Download - DEYON, Pierre.O Mercantilismo
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Contracapa: Existe sobre o mercantilismo uma certa confuso entre a histria
dos fatos e a das teorias econmicas. O volume de Pierre Deyon,
da coleo Khronos, pretende resumir, mas tambm clarificar os
debates. Antes de falar do mercantilismo esfor-se por identific-
lo, descrevendo-o a partir dos antecedentes medievais s origens
do liberalismo. Obra especializada quanto ao cuidado no
levantamento de dados, possui carter ensastico de interesse
amplo em que se acham implicadas perguntas sobre as
possibilidades e limitaes do estudo histrico.
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O Mercantilismo
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Coleo Khronos
Dirigida por J. Guinsburg
Equipe de realizao - Traduo: Teresa Cristina Silveira da Mota;
Reviso: Paulo de Salles Oliveira; Produo: Ricardo W. Neves e
Heda Maria Lopes.
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Pierre Deyon O Mercantilismo
EDITORA PERSPECTIVA
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Ttulo do Original:
Le Mercantilisme
Flammarion, 1969
4 edio
Direitos reservados em lngua portuguesa
EDITORA PERSPECTIVA S.A.
Av. Brigadeiro Lus Antnio, 3025
01401-000 - So Paulo - SP - Brasil
Telefax: (0-11) 3885-8388
www.editoraperspectiva.com.br
2001
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SUMRIO CRONOLOGIA
INTRODUO procura de um mito
PRIMEIRA PARTE: OS FATOS
1. Polticas e prticas do mercantilismo
2. As teorias mercantilistas
SEGUNDA PARTE: ESTADO DA QUESTO E ELEMENTOS
DO PROCESSO
1. Problemas e interpretaes
DOCUMENTOS E TESTEMUNHOS
BIBLIOGRAFIA
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CRONOLOGIA
Alguns fatos essenciais ou significativos
1492 Cristvo Colombo descobre as Antilhas. 1502 Cristvo Colombo desembarca em Honduras. 1503 Organizao do comrcio hispano-americano (Casa de
Contratacin em Sevilha).
1505 Os portugueses em Moambique. 1511 Os portugueses em Mlaca e nas Molucas. 1519 Corts no Mxico. Partida de Magalhes. N. Coprnico:
Discurso sobre a cunhagem das moedas.
1529 Pizarro no Peru. 1533 Tomada de Cuzco. 1536 Almagro no Chile. 1545 Abertura das minas do Potos. 1549 Redao do Compendious or brief examinations of certain
ordinary complaints...
1554 Inveno do amlgama para extrair a prata do minrio. 1557 Bancarrotas e crise financeira internacional. 1558 Ortiz dirige ao rei da Espanha sua dissertao: Para que as
moedas no saiam do reino.
1568 Response de Jean Bodin ao Paradoxe de M. de Malestroit sur le fait des monnaies.
1572 Revolta dos mendigos nos Pases Baixos. Drake ataca a Carrera das ndias.
1581 Edito real na Frana para generalizar o sistema das jurandas.
1587 Drake bloqueia Cdiz.
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1588 Davanzati: Lezione delle Monete. Botero: Cause della grandezza e magnificenza della citt. Derrota e disperso
da armada espanhola na Mancha e no Mar do Norte.
1600 Criao da Companhia inglesa das ndias Orientais. Olivier de Serres: Thtre d'agriculture.
1600 a 1610 Redao e edio dos principais tratados e memoriais de B. de Laffemas.
1602 Companhia neerlandesa das ndias Orientais. 1609 Criao do Banco de Amsterd, e trgua de 12 anos entre
a Espanha e as Provncias Unidas.
1613 Serra: Breve trattato delle cause que fan abondare i regni d'oro e d'argento.
1615 A. de Montchrtien: Trait de l'Economie politique. 1618 Incio da Guerra dos Trinta Anos. 1619 Fundao da Batvia. 1620 Os peregrinos do Mayflower na Amrica. 1621 Companhia neerlandesa das ndias Ocidentais e reinicio
da guerra hispano-holandesa. Th. Mun: A discourse of
trade to the East Indies.
1622 Misselden: Free trade. 1624 Os holandeses expulsam os ingleses de Amboine. 1629 Edito de Lus XIII permitindo aos nobres o comrcio do
mar e o armamento martimo sem risco de perda da
nobreza.
1634 La Gomberdire: Nouveau rglement gnral sur toutes sortes de marchandises.
1635 Fundao de uma Companhia francesa das ilhas da Amrica.
1637 Criao do Colgio das Minas na Sucia. 1638 Fechamento do Japo aos estrangeiros.
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1640 Incio da Revoluo da Inglaterra. 1644 Tarifa protetora francesa concernente aos txteis. 1646 Eon (em religio o padre Mathias de Saint Jean): Le
Commerce honorable.
1648 A Fronda. Os tratados de Westfalia. 1651 Primeiro Ato de Navegao na Inglaterra. Criao do
Colgio do Comrcio na Sucia.
1652 a 1654 Primeira guerra anglo-holandesa. Os neerlandeses arrebatam o Cabo aos portugueses. Derrocada do Imprio
holands no Brasil.
1653 Fim da Fronda. 1654 Os ingleses na Jamaica. 1659 Tratado dos Pireneus. Taxa francesa de 50 soldos por
tonelada sobre os navios estrangeiros.
1660 Segundo Ato de Navegao ingls. Tratado de Oliva e de Copenhague.
1661 Criao do Board of trade and plantations. O Banco de Palmstruch emite na Sucia e pela primeira vez na Europa
um papel-moeda.
1662 Reforma monetria inglesa. Pierre de La Court: Van Interest van Holland.
1664 Nova tarifa francesa. Criao das Companhias francesas das ndias Ocidentais e Orientais. Os ingleses tomam a
Nova Amsterd. Th. Mun: England's treasure by foreign
trade.
1665 a 1667 Segunda guerra anglo-holandesa. 1665 Os franceses em So Domingos. 1667 a 1668 Guerra de Devoluo. 1667 Nova tarifa francesa. 1668 J. Child: Brief observations concerning trade and interest
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of money. J. Becher: Discours des causes des progrs ou
de l dcadence des empires, des villes, des rpubliques.
1669 Regulamento de Colbert concernente tecelagem. 1670 Companhia francesa do Levante. 1672 a 1674 Terceira guerra anglo-holandesa; 1672 a 1678
guerra da Holanda.
1673 Edito para o comrcio dos negociantes por atacado e por varejo. Edito renovando as decises de 1581 e 1587 sobre
a generalizao das jurandas.
1675 J. Savary: Le parfait ngociant. 1681 Abertura do canal do Midi. 1682 Pedro, o Grande, proclamado czar. Cavelier de La Salle
desce o Mississipi.
1685 Revogao do Edito de Nantes. 1688 Segunda revoluo da Inglaterra. Incio da guerra da
Liga de Augsburgo.
1690 J. Child: A Discourse about trade. W. Petty: A aritmtica poltica.
1691 D. North: Discourse upon trade. 1694 Criao do Banco da Inglaterra. 1695 Boisguilbert: Le Dtail de Ia France. 1695 a 1704 Publicaes de vrios ensaios de C. Davenant. 1699 Tratado comercial franco-holands. 1700 Lus XIV aceita o testamento de Carlos II. 1702 a 1714 Guerra de Sucesso da Espanha. 1703 Tratado comercial anglo-portugus de Methuen. 1707 Vauban: La Dme royale. Boisguilbert: Le Factum de Ia
France.
1710 Companhia inglesa do mar do Sul. 1712 Boisguilbert: Trait des grains et Dissertation sur Ia
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nature des richesses.
1713 Tratados de Utrecht. A Espanha concede Inglaterra o navio de permisso e o privilgio do asiento concernente
importao de escravos negros nas colnias espanholas.
1716 Criao do Banco de Law. So Petersburgo, capital de Pedro, o Grande.
1717 Criao da Companhia francesa do Ocidente. 1720 Falncia e fuga de Law. 1722 Fundao da Companhia de Ostende nos Pases Baixos. 1724 A Bolsa de Paris. 1725 Possochkov: Le Livre sur Ia pauvret et Ia richesse. 1729 Colnias inglesas das Carolinas. 1732 Fundao da Gergia. 1736 Criao do Banco de Copenhague. 1742 Dupleix governador-geral da ndia francesa. 1744 Incio da guerra franco-inglesa. 1748 Tratado de Aix-la-Chapelle. 1752 D. Hume: Discours politiques. 1754 Chamada de Dupleix e tratado de Godeheu, recuo francs
na ndia.
1755 Nova guerra franco-inglesa. R. Cantillon: Essai sur Ia nature du commerce en gnral.
1758 Quesnay: Tableau conomique. Vron de Forbonnais: Recherches et considrations sur les finances de Ia France.
1763 Tratado de Paris. Liberdade de exportao dos cereais franceses.
1765 Frederico II cria o Banco de Berlim. 1774 a 1776 Tentativas reformadoras de Turgot. 1776 Declarao de independncia dos Estados Unidos da
Amrica do Norte. A. Smith: A Riqueza das Naes.
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INTRODUO
procura de um mito
O mercantilismo foi definido e batizado por seus adversrios.
Como se espantar de que eles no o tenham definido
corretamente? Para melhor desacredit-lo, simularam reter
apenas seu aspecto comercial, e conseguiram atribuir ao adjetivo
mercantil um matiz pejorativo e odioso. Denunciando no
mercantilismo o triunfo dos interesses egostas dos mercadores,
ignoraram que era tambm um sistema manufatureiro, agrcola, e
toda uma concepo do poder estatal. Sua escolha parece tanto
mais discutvel, quanto os mercadores quase sempre
desconfiaram da interveno do Estado no negcio, e muitos
mercantilistas denunciaram seu egosmo ou sua limitao de
esprito. A. Smith e o Marqus de Mirabeau, na verdade, somente
falavam de sistema mercantil. Os historiadores economistas
alemes da segunda metade do sculo XIX acreditaram dar a este
sistema uma maior dignidade filosfica substantivando e
idealizando o adjetivo. Celebraram o Merkantilismus, prestando-
lhe assim um pssimo servio. Das grandes palavras em ismo,
espera-se com efeito uma certa coerncia, um certo nvel de
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abstrao filosfica; ora, o mercantilismo no constitui, nem
jamais constituiu, uma doutrina social organizada com sua Bblia,
sua Igreja e seus profetas. Do sculo XVI ao XVIII, ningum se
declarou mercantilista, e no existe nenhuma profisso de f que
permita classificar por comparao os escritos e as prticas
econmicas do tempo. Esta situao introduziu certa confuso na
histria das teorias econmicas. No existe definio comum do
mercantilismo e de seus caracteres fundamentais. Uns falam do
nacionalismo autrquico, outros, do intervencionismo do Estado,
outros ainda atribuem uma importncia primordial ao bulionismo,
isto , crena de que a acumulao dos metais preciosos a
nica forma de riqueza. Segundo os autores, tais economistas da
poca clssica, Child ou Cantillon, por exemplo, so classificados
ora entre os mercantilistas, ora entre os precursores do
liberalismo. Segundo os critrios que cada um escolheu, a escola
se enriquece de novos recrutas, ou v desertar suas fileiras. Onde
alguns celebram sua fecunda diversidade, outros assinalam
complacentemente as oposies e as reservas suscitadas por seu
fetichismo do ouro. O grande livro de E. F. Heckscher, O
Mercantilismo, publicado em 1931 em sueco, traduzido em 1932
para o alemo, e em 1935 para o ingls, no dissipou todas as
incertezas, ao contrrio. Heckscher considera o mercantilismo um
sistema de idias, o programa de uma poltica, mas lhe nega
qualquer aptido para compreender mecanismos econmicos do
tempo, e negligencia inteiramente a influncia dos fatos
econmicos sobre a evoluo desta poltica. A despeito de sua
imensa erudio histrica e de sua cincia da economia poltica, o
livro de Heckscher no chegou a estabelecer uma sntese
satisfatria entre a histria, as teorias e as polticas econmicas.
Alguns de seus crticos concluram da que o mercantilismo era
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um sistema imaginrio e uma noo intil ou perigosa e que era
desnecessrio procurar a unidade de pensamentos muito diversos
ou de polticas dspares e circunstanciais.
A prpria publicao de nosso livro prova que no cedemos
tentao da hipercrtica. Acolheremos pois, a ttulo de hiptese,
uma noo sancionada por um longo uso. Consideraremos
provisoriamente o mercantilismo como o conjunto das teorias e
das prticas de interveno econmica que se desenvolveram na
Europa moderna desde a metade do sculo XV. Procurando uma
eventual unidade de inspirao e de mtodos, estudaremos, com o
empirismo que caracteriza freqentemente o historiador, as
doutrinas e as polticas dos Estados europeus do Renascimento
at o comeo da Revoluo Industrial. Sobre as runas dos
particularismos urbanos e feudais, pesquisaremos se as
monarquias nacionais souberam promover novas formas de
atividade econmica. Sobre as runas dos ideais medievais de
universalidade e de pobreza evanglica, pesquisaremos se os
homens encontraram no servio do Prncipe, e esperando o triunfo
do individualismo liberal, novas justificaes para a sua sede de
riqueza. Se a histria confirma a legitimidade da hiptese
mercantilista, restar-nos-o dois problemas a resolver, o das
relaes do sistema com os fatos, a conjuntura econmica, as
realidades sociais, e o de sua influncia sobre o advento do
capitalismo moderno.
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PRIMEIRA PARTE: OS FATOS
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Captulo I
Polticas e prticas do Mercantilismo
I. Os Antecedentes Medievais
A comuna medieval legou ao Estado moderno uma slida
tradio de interveno na vida econmica e social. Ela no era
indiferente a nenhuma das atividades profissionais e comerciais
de seus burgueses, e exercia sobre os estrangeiros uma vigilncia
sem indulgncia.
Os Estados monrquicos dos sculos XV e XVI encontraram,
pois, neste tesouro de experincias e de regulamentos, os
primeiros elementos de sua poltica econmica; numa certa
medida, o mercantilismo que comea a se afirmar na Frana e na
Inglaterra na segunda metade do sculo XV estendeu aos limites
das jovens monarquias nacionais as preocupaes e as prticas
das cidades da Idade Mdia.1
A regulamentao destas economias urbanas obedecia a
certos imperativos que vamos reencontrar na poltica econmica
das monarquias europias. Os escabinos e os magistrados
municipais velavam pelo reabastecimento da cidade em produtos
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alimentcios e em matrias-primas, base de toda a sua atividade
econmica. Procuravam reservar-lhe certo nmero de fabricaes
e de negcios combatendo as concorrncias dos pases de plancie
e de outras cidades. Enfim, obrigavam os estrangeiros que
chegavam cidade a passar pelos intermedirios nativos. Vamos
encontrar no quadro de uma poltica concernente, desta vez, ao
conjunto de um Estado, os mesmos cuidados e as mesmas
atitudes.
A semelhana particularmente clara no caso dos
principados italianos, surgidos nos sculos XIV e XV em torno de
uma cidade. Os Sforza em Milo, os Mdicis em Florena, os
Bentivoglio em Bolonha protegem as comunidades profissionais
urbanas, encorajam e subvencionam os inventores, os
empreendedores de vanguarda, citadinos ou estrangeiros.
Interessam-se com a mesma solicitude pelos armeiros, pelos
bronzistas, pelos vidraceiros, pelos negociantes de tecidos e pelos
artistas. O amor da arte, o gosto do prestgio, os cuidados
militares ou financeiros, explicam da mesma forma este
intervencionismo estatal. Os prncipes de origens burguesas, por
vezes mesmo obscuras, conhecem bem a solidariedade do poder e
da riqueza, cuidam da prosperidade dos cidados que escravizam.
Mas os limites de uma cidade e de seu condado, mesmo os de um
principado, so bem estreitos, e os principados, freqentemente
muito efmeros. As grandes monarquias ocidentais beneficiam-se
de outras vantagens e outras possibilidades. Desde a metade do
sculo XIII, o Parlamento e a Coroa da Inglaterra tomam medidas
favorveis indstria lanfera britnica. Em 1258, o Parlamento
de Oxford probe temporariamente as exportaes de l bruta. No
sculo seguinte, as exportaes so autorizadas, mas os direitos
de sada para a l so consideravelmente aumentados. Sem
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dvida, preocupaes diplomticas e fiscais tambm justificam
estas disposies; entretanto, o cuidado protecionista
determinante nas decises de 1455, 1463 e 1464, que probem os
lanifcios e as fbricas de seda estrangeiros.
Outra antecipao mercantilista: o cuidado de evitar as
sadas de numerrio e as exportaes de ouro e de prata. J em
1381, o Parlamento solicita a opinio dos peritos neste assunto e,
sob sua recomendao, os mercadores estrangeiros so obrigados
a reinvestir em compras. No mercado ingls a metade e depois, a
totalidade de suas vendas. Em 1419, para evitar a fuga das
espcies preciosas, o Parlamento decide que os fornecimentos e o
reabastecimento do exrcito na Frana proviriam da Inglaterra e
que o soldo dos soldados seria pago com o produto das
exportaes de l para a Normandia. Medidas temporrias, sem
dvida, mas muito significativas. Os mercadores estrangeiros so
as vtimas deste nacionalismo econmico em gestao e, em 1439,
depois em 1455, os londrinos pilham as casas e os escritrios dos
italianos.
A monarquia Tudor retomou, sistematizou todas estas
iniciativas, substituiu as veleidades desordenadas por uma
verdadeira poltica nacional. Com o mesmo arrojo, definiu o
programa do absolutismo monrquico e o do mercantilismo. Mas,
enquanto o primeiro suscitava dificuldades entre o Parlamento e a
Coroa, o programa econmico, de seu lado, beneficiava-se em
larga medida das sugestes e do apoio das Comunas, no seio das
quais chegavam a exprimir-se os interesses das grandes cidades e
dos mercadores. Tambm, na Frana, os progressos do poder
central aps a Guerra dos Cem Anos, e as necessidades
financeiras incitam o soberano a intervir com mais regularidade
na vida econmica. Por diversas vezes, Lus XI exprimiu sua
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inquietude a propsito das sadas de ouro e de prata, donde pode
resultar a total runa e destruio do reino. Para evitar esta
hemorragia, concede novos privilgios s feiras de Lyon, tenta
controlar as transferncias destinadas corte de Roma. Para
diminuir o preo das importaes do Levante, concede sua ajuda
Companhia das Gals de Frana, dando-lhe temporariamente um
monoplio de importao das drogas e especiarias do Levante.
Encoraja a produo mineira na Frana, e favorece as
manufaturas de tecidos finos ou de sarjas de seda. Introduzindo o
trabalho e a tecelagem da seda, procura diminuir as compras de
produtos de luxo no estrangeiro, e estabelecer uma balana
comercial mais favorvel. Este intervencionismo responde ao
mesmo tempo aos interesses de alguns grandes mercadores e s
necessidades financeiras do soberano, consciente da estreita
solidariedade entre o poder monrquico e a prosperidade nacional.
Poltico hbil, Lus XI tomou o cuidado de garantir os conselhos e
a aprovao de vrias assemblias de notveis. Criou assim uma
tradio, e ao longo de todo o sculo seguinte, dos Estados Gerais
de 1484 aos de 1614, passando pelas assemblias de Blois, de
Orleans etc, a monarquia poder encontrar, nos cadernos do
Terceiro e freqentemente nos cadernos comuns das trs Ordens,
as mesmas proposies concernentes ao comrcio, s
manufaturas, ao movimento das espcies, os encorajamentos
necessrios marinha, isto , todas as justificaes e os
principais artigos de uma grande poltica mercantilista.
II. Na fascinao dos tesouros americanos, esboo de um primeiro mercantilismo no Sculo XVI.
A conscincia de uma comunidade de interesse, o projeto de
uma poltica econmica supunham naturalmente um progresso do
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sentimento nacional e um reforo do Estado. Todas as grandes
monarquias europias do sculo XVI, com maior ou menor
felicidade, maior ou menor continuidade, enveredaram por esta
via do intervencionismo econmico. Entre os seus conselheiros,
seus oficiais de finana, as preocupaes relativas balana
comercial, ao desenvolvimento das manufaturas e aos movimentos
internacionais das espcies, se tornavam cada vez mais
obsedantes. Assim pouco a pouco se constitua, atravs de
apalpadelas e contradies, uma primeira cincia das riquezas
que exprime sua maneira o voluntarismo humanista do
Renascimento. O autor ingls dos dilogos, redigidos em meados
do sculo, e publicados em 1581, sob o ttulo A Compendious or
brief examination of certain ordinary complaints2, coloca na boca de
um de seus personagens recomendaes bem significativas:
Acabando com a importao das mercadorias fabricadas no
estrangeiro, e que poderiam s-lo entre ns, restringindo a
exportao de nossas ls, peles e outros produtos no estado bruto,
chamando artesos de fora sob o controle das cidades, fabricando
mercadorias suscetveis de serem exportadas pelo exame destas
mercadorias, e pela aposio sobre elas, antes que possam ser
vendidas, do selo da cidade, penso que nossas cidades poderiam
brevemente reencontrar sua antiga riqueza.
Em La grande monarchie de France, Claude de Seyssel
declara, em 1515, que o poder do pas reside nas suas reservas de
ouro e de prata. No seu modo de pensar, o reino deve proibir todas
as sadas de espcies, sem medo de represlias, porque, nico na
Europa graas s suas riquezas naturais, pode abster-se de seus
vizinhos. Alguns meses mais tarde, diante do Parlamento de Paris,
o chanceler Duprat apresenta as mesmas proposies. Na
Espanha, Luis Ortiz, no seu memorial Para que a moeda no saia
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do reino, quer recolocar seu pas no trabalho, multiplicar as
manufaturas, interditar a exportao das matrias-primas txteis.
Estudaremos adiante o nascimento da teoria econmica, que
inspirou e sustentou os esforos dos monarcas, preocupados com
o estado de suas finanas e as necessidades dos exrcitos e dos
diplomatas. Poder-se-iam citar mltiplos testemunhos desta
convergncia de pensamentos e dos planos dos estadistas, mas
no nossa inteno estudar em detalhes a poltica econmica de
cada soberano do sculo XVI europeu; vamos tentar sobretudo
destacar os caracteres comuns.
aos movimentos monetrios que os governos dedicaram,
talvez, maior ateno. Em toda parte quer-se acabar com as
sadas de numerrio. Na Frana, declaraes reais renovam esta
proibio em 1506, 1540, 1548 e 1574. Na Inglaterra vai-se mais
longe e, para eliminar os fraudadores e todos os trficos
clandestinos sobre as letras de cmbio, tenta-se por duas vezes,
em 1546 e em 1576, submeter todo o negcio dos cmbios ao
controle de agentes do governo, um fracasso. Fracasso tambm
de todas as disposies concernentes ao transporte do numerrio
ao estrangeiro. Como vigiar as fronteiras, os portos, quando o
governo dispunha de to poucos agentes e de meios to lentos de
transmisso; como no admitir, enfim, os argumentos dos
mercadores, que invocam a necessidade de certas importaes
indispensveis aos fabricantes franceses ou anteriores a certas
reexportaes. O carter elementar da teoria da balana comercial
condenava as veleidades governamentais impotncia. Para se
convencer da ineficcia total de todos estes regulamentos, basta
evocar o caso da Espanha de onde teoricamente no podiam sair,
o ouro e a prata, entretanto, suas pistolas de ouro e seus reais de
prata circulavam em toda a Europa Ocidental.3
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Era mais fcil suscitar novas produes e conceder-lhes
privilgios contra os concorrentes estrangeiros. Assim, na
Inglaterra, na Frana, a Coroa concede subvenes aos
manufatureiros que inauguram fabricaes. A Rainha Elizabeth
distribui generosamente monoplios temporrios a todos aqueles
que introduzem novas atividades na ilha: as indstrias de alume,
de salitre, de sabo, de espelhos e de faiana, a fabricao de
canhes ou a refinao do acar de cana. Foi talvez na Frana
que esta interveno direta do poder monrquico se fez mais
multiforme e mais sistemtica, anunciando j a prtica das
manufaturas reais da poca de Henrique IV ou de Lus XIV.
Francisco I criou, em Fontainebleau, uma manufatura real de
tapearia. Henrique II confia a um bolonhs, com um monoplio
de 10 anos, a fabricao de espelhos veneziana, e Catarina de
Mdicis continua a proteger as fbricas de seda de Orlans e de
Tours. So, claro, criaes frgeis, muitas vezes efmeras,
porque dependem demais do apoio de um tesouro real quase
sempre vazio. Mas, ao lado das subvenes em numerrio, os
soberanos dispem agora de todo um arsenal de medidas
proibicionistas e de taxaes para colocar as fabricaes nacionais
ao abrigo da competio estrangeira. Carlos V defende
severamente a exportao do linho, do cnhamo e submete os
lanifcios estrangeiros a regulamentos e controles minuciosos.
Cosme de Mdicis interdita a entrada dos tecidos estrangeiros em
Florena e a exportao das sedas brutas. Na Frana, as
restries impostas livre importao compreendiam
primeiramente os produtos de luxo, tecidos de ouro e de prata,
cetins e damascos. Depois, em 1538, a pedido dos Estados de
Languedoc, Francisco I proibiu a entrada de tecidos da Catalunha
e de Castela. Nos Estados Gerais de 1576, o Terceiro pede a
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excluso de todos os manufaturados estrangeiros. Em 1581, pela
primeira vez uma tarifa geral de entrada imposta a todas as
fronteiras, e a assemblia dos Notveis de 1583 reiterou os
pedidos da assemblia de 1576. H uma ltima caracterstica da
interveno estatal na economia do sculo XVI que merece
ateno. No seu livro clssico, E. Heckscher insistiu sobre este
carter unificador do mercantidismo (ein einheitsbildendes
System). vlido para a Espanha de Filipe II, para a Frana de
Henrique III, onde o edito de 1581 tenta impor uma organizao
uniforme das comunidades de ofcio. vlido para a Inglaterra,
onde o estatuto dos artesos regulamenta, em 1563, a
aprendizagem e o processo de fixao dos salrios, enquanto que
as Poor Laws estabelecem um sistema uniforme de assistncia.
Em toda a Europa Ocidental, os prncipes se esforam, com um
sucesso desigual, por facilitar as relaes no interior de seus
Estados, por reduzir as portagens e os tonlieux*, por organizar correios.
Entretanto, no ser preciso pecar por anacronismo e
exagerar o carter moderno da administrao real no sculo XVI.
Os entraves livre circulao dos homens e das mercadorias
continuam inumerveis em cada Estado. As taxas recolhidas nas
fronteiras sobre as mercadorias estrangeiras conservam ainda
muitas vezes o carter de simples direitos fiscais e nem sempre
fcil saber se a fixao das tarifas corresponde a consideraes
financeiras ou protecionistas. Para numerosas mercadorias,
inclusive os manufaturados, a tatifa francesa, no comeo do
sculo XVII permanece mais elevada na sada do que na entrada,
o medo da fome, da interrupo do aprovisionamento, ou da
carestia, justificam sem dvida este paradoxo. Pelos mesmos
motivos, o rei da Espanha interdita, de 1552 a 1559, a exportao
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dos tecidos espanhis, esperando assim frear a alta dos preos
castelhanos!
Em nenhuma parte as idias e as receitas constituem uma
doutrina coerente. Os maiores espritos do sculo hesitam entre a
teoria quantitativista da moeda e a da balana comercial. No
perodo da alta europia dos preos, o protecionismo
manufatureiro e o bulionismo no se arriscam a acelerar a
inflao, ningum capaz de perceber claramente o problema e de
resolver a aparente contradio. A irregularidade das colheitas,
a insegurana, a lentido das relaes martimas e terrestres
mantm a obsesso medieval da penria. Os tericos do interesse
nacional, os apologistas do aproveitamento colonial e martimo
permanecem embaraados pelos argumentos dos telogos sobre a
usura, o justo preo e o direito das gentes, e por toda parte as
querelas religiosas obscurecem o sentido da Real Politik. Em
nenhum lugar, o Estado bastante poderoso, o aparelho do
governo bastante bem organizado na base como cimo, as finanas
bastante ss para dar interveno principesca a indispensvel
continuidade. No passam ainda de medidas circunstanciais,
empresas temporrias, mas sua convergncia, sua inspirao
dominante cria pouco a pouco uma tradio, destaca
progressivamente os elementos de um plano de conjunto e
anuncia os grandes projetos econmicos da Europa clssica.
III. O mercantilismo no Sculo XVII. O exemplo Francs
Na verdade, nicos entre todos os Estados europeus, a
Frana e a Inglaterra foram capazes de conduzir no sculo XVII
uma poltica econmica coerente e de relativa eficcia, sem
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dvida, a Espanha era muito fraca politicamente, demasiado
embaraada por seu imprio e suas possesses europias, a Itlia
e o Santo Imprio muito divididos e muito devastados pela guerra,
a Sucia muito ligada economia das Provncias Unidas, que no
mesmo momento seguiam com felicidade um caminho original.
Vrias circunstncias contriburam para o florescimento do
mercantilismo na Frana dos Bourbons e na Inglaterra de
Elizabeth a Guilherme III.
A aspereza das competies internacionais em que se viram
envolvidos os dois pases excitou seu jovem nacionalismo
econmico. O prmio era, primeiramente, a explorao das
riquezas do Imprio espanhol, que o dbil poder do soberano de
Madri e a apatia de seus sditos no mais conseguiam animar;
era ainda o monoplio das reexportaes das drogas e das
especiarias orientais, o mercado dos manufaturados txteis, o
benefcio da navegao do Bltico ao Mediterrneo. A Inglaterra,
com mtodo, aps a ter assestado seus golpes contra a Carrera
das ndias e suas feitorias americanas, voltou-se sucessivamente
contra a Repblica neerlandesa, na qual se lhe opuseram trs
guerras martimas, depois contra a Frana de Lus XIV. A Frana
tambm se inquietava com o trfico e a prosperidade dos
holandeses. O papel que os mercadores das Provncias Unidas
representavam em nossos portos e em nossas regies atlnticas,
parecia escandaloso a Colbert, e a guerra de 1672 no foi, a seu
ver, mais que o Coroamento de toda uma perseverante contra-
ofensiva industrial e comercial. O episdio decisivo destas
rivalidades se desenvolveu de 1701 a 1713, quando as duas
potncias martimas aliavam-se para insurgir-se contra as
pretenses francesas de acolher, de um golpe e por sucesso
dinstica, a herana de Carlos II da Espanha. Todas estas lutas
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apresentaram, ao lado de seus aspectos militares, aspectos
tarifrios e comerciais. Os esforos financeiros impostos aos dois
Estados, francs e ingls justificaram ainda mais a interveno do
governo no domnio das atividades econmicas, e o servio do
egosmo nacional.
A modernizao do aparelho de Estado contribuiu
igualmente para os progressos da prtica mercantilista. Na
Inglaterra, o desenvolvimento do servio das aduanas permitiu
estabelecer uma contabilidade mais exata das trocas
internacionais, enquanto que o controle parlamentar fornecia aos
interesses do negcio os meios de se fazer entender mais
claramente. Da mesma maneira na Frana, a reforma tarifria de
1664, nas fronteiras do territrio das cinco grandes herdades,
autoriza uma viso mais clara da balana comercial, e os
escritrios que se constituem pouco a pouco sob a autoridade do
Controlador-geral, podem seguir melhor as flutuaes das trocas.
Tambm os progressos da reflexo terica guiam mais
seguramente os administradores e os ministros. As obras de Mun,
Child, Davenant e Petty assinalam os primeiros passos da
economia poltica; na Frana, Laffemas, Montchrtien, o prprio
Richelieu, inspiram Colbert diretamente. Uma certa laicizao do
pensamento poltico sob a influncia do maquiavelismo e dos
princpios da razo de Estado justifica a cincia e a prtica das
riquezas. Aos olhos de Colbert, os monges so quase suspeitos
ociosos, e os escrpulos dos telogos no que concerne ao
emprstimo a juros entravam inutilmente o comrcio.
As circunstncias conjunturais constituem um ltimo
elemento favorvel, trazem uma justificao suplementar s teses
mercantilistas. A baixa prolongada dos preos ouro e prata,
sobretudo depois de 1630, mantm uma espcie de angstia
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monetria. Em toda parte, na Europa Ocidental, faltam as
espcies de ouro e de prata. Suas trocas so embaraadas, as
crises peridicas se tornam mais temveis, e os tesouros pblicos
sofrem com isto, no mesmo momento em que as necessidades dos
exrcitos e das frotas exigem quantidades crescentes de ouro e de
prata, nervos da guerra. O enfraquecimento da produo das
minas americanas, o entesouramento universal sob a forma de
jias e de baixelas, o desequilbrio das balanas com o Levante e o
Extremo Oriente, explicam, sem dvida, esta penria. Mas a
Inglaterra e a Frana no podem acomodar-se a isto. Suspeitam
que as Provncias Unidas aambarcam uma parte crescente do
estoque europeu. Os financistas e os ministros so constrangidos
a se interessar pelo equilbrio das trocas comerciais, que
condiciona a prosperidade e a circulao das espcies,
intermedirio indispensvel do imposto antecipado. Tampouco
no podem ignorar o longo recesso que afeta muitos negcios e
manufaturas em meados do sculo. O desemprego e a misria
mantm e multiplicam os riscos de sedies populares. Ontem
como hoje, a crise econmica por razes polticas e sociais provoca
a interveno do Estado, e o esforo de Colbert um plano de
reconstruo, de restabelecimento nacional, tanto quanto um
servio do Rei.
Colbert colocou na exposio de suas idias uma clareza,
uma fora de convico e na realizao de seus projetos uma
energia que teriam merecido um melhor sucesso. Mas pouco
inovou. Foi Barthlemy de Laffemas quem primeiro, logo em
seguida ao desastre nacional que foram as guerras de religio, se
fez apologista do trabalho criador e adversrio desta letargia
econmica que ameaa a Frana. Em uma dzia de panfletos,
expe as idias adotadas em parte pela Comisso do Comrcio,
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criada em 1601 por Henrique IV. Inspirou igualmente as medidas
tomadas pelo soberano e seu Conselho em favor das manufaturas
de tapearias, de tecidos de seda, e a tentativa abortada de criar,
em 1604, uma grande Companhia Francesa das ndias Orientais.
Por intermdio de seu filho Isaac, autor de uma Historie du
commerce de France, e pelos escritos de Montchrtien, La
Gomberdire e outros, suas idias acabaram por chegar ao
domnio pblico onde a assemblia dos Notveis de 1627, o
prprio Richelieu, depois Colbert, no tiveram seno que apanh-
las.
Encontra-se muitas vezes nos escritos de Richelieu a idia
banal de que a prata o nervo da guerra; obsidiado pelo poderio
da Espanha, ele ambiciona os metais preciosos que as frotas da
Amrica trazem todo ano a Sevilha. Para desviar em direo ao
reino uma parte deste pactolo, imagina com os seus Conselheiros
o plano de vasta empresa comercial e colonial. Gro-mestre do
almirantado, governador da Bretagne, consagra perseverantes
esforos ao renascimento da marinha e dos portos, encoraja as
tentativas de constituir na Frana grandes companhias de
navegao: Companhia do Morbihan, Companhia da Nova Frana,
Companhia do Escaler de Saint-Pierre Flor-de-lis, etc.4 A
diplomacia, a guerra, as revoltas interiores, a doena e a morte
impediram-no de prosseguir na execuo de seus projetos, mas a
importncia que concede a estas questes econmicas no seu
Testamento poltico, e os diversos papis que constituem suas
Memrias traduzem bem suas intenes e o sentido da misso que
deixava a seus sucessores. Colbert no teve pois o mrito da
inveno, mas ningum lhe contesta o da continuidade e
perseverana na execuo, ao longo dos 22 anos de seu
ministrio; fatigado, no era senhor nem da conjuntura, nem da
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bolsa de seu rei. Por muitas vezes, Colbert formulou na sua
correspondncia os princpios do mais estrito mercantilismo.
Concordar-se- facilmente escreveu em 1664, em que somente a
abundncia da prata num Estado que faz a diferena de sua
grandeza e de seu poderio; alguns anos mais tarde, precisa: H
somente uma mesma quantidade de prata que circula em toda a
Europa... no se pode aumentar a prata no reino, sem que ao
mesmo tempo se retire a mesma quantidade nos Estados
vizinhos. Pode-se ler ainda no seu memorial de 1670 sobre as
finanas: preciso aumentar a prata no comrcio pblico
atraindo-a dos pases de onde provm, conservando-a dentro do
reino, impedindo que ela saia e dando aos homens meios para
aproveit-la... somente o comrcio e tudo o que dele depende pode
produzir este grande efeito5. Assim, a prosperidade de um Estado
no poderia ser edificada seno a expensas de seus vizinhos; a
esta guerra de prata Colbert concitava a Frana e incitava seu
soberano. talvez o aspecto mais curioso do colbertismo este
pessimismo econmico, que se recusa a crer na possibilidade de
um progresso de conjunto, e esta concepo esttica do comrcio
mundial6. Vamos encontrar este mesmo pessimismo na
desconfiana meticulosa de muitos textos regulamentares e nos
ditos do ministro que atribuem fraude e m qualidade de
fabricaes e decepes comerciais francesas no estrangeiro. Para
melhor conduzir esta guerra de prata, Colbert procedeu a uma
nova disposio das tarifas aduaneiras: preciso, diz ele, isentar
as entradas das mercadorias, que servem s manufaturas do
reino, taxar aquelas que permanecem manufaturadas, isentar
inteiramente as mercadorias de fora que, tendo pago a entrada,
saem, e aliviar os direitos de sada das mercadorias
manufaturadas dentro do reino. Mas a arma essencial desta
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competio internacional o desenvolvimento da marinha, a
multiplicao das manufaturas e das companhias de comrcio, s
quais Colbert devota cuidados atentos. A este respeito ele segue a
obra esboada por Laffemas, Richelieu e Fouquet. Exerce
vigilncia sobre a cobrana da taxa de 50 soldos por tonelada,
sobre os navios estrangeiros que freqentam os portos franceses.
J em 1664, concede subvenes construo martima e as
rplicas francesas dos Atos de Navegao britnicos lhe permitem
elevar, no fim da vida, as marinhas de guerra e de comrcio a um
nvel at ento inigualado. No h um nico setor da produo
manufatureira, um nico negcio remoto que escape sua
interveno. Arsenais, fundies de canhes, manufaturas de
renda, de malharia, de meias de l e de seda, tecidos de luxo ou
tecidos finos, Companhia das ndias Orientais, Companhia das
ndias Ocidentais, Companhia do Norte Companhia do Levante
gozam alternadamente de sua exigente proteo. Solicita ou exige
os concursos, organiza, subvenciona, vigia e se inquieta. Mais de
150 regulamentos de fbrica procuram fazer da produo francesa
uma produo de qualidade sem igual na Europa. Especificam a
proporo das tintas, a largura dos tecidos, o nmero de fios na
malha, os utenslios e os trabalhos de todos os corpos de ofcio.
Sob o controle dos intendentes, um novo corpo de inspetores das
manufaturas encarregado de controlar as fabricaes e de
constatar as contravenes.
falta de informaes estatsticas, muitas vezes difcil
apreciar a eficcia destas empresas e a incerteza mantm ainda os
debates entre os historiadores. Muitas manufaturas, muitas
companhias desapareceram mesmo antes da morte do ministro, e
a distncia entre as ambies e os resultados grande. A
amargura marca freqentemente a correspondncia de Colbert
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nos ltimos anos de sua vida. Muitos obstculos se opuseram s
suas empresas: a relutncia dos mercadores em participar de
companhias semipblicas, seu gosto excessivo pelos investimentos
nos negcios da finana, os ofcios ou a terra, a insuficincia do
sistema de crdito na Frana, a indigncia do campesinato e a
ausncia de um amplo mercado interno, a deflao internacional
das atividades e dos preos. O trgico na existncia de Colbert
nasce tanto dos caprichos caros de Lus XIV, como de uma
conjuntura desfavorvel e da absteno parcial da burguesia
francesa. Entretanto, decerto o balano no totalmente negativo.
Subsistem, sua morte, uma marinha reconstituda, uma
legislao comercial menos arcaica, uma tecelagem novamente
prspera, e uma manufatura de telas de linho e de cnhamo que
se tornou a primeira da Europa. As companhias coloniais
decaram, mas as Antilhas e o Canad receberam novos colonos, e
todos os portos do Atlntico entraram em nova atividade.
A personalidade e a obra de Colbert suscitaram, durante sua
vida, e aps a sua morte, violentas oposies e speras polmicas.
Alvo de muitos panfletos clandestinos, foi, logo em seguida sua
morte, publicamente criticado, depois denunciado pelos fisiocratas
e pelos economistas liberais. Precisou esperar quase dois sculos
a sua reabilitao. List, em seu Systme d'conomie nationale,
celebra-o como um precursor. E. Lavisse exalta seu esprito
filosfico e v na sua obra a primeira manifestao do despotismo
esclarecido; P. Boissonnade identifica o colbertismo e o socialismo
de Estado; e R. Gonnard, em sua Histoire des doctrines
conomiques, proclama o gnio de Colbert. Rejeitando a lenda
dourada tanto quanto a lenda negra, os historiadores atuais
procuram, sobretudo, explicar as caractersticas e os limites da
sua obra, em funo das instituies e das idias de seu tempo,
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Boisguilbert e os economistas franceses do sculo XVIII
censuraram a Colbert o fato de ter negligenciado a agricultura,
fonte de toda riqueza, at mesmo de t-la sacrificado em proveito
das manufaturas. Colbert teria sustentado uma poltica de po
barato para baixar preos de custo na Frana. Nada mais
inexato; a baixa excepcional dos preos agrcolas na Frana, de
1662 a 1687, corresponde a um movimento internacional, sensvel
em todos os mercados da Europa Ocidental. A verdade que
Colbert no soube ou no pde desembaraar-se das tradies
regulamentares em matria de circulao e de negcio dos cereais,
enquanto que mesma poca, na Inglaterra, as corn laws
permitiam, alternadamente, prover o mercado nacional, e depois
vender com vantagem os excessos da produo. Colbert pensou
que o desenvolvimento das manufaturas rurais remediaria o
pauperismo dos campos. Salvo algumas medidas circunstanciais
em favor dos camponeses, abaixamento temporrio das talhas,
proteo ao gado, a Frana de Lus XIV no tem poltica agrcola.
No menos fundamentadas que as crticas formuladas pelos
representantes dos interesses agrrios, parecem-nos as reticncias
de alguns negociantes com relao ao colbertismo. Ao lado dos
mercadores xenfobos que reclamam e aprovam o protecionismo
aduaneiro, existem incontestavelmente, na Frana do sculo XVII,
homens de negcio que conhecem a solidariedade complexa das
trocas internacionais e temem as represlias estrangeiras. Os Seis
grandes corpos dos mercadores de Paris j haviam pleiteado a
liberdade do comrcio e o abaixamento das tarifas institudas em
1654. Mais fortemente ainda um panfleto annimo de 1688
declara: O Senhor Colbert no se apercebe de que, pretendendo
colocar os franceses em condies de se absterem de outros povos,
os conduz a fazer a mesma coisa de seu lado. O mesmo apego
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liberdade de comrcio suscita a desconfiana em relao s
companhias de navegao e de colonizao de carter semi-
pblico, ou em relao regulamentao minuciosa das
fabricaes. Censurou-se a Colbert esta mania de
regulamentao. til onde ela presidia a introduo de uma
tcnica nova, atrapalhou muitas vezes a adaptao das
manufaturas txteis francesas s flutuaes da moda e da
demanda estrangeira. Ele no compreendeu bem o carter
multilateral das trocas, no acreditou tampouco nas leis do
mercado, seu pensamento continua o de um administrador
minucioso, e no de um economista. Seu apego aos sistemas das
jurandas, cuja instituio tenta generalizar em 1673, revela bem o
carter tradicionalista de seu pensamento. Multiplica os controles
de fabricao, refora a pequena oficina rotineira, no momento em
que a Inglaterra ps-revolucionria se liberta, no essencial, dos
vestgios do sistema medieval de organizao de trabalho. Para ele,
como para os juristas que o cercam e assistem, a organizao
corporativa parece algo de instituio natural ou divina. As
manufaturas privilegiadas no passam, em seu esprito, de
expedientes temporrios. O regime normal de organizao do
trabalho deve ser o das jurandas e o edito de maro de 1673 tenta
generalizar a instituio em todo o reino.
Em matria de poltica monetria, o mesmo tradicionalismo
lhe inspira, a 7 de dezembro de 1665, uma reavaliao mais feliz
da livre circulao, que constitui uma verdadeira deflao em
plena crise econmica, e que teve de revogar no ano seguinte,
diante dos protestos dos mercadores e dos banqueiros. Mais grave
sua incompreenso, e deve-se diz-lo, de muitos de seus
compatriotas, diante das reformas monetrias inglesas de 1662,
que introduzem, como nas Provncias Unidas, maior liberdade da
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circulao das espcies e dos lingotes. luz destas comparaes,
os limites do colbertismo refletem com evidncia o atraso do
pensamento econmico e das instituies sociais na Frana em
relao ao seu vizinho anglo-saxo. Colbert, um gnio ou um
medocre nocivo? Nem um, nem outro, mas um homem de seu
tempo e de seu pas, um ministro desta poderosa monarquia
administrativa, cuja grandeza no podia conformar-se com a
decadncia comercial e industrial. Num momento e num pas onde
tudo conspirava para desviar os filhos da burguesia das atividades
econmicas os preconceitos nobilirios ou paranobilirios, o
esnobismo da ociosidade, a suspeita da Reforma catlica em
relao s modernas formas do crdito e das tcnicas comerciais,
o prestgio da carreira dos ofcios, enfim, a conjuntura
desfavorvel, contra uma tal coalizo de interesses, de hbitos e
de dificuldades econmicas ele tentou dar ao pas o sentido do
labor, da eficcia e da empresa. No foi culpa sua, se algumas de
suas proposies no foram retidas, se a oposio da Faculdade
de Teologia e da Sorbonne impediram o estabelecimento nas
principais cidades do reino destes negociantes de emprstimo
que distribuiriam o crdito comercial, No foi culpa sua, se o
rei, finalmente, sacrificou a vocao martima do reino, e escolheu
a glria, a guerra continental e a intransigncia romana.
IV. O Sistema Mercantil na Inglaterra
Na Inglaterra, mais ainda que na Frana, o mercantilismo
uma criao contnua, emprica e nacional. J evocamos certas
decises do sculo XIII, concernentes proteo da indstria
lanfera. Do mesmo modo, nos sculos XIV e XV, j esboando o
sistema dos Atos de Navegao, a Coroa ops obstculos livre
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circulao e ao livre trfico dos navios estrangeiros nos portos
britnicos. Como na Frana, foi entre 1580 e o fim do sculo XVII
que o mercantilismo se imps com maior fora e coerncia. As
ameaas exteriores contriburam para o seu sucesso, e por duas
vezes apareceu como um elemento essencial da defesa nacional.
As lutas que os marinheiros e os corsrios de Elizabeth
mantinham contra as frotas e as colnias de Filipe II eram ao
mesmo tempo uma empresa religiosa, nacional e mercantil e um
sculo mais tarde, a ofensiva comercial contra a Frana de Lus
XIV se inscrevia, igualmente, num plano mais geral de defesa
protestante. Esta coincidncia deu ao programa mercantilista o
apoio de grande parte da opinio britnica. O carter sistemtico
da interveno estatal no sculo XVII se explica tambm pela
necessidade de fazer face grande depresso econmica, cujos
primeiros sinais se manifestam na Inglaterra em 1620. Apreensivo
com a gravidade desta crise, o conselho privado se associa em
1622 a uma comisso de peritos, de mercadores e de banqueiros,
para discutir as causas dos prejuzos das vendas txteis. Suas
concluses e suas proposies constituem um resumo de todas as
prticas mercantilistas7. As grandes companhias comerciais, de
seu lado, prepararam e favoreceram a adoo dos Atos de
Navegao8. , talvez, a caracterstica mais original da poltica
econmica inglesa, graas existncia do Parlamento, ela
freqentemente ajustada e ratificada. No mais sob os Stuarts que
sob o Protetorado, o Estado no est s ordens dos mercadores,
mas consulta, inspira-se antes de decidir ou de arbitrar. Em
matria econmica, como em matria poltica, a situao da
Inglaterra parece intermediria entre a das Provncias Unidas e a
da Frana: as Provncias Unidas onde a impotncia do poder
federal freqentemente deixa livre curso aos interesses
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particulares, at mesmo antinacionais, e a Frana onde o zelo de
um ministro, suprindo mal o enfraquecimento dos corpos
intermedirios, a interveno do Estado assume um carter
autoritrio ou repressivo. O mercantilismo ingls se beneficia da
precocidade das instituies polticas e sociais, da qualidade da
informao e da reflexo terica no pas, evolui, se adapta, se
aperfeioa, e ajuda a Inglaterra a assumir, na Europa, uma
verdadeira supremacia martima e comercial e, talvez, j a
supremacia industrial.
Como em todos os outros pases da Europa, o mercantilismo
adquiriu na Inglaterra trs formas essenciais: proteo, da moeda
e dos estoques de metais preciosos, proteo da produo,
encorajamentos e favores marinha e ao comrcio nacional.
Na Idade Mdia, a exportao das espcies fora, na
Inglaterra, como alis em quase toda parte, regularmente
proibida. Por diversas vezes o governo de Elizabeth, depois o de
Jaime I, tentaram restabelecer estas antigas disposies, mas
estes projetos logo foram abandonados, e um sistema de licenas
permitiu eludir as estipulaes muito rigorosas de certos textos.
Mercadores, economistas e polticos progressivamente tomaram
conscincia, ao longo do sculo, do carter ilusrio ou nefasto
destas regulamentaes. Sabiam que a pretenso do comrcio no
Bltico e nas ndias Orientais exigia sadas de prata, e que o saldo
global dos movimentos de metais preciosos dependia da atividade
econmica geral do reino e do equilbrio de seu comrcio. O
fracasso das tentativas para controlar e estabilizar arbitrariamente
o mercado das trocas acabou por provar que os movimentos
comerciais determinavam, ao mesmo tempo, as flutuaes das
circulaes e o movimento das espcies. Th. Mun fez o balano
destas experincias no livro England's Treasure by foreign Trade,
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publicado em 1664, onde dava uma formulao clssica da teoria
da balana comercial e levava em conta as exportaes e as
importaes invisveis: O meio ordinrio de aumentar nossa
riqueza e nossas espcies o comrcio exterior, para o qual
preciso sempre observar esta regra, vender mais aos estrangeiros
do que lhes compramos para nosso consumo. Nesta data, alis, a
Inglaterra j se havia desembaraado do essencial das velhas
regulamentaes bulionistas. Inspirando-se nos exemplos de
Veneza e Holanda, um ato de 1663 autorizou a exportao de
moedas estrangeiras e de material de ouro e de prata. Reforma
importante, que contribuiria para a estabilidade da libra esterlina,
permitiria certas adaptaes automticas dos preos e das trocas,
j testemunhava a prosperidade do comrcio britnico e preparava
seus progressos ulteriores. A tarefa do governo no era mais
regulamentar o movimento das espcies, mas orientar e dirigir as
correntes do comrcio para garantir um saldo positivo.
Esta teoria da balana comercial ditava os outros aspectos
da poltica mercantilista. Para assegurar, na medida do possvel,
sua prpria subsistncia, o reino devia desenvolver certas
produes, reservar sua marinha e a seus mercadores o controle
de suas trocas exteriores, encorajar certos trficos pela diminuio
das taxas aduaneiras, desencorajar outros com tarifas proibitivas.
O protecionismo ingls no sculo XVII ao mesmo tempo
industrial e agrcola. Os dois primeiros Stuarts tm uma idia
muito alta das responsabilidades econmicas e sociais da
monarquia, distribuem os privilgios e os monoplios, multiplicam
os regulamentos e confiam a um enxame de oficiais o controle das
fabricaes. A indstria txtil, a mais importante das atividades
exportadoras do pas, goza da ateno particular da Coroa e do
Parlamento. No fim do reinado de Jaime I, as exportaes de l
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so definitivamente interditadas, o que, reserva feita ao
contrabando, d aos teceles ingleses o monoplio de uma
matria-prima excelente e barata. Isto no basta para fazer frente
s dificuldades nascidas da crise de meados do sculo; elevam-se
as taxas aduaneiras no tocante aos tecidos franceses e
holandeses, esforam-se mesmo para impor o porte dos tecidos de
l de fabricao nacional. Para as roupas de luto, para as
mortalhas, os atos do Parlamento estipulam o uso obrigatrio dos
tecidos de l. Depois, como os tecidos de algodo das ndias
concorressem com os tecidos finos, o governo interditou em 1700
as sedas e os tecidos de algodo orientais; vai mesmo mais longe
em 1721 e proscreve o uso dos tecidos orientais importados crus e
tingidos na Inglaterra. Um pouco antes, o governo francs havia
tomado medidas idnticas, prolongando tambm por um sculo a
atividade das pequenas manufaturas de tecidos e sedas.
Idntica no domnio industrial, a poltica dos dois reinos
difere radicalmente no setor agrcola. Sua situao martima
ajudou a Inglaterra a se libertar, um sculo antes da Frana, do
medo obsessivo da penria e da fome. Ousando favorecer a
exportao dos cereais e limitando as importaes, soube
encorajar sua agricultura e manter seus progressos. J nos
sculos XV e XVI fora estabelecido o princpio da liberdade de
exportao quando os preos internos do trigo no excedessem
um certo nvel. Aps a Restaurao, um ato de 1670 suprimiu
todas as condies e todas as restries. Melhor ainda, em 1674,
foram concedidas subvenes aos exportadores para evitar em
perodo de abundncia a derrocada dos cursos. Na mesma poca,
o Parlamento instituiu, em 1663 e 1670, uma escala mvel dos
direitos importao: taxas aduaneiras elevadas quando os
preos do trigo permaneciam baixos, e tarifas menos severas
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quando estes preos se elevavam. Graas a este sistema, os
produtores ingleses gozaram durante quase um sculo de uma
proteo quase completa. Menos oprimidos pelo sistema fiscal que
os camponeses franceses, foram ainda melhor protegidos contra a
grande depresso dos preos dos cereais. Conservaram um nvel
de vida mais decente, e a capacidade de absoro do mercado
interior, fonte de todo desenvolvimento ulterior, foi assim
salvaguardada.
O terceiro elemento essencial do sistema mercantilista ingls
no sculo XVII constitudo pelos Atos de Navegao. Como a
agricultura e as manufaturas, a marinha nacional goza de um
regime altamente protecionista. Neste setor tambm o Estado
mercantilista tenta sozinho assegurar sua subsistncia e seus
servios. A marinha e o comrcio holands, concorrentes temidos,
que so visados pelos Atos de Navegao. As decises de 1651 e
1660 codificam e sistematizam uma poltica martima, j esboada
por medidas parciais tomadas nos reinados de Elizabeth e dos
dois primeiros Stuarts. Segundo o texto de 1651, as mercadorias
europias no podiam ser transportadas para a Inglaterra, a no
ser em navios ingleses ou em navios do pas de origem; do mesmo
modo os produtos da sia, da Amrica ou da frica no podiam
ser importados seno pela marinha britnica ou colonial. Em
1660, para evitar certas fraudes especificou-se que a equipagem
de um navio britnico deveria ser comandada por um capito
ingls, e composta por trs quartos de sditos britnicos. Durante
os primeiros anos da Restaurao, outras disposies
completaram a constituio do sistema, reservando metrpole o
essencial do comrcio colonial. O regime da exclusividade
contribuiu tambm para a prosperidade da marinha britnica.
Este protecionismo rigoroso suscitou, naturalmente, a
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hostilidade dos pases vizinhos. Os Atos de Navegao
contriburam para o desencadeamento das trs guerras martimas
anglo-holandesas, e o conflito tarifrio com a Frana resultou
progressivamente num regime de quase-proibio. No decurso das
negociaes, que resultaram na paz de Utrecht, foi feita uma
tentativa para pr fim a esta situao, e foi negociado um tratado
comercial entre os dois pases.
Este projeto provocou na Inglaterra uma polmica
interessante; com efeito, neste pas, como na Frana, comeava-se
a se interrogar sobre a legitimidade das tarifas proibicionistas.
Economistas como Coke, Child, Davenant se esforaram por
apontar-lhes os perigos: riscos de represlias e de guerra,
desaparecimento da competio estimulante, ruptura dos
equilbrios multilaterais do comrcio internacional. Seus
argumentos retomados em 1713 pelos tris e De Foe no foram,
entretanto, entendidos. O pensamento terico se antecipava aos
costumes, at mesmo aos fatos, e o tratado no foi ratificado pelas
Comunas. Provavelmente, os benefcios que a Inglaterra soubera
tirar da organizao egosta da sua economia nacional eram
demasiado evidentes para autorizar, j no incio do sculo XVIII,
uma modificao qualquer do sistema mercantil. Liberta, no
essencial, das antigas regulamentaes corporativas, da proibio
do emprstimo a juros e dos particularismos urbanos e regionais,
a economia inglesa afirmava, numa conjuntura europia, embora
bem difcil, seu dinamismo. Manufaturas bem protegidas, mas
livres de toda regulamentao autoritria das fabricaes e das
tcnicas, uma marinha poderosa, uma agricultura prspera e
lucrativa, instituies parlamentares e polticas favorecendo a
consulta e o confronto dos interesses, a Inglaterra estava pronta
para a grande aventura industrial. As duas revolues polticas
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que ela atravessara no sculo XVII tinham liquidado as confrarias,
as guildas, os privilgios, muitos vestgios, obstculos e
preconceitos herdados do passado, e contriburam para fazer do
mercantilismo um meio muito eficaz de poder e de progresso
nacional.
O exemplo da Sucia, como o da Frana e da Inglaterra,
poderia ilustrar as histrias paralelas do mercantilismo e do
absolutismo. Monarquia nacional e por um momento grande
potncia europia, a Sucia da rainha Cristina e de Carlos XI
procurou desenvolver suas exportaes e sua marinha. Tentou
mesmo, s margens do Delaware, a empresa colonial. Seus
soberanos concederam privilgios s manufaturas lanferas de
Estocolmo e Norrkping, s companhias de alcatro e de sal. Para
intensificar a produo e as trocas, criaram em 1637 o Colgio das
Minas e em 1651 o do Comrcio. Estabeleceram nas fronteiras
direitos de aduana, protetores enquanto a frota sueca
desempenhava importante papel comercial no Bltico e contava
em 1690 com mais de 750 navios. O excedente da balana
comercial, que os ministros festejavam, escondia entretanto uma
fraqueza. Muitas exportaes eram destinadas a reembolsar os
capitais holandeses que controlavam em parte a metalurgia do
ferro e do cobre, as fabricaes de armas, e queriam redistribuir
seus produtos no mercado de Amsterd. Para garantir a
autonomia do seu desenvolvimento, a Sucia teve de retirar s
sociedades de participao holandesa os monoplios que elas
haviam conseguido em certos setores da produo e do comrcio,
teve sobretudo de renunciar definitivamente, aps as empresas
quimricas de Carlos XI, s ambies europias e guerra. No
momento em que este pas comea a explorar a Escnia,
restabelece seu equilbrio agrrio limitando as propriedades dos
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nobres pela grande Reduo, repele a ajuda interessada dos
financiadores de Amsterd, abandona suas pretenses imperiais
no mar Bltico; o esforo mercantilista ilustra sua maneira uma
tomada de conscincia nacional e o nascimento da Sucia
moderna.
V. Os outros estados europeus
Em nenhuma parte da Europa, encontra-se no sculo XVII
intervencionismo to coerente, to sistemtico como na Frana, na
Inglaterra ou, em menor escala, na Sucia. Todavia, os projetos
mercantilistas so universais, e em toda parte, nas deliberaes
dos Conselhos de governo, encontram-se as mesmas decises, as
mesmas proposies e todos os argumentos que a literatura
econmica da poca popularizava. A Dinamarca como a Baviera,
os Estados dos Habsburgos como os principados italianos ou
germnicos conhecem as companhias monopolizadoras, as
manufaturas privilegiadas, as tarifas protecionistas e a instituio
dos Conselhos ou Colgios de comrcio. certo que muitas vezes
no passam de veleidades, projetos sem seqncia, medidas
temporrias ou decises vs. Somente h poltica mercantilista
eficaz nos sculos XVII e XVIII, onde um poder central capaz de
dominar os particularismos e os egosmos, de impor uma
arbitragem aos interesses opostos, de conciliar as reivindicaes
dos negociantes e dos produtores. Somente h poltica
mercantilista eficaz onde os empreendedores so capazes de
responder s proposies do governo, onde existe um embrio de
burguesia nacional, o esboo, ao menos para certos produtos, de
um mercado nacional, e as bases geogrficas de uma relativa
autarquia. isto que demonstra um rpido exame da poltica
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econmica de alguns Estados europeus.
conveniente evocar em primeiro lugar, porque sua situao
muito especial, o caso das Provncias Unidas, e sobretudo da
Holanda. No h neste pas na idade clssica nem escola nem
terico mercantilista; isto j revelador. Mas a Repblica se
singulariza ainda pela liberdade que concede, quase desde sua
constituio, aos movimentos internacionais das espcies e das
moedas. Nunca a Holanda, ao tempo do seu apogeu comercial
hesitou em exportar numerrio. Cunhava mesmo moedas de
negcio para manter seus trficos, moedas de grande reputao,
que tinham curso nos pases estrangeiros: os rixdales* no Bltico, os escudos de leo no Levante, os ducados de prata nas ndias e
na China. O papel de intermedirios martimos que os holandeses
exerciam, a funo de entreposto internacional de Amsterd,
tambm, supunham uma grande liberdade comercial. As
Provncias Unidas eram contrrias s proibies, e contra os
ingleses defenderam o princpio da liberdade dos mares. Em plena
guerra, a Holanda manteve muitas vezes para seus sditos a
liberdade de comerciar com os pases inimigos. Durante a guerra
da Independncia, negociantes de Amsterd no hesitam em
fornecer aos espanhis navios e munies. A prtica a mesma
durante as guerras contra a Frana. Em 1674, as hostilidades no
impedem a retomada do negcio franco-holands sob bandeiras
fictcias. Durante toda a guerra de Sucesso da Espanha, salvo de
1 de junho de 1703 a 1 de junho de 1704, a liberdade do trfico
permanece, e o mercado de Amsterd, por intermdio de Samuel
Bernard e de seus correspondentes, continua aberto s operaes
do Tesouro francs. Os banqueiros holandeses fornecem a crdito
o soldo dos exrcitos de Lus XIV! Estes mercadores, estes
banqueiros, estes diretores da Companhia das ndias Orientais,
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freqentemente se interessavam mais pelos trficos
internacionais, pelos trnsitos e pelas reexportaes, do que pela
produo nacional. Nos conflitos que os opuseram aos agricultores
zelandeses e aos manufatureiros de Leyde ou Harlem, partidrios
de elevadas tarifas, venceram muitas vezes, porque por intermdio
dos regentes das cidades dominavam a Holanda e influenciavam
os Estados Gerais. Entretanto, no recusavam todos os meios e
todos os princpios do mercantilismo. s tarifas inglesas e
francesas, a Holanda respondeu com proibies e direitos
aduaneiros igualmente rigorosos. A produo no era livre, as
manufaturas rurais se chocavam com a hostilidade das cidades, e
as fabricaes urbanas eram submetidas a regulamentos e
controles. Todos os artesos da tecelagem de Leyde estavam
agrupados nos neringen. Cada nering correspondia a um tipo de
tecido, mas era dirigido de fato pelos mercadores exportadores
destes tecidos. Os capitalistas holandeses participavam tambm
das empresas das Companhias das ndias Orientais e Ocidentais,
companhias de privilgios e verdadeiras potncias pblicas. Para
melhor controlar os mercados e efetuar sem muitos riscos suas
especulaes, realizavam continuamente aambarcamentos e
monoplios. Este mercantilismo evoludo, moderado e incompleto
se exprime na obra de Pierre de La Court, mercador de Leyde, O
Interesse da Holanda. Neste livro excepcional, traduzido para o
francs sob o ttulo enganoso de Mmoires de Jean de Witte, j se
descobrem certos temas da escola liberal. O autor defende a
liberdade de fabricao e de comrcio. Prope uma tarifa
aduaneira de inspirao mercantilista, mas cuja moderao
deveria regular os interesses do negcio: Poder-se-ia ainda taxar
um pouco mais que as nossas, as mercadorias estrangeiras que se
podem fazer e ter no pas... do mesmo modo quando estas
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mercadorias saem do pas para serem conduzidas por nossos rios,
mas no de maneira que elas possam ser levadas mais barato por
uma outra rota... As manufaturas feitas no pas no devem ser
taxadas de modo nenhum, na sada, mas as estrangeiras, na
entrada e na sada, tanto quanto puderem suportar, sem correr o
risco de perder o comrcio9. Esta moderao das tarifas
holandesas, que as fraudes sobre o trnsito permitiam muitas
vezes evitar, tanto quanto os emprstimos e os investimentos no
estrangeiro certamente prejudicaram, com o tempo, as
manufaturas das Provncias Unidas, mas esta poltica se explica
muito bem pela preponderncia dos interesses comerciais e
financeiros. Se as Provncias Unidas constituem, numa certa
medida, uma exceo na Europa do sculo XVII, tambm porque
exercem a, durante muito tempo, uma espcie de hegemonia
martima e comercial. Seu poderio financeiro, seu sistema de
crdito e o dbil interesse da prata, a competitividade de sua
marinha lhes permitiam controlar muitos mercados, desafiar
muitos concorrentes. O liberalismo bastante conveniente s
economias dominantes, e suas alegaes em favor da liberdade
das trocas e da liberdade dos mares no causam muita surpresa.
A riqueza da Repblica lhe dava fora poltica e militar. O
mercantilismo perdia pois, em parte, sua necessidade; no existia,
alm disso, um acordo natural entre as instituies republicanas
burguesas e o regime liberal das trocas?
O carter confederal das instituies centrais se acomodaria
mal a um intervencionismo autoritrio e burocrtico. Os Estados
Gerais, dominados em parte pelas burguesias urbanas e de
negcio, limitados nos seus poderes pela autonomia das
provncias, no estavam em condies de impor uma arbitragem
em nome do interesse geral. Era uma situao sem perigo,
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enquanto durou a superioridade da marinha e do comrcio
holandeses, mas se tornava cada vez mais perigosa desde que a
Frana e a Inglaterra constituram uma marinha, colnias,
ampliaram seus negcios estrangeiros sem sacrificar suas
produes nacionais.
Toda a histria da Europa nos sculos XVII e XVIII ilustra
esta incapacidade de um Estado frgil, dependente ou muito
pequeno para conduzir uma poltica eficaz de interveno e de
desenvolvimento econmico. O imprio germnico permaneceu um
conglomerado dspar de soberanias e de economias justapostas.
Em 1685, um carregamento de madeira, conduzido pelo Elba, de
Dresde a Hamburgo, pagava em taxas e peagens os nove dcimos
de seu valor de compra, enquanto que a durao da viagem
quadruplicada pelas formalidades aduaneiras. A criao, pelo
imperador Leopoldo, de um Colgio ou Conselho do comrcio e a
concesso de diversos privilgios de manufaturas na ustria, no
tiveram grande significao e eficcia numa tal situao de
fragmentao poltica.
O outro imprio cristo, o Imprio Espanhol, manifesta a
mesma debilidade econmica. Face s empresas dos Estados
nacionais, melhor unificados, os grandes imprios herdados da
Idade Mdia ou da descoberta do sculo XVI resistem mal. Para a
Espanha, a poltica mercantilista de auto-subsistncia parece
despida de significao. A Espanha, onde abundam os
preconceitos aristocrticos, onde as profisses comerciais e
manufatureiras gozam de uma considerao mesquinha, necessita
de seus vizinhos para atender s necessidades de seu imprio. O
regime oficial do exclusivo, o monoplio de Sevilha e Cdiz so
examinados de mil maneiras; os tecidos, as telas da Inglaterra, da
Holanda e da Frana, abarrotam os navios da Carrera das
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ndias. Reduzido aos extremos pelo mau estado de suas finanas,
o governo no hesita em sobrecarregar de taxas o comrcio
interno, e onera pesadamente suas prprias exportaes. Aps a
desgraa de Olivares, o poder real est muito fraco para responder
s solicitaes dos escritores que o convidam a imitar a Frana e a
Inglaterra10. Cada uma das grandes negociaes do sculo XVII
uma ocasio de novas capitulaes econmicas para Madri diante
de seus concorrentes da Europa do Norte e do Oeste. O tratado
dos Pireneus concede ao comrcio francs importantes vantagens
na pennsula, os tratados de Utrecht entregam parcialmente aos
ingleses a explorao do imprio. Desgraa nestes tratados para
as provncias perifricas ainda mais vivamente sacrificadas. Milo
e Npoles entram em decadncia econmica. A fragmentao
territorial vota impotncia os esforos que os prncipes italianos
e os vice-reis espanhis tentam atravs do pas, para proteger as
manufaturas. As Itlias do segundo Renascimento, numa certa
medida, anteciparam-se obra colbertista, mas dentro de limites
to estreitos que o fracasso final era inevitvel. J no fim do
sculo XVI, os preos de custo muito elevados e a golilha
corporativista desqualificam a indstria italiana. A desordem fiscal
e monetria que caracteriza a administrao espanhola acaba por
arruinar as manufaturas. A inflao, a m distribuio dos
impostos desencorajam a empresa, e as taxas alfandegrias
internas paralisam ao sul todo o comrcio. Para lutar contra a alta
dos preos, provocada pelas desvalorizaes e cunhagens de
moeda de cobre, o vice-rei de Npoles probe as exportaes; para
esta regio da Itlia realmente a hora do recolhimento e o
comeo da estagnao!
O exemplo belga mais eloqente ainda. Nos Pases Baixos
Meridionais, que permaneceram espanhis, a tradio
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manufatureira era particularmente antiga e prestigiosa. Logo aps
a reconquista espanhola, e a despeito do fechamento de Escalda,
estas provncias reconstituram sua prosperidade material.
Bruges, Gand, Anturpia e Bruxelas, muitas vezes graas
solicitude de seus escabinos, dos arquiduques, e at mesmo dos
governadores espanhis, constituram novas manufaturas,
retomaram suas vendas no estrangeiro. Seus progressos se
afirmaram at a metade do sculo. Mas, quando depois de 1650, a
deflao dos preos, a crise europia, a rudeza da concorrncia
txtil suscitaram, um pouco em toda parte e particularmente na
Frana e na Inglaterra, medidas protecionistas, a economia da
Flandres e do Brabante se viu ameaada. As provncias belgas se
voltaram para Madri, solicitaram o seu apoio e nada obtiveram. O
governo espanhol estava muito debilitado, demasiado embaraado
nas intrigas diplomticas para complicar ainda mais seus
processos. De 1660 a 1711, as exportaes de rendas dos Pases
Baixos destinadas s Ilhas Britnicas cessaram progressivamente,
as de tela passaram de 30000 a 2000 peas, enquanto que,
segundo a tarifa de 1680, os tecidos ingleses no deviam mais de
4 a 6% de seu valor, sua entrada nos Pases Baixos. De nada
adiantaram nem as advertncias dos Estados da Flandres, nem os
protestos dos mercadores; as provncias tomaram conscincia de
ter abandonado, com sua independncia, uma parte de suas
possibilidades econmicas. Por duas vezes, sob o governo de
Maximiliano Emanuel da Baviera, em 1698, 1699, e depois sob a
ocupao francesa, o pas tentou salvaguardar suas
possibilidades. O Conde de Bergeyck fez adotar novas tarifas,
proibir mesmo em 1699 a importao dos tecidos estrangeiros. Os
protestos ingleses e holandeses, os particularismos locais, os
cimes entre brabantinos e flamengos, o egosmo de Anturpia o
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constrangeram a se demitir e fizeram abandonar todas as suas
reformas. Em 1713 e l714, os tratados de Utrecht e de Rastadt
confiaram a Blgica ao Imperador, no sem lhe haver interditado
qualquer liberdade tarifria e, portanto, qualquer grande vocao
comercial e manufatureira. No mundo difcil dos anos 1650-1750,
enquanto a estagnao da demanda e dos preos exaspera a
concorrncia, a prosperidade das manufaturas supe um rigoroso
protecionismo aduaneiro, e portanto um poder poltico capaz de
resistir s presses dos diplomatas e dos mercadores estrangeiros.
VI. A atualidade do Mercantilismo para os Dspotas esclarecidos do Sculo XVIII.
Desta estreita ligao entre poltica e economia, a histria do
despotismo esclarecido nos fornece uma ltima ilustrao.
Quando, no sculo XVIII, os Estados socialmente atrasados em
relao Europa Norte-Ocidental tentaram preencher uma parte
de seu handicap, todos foram buscar no mercantilismo suas
receitas de poderio econmico. Em toda a parte, da Europa
Mediterrnica Europa Central e Oriental, de alguma maneira se
v renovar-se a empresa colbertista e se multiplicarem no mesmo
ritmo as reformas administrativas e as iniciativas mercantilistas.
Ao esforo empreendido para modernizar a administrao,
suprimir os particularismos, os costumes locais, corresponderam
as empresas de arroteamento, de colonizao interna, de
desenvolvimento manufatureiro e de unificao aduaneira.
A histria da Rssia, de Pedro, o Grande, a Catarina II,
ilustra muito bem, para alm das diversidades geogrficas e
conjunturais, esta relao entre a poltica, a economia e a nao.
Os primeiros tericos mercantilistas russos aparecem na segunda
metade do sculo XVII, quando se consolida a dinastia dos
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Romanoff e se delineiam suas ambies. O chanceler Ordin
Natchokin prope a criao de grandes companhias privilegiadas,
para controlar o comrcio internacional e as manufaturas. Para
combater a empresa dos grandes negociantes estrangeiros,
Krijanitch preconiza tambm a industrializao do pas. O czar
Aleixo tentou multiplicar as fbricas em seu domnio e em
Moscou, mas Pedro, o Grande, quem verdadeiramente tira a
Rssia do seu torpor. Tinha sua volta conselheiros e alguns
homens de negcio imbudos dos princpios mercantilistas,
Saltykov, o Cavaleiro de Luberas, Possochkov e o prprio
Menchikov; porm, muito mais que as concepes ideolgicas, as
circunstncias exigiam esta poltica de desenvolvimento
econmico11. A constituio de um exrcito poderoso, o equilbrio
da balana comercial pressupunham o nascimento de um setor
comercial e manufatureiro moderno. Para suprir a falta de capitais
e de quadros, o Estado teve de engajar tcnicos estrangeiros, criar,
ele prprio, usinas, subvencionar as manufaturas txteis e as
fundies de canhes, proteger esta produo pela tarifa
aduaneira de 1724, abrir os canais que ligam o Volga e o Neva, o
centro do Imprio e o Bltico. O mercantilismo russo surge como
um elemento da formao de um Estado centralizado e unificado,
uma etapa da histria da economia nacional.
Pedro, o Grande, j , sua maneira brbara, um dspota
esclarecido; Frederico II o modelo perfeito. De todos os
soberanos da Europa Central e Oriental da segunda metade do
sculo XVIII, ele provavelmente aquele cuja administrao
econmica mais lembra o ministrio de Colbert. Escreve no seu
Ensaio sobre as Formas de Governo que, para prosperar, um pas
deve possuir, antes de tudo, uma balana comercial favorvel, e
acrescenta que preciso utilizar suas prprias matrias-primas
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nas manufaturas nacionais, fundar outras indstrias
especializadas para trabalhar as matrias-primas no estrangeiro e
produzir barato para controlar os mercados internacionais. Probe
pois a exportao das ls e a importao de objetos de luxo,
favorece com subvenes e monoplios a instalao, nos seus
Estados, de novas manufaturas de Veludos, de porcelana, de
tecidos, manda secar pntanos, abrir canais, e dirige a economia
da Silsia conquistada: seu novo Peru.
Assim, enquanto a Frana e a Inglaterra, em novas
condies econmicas, comeam a se interrogar sobre a
oportunidade de prolongar ou de interromper as prticas
mercantis, e consideram uma nova legislao do comrcio e de
novos mtodos para estimular a produo e as trocas, a Europa
ao sul das montanhas alpinas e a leste do Elba retoma por sua
conta o mercantilismo. O despotismo esclarecido toma da Europa
Ocidental as idias e os mtodos que haviam triunfado ali um
sculo antes; esta inspirao antiga, este prolongamento
absolutista ou mercantilista nos conselhos dos prncipes filsofos,
contribuem para a ambigidade de seus personagens e de sua
obra12.
Ao termo deste rpido sobrevo da histria econmica dos
Estados europeus, possvel destacar certos caracteres comuns
das polticas mercantilistas que evocamos? Retomando uma
clebre formulao de E. F. Heckscher, constatamos
primeiramente, no corao do sistema, uma vontade de unificao
e de poderio: unificao territorial e administrativa que os
soberanos dos sculos XVII e XVIII somente puderam esboar, e
que foi completada pela revoluo burguesa e pelo liberalismo;
mas tambm, empresa de poderio monrquico e
conseqentemente nacional. O mercantilismo , antes de tudo,
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um servio da poltica, uma administrao do tesouro real, um
instrumento de grandeza poltica e militar. O dirigismo econmico
do Estado clssico corresponde a motivaes financeiras, um
sistema de produo, de riqueza e no de distribuio. Inspiram-
no preocupaes profanas, uma filosofia laica do Estado. O
maquiavelismo expulsou, em grande parte, todo escrpulo
paternalista, religioso ou moral, e a poltica social somente
aparece, pelo menos no sculo XVII, sob a forma de uma poltica
interna, de uma segurana contra a insurreio. A monarquia sela
sua aliana temporria e interessada com as classes possuidoras.
Este servio exclusivo e abstrato do Estado explica certas
conseqncias internacionais do mercantilismo. Se ele , na
origem, muitas vezes resposta a um desafio do estrangeiro ou da
conjuntura, contribui muito rapidamente para exasperar os
conflitos polticos, suscita as guerras comerciais e coloniais, as
anexaes arbitrrias. Mas o desenrolar das rivalidades
econmicas prova que, com sua independncia poltica, as jovens
naes jogam sua prosperidade material e seu futuro.
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NOTAS
(*) MARSHALL, T. H. Economic journal. 1935; JUDGES, A. V.
Transations of the royal historical Society. 1939; e COLEMAN, D. C.
Scandinavian economic history Review. 1957.
(1) PIRENNE, H. Histoire conomique de l'Occident mdival.
Bruges, 1951, p. 356.
(2) LE BRANCHU, J. Y. crits notables sur la monnaie, Paris,
1934. t. II, p. 188.
(3) J no incio do sculo XVI, os Reis Catlicos
estabeleceram, entretanto, todo um sistema de proibies e de
monoplios: interdio de exportar o ouro e a prata sob pena de
morte, obrigao aos mercadores estrangeiros de fazer seus
retornos em mercadorias espanholas, controle das importaes de
metais preciosos e direito de quinto para o rei, monoplio de
pavilho entre Sevilha e a Amrica, etc.
(*) o tonlieu compreende toda espcie de taxas; um imposto
que reverte a favor do rei. O carter do tonlieu nitidamente fiscal,
e no econmico. Cf. H. PIRENNE, Maom e Carlos Magno, p. 91. (N.
da T.)
(4) HAUSER, H. La pense et l'action conomiques du Cardinal
de Richelieu. Paris, 1944.
(5) CLMENT, P. Lettres et Mmoires de Colbert. Paris, 1861-
1862, t. VII, pp. 239 e ss.
(6) Mesma argumentao numa carta de 1669 (P. CLMENT.
Lettres. Introduction et Mmoires de Colbert, VI, pp. 260 e ss.). 0
comrcio mundial assegurado por 20 000 barcos e este nmero
no pode ser aumentado, porque a populao em cada Estado
permanece estvel e o consumo tambm!
-
(7) O texto est em G. D. RAMSAY, The wiltshire woollen
industry, Londres, 1964.
(8) ASHLEY, M. P. Finances and commercial policy under the
Protectorate. Londres, 1934.
(9) Mmoires de Jean de Witte, Ratisbona, 1709, p. 58.
(10) Os mais lcidos dentre eles medem os efeitos nefastos
do monoplio de Sevilha e da importao desordenada dos
tesouros americanos. A escola de Salamanca lhes ensinara, j no
fim do sculo XVI, a teoria quantitativa da moeda e dos preos.
M. GRICE HUTCHINSON. The school of Salamanca, Oxford, 1952.
(11) O artigo de H. CHAMBRE (Possochkov et le mercantilisme,
Cahiers du monde russe et sovietique, 1963) evoca a possvel
influncia dos economistas poloneses do sculo XVI, N. Coprnico
e Frycz-Modrzewsky e assinala a existncia na Rssia de
tradues de obras ocidentais. Mas insiste sobre a originalidade
de Possochkov.
(12) No mais na Rssia de Pedro, o Grande, do que na
Prssia de Frederico II, cmodo conciliar a existncia da servido
nos campos e as necessidades da mo-de-obra das manufaturas.
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Captulo II
As teorias mercantilistas
Encontramos desde logo os problemas que evocamos na