura para conectá-las ao poder central.
O perigo do regionalismo, em um país sem partidos políticos nacionais
amadurecidos, descambar para a fragmentação era grande e, assim, o ideal liberal-
federalista se fez presente nas escrituras da Constituição Federal de 1891, pelas
mãos de Rui Barbosa, dando certa autonomia aos estados, mas mantendo os
mesmos conectados.
A fórmula para o funcionamento da República foi a instauração de
Governadores de estado alinhados ao Presidente, e assim surgiram as intervenções
federais, a política dos governadores e a política das salvações, única forma de
governar um país regionalizado. Como suporte a tais estruturas figurava o Exército
Nacional como garantidor da lei e da ordem que ora se impusera ao país.
33
4.1.1 Conflitos internos
A inabilidade política de Deodoro, aliada às denúncias de irresponsabilidade
fiscal, fizeram o mesmo fechar o congresso nacional, desencadeando uma guerra civil
envolvendo a Armada Nacional com o apoio dos federalistas do sul do país. Fica claro
que o estamento do Exército Brasileiro, por si só, não seria suficiente para governar o
país, mesmo com uma ditadura.
Substitui Deodoro, o seu vice, Floriano e o movimento jacobino, simpatizante
de um governo central forte com apoio popular, ganha força neste momento. Porém,
a Revolta da Armada feriu fundo o início dos primeiros anos da República.
A ajuda veio do irmão do Norte, dos Estados Unidos da América, a famosa
Frota Flint veio em socorro do General Floriano, neutralizando as influências inglesas
e francesas na baía de Guanabara.
As divergências entre os militares eram grandes e não havia concordância
sobre qual modelo seguir para ditar a atuação das Forças Armadas na República.
Para se conseguir consenso, expurgos e expulsões foram desencadeados. Em alguns
casos, a situação se reverteu como ocorreu com o reformador General Mallet e com
os conspiradores das Escolas Militares em 1895, 1897 e 1904 que foram anistiados.
Mas exemplo maior de expurgo foi o que ocorreu com o manifesto dos 13 generais:
O manifesto dos 13 Generais do Exército e da Armada ao Presidente Floriano pedindo que fizesse cessar a “desorganização em que se achavam os estados, devido à indébita intervenção das Forças Armadas nas deposições dos respectivos governadores” (CALMON, Apud JÚNIOR, 2015) foi severamente combatido pelo Presidente com prisões de generais, altos oficiais, congressistas, jornalistas e outros adversários, os mandando para a cidade de Tabatinga, na Amazônia, conhecida como a “antessala do inferno” (McCANN, 2009, p.50-51).
Findo o Governo de Floriano, o primeiro governo civil de Prudente de Morais
encontraria muita resistência para se firmar. O conflito que se iniciou em seu governo
e que foi imortalizado no imaginário nacional, quer seja pela obra de Euclides da
Cunha, mostrando uma nova identidade nacional, o sertanejo, quer seja nos relatórios
militares do Ministério da Guerra, Canudos reduziu a capacidade operacional do
Exército, fortalecendo o apoio ao Presidente civil, por ocasião da tentativa de
assassinato que resultou na morte do Ministro da Guerra, General Bittencourt.
34
O pecado original da República, na opinião de José Murilo de Carvalho, foi a
exclusão do povo na ocasião da própria proclamação e nas decisões políticas que se
seguiram e moldaram este regime de governo no Brasil, pelo menos até a década de
trinta, quando o número de eleitores começou a figurar significativamente
(CARVALHO, 2017).
Assim, sem representatividade, num governo onde as elites locais ditavam as
regras, Canudos (1895) e, futuramente, Contestado (1914-1917) representaram um
massacre para a população religiosa do interior do país, órfãos do sistema patriarcal,
católico e quase feudal que a Constituição de 1891 pôs fim, pelo menos em teoria.
4.1.2 Conflitos externos
4.1.2.1 Ocupação Inglesa da Ilha da Trindade (1895)
A ocupação da Ilha da Trindade pelos britânicos, em 1895, foi mais um caso de
ameaça externa que pôs à prova a nova República. Por acharem a ilha desocupada,
pensaram em instalar ali uma base para um cabo submerso. As notícias sobre a
ocupação só chegariam ao Brasil seis meses mais tarde.
Após inflamados discursos no parlamento nacional e forte campanha midiática,
tanto na imprensa inglesa quanto na brasileira, optou-se pelo arbítrio de Portugal. O
desfecho final foi um misto de desinteresse inglês e apoio português, pois:
A descoberta de problemas técnicos para a implantação do cabo submerso levou a Inglaterra ao desinteresse e, assim, não houve contestação quando o Reino de Portugal se pronunciou, em 1896, favoravelmente ao retorno da soberania do território contestado ao Brasil (JÚNIOR, 2015).
O imperativo naval começava a ameaçar a nova República, porém iniciativa
para a modernização da esquadra brasileira só viria com a chegada de um
monarquista à pasta das relações exteriores, o Barão de Rio Branco.
4.1.2.2 A Questão das Missões
Com o evento do 15 de Novembro, e a negação de tudo produzido no Império
como forma de altruísmo positivista, é assinado o Tratado de Montevideu (1890) que
formalizou a partilha da área em litígio em partes iguais para os dois países, três
meses e oito dias após a proclamação da República (CARVALHO, 2012, p.91).
35
Após acentuada pressão da opinião pública e em sessão da Assembleia
Constituinte, o tratado foi revogado por larga margem de votos e recorreu-se ao
arbitramento, vencendo nesta situação a cultura estratégica moldada pelo Itamaraty,
como enfatiza Carvalho (2012, p.96):
Quando no dissídio das Missões, o Império apela para o arbitramento, não é essa decisão um ato espontâneo e isolado de José Francisco Diana, então secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros. É o espírito do Itamaraty. Também quando o famigerado Tratado de Montevideo é rejeitado, não há a menor dúvida de que são os patriotas da Constituinte Republicana os agentes do ato salvador. Mas transluz na coragem, elevação e acerto da decisão, agindo, como devera agir, o espírito do Itamaraty. É esse espírito que se manterá inalterável e, no decorrer dos tempos, fixará então um azimute de invariável orientação: a solidariedade americana e a aproximação do Brasil, cada vez maior, com os Estados Unidos da América do Norte, mercê das afinidades que unem as grandes repúblicas, ambas com elevada autossuficiência de território e recursos naturais, nascidas com acentuado espírito jurídico e providencial vocação histórica para os altos ideais da civilização.
O desfecho veio em 1895. O parecer foi favorável ao Brasil, após confirmação
dada pelo Presidente americano (Grover Cleveland) em Washington, onde estavam
presentes os dois delegados. Ao fim, Zeballos levanta-se, estende a mão e
cumprimenta o Barão pela vitória. Mais tarde diria que “Este fallo era, sin embargo,
justo, lo esperaba y no me surpreendió” (CARVALHO, 2012, p.106).
Tamanha foi gratidão ao apoio prestado pelos Estados Unidos na solução dos
impasses da República brasileira que ela pode ser lembrada pela existência das
cidades na faixa de fronteira, em Santa Catarina e no Amapá, com o nome de
Clevelândia, em homenagem ao Presidente americano, Cleveland. Além da
declaração do 4 de julho como feriado nacional, o congresso mandou cunhar moedas
com as efígies de Cleveland e Floriano.
Em síntese, os anos iniciais da república foram muito turbulentos. O Exército
assumira uma tarefa árdua de organizar os primeiros anos da República, com graves
consequências para o mesmo como organização militar. Ao passo que procurou zelar
pelas coisas da caserna, melhorando o aparato nacional de defesa, acabou, também,
sendo atraído pelas benesses dos cargos políticos e pela cooptação de alguns
políticos mal-intencionados.
Com tal envolvimento dos militares no governo, o entendimento da grande
estratégia nacional passa pela compreensão da dinâmica da atuação dos militares.
36
Esta, diversa, vai amadurecendo, num primeiro momento, entre a concepção
“moderadora”, codificada, no art 14 da CF 1891, e a concepção “regeneradora” da
sociedade, que ganhará força mais a frente com a implantação do serviço militar
obrigatório, visando uma ampla homogeneização da sociedade segundo princípios
cívicos e patrióticos encontrados na caserna.
O saldo foi pesado: uma guerra civil com envolvimento da Armada Nacional e
potências mundiais (EUA, França e Inglaterra); um atentado contra o Presidente da
República; Canudos; expurgos no Exército; e revoltas nas escolas militares. Após a
tempestade, seguiram-se tempos de calmaria e estabilidade política, tempos de
amadurecimento das instituições republicanas, porém com a possibilidade de
intervenção do Exército, sempre presente como alternativa para garantir a lei e a
ordem, conforme preconizado na Constituição Federal de 1891.
4.1.3 A Grande Estratégia na Política dos Governadores
Já no último ano do Governo de Prudente de Morais uma estabilidade iniciou-
se, primeiro em apoio a Prudente em decorrência do atentado de 1897, um tiro que
saiu pela culatra, e, depois, pela “política dos estados”, de Campos Sales a Nilo
Peçanha, o que possibilitou uma continuidade no Ministério da Guerra (Quadro 3),
permitindo às Forças de mar e terra iniciarem uma reorganização.
É nesse período que as oligarquias se fortaleceriam localmente, elegendo seus
parlamentares e apoiando o presidente, mas o povo continuava sem representação
parlamentar. Tal regionalismo foi o principal retardador da Grande Estratégia
Nacional, pois:
Não existia uma economia nacional integrada; o que havia eram economias regionais, cada qual exportando seus principais produtos para mercados europeus e americanos. A carência de sistemas de transporte inter-regionais tolhia a integração econômica interna, a coesão política e a eficiência militar. Cada região funcionava em ritmo próprio (MAcCANN, 2009, p.2013).
Foi também uma época onde a diplomacia brasileira ganhou destaque, sob a
bandeira do direito internacional, aliada ao emprego da força ou à ameaça dele para
a garantia da soberania nacional e ao alinhamento à Doutrina Monroe, americana.
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Quadro 3: Ministros da Guerra entre 1889 e 1910 Governo Ministros
Deodoro da Fonseca
(1889 a 1891)
Benjamin Constant
Eduardo Wandenkolk
Floriano Peixoto
Antônio Nicolau Falcão da Frota
Floriano Peixoto
(1891 a 1894)
José Simeão de Oliveira
Custódio de Melo
Francisco Antônio de Moura
Antônio Eneas Gustavo Galvão
Bibiano Sérgio Macedo da Fontoura
Costallat
Prudente de Morais
(1894 a 1898)
Bernardes Vasques
Dionísio Cerqueira
Francisco de Paula Argolo
Carlos Machado de Bittencourt
José Tomás de Cantuária
Campos Sales
(1898 a 1902) João Nepomuceno de Medeiros Mallet
Rodrigues Alves
(1902 a 1906) Francisco de Paula Argolo
Afonso Pena
(1906 a 1909) Hermes da Fonseca
Nilo Peçanha
(1909 a 1910) José Bernardino Bormann
Fonte: o Autor
Ao final do século XIX, as forças militares, tanto a Marinha como Exército,
estavam em frangalhos. Canudos e a Revolta da Armada reduziram a capacidade de
combate de ambas as forças. Já no século XX, com uma certa estabilização política,
o General Mallet iniciaria uma série de estudos, amparado pelo Estado-Maior, no
intuito de implantar as reformas necessárias para nivelar o Exército aos países
europeus, sem, contudo, esquecer as peculiaridades nacionais.
Mallet queria mudar a composição das unidades, centralizar as nomeações, reorganizar a educação militar, enfatizar a importância do treinamento de tiro ao alvo, executar manobras rotineiras, regularizar o planejamento, melhorar os critérios de promoção e elevar o nível intelectual do corpo de oficiais (McCANN, 2009, p.106).
A ocupação do Ministério das Relações Exteriores pelo Barão do Rio Branco,
que assegurara duas vitórias consecutivas para o Brasil na garantia de suas fronteiras
(Missões e Amapá), foi uma grande aquisição para formulação da Grande Estratégia
38
Nacional republicana, que não contara mais com o Conselho de Estado e o Senado
Vitalício. Estas duas sendo os órgãos consultivos mais importantes da Império,
compostos por personalidades ilustres e experimentadas.
Sua experiência em Berlim, acompanhando a competição entre as marinhas
inglesa e alemã, mostrou a importância dada pelas potências europeias ao poder
naval. O Exército não ficaria de fora das observações do Barão, pois o mesmo foi o
responsável pela aproximação do Presidente Hermes da Fonseca do Kaiser
Guilherme II.
4.1.4 A Estratégia do Poder Naval
Quando de sua chegada ao Brasil para assumir o cargo no Itamaraty, Rio
Branco discursou no Clube Naval e suas palavras davam ao Brasil uma roupagem do
zeitgeist da época: “(...) sua visão de um Brasil forte e respeitado, em que a política
externa estaria insulada das querelas partidárias, servindo antes de mais nada como
instrumento do Estado em prol do engrandecimento nacional” (LINS, 1965, p. 262,
apud JÚNIOR).
O estabelecimento da grande estratégia está nas mãos da elite dirigente do
país e só pode ser realizado, de maneira proativa, se houver planejamento e
antecipação, do contrário, surgem as estratégias ad hoc e o resultado, pode ser
frustrante. O Barão entenderia isto quando da necessidade do emprego do
componente militar brasileiro.
Durante as tratativas para a solução das questão do Acre e do Peru, o Barão
teria sugerido ao Ministro da Marinha, almirante Noronha, a aquisição de belonaves,
inclusive com indicações diretas de modelo, tonelagem e país vendedor, porém o
referido almirante já tinha um plano ambicioso para alavancar a Marinha Brasileira,
não levando em conta a sugestão do Chanceler. A resposta, no caso do Peru, foi
evasiva “responde querer com urgência, adquirir novos navios e couraçados capazes
de colocarem a nossa força naval em situação de não recear dos nossos vizinhos
ou de bem defender a integridade da pátria” (JÚNIOR, 2015).
As Intervenções militares na América do Sul, com amplo emprego do poder
naval, desafiaram a grande estratégia brasileira para este subcontinente e mostraram
a nulidade da Marinha Brasileira perante os tradicionais oponentes do antigo império
e contra as forças extra-regionais.
39
A crise na Venezuela, durante o período de 1903-1904 - resultado do bloqueio
naval envolvendo Reino Unido, Alemanha e Itália ao país sul-americano até que o
mesmo saldasse as dívidas adquiridas por Caracas -, representou uma possível
ameaça à Doutrina Monroe, pois Alemanha e Reino Unido eram as potências navais
maiores que os EU, sendo que a Alemanha não reconhecia a tal Doutrina Monroe e
poderia contar com o apoio das colônias tedescas do sul do Brasil (JÚNIOR, 2015).
A ameaça alemã na américa do sul esteve atrelada à influência germânica no
Brasil, pela existência de colônias prussianas desde a década de 1820, e à existência
na Argentina, Chile e Peru de uma missão alemã anterior à chegada dos jovens turcos
ao Brasil.
O caso da canhoneira alemã que aportou em Itajubá, Santa Catarina, e,
contando com autoridades locais, conduziu diligências com o intuito de capturar um
desertor em 1905, é muito reveladora da fragilidade brasileira frente à uma potência
naval europeia.
A situação demográfica 10 da região sul do país causava preocupações.
Colonizada por imigrantes europeus, era possível encontrar descendentes de
alemães, nascidos no Brasil e falantes de alemão que se consideravam cidadãos
alemães e não brasileiros. Relatos de autoridades durante a Guerra do Contestado
dão uma mostra da situação:
Quando procuravam controlar as entradas e saídas de pessoas nas áreas rebeladas durante essa pequena guerra, as autoridades constataram que descendentes de levas anteriores de imigrantes, teuto-brasileiros nascidos no Brasil, ainda reconheciam a Alemanha como sua Pátria; só falavam alemão, e era difícil convencê-los de que eram cidadãos brasileiros (McCANN, 2009, p.173).
A necessidade de alinhar-se aos americanos levou o Brasil, ainda preocupado
com a questão do Acre e apoiador do Corolário Roosevelt da Doutrina Monroe, a não
aderir a chamada “doutrina Drago11”, cuja essência era contra a cobrança de dívidas
de maneira coercitiva por esta violar o direito internacional. E na II Conferência de Paz
de Haia:
10 Só a título de comparação, no distrito de Palmas, por ocasião da disputa das Missões com a
Argentina, a população estrangeira era de “54 alemães, 16 italianos, 10 russos, nove portugueses, oito argentinos, cinco franceses, cinco austríacos, cinco uruguaios, três espanhóis e 14 de outros países” (CARVALHO, 2012, p.101). 11 Luis Maria Drago, ministro das relações exteriores da Argentina à época da crise venezuelana.
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(...) apenas Brasil e Panamá (nação criada e tutelada pelos EUA), dentre todos os países latino-americanos, não apoiaram a tese da proscrição completa das possibilidades de emprego de meios militares para forçar o cumprimento de obrigações financeiras (SOUZA, 2008, p.1 apud JÚNIOR).
O Barão tinha a exata noção da importância dos Estados Unidos para sua
política externa e não se preocupava com o Corolário, pois esse só puniria aqueles
que deviam, e esse não seria o caso do Brasil. O reconhecimento, desde cedo, do
papel que o EUA desempenharia no mundo e o alinhamento com os mesmos desde
o início da República brasileira foi fundamental para a manutenção da influência na
América do Sul, contando com apoio americano.
Em 1903, o mundo assistiria a sucessão da província colombiana do Panamá.
Após a falência da empresa encarregada de construir o canal interoceânico, os
Estados Unidos resolveram intervir na província fomentando a separação,
desencadeando uma operação anfíbia com emprego dos meios navais do Pacífico no
Caribe e a presença de marines para isolar a província de qualquer interferência
mexicana. Dessa forma surgiu um novo Estado e os Estados Unidos, por intermédio
de contrato perpétuo, passaram a administrar o canal e constituir protetorado no
Panamá.
Já em 1904, ocorreria a revolução do Paraguai. Neste episódio, seria frustrante
para o Barão do Rio Branco, acostumado a narrar as decisões brasileiras após a
Guerra do Paraguai naquela parte do mundo, o desfecho da revolução. A situação
sensível das forças armadas nacionais, notadamente as forças navais, faria decrescer
a influência brasileira no Paraguai em comparação com as de Buenos Aires.
Também em 1904, viria a solução do caso do Pirara com a Guiana Inglesa
(submetido à arbitragem do rei da Itália em 1901) dando vantagem para a potência
naval inglesa. Baseado no fundamento jurídico dos termos do congresso de Berlim de
1884, destinado à partilha da África, o brasil perdeu três quintos da área em litígio.
Foi dentro deste contexto de ameaças externas e apoio do Chanceler no
parlamento que a Marinha do Brasil conseguiu emplacar os dois Programas Navais
de 1904 e 1906, associados aos seus ministros, Noronha e Alexandrino. Porém, entre
ajustes, adaptações, aprovação de orçamento e equilíbrio de poder com a Argentina
e o Chile, a frota naval brasileira só estaria pronta em 1910.
41
Do ponto de vista da percepção de ameaça e início da reação, vê-se aqui um
grande lapso temporal ou estendido tempo de reação. Não é certo se o primeiro
programa foi estabelecido para cobrir uma transição hegemônica da Inglaterra para
os Estados Unidos, para se opor à uma possível ameaça europeia ou norte-americana
ou para equilibrar o poder na América do Sul, porém para todos os efeitos a
consecução de tais planos viriam só em 1910, com a chegada do Minas Gerais à Baía
de Guanabara.
Grande repercussão na América do Sul surgiu entre Argentina, Brasil e Chile
no intuito de frear o programa naval brasileiro. Inclusive com retóricas de ameaças
entre as elites portenhas, caso o Brasil não retroagisse na questão naval, e abandono
do acordo de limitação naval entre Chile e Argentina no contexto dos Pactos de Mayo
(1902)12.
Em abril de 1910, chegaria à Baía de Guanabara a mais potente embarcação
militar do mundo, o dreadnought Minas Gerais, e grande parte da esquadra
encomendada pelo Brasil no exterior. O equilíbrio de poder na América do Sul começa
a inclinar a favor do Brasil.
Quanto às deficiências estruturais da nova esquadra, a falta de pessoal
qualificado para mobiliar tais embarcações culminaria no episódio da Revolta da
Chibata e da Revolta do Batalhão Naval, em 1910. A primeira, contra castigos físicos
e melhores condições de trabalho. A segunda, contra o decreto13 que mitigou a anistia
dada pelo congresso aos primeiros revoltosos.
Estavam, assim, manchadas as relações entre oficiais e praças da Armada
brasileira. Dos dreadnoughts foram retiradas as culatras e as munições para que não
mais representassem risco à população. De 20 a 40% dos efetivos da marinha teriam
sido afastados, representando uma grande perda para a operacionalidade desta
Força Armada.
A anistia aos rebelados da Revolta da Chibata, recurso esse cultural e
amplamente empregado pelo Congresso Nacional, enfraqueceu as relações entre
superiores e subordinados, e as represálias aos subordinados diminuíram ainda mais
a mão de obra qualificada para operar as belonaves.
12 Tratado de equivalência naval, paz e amizade. 13 Decreto Nr 8.400, de 28 de novembro de 1910.
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A grande aquisição de material de ponta não se traduziu em ganho tecnológico
para o país e, muito pelo contrário, custaria muito a manutenção de tais embarcações,
pois toda ela era feita contando com mão de obra estrangeira, legando ao Brasil a
total dependência das grandes potências para fins de aquisição de armamento para
uso imediato. O desfecho final foi um estado de sucateamento observado quando da
preparação da Divisão Naval em Operações de Guerra (DNOG) como relata Gilberto
Amado (JÚNIOR, 2015):
De nosso havia nele apenas a encomenda...o ato do Governo, o contrato com a firma construtora. Entretanto, o povo urrava em explosões que traduziam o que refletidamente o País publicava. Se o Minas fosse uma afirmação do Brasil, produto de sua ciência, da sua riqueza, da sua técnica! Se o Minas fosse mais do que um empréstimo!
Somente na década de 1920, os dois dreadnoughts (Minas Gerais e São Paulo)
seriam enviados aos Estados Unidos para uma potencialização, que, novamente,
geraria desconfianças entre Brasil e Argentina.
4.1.5 A Estratégia Terrestre
No tocante ao Exército Brasileiro, a sequência de três ministros da guerra,
General Mallet, General Argolo e General Hermes da Fonseca, sendo que este último
fora eleito Presidente, favoreceu o início de uma reforma mais estrutural.
O relatório do Ministro da Guerra, General Cantuária, em 1898, ressalta as
dificuldades enfrentadas pelo país com a guerra de Canudos que segundo ele “(...)
assolou o interior do heroico estado da Bahia, trazendo sobressaltada a alma
republicana” (BRASIL, 1898, p.5).
Internamente, a ligação entre Canudos, a revolta da Escola Militar da Praia
Vermelha, em 1897, e o atentado contra a vida de Prudente de Morais, “atentado
ainda sem precedentes na nossa história de povo civilizado” (BRASIL, 1898, p.7),
estão associados às disputas pelo poder político do país e o envolvimento dos
militares nesta trama.
No plano internacional, o mundo presenciava o surgimento de um Japão
militarmente organizado de acordo com a escola alemã e vencedor das campanhas
sino-japonesa (1895) e russo-japonesa (1905), a Guerra dos Bôeres (1899) e a Guerra
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hispano-americana (1898), além das memórias da guerra franco-prussiana estarem
bem presentes na cabeça dos interessados na arte da guerra.
Com tantas dificuldades internas e a existência de novas ameaças introduzidas
pelas guerras imperialistas, a Grande Estratégia Nacional se voltou para a
implantação de um modelo mais eficiente, reorganizando o Exército Brasileiro, pela
centralização de seus corpos, implantação do serviço militar universal, pela reforma
da Lei do Sorteio Militar de 1874 e pela reforma do ensino nas escolas militares,
tentando torná-las menos teóricas e mais práticas.
A pendência de um alistamento eficiente para que se pudesse realizar o sorteio
militar, previsto já em 1874, foi alvo de reclamações constantes do Ministério da
Guerra. Quanto à Lei do Serviço Militar que se arrastava por anos sem condições de
ser efetivada:
Urge, portanto, providenciar a respeito, e por isso julgo de meu dever insistir nas reclamações feitas por meus antecessores, certo de que o Poder Legislativo, por seu patriotismo e sabedoria, não deixará de tomá-las em consideração, dotando o País com uma boa lei de alistamento militar; para o que bastará melhorar a de Nr 2556 de 26 de setembro de 1874, até hoje considerada letra morta, pelas dificuldades que opõem-se à sua execução (BRASIL, 1898, p.11).
O Serviço militar encontrou dificuldades administrativas para implantação, pois
o registro civil, ainda recentemente introduzido pela república em substituição aos
instrumentos do direito canônico, ainda não estava adequado e encontrava
resistências, não possibilitando a realização de alistamento militar para proceder ao
sorteio (BRASIL, 1899).
Importante organismo, já mundialmente consagrado, seria criado para ser a
cabeça pensante do Exército: o Estado-Maior. Porém, a sua implantação ainda estaria
por vir, pois o seu decreto de criação, de 1896, não fora possível dar execução em
1898.
Com o General Mallet no Ministério da Guerra (1899-1901), a reestruturação
sairia da inércia. Centralização e composição das unidades, reorganização da
educação militar, prática do tiro, regulamentação dos planejamentos e melhoria dos
critérios de promoção estiveram no chamado “Projeto Mallet”, que guiaria as reformas
até o começo da Primeira Guerra Mundial. Da análise da Criação do Estado-Maior,
Lei Nr 403, de 24 de outubro de 1896, verifica-se que o órgão teria que ser capaz de
44
implementar tais inovações e ser a base para o planejamento da Grande Estratégia
Nacional, pois suas seções deveriam realizar:
a. O estudo estatístico e histórico dos exércitos nacional e estrangeiros, especialmente os americanos e tudo quanto possa interessar à mobilização e concentração das forças militares; b. A organização de paz e de guerra, recrutamento, instrução geral, teórica e prática; tática e estratégia, serviço de estado-maior, missões militares, direção da revista militar e publicações; c. O estudo dos teatros prováveis de operações de guerra, organização de planos de campanha; meios de defesa do país, grandes exercícios e campos de manobras, mobilização, concentração e serviços da retaguarda; d. A organização da carta geral da República, mapas geográficos e topográficos das fronteiras e estatística militar; levantamentos geodésicos e topográficos de operações militares; plano de viação geral da República sob o ponto de vista militar, estradas em geral, linhas estratégicas; emprego das vias-férreas quanto ao preparo e direção dos transportes militares; telegrafia e telefonia militares; criptografia, semáforos, todos as sistemas de sinais - aerostação, pombos-correios; e. A codificação e consolidação da legislação militar, administração, economia, disciplina, justiça militar, licenças, transferências, organização e publicação do almanaque, registro militar do estado civil dos oficiais, assentamento dos generais e oficiais do estado-maior, informações anuais de todos os oficiais do Exército; aquisição de livros, revistas militares e técnicas que possam desenvolver a instrução dos oficiais e praças do Exército, material e arquivo do mesmo (BRASIL, 1896, p.34).
O projeto de reestruturação do exército, encomendado ao Estado-Maior14, a
mando do General Mallet e sob sua supervisão semanal, se deu pela adoção da
ordem ternária na organização das unidades, mantendo-se os distritos militares sem,
contudo, criar os grandes comandos, que exigiriam maior aproximação dos corpos.
Motivado pela importância de um bom manejo das armas individuais, verificada
nos conflitos internacionais, notadamente na Guerra dos Bôeres, bem como no
Conflito de Canudos, onde o sertanejo infringiu pesadas perdas ao Exército pela ação
do tiro certeiro, pugnou-se pela criação de campos de instrução e manobras militares
e, ainda, o Congresso Nacional aprovou em 1899 a criação de sociedades de tiro
14 Criado pela Lei Nr 403, de 24 de outubro de 1986, foi organizado e inaugurado, de acordo com o regulamento de 6 de janeiro de 1899, sob a direção do general de divisão João Thomas Cantuária, a 23 deste mês e ano (BRASIL, 1900).
45
nacional, instituindo prêmios pecuniários e honoríficos a serem conferidos anualmente
em concurso solene aos melhores atiradores. Mais tarde, seriam criados os “Tiros de
Guerra, como instituição auxiliar na preparação das reservas do Exército. A instituição
do Tiro Nacional visava ministrar instrução completa do tiro de armas portáteis a
militares e civis” (MAGALHAES, 2001, p.322).
Este mecanismo serviu de propaganda para aprovar a lei do serviço militar
(1908), sendo utilizado como ferramenta de relações públicas, por contar com os
tenentes, instrutores e pelos civis que faziam parte do corpo de atiradores. Entre 1906
e 1907, as páginas dos jornais eram repletas de reportagens e fotos acerca das
paradas e concursos de pontaria nos Tiros.
A situação precária dos efetivos mostrou-se bem evidente quando do
surgimento da questão do Acre, momento em que se fazia necessário reforçar a
guarnição do Mato Grosso e Amazonas.
O importante papel do Estado-Maior do Exército na Grande Estratégia Nacional
ficava cada vez mais nítido. Em 1903, o estudo do plano de viação geral da República,
sob o ponto de vista militar, era encargo do Estado-Maior do Exército, deliberando
sobre o traçado que devia ser adotado, inclusive (BRASIL, 1903).
O envolvimento dos oficiais na política pública se tornou um grande problema
para a Força terrestre. Segundo Argolo (1904), os oficiais acostumavam ser eleitos
para cargos de membros da Câmara e intendências estaduais, ficando fora da
jurisdição das autoridades militares, porém recebendo os vencimentos e concorrendo
com os seus camaradas nas promoções por merecimento, somando-se, em 1904,
trinta e cinco oficiais deputados e senadores estaduais e oito intendentes municipais,
além daqueles que eram membros no Congresso Federal.
O relatório do General Argolo, de 1905, relativo ao ano anterior, retrata a
fragilidade da Força Terrestre no seu componente humano e aponta para uma cultura
influenciada por anos de escravidão, onde associou-se:
(...) inseparavelmente no espírito nacional a submissão e a obediência à condição de escravo, levando-nos a uma extravagante noção de liberdade, em que essas duas virtudes, que fizeram a grandeza de Sparta e constituem o segredo do formidável poder militar japonês, são substituídas por uma predisposição mórbida a discutir e criticar todas as ordens, procurando iludir a sua execução, a sofismar e tentar burlar todas as leis (BRASIL, 1905, p.4).
46
Aliada a essa característica estavam associados a formação militar acadêmica,
onde o civil entrava na escola militar e tinha uma carga teórica excessiva, tornando-o
arredio às lides castrenses. O resultado era um oficial sensível às provocações da
imprensa e das raposas políticas, como observa o Ministro da Guerra:
Além da resistência espontânea do indivíduo à modificação moral e intelectual que se lhe impõe, temos de lutar com a ação funesta do meio que se exerce pela influência anarquizadora de alguns homens políticos e parte da imprensa diária, e que infelizmente não encontra uma reação suficientemente enérgica para nulificá-la (BRASIL, 1905, p.5).
Com relação a Revolta da Escola Militar de 1904, em alinhamento com a
Revolta da Vacina, o relatório de 1905 observa que os artigos da imprensa
influenciando a desordem interna eram constantemente lidos e comentados nos
quarteis por oficiais e praças. E ainda “não há prestígio de autoridade, força moral de
chefe que possa resistir à ação persistente desse trabalho demolidor, que preparou e
fez surgir a revolta com que tivemos de arcar nos lutuosos dias de novembro último”
(BRASIL, 1905, p.7).
A influência de um ambiente anarquizante se fez presente nas escolas
militares, onde a disciplina deveria ser ponto de honra. Greves e destruições do
patrimônio público e incêndios de veículos de transporte foram praticados na Revolta
da Vacina, que teve a participação ativa de chefes militares e alunos das Escolas
militares.
O relatório do General Cantuária faz uma apreciação do estado geral de coisas
que chegou a relação entre civis e militares no jogo da disputa de poder na República,
onde o componente militar tem sido jogado no meio das disputas, causando fortes
distúrbios internos em vez de se manter neutro. Como materialização de toda
desordem na caserna, cita o “caso mais recente do 9° Batalhão de Infantaria na Bahia,
em que o batalhão revoltado saiu do seu quartel para a cidade, tendo à sua frente
unicamente um alferes que acabava de assassinar o comandante!” (BRASIL, 1905,
p.7).
Com o objetivo de treinar as tropas, uma concepção desenvolvida pelo General
Mallet, iniciou-se os treinamentos centralizados. Como comandante do 4º Distrito
47
Militar, General Hermes da Fonseca, deu início a grandes exercícios anuais que foram
cobertos pela imprensa nacional e cujos relatórios se mostraram alarmantes da
situação precária da instrução e do material do Exército à época.
Sob seu comando, a guarnição do Rio de Janeiro marchou ao som de música marcial para o Campo dos Cajueiros em Santa Cruz, estado do Rio, e ali, por dezoito dias, em setembro e outubro de 1905, seus soldados viveram em barracas, treinaram ataques simulado, marcharam e posaram para fotógrafos, esforçando-se para parecerem soldados. O Exército não fazia nada parecido desde os primeiros tempos da República (McCANN, 2009, p.139).
Com a aprovação na lei de orçamento da guerra para o envio de militares à
Europa, abria-se uma importante janela para a modernização do Exército. Em 1909,
no intuito de aperfeiçoamento da instrução militar, seis oficiais foram nomeados para
servirem arregimentados no exército alemão.
Hermes da Fonseca pressionou para o aumento dos efetivos e a execução do
sorteio, demandando também a necessidade de quarteis higiênicos e campos de
instrução. Com a conscrição, os corpos ficariam esparsos nas cidades tendo cada um
o seu campo de instrução. No Distrito Federal as unidades se concentrariam na
Fazenda Sacopemba, constituindo uma Vila Militar.
No relatório de 1907, o General Hermes da Fonseca, faz menção ao projeto de
lei do Serviço Militar, que “(...) apresentado no ano passado à Câmara dos Deputados
satisfaz em princípio aos reclamos do Exército, que são os da própria Nação.”
(BRASIL, 1907, p.4). Assim, uma nova lei sobre a organização do Exército e o Serviço
Militar fora aprovada em 4 de janeiro de 1908, no Congresso Nacional.
A formação de uma carreira de tiro foi iniciada no Rio de Janeiro, atraindo mais
civis do que militares, resultando na criação de uma federação de tiro organizada por
civis e licenciada pelo Congresso Nacional. No Rio, foi formado o “Tiro 7”, que se
juntou aos das outras regiões, formando um batalhão de atiradores de elite. “Os Tiros
eram a propaganda viva do Brasil armado preconizado por Hermes da Fonseca e pelo
Ministro do Exterior, Barão do Rio Branco” (McCANN, 2009, p.141).
Ainda na vigência de Hermes da Fonseca, tornou-se “(...) obrigatória a
instrução militar em colégios secundários. No ano seguinte, já havia 50 sociedades de
tiro organizadas, com um total de 13 511 membros” (CARVALHO, 2006, p.22).
48
A criação de um Conselho Superior de Defesa para deliberar sobre a criação
de posições fortificadas, para atender a Marinha ou ser mobiliada pelo Exército, foi
proposta por Hermes da Fonseca. O órgão seria composto pelos dois ministros e
pelos dois chefes do Estado-Maior da Marinha e do Exército, com o chefe da casa
militar como secretário. O conselho deliberaria sobre a instalação de defesas na
Amazônia, pois:
A vastíssima rede fluvial que serve aos estados do Pará e do Amazonas e ao território nacional do Acre, navegável na sua maior parte por embarcações do calado regular, oferecendo em seus rios passagem completamente franca ou por numerosos canais, tudo ali parece indicar para a sua defesa eficaz o estabelecimento de uma divisão fluvial da marinha de guerra, capaz de levar a proteção dos seus canhões aos pontos ameaçados e tornando inúteis, salvo em Óbidos e Tabatinga, quaisquer obras de fortificação permanente a serem custeadas pelo Exército (BRASIL, 1908, p.9).
O General Hermes da Fonseca procurou estender ao Exército as reformas que
buscara no 4º Distrito Militar, sendo bem claro em seus relatórios quanto às
necessidades do Exército. As regiões deveriam ter suas vilas militares e a do Rio de
Janeiro serviria de modelo; a administração do Exército deveria ser reformada, por ser
desproporcionalmente grande e deficiente no topo; desonerou o Estado-Maior das
atividades administrativas; criou cinco brigadas estratégicas e 13 inspetorias
regionais; e extinguiu o corpo exclusivo de oficiais de Estado-Maior, o qual passou a
ser preenchido por oficiais de qualquer área. Para o Estado-Maior:
O modelo foi o sistema alemão, no qual os oficiais de estado-maior deviam ter conhecimento em primeira mão das condições das unidades de linha. Hermes esperava que o Estado-Maior do Exército brasileiro, como no da Alemanha e no Japão, se tornasse o próprio cérebro do Exército, o organizador da vitória (McCANN, 2009, p. 143).
O General Bernardino, em 1909, reclama a impossibilidade de reorganizar o
Exército com o total fixado em lei para as tropas terrestres, sendo pelo menos 30.500
um número razoável para implantar a reorganização. “Todo o nosso pequeno Exército
não constitui uma divisão dos exércitos das potências militares europeias” (BRASIL,
1909, p.4).
49
4.1.6 A Volta dos Militares, A Primeira Guerra Mundial, A Lei do Serviço Militar
Obrigatório e a Missão Francesa
4.1.6.1 O Governo de Hermes da Fonseca (1910-1914)
Hermes da Fonseca deixou a pasta do Ministério da Guerra para se candidatar
à presidência da República motivado pelos desentendimentos entre paulistas e
mineiros e, assim, mais uma vez recorria-se à caserna para resolver os impasses da
política.
Durante sua candidatura sofreu forte oposição de Rui Barbosa, que atacou o
“militarismo”, usando seu prestígio de ex-ministro das finanças de Deodoro da
Fonseca e ex-chefe da delegação brasileira na segunda conferência de Haia, em
1907. Rui Barbosa alertou sobre o perigo de se ter um general no poder e quanta
ameaça isso poderia representar aos credores internacionais, coisa que acontecera
com os países hispano-americanos dominados por militares.
Na presidência de Hermes da Fonseca, o envolvimento de militares na política
aumentou, trazendo o Exército para o centro das atenções. Hermes tinha sido o
Ministro da Guerra e a sua eleição à presidência marcou o início da influência deste
ministério na política dos estados e da nação, ocasionando graves incidentes
envolvendo o emprego de força militar para apoiar os militares indicados pelo
Presidente nos estados. Segundo MAcCANN (2009):
Sua preocupação com a proficiência militar e a disposição para ver os oficiais individualmente e o Exército como um todo envolvido na política seriam um evento influente nos anos vindouros. E como se pode dizer de todos os outros oficiais no século XX, exceto os que serviram na Segunda Guerra Mundial, sua experiência de combate foi contra brasileiros (MAcCANN, 2009, p.139).
A política salvacionista pôs em lados opostos os militares interessados em
tornar o Exército profissional e apolítico e aqueles que apoiavam o caráter
intervencionista da força para manter a lei e a ordem. Foi com os “jovens turcos” que
os contornos da estratégia nacional iam se desenhando. No período em que Hermes
da Fonseca esteve a frente da pasta do Ministério da Guerra, enviou as turmas de
oficiais para estudarem na Alemanha, com o retorno de tais oficiais, os mesmos
lançaram a revista “A Defesa Nacional” e passariam a estimular os debates em torno
deste tema.
50
Embora preocupados com a defesa externa, admitiam a intervenção militar na
sociedade entre os papéis do Exército, declarando a necessidade da assistência da
força na formação e no desenvolvimento da sociedade. Assim, o Exército teria a
função de educar e organizar a população nacional (McCANN, 2009, p.217).
Enquanto o Presidente, Hermes da Fonseca, e seus ministros da guerra
aprofundavam as interferências dos oficiais superiores na política nacional, o general
José Caetano de Farias, Chefe do Estado-Maior (1914 a 1915) e Ministro da Guerra
(1914-1918), organizou as mudanças no Exército brasileiro, apoiado pelos
reformadores vindos da Alemanha.
O relatório de 1913 traz a preocupação de se coordenar, em um nível mais alto
e de maneira mais prolongada, as atividades de emprego simultâneo da Armada e do
Exército. Esta seria as origens de um Estado-Maior Conjunto, cuja finalidade era:
Traçado o plano geral, indicadas as prováveis bases de operações e fixados os objetivos a alcançar, em cada circunstância em que tenha de haver simultaneidade de ação das forças de mar e terra, o estado-Maior do Exército e o da Armada terão assim claramente delineada a missão cujo desempenho lhes cabe, neste particular (BRASIL, 1913, p.5).
Os reclames em termos de efetivos autorizados baixos vinham no sentido de
os mesmos não permitirem o cumprimento da lei de 1908 que reorganizou o Exército
Nacional. Uma rápida análise comparada dos principais países beligerantes à época
foi mencionada no relatório de 1913:
Enquanto no México há em tempo de paz 2,2 soldados para cada milhar de habitantes; 4,6 na Inglaterra; 3,5 no Japão; 6,1 na Itália; 7,2 na Áustria; 13,5 na França; 8,7 na Alemanha e 6,5 na Rússia, o Brasil com uma população de cerca de vinte e um milhões de habitantes e um território extensíssimo, possui apenas um pequeno exército de vinte e cinco mil homens, ou seja cerca de 1,1 por milhar de habitantes (BRASIL, 1913, p.6).
Em relação à artilharia de costa, a lei de reorganização do Exército ainda
silenciava, enquanto países como os Estados Unidos da América davam total atenção
a esta nova realidade:
Nos Estados Unidos da América a Artilharia de costa constitui uma verdadeira arma, subordinada um departamento de Coast Artillery a que os poderes públicos dessa grande república dedicam cuidados
51
especiais. Os diversos corpos dessa arma têm ali um efetivo de 1.195 oficiais e 29.027 praças, não incluídas nestes números as reservas que têm um total de 18.547 homens (BRASIL, 1913, p.11).
Em 1915, nova “remodelação” é dada à Força Terrestre. Assim, nasceu o
projeto para a criação das Regiões Militares, em substituição às inspetorias regionais,
que se baseou no imperativo de organizar os efetivos do Exército e suas reservas; o
modelo divisional, composto por tropas de infantaria, cavalaria, artilharia e os trens,
visava a organização em tempo de paz vis-à-vis aos tempos de guerra. O modelo
divisional adotado foi de inspiração japonesa na guerra contra a Rússia, duas razões
foram apontadas para isso:
(...) a primeira é que o efetivo de um exército deve ser tal que permita, sem destruir a coesão da tropa, incorporar reservistas em número bastante para que a primeira linha tenha força suficiente para opor-se às primeiras operações do adversário, em caso de guerra (...) a segunda é que o exército do tempo de paz deve ser constituído de modo que possa passar ao pé de guerra pela inserção de reservistas, sem criação de unidades ou órgãos novos (...) é esta uma fórmula clássica cujo desprezo constituiu uma das razões principais do insucesso da Rússia na guerra contra o Japão (BRASIL, 2015, p.4).
A aviação nacional se mostrou promissora desde o pioneirismo de Santos
Dumont, embora tivesse um começo difícil. Nosso único aviador, o tenente de
cavalaria Ricardo Kirk, morrera durante um voo de reconhecimento na campanha do
Contestado. Em 1915, o General Farias, então Ministro da Guerra, ressaltou a
necessidade de se recomeçar o projeto da Escola de Aviação, devendo-se:
encarar o problema como se ele fosse inteiramente novo entre nós, mandar oficiais e operários mecânicos à Europa aprender aviação militar, e organizar depois o primeiro parque; se for necessário contatar-se-á um especialista estrangeiro para dirigir sua instalação (BRASIL, 2015, p.15).
Grande parte dos estudos realizados pelo Estado-Maior durante o período de
Hermes da Fonseca encontraria caminho aberto para a implantação em 1915,
principalmente pelas questões da Primeira Guerra Mundial. Ambiente favorável aos
trabalhos de reorganização do território foi, assim, relatado pelo Ministro da Guerra,
General José Caetano de Farias: “Tive a felicidade de ver consignada na lei do
orçamento para este ano uma série de autorizações que permitiram meu trabalho, e
52
suavizaram um pouco a dureza dos cortes nas verbas orçamentárias” (BRASIL, 2015,
p.3).
4.1.6.2 A Primeira Guerra Mundial
Pode-se considerar a entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial de caráter
independente, uma vez que os debates internos a respeito de tal guerra foram
intensos e variados. Porém, ao mesmo tempo em que o respeito ao direito
internacional era uma bandeira brasileira, a influência alemã no brasil era
considerável, quer seja pelas colônias ao sul do país, quer seja pela recente influência
do Barão do Rio Branco e de Hermes da Fonseca, partidários do espírito alemão, na
grande Estratégia Nacional.
Quando da invasão alemã à Bélgica, a resposta brasileira foi imediata e
pioneira nas américas, uma moção em 8 de agosto foi realizada na Câmara dos
Deputados, 4 dias após a invasão, aprovada por ampla maioria e contrária à violação
de tratados e à desconsideração das leis internacionais. Soma-se a isso, a fundação
da Liga Nacional pelos Aliados, em 7 de março de 1915, em prol da entente e que
teve como membro diversas autoridades de destaque nacional (VINHOSA, 2015).
Famoso e imortalizado nos anais do Congresso Nacional ficou o discurso de
Ruy Barbosa, quando das comemorações do centenário da independência da
Argentina na Faculdade de Direito em Buenos Aires. Dentre vários assuntos tratados,
abordou o novo conceito de neutralidade:
Demos, sem embargo, senhores, como eliminadas as convenções de Haia, e suponhamos que nada tinham as nações não beligerantes com a liquidação de contas entre os beligerantes, em relação às transgressões, reais ou imaginárias, das leis da guerra. Ainda assim, há um ponto em que a diferença dos neutros não poderá deixar de cessar: é, pelo menos, o que refere às violações do direito dos neutros, cometido pelos beligerantes. Todo e qualquer ato dessa natureza constitui uma negação geral dos direitos da neutralidade, e interessa, por conseguinte, a todos os neutros (VINHOSA, 2015, p.29).
A imprensa nacional se aqueceu com propaganda e artigos pagos pelos
beligerantes. Os jornais “A Noite” e o “Jornal do Comércio” eram pró-aliados; “A
Tribuna”, pró-Alemanha; “O Correio da Manhã” e o “Jornal do Brasil” se mantinham
na neutralidade. A propaganda serviu de catequese para os países neutros, porém
53
as versões pró e contra um lado ou outro fomentaram o entendimento acerca da
guerra, dando voz aos diferentes pontos de vista nacionais.
No Ministério das Relações Exteriores, Lauro Muller criticou a defesa de Ruy
Barbosa, sinalizando que o Brasil deveria “conservar para com todos a mesma
amizade”. Jornais pró-Alemanha, criticavam os altos gastos efetuados por Ruy
Barbosa em Buenos Aires, por ocasião de sua representação no centenário da
independência daquele país; enquanto os pró-aliados acusavam Lauro Muller de
germanófilo. O debate foi aquecido e bastante amplo.
A posição de alguns componentes da sociedade brasileira seguiu claramente
suas simpatias para com a França e a Inglaterra, sem, contudo, olhar do ponto de
vista nacional. Eram intelectuais que respiravam os bons ares da Europa francesa e
britânica, desenraizados, cujas coisas nacionais lhes eram estranhas, sendo capazes
de levar, “(...) serenamente o país a uma Guerra da França e da Inglaterra contra a
Groelândia ou outro país bárbaro (...)” (BELLO, 1956, apud VINHOSA, 2015, p.40).
O deputado Dunshee de Abranches, pró-Alemanha e presidente da Comissão
de Diplomacia da Câmara, declarava que a guerra era comercial e o único propósito
era destruir a supremacia comercial alemã. Deixou claro seu pensamento de que
“para nós, como para os argentinos, os chilenos, e os demais povos sul-americanos,
o nosso grande amigo e aliado no continente devem ser os Estados Unidos, na Europa
a nação de que mais nos devemos aproximar é a Alemanha [...]” (VINHOSA, 2015,
p.35).
O sociólogo e ensaísta político Alberto Torres, que já fora presidente do Rio de
Janeiro, Deputado Federal e membro do Supremo Tribunal Federal, tinha uma visão
diferenciada da guerra, para ele, o melhor resultado seria o empate, pois só assim as
potências imperialistas se enfraqueceriam, favorecendo nações como o Brasil.
A grande estratégia inglesa provocou a entrada do país na guerra. A primeira
embarcação torpedeada pode ser considerada como um ardil inglês para levar o Brasil
à guerra, pois havia sido vendida; não contava com tripulantes nacionais; fazia o
transporte de Oslo para Londres; carregava mercadoria de guerra; e estava com a
bandeira brasileira hasteada. Tudo isso, seguindo ordens inglesas.
O torpedeamento da embarcação (MACAE, ex-Palatio) que levou o País a
declarar guerra à Alemanha poderia ser evitado ou desconsiderado, pois sabíamos
54
das restrições à navegação na Europa e a nacionalidade da embarcação era alemã,
sendo utilizada pelo Brasil sem a devida legitimação.
O total de embarcações torpedeadas pelos submarinos alemães foi de oito,
sendo elas Rio Branco, Pará, Tijuca, Macaé, Guaíba, Acari, Taquari e Maceió. Grande
parte destas embarcações poderiam ter sido preservadas não fosse a teimosia
brasileira de testar a paciência germânica, o que ficou comprovado pelas trocas de
correspondências entre as duas embaixadas.
Finalmente, e com saída de Lauro Muller da pasta das Relações Exteriores, o
Brasil declarava quebra de sua neutralidade e, mais a frente, guerra aos alemães,
aliando-se, assim, aos irmãos do Norte na luta contra o agressor germânico
Com a declaração de guerra, as divisões navais iniciaram o patrulhamento da
costa brasileira e de seus portos. Era sabido que para ter peso nas futuras
negociações de paz e na anunciada Liga das Nações, a participação brasileira teria
que superar o simples fornecimento de gêneros alimentícios e matérias-primas.
Assim, segundo Frota (1987), foi oferecido aos aliados uma Divisão Naval em
Operações de Guerra para reforçar o patrulhamento na área compreendida entre
Dacar, Cabo Verde e Gibraltar. Entre oficiais e praças, o total de voluntários era de
1515 homens, que sofreram toda sorte de acontecimentos, sendo acometidos pela
gripe espanhola e perdendo 464 homens. A precariedade dos navios brasileiros,
despreparados que estavam para receber os novos armamentos e enfrentar as novas
ameaças (minas e submarinos) revelou toda a falta de sorte pela qual a Armada
Nacional vinha passando. Embarcações a vapor, contratorpedeiros projetados para
terem o apoio em terra, sistema de armas ultrapassado – as bombas de profundidade
eram improvisadamente ancoradas no navio – segundo o Estado-Maior da Armada
“os navios brasileiros não possuíam hidrofones e as bombas eram ineficientes, sem
terem as belonaves uma maneira adequada de lançá-las” (VINHOSA, 2015, p.164).
Exemplo de inadequabilidade do armamento e ao mesmo tempo da força de
vontade e heroísmo dos nossos homens foi observado durante as operações da
DNOG e uma desses exemplos destacamos aqui, segundo Frota (1987):
Em uma das manobras normais de reabastecimento, uma bomba de profundidade desprendeu-se da popa do PARAIBA caindo ao mar; com rapidez, o cabo José de Souza Oliveira atirou-se na água, segurando a bomba e impedindo que ela, chegando ao fundo,
55
explodisse danificando o navio e ceifando vidas (FROTA, 1987, p.328).
A DNOG retorna ao Brasil, após ter cumprido a sua missão com o sacrifício de
156 brasileiros enterrados em Dacar. No dia 9 de junho, com o Bahia à frente, chega
à Baia da Guanabara, sendo recebido pela cidade do Rio de Janeiro. Os 156 corpos
enterrados em Dacar foram, em 1928, exumados, repatriados e sepultados no
Cemitério São João Batista.
A Missão Militar Médica Brasileira, chefiada por Nabuco de Gouveia e
composta por 131 combatentes de saúde teve papel de destaque na Franca, onde
chegou em 24 de setembro de 1918. Chegando em Paris, foram distribuídos por
diversos pontos para “[...] auxiliarem no serviço contra uma epidemia de gripe que
dizimava a população civil, enfraquecia a linha de frente e prejudicava a ação de
retaguarda” (BENTO; GIORGIS, 2014, p.377).
Esta mesma missão foi responsável pela montagem do Hospital Brasileiro, em
um antigo convento jesuíta na rua Vaugirad. A brilhante atuação dos brasileiros neste
hospital foi elogiada pelas autoridades de saúde francesas que não pensavam achar
ali um hospital tão bem montado, tal fato rendeu aos seus auxiliares diretos a medalha
“Legião de Honra”.
Quanto ao envio de aviadores brasileiros para a Inglaterra, Vinhosa (2015,
p.170) diz o seguinte:
A conclusão que chegamos consultando a correspondência diplomática entre Londres e o Rio de Janeiro foi que os aviadores brasileiros, em número de nove, seguiram para a Inglaterra não para participarem do conflito, mas para receberem treinamento (...) resultado de um equívoco que o governo inglês não pode desfazer (...) as autoridades inglesas estavam persuadidas de que eles foram lá para se instruir, enquanto o governo brasileiro insistia que eles foram para combater (...) após o armistício de 11 de novembro, o governo inglês cobrou do governo brasileiro 1.000 Libras por cada um dos sete aviadores que lá permaneceram até o final do conflito (...).
Como destaca o mesmo autor, “a solidariedade do Brasil seria dar-lhes nosso
apoio moral, político e econômico, excluída apenas a cooperação militar, por causa
da exiguidade de efetivos de que dispúnhamos e a presença da colonização alemã
em alguns Estados do sul do país.”
56
A realidade da guerra alertou para a necessidade de equipar a tropa com o
armamento necessário, estimulando a fabricação de pólvora, cartuchos e a siderurgia
nacionais, além da provisão de fardas, armamentos, alojamentos e materiais diversos.
A dificuldade para se obter tais materiais motivou a criação da Diretoria de Material
Bélico para coordenar a produção dos arsenais e fábricas militares.
A revista “A Defesa Nacional” contribuiu para enriquecer os debates acerca da
fabricação nacional das munições, alertando sobre a necessidade de estar
independente do estrangeiro em matéria de produto nacional de defesa (PRODE),
pois uma guerra na América do Sul poderia isolar o Brasil no suprimento de tais
produtos.
A questão sobre a criação de uma siderurgia nacional pautou diversas
publicações da revista “A Defesa Nacional”, destacando a necessidade imperial de se
ter tal indústria, pois o mundo já se dera conta que importância do ferro e do aço em
uma guerra já havia se igualado à do ouro. Uma publicação de um artigo americano
na revista militar destacara a importância de tal siderurgia tanto na guerra quanto em
tempos de paz. Assim, é notória a participação dos militares na discussão nacional a
respeito de tal indústria e isto refletiria mais tarde em influência militar na construção,
com apoio americano, da Companhia Siderúrgica Nacional em Volta Redonda
(McCANN, 2009).
4.1.6.3 O funcionamento da Lei do Serviço Militar
A lei do serviço militar, a de 1874 e a de 1908, não surtiu os efeitos esperados.
Somente após o início da Primeira Guerra Mundial e por conta dos horrores da guerra
que, inclusive, atingiu o comercio nacional, se voltaria a discutir o serviço militar
obrigatório em termos nacionais e com a força política necessária à sua implantação.
A entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial contribuiu para mais que
triplicar os efetivos do Exército (Quadro Nr 2), embora o perfil dos recrutas não tenha
mudado até a Segunda Guerra Mundial e a dificuldade encontrada para se efetivar o
pessoal sorteado fosse grande.
57
Tabela 1: aumento dos efetivos
Fonte: adaptação de Coelho (2000)
A mola propulsora das mudanças viria a ser o funcionamento do serviço militar
obrigatório. Porém, essa só seria possível após intensa campanha nacional e ativa
atuação dos “Jovens Turcos15” na administração do General José Caetano de Faria
no Ministério da Guerra e na atualização no perfil profissiográfico dos oficiais,
resultado das reformas curriculares. Quanto ao perfil dos oficiais, segundo McCANN
(2009, p.216):
Em fins de 1914 o segundo-tenente Francisco de Paula Cidade observou satisfeito que o “doutorismo” exagerado estava em declínio e que restavam poucos tarimbeiros da velha guarda ainda na ativa. Mesmo assim muitos oficiais resistiam passivamente à modernização porque se sentiam ameaçados pela mudança ou porque as inovações estavam sendo propostas e executados por oficiais subalternos.
O Exército contou ainda com a ajuda do poeta Olavo Bilac que iniciou uma
campanha nacional de incentivo ao serviço militar obrigatório, com palestras nas
principais capitais do país para convencer, principalmente, os citadinos e os políticos.
Olavo Bilac entendia que a classe média teria um papel fundamental na direção
do país ao lado dos militares. Para a classe média, as oligarquias procuravam manter
a sociedade dividida e segregada entre os imigrantes, que viviam isolados e falavam
outra língua, e as classes mais baixas isoladas pela ignorância, analfabetismo,
superstições e fanatismos.
O serviço militar obrigatório seria uma salvação para o país, elevando a classe
mais baixa e nivelando a classe alta por intermédio do ensino de patriotismo, da
disciplina e da ordem.
Estes dois pensamentos, serviço militar obrigatório e liderança da classe
média, se misturaram para formar as bases da reforma tanto militar como social, com
15 Apelido dado aos 34 oficiais subalternos que foram enviados à Alemanha, em três turmas, por Hermes da Fonseca para servirem arregimentados naquele país, entre 1905-1912, e trazerem as reformas necessária ao país daqueles que já haviam reformado com sucesso o Japão e a Turquia.
Ano Efetivo índice de Crescimento
1889 13.000 100
1892 27.013 207,8
1907 30.066 231.3
1920 45.405 349,3
58
reflexos até os dias atuais. Diversos “jovens turcos” ocuparam cargos proeminentes
nas décadas seguintes e Olavo Bilac se tornou o patrono do Serviço Militar, sendo
que no dia do seu nascimento, 16 de dezembro, comemora-se o Dia do Reservista.
Quanto ao funcionamento da lei do serviço militar:
Só veio a ser implementada graças a esforços conjuntos de oficiais militares e da classe média. À medida que mais filhos das famílias de classe média foram ingressando no corpo de oficiais, as visões dos militares e da classe média sobre os objetivos e meios nacionais foram-se tornando cada vez mais semelhantes (McCANN, 2009, p.131).
Após forte lobby do Alto-Comando junto aos congressistas e aos governos
estaduais e a atuação da Liga da Defesa Nacional, tendo à frente Olavo Bilac e outras
celebridades nacionais, e como Presidente e vice, respectivamente, Venceslau Brás
e o general José Caetano de Farias, o sorteio, previsto na lei do serviço militar de
1908, seria posto em prática entre 10 a 17 de dezembro de 1916.
Depois de alguns protestos e objeções de toda natureza por parte dos
sorteados, o Supremo Tribunal Federal declarou, por unanimidade, que a lei era
constitucional em fins de janeiro de 1917. Desde então, o Exército iniciara sua
profissionalização com recrutas vindos de diversos setores da sociedade, que seriam,
agora, cidadãos-soldados.
4.1.6.4 A Missão Francesa
Com a eleição de um paulista, Rodrigues Alves, enfim criava-se condições para
a definição de uma missão francesa, o que agradaria os políticos paulistas pelos
vínculos já estabelecidos com este país. O próximo passo seria nomear um Ministro
da Guerra favorável a vinda de tal missão.
Com a autorização do Congresso, a escolhida para liderar tal missão fora a
França. A reação à decisão foi variada, com adeptos e opositores. Porém, as
principais lideranças reformistas logo tentaram acalmar os ânimos e se inscreverem
nos cursos de revisão.
Em linhas gerais, a missão francesa designou instrutores para a Escola de
Estado-Maior, criou a Escola de Aperfeiçoamento de Capitães, contribuiu para a
reformulação dos manuais doutrinários, auxiliou o Estado-Maior em suas atribuições
59
de direção e aprimorou o processo das promoções pela implantação do mérito. A
influência na Escola Militar foi limitada, pois lá já se encontrava a missão indígena.
O país já havia criado o Estado-Maior como órgão de planejamento, mas foi
com a Missão Francesa que veio a formação de bons oficiais de Estado-Maior. “(...)
Embora criado na última década do século XIX, não exercera sua verdadeira função
de formulador de política de defesa nacional. Na verdade, não existiam planos
nacionais de defesa [...]” (CARVALHO, 2006, p.29). Com a reforma do Estado-Maior,
por influência da Missão Francesa, o planejamento da preparação do Exército e da
defesa nacional foi facilitado pela centralização das ações neste órgão de cúpula.
Assim:
A nova concepção de defesa abrangia todas as dimensões relevantes da vida nacional, desde a preparação militar propriamente dita até o desenvolvimento de indústrias estratégicas como a siderúrgica. É significativo que já em 1927, por influência da missão, foi criado o Conselho de Defesa Nacional, cujo objetivo era planejar a mobilização nacional para a defesa, incluindo aspectos psicológicos e econômicos (CARVALHO, 2006, p.29).
O desconforto da missão veio pela necessidade do idioma francês e alguns
oficiais se irritaram por ter que falar outro idioma em seu próprio país. O mero fato de
se contratar uma missão estrangeira já era achada por alguns como uma admissão
de inferioridade. Outro ponto desconcertante fora a coordenação da missão, pois as
regras diziam que “o chefe da missão será adido ao Estado-Maior do Exército na
qualidade de assistente técnico e terá a supervisão de todas as atividades designadas
aos oficiais da missão (...) deveria prestar contas unicamente ao ministro da Guerra”
(McCANN, 2009, p.268-269).
Problemas com o material francês também foram usados para protestos dos
insatisfeitos com a missão. Oficiais de artilharia consideravam a metralhadora alemã
melhor que a francesa, o canhão francês Saint-Chamont inferior aos velhos canhões
Krupp e os canhões que os franceses queriam incorporar às divisões brasileiras eram
pesados demais para serem transportados pelo território nacional; os oficiais que
foram treinar nos Estados Unidos durante a guerra garantiam que a artilharia de costa
americana era superior à dos franceses; a cavalaria considerava os blindados ingleses
superiores a todos os outros; a infantaria estava insatisfeita com os novos fuzis
automáticos, preferindo os antigos Mauser de repetição; os oficiais achavam
60
desnecessária a compra de máscaras contra gases e, até, atribuíam os numerosos
acidentes na escola de aviação do Exército aos velhos e defeituosos aviões franceses
(McCANN, 2009).
Com a eleição de um civil, Pandiá Calógeras, para o Ministério da Guerra, um
sentimento de descrédito tomou conta do Exército. Assim, o desprestígio do Estado-
Maior do Exército, sob liderança do general Bento Ribeiro Carneiro Monteiro, em favor
das ingerências da Missão Francesa, notadamente no que referia às promoções, foi
o estopim para o aumento das hostilidades e atos de indisciplina. Principalmente
quando da substituição de Bento Ribeiro no Estado-Maior do Exército sem as
formalidades requeridas da passagem de função. Tal fato gerou descontentamento
entre os oficiais, manifestações nas Mídias e transferência de oficiais partidários do
antigo chefe do Estado-Maior.
Quanto a doutrina, tudo se baseava na experiência francesa da Primeira Guerra
Mundial. Tendo por base a Divisão como unidade básica e a defesa balizada por
grandes fortalezas. Não valorizaram a “guerra de movimento” e a importância do carro
de combate, mesmo com as tentativas de De Gaulle, além do emprego da aviação,
em profundidade, em apoio das ações terrestres.
4.1.7 A Grande Estratégia na implosão da Primeira República
A Grande Estratégia adotada pela República foi a responsável pela implosão
que provocou o fim da Primeira República. O famoso movimento revolucionário
chamado “tenentismo” foi o resultado de uma serie de condicionantes dentro e fora do
Exército. Descontentamentos com as morosas promoções, que inchavam a base da
pirâmide hierárquica do Exército, oposição de ideias entre germanófilos e francófonos,
a reincorporação de anistiados de revoltas passadas, descaso para com os oficiais do
Exército e crise financeira foram o pano de fundo para o movimento revolucionário da
década de 1920.
A oficialidade da década de 1920 era basicamente composta de tenentes16 e
aproximadamente metade deles serviam no Rio de Janeiro em estrita relação e
convivência com os civis, usando as mesmas linhas de bonde, igreja, mercados,
16 65,1% dos oficiais eram segundos ou primeiros-tenentes, e 21,3% eram capitães. Muitos dos tenentes já estavam aos quarenta anos e com 14 e 18 anos de serviço (McCANN, 2009, p.276).
61
escola e lendo os mesmos jornais. Os Tiros punham os oficiais em contato
institucional com os civis das melhores classes em âmbito nacional. Isso fazia com
que tais oficiais fossem afetados pelos problemas financeiros e pelas decisões mal
tomadas pelos políticos junto à sociedade civil. Compartilhando as mesmas
aspirações dos citadinos, industrialização, baixa dos preços e etc.
A origem diversa de tais oficiais, dada a existência de mais de uma escola de
formação em diferentes estados (Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Ceará), refletia
diretamente na ausência do espírito de corpo entre as diferentes turmas de formação
e muitos deles estavam contaminados com as ideias filosóficas dos primeiros anos da
República, pois foram expulsos durante as revoltas nas escolas militares, anistiados
e matriculados novamente. Mesmo após a modificação dos currículos e da
centralização da formação, a existência de tais oficiais corroeu a disciplina na Escola
Militar com efeito spill over para outras unidades do Exército.
A reforma do sistema de proteção dos militares no final da década de 1920
resultou na ida para a reserva de diversos oficiais no último posto da carreira para não
perder os benefícios da lei antiga. Até 1928, a lei garantia que após 30 anos de serviço
o oficial poderia se aposentar com os vencimentos de um posto acima, os que
tivessem 35 anos de serviço recebiam uma promoção real ao posto acima e os que
tinham 40 ou mais eram promovidos e recebiam um posto acima. Com a mudança,
“apenas o oficial mais antigos em cada posto, que se aposentaria depois de trinta
anos com a patente e os vencimentos da graduação acima da sua, ou, tendo servido
por quarenta anos, subiria duas graduações” (McCANN, 2009, p.313). Tal situação
enfraqueceu a estrutura de comando numa época conturbada pelos movimentos
tenentistas.
As constantes críticas dos editoriais de “A Defesa Nacional” aos empecilhos ao
desenvolvimento social, profissionalização da força e melhoria nas condições de
defesa nacional como um todo que o sistema político vigente proporcionava gerou
dois distintos grupos: os legalistas e os revolucionários. Os primeiros, acreditavam na
mudança através do serviço militar obrigatório, da modernização do ensino, do
aperfeiçoamento do Exército como escola de civismo, criando naturalmente uma
mentalidade de defesa da pátria na sociedade. Já o segundo grupo, formado por
antigos revoltosos, eram adeptos da revolução, embora acreditassem nas mesmas
62
ideias dos legalistas, achavam que as mesmas só poderiam ser implantadas pela
revolução.
Problemas envolvendo a missão francesa e o Estado-Maior do Exército,
chefiado pelo general Bento Ribeiro Carneiro Monteiro, aumentaram a tensão no
governo de Epitácio Pessoa. Os franceses se intrometeram nas promoções deste
órgão, buscando promover pelo mérito ao invés do favoritismo e da influência privada,
gerando descontentamento por parte do general e protestos junto ao Ministro da
Guerra, Calógeras apoiou os franceses.
A partir de então, houve um contínuo enfraquecimento de Bento Ribeiro à frente
do Estado-Maior, culminando com um incidente na Escola Militar envolvendo um
oficial francês, enviado por um dos assessores de Calógeras para lecionar aulas de
equitação, e o Capitão Pantaleão Pessoa, que se recusara a ter aulas, por se
considerar um exímio cavaleiro. Tal fato provocou a demissão do general Bento
Ribeiro e viria a prejudicar a disciplina no Exército.
Na onda de tais acontecimentos, o Clube Militar nomeou o ex-presidente e ex-
Ministro da Guerra Hermes da Fonseca para a Presidência da entidade. Com a
publicação das cartas falsas de Arthur Bernardes pelo Correio da Manhã, no Rio de
Janeiro, insultando o general, a tensão aumentou enquanto discutia-se a
autenticidade das cartas. Mais uma vez a questão militar foi pivô de mudanças e, em
julho de 1922, os tenentes rebeldes tomaram o Forte de Copacabana, jogando ao mar
o novo canhão leve de 75 mm francês, dando início ao fim da República Velha.
63
4.2. ELABORAÇÃO DE ARTIGOS CIENTÍFICOS
ARTIGO 1: PESQUISA SISTEMÁTICA SOBRE CULTURA ESTRATÉGICA
BRASILEIRA
Fabio Gomes Barbosa
Instituto Meira Mattos – Escola de Comando e Estado-Maior do Exército
Rua Felipe de Oliveira 18, apto 501, Copacabana – Rio de Janeiro-RJ
CEP 22011-030
Rafael Soares Pinheiro da Cunha
Instituto Meira Mattos – Escola de Comando e Estado-Maior do Exército
RESUMO Este trabalho tem como objetivo verificar o atual estágio dos estudos acadêmicos na área da cultura estratégica brasileira e, por consequência, a influência cultural na Grande Estratégia Nacional. Trata-se de uma pesquisa sistemática, realizada na base de dados CAPES através de querries pré-definidas. Os artigos foram selecionados e organizados com o auxílio do EndNote X9, esta mesma ferramenta auxiliou, ainda, na meta-análise dos dados bibliométricos. Os resumos dos artigos foram transformados em conteúdos textuais para a análise de similitude do IRAMUTEQ. Após a obtenção dos artigos científicos, os mesmos foram explorados no intuito de identificar aspectos culturais relacionados à influência da cultura estratégica na Grande Estratégia brasileira, sendo identificadas quatro temáticas: Política e estratégias internacionais do Brasil; Política militar, Políticas Públicas, e Segurança. A pesquisa empregou, ainda, o programa ATLAS ti para a escrituração dos achados e a organização dos materiais da pesquisa em uma única unidade hermenêutica. Como resultado, os dados bibliométricos foram expostos de forma quantitativa para que se tivesse uma ideia da relevância dada ao assunto e dos gaps, ainda existentes. Obteve-se, ainda, um panorama do atual estado da arte sobre o assunto e uma revisão de literatura relacionada ao tema. A conclusão foi que os aspectos culturais moldam a cultura estratégica nacional, e esta, por sua vez, influencia as tomadas de decisões no campo estratégico (Grande Estratégia Nacional). Palavras-chave: Cultura Estratégica; Grande Estratégia Nacional; Brasil; Pesquisa Sistemática.
64
ABSTRACT This paper aims to verify the current stage of academic studies in the area of Brazilian strategic culture and, consequently, the cultural influence on the Grand National Strategy. This is a systematic research, performed in the CAPES database through predefined queries. The articles were selected and organized with the help of EndNote X9, this tool also helped in the meta-analysis of bibliometric data. The abstracts of the articles were transformed into textual content for the similarity analysis of IRAMUTEQ. After obtaining the scientific articles, they were explored in order to identify cultural aspects related to the influence of strategic culture in the Brazilian Grand Strategy, and four themes were identified: Brazil's politics and international strategies; Military Policy, Public Policy, and Security. The research also employed the ATLAS ti program to record findings and organize research materials into a single hermeneutic unit. As a result, the bibliometric data were quantitatively exposed to give an idea of the relevance given to the subject and the gaps that still exist. It was also obtained an overview of the current state of the art on the subject and a literature review related to the theme. The conclusion was that cultural aspects shape the national strategic culture, which in turn influences decision making in the strategic field (Grand National Strategy). Keywords: Strategic Culture; Grand National Strategy; Brazil; Systematic research.
INTRODUÇÃO
A pesquisa sistemática é uma ferramenta para o levantamento de informações
relevantes acerca de determinado tema. Difere-se da pesquisa exploratória1 e das
revisões narrativas ou tradicionais2 pelo seu caráter objetivo e empírico, com fontes
abrangentes e estratégia de busca bem definida e explícita, podendo ser reproduzida
por outros pesquisadores.
O objetivo da pesquisa foi verificar o atual estado da arte no que tange à cultura
estratégica brasileira e sua influência na Grande Estratégia Nacional. Além disso,
como um dos subprodutos da pesquisa sistemática, obteve-se uma visão mais ampla
da temática em tela, pela leitura dos artigos produzidos.
Os estudos culturalistas ganharam impulso na década de 1970 com Snyder e
sua teoria de que a antiga União Soviética não tinha o mesmo entendimento que os
Estados Unidos a respeito da destruição mútua assegurada, pelo emprego das armas
nucleares, devido a fatores nacionais próprios da cultura russa (SNYDER, 1977).
1 Procedimentos de amostragens e técnicas quantitativas de coleta de dados não são costumeiramente aplicados nestas pesquisas (GIL, 2008, p. 27). 2 Segundo Galvão e Pereira (2014): “[...] as revisões sistemáticas diferem das revisões narrativas ou tradicionais. Essas são amplas e trazem informações gerais sobre o tema em questão.”
65
Desde então, surgiram três gerações de estudiosos da cultura estratégica. A
primeira geração ampliou demais o sentido da cultura estratégica, supervalorizando a
influência doméstica na Grande Estratégia. Já a segunda geração, acredita que os
interesses particulares das elites dirigentes contam mais do que a própria cultura
estratégica na tomada da decisão. Os adeptos da terceira geração propõem que para
ser válida a cultura estratégica tem que ser contestável e para isso tem-se que limitar
a sua definição (SONDHAUS, 2006).
Assim, levando em consideração o amplo espectro da cultura estratégica, esta
pesquisa teve como base as premissas elencadas acima para analisar os artigos
encontrados, destacando, quando possível, as características culturais que
influenciam a grande estratégia nacional.
Os resultados obtidos foram concentrados em quatro grandes temáticas:
Política e estratégias internacionais do Brasil; Política militar, Políticas Públicas, e
Segurança.
A redação do texto seguiu o modelo IMRD (Introdução, Método, Resultados e
Discussão) sugerido por Galvão (2015) e foi empregado o check list “PRISMA”
(Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analysis)3, com sua
devida aproximação teórica já que tal protocolo se destina aos trabalhos da área de
saúde, pioneira neste tipo de pesquisa.
MÉTODO
Para a sua elaboração foram seguidas as seguintes fases: elaboração do
problema de pesquisa, que coincide com o objeto deste trabalho; desenvolvimento de
um protocolo, onde se tem a definição da estratégia de busca (query) e dos limitadores
(strings); identificação dos trabalhos; avaliação da qualidade; extração dos dados e
monitoramento do progresso, e síntese dos dados.
A busca por artigos em periódicos científicos foi priorizada, dada a notoriedade
deste instrumento para a produção de conhecimento, já que o mesmo cumpre a
importantíssima função de definir e legitimar novas disciplinas e campos de estudo,
institucionalizando o conhecimento (MIRANDA; PEREIRA, 1996).
3 O check list e outras ferramentas relacionadas estão disponíveis no site PRISMA: http://www.prisma-statement.org
66
A estratégia de busca foi submetida à base de dados da CAPES, já que a
mesma é composta por diversas outras bases e tem “uma inteligência na busca de
artigos”, além de sua interdisciplinaridade. Após isso, buscou-se o acesso aos dados
importantes, e não disponíveis, em outras fontes como o Google Acadêmico e a Web
of Science, sem executar nessas bases uma nova busca, apenas para encontrar os
artigos pesquisados na CAPES e não disponíveis lá.
Nesta pesquisa, serão utilizados o IRAMUTEQ, o EndNote X9 e o Atlas ti para
o tratamento e a análise dos dados. O IRAMUTEQ (Interface de R pour les Analyses
Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires) e desenvolvido na linguagem
Python e utiliza funcionalidades providas pelo software estatístico R, foi empregado
para identificar áreas temáticas e agrupar os artigos nos temas correspondentes. O
EndNote X9 é um gerenciador de referências com a capacidade de geração de dados
bibliométricos e a verificação dos mesmos (identificação de duplicidade, correção de
erros ortográficos, qualificação dos dados, obtenção e coleta dos artigos), além do
gerenciamento das citações. Já o Atlas ti, esse foi empregado para agrupar os artigos
em uma unidade hermenêutica e facilitar a confecção dos relatórios.
O emprego de ferramentas de análise de dados tem revolucionado a pesquisa
qualitativa, essa vem aumentando em quantidade e possibilidades dos autores. Entre
as facilidades proporcionadas por tais ferramentas estão a rapidez na organização e
separação de informações, o aumento na eficiência do processo a facilidade para se
localizar o texto e a agilidade na codificação. (SOUZA; THULER; LOWEN, 2018).
Quanto as limitações do uso de tais ferramentas está a tendência a uma
descrição pura dos fatos; uma crença de que o software realizará o trabalho
interpretativo sozinho; e a perda da visão holística do fenômeno em virtude da
fragmentação.
67
O protocolo aplicado para o tratamento dos dados foi o seguinte:
Fonte: o Autor
CRITÉRIOS DE ELEGIBILIDADE
Para o desenvolvimento da pesquisa, priorizou-se os artigos científicos
analisados por pares no idioma português e inglês, já que, no primeiro caso, tal
característica agrega mais confiabilidade na metodologia empregada em tais
documentos; e no segundo, empregou-se o idioma usado para a comunicação entre
os países, contemplando assim as publicações em nível internacional. O recorte
temporal abrangeu o ano de 2010 a 2017 e o principal objetivo fora limitar a busca nas
últimas publicações, permitindo uma pesquisa que englobasse debates atuais sobre
o assunto no âmbito científico.
Na sequência, passa-se para a elaboração da estratégia de busca, definindo
as palavras-chave do tema e a utilização dos operadores booleanos para a junção
das palavras ou sentenças.
Para o estudo em questão, utilizou-se, por exemplo, os termos military AND
defen?e, procurando cada uma das palavras respectivamente, e contendo as duas
Definição das
Palavras-Chave (PC)
Lista
de
PC
Definição dos bancos
de dados
Obtenção dos Artigos
Web of
Science
CAPES
Lista de
artigos
Verificação dos resultados,
ajustes da PC e exclusão de
artigos não alinhados
Nova
lista de
artigos
Lista de PC
e queries
Leitura dos resumos e
nova avaliação
Nova relação de
Artigos
Limpeza dos dados
com o EndNote X9
Análise do conteúdo
com a ferramenta
IRAMUTEQ
Nova lista de artigos Extração de dados
bibliométricos
Extração das
definições
encontradas e dos
novos conceitos com o
Atlas Ti (codificação,
citação)
Análise dos dados
coletados
(bibliográficos e
conteúdo dos artigos)
1º Resultado
Análise propriamente dita
Figura 1: protocolo de pesquisa
Protocolo de Pesquisa Ajustes finos
68
sentenças pelo uso do operador booleano AND. O caractere “?” vai localizar tanto as
palavras escritas com “s” como aquelas escritas com “c”, dependendo do idioma,
britânico ou americano. A estratégia de busca se deu conforme o Quadro 1 e 2.
Quadro 1: palavras-chave
Unidade Semântica Idioma Palavras-chaves
Estratégia
Português Estratégia, Segurança
Defesa
Inglês
Strategy
Security
Defen?e
Cultura Português Cultura
Inglês Culture
Brasil Português Brasil
Inglês Brazil
Fonte: o Autor.
Quadro 2: querries
Unidade Semântica Idioma Queries
Estratégia (E) Português estratégia AND (militar OR defesa) AND Brasil
Inglês strategy AND (military OR defen?e) AND Brazil
Cultura (C) Português cultura AND (militar OR defesa OR segurança) AND Brasil
Inglês culture AND (military OR defen?e OR security) AND Brazil
CRITÉRIOS COMUNS DA PESQUISA
Limitadores
Analisado por pares
Tipos de documentos
Revistas acadêmicas
Exibição
Por representatividade
Fonte: o Autor
FONTES DE INFORMAÇÃO
A base de dados empregada foi bastante ampla já que a CAPES possui
acessibilidades às diversas plataformas disponíveis, além do emprego do Google
Acadêmico, ampliando ainda mais o tamanho da amostra a ser pesquisada. O escopo
da pesquisa foi de 2010 a 2017 e, além dos dados obtidos durante a investigação,
buscou-se outras fontes pela análise das referências encontradas, incorporando
69
novas bibliografias, quando pertinentes, bem como a literatura cinza4, obtida nas
obras produzidas e não abarcada nas pesquisas.
BUSCA
Estabelecidas as palavras-chave e as queries de busca (Quadros 1 e 2), as
mesmas foram aplicadas em pesquisas no site da CAPES. Uma vez submetida, os
limitadores do buscador foram ajustados para mostrar os resultados pertinentes à área
pretendida. Assim, delimitações foram feitas para incluir áreas, idiomas e revistas que
representem o objeto da pesquisa.
A seguir, será exibida a estratégia completa de busca eletrônica para as bases
disponíveis na CAPES, como recomendado no Check List “PRISMA” (Fig 2, 3, 4 e 5).
Figura 2: emprego da querry “estratégia AND (militar OR defesa) AND Brasil”
Fonte: o Autor
4A literatura cinzenta é a literatura não controlada por editores científicos ou comerciais, tais como
relatórios governamentais, teses, dissertações e resumos publicados em anais de congressos.
Recomenda-se incluir a busca por literatura cinzenta nas revisões sistemáticas (PEREIRA E GALVÃO
, 2014).
70
Figura 3: emprego da querry “strategy AND (military OR defense) AND Brazil”
Fonte: o Autor
Figura 4: emprego da querry “cultura AND (militar OR defesa OR segurança) AND Brasil”
Fonte: o Autor
71
Figura 5: emprego da querry “culture AND (military OR defense OR security) AND Brazil”
Fonte: o Autor
SELEÇÃO DE ESTUDOS
Após definir a estratégia de busca e inserir as queries na base de dado da
CAPES, obteve-se resultados da segunda coluna da Tabela 1 (1). Após isso, fez-se
um filtro a partir da leitura dos títulos, das palavras-chaves e dos resumos, resultando
nos dados da terceira coluna (2). Obteve-se os artigos incluídos, após a leitura
completa dos trabalhos apresentados nesta última coluna (2). Por último, as listas das
referências dos artigos selecionados (3) foram escrutinadas em busca de materiais
não abarcados pela busca nas bases de dados. O espaço “outras fontes”, na Tabela
1, foi destinado ao registro da literatura cinzenta.
Tabela 1: resultado da pesquisa
Resultado da pesquisa, artigos lidos na íntegra e artigos escolhidos
Estratégia de busca Resultado da pesquisa
(1)
Artigos relevantes para
ser lidos (2)
Artigos incluídos (3)
Estratégia AND (militar
OR defesa) AND Brasil 92 38 7
Strategy AND (military
OR defen?e ) AND Brazil 64 21 11
72
Cultura AND (militar OR
defesa OR segurança)
AND Brasil
188 4 2
Culture AND (military OR
defen?e OR security)
AND Brazil
104 17 5
Subtotal 448 80 25
Outras fontes (literatura
cinza) 3 3 3
Total de documentos lidos 28
Fonte: o Autor
Neste campo, ainda, foram apresentados dados relevantes dos resultados da
Meta-Análise5 realizada com a bibliometria encontrada. Neste processo, os dados
coletados são sistematizados nas seguintes categorias: revistas encontradas e
distribuição dos artigos pelas mesmas; distribuição temporal dos artigos encontrados;
relevância dos trabalhos; e temáticas contempladas.
REVISTAS ENCONTRADAS E DISTRIBUIÇÃO DOS ARTIGOS PELAS MESMAS
Durante a busca na base de dados CAPES, as revistas que mais publicaram
assuntos relacionados à temática da pesquisa (Gráfico 1) foram, respectivamente:
Revista Brasileira de Política (9), Latin American Perspectives (4) e Latin American
Research Review (3). Porém, é nítida a discussão desta temática no âmbito da
América Latina, pois nove artigos foram publicados em quatro diferentes revistas
latino-americanas no período considerado, embora o número de artigos publicados
seja igual ao publicado na Revista Brasileira de Política (9).
5 Meta-análise se refere ao uso de técnicas estatísticas em uma revisão sistemática para integrar os resultados dos estudos incluídos (MOHER; LIBERATI; TETZLAFF, 2015).
73
Fonte: o Autor
DISTRIBUIÇÃO TEMPORAL DOS ARTIGOS ENCONTRADOS
A distribuição dos artigos por ano mostra um aumento do interesse no assunto,
pois as publicações saltaram de uma (2011) para sete (2017), embora não se tenha
registrado publicações em 2013. Provavelmente este interesse foi ocasionado pelo
fato de o Brasil sediar grandes eventos mundiais em 2014 (Copa do Mundo de
Futebol) e 2016 (Jogos Olímpicos), ficando no centro das atenções mundiais.
Fonte: o Autor
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9
Revista Brasileira de Política
Latin American Perspectives
Latin American Research Review
America Latina Hoy
Insight Turkey
Journal of Politics in Latin America
Meridiano 47
Revista de Administração Pública
Revista de Estudios Sociales
Revista de Sociologia e Política
Sinais
Third World Quarterly
Gráfico 1: distribuição dos artigos por ano
1
2
4 4
7 7
2011 2012 2014 2015 2016 2017
Gráfico 2: artigos distribuídos pelas revistas
74
RELEVÂNCIA DOS TRABALHOS
As Revistas do portifólio da pesquisa cujo Qualis - índice utilizado para
classificar a produção científica nos programas de pós-graduação no que se refere
aos artigos publicados em periódicos científicos - foi A1/A2 foram as seguintes:
Revista Brasileira de Política (A1), Revista de Sociologia e Política (A1), Third World
Quarterly (A1), Revista de Administração Pública (A1), Latin American Perspectives
(A2), Latin American Research Review (A2), America Latina Hoy (A2), e Revista de
Estudios Sociales (A2). Os artigos do Quadro 3 foram os mais citados nestas Revistas.
Quadro 3: lista dos artigos mais citados do portifólio
Autores Total de citações
Revista
Bresser-Pereira (2015) 76 Latin American Research Review (A2)
Carrillo (2014) 20 Latin American Perspectives (A2)
Darnton (2012) 15 Latin American Research Review (A2)
Saraiva (2017) 15 Revista Brasileira de Política (A1)
Garcia (2014) 9 Third World Quarterly (A1)
Jorge (2015) 9 Revista de Sociologia e Política (A1)
Weyland (2016) 9 Journal of Politics in Latin America (B1)
Fonte: o Autor
TEMÁTICAS ENCONTRADAS
Após submeter os artigos obtidos ao IRAMUTEQ e realizar uma análise de
similitude, chegou-se à Fig 6, de onde as seguintes áreas temáticas emergiram:
Política e estratégia internacional brasileira, que abarca questões estratégicas mais
abrangentes e concernentes ao papel do país no cenário internacional; Políticas
militares, atinentes ao controle político das forças armadas; Políticas públicas, relativa
às questões internas e inerentes às estruturas da sociedade que moldam a política; e
a temática relativa à segurança, onde a percepção de (in)segurança modela as
estratégias de defesa nacionais.
75
Figura 6:análise de similitude do IRAMUTEQ
Fonte: o Autor
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Após a análise bibliográfica, vista acima, uma análise mais profunda dos
resumos foi realizada e, quando da ausência de informações relevantes neste recurso
bibliométrico, recorreu-se ao corpo do artigo para melhor esclarecimento acerca do
conhecimento existente no artigo. Assim, o próximo tópico apresenta as dimensões
da cultura estratégica encontrada na bibliografia selecionada.
POLÍTICA E ESTRATÉGIA INTERNACIONAIS DO BRASIL
A Política Externa de uma nação está associada à sua grande estratégia. A
partir desta (seus objetivos, suas ações e seus recursos empregados), pode-se
deduzir a identidade estratégica do Estado. Embora a Constituição Federal Brasileira
delegue ao Presidente da República total responsabilidade da condução da Política
76
Externa Brasileira (PEB) e este represente parcela da elite dirigente, todos são
influenciados pela mesma cultura estratégica.
As experiências vivenciadas ao longo dos anos servem como um
subconsciente, onde o Estado recorre, sempre que preciso, para a tomada de decisão
estratégica. Esta decisão pode ser pensada, e nesse caso, há uma tendência ao
aperfeiçoamento e à integração de estratégias diversas disponíveis para melhor
endereçar uma solução. Ou pode ser ad hoc, quando se faz necessário agir rápido
por falta de planejamento ou de uma visão mais prudente ou estratégica.
Da análise do subconsciente nacional e de sua PEB, pode-se chegar a grandes
conclusões sobre a postura adotada no plano internacional. Para o Brasil, em termos
de política externa, três grandes áreas se apresentam importantes e ligadas ao
passado estratégico nacional, cada uma delas requerendo posturas distintas: América
do Sul, Estados Unidos e Europa.
Do ponto de vista da governança existente nos mecanismos de segurança
regionais na América do Sul, pode-se dizer que os mesmos funcionam de maneira
dicotômica (VILLA, 2017). Ao mesmo tempo que os estudiosos apontam a regra do
equilíbrio de poder nas práticas de segurança entre o Brasil e seus vizinhos sul-
americanos, outros enfatizam a necessidade da democracia, da cooperação e da
solução pacífica dos conflitos. Segundo Villa (2017), existe um sistema híbrido nas
relações entre o Brasil e seus vizinhos, porém os mecanismos de equilíbrio de poder
se sobrepõem.
Parts of the political elite may share the military’s statist-nationalist strategy in line with the balance of power thinking. On the other hand, over time significant cohorts within the military might turn into proponents of an internationalist line with the security community logic (…) two divergent ‘grand strategies’ along which government leaders define their states’ relationship to the regional context: an ‘internationalist grand strategy’ where leaders prefer economic and security cooperation, and a ‘national-statist grand strategy’, where actors see more benefits in military competition (…) (VILLA, 2017, p.17).
Considerando as mudanças ocorridas no sistema internacional, onde a
bipolaridade abriu espaço para as relações multilaterais, viu-se uma tendência a
formação de blocos econômicos. Assim, surgiram o MERCOSUL e a UNASUL.
Porém, da análise da estratégia internacional da PEB, feita por Weyland (2016),
chega-se à conclusão de que há uma forte tendência da cultura Realista que se
sobrepõe às visões Liberal Institucional e Construtivista. O autor realça que,
77
independente de governo ou regime político, a PEB vem se caracterizando pela busca
de vantagens políticas, especialmente em relação à sua ascendência internacional.
Embora a UNASUL e seu conselho de defesa (SADC) tenham sido criados no
contexto de uma maior cooperação regional, ainda há uma forte demanda por
cooperação entre os membros dessa organização. Do ponto de vista do Realismo
Estrutural e Neoclássico, Vaz (2017) mostra como a mudança nas formas como as
ideias domésticas são desenvolvidas e no equilíbrio de poder regional contribuíram
para a rápida obsolescência destes palcos de concertação política. Para o autor, a
formação da Grande Estratégia Nacional (cultura estratégica) dos países envolvidos
tem relação direta com o sucesso ou o fracasso da cooperação.
Muito revelador é a proposição de Darnton (2012) de que a cultura de
hostilidades existente no Ministério das Relações Exteriores e nas Forças Armadas
de ambos os países (Argentina e Brasil) invalidaram uma aproximação no período de
Aljandro Agustin Lanusse a Emilio Garrastazu Medici. O autor sinaliza que os
interesses burocráticos destas instituições dependiam da continuação das rivalidades.
Deduzindo que uma cooperação entre antigos rivais depende não só de uma vontade
das lideranças, mas também de uma verdadeira mudança de mentalidade nas
instituições nacionais.
A negociação com os países da União Europeia confirma o caráter Realista
dominante na PEB, uma vez que as trocas multilaterais encontraram obstáculos
crescentes, ao passo que os acordos bilaterais foram bem mais facilitados (SARAIVA,
2017).
Dentro da ideia do modelo adotado pelo Brasil nessa nova ordem mundial, a
conduta Realista é, novamente, sinalizada na busca de aliados entre os países em
desenvolvimento, como a Turquia. Dessa forma, Lazarou (2014) discute as ideias por
trás dos movimentos em direção aos acordos bilaterais, característica mais realista
que construtivista.
Tem-se associado a conduta do Brasil, no estabelecimento de uma influência
política mais efetiva, ao smart power - uso inteligente dos recursos do Estado na
obtenção de influência. Muxagato (2016) explica que o país adotou o princípio da não
diferença, desde o ano de 2002 em diante, e busca afirmar sua capacidade de
mediação nos conflitos regionais e extra regionais. Porém, com a chegada à
presidência de uma nova Presidente, Dilma Rousseff, observou-se uma mudança de
78
postura, pois “o tom diplomático energético e proativo dos anos Lula, por exemplo,
com a proposta de bons ofícios no conflito israelita-palestino6 ou o intento de mediar
no assunto iraniano, foi substituído por uma diplomacia de inanição” (MUXAGATO,
2016, p.100).
Do ponto de vista das relações Brasil-Estados Unidos, nota-se que, embora o
País soubera aproveitar os dividendos desta relação, quando a mesma se
apresentava vantajosa, também se distanciou, quando foi necessário. Dos Santos
(2015) apresenta bem essa relação levando em conta a decisão brasileira de votar a
favor da resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas em torno da equiparação
do Sionismo ao racismo. Embora divergisse da opinião americana, um possível
embargo às exportações de petróleo vindas dos países árabes do Oriente Médio
pesou na tomada da decisão.
Em síntese, a literatura encontrada replicou as relações históricas que
envolveram o Brasil desde sua independência. Influência na América do Sul, (des)
alinhamento com Washington e suas relações com os países europeus. Em todos os
casos, fica nítida a autonomia buscada pelo Brasil em suas Política Externa e a
postura realista adotada.
POLÍTICA MILITAR
Este tópico intitulado “política militar” discorrerá sobre os objetivos postos para
a modelagem das Forças Armadas, segundo as ameaças percebidas, os interesses
do Estado e a utilidade da força (Grande Estratégia).
Muito do que foi achado na literatura pesquisada é reflexo dos desafios
encontrados ao longo das difíceis relações civis-militares na história do País. Tais
desafios, embora usem uma nova roupagem, têm íntima ligação com os desafios
enfrentados no passado: controle civil das forças armadas, modernização dos meios
militares, desenvolvimento de tecnologia nacional e emprego da força, interna e
externamente.
O pleno controle dos civis sobre as forças armadas, serviços secretos e polícias
militares é alegado por Garcia (2014) como necessário para o estabelecimento de
6 Em 3 de dezembro de 2010, as autoridades brasileiras tomaram a decisão simbólica de reconhecer as fronteiras de 1964 do Estado Palestino (MUXAGATO, 2016, p.98).
79
uma democracia plena. A ausência de tal controle é justificada por cinco fatores: falha
constitucional na instituição do controle civil; percepção cultural em relação à
instituições de segurança; transformação jurídica e institucional fragmentada com
pouca intervenção civil nas Forças Armadas; continuidade das grandes estruturas das
forças singulares; e ausência de participação plena da sociedade civil no setor de
segurança por intermédio da mídia e da academia.
O elemento conflituoso nas relações entre civis e militares quanto ao papel do
componente secular e religioso, existentes nos governos militares (1964-1985),
possibilitou uma legitimação do mesmo pela simples compreensão do fator cultural,
unindo as crenças seculares existentes na sociedade civil com o intuito comum de
defender a civilização cristã ocidental (CATOGGIO, 2011).
No passado esse componente foi explosivo, pois religião e razão foram postas
em lados opostos, Canudos e Contestado não nos deixam esquecer. Porém, a
compreensão dessa ambivalência na sociedade brasileira, do mesmo modo na
ocidental, onde religioso e secular se complementam, resultou em uma política cultural
de alianças que possibilitou a legitimação do governo naquele contexto.
A questão do submarino com propulsão nuclear e todos os procedimentos que
envolvem o projeto, tratados setorialmente pela Marinha do Brasil, suscita discussões
sobre uma abordagem mais ampla e política, envolvendo outros setores da sociedade,
deste recurso estratégico. Para Costa (2017), o projeto envolve salvaguardas para a
não proliferação nuclear, gerando preocupações internacionais.
A questão nuclear está presente na estratégia nacional. Seu desenvolvimento,
no passado recente, permitiu a sua utilização como recurso energético, o
enriquecimento de urânio para fins comerciais e, num futuro próximo, permitirá a
posse de submarino de propulsão nuclear.
A decisão de aderir ao tratado de não proliferação de armas nucleares (TNP),
embora vista como um retrocesso por alguns, não constituiu obstáculo para o
desenvolvimento de tal tecnologia por parte do Brasil. Quanto às condições para a
assinatura do referido tratado, Duarte (2017) sinaliza que a colaboração entre Brasil e
Argentina foi crucial para afastar desconfianças e uma corrida nuclear na região,
porém os dois países só assinaram o TNP (Argentina em 1995 e Brasil em 1998) após
atingirem uma expertise razoável no manuseio nuclear para fins pacíficos.
80
Do ponto de vista tecnológico, a inexistência de investimentos na modernização
das forças armadas na década de 1990, responsável pelo sucateamento do poder
militar, segundo De Souza (2016), se deu pela lógica do “oportunismo tecnológico”,
segundo a qual os investimentos nas forças armadas dependem de quanto tal
estratégia vai beneficiar os estadistas.
O autor assinala, ainda, os motivos para o alto investimento nas forças armadas
a partir de 2002: regionalmente, influência sobre a América do Sul no intuito de criar
uma cultura de defesa centrada na liderança brasileira; sistemicamente, o
aproveitamento da nova ordem mundial, com o surgimento de novas centralidades,
para aumentar o protagonismo nacional e pleitear um assento permanente no
Conselho de Segurança da ONU; e, localmente, a necessidade de proteção de vastos
recursos naturais e energéticos, principalmente após a descoberta do pré-sal.
Para Alsina (2017), a participação do Brasil em diversas Operações de Paz ao
redor do mundo deveria ser incorporada na grande estratégia nacional como um fator
de modernização das forças armadas e de profissionalização de seus claros. O autor
vê, ainda, a grande estratégia nacional ameaçada pelas diversas clivagens internas,
ressaltando a importância de estudos no sentido de viabilizar o controle civil das forças
armadas.
Em suma, alguns fatores negativos do histórico das relações civil-militar no
Brasil ainda não foram erradicados. E a consequência foi a ausência de investimentos
nas Forças Armadas durante o período que sucedeu ao dos governos militares,
notadamente nos anos 90.
A persistência, até os dias atuais, da ideia de “controle civil das forças armadas”
como solução para os problemas relativos à grande estratégia e como uma garantia
para a democracia reforça a continuidade dos ressentimentos e a falta de
compreensão da instrumentalidade do componente militar por parte da política. O
próprio emprego do primeiro, como último recurso do segundo, já demonstraria uma
falha do componente político que gerou o uso do instrumento militar.
O histórico de hostilidades e a corrida armamentista da década de 1910 pela
supremacia do poder naval entre Brasil e Argentina serviu como ensinamento para
aquisição conjunta, cooperativa e pacífica de tecnologia nuclear.
Enfim, as iniciativas para a modernização das forças armadas ocorridas a partir
de 2002 se basearam no atendimento das condicionantes de continuidade dos
81
imperativos da cultura estratégica nacional (influência na América do Sul e defesa da
soberania nacional) e de mudança no cenário mundial, que ensejaram um maior
protagonismo brasileiro.
POLÍTICAS PÚBLICAS
Dado o tamanho do País e os variados graus de desenvolvimento entre as
regiões, as políticas públicas têm importante papel na melhoria das expressões
nacionais no sentido de equacionar tais diferenças, harmonizando as discrepâncias
existentes.
Sendo responsável diretamente pelo equilíbrio interno, eliminando conflitos no
seio da sociedade cujas consequências são as mais danosas ao País - maior mesmo
que as ameaças externas - as políticas públicas se relacionam com o novo conceito
de segurança, onde o de defesa está inserido, e, portanto, têm direta influência na
grande estratégia brasileira.
Da análise da literatura pesquisada, vê-se o difícil processo de se desvencilhar
do passado e quão danoso isto é para a implantação das mudanças necessárias. Por
outro lado, entendendo o papel da cultura na sociedade e como ela age permite-se
criar ferramentas para prever possíveis cenários e estabelecer uma estratégia que
realmente tenha uma conotação de prudência.
Um framework da dinâmica social brasileira ao longo da história nacional é
explicado por Bresser-Pereira (2015) que afirma serem as elites burguesas, políticas
e intelectuais brasileiras contraditórias no que diz respeito às questões nacionais e,
por tal motivo, surgem os pactos sociais (formais) e os pactos informais com o intuito
de alavancar uma estratégia de desenvolvimento.
Por conta disso, o Brasil vivenciou cinco pactos políticos em três ciclos
desenvolvimentistas (Quadro 4) e, após 1990, as elites nacionais adotaram uma
postura neoliberal, totalmente nova para os padrões nacionais. Porém, “desde o
começo do século XXI elas têm redescoberto a ideia de nação”, onde um novo pacto
democrático-popular tem surgido sob um novo ciclo (socioambiental) “que constituirá
uma síntese do ciclo chamado de Nação e desenvolvimento e do chamado ciclo da
democracia e justiça social.
82
Quadro 4: ciclos e pactos do Brasil
Ciclos da sociedade estatal Pactos políticos
Integração estatal e
territorial
1822 até 1889: período
Imperial
Período de transição 1889 até 1930: Primeira
República
Nação e desenvolvimento
1930 até 1964: nacional-
popular
1964 até 1977: autoritário-
modernizante
Democracia e justiça social
1977 até 1991: democrático-
popular
1991 até 2005: liberal-
dependente
2005 aos dias atuais:
democrático-popular?
Fonte: Bresser-Pereira (2017), adaptado pelo autor
A influência da mentalidade das elites para a formação de um modelo vigente
é fundamental. Viera (2014) defende que mudanças transformativas nas instituições
políticas ocorreram por ação de grupos de interesse. Ressalta a importância de um
enfoque histórico e não instrumental das instituições que possa explicar as estratégias
das elites que “rotinizaram” a administração pública, consolidando o novo regime
republicano.
O autor dá um enfoque histórico às mudanças ocorridas nas instituições
públicas no Brasil e mostra o atual debate sobre o processo de transformação
institucional. Analisando o caso de mutação institucional ocorrida na substituição do
sistema monárquico pelo republicano, explica as formas empregadas para consolidar
as alterações ao passo que enfatiza o caráter de tendência à continuidade existente
nas instituições e como tais modelos existentes moldaram as ações dos atores
políticos.
83
A dinâmica interna das instituições na determinação de políticas públicas, com
reflexos dentro e no entorno do Estado, tem peso relevante contra o planejamento
deliberado (estratégico). Os interesses das elites na formação das políticas são
enfatizados por Marques (2012) em sua pesquisa sobre o que o autor chama de “o
tecido do Estado”. A importância de laços pessoais, informais e não intencionais pode
explicar grande parte das questões resilientes das instituições, tornando-as previsíveis
e baseadas nas percepções de seus componentes, percepções essas influenciadas
pela cultura existente na elite dirigente.
A cultura do autoritarismo político nacional existente no Brasil tem sido
camuflada por “signos aparentemente democráticos”, segundo De Oliveira Soares
(2016). Da análise do sistema bipartidário dos governos militares, o autor conclui
sobre o caráter antipartidário e antidemocrático nacional, questionando se há uma
cultura democrática em formação no Brasil ou se a “democracia” seria uma simples
ferramenta da engenharia política institucional empregada para a eleição de supostos
representantes do povo.
Corroborando tais ideias de continuidade com mudança verifica-se que a
despeito da política desenvolvimentista desta última década, onde se procura um
crescimento inserido globalmente e ajustado ao potencial interno, ao mesmo tempo
que diversificado internacionalmente, a observação de Carrillo (2014) é de que a
política industrial empregada favoreceu empresas de setores tradicionais,
aumentando a dependência nas matérias primas.
Uma análise da radiodifusão - rádio, televisão e outros veículos da mídia
eletrônica - no processo de democratização das comunicações no Brasil revela uma
concentração deste setor nas mãos de um oligopólio e de atores com interesses
divergentes (DA SILVA, 2014). O processo democratizante que ocorreu em outros
setores da sociedade não foi incorporado na política pública para as comunicações
brasileiras. Vê-se aqui um padrão de continuidade com efeitos depreciativos para a
democracia.
Outro sinal de continuidade das ideias das instituições nacionais é dado pela
observação de Schneider (2016) de que a produção cultural relativa à interpretação
da ação do Estado na repressão aos movimentos revolucionários durante os governos
militares é muito rica e, para a surpresa do autor, “no contexto brasileiro, ela reforça a
moldura reconciliadora criada pela anistia”. Talvez por este instrumento ter sido
84
amplamente empregado para pacificar as relações entre civis e militares ao longo de
toda história republicana.
Em termos de composição social e influência no pensamento nacional, a ideia
de branqueamento do País pela recepção das teorias realistas de origem europeia
como parte dos esforços de modernização, no início do século XX, segundo Santana
(2016, p.37), está preservada no senso comum brasileiro, citando:
(...) alguns exemplos do cotidiano nacional, reveladores das persistências dos conjuntos ideológicos descritos, presentes no imaginário nacional. O carnaval, que outrora foi acentuadamente negro, hoje surpreende com suas rainhas de bateria — um dos destaques das escolas de samba, cargo concorrido — na maioria, brancas e, em geral, celebridades instantâneas, presentes em seus desfiles; outro exemplo é o costume nacional de reclamar a ascendência europeia e omitir a negra ou indígena.
Do exposto, verifica-se que as políticas públicas no brasil, em linhas gerais,
seguem uma continuidade de ideias existentes nas instituições nacionais e adquiridas
ao longo do tempo. Todo esforço, no sentido do estabelecimento de políticas públicas,
acaba sendo moldado, de alguma forma, pela “máquina formatadora” existente nas
atuais instituições, nas relações entre elas e nos indivíduos que às compõem. O
resultado é uma tendência natural à continuidade e a excepcionalidade para
mudanças nas estratégias nacionais de desenvolvimento, com reflexo na grande
estratégia nacional.
SEGURANÇA
A segurança de um Estado pode ser considerada, em termos práticos, o
tratamento dado às ameaças com que os Estados se deparam e as respostas que
eles podem ou deveriam adotar para defender a si próprios (Grande Estratégia).
Segundo a Escola de Copenhague, a securitização acontece quando um objeto é
posto como uma emergência que deve ser endereçada o mais rápido possível e essa
securitização tem como suporte uma retórica discursiva que possa convencer os
atores políticos da necessidade de emergência (BUZZAN, 2012).
Dentro deste contexto de securitização, será tratado neste tópico a maneira
como o Brasil securitizou as duas “novas ameaças” à sua soberania nacional, o
85
terrorismo e cibernética, vencendo os contraditórios da cultura nacional, porém
preservando suas próprias idiossincrasias.
A percepção da ameaça terrorista no Brasil não foi modifica pelos eventos do
“onze de setembro7”. Lasmar (2015) verificou que não havia legislação adequada para
lidar com essa nova ameaça e que as propostas não correspondiam às reais
necessidades deste problema.
Embora a Constituição Federal deixe claro o repugno ao terrorismo (art. 4º,
VIII), a carência de uma definição mais clara do que se configura “terrorismo” e o
estabelecimento de medidas proativas para lidar com essa nova ameaça para o País
não existiam. Muito provavelmente, o texto da Constituição Cidadã abarcou de
maneira bem generalizada o assunto pela proximidade com um regime militar onde
as práticas terroristas foram ferramentas adotadas pelos partidos de esquerda nas
cidades e áreas rurais e não haveria ambiente propício para as discussões sobre um
tema tão perturbador à época, embora a anistia tivesse acalmado os ânimos de ambos
os lados.
(...) não podemos deixar de mencionar que vários políticos da alta cúpula governamental estiveram envolvidos em atividades ou grupos que se utilizaram da violência política durante a ditadura militar brasileira a fim de combatê-la, chegando mesmo a serem perseguidos e, em alguns casos torturados (LASMAR, 2015, p. 55).
Com a proximidade dos Jogos Olímpicos na cidade do Rio de Janeiro (2016),
iniciou-se campanha dos órgãos de segurança pública e forças armadas, no
Congresso Nacional, para a definição do crime de terrorismo e os pormenores para
lidar com essa nova ameaça para o Brasil. Porém, a assinatura da Lei Antiterrorismo
só se deu em março de 2016, às vésperas do início dos Jogos Olímpicos e motivada
pela urgência do evento.
Uma análise mais aprofundada da Lei Antiterrorismo revelaria uma
preocupação em não taxar como terrorismo atos praticados com fulcro político e que,
hora ou outra, é verificado em manifestações nacionais de cunho político (queima de
ônibus, invasão de prédios públicos ou atos de vandalismo contra o patrimônio
público). Seria isso uma silenciosa confirmação do uso de tais ferramentas por parte
7 Ataque terrorista às Torres Gêmeas nos Estados Unidos da América.
86
de alguns grupos nacionais já verificado em tempos passados? Uma proteção para
futuras ações?
Por outro lado, a cibernética, vem aumentando de importância à medida que
comércio e serviços de infraestrutura se tornam dependentes do domínio virtual e, por
esse ângulo, o uso do ciberespaço é visto como uma ameaça à segurança nacional.
Desde 2012, com a aprovação pelo Congresso Nacional da Estratégia Nacional
de Defesa, o espaço cibernético é considerado um problema estratégico de
responsabilidade do Exército. Nos anos que se sucederam, foi criada uma estrutura
de suporte para o setor e outras agências foram incorporadas ao problema.
No entanto, a militarização do setor cibernético apresenta perigo para uma área
onde existem vários objetos de referência (indivíduos, infraestrutura básica, dados
estatais, serviços públicos e privados). O problema da militarização é “desenvolver
segurança cibernética em termos de estratégia militar e focar em contramedidas,
ataques cibernéticos, defesa cibernética ou dissuasão cibernética” (LOBATO, 2015).
Para o referido autor, a criação de um setor específico para lidar com a
cibernética permitiria uma melhor análise dos diversos atores integrantes do
problema, identificando padrões de hipersecuritização promovido pelo Estado e
permitindo reconhecer uma dinâmica diferenciada para cada subárea.
A militarização desse setor se mostrou ineficiente quando não conseguiu evitar
as ações denunciadas, em 2013, por Snowden referentes à espionagem americana
contra a multinacional brasileira de petróleo (PETROBRAS) e a Presidente da
República, Dilma Rousseff, no qual passa-se a abordar agora.
A política externa do Brasil, no tocante à internet, engrossa a coalisão que se
opõe ao controle da rede mundial pelos Estados Unidos e advoga por um maior
protagonismo da ONU e mais espaço para representantes de movimentos sociais e
ativistas.
Por outro lado, a política interna de ameaça à neutralidade da rede debatida no
Congresso Nacional com a contestação de diversos artigos do Marco Civil da Internet
representou uma instabilidade interna nas discussões sobre o tema. As contradições
internas no tocante às restrições do uso da internet eram diversas. Desde um possível
acordo, por parte da Presidente Dilma, com o dono do Facebook para facilitar o acesso
à internet da população mais carente casada com o acesso dos mesmos à
87
determinados sites até a censura por parte de parlamentares às publicações que
pudessem manchar suas imagens.
A criação do Marco Regulatório, ironicamente, veio como uma defesa contra
ingerências do Estado no sentido de aumentar a vigilância sobre o uso da internet em
2007. Os protestos brasileiros a favor do controle da Internet por grupos sociais
vinham desconectado da realidade brasileira onde o Exército gerenciava os crimes
cibernéticos que envolviam uma gama de atividades (espionagem, cibercrime e
vigilância interna).
A denúncia de Snowden sobre o programa da Agência Nacional de Segurança
americana (NSA) expôs a fragilidade brasileira no tocante à segurança na internet.
Mais uma vez, teríamos uma reação tardia à uma “nova” ameaça. Embora o Brasil
tivesse promovido, nas Nações Unidas, resoluções sobre privacidade na internet,
liberdade de expressão, além de sediar importantes conferências e submeter o marco
regulatório da internet, tal iniciativa decorreu por parte de ativistas nacionais e de uma
rede de funcionários (SANTORO, 2017). Sob pressão externa e interna, após as
denúncias de Snowden, houve uma securitização do tema e uma prioridade na
aprovação do Marco Civil da Internet.
Desta forma, a Grande Estratégia Nacional para os dois grandes desafios desta
década, terrorismo e cibernética, foi moldada pelas percepções internas a respeito
dessas novas ameaças. O primeiro, terrorismo, contou com a aversão de
parlamentares que estiveram envolvidos na violência política que marcou o período
dos governos militares. Sobre segundo, institucionalizado em 2012 na Estratégia
Nacional de Defesa, ainda divide opiniões no Congresso Nacional e se encontra no
campo das liberdades individuais, tendo sido posto sobre tutela militar, o que não
ajuda, pois aumenta as desconfianças e pode não ser a solução mais adequada.
Em ambos os casos, a decisão tomada não se mostrou eficiente. Na primeira,
somente às vésperas dos Jogos Olímpicos, uma pressão significativa, definiu-se o
crime de terrorismo, ainda com restrições. No segundo, a ameaça concreta de
espionagem americana sobre o Governo e as Empresas Estatais de peso demandou
pressa na solução. Porém, tais medidas ad hoc, notadamente, terão de ser
implementas.
88
CONCLUSÃO
A pesquisa encontrou material diverso sobre variados assuntos relacionados
com a Grande Estratégia, embora nem sempre diretamente tratados por este ângulo
pelos autores. As dimensões da cultura estratégica encontradas na bibliografia
pesquisada foram postas sob perspectiva em quatro áreas temáticas – Política e
Estratégia; Política Militar; Políticas Públicas e Segurança. Portanto, para extrair os
dados necessários buscou-se olhar para os artigos sob a ótica da teoria sobre Cultura
Estratégica vigente, destacando os pontos-chave encontrados e obtendo-se os dados
a seguir.
Do ponto de vista da política e da estratégia, foi destacada a influência cultural
ainda existente nas instituições nacionais que fazem com que problemáticas passadas
ganhem uma nova roupagem, porém, concentram-se nas mesmas bases políticas e
estratégicas do passado: equilíbrio de poder na América Latina; pragmatismo em
relação aos Estados Unidos da América; e, ações bilaterais com os países da União
Europeia.
Na política militar, o controle civil das forças armadas ainda é tratado como
condição necessária para a estabilidade democrática ao passo que ingerências na
área militar por alguns dirigentes civis se tornam cada vez mais constantes e nem
sempre adequadas. A cultura de hostilidades entre Argentina e Brasil ainda encontra
eco nas instituições envolvidas (Ministério das Relações Exteriores e Ministério da
Defesa), porém um passo importante foi dado na questão nuclear com dividendos
para ambos os países.
Em termos de políticas públicas, a diversidade cultural e regional do país se
reflete na diversidade de ideias e na dificuldade do consenso. Porém, há uma tácita
tendência a aceitação de um certo autoritarismo em forma de consenso entre as
classes burguesas, aristocráticas e intelectuais. A vontade das elites se manifesta
através do “tecido do estado”, uma teia de relações interpessoais, informais e não
intencionais baseada em suas percepções e que modelam as ações do Estado com
grande reflexo para a Grande Estratégia Nacional.
Quanto as questões de segurança apontadas pela pesquisa, estas focaram as
mais novas ameaças para o Brasil (terrorismo e cibernética), descortinando a forma
como elas foram securitizadas e como a experiência nacional (Cultura Estratégica),
89
no primeiro caso, e a falta dela, no segundo, modelaram as decisões tomadas (Grande
Estratégia).
Por fim, verifica-se que fatores culturais de diferentes magnitudes têm grande
influência em diversas áreas relacionadas, direta ou indiretamente, com a Grande
Estratégia Nacional. Tais fatores podem ser, assim, inseridos no escopo da cultura
estratégica, sendo que a existência de um NDA nacional é mais importante como uma
compreensão das nossas estruturas decisórias do que como determinantes da
maneira nacional de agir.
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92
ARTIGO 2: A POLÍTICA NACIONAL DE DEFESA SOB O PONTO DE VISTA
CULTURAL
Fabio Gomes Barbosa
Instituto Meira Mattos – Escola de Comando e Estado-Maior do Exército
Rua Felipe de Oliveira 18, apto 501, Copacabana – Rio de Janeiro-RJ
CEP 22011-030
Rafael Soares Pinheiro da Cunha
Instituto Meira Mattos – Escola de Comando e Estado-Maior do Exército
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo analisar a influência da cultura estratégica nacional na Política Nacional de Defesa (PND). Como metodologia, apropriou-se da teoria fundamentada para a análise do conteúdo da PND, utilizando o Computer-Assisted Qualitative Data Analysis (CAQDA), por intermédio do programa ATLAS ti, para a codificação do texto, categorização das temáticas e análise dos dados. O resultado pôs em perspectiva o documento de mais alto nível de defesa, onde se verifica padrões de mudança e continuidade característicos da cultura estratégica. A conclusão que se chega é que a PND se baseou no histórico/imaginário nacional, ou seja, em um framework próprio, que foi o fio de Ariadne para orientar a defesa nacional. Palavras-chave: Política Nacional de Defesa; Cultura Estratégica; e Grande Estratégia Nacional
ABSTRACT
This paper aims to analyze the influence of national strategic culture on the National Defense Policy (PND). As a methodology, it adopted the grounded theory for the analysis of the content of PND, using Computer-Assisted Qualitative Data Analysis (CAQDA), through the ATLAS ti program, for text coding, categorization of themes and data analysis. The result put into perspective the highest-level document of defense, where there are patterns of change and continuity characteristic of the strategic culture. The conclusion that is reached is that the PND was based on the national historical / imaginary, that is, on its own framework, which was Ariadne's thread to guide national defense. Keywords: National Defense Policy; Strategic Culture; and Grand National Strategy
93
INTRODUÇÃO
Este artigo se destina à análise da Política Nacional de Defesa (PND) enviada
à apreciação do Congresso em 2012, sob a ótica cultural, ou seja, dos elementos
presentes no imaginário nacional, adquirido pelas experiências ao longo dos tempos
(Cultura Estratégica) e que se fazem presentes, de alguma forma, no documento de
mais alto nível da defesa e que guia a Grande Estratégia Nacional.
É importante frisar que existe uma ambiguidade quando se fala sobre Grande
Estratégia, pois ela constantemente é usada tanto para especificar uma abordagem
geral para a política (Policy) como políticas específicas (politics) que um Estado deve
perseguir em tempos de paz ou de guerra (MARTEL, 2015). Para esclarecer e dirimir
tal ambiguidade, o presente artigo tratou da Grande Estratégia como política
específica (simbólica), encarando a Política Nacional de Defesa como parte integrante
da Grande Estratégia Nacional sem, contudo, deixar de relacioná-la à Policy
(Estratégia Operacional).
Cabe ressaltar, também, que a estratégia não é mais vista como um apanágio
dos militares, tornou-se totalmente aberta e conduzida nos domínios político,
econômico, diplomático e militar. O lado positivo é que, perdendo o caráter exotérico
e especializado, “(...) ela poderá tornar-se o que são as outras disciplinas e o que ela
sempre deveria ter sido: um corpo de conhecimentos cumulativos, que enriquece a
cada geração, em lugar de um redescobrimento perpétuo, ao azar das experiências
vividas” (BEAUFRE, 1998, p.20).
E, ainda, com a industrialização, o poder econômico virou o centro da
estratégia, fazendo com que sua base fosse social. Assim, a sociedade virou a mola
propulsora, fornecendo não somente recrutas, mão de obra, capacidades tecnológicas
e suporte político dentro de suas fronteiras, mas também, direcionando parte desse
arsenal, bem como bombas voadoras, para alvos civis do outro lado da fronteira. Ou
seja, os Estados passaram a possuir uma gama de potencialidades cada vez mais
atinentes à sociedade (MARTEL, 2015).
Coutau-Begarie (2010) corrobora a ideia de Grande Estratégia como a política
em ação, que surgiu como uma ideia anglo-saxônica nos anos 1920, cujo propósito,
definido por Hart (1990), de “coordenar e dirigir todos os recursos da nação ou de uma
coalizão, a fim de atingir o objetivo político da guerra (COUTAU-BÉGARIE, 2010,
P.101).
94
Para Gray (2016), do ponto de vista cultural, a estratégia tem o seu futuro
garantido, não só porque é motivada pela razão, como no caso das estratégias
nucleares, mas porque mantém alguma continuidade cultural também. Para o autor,
“[...] as experiências históricas estratégicas das sociedades deixam o que equivale a
uma marcação cultural, e até assinatura, em seu DNA estratégico" (GRAY, 2016,
p.179).
A Política Nacional é responsável por traçar e perseguir os objetivos nacionais
permanentes e estes só fazem sentido quando analisados do ponto de vista nacional.
A elaboração dos Objetivos Nacionais Permanentes1 é, por assim dizer, instintiva e
resultante naturalmente do processo histórico através do qual o grupo adquire o
plasma uma sociedade nacional (SILVA, 1981, p. 251-252). Por consequência, é
razoável supor que uma política nacional voltada para defesa sofre influência desse
processo histórico (cultura estratégica).
Ultimamente, um ingrediente perdido é um sistemático framework – outra
maneira de se dizer Grande Estratégia – que ajuda o público e os políticos a articular
os princípios que governam as políticas de Estado (MARTEL, 2015). Visando
estabelecer este framework, empregou-se o computer-assisted qualitative data
analysis system (CAQDAS) para categorizar o conteúdo da PND e pôr sob perspectiva
o texto desse documento de mais alto nível, tendo sempre em mente a seguinte
pergunta: como a cultura estratégica nacional influenciou a Política Nacional de
Defesa?
METODOLOGIA
A multidisciplinaridade do objeto da pesquisa – estratégia – reflete também na
gama de referenciais metodológicos desenvolvidos por pesquisadores das Ciências
Sociais, Filosofia, Relações Internacionais, História, Antropologia e outras disciplinas
afins. Esta realidade dificulta a vida dos acadêmicos na hora das escolhas
metodológicas para a realização de novas pesquisa.
1 Derivam de processos histórico-cultural e emergem naturalmente à medida que as necessidades e interesses da comunidade cristalizam-se na consciência nacional, representando aspirações que, independente de classes, religião, credo religioso, ideologias políticas, origens étnicas ou outros atributos, a todos irmanam em torno de um ideal (ESG).
95
Com o complexo quadro de mudanças causadas pela era da informação, “os
resultados (das pesquisas) também traduzem algumas limitações que indicam a
dificuldade de percorrer novos caminhos para compreender a totalidade dos
fenômenos observados em contextos tão diferentes e complexos que exigem uma
releitura das opções metodológicas mais frequentemente utilizadas” (BLEY;
CARVALHO, p.1).
Desta feita, foi necessária a adoção de mais de uma abordagem, empregando,
em conjunto, mais de uma metodologia. Assim, buscou-se realizar uma pesquisa
qualitativa, documental e bibliográfica, onde os elementos metodológicos da
Grounded Theory e da metodologia de codificação de dados de Saldaña (2013),
denominada de “Ciclos de Codificação”, foram empregadas para codificação e análise
dos dados. A metodologia de codificação foi realizada por meio do CAQDAS e com o
programa ATLAS ti.
Para Creswell (2009), Grounded Theory gera uma teoria abstrata sobre um
processo, ação ou interação tendo como pano de fundo a visão dos participantes. O
processo envolve múltiplos estágios da coleta de dados e do refinamento e conexões
entre as categorias da informação.
Bandeira-de-Melo e Cunha (2003) explica que, embora haja divergências, “a
Grounded Theory é um método científico (...) para gerar, elaborar e validar teorias
substantivas sobre fenômenos essencialmente sociais, ou processos sociais
abrangentes”. O autor ainda destaca:
Outro aspecto digno de nota, é a capacidade de o método proporcionar explicações sobre fenômenos relacionados à estratégia relevantes para o contexto brasileiro. Pode-se expor as limitações das teorias gerais, geralmente estrangeiras, e apresentar propostas fiéis ao contexto pesquisado, com maior relevância e controle (BANDEIRA-DE-MELO; CUNHA, 2003, p. 17).
Para realizar a coleta e refinamento dos dados, Saldaña (2013) estabelece dois
ciclos de codificação e um ciclo intermediário. O primeiro ciclo é dividido em sete
approaches de acordo com o tipo de pesquisa; o segundo ciclo representa um desafio
maior, pois requer habilidades de análise para classificar, priorizar, integrar, sintetizar,
abstrair, conceituar e construir a teoria. O ciclo intermediário, nem sempre obrigatório,
é uma preparação para o segundo ciclo, onde o objetivo “não é passar para o segundo
96
nível, mas voltar ao ciclo anterior para, estrategicamente, adicionar nova codificação
e métodos de análise qualitativa dos dados” (SALDAÑA, 2013).
Para facilitar esse complexo trabalho empregou-se o CAQDAS que “consiste
em consecutivas fases, onde os dados são preparados, um arquivo de projeto é criado
e os dados são codificados com o uso de software para selecionar e estruturar os
dados e questioná-los com o intuito de descobrir padrões e relações” (FRIESE, 2019).
Figura 1: Ciclos de Codificação
Fonte: Saldaña (2013), adaptado por Bley & Carvalho (2019, p.4)
É interessante ressaltar que o desenvolvimento de uma teoria original não é
sempre o resultado de uma pesquisa qualitativa, mas o conhecimento das teorias pré-
existentes dirige toda a pesquisa, e isso é independente da vontade do pesquisador
97
(SALDAÑA, 2013). No presente artigo, intencionalmente, o foco cultural guiou o
processo de codificação, ressaltando os aspectos que possam contribuir para
responder à pergunta da pesquisa.
PRIMEIRO CICLO DE CODIFICAÇÃO (HOLISTIC CODING)
Este ciclo inicial visa à exploração dos dados e uma preliminar codificação
antes de um maior refinamento que será aplicado nos ciclos subsequentes. Como
método exploratório, adotou-se o Holistic Coding, associando palavras-chaves que
dessem significados mais englobantes para os parágrafos ou frases do documento
(SALDAÑA, 2013).
O resultado foi uma lista com 208 códigos (Fig 2), agrupados em 7 categorias
com densidade total de 49 (subcategorias), como se vê na Fig 3. Durante este
processo, algumas categorias foram sendo criadas para englobar subcategorias de
acordo com o nível de relacionamento entre elas.
Figura 2: lista de códigos gerados
Fonte: o Autor
98
Figura 3: lista de categoria e subcategorias
Fonte: o Autor
SEGUNDO CICLO DE CODIFICAÇÃO (DIAGRAMAS)
DIAGRAMAS OPERACIONAIS
Diagramas são boas ferramentas para ajudar com a categorização analítica e
com a resposta para nossa pergunta de pesquisa. Programas para CAQDAS podem
ajudar a mapear ou diagramar as sequências emergentes das redes de códigos e
categorias relacionadas à pesquisa de maneira sofisticada (SALADAÑA, 2013). Os
diagramas ajudam, ainda, a explicar as relações existentes entre os códigos, pela
visualização gráfica delas, facilitando a escrituração do fenômeno observado.
Levando-se em consideração que a estratégia vai estar sempre relacionada
com as ansiedades atuais da sociedade, não podendo ser produzida em um ambiente
isolado (abstrato), mas sim influenciada pelo futuro próximo (GRAY, 2016), as
análises feitas, por intermédio dos diagramas, tendo como ponto central as categorias
“3. O Ambiente Internacional”, “4. O Ambiente Regional e o Entorno Estratégico” e “4.
O Brasil”, podem esclarecer a influência do componente cultural para a Grande
Estratégia Nacional. Abaixo, um exemplo do diagrama centrado na categoria “3. O
Ambiente Internacional”:
99
Fonte: o Autor
RESULTADOS E DISCUSSÕES
CAPÍTULOS INICIAIS
O preâmbulo da Política Nacional de Defesa (PND) destaca a importância do
incremento da inserção internacional do País, traz como propósito da PND a
conscientização da sociedade e que a mesma (PND), sendo voltada para as ameaças
externas, bem como, estabelece objetivos e orientações para o preparo dos setores
civis e militares como primordiais para a defesa nacional.
O modelo de desenvolvimento da defesa, presente na PND, associa-se à
intensificação da projeção do Brasil no concerto das nações e sua maior inserção em
processos decisórios. Neste ponto, verifica-se que o histórico da participação positiva
do País no ambiente internacional lastreou a elaboração da PND na continuação de
tal inserção internacional.
Sendo enfática na destinação precípua das Forças Armadas (FA) para a defesa
externa e expondo o aprofundamento do conceito de segurança, adota um modelo
Figura 4: Diagrama da categoria “3. O ambiente Internacional” e suas subcategorias
100
realista e focado no emprego das Forças Armadas em prol do Estado e
prioritariamente para a defesa externa.
Porém, o discurso da defesa externa, existente na PND, foi complementado
pela necessidade da garantia da lei e da ordem (GLO), tão presente no imaginário
nacional. O histórico do emprego das forças armadas na GLO, no contexto do artigo
142 da CF 1988, garantiu a citação dessa missão subsidiária na PND dado o perigo
em potencial de um conflito interno nos moldes daqueles já vivenciados pelo País.
Percebe-se que, excluindo-se as duas grandes guerras mundiais, grande parte dos
conflitos que abalaram a República, com emprego das Forças Armadas, foram de
cunho interno, enquadrados na GLO, cuja legitimidade encontra-se presente em todas
as constituições federais republicanas.
Assim, este documento de defesa ao tentar dar solução aos conflitos internos,
menciona a necessidade de lei específica para a garantia da lei e da ordem (GLO),
separando os assuntos de segurança dos de defesa e desassociando a PND da antiga
Doutrina de Segurança Nacional.
Embora o conceito de segurança tenha abrangido o de defesa em muitos
países, a denominação de Política Nacional de Defesa e não de Política de Segurança
Nacional, como adotado em outros países é notória. Vê-se assim, um esforço em
dissociar a PND da antiga doutrina de segurança nacional, tão vinculada aos
Governos Militares durante a Guerra Fria, onde “(...) a segurança nacional era, de
forma mais apurada, uma fusão da segurança do Estado e da segurança da nação: a
nação apoiava um Estado poderoso que, em troca, devolvia o favor protegendo
lealmente os interesses e valores de sua sociedade (...)” (BUZAN, 2012, p.37). A
definição de segurança e defesa são assim tipificadas na PND:
Segurança é a condição que permite ao País preservar sua soberania e integridade territorial, promover seus interesses nacionais, livre de pressões e ameaças, e garantir aos cidadãos o exercício de seus direitos e deveres constitucionais. Defesa Nacional é o conjunto de medidas e ações do Estado, com ênfase no campo militar, para a defesa do território, da soberania e dos interesses nacionais contra ameaças preponderantemente externas, potenciais ou manifestas (BRASIL, 2012).
Cabe ressaltar que a experiência nacional anterior a Política Nacional de
Defesa foi a Doutrina de Segurança Nacional, muito influenciada pelos Estados
101
Unidos e fomentada na Escola Superior de Guerra (ESG). A própria criação da ESG
foi um esforço para preparar os civis e “congregar civis e militares no estudo de
problemas referentes à estratégia de Defesa e Poder Nacional, numa linha de
preocupação que já tinha levado Clemenceau a afirmar que a guerra é coisa muito
séria para ficar sob responsabilidade apenas de generais” (COIMBRA, 2002).
Segundo Coimbra (2012), a doutrina de defesa nacional foi revista com o fim
da Guerra Fria, surgindo a Doutrina de Segurança Nacional. Hoje, vemos esta
doutrina sendo reformulada e voltando a pensar a Defesa Nacional, porém fatores de
mudança e continuidade (características da Cultura Estratégica) estão presentes na
PND, por exemplo, no passado o lema era “segurança e desenvolvimento nacionais”,
hoje a PND prega que não há “desenvolvimento sem defesa”.
Levando-se em consideração que as elites podem redefinir os limites do
possível e “reformular uma agenda específica como mais apropriada a uma
determinada realidade coletiva ou (...) reformular a própria realidade estabelecendo
um (novo) equilíbrio credível entre o conhecido e o desconhecido” (CRUZ, 2000,
p.278), nota-se uma postura progressista na PND, visando uma mudança estrutural
no imaginário nacional, a partir do topo.
Porém, a despeito de diferenças de nomenclatura, a PND mantém o caráter
realista, embora reconheça a expansão do conceito de segurança para outros objetos
de referência, além do Estado.
O conceito dominante nos Estudos de Segurança Internacional é aquele de segurança nacional/internacional, dos Estudos Estratégicos realistas (...) este conceito de segurança define o Estado como objeto de referência, o uso da força como objeto central, ameaças externas como principais, a política de segurança como empenho em relação a perigos extremos e a adoção de medidas de emergência (...) (BUZAN, 2012, p.52).
As percepções nacionais que moldam a grande estratégia nacional, de maneira
geral, são apresentadas em três níveis, e podem ser enquadrados dentro da análise
multifatorial defendida por Buzan (2012): o local ou doméstico (Brasil), o regional (o
ambiente regional e o entorno estratégico) e o internacional ou sistêmico (o ambiente
internacional). Tais níveis serão tratados a seguir.
102
O AMBIENTE INTERNACIONAL
É no ambiente internacional que surgem os desafios de maior complexidade
com suas principais ameaças. Estas últimas podem ser classificadas em duas
vertentes: os novos desafios, aqueles associados à tecnologia, ao meio ambiente, às
mudanças climáticas e ao aumento das disputas por áreas marítimas, domínio
aeroespacial e fontes de água doce, alimentos e energia cada vez mais escassos; e
os antigos desafios, ocasionadas pela assimetria de poder entre os países do mundo,
principalmente entre países fronteiriços.
Os novos desafios estão mais conexos com o ambiente externo ao entorno
estratégico, enquanto os antigos, à América do Sul, que vem separada do entorno
estratégico, sendo este composto pelo Caribe, Atlântico Sul, África Ocidental e
Antárctica.
É neste ambiente que a projeção do Brasil e sua maior inserção em processos
decisórios, possibilidade de um assento permanente por exemplo, e a contribuição
para a manutenção da paz e da segurança internacionais figuram como objetivos
nacionais de defesa.
Historicamente, Alsina (2017) ressalta a participação ativa do Brasil em
missões de Paz da ONU e outras atividades menores tais como oficiais de ligação,
Estado-Maior e observadores militares. De 1957, quando assumiu o comando
operacional da UNEF I no Canal de Suez, até 2004, data que começou a liderar as
tropas militares na MINUSTAH (Haiti), houve uma grande diversificação geográfica da
participação do Brasil.
Do ponto de vista facilitador de um assento permanente no Conselho de
Segurança, o autor é unânime em descartar qualquer possibilidade viável calcada na
participação em missões sob a égide da ONU. Portanto, como a própria PND afirma,
o componente histórico da participação brasileira em operações militares
internacionais, por si só, pesou para continuar presente na Grande Estratégia
Nacional.
A globalização e o choque entre as civilizações, apontados na PND, ressaltam
as considerações culturais no ambiente internacional. O último abarca a temática que
ficou famosa com o culturalista Samuel Huntington (1998), refletindo na PND pelas
novas ameaças de caráter religioso e étnico que podem ocasionar a fragmentação
dos Estados. Porém, a ideia de uma América Latina como subdivisão mundial, de
103
acordo com Huntington (1998), não é, claramente, aceita pela PND em sua totalidade,
pois a ênfase da integração recai na América Sul pela necessidade de mitigar as
vulnerabilidades regionais perante o sistema internacional. Do ponto de vista da
Globalização, países em desenvolvimento se unem para promover uma inserção
positiva no mercado mundial, sendo que, na América do Sul, os principais
mecanismos são o MERCOSUL e a UNASUL, ambos de iniciativa brasileira.
Quanto ao meio ambiente o Brasil se enquadra na cobiça internacional por ser
detentor de "grande biodiversidade, enormes reservas de recursos naturais e imensas
áreas para serem incorporadas ao sistema produtivo mundial". (BRASIL, 2012). A
securitização do meio ambiente pode ser empregada para violar a soberania nacional
em função dos interesses das potências mundiais. Neste sentido, o número crescente
de demarcações indígenas geradas a partir do período denominado
“redemocratização” e coincidentes com grandes áreas detentoras de recursos
naturais não encontra limitação na PND.
A população indígena no Brasil é estimada, pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa), em cerca de 470 mil pessoas, o equivalente a pouco mais do que 0,2% da população total do país. Cerca de 60% desta população vive hoje na região designada como Amazônia Legal. Já o censo demográfico de 2000, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), identificou 734.127 pessoas se autoidentificando como “indígena”, elevando esse percentual para 0,4% da população do país. Essa população representa uma diversidade linguística que ultrapassa o número de 180 línguas, classificadas em 35 famílias linguísticas. Estima-se existir no Brasil um total de 220 povos indígenas, vários deles submetidos a jurisdição de mais de um Estado-Nação, como é o caso dos Guarani (Argentina,
Bolívia, Brasil e Paraguai), Yanomami (Brasil e Venezuela), Tukano (Brasil e Colômbia) e Tikuna (Brasil, Colômbia e Peru). Os indígenas estão presentes em todos os estados da Federação e seus territórios (“terras indígenas”, no linguajar jurídico do Estado brasileiro) somam aproximadamente 110,6 milhões de hectares – o equivalente a aproximadamente 13% do território nacional e 21% da Amazônia brasileira (VERDUM, 2009).
A Constituição Federal de 1988 reconheceu, em seus artigos 231 e 232, aos
povos indígenas “sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e
os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam” e “os índios, suas
comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa
de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do
processo” (BRASIL, 1998).
104
Tal particularidade pluricultural e multiétnica da sociedade brasileira, onde 13%
do território destinado aos povos indígenas, associada à tendência internacional à
securitização da temática ambiental e das mudanças climáticas, colocam o País em
situação de vulnerabilidade perante a comunidade internacional e não encontra
solução na PND.
O AMBIENTE REGIONAL
No campo regional, uma postura diferenciada é observada quando comparada
as “antigas” rivalidades regionais na América do Sul (AS). Desta forma, a PND salienta
a necessidade de desenvolver integração e harmonia na AS, dada a situação
geopolítica do Brasil (fronteira com dez dos doze países sul-americanos). Sinaliza um
entorno estratégico que extrapola a AS (Antártica, Caribe, Comunidade dos Países de
Língua Portuguesa e países africanos lindeiros ao Atlântico Sul). Alerta que, embora
o ambiente seja relativamente pacífico - pela ausência de armas nucleares -, a
continuidade dos processos democráticos, as soluções negociadas e a integração
regional devem continuar.
Embora a percepção do ambiente regional seja a da necessidade de
integração, quando se olha para os objetivos traçados (Figura 5), estes se encontram
nitidamente negligenciados, limitando-se a “contribuição para a estabilidade regional”.
E a única orientação (Figura 6) vai no sentido de “integrar a indústria de defesa sul-
americana” como uma oportunidade de desenvolvimento mútuo e de aquisição de
novas tecnologias.
Villa (2017) identifica uma paz híbrida na América do Sul e ressalta a antiga
rivalidade criada pelo equilíbrio de poder entre as nações deste subcontinente.
Recentemente, tal rivalidade teve conexão com a necessidade nacional de aumentar
os investimentos militares (representando 55% do total regional) no intuito de, não só,
equilibrar a balança com a Venezuela, mas também a imposição de defender vasto
território nacional, rico em recursos naturais e, possivelmente, um dos cinco maiores
produtores mundiais de petróleo a partir de 2020, por conta do pré-sal.
Observa-se, então, no campo regional, a existência de duas posturas distintas:
uma direcionada pela busca de acordos bilaterais com países europeus, buscando
fortalecimento militar e estabelecimento de (des) equilíbrio de poder regional, alinhada
105
com as tradições brasileiras para o continente; e, outra, guiada pela percepção da
necessidade de integração da AS escrita na PND, porém fracamente operacionalizada
em termos de objetivos e orientações no mesmo documento.
Vê-se, assim, uma diferença entre a percepção escrita/simbólica da
necessidade e a ação no sentido de endereçar tal percepção. Para Johnston (1995),
a existência de uma “estratégia dos símbolos” (Cultura Estratégica), normalmente
observada, não exclui uma estratégia simbólica (documento escrito) para formalizar,
dissuadir, ou até amenizar uma agressiva linha de ação verificada pela interpretação
dos símbolos (cultura).
Figura 5: objetivos por níveis de análise
Fonte: o Autor
Lantis (2002) lembra que a possibilidade da Cultura Estratégica mudar ao longo
dos tempos é reconhecida pela terceira geração de estudos da Cultura Estratégica,
sendo que:
106
(...) Na cultura política pode ser entendida como uma forma de consenso ou narrativa histórica que se torna estabilizada e legitimada pelas gerações subsequentes de líderes políticos. Essas ideias representam um passo em direção ao refinamento de modelos culturais estratégicos (LANTIS, 2002, p.110).
A mudança de postura muitas vezes vem acompanhada de um turning point,
ou um entendimento de que a mudança é necessária para evitar um mal maior. No
caso brasileiro, Duarte (2017) lembra que a questão nuclear dos países em
desenvolvimento entrou em cheque por ocasião dos acordos de Não Proliferação de
Armas Nucleares, onde as potências nucleares tentaram impor uma limitação do uso
de tal tecnologia ao demais países, com forte resistência de Brasil e Argentina.
As posturas do governo e da mídia nos dois principais estados possuidores de armas nucleares e seus aliados procuraram retratar as críticas do Brasil e da Argentina ao projeto do Tratado de Não Proliferação (TNP) como uma indicação de um esforço dessas duas nações em adquirir armas nucleares devido a uma rivalidade supostamente irreconciliável, como se os principais países de cada região estivessem inevitavelmente condenados a imitar a desconfiança e a animosidade existentes entre as duas superpotências (DUARTE, 2017, p.10).
Assim, embora a década de 1970 trouxesse desconfiança para alguns setores
argentinos quanto aos reais interesses brasileiros com a tecnologia nuclear, por conta
talvez de termos um Presidente militar, Brasil e Argentina reuniram esforços para
manterem o desenvolvimento de tecnologia e as explosões nucleares para fins
pacíficos numa profunda parceria que rendeu bons dividendos, principalmente no
enriquecimento de urânio como combustível.
107
Figura 6: orientações por níveis de análise
Fonte: o Autor
Tais necessidades emergenciais de defender os ativos nacionais e equilibrar a
balança de poder levam o país a buscar acordos bilaterais para solucionar gaps
tecnológicos e de defesa. Assim ocorreu com a necessidade de proteção da costa
brasileira e de seus recursos naturais. Para atender essa demanda “emergencial”,
pragmaticamente, buscou-se ajuda na Europa (França e Suécia) por intermédio da
adoção de acordos bilaterais para o fornecimento de aeronaves e submarinos,
imprescindíveis à defesa nacional.
O AMBIENTE DOMÉSTICO
O nível doméstico é foco de maior atenção da PND, cujos gargalos antigos
aparecem, ainda, como problemas a serem resolvidos. Assim, a problemática da
defesa tendo em vista a complexidade do território nacional e as prioridades de defesa
108
(áreas de grande concentração de poder político e econômico, Amazônia e Atlântico
Sul) continuam a desafiar o país.
A ratificação do artigo 4° da Constituição Federal (repúdio ao terrorismo,
princípios de autodeterminação, não intervenção, igualdade entre os Estados e a
solução pacífica dos conflitos), vem ao encontro de uma trajetória nacional de respeito
e promoção do direito internacional, iniciada em 1907, na Conferência de Haia, e
confirmada pela participação nacional em diversos mecanismos de solução de
controvérsia, internacionais ou regionais, "fortalecendo o multilateralismo, o respeito
ao Direito Internacional e os instrumentos para a solução pacífica de controvérsias”
(BRASIL, 2012).
Desde sua emancipação como nação independente, em 1822, o Brasil busca reconhecimento como um ator importante no mundo por causa de sua dimensão física e tamanho de sua economia e população, além de estabelecer laços diplomáticos precoces com seus vizinhos e vários outros países. Na Conferência de Paz de Haia, em 1907, a República em desenvolvimento fez uma contribuição substancial para a organização de assuntos internacionais, defendendo o princípio da igualdade soberana das nações e posteriormente participou da Liga das Nações. O Brasil trabalhou ativamente na elaboração da Carta das Nações Unidas e da Carta da Organização dos Estados Americanos como membro fundador original de ambas as entidades (...) Em 1948, o Brasil apoiou o estabelecimento de um pacto de segurança coletiva continental através do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, assinado no Rio de Janeiro em 1948 (...) Todas as fronteiras do Brasil com seus dez vizinhos contíguos foram estabelecidas por negociação e/ou arbitragem independente. No campo multilateral, o Brasil mantém relações amistosas com todos os estados (DUARTE, 2017, p 5-6).
Do ponto de vista nacional, a soberania, o patrimônio nacional e a integridade
territorial dizem respeito à segurança do Estado em relação ao espaço delimitado por
suas fronteiras. Porém, é assegurado também os interesses, as pessoas os bens e
os recursos brasileiros no exterior.
Ainda no nível doméstico, a coesão interna se faz necessária e considera-se
fortemente o emprego das FA com este intuito (garantido pela Constituição Federal).
A conscientização da sociedade a respeito da necessidade de defesa é tida como
fundamental para se definir uma estratégia de defesa. E mais, o fortalecimento das
109
Forças Armadas vem pela mobilização nacional e pelo desenvolvimento de doutrinas
baseadas em capacidades e não em um inimigo definido. Para atingir o primeiro é
necessário desenvolver o potencial de logística de defesa e de mobilização nacional,
enquanto o segundo, desenvolver a indústria nacional orientada para a obtenção de
autonomia tecnológica.
O emprego das FA para a coesão interna, assegurado pelo Art. 142, de origem
positivista, desde a CF de 1891, está presente no imaginário nacional desde os
primeiros anos da República. Canudos e Contestado, só para citar os maiores
exemplos, marcaram o uso da Força para a GLO, o conhecimento destas duas
campanhas é objeto de estudo como requisito prévio para a entrada na Escola de
Comando e Estado-Maior do Exército até os dias atuais (McCANN, 2009).
Localmente, as orientações contidas na PND podem ser agrupadas em seis
áreas: razões para o emprego das Forças Armadas; recursos empregados; ameaças;
capacidades requeridas; e ações necessárias para viabilizar tais capacidades.
Como razões apontadas para o emprego das forças armadas, a ameaça contra
à soberania nacional e à indissolubilidade da unidade federativa são as principais,
complementadas pela garantia do nível adequado de segurança, tanto na paz como
na guerra. Os recursos empregados serão prioritariamente militares em caso de
agressão externa, porém prevê o emprego de todo poder nacional para enfrentar as
crises internacionais de natureza político-estratégica.
O texto traz o terrorismo “internacional” e os ataques cibernéticos como novas
ameaças ao País, além das já tradicionais ameaças à Amazônia e à Garantia da Lei
e da Ordem. Porém, aspectos culturais delimitam a maneira brasileira a respeito da
melhor solução para essas novas ameaças.
Lasmar (2015) ao tratar sobre legislação brasileira de combate e prevenção ao
terrorismo, catorze anos após o “Onze de Setembro”, ressalta as amarras nacionais
que limitaram as medidas de defesa contra esta notável ameaça à paz mundial.
(...) não podemos deixar de mencionar que vários políticos da alta cúpula governamental estiveram envolvidos em atividades ou grupos que se utilizaram da violência política durante a ditadura militar brasileira a fim de combatê-la, chegando mesmo a serem perseguidos e, em alguns casos torturados (LASMAR, 2015, p.55).
110
Lobato (2015) lembra que a política externa do Brasil, no tocante à internet,
engrossa a coalisão que se opõe ao controle da rede mundial pelos Estados Unidos
e advoga por um maior protagonismo da ONU e mais espaço para representantes de
movimentos sociais e ativistas. No entanto, a militarização do setor cibernético
apresenta perigo para uma área onde existem vários objetos de referência (indivíduos,
infraestrutura básica, dados estatais, serviços públicos e privados).
Quanto às capacidades das FA, estas se fundamentam na mobilização
nacional, associada à capacidade de comando, controle, monitoramento e sistema de
inteligência que permitam exercer vigilância, controle e defesa do território nacional,
águas jurisdicionais e espaço aéreo. Sendo para isso, importantíssimo o
desenvolvimento de três setores estratégicos: o cibernético, o espacial e o nuclear.
Para viabilizar tais capacidades, o envolvimento da indústria, governo e
academia se fazem essenciais para a produção científica tecnológica e inovadora,
sendo fundamental a continuidade na alocação de recursos, bem como a interação
com outras políticas governamentais, principalmente aqueles referentes à
infraestrutura.
Por fim, e não menos importante, é a questão do Serviço Militar Obrigatório
que, segundo a PND, cumpre dois objetivos ao mesmo tempo: garantir a participação
de cidadãos na defesa e contribuir para o desenvolvimento da mentalidade de defesa
no seio da sociedade. A implantação do Serviço Militar Obrigatório foi objeto de
calorosos debates e ponto chave para a defesa nacional, amplamente presente nos
relatórios do Ministério da Guerra, nas duas primeiras décadas de existência da
República e nos protestos da revista militar “A Defesa Nacional”.
O único recurso de que se dispões e que pode e deve utilizar para obter essa base moral indispensável a qualquer organização é a lei do serviço militar obrigatório. Desde que se ponha em prática, o Exército fundir-se-á com o povo, que então será o primeiro a nobilitar e dignificar uma classe a que todos têm o dever de pertencer (BRASIL, 1906, p.5).
O Exército contou ainda com a ajuda do poeta Olavo Bilac que iniciou uma
campanha nacional de incentivo ao serviço militar obrigatório, com palestras nas
principais capitais do país para convencer, principalmente, os citadinos e os políticos.
111
Olavo Bilac entendia que a classe média teria um papel fundamental na direção do
país ao lado dos militares. O serviço militar obrigatório seria uma salvação para o país,
elevando a classe mais baixa e nivelando a classe alta por intermédio do ensino de
patriotismo, da disciplina e da ordem. Diversos “jovens turcos” ocuparam cargos
proeminentes nas décadas seguintes e Olavo Bilac se tornou o patrono do Serviço
Militar, sendo que no dia do seu nascimento, 16 de dezembro, comemora-se o Dia do
Reservista (McCANN, 2009).
CONCLUSÃO
A Política Nacional de Defesa, componente simbólico da Grande Estratégia
Nacional, apresenta soluções calcadas nas experiências nacionais, sem, contudo, ser
totalmente desconexa com as orientações governamentais, ou seja, das elites
dirigentes.
Seu caráter realista foca a defesa externa com o emprego prioritário das Forças
Armadas e do Poder Nacional, sendo que o seu passado interno conflituoso faz com
que a mesma considere o emprego das Forças Armadas em GLO, sendo esta
atividade regulada em documento específico. Ao diferenciar “segurança” de “defesa”,
confirma o caráter realista das duas definições, tentando se distanciar da antiga
Doutrina de Segurança Nacional, porém mantendo padrões de mudança e
continuidade com a mesma.
O protagonismo brasileiro no campo do direito internacional ao longo dos anos,
e principalmente durante a República, foi amplamente recepcionado na PND.
Largamente empenhado em missões de paz, desde 1957, em Suez, e o único país da
América Latina a participar das duas grandes guerras mundiais ao lado dos aliados,
não poderia deixar de orientar suas FA pelo objetivo de “manutenção da paz e
segurança internacionais”.
Embora reconheça a existência da teoria do choque das civilizações, de
Huntington (1998), percebe-se a fraca identificação do Brasil com a América Latina.
O destaque maior é dado à AS, pelo histórico de conflitos de demarcações de
fronteiras, e aos países da África Ocidental e aos falantes da língua portuguesa, pelos
laços históricos e culturais.
112
O desafio do meio ambiente não encontra uma tentativa de solução na PND. A
existência de grande biodiversidade se vê fragilizada diante de possível securitização
do setor ambiental, facilitada pela particularidade pluricultural e multiétnica do Brasil e
a destinação de aproximadamente 13% do território nacional às demarcações de
terras indígenas.
No campo regional, nota-se a existência, ainda, de uma política diferente da
retórica ou estratégia simbólica diferente da estratégia dos símbolos. Assim, uma paz
híbrida reinante na AS é resultante de anos de rivalidades calcadas no (des) equilíbrio
de poder regional.
Porém, uma grande mudança cultural é percebida entre Brasil e Argentina no
tocante a uma maior aproximação entre os dois países quando do gerenciamento, no
nível internacional, da manutenção do direito ao uso de tecnologia nuclear para fins
pacíficos, transformando anos de rivalidade que foram postos de lado em prol de um
objetivo comum e maior de desenvolvimento no campo nuclear para os dois países.
As antigas parcerias europeias no campo de defesa ainda persistem. França
foi o país escolhido como parceiro para a produção dos submarinos, inclusive um de
propulsão nuclear, e a SAAB (sueca), a escolhida para o caça da Força Aérea. Tais
equipamentos de guerra vêm num esforço para a defesa dos recursos naturais do pré-
sal e para o equilíbrio de forças na AS.
Terrorismo e cibernética surgem como novas ameaças para o Brasil, porém as
peculiaridades nacionais moldaram as ações nacionais voltadas para tais ameaças.
No caso do terrorismo, as amarras nacionais dificultaram as ações efetivas de
combate dada a identificação de parcela da elite dirigente nacional com as atividades
subversivas e contrárias ao período dos governos militares. No tocante à cibernética,
enquanto a política externa do Brasil se opõe ao controle da rede mundial pelos
Estados Unidos da América, a questão da defesa cibernética, uma área com diversos
objetos de referência (indivíduo, infraestrutura, dados estatais, serviços públicos e
privados), foi militarizada e securitizada pala PND.
Questão fundamental é a do Serviço Militar Obrigatório para a mobilização
nacional. Ponto fundamental para remodelar a defesa nacional da República e
amplamente requisitado pelos ministros da guerra, a importância do Serviço Militar
Obrigatório para a conscientização da sociedade e como principal recurso de
mobilização nacional está consolidada na PND.
113
Por fim, conclui-se que a Cultura Estratégica Nacional tem influência sobre a
Grande Estratégia Nacional, quer seja modelando a estratégia simbólica (PND) pela
confirmação de experiências passadas, quer seja pela tentativa das elites dirigentes
de modificar suas características, ou até mesmo pela necessidade de se manter uma
retórica apaziguadora e que promova uma mudança positiva de comportamento,
mesmo que ainda distante da prática da Cultura Estratégica.
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115
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A visão de Góes Monteiro, observada na década de 1930, de que a grande
estratégia deveria estar centrada no desenvolvimento dos poderes nacionais continua
presente na PND, ou seja, em pleno século XXI, ainda não alcançamos as condições
materiais necessárias para assegurar o atingimento dos objetivos nacionais de
defesa.
Quanto à estratégia simbólica brasileira (PND), vê-se que a mesma foi moldada
pela cultura estratégica nacional, ou estratégia dos símbolos na definição de Johnston
(1995), quando a mesma ressalta pontos importantes do passado histórico. Não se
vê na PND uma escolha estratégica que negue a sua cultura, todas estão associadas,
de alguma forma, às suas experiências e necessidades. Até para atender as
exigências modernas da era da informação (setores cibernético e aeroespacial),
necessidades antigas como estratégia da presença, desenvolvimento sustentável da
Amazônia e aquisição de tecnologias são associadas as mesmas.
As características dinâmicas da cultura, citadas por Black (2009), também
estão presentes na grande estratégia brasileira da atualidade. O que no passado
representou o domínio do mar pelos grandes dreadnoughts comprados à Inglaterra e
rapidamente sucateados pela ausência de tecnologia nacional para manutenção, hoje
foi substituído pela capacidade de negação do uso do mar com a aquisição de
submarinos convencionais e de propulsão nuclear com desenvolvimento de
tecnologia própria.
A pesquisa mostrou que embora haja uma tendência regional à colaboração
entre os países da América do Sul, aspectos de equilíbrio de poder, fortemente
vivenciado em épocas passadas, ainda se fazem presentes nas RI entre o Brasil e os
países sul-americanos.
Embora as elites dirigentes tenham grande peso nas decisões estratégicas,
privilegiando seus pontos de vista e suas preferências estratégicas, as instituições,
principalmente Ministério das Relações Exteriores e Ministério da Defesa, ainda
guardam suas memórias institucionais e suas prioridades, influenciando, de certa
forma, as decisões no mais alto nível.
Em relação às clivagens em favor ou em desacordo com o pensamento de
Washington, a histórica relação entre os dois países (Brasil e EUA) é marcada pelo
jogo de interesses entre os dois gigantes das Américas. Cada um dos dois obedeceu
116
a sua política interna para a tomada de decisões, sendo que o Brasil soube aproveitar
bem os momentos de aproximação e de preocupação americana com o destino do
subcontinente sul-americano quando este esteve ameaçado pelas potências
europeias.
As questões de controle das forças armadas são apresentadas por
determinados segmentos da sociedade como fundamentais para a garantia da
democracia. Baseado no histórico de interferências militares na política e na grande
estratégia nacional, onde buscou-se, por um lado, o controle das forças armadas, por
aqueles que estavam no poder, e, por outro, a cooptação, por aqueles que almejavam
a tomada, legal ou ilegal, do poder, entende-se que as Forças Armadas têm um peso
político ao mesmo tempo que não podem ser politizadas.
O controle civil, muitas vezes, é mal apresentado ou mesmo compreendido.
Segundo Huntington (1998), não há controle civil das Forças Armadas, o que pode
existir é o controle de parte dos civis (classe dirigente) sobre as mesmas. No atual
estágio republicano, o Presidente é o comandante supremo das Forças Armadas, ao
mesmo tempo em que as Forças Armadas são destinadas “à defesa da Pátria, à
garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei da
ordem” (Artigo 142 da CF de 1988). Desta forma, o caso brasileiro, consagrou um
modelo objetivo de controle das mesmas.
Anos de influência das Forças Armadas na política nacional serviram de
aprendizado para moldar a participação militar na Grande Estratégia Nacional. Desta
forma, a execução do Serviço Militar Obrigatório, a profissionalização das Forças,
inicialmente pelos Jovens Turcos e mais tarde pela Missão Francesa, e a participação
na Primeira Guerra Mundial contribuíram sobremaneira para modelar os mecanismos
de violência nacionais, moldando os alicerces para o desenvolvimento de uma
indústria militar de base e criando uma maior identificação entre Forças Armadas e a
nação brasileira à medida que a sociedade amadurecia também.
Na atual PND, o Serviço Militar Obrigatório é ponto chave na identificação da
sociedade com as Forças Armadas, fornecendo efetivos para a defesa nacional e
desenvolvendo a mentalidade de defesa na sociedade. O documento de mais alto
nível da defesa recepciona toda a problemática enfrentada no início da Primeira
República com relação ao serviço militar.
117
Por outro lado, o contínuo emprego dos meios militares em conflitos internos,
muitas das vezes por motivações políticas, têm desprestigiado os militares e desviado
os mesmos de suas atribuições precípuas. A história militar nacional tem mostrado o
quão perigoso foi o desprestígio para com os militares e deveria servir como
laboratório para guiar as ações futuras. O uso das Forças Armadas em missões de
garantia da lei e da ordem tem se intensificado nas últimas décadas e os propósitos
têm sido bem questionáveis no âmbito das mesmas.
Ainda sobre os conflitos internos, vê-se uma forte influência das fissuras na
sociedade brasileira verificada em diversos conflitos internos do passado com reflexos
na PND. Coesão interna e indissolubilidade da unidade federativa continuam alvo da
PND já que as ameaças às mesmas continuam presentes na sociedade.
A questão nuclear, embora pudesse causar um desequilíbrio de poder na
América do Sul, foi tratado com cautela entre Brasil e Argentina, evitando os
transtornos causados durante a política “rumo ao mar” do Barão do Rio Branco na
década de 1900. Uma postura diferenciada em relação a esse recurso estratégico
gerou muitos dividendos aos dois países que conjuntamente desenvolveram
condições de confiança mútua, aprendendo com os erros do passado.
A Amazônia, local de disputas por demarcação de fronteiras e cobiça
internacional, não deixou de ser priorizada na PND. A defesa dos recursos naturais
conta agora com a vivificação das fronteiras e desenvolvimento sustentável, porém o
suporte na presença militar ainda prevalece.
Em todos os conflitos externos do período da Primeira República, a dissuasão
militar, de alguma forma esteve presente. Porém, em todas elas também, houve um
gap entre o necessário e o existente em termos de efetivo, armamento e tecnologia
de ponta para enfrentar as ameaças. Desta forma, foram cruciais as relações cordiais
com o irmão do Norte sobre as quais o Brasil afastou as ameaças europeias. A PND
ainda traz um grande foco no desenvolvimento dos Poderes Nacionais em detrimento
dos níveis regional e internacional que foram pouco incrementados.
A PND é bem clara no uso do poder militar em questões de ameaça externa,
considerando o uso de todos os poderes nacionais em situação de crises político-
estratégicas. Ao mesmo tempo que ressalta o compromisso ao Direito Internacional e
à solução pacífica de controvérsias, herança da gestão Rio Branco no Itamaraty.
118
Pela primeira vez, o País tem uma ferramenta norteadora da defesa (PND) e
que contempla as experiências nacionais vivenciadas no passado. Embora muito dos
problemas enfrentados continuem sem solução, agora eles estão postos a limpo e
codificados em documento do mais alto nível de defesa. Algumas soluções continuam
seguindo o mesmo padrão do passado, notadamente os conflitos internos onde as
Forças Armadas continuam sendo empregadas. É preciso evoluir, aproveitando os
ensinamentos passados para acertar no futuro. Outras soluções já apresentam um
amadurecimento, como no caso dos submarinos, onde as mesmas ameaças estão
presentes, porém com uma solução sustentável, moderna e integrada.
Por fim, pode-se observar as alterações, as similitudes e os eventuais padrões
de continuidade no pensamento nacional, destacando características presentes em
decisões e contribuindo para o entendimento das linhas gerais e estruturantes do
pensamento estratégico nacional.
119
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