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DANO MORAL: POR UMA TEORIA RENOVADA PARA QUANTIFICAÇÃO
DO VALOR INDENIZATÓRIO
(teoria da exemplaridade)
Autor: NEHEMIAS DOMINGOS DE MELO1
Sumário: I – Conceito do dano moral individual. II – Da caracterização do dano moral.
III – Da prova do dano. IV – Dos fundamentos da reparação. V – Por uma teoria
renovada para quantificação da indenização por dano moral (teoria da exemplaridade).
VI – Bibliografia.
I – Conceito do dano moral individual
No conceito de dano moral encontramos definições para todos os gostos. Neste
particular aspecto a doutrina é pródiga, porém, em que pesem pequenas nuances, há
uma concordância quanto a classificar a lesão que possa autorizar a indenização por
danos morais, como aquela que atinge o âmago do indivíduo, causando-lhe dor
(incluindo-se aí a incolumidade física), sofrimento, angústia, vexame ou humilhação e,
por se passar no íntimo das pessoas, torna-se insusceptível de valoração pecuniária
adequada, razão porque o caráter da indenização é o de compensar a vítima pelas
aflições sofridas e, de lhe subtrair o desejo de vingança pessoal.
1 Advogado em São Paulo, palestrante e conferencista. Professor de Direito Civil, Processual Civil e
Direitos Difusos nos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito na Universidade Paulista (UNIP).
Professor convidado nos cursos de Pós-Graduação em Direito na Universidade Metropolitanas Unidas
(FMU), Escola Superior da Advocacia (ESA), Escola Paulista de Direito (EPD), Complexo Jurídico
Damásio de Jesus,Faculdade de Direito de SBCampo, Instituo Jamil Sales (Belém) e de diversos outros
cursos de Pós-Graduação. É Doutor em Direito Civil, Mestre em Direitos Difusos e Coletivos, Pós-
Graduado em Direito Civil, Direito Processual Civil e Direitos do Consumidor. Tem atuação destacada na
Ordem dos Advogados Seccional de São Paulo (OAB/SP) onde, além de palestrante, já ocupou os cargos
membro da Comissão de Defesa do Consumidor; Assessor da Comissão de Seleção e Inscrição; Comissão
da Criança e do Adolescente; e, Examinador da Comissão de Exame da Ordem. É membro do Conselho
Editorial da Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil (Ed.IOB – São Paulo) e também foi do
Conselho Editorial da extinta Revista Magister de Direito Empresarial, Concorrencial e do Consumidor
(ed. Magister – Porto Alegre). Autor de 18 livros jurídicos publicados pelas Editoras Saraiva, Atlas,
Juarez de Oliveira e Rumo Legal e, dentre os quais, cabe destacar que o seu livro “Dano moral –
problemática: do cabimento à fixação do quantum”, foi adotada pela The University of Texas School of
Law (Austin,Texas/USA) e encontra-se disponível na Tarlton Law Library, como referência bibliográfica
indicada para o estudo do “dano moral” no Brasil.
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Nos ensinamentos do laureado mestre Wilson Melo da Silva os danos morais
são definidos como sendo as "lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de
direito em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição
ao patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor
econômico”. Para melhor explicitar o seu pensar o insigne mestre complementa: “Danos
morais, pois, seriam exemplificadamente, os decorrentes das ofensas à honra, ao decoro,
à paz interior de cada qual, às crenças intimas, à liberdade, à vida, à integridade
corporal”.2
O magistrado Arnaldo Marmitt conceitua o dano moral como sendo “o efeito
da ofensa a um bem jurídico imaterial, integrante da personalidade ou do patrimônio
moral de alguém”.3 Daí porque se pode afirmar que resulta em lesão que tanto pode ser
do patrimônio moral ou à honra da pessoa natural quanto a reputação e a fama quando
se tratar de pessoa jurídica.
Por seu turno, a renomada professora Maria Helena Diniz, escudando-se
também em Wilson Melo da Silva, preleciona: “O dano moral vem a ser a lesão de
interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica, provocada pelo fato lesivo”.
Para ao depois arrematar que o dano moral pode consistir na lesão a um interesse
jurídico extrapatrimonial relacionado aos “direitos da personalidade (como a vida, a
integridade corporal, a liberdade, a honra, o decoro, a intimidade, os sentimentos
afetivos, a própria imagem) ou aos atributos da pessoa (como o nome, a capacidade, o
estado de família)”, além daqueles que decorrem do valor afetivo atribuído a qualquer
bem material, caso em que a sua perda pode vir a representar um menoscabo.4
Dano moral, à luz da Constituição Federal vigente, nada mais é do que a
violação do direito à dignidade, é o que afirma de forma peremptória o magistrado e
professor Sérgio Cavalieri Filho. Ao depois, definindo melhor o alcance do preceituado
esclarece que “hoje o dano moral não mais se restringe à dor, tristeza e sofrimento,
estendendo a sua tutela a todos os bens personalíssimos – os complexos de ordem ética -
razão pela qual revela-se mais apropriado chamá-lo de dano imaterial ou não
patrimonial, como ocorre no direito português”. Para ao depois concluir que “em razão
dessa natureza imaterial, o dano moral é insusceptível de avaliação pecuniária, podendo
2Silva, Wilson Melo da. O dano moral e sua reparação, p. 2. 3Marmitt , Arnaldo. Dano moral, p. 7. 4Diniz, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 7, p. 81-83, v. 7.
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apenas ser compensado com a obrigação pecuniária imposta ao causador do dano, sendo
esta mais uma satisfação do que uma indenização”.5
Com o advento do novo Código Civil e, cotejando os avanços doutrinários e
jurisprudenciais, ousamos afirmar que o dano moral é toda agressão injusta àqueles bens
imateriais, tanto de pessoa física quanto de pessoa jurídica ou mesmo da coletividade,
insusceptível de quantificação pecuniária, porém indenizável com tríplice finalidade:
satisfativo para a vítima, dissuasório para o ofensor e de exemplaridade para a
sociedade.
II – Da caracterização do dano moral
É preciso destacar que não é qualquer dissabor ou qualquer contrariedade que
caracterizará o dano moral. Na vida moderna há o pressuposto da necessidade de
coexistência do ser humano com os dissabores que fazem parte do dia-a-dia. Desta
forma, alguns contratempos e transtornos são inerentes ao atual estágio de
desenvolvimento de nossa sociedade.
Neste sentido, como alerta o mestre Antônio Chaves, há que se ter prudência
de tal sorte que não se venha reconhecer a existência de dano moral em “todo e qualquer
melindre, toda suscetibilidade exacerbada, toda exaltação do amor-próprio
pretensamente ferido, a mais suave sombra, o mais ligeiro roçar das asas de uma
borboleta, mimos, escrúpulos, delicadezas excessivas, ilusões insignificantes desfeitas,
possibilitando sejam extraídas da caixa de Pandora do direito centenas de milhares de
cruzeiros”.6
O memorável Aguiar Dias, em sua obra de antes da metade do século passado,
com lastros da doutrina dos irmãos Henri e Leon Mazeaud, já advertia que “à medida
que a civilização se desenvolve, tornam-se mais e mais complexas as relações sociais,
com interpenetração cada vez mais profunda dos círculos de atividade jurídica de cada
um. É inevitável, em tais condições, o atrito de interesses, cada vez mais intenso,
desdobrando-se em problemas de responsabilidade civil”.7
Muitos doutrinadores consideram árdua a tarefa de separar o joio do trigo, isto
é, delimitar frente ao caso concreto, o que vem a ser dissabores normais da vida em
5Cavalieri Filho, Sérgio. Programa de responsabilidade civil, p. 85-86. 6Chaves, Antonio. Tratado de Direito Civil, vol. III, p.637. 7Dias, Aguiar. Da responsabilidade Civil, p. 18.
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sociedade ou danos morais. Esta questão é das mais tormentosas, exatamente por não
existirem critérios objetivos definidos em lei, de tal sorte que o julgador acaba por
buscar supedâneo na doutrina e na jurisprudência para aferir a configuração ou não do
dano moral. De toda sorte, o que precisa haver na avaliação do dano moral é prudência e
bom senso de tal sorte que se possa, considerando o homem médio da sociedade, ver
configurado ou não a lesão a um daqueles bens inerentes à dignidade humana de que a
Constituição nos fala.
Neste aspecto, cumpre ao juiz um papel de relevo, seja porque é ele que, a
partir das chamadas máximas de experiências, irá analisar o caso concreto e adequá-lo à
proteção legal, seja porque dependerá de seu livre arbítrio, segundo a melhor doutrina, a
fixação do quantum indenizatório. Contudo, esta discricionariedade do juiz, deverá ser
pautada pelo bom senso, seguido de alguns critérios, porquanto haverá de, frente ao
ilícito perpetrado, sopesar o grau de culpa do ofensor, as condições sociais e
econômicas das partes envolvidas, a repercussão do fato lesivo no seio social, de tal
sorte que a indenização não seja tão grande que leve o ofensor à ruína, nem seja tão
pequena que avilte a vítima.
III – Da prova do dano
Outra questão tormentosa refere-se a necessidade ou não de prova do dano
moral. Autores renomados têm afirmado que o dano moral, por tratar-se de lesão ao
íntimo das pessoas, dispensa a necessidade de prova, conformando-se a ordem jurídica
com a demonstração do ilícito porquanto o dano moral estaria configurando desde que
demonstrado o fato ofensivo, existindo in re ipsa.8
Nesse mesmo sentido tem se orientado a jurisprudência do E. Superior
Tribunal de Justiça, conforme se pode notar no voto do saudoso Ministro Carlos Alberto
Menezes Direito, de cujo trecho se transcreve: “Já assentou a Corte que não há falar em
prova do dano moral, mas, sim, na prova do fato que gerou a dor, o sofrimento,
sentimentos íntimos que o ensejam. Provado assim o fato, impõe-se a condenação, sob
pena de violação ao art. 334 do Código de Processo Civil”.9 Ou como vaticinou o então
Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, em julgamento do qual foi relator, cujo trecho
da emenda assim se redigiu: “A prova do dano moral se satisfaz, na espécie, com a 8Veja-se a esse respeito além da nossa obra já citada, Sérgio Cavalieri Filho, Antônio Jeová Santos, Sílvio de
Salvo Venosa, Wilson Melo da Silva, Carlos Alberto Bittar, dentre outros. 9STJ – RESP . 318099 – SP – 3ª T. – Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito – DJU 08.04.2002.
5
demonstração do fato que o ensejou e pela experiência comum”.10 Mesmo entendimento
manifesta o Ministro Cesar Asfor Rocha que, em termos da questão em análise, já teve
oportunidade de se manifestar e, assim o fez: “Na concepção moderna da reparação do
dano moral prevalece a orientação de que a responsabilização do agente se opera por
força do simples fato da violação, de modo a tornar-se desnecessária a prova do prejuízo
em concreto”.11
E existe uma natural lógica para assim proceder, porquanto, se o dano moral
existe a partir da lesão a um daqueles direitos íntimos da pessoa humana, tal qual a
honra, a intimidade, a vida privada e a imagem, somente para citar alguns, não há
nenhuma lógica exigir-se a prova da repercussão no íntimo do ofendido dos efeitos de
tais violações. O ordenamento jurídico há que se conformar com a presunção de que, em
razão de máximas de experiências, qualquer indivíduo de mediana sensibilidade, se
sentiria ofendido e agredido em seus valores anímicos, diante de determinados
procedimentos ilícitos.
De outro lado, dentre os vários elementos que norteiam a caracterização do
dano moral, há que se destacar a dor (tanto física quanto moral), como um dos
elementos essenciais para a determinação da existência do dano moral, que também se
pode presumir. Sabemos que não se pode medir a extensão da dor de quem tenha sido
lesionado, porém, é evidente a dor dos pais pela morte violenta do filho; assim como se
pode presumir o sofrimento ou complexo de quem sofreu um dano estético; ou ainda,
daquele que foi humilhado por publicação injuriosa, dentre tantos outros exemplos que
se poderia ofertar. Em casos, não há dúvidas, os atingidos sentirão grande aflição, ainda
que se possa considerar as variáveis de pessoa para pessoa.
Contudo, é importante salientar que não é somente a dor o elemento que
caracteriza o dano moral e o correspondente dever de indenizar. Situações há que a
caracterização independe da existência ou não da dor, tais como nos casos que
envolvem exposição indevida na mídia, agressão à honra, violação da intimidade e da
privacidade, dentre outras.
Ocorrendo agressões a esses bens personalíssimos do indivíduo, nascerá para o
ofensor a obrigação de indenizar por dano moral, porquanto tais atos não podem ficar
impunes.
10STJ – RESP 304738 – SP – 4ª T. – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira – DJU 13.08.2001 – p. 0167. 11STJ – RESP – 173124 – RS – 4ª T. – Rel. Min. Cesar Asfor Rocha – DJU 19.11.2001 – p. 00277
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IV – Dos fundamentos da reparação
Como ensina o mestre Caio Mário da Silva Pereira, “o fundamento da
reparabilidade pelo dano moral está em que, a par do patrimônio em sentido técnico, o
indivíduo é titular de direitos integrantes de sua personalidade, não podendo conformar-
se a ordem jurídica em que sejam impunemente atingidos”.12
Ademais, não se pode descurar do caráter penal que a condenação por dano
moral deve conter. Além do caráter compensatório é certo que “quem exige uma
reparação do dano moral sofrido não visa tanto a recomposição do seu equilíbrio de
afeição ou sentimento, impossível de conseguir, como infligir, por um sentimento de
represália inato, ao seu ofensor, uma punição, por precária que seja, que, na maior das
vezes não encontra outro parâmetro senão em termos pecuniários”.13
Nesta linha de raciocínio, o professor e magistrado José Luiz Gavião de
Almeida afirma de maneira categórica que “a reparação dos danos morais não busca
reconduzir as partes à situação anterior ao dano, meta impossível. A sentença visa a
deixar claro que a honra, o bom nome e a reputação da vítima restaram lesionados pela
atitude inconseqüente do causador do dano. Busca resgatar o bom conceito de que se
valia o ofendido no seio da sociedade. O que interessa, de fato, é que a sentença venha
declarar a idoneidade do lesado; proporcionar um reconforto à vítima, e, ainda, punir
aquele que agiu, negligentemente, expondo o lesado a toda sorte de dissabores”.14
Ainda nesse sentido defende Martinho Garcez Neto que a função penal, da
condenação por dano moral, pode e deve ser encarada como algo altamente
moralizador, na medida em que, atingindo o patrimônio do agressor com a sua
consequente diminuição, estaria, frente à luz moral e da equidade, cumprindo a mais
elementar noção de justiça: estar-se-ia punindo o ofensor para que o bem moral seja
respeitado e, mais importante, fazendo calar o sentimento de vingança do ofendido,
sentimento este inato em qualquer pessoa, por mais moderno e civilizado que possa
ser.15
Ademais, é preciso recordar que a dignidade da pessoa humana foi elevada a
um dos fundamentos básicos do Estado brasileiro. Veja-se que na Constituição Federal
12Cavalieri Filho, Sérgio. Responsabilidade Civil, p. 54 13Chaves, Antônio. Tratado de Direito Civil, v. 3, p. 634. 141° TaCivil – Ap. n°. 825.862-2, - Rel. José Luiz Gavião de Almeida - j. 09.10.2001 - LEX-JTACSP, v. 193, p.
193. 15Garcez Neto, Martinho. Prática de responsabilidade civil, p. 51.
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de 1988 o legislador constituinte fez insculpir, já no artigo primeiro, dentre os
fundamentos sobre os quais se assenta o Estado Democrático de Direito, a dignidade
humana (art. 1°, III).
Desta forma, conforme preleciona Sérgio Cavalieri Filho “temos hoje o que
pode ser chamado de direito subjetivo constitucional à dignidade”,16 com reflexos
inevitáveis na conceituação de dano moral, na exata medida em que, os valores que
compõem à dignidade humana são exatamente aqueles que dizem respeito aos valores
íntimos da pessoa, tais como o direito à intimidade, à privacidade, à honra, ao bom
nome e outros inerentes à dignidade humana que, em sendo violados, hão de ser
reparados pela via da indenização por danos morais (CF, art. 5°, V e X).
De nossa parte, temos certeza em afirmar que se fosse dada oportunidade de
escolha aos lesados, seguramente eles desejariam que não tivesse ocorrido a lesão.
Contudo, como independentemente da vontade das pessoas agressões ocorrem, temos
que o sentimento de justiça presente em cada cidadão faz surgir a necessidade de “uma
vez verificada a existência do dano, e sendo alguém responsável pela lesão de direito
ocorrida, há que se buscar uma solução para o evento danoso” de tal forma a que se
procure “compor a ordem que foi quebrada, o direito que foi ofendido”.17
De maneira objetiva e com a clareza que lhe é peculiar, Antonio Jeová Santos
preleciona que “seria escandaloso que alguém causasse mal a outrem e não sofresse
nenhum tipo de sanção; não pagasse pelo dano inferido”.18 Em outras palavras, o
princípio que fundamenta o dever de indenizar se encontra centrado no fato de que a
todo o dano injusto deve corresponder um dever de reparação.
De tal sorte que se pode concluir, utilizando as sábias palavras de Artur Oscar
de Oliveira Deda: “Quando a vítima reclama a reparação pecuniária de dano moral, não
pede um preço para sua dor, mas, apenas, que se lhe outorgue um meio de atenuar, em
parte, as consequências da lesão jurídica. Na reparação dos danos morais, o dinheiro não
desempenha a função de equivalência, como, em regra, nos danos materiais, porém,
concomitantemente, a função satisfatória e a de pena”.19
Por fim, trazemos à colação os ensinamentos contemporâneos do professor e
brilhante magistrado paulista Ênio Santarelli Zuliani, que com maestria, nos brinda com
uma pérola que deveria, tal qual um farol, iluminar e indicar a direção a toda a
16Op.cit., p. 85. 17Casillo, João.Dano à pessoa e sua indenização, p. 77 18Santos, Antonio Jeová. Dano moral indenizável, p.62. 19Citado por Antonio Chaves in Tratado de direito civil, v. III, p. 637.
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magistratura, no que diz respeito à reparação por dano moral. Veja-se: “A honra,
embora conceito abstrato, incorporou-se na anatomia do ser que é sujeito de direito de
personalidade e ganhou função orgânica por constituir o fluído da felicidade ou
alimento da dignidade humana (art. 1º, III, da CF) e os Magistrados devem reparar uma
ofensa à honra com a mesma eficiência e rapidez com que os médicos estancam uma
hemorragia sanguínea. A alma perece com a honra afrontada e sepulta o encanto da
vida. Sociedade povoada com homens infelizes, doentes de espírito, não evolui; retroage
à barbárie”.20
V – Por uma teoria renovada para quantificação da indenização por dano moral
(teoria da exemplaridade).
Em face de tudo quanto argumentado é que defendemos uma nova teoria para a
apuração do quantum indenizatório nas ações de reparação por danos morais, com
caráter predominantemente punitivo.
Por essa nova teoria, a definição da verba indenizatória, a título de danos
morais, deveria ser fixada tendo em vista três parâmetros: o caráter compensatório para
a vítima; o caráter punitivo e dissuasório para o causador do dano e, o caráter exemplar
e pedagógico para a sociedade.
Para a vítima, este caráter compensatório nada mais seria do que lhe ofertar
uma quantia capaz de lhe proporcionar alegrias que, trazendo satisfações pudesse
compensar a injusta agressão sofrida, além do sentimento de que a justiça foi realizada.
No tocante ao agressor, o caráter punitivo teria uma função de desestímulo que
agisse no sentido de demonstrar ao ofensor que aquela conduta é reprovada pelo
ordenamento jurídico, de tal sorte a que não voltasse a reincidir no ilícito.
Quanto ao caráter exemplar, a condenação deveria servir como medida
educativa para o conjunto da sociedade que, cientificada de que determinados
comportamentos são eficazmente reprimidos pelo Judiciário, tenderia a ter maior
respeito aos direitos personalíssimo do individuo.
Em face deste trinômio e tendo em vista o caráter da efetividade da condenação
por danos morais, defendemos que, na fixação do quantum, o juiz além de ponderar os
20Zuliani, Ênio Santarelli. Dano moral era da jurisprudência in Revista Síntese n° 13/20.
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aspectos contidos no binômio punitivo-compensatório, poderia adicionar outro
componente, qual seja, um plus que servisse como advertência de que a sociedade não
aceita aquele comportamento lesivo e o reprime, de tal sorte a melhor mensurar os
valores a serem impostos como condenação aos infratores por danos morais.
Neste particular aspecto, para evitar-se o chamado enriquecimento sem causa,
esse plus advindo da condenação não seria destinado à vítima, mas sim, para entidades
que defendam o interesse público ou coletivo gratuitamente (entidades de
benemerência, assistenciais, filantrópicas ou de pesquisas) tais como as Santas Casas e
outros hospitais congêneres; lares e casas de apoio às crianças ou aos idosos; entidades
religiosas com trabalho social relevante; entidades de pesquisa ou investigação
científica, preferencialmente localizada na comarca onde o dano foi perpetrado.
Na hipótese de inexistência de entidades que se qualifiquem e preencham os
requisitos para o recebimento acima preconizado, o juiz destinará esses valores para o
fundo estadual de interesses difusos.
O aspecto inovador na propositura acima esposada, é que, partindo da premissa
de que quanto maior for a pena, menor será o índice de reincidência, associado ao fato
de que se a sociedade tomar ciência de que determinadas condutas são reprimidas com
vigor pelo Poder Judiciário, acredita-se que os direitos humanos e a dignidade das
pessoas sofreriam menos agressões, na exata medida em que o peso da condenação seria
sentida no bolso do infrator como fator de desestímulo.
De outro lado, ao adotar-se que a destinação desse plus condenatório deve ser
destinado à entidades de benemerência ou ao fundo estadual de interesses difusos, estar-
se-ia atingido dois objetivos relevantes: recompensando-se o corpo social, já que último
destinatário dos comandos jurisdicionais e, de outro lado, evitando o chamado
“enriquecimento sem causa” da vítima, argumento atualmente muito utilizado como
fator limitativo do montante indenizatório.
Dessa forma, o juiz ao fixar o quantum indenizatório, deveria levar em
consideração, frente ao caso concreto, os seguintes aspectos:
a) A angústia e o sofrimento da vítima: de tal sorte a lhe propiciar uma indenização
possível de lhe compensar os sofrimentos advindos da injusta agressão.
b) A potencialidade do ofensor: para que não lhe impinja uma condenação tão
elevada que signifique sua ruína, gerando por via de conseqüência a
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impossibilidade de cumprimento da medida, e nem tão pequena que avilte a dor
da vítima.
c) E, finalmente, a necessidade de demonstrar à sociedade que aquele
comportamento lesivo é condenável e que o Estado juiz não admite e nem
permite que sejam reiterados tais ilícitos sem que o ofensor sofra a devida
reprimenda.
Diferentemente do direito americano, onde vige o exemplary damages, pelo qual
a vítima é quem se beneficia do plus condenatório outorgado a título de condenação
penal, propomos que esses valores sejam destinados a entidades de benemerência,
voltadas para obras de assistência social ou de pesquisa científica, de sorte que esses
valores, retornem para sociedade, ainda que de forma indireta.
Assim, podemos concluir: o mundo moderno, onde a desmedida corrida em
busca do lucro, sem que se respeitem a ética e a moral nas relações negociais,
transformou os seres humanos em frios e abstratos números. O melhor método de
garantir o respeito à dignidade e aos direitos fundamentais da pessoa humana, somente
atingirá seus desígnios, se for adotada uma postura sólida de reprimenda aos abusos
amiúde cometidos.
O peso da indenização no “bolso” do infrator é, a nosso sentir, a resposta mais
adequada que o ordenamento jurídico pátrio pode oferecer para garantir não sejam
ofendidos diuturnamente os bens atinentes aos direitos da personalidade.
Em resumo:
1. A condenação por danos morais deve ter o caráter de atender aos reclamos e
anseios de justiça, não só do cidadão, mas da sociedade como um todo.
2. Na questão de danos morais, a sentença deve atender ao binômio efetividade e
segurança, de tal sorte que as decisões do Judiciário possam proporcionar o
maior grau possível de reparação do dano sofrido pela parte, independentemente
do ramo jurídico em que se enquadre o direito postulado.
3. Conquanto o brio, o amor próprio, a honradez e a dignidade não tenham preço
para o homem de bem, a condenação do ofensor em valores significativos,
poderá representar para o ofendido o sentimento de justiça realizada.
4. Ademais, a indenização por dano moral deverá ter como objetivo, além do
caráter pedagógico, a finalidade de combater a impunidade, já que servirá para
11
demonstrar ao infrator e a sociedade que aquele que desrespeitou às regras
básicas da convivência humana, poderá sofrer uma punição exemplar.
5. Desta forma, a teoria que melhor se coaduna com os anseios da sociedade
moderna, no tocante à reparação por danos morais, é aquela que tem um caráter
tríplice, qual seja: punitivo, compensatório e exemplar.
6. A aceitação da tese de criação de uma pena pecuniária adicional, que pode ser
chamada de multa civil, com o fito de servir como desestímulo à prática de
novos ilícitos, cuja verba deva ser revertida para entidades de benemerência ou
ao fundo estadual de interesses difusos, é a melhor solução para evitar que a
vítima venha a ser beneficiária do chamado “enriquecimento sem causa”.
7. Aos grandes conglomerados econômicos cabe exigir atitudes de vigilância
quanto à qualidade dos serviços prestados ou de produtos ofertados,
especialmente no tocante à prevenção dos chamados erros operacionais,
cometidos amiúde por seus funcionários e prepostos, de tal sorte a reduzir a
incidência de afrontas aos direitos e a dignidade dos usuários de tais produtos e
serviços.
8. A utilização desmedida do instituto do dano moral poderá criar o descrédito e vir
a banalizar tão importante instrumento, por isso que se recomenda ao Judiciário
a adoção de critérios sólidos na aferição e na quantificação da indenização por
ilícitos desta ordem e, aos operadores do direito, que utilizem de cautela e
prudência na propositura de demandas a esse título.
9. O fato de existirem desvios, não pode ter o condão de invalidar tão importante
preceito legal. É preciso que se aperfeiçoem os instrumentos postos à disposição
daqueles que manejam o direito, de tal sorte que os excessos possam ser
coibidos.
Desta forma, sugere-se ao Congresso Nacional, a alteração do art. 944 do
Código Civil, para contemplar a possibilidade de uma indenização adicional nas ações
decorrentes de dano moral, além da justa indenização à vítima, cuja redação, em que
pese a eventual imperfeição legislativa da propositura, poderia ter o seguinte teor:
Proposta de alteração do Código Civil – Lei n° 10.406/02:
Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.
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§ 1° - (o atual parágrafo único, renumerado).
§ 2° - Nas ações de reparação por dano moral, poderá o juiz de
ofício, sopesando o grau de culpa ou dolo do infrator e seu
potencial econômico, fixar, além da justa indenização para a vítima,
uma multa civil cujo valor será destinado à entidades de
benemerência ou ao Fundo Estadual de Interesses Difusos.
Quer dizer, a função pedagógica da indenização por dano moral deve ser
preponderante sobre a reparadora, razão pela qual o valor da indenização deverá ser
arbitrado com rigor, de modo a que o ofensor, e todos que tomarem conhecimento da
condenação, se abstenham de praticar conduta semelhante no futuro.21
Assim, o caráter punitivo da indenização por dano moral deve prevalecer em
relação ao caráter compensatório. Se dúvida restar, tomemos como exemplo dois
acidentes de trânsito com vítima: um causado por simples imprudência, no qual o agente
socorre a vítima; outro causado dolosamente ou de maneira gravemente reprovável e na
qual o agente nada faz em favor da vítima. Condenar os dois motoristas a pagar
indenização em valores iguais atentaria contra o princípio constitucional da igualdade e
o senso comum de justiça. Quer dizer, não se pode defender indenizações idênticas para
danos iguais, porque eles podem ter sido causados por condutas completamente distintas
em termos de reprovação.22
Sob pena de redundância, vejamos outro exemplo. Duas pessoas têm seus nomes
incluídos indevidamente no Serasa. Ambas reclamam extrajudicialmente com as
empresas que apontaram seus nomes: uma das empresas atende prontamente e corrige a
falha operacional, excluindo o nome de seu cliente daquele banco de dados; a outra,
queda-se silente e nada faz, de sorte que o consumidor só consegue a retirada de seu
nome daquele cadastro negativo de crédito através de decisão judicial. Em situação
como esta, não se pode condenar ambas as empresas em valores iguais, sob pena de
premiar a incúria daquela que, mesmo instada, nada fez.
Por isso entendemos que as condenações, em face de determinadas condutas,
devem ser exemplares, quer dizer, em valores significativos, de sorte a fazer com que os
21(TJMG – APCV n° 1969682-21.2005.8.13.0702, Uberlândia – 18ª. Câmara Cível – Rel. Des.
ElpidioDonizetti – j. 13/09/2010 – DJEMG 30/09/2010). 22 González, Matilde Zavala de. Daño moral por muerte, p. 170-171.
13
grandes conglomerados econômicos, especialmente as instituições financeiras, os planos
de saúde e as empresas de telefonia (fixa ou móvel), apenas para citar alguns
exemplos,repensem seus conceitos de atendimento aos clientes.
Quer dizer, as sentenças poderão ser transformadas em armas de uma política de
conscientização dos fornecedores de produtos e serviços. Isto porque, se os profissionais
prestadores de serviços e as empresas de um modo geral, tomarem conhecimento de que
as condenações não são mais simbólicas, ou seja, que elas estão rompendo os redutos
onde antes reinava a impunidade, é de se esperar que eles criem métodos eficazes de
eliminação das reclamações, pois saberão de antemão que assim não procedendo,
poderão sofrer severas condenações.23
Assim podemos concluir: o instituto do dano moral, expressamente previsto na
Constituição Federal (art. 5°, V e X), deve ser visto como instrumento eficaz no sentido
de assegurar o direito à dignidade humana (CF, art. 1°, III), e precisa ser aperfeiçoado,
de tal sorte que podemos afirmar que a sua efetividade somente ocorrerá, de forma
ampla e cabal, quando se puder dotar o juiz da liberdade plena na aplicação “da teoria
da exemplaridade”, pela qual se possa apenar o ofensor com a tríplice finalidade:
punitivo,compensatório e exemplar.
VI – Bibliografia
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