Download - Dissertação Rodrigo L Medeiros Silva
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
1/195
i
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
2/195
ii
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
3/195
iii
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
4/195
iv
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
5/195
v
Estudar sem pensar ftil. Pensarsem estudar perigoso.
Confcio,em Os Analectos
... preciso considerar-se que o clima
humano em que vive o agente inovador... emsi mesmo muito destrutivo. Submetido a
presses contraditrias persistentes,condenado a sentir-se isolado e
incompreendido, impotente para resguardaras inovaes do solapamento sistemtico, da
resistncia organizada ou dos simplesimprevistos, aquele agente v-se na
contingncia de aceitar atitudes e
comportamentos variavelmente irracionaisFlorestan Fernandes,em Sociedade de Classes
e Subdesenvolvimento
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
6/195
vi
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
7/195
vii
AGRADECIMENTOS:
Ao Prof. Dr. Plnio de Arruda Sampaio Jr., orientador desta dissertao, pela
formidvel capacidade de desestabilizar, em suas perspicazes aulas e nas estimulantesconversas que tivemos, tantas convices j incrustadas em meu sistema de crenas.
Ao Prof. Dr. Joo Braslio Sallum Jr., pelas decididas palavras de estmulo em
um momento crucial de minha trajetria, pelo formidvel exemplo e pelos ensinamentos.
Ao Prof. Dr. Gabriel Cohn, pela profunda compreenso da fragilidade do
processo criativo, pela sua ateno e gentileza em um momento em que a minha
confiana nas perspectivas deste campo de estudos ameaava desfazer-se.
s gentis professoras Hanna Kim e Sujong Kim, do Instituto de Lnguas Brasil-Coria, em So Paulo, que juntas, em especial nas agradveis tardes passadas na Casa de
Ch do Edifcio Coria, no Bom Retiro, deram uma inestimvel contribuio a este
trabalho, conseguindo a proeza de tornar os 18.000km entre So Paulo e Seul um pouco
menos intransponveis.
Ao Prof. Dr. Jos Carlos de Souza Braga, pelas preciosas orientaes.
Aos mestres Dr. Paul Israel Singer, Dra. Maria Arminda do Nascimento Arruda,
Dr. Paulo Davidoff Chagas Cruz e Dr. Flvio Azevedo Marques de Saes pelas
incontveis contribuies minha formao.
Ao grande amigo Fbio Pimentel De Maria da Silva, pelas incontveis
conspiraes orquestradas nestes 15 anos de amizade, pela sua enorme influncia em
meu modo de ver as coisas, pelo apoio sempre encorajador.
Aos meus pais e av, pela compreenso nas tantas ausncias, pela pacincia nos
dias mais ansiosos, pelo apoio que sempre se alegraram em me dar, pela torcida e pelo
inesgotvel carinho.
Lucimara, esteio nestes anos conturbados e promissores, por entender o tempo
e a energia necessrios maturao das idias e pontos de vista, pelo carinho e pela
cumplicidade irrestrita.
Ao CNPq, pela bolsa.
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
8/195
viii
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
9/195
ix
RESUMO:
Nas ltimas quatro dcadas, a Coria do Sul tem vivenciado um processo
extremamente acelerado de crescimento econmico e modernizao estrutural. Alado ao
patamar de modelo para os demais pases perifricos, o chamado caso coreano deu
origem a duas interpretaes tericas mais vastamente difundidas. A primeira, de
inspirao ortodoxa, enfatiza as condies estruturais vigentes na Coria e advoga pela
adequao das polticas econmicas ali implantadas, que teriam respeitado os mecanismos
de mercado, dadas as vantagens comparativas estruturais supostamente detidas pelo pas.
A segunda, de inspirao heterodoxa, enfatiza o papel do Estado na criao de condies
para o desenvolvimento industrial, distorcendo os mecanismos de mercado em setores
taticamente eleitos. O objetivo desta dissertao problematizar estas duas vertentes
analticas, com base nos ensinamentos de Celso Furtado. Para tal, as principais tarefas
desta dissertao so: 1) apresentar um quadro geral das transformaes ocorridas no pas
no ps-guerra, 2) discutir, luz da obra de Furtado, a diferena qualitativa entre
desenvolvimento e crescimento, 3) retomar contribuies de autores das duas vertentes
mais difundidas no debate sobre o caso coreano, 4) discutir a especificidade geopoltica
e histrica da Coria, demonstrando como a trajetria do pas seria altamente afetada por
acontecimentos internacionais cruciais, e 5) argumentar que o rpido crescimento
econmico sul-coreano esteve associado contnua represso da dissidncia polticanacionalista coreana e, 6) discutir em que medida, luz da teoria furtadiana, a Coria
estaria efetivamente se desenvolvendo.
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
10/195
x
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
11/195
xi
ABSTRACT:
During the last four decades, South Korea has been characterized by an
extremely accelerated process of economic growth and structural modernization.
Promoted to the rank of model to other developing countries, the so-called Korean
Case originated two leading theoretical interpretations. The first, of orthodox
inspiration, emphasizes Koreas structural conditions and supports the policies put into
practice in the country, which are seen as respectful to the market mechanism, given the
structural comparative advantages supposedly detained by the country. The second, of
heterodox inspiration, emphasizes the role of the State in distorting the market
mechanism in tactically elected sectors. The point of this dissertation is to discuss the
conclusions of these two groups of authors, having recourse to the theory of
development created by Celso Furtado. Hence, the major tasks of this dissertation are: 1)
to present the transformations occurred in the country since the end of the Korean War,
2) to discuss, alluding to Celso Furtados contribution, the qualitative difference between
economic growth and development, 3) to recapture the dominant debate about the
Korean case, 4) to present the historical and geopolitical specificity of Korea,
demonstrating how vastly the countrys trajectory has been affected by crucial
international happenings, 5) to state that the political repression of Korean nationalist
forces was tough during the period of accelerated growth and, 6) to answer the followingquestion: accoding to the conception developed by Celso Furtado, is Korea becoming a
developed nation?
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
12/195
xii
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
13/195
xiii
SUMRIO:
INTRODUO.....................................................................................01
CAPTULO 1 Para um OlharFurtadiano sobre a Industrializao e oCenrio Poltico Sul-Coreano................................................................07
1.1 Introduo...................................................................................091.2 A Extenso das Transformaes Produtivas e Sociais no Ps-Guerra Coreano: o Milagre do Rio Han...........................................11
1.3 Alguns Fatos sobre o Quadro Poltico
Sul-coreano (1945-1997).....................................................................26
1.4 - Retomando a ConcepoFurtadiana de Desenvolvimento........30
CAPTULO 2 A Coria do Sul como Modelo: Retomando oDebate Dominante Sobre o Caso Coreano.........................................37
2.1 Introduo...................................................................................392.2- O Milagre do Rio Han numa Acepo Ortodoxa
2.2.1 - Paul Kuznets e o Neoclassicismo Estrito......................412.2.2 - Anne Krueger e o Desenvolvimentopelas Exportaes.......................................................................442.2.3 - A Posio do Banco Mundial e osFundamentos Corretos..............................................................50
2.3- O Milagre do Rio Han numa Acepo Heterodoxa2.3.1 - Alice Amsden e a Exaltao daDistoro dos Preos Relativos.................................................552.3.2 - Otaviano Canuto e o CapitalismoTardio Coreano...........................................................................63
2.3.3 Fernando Fajnzylber e a TransformaoProdutiva com Eqidade.............................................................69
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
14/195
xiv
CAPTULO 3 Dependncia e Crescimento: Elementos do ContextoGeopoltico da Industrializao Coreana (1894-1997)..........................79
3.1 Introduo...................................................................................81
3.2 - A Coria antes do Processo de Modernizao: umaCultura Milenar em Cheque e a AparenteAusncia de Novos Horizontes............................................................84
3.3 A Relevncia do Cenrio Externona Industrializao Coreana
3.3.1 - Reforma Social e Institucional sobDomnio Colonial Japons............................................................903.3.2 - Reforma Agrria e Alfabetizao sobOcupao Americana..................................................................1003.3.3 - A Ajuda Externa Americana: Reconstruindoo Estado Coreano........................................................................1032.3.4 - A Participao Coreana na Guerra do Vietn e aTransubstanciao da Ajuda Americana....................................1122.3.5 - A Normalizao das Relaes Nipo-coreanas:Contribuio ao Equilbrio Externo e Apoio aoDesenvolvimento da Siderurgia Coreana...................................1182.3.6 - A Expanso dos Euro-mercados e oDesenvolvimento da Indstria Pesada Coreana..........................1222.3.7 - O Japo e a Crise da Dvida dos Anos 80:a Aterrissagem Adiada e Suavizada da Economia Coreana.......127
CAPTULO 4 Represso Poltica e Crescimento: Retomando aHistria da Dissidncia Coreana (1894-1993).....................................135
4.1 Introduo.................................................................................137
4.2 -Resistncia Nacional sAgresses Estrangeiras: 1894-1960...................................................140
4.3 O Regime Militar e suaContestao Popular: 1960-1993.......................................................150
CONCLUSO Dependncia, CrescimentoSuavizado e Ritual Democrtico: a Coria do Sulnuma Encruzilhada (1993-2007)..........................................................161
BIBLIOGRAFIA..................................................................................175
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
15/195
1
INTRODUO:
Desde a realizao dos Jogos Olmpicos de Seul, em 1988, se tornou muito
difundida a percepo, seja nos crculos especializados ou leigos, de que a Coria do Sul
constituiria um caso raro, mas paradigmtico, de nao perifrica que teria conseguido,
em virtude da adoo de polticas econmicas acertadas, ultrapassar a barreira do
subdesenvolvimento, ingressando no seleto clube das naes avanadas. De modo geral,
a Coria do Sul inquietava o mundo ao ostentar, apenas trs dcadas aps o triste
desfecho da Guerra da Coria, indicadores econmicos e sociais capazes de atiar inveja
entre os demais pases perifricos. Mas o que estaria por trs de toda esta pujana?
Cerca de uma dcada antes dos jogos, o acelerado crescimento econmico
vivenciado por este pas comeava j a motivar a realizao de diversos estudos com
vistas elucidao das bases do dinamismo coreano. De acordo com as concluses da
maioria dos autores envolvidos neste debate, a Coria do Sul constituiria um modelo a
ser seguido pelos demais pases em desenvolvimento. De modo geral, sua trajetria
era contraposta s demais experincias de industrializao tardia e perifrica, ento
acometidas por uma grave crise que frustrara, novamente, as expectativas de
crescimento e superao do subdesenvolvimento nos marcos da dependncia.
Neste contexto, o modelo coreano era apontado como uma alternativa. Entre as
virtudes da estratgia sul-coreana, costumam figurar: 1) a agressividade de sua insero
comercial nos mercados internacionais de manufaturados, 2) o carter arrojado de suaestratgia de aquisio de habilidades cientficas e tecnolgicas, 3) o alto valor conferido
pelo governo sul-coreano difuso das oportunidades educacionais, 4) a diviso
relativamente equnime da renda nacional, 5) a elevada centralizao do capital
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
16/195
2
caracterstica do conglomerado industrial padro sul-coreano, 6) a arquitetura financeira
capaz de mobilizar internamente um alto contingente de poupana, e, 7) a harmonia
entre o setor financeiro e os atores do projeto industrialista. Todos os sete tpicos so
entendidos, tipicamente, como xitos de gesto. Tais escolhas podem ser tributadas,
por vezes, bem qualificada burocracia sul-coreana. Outras vezes, vm associadas ao
carter visionrio das vocaes empreendedoras nativas. Enxergado sob esta perspectiva,
o xito sul-coreano pressupe, ento, um elevado grau de autonomia dos atores locais na
formulao e implementao da agenda industrialista. Mas em que medida este
pressuposto se coaduna com a histria sul-coreana?
Em visita recente Austrlia para a Reunio de Cpula da APEC (Cooperao
Econmica da sia e do Pacfico), o atual presidente sul-coreano cometeria uma
pequena gafe diplomtica que descortinaria o delicado limite que separa soberania e
autonomia em seu pas. Preocupado com o tema da Reunificao das Corias, Roh Moo-
Hyun deixaria claro, mesmo diante das cmeras, de que quem decide sobre a
continuidade do projeto de reunificao coreana um item importante de seu programa
de governo , na verdade, o presidente norte-americano.1
Aps ouvir uma declarao do presidente George W. Bush, o presidente sul-
coreano perguntaria ao colega: Eu acho que posso ter me enganado, no acredito ter
ouvido o presidente Bush mencionar uma declarao para terminar a Guerra da Coria j.
Voc disse isto, presidente Bush? Bush, ento, explicaria: Cabe a Kim Jong-Il2 decidir
se assinamos um tratado para encerrar a Guerra da Coria. Ele tem que se livrar de suas
armas de forma clara. E estamos fazendo progressos neste sentido. Cabe a ele. Em um
1 O incidente ocorreu em Sydney no dia 7/09/2007.2 O lder norte-coreano.
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
17/195
3
desabafo, ou em um ato inteligente de presso diplomtica com o uso das cmeras, o
presidente sul-coreano ento retrucaria: Mesma conversa. Mesma conversa. O
presidente Kim Jong-Il e o povo norte-coreano querem ouvir uma histria diferente.3
Com a sutileza que lhe caracterstica, Bush sentenciaria: Eu no posso ser mais claro,
Sr. Presidente.
Como encontrar, em estudos que pressupe uma autonomia praticamente
irrestrita do governo sul-coreano, uma explicao para uma fragilidade to aparente do
presidente sul-coreano frente a seu colega norte-americano? Como que um governo
capaz de ensejar a agressiva insero de sua indstria no comrcio internacional, tantas
vezes s expensas de fatias de mercado detidas por empresas norte-americanas, no
forte o suficiente para dar por encerrada a Guerra Fria em seu territrio, reunificando um
territrio cuja unidade remonta ao ano de 668 d.C.? Quais os limites, ento, para o
mpeto sul-coreano? Com base em que tradio de reflexo sobre o desenvolvimento
encontramos respostas para delimitar os limites do sucesso deste pas?
Neste trabalho, ento, a proposta fazer uma anlise furtadiana do salto industrial
sul-coreano. Procuraremos compreender a industrializao da Coria do Sul como uma
industrializao nos marcos da dependncia e do sub-desenvolvimento, conduzindo o
pas aos seguintes resultados: (1) crescimento econmico muito vigoroso, (2) difuso
das oportunidades educacionais, (3) autonomia tecnolgica em alguns nichos
especficos, (4) insero produtiva e comercial internacional nos mercados de
manufaturados (5) crescente concentrao inter-pessoal de renda ainda que em nveis
3 Note que a traduo inglesa da fala do presidente sul-coreano foi arbitrariamente alterada pelos veculosde imprensa do Ocidente para amenizar o mal-estar diplomtico. J os principais veculos de imprensa daCoria do Sul sequer noticiaram o ocorrido. No entanto, a traduo literal, assim como o vdeo com osdilogos, foram divulgados por organizaes no governamentais comprometidas com a re-unificao.
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
18/195
4
mais modestos do que no restante da periferia , (6) crescente concentrao inter-
regional de renda, (7) concentrao de riqueza e enorme concentrao de poder
econmico, (8) elevadssima segmentao do mercado de trabalho por gnero, (9)
heterogeneidade do tecido produtivo conglomerado exportador versus pequena
empresa , (10) enorme dependncia cultural e intelectual face a naes estrangeiras, e,
(11) completa submisso poltica-internacional, especialmente nos assuntos
relacionados ao importante tema da Reunificao, mas no apenas.
Norteados pela concepo de desenvolvimento e subdesenvolvimento de Celso
Furtado, procuraremos caracterizar dois eixos do processo de modernizao estrutural
da Repblica da Coria:
1) A profunda dependncia deste pas diante de potncias estrangeiras, e asoportunidades abertas ao capital sul-coreano nos marcos desta dependncia;
2) O quadro de sempre renovado autoritarismo poltico que seria necessriopara tornar operacional um processo de modernizao acelerada balizado por
esta estreita dependncia.
Para cumprir os dois objetivos acima, percorreremos o seguinte caminho:
a) Apresentaremos dados sobre o processo de modernizao e industrializaovivenciado pela Coria do Sul ao longo do sculo XX. Procuraremos reunir
estatsticas que dem ao leitor uma dimenso mais precisa do ritmo e da
profundidade do processo em questo.
b) Caracterizaremos, primeiro apenas superficialmente, o ambiente polticointerno da Coria do Sul durante o perodo marcado pela acelerada
industrializao.
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
19/195
5
c) Retomaremos a teoria furtadiana do desenvolvimento, permitindo quefaamos uma distino clara entre desenvolvimento e crescimento econmico.
Procuraremos retomar, tambm, a possibilidade aberta por Furtado de
crescimento sem desenvolvimento.
d) Faremos um mapeamento rigoroso das mais difundidas interpretaesanalticas acerca do desenvolvimento sul-coreano.
e) Retomaremos o contexto histrico-internacional em que se deu amodernizao coreana. Procuraremos demonstrar, ento, que a maior
fraqueza das interpretaes anteriormente mencionadas negligenciar a
importncia deste contexto, sem o qual, esperamos demonstrar, no seria
factvel a implementao do modelo coreano.
f) Descreveremos a atividade dissidente dentro da Coria do Sul. Havia gruposperdedores no milagre?4 Havia razes para se opor ao regime poltico-
econmico ali implantado? Quais?Qual a importncia de foras estrangeiras
para silenciar estas dissidncias, tornando operacional tal equilbrio poltico?
Aps uma reflexo sobre cada um destes temas, esperamos retornar aos
ensinamentos de Furtado para responder a seguinte pergunta: a Coria se desenvolveu?
Em que medida o enriquecimento do pas no se conjugou com um maior grau de
autonomia nacional? Em que medida o sistema poltico interno continua incapaz de
enfrentar os principais temas nacionais? E, por fim, em que medida o sucesso do
modelo coreano conduziu o pas a um impasse histrico?
4 Note que no esperamos delimitar precisamente quais os grupos perdedores e ganhadores, nem mostraras diferentes formas de composio entre os ganhadores, sejam eles nacionais ou estrangeiros; nossointuito mais modesto: mostrar que havia, sim, grupos que se percebiam como perdedores.
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
20/195
6
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
21/195
7
CAPTULO 1Para Um Olhar Furtadiano sobre aIndustrializao e o Cenrio Poltico Sul-Coreano
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
22/195
8
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
23/195
9
1.1 Introduo:Se examinarmos com ateno uma lista que classifique os mais diversos pases do
globo por ordem decrescente de PIB nominal per capita, veremos que figuram, no topo,
pases altamente industrializados, possuidores de indicadores educacionais elevados,
grau de concentrao de renda relativamente baixo, excelente infra-estrutura fsica, alto
nvel de produtividade por trabalhador, entre outros atributos igualmente invejveis.
Para o ano de 2005, por exemplo, esta lista5 encabeada por pases como a Noruega, a
Sua e a Dinamarca com um PIB nominal per capita de, respectivamente, US$
61.852, US$ 52,879 e US$ 49.182 . costumeiro fazer meno a pases, ento,
quando buscamos casos extremos de pases desenvolvidos.
No outro extremo desta lista, possvel identificar a predominncia de pases
ainda no industrializados, com infra-estrutura fsica desfavorvel, indicadores
educacionais que deixam a desejar, entre outras deficincias. No ano de 2005, pases
como o Burundi, a Repblica Democrtica do Congo e a Etipia se destacavam
negativamente neste ranking com um PIB nominal per capita de, respectivamente,
US$ 106, US$ 116 e US$ 123 . Quando falamos de pases subdesenvolvidos,
portanto, bastante freqente a referncia a estas naes.
Contudo, o uso desavisado de indicadores como o PIB ou o PNB per capita
enquanto referenciais para definir se um pas desenvolvido ou subdesenvolvido pode
nos conduzir, no raras vezes, a questionamentos perturbadores. Pois se este o nicocritrio para auferir o grau de desenvolvimento de um pas, fatalmente identificaremos
pases como o Catar, o Quaite e os Emirados rabes Unidos como modelos de
5 Segundo dados do FMI.
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
24/195
10
desenvolvimento econmico pois eles ostentam PIBs nominais per capita de,
respectivamente, US$ 39.607, US$ 22.424 e US$ 22.009 . No entanto, sabemos que a
afluncia destes pases est inextricavelmente ligada a um fenmeno absolutamente fora
de seu controle: a dependncia que os pases industrializados mantm dos combustveis
fsseis ali disponveis. Poucos ousariam apostar que sua opulncia seria a mesma aps o
eventual surgimento alguma alternativa energtica vivel.
Nas ltimas cinco dcadas, a Coria do Sul, foco deste estudo, registrou taxas
muito respeitveis de crescimento econmico. Ao fim dos anos 1990, como veremos,
este pas j atingiria nveis de PIBper capita bastante similares queles de vrios pases
europeus, tradicionalmente entendidos como desenvolvidos. Mas isto quer dizer,
necessariamente, que a Coria do Sul se desenvolveu?
Neste captulo temos trs objetivos, quais sejam: 1) demonstrar a enorme
vitalidade do processo de acumulao na Coria do Sul durante o ps-guerra, recorrendo
para tal a indicadores estatsticos diversos, 2) retomar brevemente o quadro poltico sul-
coreano ao longo das dcadas do milagre e, 3) discutir, com base nos ensinamentos de
Celso Furtado, a diferena conceitual entre desenvolvimento e crescimento econmico.
As prximas trs sees deste captulo se destinam, respectivamente, consecuo de
cada uma destas trs tarefas. Com base nos fatos que apontaremos para cumprir as duas
primeiras tarefas e, ademais, munidos da perspectiva terica que revisitaremos para
cumprir a terceira tarefa, esperamos que seja possvel problematizar, ao longo dos
Captulos 3 e 4, a bibliografia mais difundida sobre a industrializao coreana
bibliografia esta que ser analisada em pormenores no Captulo 2 .
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
25/195
11
1.2 A Extenso das Transformaes Produtivas e Sociais no Ps-Guerra Coreano: o Milagre do Rio Han:
Aps o desfecho da II Guerra Mundial e o advento do Plano Marshall, a Repblica
Federal da Alemanha vivenciou um perodo de elevadssimas taxas de crescimento
econmico. Este evento ficaria conhecido como Wunder vom Rhein, ou Milagre do
Reno. Poucos anos depois, a Repblica da Coria, outro pas profundamente marcado
pelo contexto da Guerra Fria, comeou a ostentar taxas de crescimento econmico
igualmente dignas de nota. Obviamente inspirados pelas notcias que vinham da
Alemanha, alguns analistas batizaram a boa mar coreana de Milagre do Rio Han, em
aluso ao principal rio coreano, que corta a cidade de Seul. Neste captulo, tentaremos
demarcar mais precisamente as transformaes econmicas e estruturais vivenciadas
pela economia sul-coreana durante o dito Milagre.
Debrucemo-nos sobre alguns dados. A Guerra da Coria termina em 1953, e a
partir da que se torna razovel falar em crescimento econmico na Coria do Sul. Entre
1954 e 1960, quando o pas foi governado por Syngman Rhee, a taxa mdia de
crescimento real do PIB foi, ali, de 4% ao ano. J entre 1961 e 1970, perodo marcado
pela ditadura do general Park Chung Hee, esta cifra subiu para 8,4% ao ano. Entre 1971
e 1980, ainda sob o general Park, a taxa decrescimento mdia do pas continuou
respeitvel: 7,1% ao ano. No perodo subseqente, marcado pelos governos de Chun
Doo Hwan (1980-1988), Roh Tae Woo (1988-1993) e Kim Young Sam (1993-1998), aeconomia aceleraria ainda mais e atingiria, entre 1981 e 1996, o ritmo de 8,9% ao ano.
Aps a Crise da sia, de 1997 perodo marcado, na Coria, pelo aprofundamento das
liberdades polticas e pelo enfraquecimento de vrios instrumentos do Estado
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
26/195
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
27/195
13
ano. Alm disto, desde o incio do perodo Park Chung Hee, apenas por dois anos
1980 e 1998 verificou-se, ali, taxas negativas de crescimento econmico.
Este acelerado ritmo de expanso econmica esteve associado a uma verdadeira
metamorfose na estrutura produtiva sul-coreana. Em 1954, este ainda era um pas
predominantemente agrcola. Da em diante, teve incio um frentico processo de
urbanizao e industrializao, cuja energia , muito provavelmente, mpar em toda a
histria humana. A Tabela 1.2.1 compara o ritmo da modernizao estrutural sul-
coreana com aquele observado em outros pases.
TABELA 1.2.1 Velocidade do Processo de Modernizao Capitalista:Coria do Sul e Pases SelecionadosPercentual da populao empregadano setor agrcola
Percentual da agricultura naproduo total
Ano emqueatingiu40%
Ano emqueatingiu16%
Anostranscorridos
Ano emqueatingiu40%
Ano emqueatingiu7%
Anostranscorridos
Gr-Bretanha
< 1800 1868 70 1788 1901 113
Pases
Baixos
1855 1950 96 1800 1965 165
Alemanha 1897 1957 60 1854 1960 106EstadosUnidos
1900 1942 42 1866 1958 92
Dinamarca 1920 1962 42 1850 1969 119Frana 1921 1965 44 1878 1972 94Japo 1940 1971 31 1896 1969 73Coria doSul
1977 1991 14 1965 1991 26
Fonte: Park, Chanyong; Kim, Meesook. Current Poverty Issues and Counter Policies inKorea. Seul: KIHASA-UNDP, 1998.
O perodo posterior Guerra da Coria foi caracterizado por um veloz processo
de urbanizao. Em 1910, ano em que a velha Coria fora anexada ao Imprio Japons,
apenas uma nfima parcela de 3% da populao coreana residia em cidades. Em 1945,
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
28/195
14
aps mais de trs dcadas de grandes investimentos industriais japoneses, esta parcela
ainda no excedia 13% (McNamara, 1990: 1)8. Mas em 1995, s vsperas da Crise
Asitica, as cidades j congregavam 78,5% dos coreanos (ONU, 1998). 9
Este processo de urbanizao foi acompanhado, como agravante, por um
acelerado crescimento populacional. Em 1910, havia apenas 13,129 milhes de
coreanos. Em 1940, estes j somavam 23,547 milhes (Kuznets, 1977: 217-218). 10 Em
2006, somente a populao da parte meridional da antiga Coria a Coria do Sul
j totalizava 48,846 milhes. A ttulo de curiosidade, a populao combinada das duas
Corias atingia, ento, respeitveis 71,959 milhes (CIA, 2006). Alm disto, segundo
dados de 2005, a populao da regio metropolitana de Seul j contabilizava 22,770
milhes de habitantes 11 , o que corresponde a 45% da populao do pas inteiro,
aproximadamente.
A despeito da elevada taxa de crescimento populacional e do intenso fluxo de
pessoas rumo s cidades, o notvel ritmo expansivo da economia coreana revelou-se
suficiente para permitir a manuteno de taxas de desemprego moderadas, pelo durante
a maior parte do perodo do Milagre, entre 1962 e 1997, quando as polticas
econmicas concebidas sob o General Park atingiram seu pice. O Grfico 1.2.2 expe
as taxas de desemprego na Coria do Sul, entre os anos de 1963 e 2006 note que os
anos do boom, entre 1963 (2 Ano do 1 Plano Qinqenal e 1 ano de um ciclo de forte
acelerao do crescimento) e 1997 (ano da Crise Asitica) esto em vermelho .
8 Estes dois ltimos dados incluem as duas Corias.9 Este ltimo dado se refere unicamente Coria do Sul.10 Estes dois ltimos dados incluem as duas Corias.11 Dados doNational Statistical Office, incluindo as cidades de Seul, Kynggi e Inchn.
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
29/195
15
GRFICO 1.2.2 Desemprego na Coria do Sul, 1963-1997:
Taxa de Desemprego Durante o Boom Coreano (1963-1997) e Alguns AnosPosteriores (1998-2006)
7,77,4
7,1
6,2
5,14,8
4,5
4,13,93,8
3,2
3,8
5,2
4,5
4,13,8
43,8
3,1
2,42,5
2,9
2,5
2,1 2
2,6
7
6,3
4,4
4,03,7
3,5
3,7
3,63,3
2,4
4,44,14
4,54,5
8,2
2,62,5
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
1963
1965
1967
1969
1971
1973
1975
1977
1979
1981
1983
1985
1987
1989
1991
1993
1995
1997
1999
2001
2003
2005
%
Fonte: Korea National Statistical Office. Annual Report on the Economically Active Population Survey(1964-2002), para os dados at 1999 e, Banco da Coria, Economic Statistics System, pela Internet, paraos dados entre 2000 e 2006.
Outra caracterstica costumeiramente ressaltada naquilo que tange ao processo de
modernizao sul-coreano o notvel avano, no pas, dos mais diversos indicadores
educacionais. A Tabela 1.2.2 fornece alguns nmeros sobre a performance coreana neste
campo. Nela, possvel constatar que a educao realmente no foi negligenciada nem
mesmo antes do boom econmico, uma vez que, j nos anos 1960, a educao primria
fora universalizada. J a educao secundria tardaria mais a se tornar de acesso geral, o
que somente ocorreria nos anos 1990. Quanto ao ensino superior, verifica-se uma
grande acelerao no nmero de alunos matriculados j a partir dos anos 1980. Todos
estes indicadores se refletem na mdia de anos de escolarizao, que tem sido sempre
crescente.
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
30/195
16
TABELA 1.2.2 Indicadores Selecionados sobre Educao, 1961-19931961 1966 1972 1981 1987 1993
Mdia de Anosde Estudo daPopulao
- - - 5,0 6,1 7,8 9,0 10,1
Taxa (%) deMatrcula doEnsinoFundamentalA
97 103 107 103 102 101
Taxa (%) deMatrcula noEnsino MdioA
30 36 49 59 65 99
Taxa deMatrcula noEnsinoSuperiorB
54 57 65 192 305 355
A Indica o percentual de alunos matriculados em relao populao na faixa etriaadequada ao nvel escolar. Note que o resultado pode ser maior que 100% devido aoatraso escolar.B Indica o nmero de matrculas por 10.000 habitantesFonte: Banco Mundial. Korea: Four Decades of Equitable Growth. Washington, CaseStudies in Scaling Up Poverty Reduction, 2004
Um outro indicador que salta aos olhos a capacidade revelada pelo sistema
educacional sul-coreano de permitir, progressivamente, que a grande maioria de seus
alunos prossiga seus estudos at o nvel superior. Note que, atualmente, 89,8% dos
jovens que terminam ali o nvel mdio e 62,3% dos que se formam nas escolas mdias
vocacionais progridem para o ensino superior a contabilizados, tambm, os cursos
superiores de curta durao . A Tabela 1.2.3 fornece dados preciosos para a
caracterizao deste processo.
Alm disto, a incluso de mais e mais crianas ao sistema escolar coreano
tambm significou a edificao, pelo Estado, de uma melhor infra-estrutura educacional.
A Tabela 1.2.4 traz alguns dados sobre o nmero de professores e instituies de ensino
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
31/195
17
existentes na Coria do Sul ao longo do tempo. Evidencia-se o forte acrscimo no
nmero de instituies e professores lecionando em todos os nveis.
TABELA 1.2.3 Taxas de Re-Matrcula ao Fim da Cada Nvel, 1970-2004
Ensino Elementar(1 Ciclo)Ensino Elementar(2 Ciclo)
Ensino Elementar(2 Ciclo)Ensino Mdio
Ensino MdioUniversidade Ensino Mdio"Vocacional"Universidade
1970 66.1 70.1 40.2 9.51975 77.2 74.7 41.5 8.81980 95.8 84.5 34.0 10.11985 99.2 90.7 53.8 13.31990 99.8 95.7 47.2 8.31995 99.9 98.4 72.7 19.11996 99.9 98.9 77.8 21.9
1997 99.9 99.4 81.4 29.11998 99.9 99.4 83.8 35.61999 99.9 99.4 84.5 38.52000 99.9 99.5 83.9 41.92001 99.9 99.6 85.3 44.92002 99.9 99.6 87.0 49.82003 99.9 99.7 90.1 57.62004 99.9 99.7 89.8 62.3
Obs: Taxa de re-matrcula = [matrculas no ciclo seguinte / graduados no presente nvel] x 100Obs2: "Universidade" inclui tambm os cursos superiores de curta duraoFonte:Education in Korea. Ministry of Education & Human Resources Development,
Republic of Korea, p. 47.
Conforme mais e mais jovens foram tendo a possibilidade de concluir a educao
escolar, a aparentemente insacivel sede coreana por educao superior refletiu-se,
como j dissemos, no brutal crescimento no nmero de universitrios. Caracterizou-se,
ento, uma trajetria exponencial de crescimento no nmero de alunos matriculados
neste nvel de ensino, em um processo que ainda no emite sinais de arrefecimento. O
Grfico 1.2.3 traz os nmeros de estudantes matriculados no nvel superior desde o fim
da II Guerra Mundial.
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
32/195
18
TABELA 1.2.4 A Evoluo da Infra-estrutura Educacional CoreanaExpanso das Escolas Elementares do 1 Ciclo (1945-2003)
1945 1960 1970 1980 1990 2003Instituies 2.834 4.496 5.961 6.487 6.335 5.464Professores 19.792 61.605 101.095 119.064 136.800 154.077
Expanso das Escolas Elementares do 2 Ciclo (1945-2003)1945 1960 1970 1980 1990 2.003
Instituies 166 1.053 1.608 2.121 2.470 2.865Professores 1.186 13.053 31.207 54.858 89.719 99.916
Expanso das Escolas Mdias (1945-2003)1945 1960 1970 1980 1990 2003
Instituies 307 640 889 1.353 1.683 2.095Professores 1.720 9.627 19.854 50.948 92.683 116.292
Expanso da Educao Superior (1945-2003)1945 1960 1970 1980 1990 2003
Instituies 19 85 232 357 556 1.421Professores 1.490 3.808 10.435 20.900 41.920 63.823Fonte:Education in Korea: 2005~2006. Ministry of Education & Human ResourcesDevelopment, Republic of Korea, p. 16.
GRFICO 1.2.3 Alunos Matriculados no Ensino Superior, 1945-2003:
Expanso do Ensino Superior
7.819 101.041
601.494
1.490.809
3.588.039
201.436
0
500.000
1.000.000
1.500.000
2.000.000
2.500.000
3.000.000
3.500.000
4.000.000
1945 1960 1970 1980 1990 2003
Alunos Matriculados
Fonte: Education in Korea: 2005~2006. Ministry of Education & Human Resources Development,Republic of Korea, p. 16
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
33/195
19
Mas nem todos os dados a respeito do sistema educacional coreano so to
favorveis. Outra importante dimenso do sistema que deve ser avaliada se este teria
se revelado capaz de promover a incorporao das mulheres ao sistema de ensino. A
est o calcanhar de Aquiles da educao coreana. Note que as mulheres, em se
tratando de uma sociedade de matriz cultural confuciana como a da Coria, estiveram
historicamente excludas das atividades de cunho intelectual, sendo estas reservadas aos
homens, enquanto s mulheres cabia um papel, ainda que de enorme relevncia social,
muito mais restrito aos bastidores. Neste contexto, a incorporao das mulheres ao
ensino superior do pas ainda deixa muito a desejar. Mesmo assim, no se pode deixar
de notar que sua participao nas matrculas deste nvel de ensino tem sido crescente. E
deve-se ressalvar que, no que tange educao de primeiro e segundo graus, o ritmo de
incluso das mulheres parece ter se equiparado ao dos homens como evidenciam dos
dados da Tabela 1.2.5, que denotam um relativo equilbrio entre os as participaes
masculina e feminina a partir dos anos 1990 .
TABELA 1.2.5 O Ritmo de Incorporao das Mulheres ao Sistema deEnsino, 1961-1993
1961 1966 1972 1981 1987 1993Mulheresna EscolaPrimria(%)
45 46 48 48 48 48
Mulheresna Escola
Secundria(%)
28 36 39 45 47 48
Mulheresno EscolaTerciria(%)
19 25 25 24 27 31
Fonte: Banco Mundial.Korea: Four Decades of Equitable Growth. Washington, CaseStudies in Scaling Up Poverty Reduction, 2004
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
34/195
20
Outra dimenso do processo de modernizao asitico, em geral, e coreano, em
particular, que nos acostumamos a ver alardeada aos quatro ventos a elevada taxa de
poupana associada ao rpido crescimento econmico. Este mpeto poupador aliceraria,
conforme se afirma, elevadssimas taxas de investimento. O problema deste argumento
que, como demonstram dos dados, a taxa de poupana na Coria somente atinge o
estupendo patamar que a caracterizou historicamente quando o milagre j estava em
pleno curso. O Grfico 1.2.4 expe o comportamento da taxa de poupana do pas.
GRFICO 1.2.4 Taxa de Poupana na Coria, 1970-2005:
Taxa Bruta de Poupana na Economia Coreana
17,8
15,7
17,0
22,821,9
19,5
25,3
28,7
31,030,2
24,724,6
25,7
29,031,0
31,2
34,9
38,4
40,4
37,6
37,5
37,6
36,8
36,736,3
36,3
35,5
35,5
37,5
35,333,7
31,731,3
32,8
34,9
33,0
0,0
5,0
10,0
15,0
20,0
25,0
30,0
35,0
40,0
45,0
1970
1971
1972
1973
1974
1975
1976
1977
1978
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
%
Fonte: Banco da Coria,Major Anaysis Indicators.
J naquilo que diz respeito ao investimento, as taxas coreanas tem sido sempre
muito elevadas, em um movimento que claramente precedeu a formao, no pas, de
igualmente elevadas taxas de poupana. O Grfico 1.3.5 expe as taxas de investimento
na Coria entre 1970 e 2005, conforme informadas pelo Banco da Coria. J o Grfico
1.2.6 contrape as sries de poupana e investimento dos Grficos 1.2.4 e 1.2.5.
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
35/195
21
GRFICO 1.2.5 Taxa de Investimento na Coria, 1970-2005:
Taxa de Investimento na Economia Coreana
30,2
30,430,1
29,129,4
31,1
29,3
25,2
36,1
39,0
37,836,935,7
37,2
39,7
37,4
33,8
31,230,329,430,4
30,6
29,228,929,9
31,9
36,0
32,7
28,626,6
28,8
31,8
24,8 25,2
21,4
25,4
0,0
5,0
10,0
15,0
20,0
25,0
30,0
35,0
40,0
45,0
1970
1971
1972
1973
1974
1975
1976
1977
1978
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
%
Fonte: Banco da Coria.
GRFICO 1.2.6 Poupana e Investimento na Coria, 1970-2005:
Taxas de Investimento e Poupana na Repblica da Coria
0,0
5,0
10,0
15,0
20,0
25,0
30,0
35,0
40,0
45,0
1970
1971
1972
1973
1974
1975
1976
1977
1978
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
%
Poupana Investimento
Fonte: Banco da Coria.
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
36/195
22
Outro aspecto do Milagre coreano bastante enfatizado por seus entusiastas a
suposta manuteno, no pas, de taxas moderadas de inflao. Bem, quanto a isto se
deve ressaltar que os dados apontam para uma inflao, sem lugar dvida, muito
menos incmoda do que entre ns latino-americanos. No obstante, foi s desde os anos
1980 que o ndice de Preos ao Consumidor coreano atingiu um patamar efetivamente
baixo.
O Grfico 1.2.7 mostra as taxas de crescimento do IPC na Coria do Sul entre
1966 e 2005, conforme divulgado pelo Banco da Coria. Note que em todos os anos
entre 1966 e 1972 e entre 1974 e 1981 o IPC coreano superou a barreira dos 10% ao ano.
Alm disto, nos anos de 1974-1975 e 1980-1981 binios imediatamente posteriores
aos dois Choques do Petrleo o IPC coreano superou o patamar dos 20% ao ano.
GRFICO 1.2.7 Taxa de Inflao Coreana, 1966-2005:
Variao Anual do ndice de Preos ao Consumidor na Coria do Sul, 1966-2005
2,7
3,63,6
2,7
4,1
0,82,3
7,5
4,44,94,5
6,3
4,8
6,2
9,38,6
5,7
7,1
3,12,8
2,52,3
3,4
7,2
21,4
28,7
18,3
14,5
10,1
15,3
25,224,3
3,2
11,7
13,5
16,0
10,810,9
12,4
11,3
0,0
5,0
10,0
15,0
20,0
25,0
30,0
35,0
1966
1968
1970
1972
1974
1976
1978
1980
1982
1984
1986
1988
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
%
Fonte: Banco da Coria.
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
37/195
23
TABELA 1.2.6 Indicadores Selecionados de P&D, 1970-19951970 1975 1980 1985 1990 1995
Pesquisadorespor 10.000habitantes
1,8 2,9 4,8 10,1 16,4 28,6
Nmero deLaboratriosde P&D nasCorporaes
0 12 54 183 966 2.270
Gasto Totalem P&Dem % do PIB
0,39 0,44 0,58 1,56 1,88 2,71
Gasto Pblicoem P&Dem % do PIB
0,3 0,29 0,37 0,39 0,36 0,51
Gasto
Privado emP&D em %do PIB
0,09 0,15 0,21 1,17 1,52 2,2
Gasto emP&D porPesquisador(Milhes deWn)
1.874 4.152 15.325 27.853 49.514 73.574
PatentesRequeridas
1.846 2.914 5.070 10.587 25.820 78.499
Fonte: Lee, Won-Young. The Role of science and Technology Policy in Koreas
Industrial Policy. In: Kim, Linsu; Nelson, R. R. Technology, Learning, & Innovation.Cambridge: Cambridge University Press, 2004
Outra caracterstica costumeiramente lembrada do processo coreano de
industrializao tem sido o seu destacado zelo pelas questes tecnolgicas. Analisemos,
ento, alguns dados. A Tabela 1.2.6 expe alguns indicadores relacionados ao tema.
Nela, fica evidente o progresso coreano neste campo. O nmero de pesquisadores por
10.000 habitantes se expandiu formidavelmente entre 1970 e 1995, assim como cresceu
o nmero de laboratrios privados de P&D. O gasto total em P&D aumentou muito ao
longo do tempo, e foi no setor privado que se concentrou a maior parte desta expanso.
O gasto em P&D por pesquisador tambm evoluiu muito. Todos estes indicadores
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
38/195
24
estiveram associados, outrossim, a um enorme aumento no nmero de patentes
requeridas por coreanos.
Mais um predicado costumeiramente mencionado quanto ao processo coreano de
modernizao diz respeito ao agressivo envolvimento da economia do pas no comrcio
exterior. Os dados realmente indicam que as exportaes coreanas foram elevadas da
inexpressiva cifra de US$ 55 milhes, em 1962 (Banco Mundial: 2004: 22), para atingir
o valor de US$ 325.464.848.000 em 2006. Apesar deste inslito ritmo expansivo, no se
deve esquecer que o comrcio exterior sul-coreano tambm foi marcado, historicamente,
por persistentes desequilbrios. O Grfico 1.2.8 traz alguma luz a este tema, revelando a
recorrncia, no pas, de dficits comerciais em vrios perodos.
GRFICO 1.2.8 Balana Comercial Sul-Coreana, 1970-2006:
Balana Comercial Coreana em Milhares de Dlares Correntes (1971-2005)
-50.000.000
0
50.000.000
100.000.000
150.000.000
200.000.000
250.000.000
300.000.000
350.000.000
1
971
1
972
1
973
1
974
1
975
1
976
1
977
1
978
1
979
1
980
1
981
1
982
1
983
1
984
1
985
1
986
1
987
1
988
1
989
1
990
1
991
1
992
1
993
1
994
1
995
1
996
1
997
1
998
1
999
2
000
2
001
2
002
2
003
2
004
2
005
2
006
Exportaes (US$ milhes) Importaes (US$ milhes) Balana Comercial (US$ milhes)
Fonte: National Statistical Office,Korean Statistical Information System, pela Internet.
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
39/195
25
Mas no apenas no mbito do comrcio exterior que a Coria se revelaria
assim como ns na Amrica Latina um pas recorrentemente submetido a
desequilbrios. Neste sentido, o Grfico 1.2.9 analisa os resultados do balano em conta
corrente da Repblica da Coria. Entre os anos de 1980 e 1985 e, mais recentemente,
entre os anos 1993 e 1997, esta conta fechou no vermelho.
GRFICO 1.2.9 Conta Corrente Sul-Coreana, 1980-2006:
Resultado Anual da Conta Corrente Sul-Coreana em Milhes de Dlares Correntes (1980-2006)
-30.000,0
-20.000,0
-10.000,0
0,0
10.000,0
20.000,0
30.000,0
40.000,0
50.000,0
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
Fonte: National Statistical Office,Korean Statistical Information System, pela Internet.
Traado este quadro geral da gnese de uma complexa economia industrial na
Pennsula da Coria, podemos retomar uma histria paralela a esta: as caractersticas do
sistema poltico sul-coreano ao longo deste perodo de acelerado crescimento. Faremos
isto na prxima seo.
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
40/195
26
1.3 Alguns Fatos sobre o Quadro Poltico Sul-coreano (1945-1997):
Na seo anterior, apresentamos um conjunto de dados animadores sobre a
evoluo da economia sul-coreana no ps-guerra. Mas a pujana econmica vivenciada
pela Coria do Sul durante o milagre, perodo de acelerado crescimento econmico
compreendido entre os anos de 1960 e 1997, seria acompanhada, igualmente, por uma
conjuntura poltica muito repressiva. Convm retomar, ento, as caractersticas do
processo poltico sul-coreano no ps-guerra, pois sobre ele praticamente no
encontramos informaes nos elogiosos estudos econmicos que predominam no debate
acerca da industrializao sul-coreana.
A histria poltica da moderna Coria do Sul comea apenas em 1945. neste ano
que, com o fim da invaso nipnica que perdurara desde 1910, o aristocrata coreano
Syngman Rhee retorna de um exlio de quatro dcadas para dar incio criao, sob a
gide norte-americana, da Repblica da Coria, criada em 1948, em contraposio ao
projeto nortista da Repblica Popular da Coria.
Teoricamente, a Coria do Sul sob Rhee era um pas cujo governo fora eleito
democraticamente, apesar de que, como nos adverte Benjamin Weems, um
observador das eleies de 1948, A eleio foi virtualmente monopolizada por grupos
direitistas fortemente organizados, em geral fiis a Syngman Rhee. Os extremistas de
esquerda, sob liderana comunista, boicotaram a eleio com violncia. Os moderados,
sob liderana de Kimm Kiusic, ex-presidente interino da Assemblia Legislativa
Coreana na Coria no Sul, e a faco direitista liderada por Kim Koo, ltimo presidente
do Governo Provisrio Coreano, se abstiveram de participar da eleio pela manifesta
razo de que ela impediria a unificao coreana [...]. Neste contexto, Weems conclui
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
41/195
27
que os resultados [do pleito] no so um reflexo acurado da vontade popular, pois o
eleitorado teve que escolher dentre uma lista inexpressiva de candidatos, e vinte deles,
incluindo Syngman Rhee, no tinham oponentes.12
Syngman Rhee consegue permanecer no poder at 1960, em um perodo marcado
pela Guerra da Coria e pela perseguio, com apoio do exrcito norte-americano, das
lideranas pr-comunistas no sul, assim como das demais oposies ao governo. No ano
de 1960, no entanto, Rhee acaba sendo derrubado por um movimento popular que
ficaria conhecido como Revoluo de Abril. Nesta ocasio, estudantes universitrios
liderados por professores nacionalistas organizariam manifestaes de vulto pelo pas,
questionando desde a corrupo do regime at o sistema eleitoral viciado. A agenda dos
manifestantes se radicalizaria com a renncia do presidente, passando a abranger
questes sobre a liberao nacional e sobre a opresso social. neste contexto que tem
incio um ciclo de governos militares que se estenderia at 1993.
O Regime Militar sul-coreano teria incio em Maio de 1961, quando um grupo
liderado por Park Chung Hee se posiciona em pontos estratgicos de Seul, tomando a
cidade, fechando a Assemblia Nacional e banindo toda a atividade poltica. A rigorosa
liderana de Park perduraria duas dcadas, at seu assassinato por Kim Chae-Gyu,
diretor da Agncia Central de Inteligncia Coreana a KCIA , em 1979.
Com o assassinato de Park, o General Chun Doo Hwan assume o poder em um
golpe iniciado em 12 de dezembro de 1979 e concludo em 17 de maio de 1980. A
insatisfao popular com a poltica em especial com a corrupo era considervel
e, em 27 de maio 1980, eclode uma rebelio que logra tomar a cidade Kwangju, sexta
12 Transcrito de Weems, Benjamin.Behind the Korean Election. Far Eastern Survey, Volume 17, Nmero12, pp. 142-147, 23 de Junho de 1948, minha traduo.
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
42/195
28
maior cidade sul-coreana, e que acaba sendo brutalmente asfixiada pelo regime do
General Chun, com um saldo de mais de 2000 mortos. Assim, a Coria dos anos 1980
continuaria a ser um pas politicamente fechado, guarnecido militarmente pelos EUA e,
ademais, onde o principal lder da oposio, Kim Dae Jung, estava no exlio. A ditadura
sob o General Chun duraria at 1988.
Em 1987, tm incio as primeiras eleies diretas na Coria aps as quase trs
dcadas de ditadura. Neste pleito, a oposio civil se divide em dois nomes Kim
Young-Sam e Kim Dae-Jung, que posteriormente tambm viriam a ser presidentes .
Esta diviso acaba propiciando a derrota de ambos, com a conseqente vitria de mais
um general, Roh Tae Woo, que governaria at 1993.
Em 1990, em um movimento poltico inesperado, o partido poltico do General
Roh Tae-Woo se funde com o de Kim Young-Sam, um dos oposicionistas derrotados no
pleito de 1987 13. Esta aliana permitiria, em 1992, a vitria eleitoral de Kim Young-
Sam agora apoiado tambm por um amplo espectro de foras conservadoras , que
viria a ser o primeiro civil no poder desde o j longnquo governo de Syngman Rhee
(1948-1960).
Com a subida ao poder do civil Kim Yong-Sam, os dois presidentes que
governaram a Coria entre 1980 e 1993 ou seja: Chun Doo-Hwan e Roh Tae-Woo
foram encarcerados, a despeito da aliana acima citada. O motivo: acusaes de
13 De um dos candidatos a liderar a oposio civil, Kim Young-Sam metamorfoseou-se em candidato dopartido da situao. Fundiram-se, nesta ocasio, o Partido Democrtico da Justia (de Roh Tae-Woo e doGeneral Chun), o Novo Partido Democrtico Republicano (de Kim Jong-Pil; fundador da Agncia Centralde Inteligncia Coreana, KCIA, e ex-presidente do partido do General Park, o antigo Partido DemocrticoRepublicano, durante a ditadura), alm do Partido Democrtico da Reunificao (do ex-oposicionista KimYoung-Sam), criando o Partido Democrtico Liberal. H mais informaes sobre o intricado jogo polticoque levou a esta fuso de foras conservadoras em Bedeski, Robert E. The Transformation of SouthKorea: Reform and reconstruction in the Sixth Republic under Roh Tae Woo, 1987-1992. Londres:Routledge, 1994.
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
43/195
29
corrupo, participao no golpe de Estado de 1979 e co-responsabilidade pelo
massacre de Kwangju. Roh seria condenado a 22 anos e meio de priso, enquanto Chun
seria sentenciado inicialmente morte posteriormente, no entanto, a sentena de Roh
foi abrandada para 17 anos e a de Chun para priso perptua .
Apesar de os trs presidentes civis coreanos Kim Young-Sam (1993-1998),
Kim Dae-Jung (1998-2003) e Roh Moo-Hyun (desde 2003) terem sido eleitos
segundo as regras do ritual democrtico, a existncia de um sistema poltico-eleitoral
minimamente competitivo e representativo de camadas mais amplas da populao algo
muito mais recente na histria coreana. Por exemplo, a eleio de Kim Dae-Jung, em
1997, representou a primeira alternncia pacfica de poder14 da histria sul-coreana
h quem o chame de Mandela da sia15 . Tambm significou a transferncia de poder
da prspera regio de Kyongsang regio de origem dos presidentes Park, Chun, Roh
Tae-Woo e Kim Yong-Sam para a regio relativamente deprimida de Chlla, no
sudoeste coreano.
Assim, parece claro que a industrializao sul-coreana foi um processo
integralmente conduzido sob uma conjuntura poltica opressiva. Note que, mesmo que
compreendamos este processo de industrializao como um fenmeno que se inicia j
em fins do sculo XIX, veremos que tambm o perodo entre 1876 e 1945 fora um
perodo politicamente asfixiante. Pois desde a assinatura do Tratado de Kanghwa, em
1876, a autonomia poltica da Coria ante o Japo se tornaria bastante restrita, em um
processo que culminaria, em 1910, com a anexao do pas pelo Imprio Japons.
14 Alternncia do Partido Democrtico Liberal, de Kim Young-Sam, para o Partido Democrtico doMilnio.15 Democrata perseguido por dcadas por dcadas de ditaduras, Kim Dae-Jung ganhou o Prmio Nobel daPaz em 2000.
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
44/195
30
1.4 Retomando a Concepo Furtadiana de Desenvolvimento:
Nas sees anteriores, cuidamos de delimitar o quadro de transformaes
produtivas e econmico-estruturais vivenciadas pela Repblica da Coria no ps-guerra,
assim como caracterizar o ambiente poltico que acompanharia tal processo. J nesta
seo, nosso objetivo ser o de adotar um conceito especfico de desenvolvimento a
saber: aquele que nos foi legado por Celso Furtado , permitindo que o leitor tenha em
mente, com exatido, o que se deve subentender quando doravante lanarmos mo deste
termo. Esperamos que a leitura prvia deste captulo evite qualquer confuso quando, na
concluso, examinarmos com maior cuidado a premissa comumente aceita de que a
Coria do Sul constitui um caso exemplar de superao do subdesenvolvimento.
Na obra de Furtado, so deixadas de lado as vises mais reducionistas que
procuram vincular o processo de desenvolvimento mera melhoria em indicadores
numricos quaisquer. O processo de desenvolvimento, ento, encarado [...] como um
processo global: transformao da sociedade ao nvel dos meios, mas tambm dos fins;
processo de acumulao e ampliao da capacidade produtiva, mas tambm de
apropriao do produto social e de configurao desse produto; diviso social do
trabalho e cooperao, mas tambm estratificao social e dominao; [...] (Furtado,
1980: XI, grifos meus)
Em toda sua obra recorrente a idia de que, para explorar completamente seu
campo possibilidades, uma sociedade precisaria perseguir a capacidade de postularobjetivoscoletivos com um certo grau de autonomia intelectual. Sendo mais especfico:
para trilhar o caminho do desenvolvimento, no bastaria a um povo apenas assegurar a
capacidade de exercer um certo grau de controle social sobre os mecanismos poltico-
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
45/195
31
econmicos capazes de tornar exeqvel a implementao de um determinado projeto
social a despeito de ser este, outrossim, um passo importante . Este projeto
tambm precisaria adquirir uma certa consistncia, traduzindo aspiraes sociais
verdadeiramente representativas de amplos setores. Alm disto, o projeto precisaria ser
forjado com a necessria lucidez estratgica, sem iluses sobre o grau de autonomia
detido pelo sistema econmico em questo.
Inspirado pela triste experincia brasileira de crescimento acelerado por longo
perodo, acompanhado de perturbadora persistncia dos mais diversos sinais do atraso
econmico e do subdesenvolvimento, Furtado adverte que O aumento da eficcia do
sistema de produo comumente apresentada como indicador principal de
desenvolvimento no condio suficiente para que sejam melhor satisfeitas as
necessidades elementares da populao. (Furtado, 1980: 17). Portanto, para Furtado, o
desenvolvimento requer algo mais: O que caracteriza o desenvolvimento o projeto
social subjacente. [...] Quando o projeto social d prioridade efetiva melhoria das
condies de vida da maioria da populao, o crescimento metamorfoseia-se em
desenvolvimento. (Furtado, 1984: 75, grifos meus) O Desenvolvimento , portanto,
um processo de recriao das relaes sociais que se apia na acumulao. (Furtado,
1978: 48)
luz da premissa de que, Mais do que transformao, o desenvolvimento
inveno, comporta um elemento de intencionalidade (Furtado, 1984: 105), adquire
vulto, em Furtado, a preocupao com a dependncia cultural. Nas palavras do prprio
autor: A viso que tenho do desenvolvimento a de um processo criativo, de inveno
da Histria pelos homens, em contraste com o quadro mimtico e repetitivo de que so
prisioneiras as sociedades dependentes. [...] So dependentes as sociedades que
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
46/195
32
introjetam valores criados fora delas mesmas, que se transformam de preferncia sob a
presso de fatores exgenos, que reproduzem mimeticamente padres de
comportamento surgidos em outros contextos culturais e muitas vezes sem
correspondncia com sua base material. (Furtado, 1984: 63-64) Furtado enxerga o
mimetismo cultural como um srio entrave ao livre desabrochar de uma criatividade
coletiva, isto , o percebe como uma barreira capaz de obstruir a postulao de fins
genuinamente representativos da coletividade, passo entendido como crucial ao
verdadeiro desenvolvimento.
Para Furtado, a dependncia econmica e cultural e o autoritarismo seriam
dimenses distintas de uma mesma dinmica de subdesenvolvimento: O sistema
dependente perde a capacidade de conceber os prprios fins. Esta a razo pela qual o
autoritarismo poltico a ele se adapta como uma luva. Dependncia econmica, tutela
cultural e autoritarismo poltico se completam e reforam mutuamente. (Furtado, 1978:
125) Conferindo, como dissemos, extrema importncia liberdade criativa no
estabelecimento dos alvos nacionais, Furtado varre da discusso a recorrente crena na
existncia de um trade-offentre liberdade poltica e possibilidades de desenvolvimento.
Ou seja: Sendo o desenvolvimento a expresso da capacidade para criar solues
originais aos problemas especficos de uma sociedade, o autoritarismo, ao bloquear os
processos sociais em que se alimenta essa criatividade, frustra o verdadeiro
desenvolvimento. (Furtado, 1978: 80) Ou ainda: [...] nada mais indicativo da
canalizao de foras criadoras para os fins, na vida social, do que a existncia de
atividade poltica. (Furtado, 1978: 88) A efervescncia poltica, enxergada pelo
pensamento conservador como uma ameaa segurana que seria necessria ao
processo de transformao estrutural, alada em Furtado ao patamar de requisitosine
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
47/195
33
qua non configurao do verdadeiro desenvolvimento. O autor censura, portanto, o
raciocnio segundo o qual Os conflitos sociais, longe de serem uma fonte alimentadora
da criatividade poltica, so percebidos como formas de desperdcio de energias da
sociedade. (Furtado, 1978: 79) E, assim, assegura que A ativao poltica condio
necessria para que se manifeste a criatividade no plano institucional [...]. (Furtado,
1978: 88)
Em sntese, Cumpre-nos pensar o desenvolvimento a partir de uma visualizao
dos fins substantivos que desejamos alcanar, e no da lgica dos meios que nos
imposta do exterior. (Furtado, 1984: 30) Pois, com base na evidncia histrica, [...] o
desenvolvimento das foras produtivas em condies de dependncia no engendra as
transformaes sociais que esto na base da valorizao da fora de trabalho. (Furtado,
1978: 69) Sem este elemento crucial que a criatividade cultural, as naes fora do
centro da economia capitalista esto fadadas ao mero intento de reproduo dos padres
de consumo estrangeiros, com todas as conseqncias perniciosas engendradas por este
processo entre as quais, a concentrao da renda, a pobreza, o dualismo estrutural, a
violncia crnica, etc. .
Ou seja, a gnese de sociedades estruturalmente duais compostas de uma
minoria dotada de condies materiais de mimetizar os padres de consumo dos pases
avanados, circundada por uma maioria sobrevivendo em condies materiais
abissalmente dspares deitaria suas razes na incapacidade scio-poltica de fixar,
com a necessria consistncia e representatividade, os fins coletivos subjacentes ao
processo social de acumulao produtiva.
Partindo deste ngulo de anlise, Furtado conclui, em fins dos anos 1970, que
Se pomos de lado a China, nenhum outro pas de acumulao retardada rene [ou
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
48/195
34
reunia] as condies mnimas para escapar ao campo gravitacional da civilizao
industrial. Os demais so por definio perifricos: se auto-identificam em funo das
relaes que de bom ou mau grado mantm com o centro do sistema capitalista [...]
(Furtado, 1978: 111) Assim, os demais pases atrasados pareciam fadados malfadada
busca de mimetizar em maior ou menor grau e para uma maior ou menor parcela da
populao padres de consumo que somente fariam sentido em sociedades muito
mais adiantadas no processo de acumulao.
Cumpre notar que Furtado afirmaria, quatorze anos mais tarde, ainda que de
forma bastante apressada e em um texto cujo escopo era outro, que Porque alcanaram
um grau elevado de homogeneidade social e fundaram o prprio crescimento em
relativa autonomia tecnolgica, cabe reconhecer que a Coria do Sul e Taiwan lograram
superar a barreira do subdesenvolvimento, ainda que a renda per capita desses pases
seja menos de uma quinta parte da do Japo e no supere a de certos pases latino-
americanos. (Furtado, 1992: 51)
Todavia, esta breve meno experincia sul-coreana no parece se coadunar
com o restante do arcabouo terico utilizado pelo autor para tratar a problemtica do
desenvolvimento. Por exemplo, se Furtado afirma que, naquilo que tange ao
desenvolvimento A questo central continuar a ser a de gerao de formas de vontade
coletiva na Periferia [...] (Furtado, 1978: 124), como deixar de considerar a situao
poltica opressiva ento vivenciada pela Coria do Sul?
Como discutimos na seo anterior, se considerarmos que o Milagre do Han
teria se iniciado em princpios dos anos 1960 com o advento da ditadura sob Park
Chung Hee , e durado at a Crise da sia de 1997, fica claro que todo o salto
coreano ocorre integralmente durante um perodo de pesadas restries s liberdades
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
49/195
35
democrticas. 16 Fica, ento, uma pergunta: como enxergar, no mbito deste quadro
poltico repressivo, o ambiente de criatividade social e efervescncia poltica que
Furtado alara ao patamar de um requisito estrutural ao verdadeiro desenvolvimento?
Tendo em vista a afirmao de Furtado de que A caracterstica bsica da
economia perifrica consiste [...] numa dessimetria entre o sistema produtivo e a
sociedade. Essa dessimetria manifesta-se sob a forma de heterogeneidade social e de
rupturas e desnveis nos padres de consumo. (Furtado, 1980: 90), o que parece ter
suscitado o comentrio de Furtado parece ser o fato de que, a despeito dos bvios
bloqueios atividade poltica dos trabalhadores coreanos, estes parecem ter partilhado,
em inusitado grau no mbito do conjunto dos pases perifricos, dos frutos materiais
propiciados pelo surgimento, no pas, de uma sofisticada economia industrial. Por
exemplo, durante o perodo que precedeu o comentrio de Furtado como evidenciado
pela Tabela 2.3.1.3 , houve uma substancial elevao da renda do trabalhador coreano.
A configurao, na Coria, de uma diviso do bolo mais equnime do que
aquela que vigorou nos demais pases perifricos parece ter sido interpretada por
Furtado como uma evidncia da existncia, neste pas, de alguma dinmica democrtica
de fato uma vez que falar em regime democrtico de direito17 soaria, como aqui
exposto, absurdo . Enxergando as coisas deste prisma, esta dinmica hipottica teria
sido capaz de subordinar os rumos da acumulao, em alguma medida e de algum modo,
aos interesses da coletividade. Conjectura esta que seria aparentemente corroborada
16 A anlise mais acurada dos dados sobre a economia coreana nos permite embasar bem estaperiodizao. Entre 1954 e 1960, a taxa mdia de crescimento real do PIB foi, na Coria do Sul, deminguados 4% ao ano. J entre 1961 e 1970, esta cifra subiu para 8,4% ao ano. Entre 1971 e 1980, osdados apontam para 7,1% ao ano. No perodo subseqente, entre 1981 e 1996, este ritmo atingiria 8,9% aoano. J entre 1997 e 2005, porm, o ritmo do crescimento coreano foi de apenas 4,1%. Ou seja, de fato, operodo de alto crescimento coincide exatamente com um perodo de liberdade altamente restringida.17 Pois no milagre coreano, a ditadura claramente o regime poltico tpico.
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
50/195
36
pelas freqentes menes na bibliografia aos xitos sul-coreanos em suas tentativas de
dominar ramos mais nobres da gerao de tecnologia. Ou pela aparentemente agressiva
insero comercial coreana. Ou pelos enormes avanos registrados pelo pas no campo
educacional, etc.
Evidentemente, a existncia da Coria do Norte socialista pode ser encarada um
elemento capaz de ensejar o exerccio de um livre-arbtrio, digamos, mais prudente por
parte das elites dominantes sul-coreanas, conduzindo a uma maior justia distributiva.
Mas da a inferir a existncia de espao criativo suficiente germinao de uma
vontade coletiva consistente no pas, parece um passo largo em demasia.
Contudo, preciso lembrar que o prprio Furtado considerou, em diversas
ocasies, a possibilidade de uma dinmica de dependncia em que os frutos do
progresso fossem partilhados por camadas mais amplas da populao como o
prprio Furtado ensina, o Uruguai seria o caso limite 18 , sem que isto alterasse em
sequer um milmetro a relao de dependncia estrutural em relao ao centro do
sistema capitalista e, portanto, configurasse um processo de subdesenvolvimento.
Ou seja: em circunstncias histricas muito especficas, os frutos do crescimento
poderiam, por que no, ser relativamente melhor distribudos, mesmo sem o surgimento
prvio de mecanismos capazes de forjar uma vontade coletiva relativamente autnoma.
Portanto, mesmo a despeito do comentrio sobre a Coria acima transcrito que,
convm frisar, um comentrio apressado em um texto cujo escopo era outro ,
procuraremos repensar, nos prximos captulos, a histria da industrializao coreana
como uma industrializao nos marcos da dependncia e do subdesenvolvimento.
18 Nas palavras de Furtado: Em casos extremos a modernizao [dos padres de consumo] pode abarcar oconjunto da populao conforme ocorreu no Uruguai (Furtado, 1980: 86).
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
51/195
37
CAPTULO 2 A Coria do Sul como Modelo: Retomando oDebate Dominante Sobre o Caso Coreano
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
52/195
38
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
53/195
39
2.1Introduo:
Durante os anos 1960, 1970 e 1980, a Coria teve uma performance digna de nota
em quase todos os indicadores relacionados ao desempenho de sua economia, como
analisamos em detalhe no captulo anterior. Estes bons resultados atraram a curiosidade
de muitos especialistas no Ocidente. Muitos deles tomaram para si, ento, a tarefa de
apontar as razes desta extraordinria expanso.
Como veremos nas sees a seguir, o objetivo mais tpico destas empreitadas
analticas era desvendar qual seria o motor do crescimento coreano: um conjunto de
polticas econmicas isolveis e preferencialmente passveis de replicao nos demais
pases atrasados. Caracteristicamente, estas anlises se concentravam naquilo que
ocorreu na economia do pas desde a criao da Repblica da Coria, em 1948. Sua
estratgia investigativa mais comum era separar a histria da Repblica em dois
perodos, a saber: 1) o governo de Syngman Rhee (1948-1960) e, 2) o perodo que se
inicia depois de Revoluo Abril de 1960, cujo pice foi o governo ditatorial do general
Park Chung Hee (1961-1979) 19 . Comparava-se, ento, o desempenho econmico
apresentado pelo pas em cada ocasio, numa tentativa de explicar, a partir do arcabouo
poltico-econmico vigente em cada momento, as diferenas de performance
apresentadas pela economia ao longo do tempo.
Como veredicto mais usual, condenava-se o rol de polticas da administrao de
Rhee, quando o crescimento econmico do pas foi brando. De modo anlogo, exaltava-
se o conjunto de polticas implantadas sob o governo Park, caracterizado pelo
19 Oficialmente, o perodo de governo do General Park se estendeu de 1963 at seu assassinato, em 1979.No obstante, ele deteve o poder de fato tambm entre 1961 e 1963, quando presidiu o Supremo Conselhopara Reconstruo Nacional.
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
54/195
40
significativo crescimento econmico. Das caractersticas deste ltimo perodo
procurava-se indicar, ento, uma receita para os demais pases subdesenvolvidos.
Seria possvel dividir tais estudos, grosso modo, em duas grandes linhas
interpretativas. Como procuraremos demonstrar, a primeira marcada pela filiao s
premissas gerais da teoria neoclssica que, tipicamente, destaca os fundamentos
corretos supostamente ali vigentes estrutura produtiva aberta e competitiva e
estabilidade econmica , pr-requisitos tidos como capazes de induzir o investimento
privado. A acumulao de capital fsico e humano seria, ento, o motor do
crescimento, luz do respeito ao princpio das vantagens comparativas. Aqui e ali,
estes autores podem atribuir alguma importncia ao Estado, mas seu elemento distintivo
a concepo de que o deslanche do processo de crescimento prescinde de qualquer
orquestrao por parte deste.
J a segunda vertente de inspirao marcadamente heterodoxa: destaca o papel
crucial dos Estados na promoo do desenvolvimento seja montando a infra-estrutura,
criando empresas pblicas, distorcendo os mecanismos de preos, elegendo setores
prioritrios, financiando e subsidiando os projetos industriais, reduzindo os riscos do
investimento, disciplinando a mo-de-obra, investindo em cincia e tecnologia, etc. .
A livre ao das foras do mercado no compreendida, assim, como capaz de fornecer
os estmulos corretos para a promoo do crescimento econmico.
Vejamos detalhadamente, ento, algumas das interpretaes mais difundidas
acerca da industrializao coreana.
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
55/195
41
2.2 O Milagre do Rio Han numa Acepo Ortodoxa:
2.2.1 Paul Kuznets e o Neoclassicismo Estrito:
Paul W. Kuznets autor de um dos mais antigos trabalhos que procuram explicar
a emergncia de uma Coria industrial. Em seu trabalho, o papel do Estado no
reconhecido, em nenhum momento, como instrumento relevante para a instaurao do
formidvel ciclo de crescimento econmico sul-coreano. Toda a anlise de Paul Kuznets
repousa, assim, sobre as transformaes estruturais vivenciadas pelo pas: do campo
para a cidade, de setores pr-modernos para setores modernos, de alta fecundidade para
baixa fecundidade. Estes movimentos teriam ocorrido paralelamente ao fim de uma era
de polticas intervencionistas, com a conseqente adoo de um arcabouo poltico-
econmico mais liberal. Para Kuznets, como procuraremos demonstrar, o respeito s leis
de mercado explicaria, sozinho, o propalado milagre. Se o Estado teve algum papel
ativo no desenvolvimento industrial coreano, este teria sido o de entrave ao livre
desenvolvimento das foras produtivas, durante o governo Syngman Rhee (1948-1960).
Para o autor, uma das caractersticas mais relevantes do crescimento econmico
coreano teria sido o crescente peso assumido pelo comrcio exterior na economia.
Como evidncia, Kuznets cita que a razo entre a soma das exportaes com as
importaes e o Produto Nacional Bruto teria crescido de 12%, no trinio 1953-55, para
13%, no trinio em 1960-62, antes de atingir 44% no perodo 1970-72 (Kuznets, 1977:
69). O crescimento da Coria foi, ento, um crescimento puxado por exportaes
(Kuznets, 1977: 82, traduo minha).
Segundo o autor, tal performance exportadora teria estado assentada nos custos
salariais relativamente baixos vigentes no pas, decorrentes da abundncia de mo-de-
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
56/195
42
obra, da fraqueza dos sindicatos e da urbanizao. Assim sendo, a elevao do nvel
salarial, j marcante no perodo em que escrevia, punha em xeque a estratgia
exportadora coreana. Seu sucesso futuro iria depender, assim, da conservao da
vantagem comparativa em setores intensivos em trabalho, ou do desenvolvimento de
novas vantagens competitivas, o que no seria improvvel dado o cenrio de intensa
mudana estrutural vivenciado pelo pas (Kuznets, 1977: 102).
A modernizao coreana teria sido caracterizada, ainda, por um forte processo de
deslocamento intersetorial da fora de trabalho, abandonando atividades onde o produto
por trabalhador era baixo em busca de atividades mais produtivas. Isto , a populao
deixava de ser predominantemente ligada ao campo para se envolver crescentemente em
atividades urbanas. Assim, o produto mdio por trabalhador teria aumentado de 136.000
Wn, no trinio 1953-55, para 151.000 Wn, no trinio 1960-62, e alcanado 249.000
Wn no perodo 1970-72 (Kuznets, 1977: 53-56, 88). O autor conclui, portanto, que o
crescimento acelerado depois de 1960-62 foi caracterizado, na Coria, por um cmbio
estrutural radical (Kuznets, 1977: 87, minha traduo).
Alm disto, o sucesso da estratgia coreana desde o governo Park Chung Hee,
advoga o autor, estaria alicerado no combate s distores nos mecanismos de mercado,
cuja persistncia, por sua vez, seria o mero corolrio das polticas de substituio de
importaes implantadas no pas durante o governo Rhee. Entre estas medidas
liberalizantes, Kuznets enxerga, sem penetrar muito nos detalhes, um suposto fim das
restries s importaes e a adoo de uma poltica econmica liberal, que teria
encorajado o aprofundamento da eficincia produtiva (Kuznets, 1977: 86-91).
No custa advertir j problematizando que a Coria do Sul estava, poca,
sob o regime autoritrio de um general que se celebrizaria por uma certa mxima
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
57/195
43
proferida no ano 1972: ao = poder nacional (Cumings, 1984: 32). Mesmo assim, o
autor conclui que o programa de governo de Park promoveu uma reestruturao na
qual medidas de poltica liberal foram adotadas para encorajar as foras de mercado que
estimulariam a performance econmica (Kuznets, 1977: 91, minha traduo). Alm
disto, no contexto de laissez-faire enxergado pelo autor, dficits comerciais e
transferncias lquidas do resto do mundo teriam fornecido recursos para o uso
domstico na Coria que, de outro modo, teriam estado indisponveis (Kuznets, 1977:
75). Concluso: as polticas substitutivas de importaes teriam, unicamente, inibido o
crescimento do pas no perodo anterior (Kuznets, 1977: 49).
Sem devotar muito espao ao assunto, o autor descarta de antemo qualquer
impacto decisivo da ajuda americana sobre a economia coreana: o custo de manter
equipamentos militares super-dimensionados deve ser minimizado pela assistncia
recebida para suport-los e pelos possveis benefcios econmicos gerados pelas
atividades militares (Kuznets, 1977: 91, minha traduo).
Os argumentos aqui esboados, que adiante se revelariam ajustados ao Consenso
de Washington e, talvez por isto, tenham sido to replicados pela grande mdia, no
foram capazes de saciar os espritos neoclssicos mais cuidadosos. Por isto, outros
autores desta escola penetrariam mais profundamente no caso coreano, produzindo
anlises mais bem fundamentadas, ainda que com concluses semelhantes. Adiante
veremos um destes trabalhos, pouco posterior ao de Kuznets.
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
58/195
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
59/195
45
laos que uniam a colnia sua antiga metrpole, o comrcio exterior coreano foi
reduzido a uma minscula frao daquilo que fora antes da II Guerra, permanecendo
assim durante a Guerra da Coria. neste contexto que surge a ajuda externa norte-
americana. Anne Krueger faz uma pormenorizada anlise quantitativa da magnitude
deste apoio americano Coria do Sul, mostrando o quanto sua economia havia se
tornado dependente dos Estados Unidos. Os dados que a autora apresenta,
especialmente aqueles relativos aos anos 1950, so realmente impressionantes. A ajuda
externa teria chegado a atingir o pico de 86,6% das importaes totais coreanas no ano
de 1957. (Krueger, 1982: 8-10, 67).
De acordo com Krueger, o auxlio americano fora concebido para servir a trs
propsitos de cunho geo-estratgico: 1) estabelecer uma Coria livre e independente,
2) tornar a Coria um pas forte o suficiente para contribuir com a estabilizao do
Continente Asitico e, 3) fazer do pas um arqutipo de democracia na sia (Krueger,
1982: 12-13). Neste contexto, o governo americano abriu seu cofre Coria com
inusitada generosidade, como se evidencia pelos dados esmiuados na Tabela 2.2.2.1.
TABELA 2.2.2.1 - Ajuda Total Recebida e sua Importncia, 1953-1960
Ano 1953 1954 1955 1956 1957 1958 1959 1960
Ajuda totalrecebida emmilhes dedlares
201,2 179,9 236,7 293,7 382,9 321,3 222,2 245,4
Importaestotais emmilhes dedlares
345,4 243,3 341,4 386,1 442,1 378,2 303,8 343,5
Ajuda como %dasimportaes
58,3 73,9 69,3 76,1 86,6 84,9 73,1 71,4
Fonte: Krueger (1982: 67) apudBANK OF KOREA, Economic StatisticsYearkook, 1960 e 1974 e FMI, International Financial Statistics, Maio de 1976.
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
60/195
46
A autora confere, tambm, alguma importncia analtica a certos fatores extra-
econmicos. Neste contexto, Krueger reconhece que, paralelamente ajuda material, a
administrao militar americana exerceu outros papis construtivos para o deslanche da
economia coreana. Dentre eles, talvez um dos mais significativos tenha sido o de fazer
com que a taxa de alfabetizao pulasse de 20%, imediatamente aps a Liberao, para
71% apenas dois anos e meio mais tarde (Krueger, 1982: 23).
Ainda segundo Krueger, o legado americano vai alm. Outra medida apontada
seria a distribuio de terras promovida pelo governo de ocupao. Aps a capitulao
dos japoneses, cerca de 487.621 acres 20 foram vendidos a 502.072 agricultores. Isto
representou 96% daquilo que havia sido propriedade dos japoneses. Alm disto, a
Constituio elaborada pelos americanos previa a realizao de uma reforma agrria nas
demais terras do pas, o que fez com que, entre 1949 e o princpio da Guerra da Coria,
a maioria dos aristocratas rurais fracionasse e colocasse venda suas terras, temendo o
baixo valor das indenizaes a serem pagas pelo governo (Krueger, 1982: 19-21).
Porm, a despeito da generosidade do governo americano, Anne Krueger
argumenta que, como resultado da separao da economia coreana de seu antigo centro
gravitacional o Japo e, alm disto, como conseqncia da destruio provocada
pelas guerras, a economia se manteve estagnada at 1953. Somente a partir da seria
possvel falar em crescimento econmico no pas (Krueger, 1982: 41).
Mas retornemos aos elementos econmicos. luz das concluses da autora,
configurou-se na Coria um peculiar sistema de substituio de importaes. Nele, a
ajuda externa, e no as exportaes, geravam os recursos necessrios montagem do
setor interno. Evidencia-se, a, o quo dependente do fluxo de ajuda americana era a
20 Cada acre equivale a 4.046,8564224m.
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
61/195
47
Coria: o pas precisava de ajuda tanto para o funcionamento cotidiano por exemplo,
no caso do suprimento de gasolina , quanto para a continuidade da consolidao de
seu parque produtivo. Mas, segundo a autora, esta dependncia no parecia afligir o
ento presidente Syngman Rhee, que parecia dar a continuidade da ajuda como algo
certo (Krueger, 1982: 58, 75, 78).
Esta postura mudaria a partir de 1957, quando autoridades americanas comearam
a deixar claro que o volume de ajuda teria que diminuir e, assim sendo, o arcabouo
poltico-econmico coreano teria que mudar. neste contexto que o perodo entre 1960
e 1965 seria um divisor de guas na estratgia de crescimento coreana. A partir da, a
extroverso predominaria sobre a substituio de importaes (Krueger, 1982: 80-82).
Os dados da Tabela 2.2.2.2 demonstram que a ajuda externa realmente no cresceu neste
perodo, a despeito do nada desprezvel crescimento da economia coreana. Aps 1972,
segundo a autora, a ajuda passaria histria (Krueger, 1982: 152).
TABELA 2.2.2.2 - Ajuda Total Recebida, 1961-1965
Ano 1961 1962 1963 1964 1965
Ajuda totalrecebidaem milhesde dlares
192,8 245,5 252,3 164,8 176,9
Fonte: Krueger (1982: 113), conforme dados do USAID.
Em sntese, para Krueger (1982: 82-158) as polticas de substituio de
importaes do governo Syngman Rhee teriam sido incapazes de reverter a dependncia
externa do pas e, assim, a nica sada disponvel para o pas teria sido a insero
exportadora, o que teria acontecido sob o General Park. Passados mais alguns anos, esta
-
7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva
62/195
48
nova estratgia de crescimento seria apregoada como um modelo para os demais
pases atrasados. Os resultados coreanos so de fato impressionantes: as exportaes
saltaram de US$ 250 milhes, em 1966, para US$ 835 milhes, em 1970, US$ 1.624
milhes, em 1972 e, US$ 5.081, em 1975. A autora sentencia: o sucesso da guinada
para a promoo de exportaes foi realmente fenomenal (Krueger, 1982: 99, 117,
traduo minha).
importante notar que o papel do Estado nesta estratgia, reconhecido aqui como
importante, teria passado ao largo da distoro de preos, pelo menos pelo lado das
exportaes 21. O Estado teria adotado uma poltica de preos realista que, valendo-se
das vantagens comparativas do pas, teria ensejado a insero internacional do pas. As
medidas de estmulo discricionrio enxergadas pela autora teriam sido, ento, de outra
natureza. Um exemplo bem sucedido deste tipo de interveno teria sido a criao de
uma agncia de promoo das exportaes a KOTRA destinada a dar aos
exportadores assistncia de marketing e qualidade. Outro exemplo teria sido a criao
de um mecanismo de metas de exportao, punindo quem no cumpria tais metas com a
suspenso da licena de importador. Um terceiro mecanismo teria sido a entrega da
Medalha de Honra Nacional aos mais florescentes exportadores (Krueger, 1982: 97-99).
Alm do estmulo s exportaes, a autora destaca, tambm, o forte ingresso de
capital externo sob a forma de emprstimos para o sistema bancrio, principalmente a
partir da reforma nas taxas de juro internas