Universidade Estadual de Goiás
Vinícius Felipe Leal Machado
DITADURA MILITAR EM GOIÁS:
UM PERFIL DOS TRABALHADORES
RURAIS SINDICALISTAS A PARTIR DOS
DOCUMENTOS DO DOPS-GO
Anápolis/GO
2009
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Universidade Estadual de Goiás
Vinícius Felipe Leal Machado
DITADURA MILITAR EM GOIÁS:
UM PERFIL DOS TRABALHADORES
RURAIS SINDICALISTAS A PARTIR DOS
DOCUMENTOS DO DOPS-GO
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado à Coordenação do
Curso de História da Universidade
Estadual de Goiás para obtenção
do grau de Licenciatura em
História.
Professora Orientadora:
Dra. Dulce Portilho Maciel
Anápolis/GO
2009
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Dedico este trabalho a todos aqueles
que, de alguma forma, colaboraram
com minha formação até o presente
momento. Dedico aos professores que,
com tanta paciência e dedicação me
instruíram a buscar o conhecimento.
Mas dedico, sobretudo, à minha
família, em especial aos meus pais.
São eles os grandes responsáveis por
este momento, já que seu apoio nunca
me faltou nos momentos em que
precisei.
4
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeço a Deus, que
em sua infinita misericórdia me concedeu a
oportunidade e a força para chegar até este momento
que marca o fechamento de um ciclo em minha vida.
À minha professora e orientadora Dra.
Dulce Portilho Maciel, a quem tenho como um
exemplo a ser seguido, pois nutro por ela uma
grande admiração por sua história de vida e por sua
competência profissional.
Aos amigos, que fizeram toda a diferença
durante estes quatro anos. Com eles cresci não só
academicamente, mas acima de tudo, cresci como
pessoa. Por tudo isso, serão para sempre lembrados.
A todos os funcionários da UEG e ao
pessoal do CIDARQ-UFG, os quais deram total
apoio e esta empreitada, sendo que a amiga Mitchea
Berardo, foi de total relevância nos árduos dias de
pesquisa de campo, merecendo assim, meus
especiais agradecimentos.
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“Tudo bem, quando termina bem”
(Provérbio Inglês)
“Crianças gostam de fazer perguntas sobre
tudo. Mas nem todas as respostas cabem num
adulto.”
(Arnaldo Antunes)
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SUMÁRIO
RESUMO .............................................................................................................. 07
INTRODUÇÃO .................................................................................................... 08
1 - O SNI, O DOPS E OS SINDICATOS............................................................. 13
1.1- Sindicalismo e o movimento sindical rural em Goiás................................. 15
2- A PESQUISA DOCUMENTAL......................................................................22
2.1- O Arquivo do DOPS-GO e seus documentos................................................. 22
2.2 - O método empregado..................................................................................... 28
2.3 – A importância social da pesquisa em arquivos públicos e um histórico da
legislação que regulamenta o acesso a estes arquivos.............................................. 30
3 - A ANÁLISE DOS DADOS NOS REVELA A REALIDADE DO
CAMPESINATO GOIANO SINDICALIZADO................................................ 44
3.1 – As cidades-sede dos sindicatos pesquisados..................................................45
3.2 – Analisando as tabelas: Quem eram os trabalhadores?....................................58
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 67
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................. 69
OUTRAS FONTES.................................................................................................. 70
ANEXOS................................................................................................................... 71
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RESUMO
O presente trabalho traça um perfil dos trabalhadores rurais que se lançavam à
atividade sindical, compondo as chapas eleitas para a direção dos sindicatos de
trabalhadores rurais em suas respectivas cidades do interior de Goiás e de Goiânia no
final da década de 1970 e início da década de 1980. Trabalhando com documentos
originais do DOPS-GO, buscamos elucidar, a partir dos dados coletados durante a
pesquisa de campo qual era a realidade pessoal e profissional dos trabalhadores
sindicalistas em nosso Estado no período final da ditadura. Sob o respaldo da pesquisa
bibliográfica, o presente trabalho situa estes trabalhadores em sua condição de
sindicalistas, no contexto histórico do movimento sindical rural no Brasil e em Goiás,
ante a realidade adversa do regime militar brasileiro.
Palavras-chave:
Trabalhadores Rurais; Sindicatos; DOPS-GO; Regime Militar
8
INTRODUÇÃO
A ditadura militar brasileira não foi um fato isolado na história da América
Latina. Ao contrário disso, foi um processo pelo qual passaram várias outras nações da
região a partir da década de 1960 (Bolívia e Brasil em 1964 e Argentina em 1966 –
estes golpes de caráter mais preventivos contra um eventual contágio pelos ideais da
Revolução Cubana levada a cabo em 1959 - além dos golpes de caráter genuinamente
contra-revolucionário da década de 1970 na Bolívia e na Argentina novamente, e no
Uruguai e no Chile). Como características comuns a todos, temos: a dissolução das
instituições representativas, a falência ou crise aguda dos regimes e partidos políticos
tradicionais e a militarização da vida política e social em geral (COGGIOLA, 2001, p.
11).
Tudo isso fora orientado pela lógica bipolarizada do mundo e da mentalidade
política da época, em que, no contexto da Guerra Fria, o país deveria se alinhar ou aos
EUA, ou à URSS. Neste contexto, o Brasil tomou partido do bloco capitalista,
buscando, sobretudo, nas décadas de 1960 e 1970, estreitar suas relações com os EUA a
fim de manter o status quo da elite, que almejava novamente se aliar ao capital
estrangeiro de forma mais livre (GORENDER, 1987, p.15). No pós-guerra, este projeto
das elites vinha sendo, em algumas ocasiões, atrapalhado pelos governos de orientação
nacionalista, como o caso de Vargas na década de 1950.
Segundo Gorender, o governo de João Goulart e sua progressiva aproximação
com países do bloco socialista foram o clímax desta tensão que aumentara cada vez
mais a cada governante populista que ascendia ao poder, gerando bastante desconforto e
desconfiança nas alas mais conservadoras da sociedade, sobretudo entre os militares
que, em seu discurso silencioso, pressentiam um futuro “caótico” para o país caso o
9
poder continuasse caminhando, na visão deles, para um viés que acabaria transformando
o Brasil em uma nação comunista. Fomentados pela ideologia anti-comunista
estadunidense e pela crescente pressão por reformas que os sindicatos e ligas
camponesas colocavam sobre o governo de João Goulart, os militares brasileiros
acreditavam piamente que um regime democrático não seria capaz de conter uma
possível revolução popular. Coggiola afirma que, ao assumir o poder, a cúpula do
regime militar brasileiro justificava tal ato, dando a si própria a seguinte tarefa:
“Cumprir a missão de restaurar no Brasil a ordem econômica e
financeira e tomar urgentes medidas destinadas a drenar o bolsão
comunista, cuja purulência já se havia infiltrado não só na cúpula do
governo, como nas suas dependências administrativas” (Ibidem, p. 13)
Com a instauração do regime de exceção mediante o golpe de 1º de Abril de
1964, os governantes brasileiros, representantes das alas mais conservadoras de nossa
sociedade, procuraram representar os interesses das mesmas, estreitando as relações
políticas e econômicas com seus antigos aliados do capital externo, sob a tutela militar
que garantiria o modelo de regime econômico-social. Para tanto, incorporaram
plenamente a estratégia estadunidense de contenção do comunismo, representada pela
Doutrina de Segurança Nacional elaborada pela Escola Superior de Guerra (ESG) –
instituição de forte orientação anticomunista criada ainda em 1949 sob a jurisdição do
Estado Maior das Forças Armadas, claramente inspirada na National War College dos
EUA. Segundo a Doutrina, o inimigo da pátria não era mais externo, e sim interno, e
poderia estar em qualquer parte, e ser qualquer um.
A partir da ESG foram emanadas todas as diretrizes que garantiriam a
implantação e a defesa do Regime Militar na permanente luta contra o inimigo interno.
Seus militares montaram uma verdadeira teia de órgãos e repartições que, com o intuito
de “zelar pela ordem” investigando a vida de qualquer instituição, organização ou
10
cidadão brasileiro. Esta teia tinha como núcleo o Serviço Nacional de Informações
(SNI), idealizado por um dos principais teóricos do regime, o General Golbery do Couto
e Silva. O órgão foi criado em 13 de julho de 1964 para recolher e processar todas as
informações de interesse para a segurança nacional.
O aparelho de repressão era realmente gigantesco, chegando a atuar em
conjunto com governos de outros países para a busca de suspeitos. Seus braços
regionais eram os chamados DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) ou
DEOPS (Departamento Estadual de Ordem Política e Social), dependendo da época.
Eram, geralmente vinculados às Secretarias de Segurança Pública de cada Estado, e
tinham como funções básicas:
“estar à disposição dos governos quando estes decidissem vigiar e/ou
aprisionar certos indivíduos, combater determinados comportamentos
e estigmatizar grupos inteiros (imigrantes, dissidentes políticos,
pobres) tidos sempre como „nocivos‟ e perigosos para a ordem
pública e a segurança nacional.” (SOMBRA, 1996, p.37).
Segundo autores como Marília Xavier, os DOPS, por sua natureza e função não
era outra coisa, senão o que chamamos de Polícia Política1. A qual, segundo ela, seria
um tipo especialização do serviço policial muito presente na história da república
brasileira desde a chamada república velha, mas que, seguindo linhagem ideológica do
DOPS, teríamos como primeiro precursor formal, a Delegacia Especial de Segurança
Política e Social, criada em 1933, vinculada à antiga Polícia Civil do Distrito Federal.
Seguindo esta lógica, podemos afirmar, através da pesquisa, que algo parecido
foi criado em Goiás no ano de 1953, através da Lei nº 900, de 12 de novembro daquele
ano, a qual reorganizava a Secretaria de Estado do Interior, Justiça e Segurança Pública
1 XAVIER, Marília. Antecedentes institucionais da Polícia Política. In: DOPS: a lógica da desconfiança.
Rio de Janeiro: Secretaria de Estado da Justiça/Arquivo Público do Estado, 1996, p. 32.
11
e instituia, na Seção VI, Art. 12, a Delegacia de Ordem Política e Social, com uma
definição de funções ainda um tanto quanto imprecisas. A partir daí, a nomenclatura do
órgão, foi sendo alterada, praticamente a cada nova resolução, suas funções foram se
especializando cada vez mais, sobretudo durante a ditadura militar.
Este trabalho pretende, portanto, além de traçar o histórico deste braço do
sistema de vigilância político-social do Estado Brasileiro, tão atuante durante o regime
militar, e fazer uma ponte entre os militares e o sindicalismo rural em Goiás, para que,
enfim, possamos chegar o objetivo principal desta pesquisa baseada nos documentos
originais do DOPS de Goiás sobre os sindicalistas que dirigiam sindicatos de
trabalhadores rurais no final da década de 1970 e início da década de 1980: traçar um
perfil destes, que em um período tão adverso a este tipo de atividade se lançaram no
cenário de defesa da classe à qual pertenciam, sendo, desta forma, alvo das
investigações do DOPS-GO que deram origem aos documentos pesquisados. Por se
tratar de uma documentação original de um órgão público, o material pesquisado nos
permite uma interpretação bastante rica a respeito das informações nele contidas, o que
nos atentou também, para a importância da pesquisa e ao acesso a este tipo de material
tão revelador. O tema do acesso ao acervo de arquivos públicos, sobretudo aqueles que
abrigam documentos pertinentes ao período da ditadura, também é abordado neste
trabalho visando travar um necessário diálogo com a questão jurídica, pois ao ter acesso
aos documentos do DOPS-GO, nos demos conta que estávamos vivendo uma
experiência de pesquisa que é essencial à realidade democrática na qual o país se
encontra desde 1988, mas que, no entanto, ainda sofre com certos resquícios autoritários
no sentido de proteção a certas informações.
O presente estudo, portanto, foi realizado com o intuito encontrar respostas para
algumas questões que consideramos assaz intrigantes e de relevância para a história de
12
Goiás neste período. “Quem eram os trabalhadores rurais que se colocaram à frente dos
sindicatos?”; “De onde vinham?”; “Qual seu nível de envolvimento em organizações de
classe?”; “Qual a idade média deste trabalhador?”.
Estas e outras questões guiaram a realização desta pesquisa e, mediante a ela,
concluímos que qualquer organização ou associação de pessoas era acompanhada de
perto pelos órgãos do SNI, dentre elas, é claro, estava o DOPS. Quando a organização
em questão possuía qualquer caráter político, a atenção era redobrada. Este era o caso
dos sindicatos. Sabe-se que os sindicatos de trabalhadores urbanos eram rigidamente
controlados. E quanto ao campo e suas relações trabalhistas? O que os documentos do
DOPS podem nos revelar sobre os trabalhadores investigados a realidade em que
viviam? Em Goiás, um Estado majoritariamente agrário no período estudado e até os
dias de hoje, tanto economicamente quanto na mentalidade de sua população que ainda
conserva hábitos e um estilo de vida em muito ligados à vida no campo, consideramos
que esta pesquisa se fez deveras pertinente. E a busca pelas respostas das questões
apresentadas, e de muitas outras relacionadas ao tema trabalhado, orientam o presente
trabalho.
13
CAPÍTULO 1
O SNI, O DOPS E OS SINDICATOS
A idéia da manutenção, por parte do Estado, de uma Polícia Política, como os
DOPS ou DEOPS, que fosse responsável pela investigação das ações e pela manutenção
de um arquivo que armazenasse as informações que fossem consideradas estratégicas
para a segurança do regime foi, como muitas outras, gestada dentro do ideário da Escola
Superior de Guerra (ESG). Os DOPS – Delegacia de Ordem Política e Social, como
ficaram conhecidos genericamente, os braços regionais do aparelho de investigação e
repressão política do Estado durante a ditadura (1964-1985), era somente uma das
partes componentes de uma rede muito maior que visava combater e prevenir as ações
do inimigo interno, ou seja, o elemento subversivo que ameaçasse a “estabilidade”
política e social garantida pelo regime de exceção.
A instância mais elevada deste aparato era o Sistema Nacional de Informações
(SISNI), que fora instalado já no começo do governo do Marechal Castelo Branco em
1964. O SISNI, era divido em dois subsistemas: o primeiro compreendia o Serviço
Nacional de Informações (SNI), ao qual os DOPS estavam ligados, pois compreendia
uma rede nacional de investigação vinculada diretamente ao presidente da república; a
outra parte componente do SISNI, era composta pelas agências setoriais inseridas no
âmbito ministerial, e que eram, portanto, subordinadas aos respectivos ministros de cada
pasta. Segundo a professora Dulce Portilho Maciel (2009, p.45), estes subsistemas do
SISNI tinham como finalidade a vigilância e o controle sobre o inimigo interno,
oferecendo às autoridades e aos órgãos de repressão, “conhecimentos” obtidos mediante
a atuação de seus agentes especializados, lotados nas diversas unidades que compunham
este gigantesco aparato.
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O SNI foi idealizado pelo General Golbery do Couto e Silva quando esta ainda
trabalhava no Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais – IPES, instituição não vinculada
ao poder público criada em 1961 para investigar possíveis lideranças comunistas e
catalogar informações que pudessem ser usadas contra elas, sobretudo contra o
presidente João Goulart. Segundo Élio Gaspari, somente do IPES, o SNI herdou por
volta de 3.000 dossiês sobre pessoas e entidades investigadas.
Em determinados momentos do ciclo militar, o SNI ganhou tamanha
importância, que ainda segundo Gaspari, seu chefe, que possuía status de ministro
chegava a ter reuniões diárias com o presidente da república (2002, p. 133). Os próprios
presidentes Emílio Garrastazu Médici e João Baptista de Oliveira Figueiredo foram
chefes do antes de assumirem a presidência.
Como já foi citado, os DOPS, tem sua estrutura ideológica básica de polícia
política anterior ao golpe de 1964. Pode-se afirmar que sua estrutura foi absorvida,
ampliada e aprimorada de acordo com os interesses e da realidade que os militares
queriam enfrentar. Sua origem remonta à Divisão de Polícia Política e Social (DPS),
vinculada ao Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP), criado a partir da
Polícia Civil do Distrito Federal, pelo decreto-lei nº 6.378, tendo entre suas atribuições
“a manutenção da ordem pública e a garantia do regime político e social vigente, além
de orientar s polícias estaduais e dos territórios nestas atividades”. (SOMBRA, 1996,
p.37). Como podemos ver o embrião de toda a mentalidade repressora que orientava os
DOPS durante o regime militar surgiu durante outro regime ditatorial: a era Vargas.
Durante toda sua existência, estes órgãos tiveram sua nomenclatura alterada inúmeras
vezes, dependendo do período, da legislação e da região. Porém, durante período que
nos interessa, como já foi citado, perpetuou-se os nomes de DEOPS – Departamento (ou
Delegacia, pois as duas formas foram adotadas em momentos diferentes) Estadual de
15
Ordem Política e Social ou DOPS, o qual adotamos para o presente trabalho, e já que os
DOPS eram órgãos estaduais, que respondiam às respectivas Secretarias de Segurança
Pública de cada estado, consideramos pertinente utilizarmos a nomenclatura oficial que
encontramos nos carimbos e marcações dos documentos estudados: DOPS-GO.
1.1 SINDICALISMO E O MOVIMENTO SINDICAL RURAL EM GOIÁS
Nossa pesquisa foi realizada com base em documentos do DOPS-GO que
continham informações sobre os trabalhadores rurais que foram eleitos para a direção
dos sindicatos de suas de suas respectivas cidades entre os anos de 1979, 1980, 1981 e
1982, como será detalhado posteriormente. Desta forma, entender o sindicalismo, e sua
vertente rural é essencial para a compreensão deste trabalho.
O movimento sindical brasileiro teve início, formalmente falando, no início do
século XX, com os operários de fábricas do Rio de Janeiro e em São Paulo e teve seu
crescimento bastante ligado às ideologias políticas vindas da Europa naquela época.
Segundo Antunes (1980, p. 48), pequenas organizações já existiam entre estes
trabalhadores, e por muito tempo, foram conhecidas como “sociedades de socorro”,
sendo que as primeiras surgiram ainda na década de 1850, com o objetivo de fazer
frente à exploração dos patrões e de implantar uma rede de ajuda mútua entre os
integrantes. Porém, o aumento do número de fábricas e conseqüentemente do número
de operários, aliado à introdução de idéias marxistas no final do século XIX e,
posteriormente, dos ideais anarquistas, em sua vertente anarco-sindicalista deram um
impulso completamente diferente ao movimento de representação trabalhista no Brasil.
Grande parte destes ideais veio com os imigrantes europeus, que já lutavam por
melhores condições de trabalho a muito mais tempo em seus países de origem e onde as
16
ideologias marxistas e anarquistas estavam em plena efervescência entre os
trabalhadores. Em 1892 aconteceu o I Congresso Socialista Brasileiro, que teve por
objetivo principal a fundação de um partido socialista que representasse os
trabalhadores, o que não chegou a acontecer, pois os anarquistas não concordavam com
a participação dos líderes sindicais na política. Esta disputa de ideologias, só viria a ser
superada em 1922, com a fundação do PCB – Partido Comunista Brasileiro e o
enfraquecimento do anarco-sindicalismo que, apesar de mais próximo da realidade dos
trabalhadores das fábricas, era alvo de muitas críticas e acabou sendo rotulado de
“limitado”, já que suas ações práticas (paralisações, manifestações) paravam na política,
não permitindo assim, na visão dos próprios trabalhadores, mudanças mais profundas.
Com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, o cenário sindical brasileiro se
modifica completamente, pois durante seu governo, vemos uma tentativa de
“domesticação” dos sindicatos, criando uma legislação específica para tais organizações
e trazendo-as para junto do aparato governamental através do recém criado Ministério
do Trabalho. Seu objetivo era fazer dos sindicatos órgãos de conciliação entre
empregadores e empregados, e para tanto, foi assinado em 1931, o Decreto 19.770, que
instituiu as regras para a associação de trabalhadores que seriam seguidas a partir de
então. Instituía, entre outras coisas, o controle das finanças dos sindicatos e a
participação dos delegados do Ministério do Trabalho nas assembléias sindicais. Apesar
de tudo isso, as greves continuaram existindo durante o governo de Vargas, chagando a
ter várias reivindicações atendidas. A Consolidação as Leis Trabalhistas - CLT,
assinada pelo presidente Vargas em 1º de maio de 1943 (e colocada em vigor em
novembro daquele ano) é, para alguns sindicalistas e muitos trabalhadores, o
coroamento das lutas empreendidas neste período, pois com ela, tornou-se lei, antigas
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demandas dos trabalhadores, como por exemplo, a jornada de trabalho de oito horas
diárias, o direito a férias e etc.
Até meados da década de 1950, o movimento sindical se restringiu basicamente
à esfera urbana, praticamente não atingindo o campo a idéia de união entre os
camponeses e os trabalhadores rurais. Porém, esta idéia ganhou corpo a partir da criação
de ligas camponesas e da ULTAB – União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas
do Brasil2, que passaram a reivindicar melhores condições para o pequeno proprietário,
como financiamento para a agricultura familiar, estimular a formação de sindicatos e, o
principal foco de tensão, que seria um dos principais pontos de pressão sobre o governo
de João Goulart e de apreensão por parte doa militares que observavam os
acontecimentos: a reforma agrária.
Após sua dissolução pelo regime militar, muitos de seus integrantes foram
perseguidos, presos e torturados. Mas grande parte dos remanescentes permaneceu
integrando a recém-criada Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura –
CONTAG.
A CONTAG foi fundada em 22 de dezembro de 1963, no Rio de Janeiro. Na
época existiam 14 federações e 475 Sindicatos de Trabalhadores Rurais em todo o país.
O reconhecimento oficial da entidade ocorreu em 31 de janeiro de 1964, por meio do
Decreto Presidencial nº 53.517. O golpe militar resultou em intervenção na entidade e
prisão e exílio de vários dirigentes. Esta intervenção foi um dos motivos que garantiu
2 Fundada em São Paulo, em 1954 por militantes do PCB. Ela foi responsável pela criação de associações
de lavradores que buscavam organizar os camponeses em suas lutas. A partir do início dos anos 1960, as
associações foram sendo transformadas em sindicatos. A ULTAB não só desempenhou papel
fundamental nesse processo de sindicalização que culminou na criação, em 1963, da Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), como também se constituiu na principal força
em ação no interior da nova entidade. Em 1964 foi extinta pelo golpe que implantou a ditadura militar no
Brasil.
18
que a CONTAG não tivesse o mesmo fim da ULTAB, pois o período sob o qual esteve
sob o comando de um interventor nomeado pelo Estado, a entidade, a princípio,
enfraquecer sua postura combativa, porém isto levou a uma posterior reorganização de
sua estrutura. A retomada da direção da entidade pelos trabalhadores se deu através
desta organização, na qual os sindicalistas, reunidos em torno de um grupo existente
dentro da CONTAG, chamado Movimento Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras
Rurais (MSTTR), derrotaram o candidato da situação (o interventor, que desde 1965
havia se legitimado no cargo sendo eleito pelo voto dos colegas) nas eleições para a
diretoria em 1968. Porém, mesmo com a retomada do poder pelos trabalhadores rurais,
a CONTAG continuou existindo (sob a rígida vigilância do governo), pois a instituição
não mais representava perigo à ordem instituída pelos militares. No que diz respeito a
esta convivência do sindicalismo com o regime militar e esta aparente tolerância dos
governantes para com instituições como a CONTAG e as federações de trabalhadores
rurais espalhadas pelo Brasil, o professor José Santana as Silva afirma que:
Aspecto importante a se registrar acerca da política do regime militar
em relação ao sindicalismo é o fato de que não interessava ao novo
grupo dirigente a sua liquidação pura e simples. Os sindicatos se
constituíram num importante meio de controle social e político sobre
os trabalhadores. A própria estrutura herdada da legislação
corporativista do Varguismo favorecia tal ação. (SILVA, 2003, p.37)
Desta forma, observa-se que a infiltração de membros aliados ao governo dentro
das entidades sindicais continuava garantindo bons frutos aos governantes, que assim
acompanhavam de muito perto suas atividades, quando não as estava controlando
diretamente. Esta foi a realidade que se perpetuou em muitos momentos - com alguns
esboços de rebeldia logo controlados pelos órgãos repressivos do Estado – durante o
regime militar no Brasil.
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Em Goiás, não foi diferente, principalmente no período que compreende os
documentos estudados na durante a pesquisa no DOPS-GO, por se tratar já do período
final do regime. No início da década de 1980, pelo que observamos na pesquisa, os
sindicatos de trabalhadores rurais das cidades goianas ainda eram monitorados de forma
intensa pelo Estado, porém, entre os casos estudados, nota-se que não representavam
perigo real ao regime. Entidades como a FETAEG – Federação dos Trabalhadores em
Agricultura do Estado de Goiás representavam os trabalhadores sindicalizados mediante
reivindicações de melhorias de certa forma já previstas na lei, e muitas vezes que se
estendessem os benefícios já concedidos aos trabalhadores urbanos à realidade
trabalhista do campo, como por exemplo, um regime de previdência social.
A história da FETAEG tem início no final da década de 1960, quando tem início
das articulações para o agrupamento dos sindicatos existentes em Goiás naquele
momento em uma federação, nos moldes das que já existiam no Rio de Janeiro e em
São Paulo, por exemplo. O primeiro sindicato de trabalhadores rurais fundado em Goiás
é o de Anápolis, cuja fundação ocorreu em 04 de junho de 1967. Depois dele, outros
sindicatos foram fundados seguidamente: Pirenópolis, Goianápolis, Nova Veneza,
Caturaí e Catalão.
Em 28 de outubro de 1970, os seis sindicatos de trabalhadores rurais destas cidades,
fundaram, em Goiânia, A FETAEG, com a finalidade de coordenar e defender os interesses dos
trabalhadores rurais goianos e se encarregar da fundação legal de novos sindicatos, papel que
até então era desempenhado aqui pela Delegacia Regional da CONTAG , instalada em Goiânia
em 1966. A partir da fundação da FETAEG novos sindicatos de trabalhadores rurais foram
sendo criados no Estado de Goiás, tendo a Igreja Católica, através de entidades como a
Comissão Pastoral da Terra – CTP, desempenhado um papel significativo, apoiando e
incentivando os trabalhadores, na década de 70, na criação de novas entidades sindicais.
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Faz-se necessário também conhecer a respeito da estrutura sindical do Brasil,
desde a era Vargas. Primeiramente, elucidaremos o que entendemos por sindicato.
Sindicato é essencialmente uma associação de classe que, através da união de seus
membros, busca ter maior representatividade junto às entidades patronais e assim, poder
ter seus interesses ouvidos de forma mais respeitável aos olhos de quem é alvo de
reivindicações. Além disto, os sindicatos abordados nesta pesquisa – 10 ao todo -
representavam os trabalhadores do campo, assalariados ou não, junto às instâncias mais
elevadas quanto à representação dos interesses dos trabalhadores, como FETAEG, que
por sua vez, os representava na CONTAG. Conhecer a função de cada uma destas
entidades sindicais e a história do sindicalismo de trabalhadores rurais é essencial para
termos ciência do que representavam para os militares os sindicatos e os trabalhadores
estudados no presente trabalho.
Como o próprio nome diz, cada uma destas entidades, as federações e
confederações, atuavam, de acordo com e legislação vigente, em uma esfera que lhe era
pertinente: estadual ou nacional, englobando em uma pirâmide hierárquica lógica as
entidades que compõe o sistema sindical rural brasileiro. Na base da pirâmide estão,
obviamente, os sindicatos de classes afins. Os sindicatos unidos formam as federações.
Estas, por sua vez, formam as confederações. As Confederações são as organizações
sindicais de maior grau numa determinada categoria, podendo ser um agrupamento
tanto de trabalhadores, como é o caso da CONTAG, quanto patronal, como a CNA –
Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária.
O artigo 535 da CLT estabelece que para que uma confederação possa ser
formada, é necessária a existência de pelo menos três federações no setor. Quanto às
federações, a CLT estipula, no artigo 534, que para que em um ramo haja uma
federação devem haver pelo menos cinco sindicatos, e estes devem, obrigatoriamente,
21
que representar, numericamente, a maioria absoluta de um grupo de atividades ou
profissões. Esta estrutura obedece a um princípio do direito trabalhista que, segundo o
Estado, é o de atividades econômicas idênticas. Entretanto, são incluídas, sob a forma
de grupos que se encaixam nesses troncos, outras atividades meramente similares ou
conexas. Assim a Confederação Nacional da Indústria agrupa os diversos tipos de
indústrias: alimentação, vestuário, construção e mobiliário, extrativas, etc.
22
CAPÍTULO 2
A PESQUISA DOCUMENTAL
Neste capítulo, busco explicitar como a pesquisa no acervo do DOPS-GO foi
feita e qual foi o tratamento dado às informações colhidas. Desta forma, elucidaremos a
respeito da estrutura encontrada no acervo ao qual tivemos acesso, da documentação
disponível, e do método científico empregado na pesquisa. Apontaremos também a
relevância social deste tipo de pesquisa na qual são trabalhados documentos oficiais
tidos como sigilosos atualmente, ou no momento histórico pesquisado, apresentando,
para a compreensão de tal importância, um histórico da legislação que regulamenta a
divulgação e o acesso a documentos sigilosos.
2.1 – O ARQUIVO DO DOPS-GO E SEUS DOCUMENTOS
Tendo em vista lidar com documentos originais do período estudado para suprir
a necessidade de desenvolver de forma mais concreta e aprofundar ao máximo a
pesquisa, durante o mês de junho de 2009, estive realizando uma pesquisa empírica com
fontes primárias provenientes dos Arquivos do Departamento de Ordem Política e
Social – o DOPS – de Goiás.
É importante frisar novamente, que meu tema de pesquisa aborda as ações dos
governos militares para “manter a ordem” instituída e lutar contra o “inimigo interno”,
que segundo a Doutrina de Segurança Nacional da Escola Superior de Guerra (ESG),
poderia ser qualquer idéia ou indivíduo que atentasse contra os interesses dos militares
durante seu regime. Neste sentido, meu projeto se afunila tratando especificamente da
interessante relação entre os sindicatos de trabalhadores rurais do estado de Goiás e o
estado durante o regime militar. Para tal estudo, foram coletados dados de trabalhadores
23
e sindicatos que possuíam fichas de identificação no DOPS-Goiás, assim como foram
analisadas matérias de periódicos da época que nos proporcionam uma idéia da
atmosfera do momento estudado.
O estudo destes dados visa, sobretudo, traçar um perfil dos trabalhadores
camponeses que se lançavam na cena político-sindical em uma época tão adversa a este
tipo de organização, e assim tentarmos vislumbrar possíveis motivos para tal
empreitada, através de uma análise global feita mediante o cruzamento de dados
recorrentes ou semelhantes existentes entre estas pessoas. Desta forma é possível
entender como agia a polícia política do governo militar nos processos de investigação e
intervenção, quando necessário, nas questões agrárias, seja acompanhando os passos
dos membros dos sindicatos (suas mudanças de endereço, por exemplo), acompanhando
de perto as eleições para a direção das entidades, ou mesmo emitindo pareceres
contrários à candidatura de certos indivíduos considerados “suspeitos” e até emitindo os
chamados “pedidos de busca” daqueles que, por algum motivo relacionado à sua
conduta ou histórico de vida, pudessem ser considerados “suspeitos”.
Os documentos analisados neste trabalho fazem parte do arquivo do Centro de
Informação e Documentação Arquivística da UFG – CIDARQ, localizado no Campus II
da referida universidade em Goiânia. Por se tratar de documentos sigilosos e que
remetem a um período relativamente recente da história de Goiás e do Brasil, durante
muito tempo, ficaram sob o poder da Secretaria de Segurança Pública do Estado de
Goiás, aguardando, desde o término do período militar a tramitação da uma legislação
específica que selasse o destino deste tipo de documento, e que, conforme previsto na
24
Constituição Federal3 regulamentasse o acesso a estes papéis por pesquisadores e
pessoas com interesse no tema.
Em 1995, um convênio celebrado entre o Estado de Goiás, com a interneviência
da Secretaria de Segurança Pública Estadual, e a Universidade Federal de Goiás, dispôs
sobre a transferência da documentação do DOPS, que até então se encontrava sob o
poder do Exército, para a universidade, à qual passaria a posse definitiva de tais
documentos após dez anos da assinatura do convênio, Ou seja, desde 2005, a UFG
detém a responsabilidade total por essa documentação e, desde então vem trabalhando
sistematicamente com uma equipe de pesquisadores da própria UFG, composta por
arquivistas, biblioteconomistas e historiadores, além de estagiários oriundos dos cursos
de graduação nestas áreas, no intuito de conhecer o conteúdo, descrever, catalogar e
organizar estes documentos, já que os mesmos, segundo o arquivista responsável,
Rodolfo Peres Rodrigues4, se encontravam completamente desordenados e alguns até
danificados devido ao anterior armazenamento inadequado.
Oficialmente, conforme celebrado no acordo de transferência dos arquivos do
DOPS de Goiás para a UFG, todos os documentos produzidos pelo órgão seriam
repassados à universidade. Porém, como as pastas – denominadas de “Doc‟s” - são
numeradas seguindo uma lógica crescente e o maior número de uma pasta é superior a 7
mil, estima-se, segundo os estudos desenvolvidos pelos arquivistas liderados por
Rodrigues, que o arquivo continha originalmente mais de 7 mil Doc‟s (pastas
numeradas). No CIDARQ, atualmente se encontram apenas 776 pastas. Logo, constata-
se que aproximadamente 90% do material produzido pela polícia política no Estado foi
3 “Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse
coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas
cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.” (CONSTITUIÇÃO FEDERAL,
art. 5º, inciso XXXIII)
4 Arquivista, graduado pela UNESP - Campus de Marília. Arquivista na UFG desde agosto de 2007,
lotado no CIDARQ desde agosto de 2008.
25
extraviado antes de ser entregue à UFG. Cada pasta, na maioria dos casos, relaciona
mais de uma pessoa ou entidade investigada, levando à conclusão de que o número de
investigados e monitorados pelo DOPS em Goiás, entre sindicatos e pessoas físicas,
teria sido de, no mínimo, 14 mil.
O que restou deste suposto imenso arquivo e que está na referida universidade,
foram as já citadas 776 pastas (Doc‟s), nas quais 1.449 pessoas e entidades são citadas
nas capas dos dossiês. Destes, 203 são de sindicatos e deste total, 96 são de Sindicatos
de Trabalhadores Rurais.
O jornal O Popular, diário de grande circulação no Estado, realizou, mediante
pesquisa nos arquivos do DOPS no CIDARQ, uma série especial de reportagens sobre a
ditadura em Goiás, publicadas entre os dias de 26 de julho de 2009 e 29 de julho de
2009, totalizando quatro textos que tratam sobre o tema. A matéria “O sumiço dos
documentos” da série, que é intitulada “Revelações da luta armada em Goiás” revela
que, segundo levantamento feito no próprio CIDARQ, os documentos do DOPS que lá
se encontram constituem 7,72 metros lineares de papéis, ou seja, se colocados
enfileirados em pé, um imediatamente atrás do outro dariam esta medida5. No arquivo,
os documentos são armazenados em quatro armários com quatro gavetas cada.
O jornal relata que na ocasião da transferência dos papéis, em 1995, chegaram à
UFG apenas nove caixas sob escolta policial. As caixas estavam todas lacradas com a
inscrição “confidencial”. Quando as caixas foram abertas, logo foi constatada a nítida
ausência de grande parte dos documentos do período militar que estavam até então sob a
posse do Exército. Mas nenhuma providência no sentido de esclarecer o paradeiro dos
documentos foi tomada na ocasião:
5 O POPULAR, Caderno Cidades. p. 4. Goiânia, quarta-feira, 29 de julho de 2009.
26
[...] Ex-delegados do DOPS responsabilizaram o Exército brasileiro
pelo sumiço dos papéis. O Estado teria entregue às Forças Armadas
um volume de dossiês e documentos muito maior do que as nove
caixas encaminhadas à UFG. A universidade descartou ir atrás dos
papéis. Argumentou que sua atribuição era apenas preservar o acervo.
(Idem.)
Ainda segundo o jornal, legalmente, a alegação da universidade era coerente,
pois no convênio celebrado para a transferência do arquivo, o Estado nomeava a UFG
como “guardiã” dos arquivos, responsável apenas por sua conservação e pela permissão
aos cidadãos a ter acesso aos documentos, observando, é claro a legislação em vigor
naquele momento para este tipo de assunto. Em setembro de 1995, cedendo a pressões
da sociedade civil, foi permitido, mediante comprovação, que apenas familiares de
desaparecidos políticos e pessoas fichadas pelo DOPS tivessem acesso aos papéis. O
jornal narra que houve um sentimento de frustração entre as pessoas que, por algum
motivo particular, foram ver conhecer o arquivo. Ao reitor da UFG na época, Ary
Monteiro do Espírito Santo, restou a seguinte desculpa: “O pente fino já foi passado
nos arquivos”6. Muitos dossiês têm apenas a folha de apresentação contendo somente o
nome do fichado e o número da ficha. O conteúdo real destes dossiês nunca chegou à
universidade. Outro indício claro da falta de documentos do acervo original é a ausência
de dossiês a respeito de militantes históricos goianos ou com alguma ligação direta com
Goiás que são considerados desaparecidos políticos. Um exemplo é o caso de Divino
Ferreira de Souza, sabidamente, o único goiano morto na Guerrilha do Araguaia e,
“curiosamente”, sem nenhum vestígio entre os nomes de dossiês. Destes grandes nomes
da militância de esquerda que desapareceram em Goiás, encontra-se no arquivo um
número reduzido de dossiês, mas de relevância histórica considerável, como é o caso de
José Porfírio de Souza, principal líder do movimento camponês-comunista de Trombas
e Formoso, desaparecido em 1973.
6 Idem.
27
Entende-se, portanto, que todas as suspeitas do extravio dos documentos recaiam
– tanto em 1995, quando se deu transferência e a UFG se viu pressionada a dar
respostas sobre o assunto, quanto posteriormente - sobre o Exército. Possivelmente
interessado em encobrir qualquer informação que desabonasse a instituição (as Forças
Armadas) ou pessoas ligadas aos fatos ou ainda que implique em cobranças da
sociedade para que a justiça seja feita contra aqueles que atentaram contra os direitos
humanos no período retratado pelos documentos, o Exército teria recolhido os
documentos mais comprometedores neste sentido antes do remanejamento das caixas.
Esta suspeita é reforçada pelo fato de, na época, o chefe do Comando Militar do
Planalto, General Casales, ameaçar queimar os documentos. Os desdobramentos desta
ameaça foram acompanhados de perto pela imprensa goiana “e amplamente debatida
entre os deputados, que há mais de um ano pediam por sua abertura” (CATELA, 2009
p. 445). Neste cenário, os documentos, que no momento da tal ameaça ainda estavam
em poder da 3ª Brigada de Infantaria Motorizada, foram então entregues ao governo de
Goiás e logo depois repassados à UFG.
Estes papéis com os quais tive contato para a realização da pesquisa de campo
são, portanto, fontes primárias, já que se trata de documentos originais do DOPS no
período que abrange desde o ano de 1964 até 1985. Eles estão organizados na forma de
várias pastas numeradas denominadas “Docs”. Estes Docs. são basicamente divididos
em dois tipos: os de pessoas físicas e os de entidades que mereciam atenção dos
investigadores daquela repartição. Estas são, em sua maioria, entidades como sindicatos
patronais, sindicatos de trabalhadores, organizações estudantis, algumas empresas
privadas e etc. Os documentos de pessoas físicas investigadas são, majoritariamente,
dossiês com informações que vão desde os documentos pessoais, como RG e CPF a até
relatórios que narram atitudes e o estilo de vida da pessoa. Muitas vezes inclui até o
28
apelido ou codinome pelo qual a pessoa era conhecida. Dentro de alguns destes dossiês,
podemos encontrar também, recortes de jornais relacionados ao tema do documento e
pedidos de busca (mandado de prisão), todos com os carimbos oficiais do DOPS e de
“Confidencial”. Nas pastas de Doc‟s. de instituições como sindicatos e organizações
estudantis encontramos predominantemente fichas contendo informações como a
documentação pessoal, a profissão, e o endereço (atual e anterior) de cada membro da
direção da entidade investigada.
2.2 - O MÉTODO EMPREGADO
Para manusear os documentos é necessário utilizar luvas de látex e uma máscara
de proteção das vias aéreas. Durante toda a pesquisa tive o auxílio de uma estagiária,
que buscava as pastas que eu havia previamente selecionado. Em um momento anterior,
tive acesso à lista de pastas e dossiês nomeados e enumerados existentes no arquivo. A
partir desta lista, selecionei, através de um sorteio, 10% do total dos dossiês com o tema
relacionado à pesquisa. Em termos absolutos, de um total de 96 Sindicatos de
Trabalhadores Rurais existentes no arquivo, cada um de uma cidade diferente, foram
analisados 10, de cidades aleatórias, conforme anteriormente dito, selecionados através
de sorteio. Como alguns Doc‟s (pastas), continham mais de um sindicato sorteado, fez-
se necessário trabalhar com apenas sete deles.
Os sindicatos analisados foram os das seguintes cidades: Aragoiânia e
Aurilândia (Doc nº 22); Carmo do Rio Verde e Cristalina (Doc nº 258); Goiânia (Doc nº
262); Inhumas (Doc nº 31); Itauçu (Doc nº 29); Mineiros (Doc nº 34); Nazário e Nova
Veneza (Doc nº 35). Assim, foram analisados e transcritos dados de 118 trabalhadores
rurais sindicalizados. As fichas em questão possuem datas que compreendem os anos de
29
1979, 1980, 1981 e 1982, sendo este, portanto o recorte temporal ao qual o método nos
conduziu. Isso nos leva a crer que foi nesse período que foi produzida pelo DOPS de
Goiás, grande parte da documentação entregue à UFG, ou seja, se realmente aconteceu
o extravio intencional de uma parcela significativa do acervo original, percebemos que
o que foi enviado à universidade para conhecimento do público abrange o período da
chamada “Abertura Política” iniciada por Geisel em 1974, e que se contrapõe ao “anos
de chumbo” dos governos militares anteriores.
É importante ressaltar que as organizações trabalhistas estudadas, são de cidades
de todas as regiões do Estado, inclusive da capital, podendo, portanto, conforme fora
constatado, proporcionar uma visão global a respeito dos perfis dos sindicatos e dos
sindicalistas de Goiás no período.
É importante esclarecer que as fichas que compunham nosso objeto de estudo
foram transcritas em decorrência da impossibilidade de xerocopiar os documentos, pois
no próprio CIDARQ não há uma máquina copiadora e a retirada dos mesmos do prédio
do arquivo não é permitida. Os responsáveis justificam tal procedimento afirmando que
desta forma estão primando pela conservação e pela longevidade dos papéis. A saída
para esta imposição foi transcrever os conteúdos desejados. Para isso desenvolvi fichas
para agilizar o processo de coleta dos dados. Para ilustrar e ao mesmo tempo garantir
confiabilidade aos dados recolhidos mediante a comprovação da existência dos
documentos citados, recorri à fotografia.
Trabalhar com documentação original é extremamente importante para o
pesquisador, pois o documento proporciona informação que, apesar de não-lapidada, é
fidedigna. Manusear um documento antigo e extrair dele informações importantes, sem
dúvida enriquece bastante uma pesquisa, concedendo-lhe profundidade e maior grau de
confiabilidade.
30
2.3 – A IMPORTÂNCIA SOCIAL DA PESQUISA EM ARQUIVOS PÚBLICOS E
UM HISTÓRICO DA LEGISLAÇÃO QUE REGULAMENTA O ACESSO A
ESTES ARQUIVOS
O governo federal vem cedendo à pressão de setores da sociedade que lutam
pelos direitos humanos e, nos últimos anos, parece estar tomando providências para
afastar permanentemente o fantasma dos anos de autoritarismo e mostrar para a
população que, sendo um governo democrático, não tem nada a esconder sobre o que foi
feito pelos dirigentes da nação no passado. Através de ações promovidas por órgãos
como a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República –
SEDH7, o Estado vem tentando promover a debate sobre os acontecimentos ocorridos
durante a ditadura. O projeto “Direito à Memória e à Verdade” é uma destas ações,
tendo sido iniciado em 29 de agosto de 2006 com o objetivo de recuperar e reunir
documentos de todo tipo (fotos, textos e outros) para divulgá-los no intuito de chamar a
atenção da sociedade para o que aconteceu durante todo o período militar.
Outro projeto nesse sentido é o “Memórias Reveladas”, que na verdade se trata
de um “Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil” criado em 13 de maio de
2009 visando, por meio de parcerias com órgãos públicos federais e estaduais, e de
doações provenientes de qualquer pessoa que possua documentos relativos ao período
que abrange desde o dia 1º de abril de 1964 até 15 de março de 1985, reunir, organizar,
divulgar e incentivar o acesso da população a todo esse material. Desta forma, o
7 Criada pelo Decreto nº 2.193, de 7 de abril de 1997, a Secretaria Nacional dos Direitos Humanos -
SNDH, estava subordinada ao do Ministério da Justiça. Em 1º de janeiro de 1999, a SNDH foi
transformada em Secretaria de Estado dos Direitos Humanos - SEDH, com assento nas reuniões
ministeriais, ou seja, seu titular passou a ter status de ministro. A Secretaria Especial dos Direitos
Humanos, criada pela Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, é o órgão da Presidência da República que
trata da articulação e implementação de políticas públicas voltadas para a promoção e proteção dos
direitos humanos.
31
Memórias Reveladas pretende ser o maior acervo de documentos da ditadura e centro
irradiador de todo o debate acerca deste assunto, pois segundo o endereço eletrônico do
projeto:
O Centro constitui um marco na democratização do acesso à
informação e se insere no contexto das comemorações dos 60 anos da
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Um pedaço de nossa
história estava nos porões. O "Memórias Reveladas" coloca à
disposição de todos os brasileiros os arquivos sobre o período entre as
décadas de 1960 e 1980 e das lutas de resistência à ditadura militar,
quando imperaram no País censura, violação dos direitos políticos,
prisões, torturas e mortes. Trata-se de fazer valer o direito à verdade e
à memória. A criação do Centro suscitou, pela primeira vez, acordos
de cooperação firmados entre a União, Estados e o Distrito Federal
para a integração, em rede, de arquivos e instituições públicas e
privadas em comunicação permanente. Até o momento, em 13
Estados e no Distrito Federal foram identificados acervos organizados
em seus respectivos arquivos públicos. Digitalizados, passam a
integrar a rede nacional de informações do Portal "Memórias
Reveladas", sob administração do Arquivo Nacional. (Disponível em:
http://www.memoriasreveladas.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid
=43)
A primeira iniciativa prática empreendida pelo governo federal visando abrir
seus arquivos referentes à ditadura ao grande público através do projeto Memórias
Reveladas, data de 18 de novembro de 2005, foi publicado o Decreto Presidencial nº
5.584 que regulamentou a transferência para o Arquivo Nacional dos acervos dos
extintos Conselho de Segurança Nacional - CSN, da Comissão Geral de Investigações e
Serviço Nacional de Informações - SNI, até então sob custódia da Agência Brasileira de
Inteligência (Abin).
O projeto também atua em nível regional, e em Goiás, em parceria com a UFG,
vem realizando inúmeros eventos, como exibição de filmes e documentários, exposições
fotográficas, debates e palestras com estudiosos do tema e pessoas que viveram no
período do regime militar. Porém, infelizmente, como me foi relatado pela equipe do
CIDARQ, entre eles o próprio Rodolfo Perez Rodrigues, na maioria das vezes estes
32
eventos ficam restritos a apenas à comunidade universitária ou a um grupo reduzido de
pessoas que tem interesse e acesso à divulgação das datas. Desta forma, podemos
afirmar que o projeto ainda não atinge seu objetivo que deveria estar em primeiro plano,
que é de atingir a sociedade de forma ampla, levando-a não só a conhecer sobre o
período militar, mas também a pensar sobre os fatos e sobre a importância de se exigir
que o Estado seja transparente em suas ações.
Ao empreender tais iniciativas, o Estado Brasileiro não está fazendo nenhum
favor a seus cidadãos. Está apenas cumprindo seu dever previsto na constituição
democrática de 1988. Mas cabe a nós refletir se estas medidas são realmente suficientes
no propósito de deixar o povo exercer sua cidadania e ter acesso à verdade ou se são
apenas medidas paliativas e midiáticas que pretendem apenas criar a sensação de
transparência. A pesquisa ampla e sistemática nos arquivos públicos de órgãos como os
DOPS (ou o que sobrou deles) e a produção intelectual proveniente dela poderia render
novos debates, gerar novos pontos de vista e esmiuçar de forma mais criteriosa
informações sobre quem foram, e como viveram os brasileiros que participaram direta
ou indiretamente do período militar. Nesse sentido, concluímos que nossa legislação
deve apoiar plenamente, e não dificultar o acesso aos documentos.
O artigo 1º, parágrafo único da Constituição de 1988 diz que “todo o poder
emana do povo”, desta forma, podemos entender que o poder estatal em nosso país é
popular, e assim sendo, o povo, na qualidade de detentor do poder, deve participar
ativamente das decisões tomadas pelos governantes eleitos por este povo para
representar sua vontade. Em um país democrático, portanto, exercer esse poder, é
exercer a plena cidadania. Uma prerrogativa indispensável ao exercício do poder é o
conhecimento da situação sobre a qual ele será exercido. Desta forma, se o poder emana
do povo, o conhecimento acerca da realidade e da história do Estado deve estar à sua
33
disposição para que o mesmo tenha plenas condições de ponderar, avaliar e debater atos
do passado para tomar decisões que implicarão no futuro do país de forma responsável,
madura e consciente, exercendo assim, a cidadania de forma plena.
A transparência dos arquivos estatais é uma prerrogativa sine qua non do
princípio republicano que nossa Constituição teoricamente defende. Fábio Konder
Comparato analisa esta questão afirmando que “todo cidadão tem o direito fundamental
de saber a verdade e tomar conhecimento daquilo que foi feito em nome do povo, do
qual ele, cidadão, é um dos componentes.” (COMPARATO, 2006, p. 622). O princípio
republicano democrático é baseado na idéia de bem público ou bem do povo (da
expressão latina (res publica, res populi), desta forma, o poder público deve estar
sempre a serviço dos interesses do povo, e não de pessoas ou grupos restritos. Para
garantir a aplicação deste princípio na prática, todas as ações dos agentes do poder
devem estar sempre submetidas a um regime de publicidade integral.
Os regimes militares que se instalaram na América Latina na segunda metade do
século XX foram regimes de exceção. Eram formas de governo impostas à força ao
povo governado, e que, portanto, não primavam pelos princípios democráticos aqui
citados. O não compromisso com a transparência, e o sigilo total de suas ações faziam
do regime brasileiro uma verdadeira fábrica de segredos que na maioria das vezes
encobriam crimes contra o próprio cidadão, corrupção, uso do poder público em
benefício de uma minoria, e muitas outras irregularidades das quais o público não podia
tomar conhecimento de forma alguma.
Nossa Constituição atual foi elaborada sob um prisma democrático que pretendia
eliminar qualquer resquício do modelo de administração autoritário e obscuro aos olhos
do povo implantado pelos militares. O princípio inscrito no artigo 1º, Parágrafo único,
deve ser a lei magna a ser observada para corroborar a real necessidade de toda esta
34
transparência aqui discutida. É um direito do povo, tomar conhecimento da história para
poder decidir politicamente. Assim, “o sigilo, o segredo, a omissão, a clausura, são,
portanto, práticas incompatíveis com o Estado constitucional, e democracia e a
cidadania” (WEICHERT, 2009, p.407). Logo, se o Estado brasileiro atual se negar a
disponibilizar qualquer informação de interesse público, incluindo o acesso aos
documentos que constituem o acervo histórico do país à sua população, ele estará
negando a si próprio, agindo de maneira inconstitucional e, portanto, desrespeitando a
lei instituída. É claro que posteriormente à constituinte de 1988 foi posta em prática
uma legislação específica para o tema do acesso a informações governamentais. E esta
legislação, como o tema em si, é bastante discutida por juristas, legisladores e
interessados em geral, e, por isso mesmo, é também bastante controversa.
Um dos pontos que causam mais polêmica envolve a questão técnica inerente ao
Direto no que tange à da hierarquização das leis e princípios jurídicos. Isto ocorre, pois
alguns estudiosos apontam falhas e até mesmo inconstitucionalidades nesta legislação
que geram normas que dificultam ou até mesmo impedem a acesso aos documentos
governamentais considerados sigilosos. Assim, devemos observar que nossa
Constituição atual prevê casos em que o Estado teria sim o direito de manter em segredo
certos tipos de documentos, entre eles, os que foram produzidos durante a ditadura
militar. Mas antes de tudo, é importante ressaltar que, segundo a legislação em vigor, o
sigilo de documentos oficiais é uma medida excepcional, e que, portanto, prescinde de
uma forte justificativa perante a população à qual o conhecimento está sendo negado.
O artigo 5º, inciso XXXIII da Constituição prevê a possibilidade de acervos
documentais serem mantidos em sigilo somente em casos específicos nos quais a
revelação das informações, possam ser prejudiciais ao Estado e à sociedade em assuntos
relacionados a, por exemplo, atividades policiais, serviços de inteligência, processos
35
judiciais, estratégias comerciais, política exterior, defesa militar e etc. Para que um
destes assuntos seja considerado de tal relevância que mereça ser solicitado o sigilo, o
risco de sua revelação deve ser comprovadamente real e atual.
A lógica hierárquica das leis, que coloca o direito fundamental do cidadão à
verdade como princípio básico observa que o sigilo, por se tratar de uma exceção
pontual, obriga o Estado a arcar com o ônus de demonstrar ao Ministério Público (como
representante dos interesses da população) e à sociedade como um todo - quando o
sigilo for solicitado - que o mesmo é realmente indispensável para prevenir graves
prejuízos à coletividade, ou seja, à nação e que não está sendo usado para proteger
interesses de autoridades, grupos ou pessoas que desejam omitir fatos passados que
possam vir a ser de interesse geral, mas que por algum motivo macule a história de
alguém ligado à esfera pública. As autoridades públicas, pelo contrário, devido à
relevância coletiva de suas funções, são obrigadas a terem seus atos (realizados em
nome ou simplesmente fazendo uso do aparato estatal) deixados sempre às claras. Deve-
se observar que, neste caso, para efeito de justiça, o interesse coletivo está acima do
individual.
Entretanto, existe outro tipo de caso em que a Constituição prevê a possibilidade
de sigilo de documentos oficiais. Trata-se do disposto no artigo 5°, inciso X, que admite
a manutenção do segredo para proteção da intimidade, da privacidade, da imagem e da
honra. De acordo com este artigo, quando a informação a ser protegida para atender a
interesse pessoal for também de interesse público, cabe à autoridade responsável julgar,
de acordo com critérios de ponderação, até que ponto os documentos podem ser
preservados em segredo, podendo, neste caso, haver liberação apenas parcial. Neste
caso, vale lembrar mais uma vez que “a proteção constitucional dos valores
36
fundamentais do indivíduo não se confunde com a preservação de biografias de
personalidades públicas”. (WEICHERT, 2009, p. 411)
Para Weichert, o sigilo, mesmo quando concedido pela legislação deve ser
periodicamente reavaliado, sob os critérios da atualidade e da necessidade:
O dano que justifica o sigilo deve ser atual e relacionado diretamente
com os interesses da nação. Ou seja, a divulgação da informação traz
riscos presentes. A convicção de que, no passado, a revelação seria
danosa, não autoriza o sigilo de hoje.
Por esse motivo, a necessidade de sigilo precisa ser constantemente
reavaliada, pois a dinâmica das relações sociais [...] supera, muitas
vezes rapidamente, os motivos que foram determinantes para temer
riscos ao país ou aos seus cidadãos.
Assim, não é admissível a estipulação de sigilo eterno ou a fixação de
prazos irrazoavelmente longos para a desclassificação do caráter
sigiloso do documento. (WEICHERT, 2009, p. 411)
Sendo assim, se a revelação de um documento redigido no passado poderia ter
causado problemas naquela época, seu sigilo naquele momento fora justificado para
aquele momento específico, para aquele contexto social sob o qual foi elaborado. Daí a
necessidade de uma reavaliação periódica. Porém, na prática, não é bem isto o que
acontece. A lei, pelo contrário, preconiza a manutenção da classificação original do
documento para a conservação de seu sigilo e até mesmo, quando possível, para a
revalidação do segredo de acordo com o a classe do documento. Esta discussão entra no
mérito da classificação dos documentos sigilosos.
Durante a ditadura, já no início do período comumente chamado de “abertura”, o
presidente Ernesto Geisel assinou um o Decreto nº 79.099 de 06 de janeiro de 1977 que
consistia em um regulamento que tratava da definição do conceito, da classificação, do
manuseio, da manutenção do segredo e da salvaguarda dos documentos públicos
sigilosos produzidos no país. O decreto estipulava a classificação dos documentos em
quatro grupos de acordo com seu tipo e assunto. Esta classificação orientou as
37
legislação posterior, inclusive depois da redemocratização, por isso, é interessante nos
atentar para que tipo de material geralmente estamos nos referindo quando falamos em
documentos Ultra-Secretos, Secretos, Confidenciais e Reservados.
O artigo 5º deste decreto estabelece que o documento deve ser classificado de
acordo com o assunto que contem e não em função de sua relação com outros assuntos.
Desta forma, enquadra como documento ultra-secreto aqueles que contenham assuntos
relacionados a: negociações para alianças políticas e militares; Hipóteses e planos de
guerra; Descobertas e experiências científicas de valor excepcional e; Informações sobre
política estrangeira de alto nível.
Os documentos secretos são aqueles que contem assuntos referentes a planos,
programas e medidas governamentais extraídos de documento ultra-secreto que, sem
comprometer o excepcional grau de sigilo do original, necessitem de maior difusão,
bem como as ordens de execução, cujo conhecimento prévio, não autorizado, possa
comprometer suas finalidades. Podem tratar, portanto, dos seguintes assuntos: planos ou
detalhes de operações militares; Planos ou detalhes de operações econômicas ou
financeiras; Informes ou Informações sobre dados de elevado interesse relativos a
aspectos físicos, políticos, econômicos, psicossociais e militares nacionais ou de países
estrangeiros; Materiais de importância nos setores de criptografia, comunicações e
processamento de informações.
Os documentos normalmente classificados como Confidenciais, são os
referentes a assuntos públicos nos campos pessoal, material, financeiro e etc., cujo
sigilo deva ser mantido por interesse do Governo e das partes envolvidas, tais como:
informes e Informações sobre atividades de pessoas e entidades; Ordens de execução
cuja difusão prévia não seja recomendada; Radiofreqüências de importância especial ou
aquelas que devam ser freqüentemente trocadas; Indicativos de chamada de especial
38
importância que devam ser freqüentemente distribuídos; Cartas, fotografias, mapas e
negativos, nacionais e estrangeiros, que indiquem instalações consideradas importantes
para a Segurança Nacional.
O decreto indica ainda que os documentos normalmente classificados como
Reservados devam ser aqueles que não devam ser do conhecimento do público em
geral, como: informes e Informações internas; assuntos técnicos; partes de planos,
programas e projetos e suas respectivas ordens de execução; cartas, fotografias aéreas e
negativos, nacionais e estrangeiros, que indiquem instalações importantes.
A partir da compreensão da classificação legal dos documentos da época,
tornou-se simples compreender a categorização dos documentos do DOPS com os quais
trabalhei. Os documentos pesquisados para a realização desta pesquisa seguiam um
padrão de organização dentro das pastas de cada cidade. As fichas de identificação dos
trabalhadores eram precedidas por um ofício que continha um texto informando do que
se tratavam as fichas que a ele eram anexas, ou seja, as fichas de um mesmo dossiê
eram introduzidas por um ofício de encaminhamento do Delegado Regional do
Trabalho, Sr. Gonçalo Bezerra Lima para o Secretário de Segurança Pública. Os ofícios
de resposta, de caminho inverso, que geralmente davam resposta positiva, ou seja, “nada
consta” contra os sindicalistas também continham estas inscrições que identificavam
todo aquele material como “Confidencial” de acordo com a legislação vigente.
Eventualmente, em algumas pastas havia outros tipos de documentos, como por
exemplo, “Pedidos de Busca” para algum trabalhador sobre o qual havia sido
encontrada alguma informação “desabonadora”. Todos os ofícios de comunicações
entre o DOPS-GO e a Delegacia Regional do Trabalho (DRT-GO), relacionados
continham uma chamativa peculiaridade que atesta o que o Decreto nº 79.099/77
instituía sobre quais tipos de documentos deveriam ser, normalmente, classificados
39
como Confidenciais: em local de destaque no documento, geralmente em tinta vermelha
sempre havia a inscrição “Confidencial”, além de carimbo, como o que continha a
seguinte inscrição de advertência: “Toda e qualquer pessoa que toma conhecimento de
assunto sigiloso fica, automaticamente, responsável pela manutenção do seu sigilo.8”.
Entender esta questão da classificação e de sua validade foi essencial para lidar
com os documentos do acervo do DOPS-GO, pois ao se deparar com tais documentos, a
princípio a questão do sigilo da época, observado pelos carimbos nos documentos
impressiona, e se, não houver o conhecimento da lei, neste caso da lei vigente naquele
período da ditadura em que os documentos estudados foram emitidos – o decreto do
presidente Geisel – pode haver confusão a respeito da real classificação atual daquele
documento que se tem em mãos. Todos os documentos estudados foram elaborados e
classificados sob a égide do Decreto nº 79.099/77, o qual, só teria seu texto revisto, e
acabaria sendo revogado em 1997.
Em 1991, o Congresso aprovou a primeira lei pós 1988 sobre a política nacional
de gestão de documentos e arquivos públicos, trata-se da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro
de 1991, que, entre medidas, determinava que os estados teriam a partir daquela data
certa autonomia sobre o destino e a gestão de seus arquivos, desde que respeitados os
preceitos constitucionais já citados. Além disso, esta lei fixava o prazo máximo para a
manutenção de sigilo em 30 anos, com a possibilidade de prorrogação em somente uma
vez, pelo mesmo período quando se tratasse de assunto pertinente à segurança da
sociedade e do Estado. E de até 100 anos de sigilo quando se tratasse de proteção à
honra e à imagem das pessoas.
Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, esta lei e o decreto de 1977
foram objetos de seguidas regulamentações presidenciais, ou seja, todas as alterações e
8 Art. 1º do Decreto 77.099 de 6 de janeiro de 1977, informação também contida no carimbo.
40
revogações foram feitas através de decretos do presidente, e não por leis. Em seu
primeiro mandato, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso assinou o Decreto nº
2.134, de 24 de janeiro de 1997 que, entre outras providências, fixava uma gradação de
importância aos diversos tipos de documentos oficiais e firmava prazos de sigilo
proporcionais a cada um dos grupos. Este decreto revogou o decreto Decreto nº
79.099/77, do governo Geisel, regulamentando as novas diretrizes de classificação e,
principalmente, estipulando novos prazos de sigilo, porém mantendo a maioria dos
elementos já existentes no documento que de 1977, como a nomenclatura e a definição
dos tipos de documentos normalmente enquadrados em cada grupo.
De acordo com o disposto no Decreto nº 2.134/97, os documentos oficiais
sigilosos já existentes não teriam sua classificação alterada, pois a nomenclatura para os
graus de sigilo e os parâmetros para classificação seriam os mesmos descritos na
legislação anterior – proveniente da ditadura.
Já os documentos sigilosos produzidos a partir da assinatura daquele decreto
seriam classificados na ocasião, cada um por uma esfera pública competente para cada
grau de sigilo, de acordo com a avaliação de sua relevância para as questões estratégicas
para o país, poderiam ser enquadrados em quatro categorias: a) ultra-secretos: aqueles
que requeiram excepcionais medidas de segurança e cujo teor só deva ser do
conhecimento de agentes públicos ligados ao seu estudo e manuseio; b) secretos:
documentos que requeiram rigorosas medidas de segurança e cujo teor ou característica
possam ser do conhecimento de agentes públicos que, embora sem ligação íntima com
seu estudo ou manuseio, sejam autorizados a deles tomarem conhecimento em razão de
sua responsabilidade funcional; c) confidenciais: são aqueles cujo conhecimento e
divulgação possam ser prejudiciais ao interesse do País, devendo portanto permanecer
sob o conhecimento apenas das instituições estatais relacionadas, e por último; d)
41
reservados: são os documentos que não devem, imediatamente, ser do conhecimento do
público em geral. O Decreto nº 2.134/97 fixava, de forma genérica, o prazo máximo de
sigilo para documentos ultra-secretos, em trinta anos; aos secretos, vinte anos; aos
confidenciais, de dez anos; e aos reservados, cinco anos.
Depois deste decreto, que teve maior relevância devido à sua abrangência
temática, se fixando como um regulamento e tendo seu texto e seus conceitos instituídos
como parâmetro utilizado nas deliberações que o sucederam, veio o decreto 2.910/98,
ainda no primeiro mandato, que pouco alterou o conteúdo de seu antecessor. Já no
segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, tivemos o Decreto nº 4.497/02, e
finalmente, o mais polêmico deles, o Decreto nº 4.553, também de 2002. Vale lembrar
que decreto, tem o poder de revogar decretos anteriores, mas não de leis. É justamente
nesta questão que se instalou a polêmica sobre este último decreto, pois o mesmo, fez
alterações drásticas no que vinha sendo feitos pelos decretos anteriores. O Decreto
4.553/02, “passou por cima” da lei que ainda vigorava, a lei Lei nº 8.159/91, que fixava
o prazo máximo para sigilo de documentos de interesse para segurança do Estado e da
sociedade em trinta anos renováveis por mais trinta, instituiu o tempo máximo em
cinquenta anos para os documentos considerados ultra-secretos, de acordo com a
classificação do decreto de 1997, que seguiu sendo usada. O pior desta
inconstitucionalidade é que este prazo, segundo o texto, poderia ser renovado
indefinidamente, conforme a vontade do primeiro escalão do poder executivo.
A legislação posterior a esta, que, aliás é a atual, tenta amenizar a severidade
deste último decreto do Presidente Fernando Henrique, alterando, basicamente, a
possibilidade de prorrogação destes prazos iniciais e a duração dos mesmos, mas como
veremos, ainda não proporciona os dispositivos ideais para o pleno desenvolvimento do
direito democrático de acesso à verdade contida nos arquivos públicos.
42
No governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o debate acerca do tema
dos arquivos públicos prosseguiu (e prossegue até hoje), dando origem a uma nova
sucessão de deliberações com um único fim: a Lei nº 11.111/05.
Em 2004, foi editada a Medida Provisória nº 228, de 9 de dezembro de 2004.
Devemos lembrar que Medida Provisória, é um ato extraordinário do presidente,
admitido pela Constituição apenas para atender demandas consideradas urgentes. Dito
isto, observamos que logo a tal medida provisória foi regulamentada pela assinatura do
Decreto nº 5.301, também de 2004, e em 2005, fora votada pelo congresso e teve seu
texto convertido em lei sem alterações, dando origem à Lei nº 11.111/05. Esta lei, tem
como destaque principal a retomada dos prazos máximos de sigilo estipulados pela Lei
nº 8.159/91 e pelo Decreto nº 2.134/97 (trinta anos), anulando o disposto no Decreto
4.553, de 2002 (cinquenta anos, podendo ser prorrogado infinitamente). Mas a mudança
não foi tão substancial quanto parece à primeira vista.
Esta lei, que orienta atualmente o que os gestores de arquivos públicos devem
fazer, o que os juízes devem observar e o que os pesquisadores destes arquivos podem
ter acesso, definiu que fosse criada, sob a tutela da Casa Civil da Presidência da
República, a chamada “Comissão de Averiguação e Análise de Análises Sigilosas”.
Cabe, desde então, a esta comissão, a decisão pela manutenção do sigilo “pelo prazo
que for necessário” dos documentos que estiverem esgotando o prazo dos sessenta anos
previstos (trinta iniciais, mais trinta de acréscimo) de sigilo, quando seus membros
entendessem que o acesso às informações ainda hoje ameaçariam a soberania, a
integridade territorial nacional ou as relações internacionais do país.
Estudar o histórico das leis que regulamentam o acesso aos arquivos públicos no
Brasil é importante para quem vai lidar com os tais documentos sigilosos, nos dando
uma idéia geral, do que o Estado “não quer que nós, o povo, saibamos” ou que
43
população soubesse no passado, estimando graus de importância ao segredo não
revelado. Os documentos estudados para a realização desta pesquisa representam um
destes casos, porém sabemos que os mesmos constituem apenas uma ínfima parte dos
resquícios das atividades mantidas em segredo pelos governos militares, mas já são
suficientes para montarmos um cenário do panorama que encontrávamos no campo no
Estado de Goiás no final da década de 1970 e início da década de 1980 através da
percepção da situação dos trabalhadores rurais sindicalizados. Através desta percepção
baseada no estudo e na coleta de dados dos documentos originais do DOPS-GO
traçaremos um perfil destes trabalhadores que, apesar dos baixos níveis de escolaridade,
compuseram a cena de luta sindical em um momento político tão conturbado de nosso
país e tais atividades eram tão mal vistas pelas autoridades.
44
CAPÍTULO 3
A ANÁLISE DOS DADOS NOS REVELA A REALIDADE DO CAMPESINATO
GOIANO SINDICALIZADO
Neste último capítulo conheceremos aspectos importantes sobre os municípios
que sediavam os sindicatos pesquisados. Todas as informações aqui prestadas sobre
estas cidades foram fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –
IBGE9.
Ter acesso a dados a respeito da população atual, da localização geográfica, bem
como um breve histórico dos municípios é um aspecto de suma importância para esta
pesquisa, pois é necessário situar o locus do objeto pesquisado tanto no tempo quanto
no espaço, dando assim, sentido às informações colhidas. Desta forma, possibilita-se o
levantamento de hipóteses, facilitando até mesmo o entendimento de certas informações
obtidas nos documentos do DOPS-GO acerca dos sindicatos e seus componentes, que
quando não situadas, podem parecer soltas. Analisando as informações sobre as cidades
ficamos cientes de datas marcantes, como a emancipação ou a fundação dos municípios
e ainda se sua história conta com um histórico de tradição nos assuntos pertinentes ao
campo, o que nos leva a construir conjecturas com maior facilidade.
A partir do conhecimento das cidades-sede, procederemos com a apreciação dos
dados colhidos durante a pesquisa campo. Por meio da análise das informações contidas
nas tabelas anexas, as quais contêm todas as informações relevantes para o intuito do
presente trabalho, delinearemos o perfil dos trabalhadores rurais sindicalizados no
9 As informações prestadas pelo IBGE são oriundas de pesquisas e levantamentos correntes do IBGE e do
compilamento de dados de outras instituições oficiais, como o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas,
Ministério da Educação e do Desporto - INEP/MEC; Departamento de Informática do Sistema Único de
Saúde, Ministério da Saúde - DATASUS/MS; Tribunal Superior Eleitoral - TSE; Banco Central do Brasil
- BACEN/MF, Secretaria do Tesouro Nacional, Ministério da Fazenda - STN/MF e Departamento
Nacional de Trânsito - DENATRAN/MJ.
45
Estado de Goiás no final da década de 1970 e início da década de 1980, apresentando,
assim nossas considerações acerca do tema.
3.1 – AS CIDADES-SEDE DOS SINDICATOS PESQUISADOS
Antes de traçarmos o perfil dos trabalhadores rurais sindicalizados no Estado de
Goiás no final da década de 1970, e início da de 1980, é necessário que conheçamos os
municípios que sediavam os sindicatos e onde estes trabalhadores, além de trabalharem,
na maioria dos casos, também residiam para que possamos nos situar geográfica e
historicamente durante a apreciação dos dados recolhidos.
Como já foi mencionado, foram pesquisados documentos relacionados a dez
cidades selecionadas aleatoriamente mediante sorteio: Aragoiânia e Aurilândia (Doc nº
22); Carmo do Rio Verde e Cristalina (Doc nº 258); Goiânia (Doc nº 262); Inhumas
(Doc nº 31); Itauçu (Doc nº 29); Mineiros (Doc nº 34); Nazário e Nova Veneza (Doc nº
35).
Para efeito de organização, durante a pesquisa trabalhamos com os dados das
cidades sempre em ordem alfabética, a qual também seguiremos para conhecer as
cidades. Aragoiânia, a primeira e ser analisada, é um município localizado na região
limítrofe da chamada Grande - Goiânia, ficando a, aproximadamente, 7 km de distância
da capital do Estado, estando, portanto na mesorregião do centro goiano. Faz divisa com
os municípios de Abadia de Goiás, Aparecida de Goiânia, Hidrolândia e Guapó.
Inicialmente subordinado a Guapó, o distrito surgiu ofialmente em 1958 e, no mesmo
ano foi elevado à categoria de município com a denominação de Aragoiânia quando foi
desmembrado de Guapó e Hidrolândia, sendo composto, desde então somente do
distrito sede.
46
No início do século XX, a região era uma conhecida localidade de parada das
tropas de gado. Segundo o IBGE, os pioneiros no povoamento da região, foram os
fazendeiros João Nasser e Bertoldo Lourenço, que tiveram a iniciativa de ampliar uma
capela em louvor a Santa Luzia existente na região onde as tropas paravam. Esta
medida, ocorrida em meados da década de 1940, somada à proximidade com a ainda
nova capital, fez com que a localidade recebesse população interessada em se fixar em
torno do pequeno núcleo urbano que, a partir da segunda metade da década de em
questão se expandiu consideravelmente, o que levou à sua emancipação. Vale lembrar
que o município de Aragoiânia é popularmente chamado pela sua própria população e
pelos goianos em geral pelo pseudônimo de “Biscoito Duro”. Sua população atual, de
acordo com dados do IBGE é de aproximadamente 7.243 habitantes10
.
O município de Aurilândia também está localizado na mesorregião do centro
goiano e está a uma distância de 130 km de Goiânia, possuindo uma população
estimada em 2007 era de 3.719 habitantes. Os municípios com os quais faz limite são
Cachoeira de Goiás, Córrego do Ouro, Firminópolis, Moiporá, Paraúna, São João da
Paraúna e São Luís de Montes Belos. Sua emancipação data de 07/10/1948, quando foi
desmembrado do município de Paraúna. Seu primeiro nome, ainda como distrito era
Marilândia, que foi alterado para o atual quando se deu sua elevação à categoria de
município. Desde 1960, é constituído apenas do distrito-sede, Aurilândia, propriamente
dita, porém já teve sua extensão administrativa abrangendo os distritos de Moitu (atual
Cachoeira de Goiás), Ivolândia e Mairiporá, todos elevados à categoria de município.
Aurilândia teve o princípio de seu povoamento com a descoberta de ouro no
início do século XX nas terras entre o rio São Domingos e o Ribeirão Santa Luzia, no
10
Todos os dados populacionais têm como fonte a contagem oficial do IBGE de 2007 e levam em
consideração a população total dos municípios, incluindo, desta forma, tanto zona rural quanto zona
urbana.
47
município de Paraúna, uma região fértil para a agricultura e fartamente irrigada. A
atividade garimpeira atraiu muitas pessoas que, ali permanecendo, logo formaram um
povoado, que recebeu o nome de Santa Luzia em homenagem à Padroeira do lugar e
nome do ribeirão próximo.
Quando o breve período de mineração se findou devido ao esgotamento do ouro
na região, os habitantes, que a esta altura já haviam criado raízes ali, se voltaram
definitivamente para as atividades agrícolas, aproveitando as boas possibilidades
proporcionadas pela qualidade do solo e do relevo. A notícia do sucesso inicial do
empreendimento agrícola da população da região deu um novo impulso à povoação,
levando, já no final da década de 1940 à elevação do povoado à condição de distrito de
Paraúna.
O terceiro município pesquisado nos documentos do DOPS encontra-se ao norte
da mesma mesorregião dos dois municípios supracitados: o centro goiano. Trata-se de
Carmo do Rio Verde, que se encontra em uma localidade conhecida popularmente como
Vale do São Patrício, a qual é atualmente composta por 22 municípios e se destaca pela
produção agrícola. Atualmente a cidade faz divisa com os municípios de Ceres, Piçarra,
Itapuranga, Rialma, Santa Isabel, Uruana e São Patrício.
O povoamento de Carmo do Rio Verde teve início em 1939, quando houve a
fundação da Colônia Agrícola Nacional de Goiás - CANG11
, da qual foi a primeira sede
no início da colonização. A CANG foi a primeira de uma série de oito colônias e de
11
Em 1941, instalava-se oficialmente, por força de decreto assinado pelo presidente da república, Getúlio
Vargas, na margem esquerda do rio das Almas, em uma gleba denominada “São Patrício”, a Colônia
Agrícola Nacional de Goiás (CANG). Sob a direção do engenheiro Bernardo Sayão, procedeu-se a
demarcação da área, dividida em lotes destinados, por doação, aos colonos, que além das terras recebiam
sementes selecionadas, ferramentas, assistência médica, dentária e social, gratuitamente. Em
contrapartida, deveriam conservar de 20 a 25% de matas e produzir no restante. Tinham, também, direito
a uma casa tipo popular. A posse da terra ficava sob “usufruto” até que o Ministério da Agricultura
outorgasse o título de propriedade definitiva. O objetivo primordial era implantar uma agricultura
moderna e fixar o homem no campo, substituindo a rotatividade das terras pelas culturas. (Em
http://biblioteca.ibge.gov.br/)
48
outras iniciativas que visavam dar corpo ao projeto de Getúlio Vargas de explorar e
ocupar os vazios demográficos existentes no interior do país na chamada “Marcha para
o Oeste”, a qual tinha como objetivo também, a expansão das fronteiras agrícolas. Para
atrair pessoas interessadas em trabalhar e se fixar no local, o governo federal,
juntamente com a administração do então interventor no Estado Dr. Pedro Ludovico
Teixeira, utilizou-se da doação lotes de terras aos trabalhadores vindos de todas as
regiões do país, sobretudo do Sul. Desta forma, a CANG foi a grande propulsora para a
ocupação e o desenvolvimento econômico da região do Vale do São Patrício, dando
origem a vários municípios.
Em 1941 a administração da CANG teve sua sede transferida para Ceres,
restando em Carmo, segundo o IBGE, apenas algumas poucas moradias, uma única casa
comercial de produtos variados, provavelmente um armazém e outra de venda de
produtos farmacêuticos. Este núcleo constituiu o embrião do povoado que ainda
persistia na região.
Por volta de 1945, com a repercussão da Colônia e a notícia das terras
extremamente férteis da região divulgada pelo governo, o povoamento cresceu,
construindo-se uma escola isolada e uma capela dedicada à Nossa Senhora do Carmo, o
lugarejo tornou-se conhecido como Carmo do Rio Verde, em louvor à Padroeira e como
lembrança ao rio que banha a região. Já na condição de Vila, obtida em 1948, Carmo do
Rio Verde teve, através da imprensa, ampla divulgação sob a excelência de seu solo,
tornando-se em pouco tempo, produtor agrícola um município de produção agrícola
considerável. Em 1949 foi elevado à categoria de distrito subordinado ao município de
Goiás, do qual fora desmembrado em 1952, quando finalmente foi elevado à categoria
de município. Em 2007, sua população era estimada em 8.897 habitantes.
49
A origem do quarto município-sede de um sindicato pesquisado remonta à
segunda metade do século XIX. Formalmente, Cristalina começou a ser formada em
1901, quando, sob a administração do município de Santa Luzia (atual Luziania), foi
criado o distrito de São Sebastião da Serra dos Cristais, o qual daria origem à cidade de
Cristalina. Porém, desde meados do século XVIII, foi a busca pelo ouro, na capitania de
Goiás, na época ainda pertencente a São Paulo, que levou exploradores provenientes,
principalmente, paulistas às terras do atual Município de Cristalina, onde, ainda no
início do século XIX, acabaram descobrindo apenas cristal de rocha na serra que, por
este motivo, recebeu o nome de Serra dos Cristais . A exploração deste minério
permaneceu vacilante por muito tempo devido ao seu baixo valor de mercado, se
comparado aos minerais e metais preciosos que eram o real objetivo dos exploradores
que visavam a comercialização no mercado europeu.
Porém, em 1879, dois franceses, Etienne Lepesqueur e Leon Labousière, que
comercializavam ouro na cidade de Paracatu, adquiriram pequena partida do minério,
que foi enviado à Europa para análise da pureza, tendo resultado bastante positivo e
alcançando preço compensador. Desta forma, os franceses se fixaram na região da serra
compra, onde se tornaram compradores e exportadores do cristal extraído por cada vez
mais aventureiros que chegavam ao local para tal serviço. Estes garimpeiros, juntamente
com alguns comerciantes acabaram formando precário núcleo habitacional. Em 1882 os
franceses retornaram a Paracatu, levando a uma conseqüente dispersão dos faiscadores e
então a uma desaceleração do comércio e do crescimento populacional local.
Entretanto, é necessário lembrar, que a Europa vivia a ebulição de um período
industrial pujante, assim o cristal brasileiro continuava tendo portas abertas naquele
mercado, onde era lapidado e utilizado para a produção de utensílio de ótica e artigos de
decoração. Infelizmente, era necessário algum atravessador que comprasse o cristal
50
extraído, os quais, depois da pioneira dupla de franceses, não demoraram a aparecer, e a
partir de 1884, o crescimento da população local foi ascendente, consolidando a cidade
que ali se formaria no início do século XX. Em 1916, obteve sua autonomia em relação
a Santa Luzia, tornando-se município em 18 de julho daquele ano com o nome de São
Sebastião da Serra do Cristais, o qual só seria oficialmente substituído pelo atual em 31
de maio de 1918, por força da Lei Estadual nº 533. Cristalina, segundo o IBGE, está
situada na mesorregião do leste goiano, mais precisamente na região do entorno de
Brasília. Tem em seus limites, Ipameri, Paracatu, Luziânia, Cidade Ocidental, todos em
Goiás, além do município de Unaí em Minas Gerais e o Distrito Federal. Em 2007,
Cristalina tinha uma população estimada em 36.614 habitantes.
A próxima cidade-alvo do interesse de nossa pesquisa é a atual capital do
Estado: Goiânia. Ao fazer o sorteio que definiu as pastas que iríamos pesquisar, a
princípio, causou surpresa o fato de Goiânia possuir um sindicato de trabalhadores
rurais, mas ao estudarmos melhor a História de sua fundação e a tradição rural do
Estado, nos demos conta de que realmente ainda existia na época tratada pela pesquisa,
uma considerável zona rural nas regiões periféricas ao centro, a qual abrigava famílias
de pequenos proprietários e trabalhadores em geral, que exerciam as mais variadas
funções nestas propriedades, que geralmente produziam para consumo próprio e para a
comercialização na cidade. Os produtos das chamadas hortas, e as frutas dos pequenos
pomares, além dos derivados de leite abundavam nas feiras livres de Goiânia e região.
Vale lembrar que, naquela época, os próprios proprietários e os ajudantes
compunham uma verdadeira rede de trabalhadores que faziam a ponte entre o mundo
urbano da primeira capital planejada do Centro-Oeste e o mundo rural, ainda tão
presente no modo de vida e na mentalidade dos goianienses.
51
Este cenário tão peculiar a uma capital de Estado podia ser notado não só pelas
relações estabelecidas, mas também por alguns hábitos e ocupações determinados por
estas relações, que persistem até os dias atuais em escala muito menor, é claro. Podemos
citar o exemplo dos leiteiros que faziam um trabalho de venda do leite e seus derivados
produzidos de maneira artesanal nas propriedades rurais da região metropolitana, “de
porta em porta” pelos bairros da cidade. Por incrível que pareça, devido a esta relação
tão estreita de confiança estabelecida entre o rural e o urbano em plena capital, era como
se estas duas esferas coexistissem em um mesmo plano e se sobrepusessem de forma
intercalada.
Goiânia tem sua fundação oficial datada em 24 de outubro de 1933, quando sua
pedra fundamental foi lançada. Durante muito tempo, a idéia de mudar a capital para
outra localidade foi cogitada por políticos locais sob as mais diversas justificativas. Já
em meados do século XVIII, D. Marcos de Noronha, o primeiro intendente da Capitania
de Goiás, segundo documentos da época já havia cogitado a idéia da transferência da
capital para Meia Ponte (atual Pirenópolis). A princípio, a idéia da mudança da capital
do Estado surgiu da necessidade de localizá-la, de acordo com os interesses econômicos
e sociais de todos os municípios goianos. Sob este princípio, podemos observar que a
Cidade de Goiás havia sido escolhida como capital, quando a província ainda era
aurífera. Com o declínio da atividade garimpeira na região, ficou demonstrado que a
criação do gado e a agricultura passariam a ser os fatores preponderantes no
desenvolvimento econômico do Estado, não fazendo mais tanto sentido que a capital
continuasse em uma região que possuía condições geográficas que dificultavam seu
crescimento. Este foi um dos argumentos usados pelo interventor Pedro Ludovico para
defender a mudança que ele levaria a cabo.
52
Vagamente abordada até 1930, a idéia de mudança da capital só se firmou no
governo de Pedro Ludovico, pois naquele momento, apoiado pelo presidente Getúlio
Vargas, o interventor gozava de poder e prestígio junto ao legislativo do Estado e das
novas lideranças que enxergaram aí, mais uma oportunidade de fazer frente às antigas
oligarquias que dominavam o cenário político até então. Estas oligarquias, encabeçadas
pelas famílias dos Bulhões e por parte dos Caiado, se opuseram até o último momento à
transferência da capital, enxergando no ato a possibilidade real de ver sua hegemonia
diluída no novo cenário político e social que se anunciava.
Em 1932, foi assinado o Decreto nº 2737, de 20 de dezembro, nomeando uma
comissão que, sob a presidência de Dom Emanuel Gomes de Oliveira, então bispo de
Goiás, escolhesse o local onde seria edificada a nova Capital do Estado. Instalados os
trabalhos, a 3 de janeiro de 1933, o Coronel Antônio Pireneus de Souza, um de seus
membros, sugeriu a escolha de três técnicos que seriam designados para tal tarefa. João
Argenta e Jerônimo Fleury Curado, ambos engenheiros, e Laudelino Gomes de
Almeida, um médico foram os escolhidos para realizar os estudos das condições
topográficas, hidrológicas e climáticas de algumas localidades previamente definidas
como possivelmente viáveis pata a edificação da nova capital, a fim de que, baseada no
relatório dos técnicos a Comissão se manifestasse. O parecer foi favorável à região de
Campinas devido, entre outros fatores, à sua hidrografia satisfatória e seu relevo
praticamente plano, comparado às outras localidades analisadas. Reunida em 4 de
março de 1933, a Comissão concluiu pela escolha da região de Campinas, desde que
não houvesse urgência na mudança.
O relatório da Comissão, depois de submetido ao parecer dos engenheiros
Armando Augusto de Godói, Benedito Neto de Velasco e Américo de Carvalho Ramos,
e foi encaminhado ao Chefe do Governo Estadual, que o corroborou. Apesar da forte
53
“campanha anti-mudança” liderada pelos antigos líderes políticos já citados, ficou
decidido que a Capital seria construída na região de Campinas.
O Decreto nº 3359, de 18 de maio de 1933, determinou que a região às margens
do Córrego Botafogo, constituída por fazendas situadas na zona rural do então
Município de Campinas, fosse a área que abrigaria a nova capital do Estado. Entre
outras medidas, o decreto também enumerava o ato que a transferência se operasse no
prazo máximo de dois anos. Designado o dia 27 de maio de 1933, para início dos
trabalhos de preparo do terreno, a 24 de outubro do mesmo ano houve o lançamento da
pedra fundamental, no local onde está o Palácio do Governo.
Dois anos depois, pelo Decreto nº 327, de 2 de agosto de 1935, organizou-se o
município da nova capital, que recebeu o topônimo de Goiânia, sugerido pelo Professor
Alfredo de Faria Castro. A 20 de novembro de 1935 instalou-se o Município e, a 13 de
dezembro de 1935, foi assinado o Decreto nº 560 e determinava a transferência da
Secretaria Geral, Secretaria do Governo e Casa Militar para a Nova Metrópole.
Posteriormente, foram transferidas a Diretoria Geral da Segurança Pública e a
Companhia de Polícia Militar (1935), e a Diretoria Geral da Fazenda (1936).
Finalmente, em 23 de março de 1937, foi assinado o Decreto nº 1816,
transferindo definitivamente a Capital Estadual da Cidade de Goiás para a de Goiânia.
Segundo dados de 2007, sua população naquele ano era estimada em 1.244.645, e sua
produção agropecuária agora, é praticamente incipiente.
Inhumas, a próxima cidade analisada, fica localizada região de Anápolis, a 35
km de Goiânia, na mesorregião do centro-goiano. Sua população em 2007 era de 44.983
habitantes. Faz divisa com os municípios de Araçu, Brazabrantes, Caturaí, Damolândia,
Goianira e Itauçu. Sua história também está profundamente ligada a Pedro Ludovico,
pois foi durante seu período como interventor de Getúlio Vargas, que o então distrito
54
ligado a Itaberaí teve sua emancipação assinada, chegando ao status de município
autônomo em 19 de janeiro de 1931. Sua origem provém do Distrito de Goiabeiras,
criado em 1896, quando a região era ainda parada de viajantes e tropeiros que seguiam
pela Estrada Real.
A ocupação da região se deu de forma acelerada a partir da década de 1930,
também por causa da divulgação da existência de terras férteis e de condições
favoráveis para o cultivo de víveres, mas, sobretudo, de café, que, apesar do momento
econômico difícil, ainda era um produto que ainda atraia a atenção dos agricultores. A
“Marcha para o Oeste” e a chegada da Estrada de Ferro a Anápolis, além da relativa
proximidade com a capital do Estado também foram fatores preponderantes para o
desenvolvimento populacional e econômico.
Vale destacar, que neste período, Inhumas recebeu um número considerável de
imigrantes de origem sírio-libanesa. Outros vieram em menor número, mas também
merecem destaque, por terem alcançado alguma relevância no cenário político e
econômico local, como por exemplo, os japoneses que se dedicaram, em suas terras, à
horticultura, os italianos, espanhóis e ainda os portugueses que se destacaram pelo
cultivos de grãos, sobretudo o café.
O sétimo município-sede é Itauçu, cidade localizada na mesorregião do centro-
goiano, ficando muito próxima a Inhumas. Além de Inhumas, faz fronteira também
com, Itaberaí Taquaral, Santa Rosa, Araçú e Petrolina. Em 2007, sua população era de
8.710 habitantes. A ocupação da localidade remonta ao final do século XIX, quando um
rancho ali construído pelos fazendeiros da região, juntamente com os cursos d‟água que
banham a região, serviam de parada aos tropeiros e às boiadas que cortavam o Estado.
Esta movimentação fez correr a notícia de que naquela região havia terra de boa
qualidade e a possibilidade de formação de boas pastagens. Logo no início do século
55
XX, já existia ali um povoado denominado “Catingueiro Grande”, o qual foi elevado à
categoria de distrito ligado a Itaberaí em 1936, com o nome de Cruzeiro do Sul. Em 31
de dezembro de 1943 teve seu nome alterado para Itauçu e, em de 11 de outubro de
1948 foi elevado à categoria de município, sendo portanto, desmembrado de Itaberaí.
Logo em seguida, analisamos o sindicato dos trabalhadores rurais de Mineiros.
Este município fica localizado na mesorregião do Sul de Goiás, e na microrregião do
sudoeste goiano, sendo delimitado pelos municípios de limítrofes Jataí, Santa Rita do
Araguaia, Portelândia, Serranópolis, Chapadão do Céu Perolândia, Caiapônia e
Doverlândia no Estado de Goiás. No Estado do Mato Grosso faz fronteira com as
cidades de Alto Taquari, Alto Araguaia e Ponte Branca. Por último, mantém divisa com
Costa Rica, Mato Grosso do Sul. Foi emancipado em 1905, quando foi desmembrado de
Jataí. Em 2007, a população de Mineiros era de 45.189 habitantes, sendo considerado
um importante município de sua região, principalmente por sua grande produção
agrícola.
Os pioneiros da colonização de Mineiros se instalaram na localidade por volta da
década de 1870 e eram provenientes de Minas Gerais, principalmente, da região de
Araxá. Vinham, a princípio, atraídos pela notícia de que haviam sido encontrados
diamantes nas margens do Rio Verde. No final do século XIX e início do XX, a região
continuou recebendo pessoas de outros estados, sobretudo, da Bahia que, nas
imediações do garimpo construíram suas casas e iniciaram a criação de gado, além do
cultivo de grãos, como milho e feijão. Desde meados do século XX, a região de
Mineiros vem se destacando no cenário estadual pela grande produção de soja, o que
levou grandes capitalistas a adquirirem as terras de pequenos proprietários que ali
existiam, visando à mecanização da produção e à colheita em larga escala.
56
O município de Nazário foi o penúltimo a ser considerado pela pesquisa. Desde
1948, quando se deu sua elevação à categoria de município, propriamente dito, Nazário
é considerada uma cidade de pequeno porte, nunca ultrapassando o número constatado
pela contagem do IBGE em 2007, que é de 7.223 habitantes. Nazário está localizado na
mesorregião do centro-goiano, e na microrregião de Anicuns, sendo delimitado pelos
municípios de Avelinópolis, Santa Bárbara de Goiás, Palmeiras de Goiás, Turvânia e ela
cidade de Anicuns. Como tantas outras cidades do interior goiano, e algumas das que
aqui já foram citadas, Nazário teve sua origem em uma Capela que foi erguida na
confluência do Rio dos Bois com o Córrego Buriti por volta do final do século XIX, e
que atraiu os poucos moradores da região, os quais praticavam a fé católica de maneira
muito simples. Em volta desta capela, formou-se então um povoado, que só foi
realmente ganhar certo crescimento populacional já a partir da década de 1930, em
decorrência, mais uma vez, da “Marcha para o Oeste”.
Por último, temos o município de Nova Veneza, que também fica localizada na
mesorregião do centro-goiano, na microrregião de Anápolis, sendo limitada pelos
municípios de Brazabrantes, Inhumas, Nerópolis, Ouro Verde, Santo Antônio de Goiás
e Damolândia, estando situada a apenas 29 km de Goiânia. Em 2007, sua população era
de 6.884 habitantes. Ainda segundo o IBGE, sua formação teve início em 1924, quando
os irmãos Joaquim, Cezário e João Stival, imigrantes provenientes da cidade italiana de
Veneza adquiriram terras na região. Como ali já existia um pequeno número de
moradores que trabalhavam na terra para sua subsistência, os proprietários cederam
parte de suas terras para a formação do patrimônio onde se construiu uma capela. Em
janeiro de 1959, quando já gozava de relativa prosperidade econômica, baseada na
atividade agropecuária, Nova Veneza foi oficialmente desmembrada de Anápolis,
57
ganhando o status de município autônomo. Sua produção agrícola é baseada
principalmente horticultura e na produção de leite.
Ao analisar a história destas cidades, podemos apontar pontos comuns que nos
levam a concluir que existem basicamente dois momentos na formação de aglomerações
urbanas no interior de Goiás, em se tratando do caso específico das cidades estudadas
neste trabalho. Primeiro, temos os núcleos que surgiram em um contexto ligado ainda à
mineração. O desejo de enriquecer com metais preciosos, embutido naquela
mentalidade que ainda persistia entre a população uma decadente isolada
capitania/província de Goiás foi fator motivador para a aglomeração de populações às
margens de rios e serras no interior do Estado. Em rompantes tardios de atividade
mineradora, como nos casos de Cristalina, Mineiros e, mais tardiamente ainda,
Aurilândia, podemos observar que em pleno final do século XIX, e início do século XX,
estes casos ainda proliferavam por aqui. Em um seguindo momento, que se mistura
tanto temporal quanto espacialmente ao primeiro no final de um século e início do
outro, já vemos a influencia da nova atividade que, a duras penas, passou a ser a tônica
da economia local e o motivo maior para o surgimento de povoados: a atividade
agropastoril.
Este conturbado período de transição, que teve seu momento crucial para a
fixação de um modelo econômico baseado na agropecuária no século XIX, ou seja,
durante o período inicial de colonização de algumas das cidades citadas por este
trabalho, José Ricardo Ramalho, ancorado em Carlos Rodrigues Brandão, afirma que:
“Com a introdução do gado, ampliada a partir do século XIX, grandes
áreas rurais, antes despovoadas foram ocupadas. “O desenvolvimento
da pecuária consolidou algumas grandes fazendas que representaram,
na mudança da sociedade mineradora para a pastoril: a) os novos
pólos de redistribuição de uma população empobrecida...”
(RAMALHO, 1986, p. 87)
58
Desta forma, notamos que a inserção cada vez maior de Goiás no novo cenário
econômico e social do país a partir do século XIX foi decisiva para o surgimento de
novas relações de trabalho, e de novos centros urbanos. Isto se acentuaria cada vez
mais, à medida que adentrávamos o século XX, atingindo seu ápice, aqui no nosso caso,
a partir da década de 1930, quando as relações capitalistas já tomavam o campo com o
incentivo do governo Vargas, e manteve a tendência de crescimento populacional e de
assirramento das relações de trabalho no campo até o período que acompanhamos mais
afundo mediante o estudo dos documentos do DOPS-GO.
3.2 – ANALISANDO AS TABELAS: QUEM ERAM OS TRABALHADORES?
Com os dados coletados durante a pesquisa, foram organizadas tabelas nas quais
trabalhamos as temáticas que considerávamos indispensáveis para a análise do perfil
dos trabalhadores que estavam encabeçando o movimento sindical nos municípios em
que trabalhavam. A organização dos dados em tabelas foi necessária, pois nos permitiu
visualizar com clareza informações que nos ajudaram responder as questões que
orientaram os objetivos do presente trabalho: de onde vieram estes trabalhadores? Qual
a idade deles? Eram solteiros ou casados? Qual seu nível de instrução e de consciência
de noções de cidadania? E de consciência de classe? Que função desempenhava no
campo? Para encontrar respostas para estas e outras perguntas, foram organizadas
quatro tabelas, às quais demos os nomes de seus respectivos temas.
A “Tabela 1 – Dados Pessoais”, devido à quantidade de informações que
encerra, foi dividida em cinco partes seqüenciais nomeadas de “1 „a‟” a “1 „e‟” visando
facilitar a identificação durante a análise. Esta tabela contém as informações básicas dos
115 sindicalistas analisados mediante as fichas do DOPS-GO. Estes dados são os
59
seguintes: ano e local de nascimento, local de residência atual e anterior à sua chegada à
cidade em que trabalhava, estado civil, documentos que o trabalhador possuía e
características da assinatura do mesmo. Com estes dados, pudemos analisar a média de
idade dos trabalhadores, e assim concluir em cada cidade e no geral, se eram jovens ou
mais experientes. Visualizamos também a questão da mobilidade social, tomando
ciência se o trabalhador era proveniente de outra cidade goiana, de outro Estado ou se
havia nascido na própria cidade pesquisada. Desta forma, pudemos apontar certas
características migratórias peculiares a cada cidade de acordo com a origem dos
trabalhadores que havia recebido ou, se dentre os trabalhadores componentes da chapa
predominavam os nativos. Quando, por exemplo, uma mesma cidade havia recebido
vários trabalhadores de um mesmo Estado, já era um fato a ser considerado como
indicador de um possível fluxo de migrantes que poderiam ter sido atraídos para a
região em questão, por ofertas de emprego, por exemplo. Isto fica mais evidente,
quando, nas fichas do DOPS, percebemos que, mais do que terem a mesma origem, os
trabalhadores vindos de outras regiões, em alguns casos trabalhavam na mesma fazenda.
Os dados de residência complementam as informações sobre mobilidade, porém
de uma forma mais atual e imediata, ou seja, se o trabalhador trabalha e reside no
mesmo município, significa que não existe ali um caso de migração sazonal, o que
caracterizaria um quadro instabilidade nas relações trabalhistas (que na maioria dos
casos não existia formalmente, na forma de carteira assinada, mas sim em contratos
verbais) e uma possível interdependência entre municípios diferentes. Quanto à
residência anterior, a análise do dado relacionado, revela movimentos migratórios
recentes.
O dado “estado civil”, quando relacionado ao fator idade, expõe qual a condição
de mobilidade e o grau de desprendimento de questões familiares que o trabalhador que
60
decidiu se filiar a uma chapa diretora de sindicato possui. Fazemos esta avaliação
baseado em fatores sociais próprios do período estudado, pois se tornar líder sindical no
período da ditadura era, para muitos, assumir o risco de ser alvo da repressão em algum
grau, o que, por vezes, acabava prejudicando a própria família do trabalhador.
Com as informações sobre a documentação que os trabalhadores possuíam12
,
pudemos concluir a respeito do grau de consciência de cidadania de cada um. Quanto
mais documentos, maior era a consciência de seus direitos como cidadão e, portanto,
mais combativo seria, a princípio, este trabalhador.
Com a análise do último dado da Tabela 1, “Assinatura”, pretendemos relacionar
a condição qualitativa da grafia do trabalhador ao seu nível de instrução, já que esta
informação não foi colhida pelo DOPS-GO. Este dado complementa o anterior, e vice-
versa, tendo em vista que uma pessoa que teve acesso à escola tende a ter maior
esclarecimento a respeito de si mesmo e da necessidade de possuir documentos para ter
acesso aos mais básicos serviços oferecidos pelo estado. Observando as fichas e
cruzando as assinaturas com os dados relacionados à profissão/ocupação e com os
documentos, identificamos três grupos: assinatura os que assinavam com rubrica, eram
os poucos que possuíam uma profissão que exigia uma formação mais complexa, sendo,
muitas vezes, pequenos proprietários; os que possuíam assinatura ilegível eram
visivelmente pessoas com séria deficiência em caligrafia, fato que nos chamou a
atenção, nos levando a concluir que foi um trabalhador fracamente alfabetizado, ou às
poderia ter sido instruído apenas a assinar o próprio nome; o terceiro grupo, que compõe
a imensa maioria, era o dos trabalhadores que possuíam a caligrafia legível. Este grupo,
12
As fichas do DOPS exigiam o preenchimento dos dados relativos aos quatro documentos citados neste
trabalho: número da identidade, número da carteira de trabalho, CPF e número da matrícula social. Na
maioria das fichas havia a inscrição “Não possui”, nos casos de não apresentação do documento. Porém,
em algumas fichas, o campo relacionado a um documento não apresentado permanecia sem
preenchimento. Pelo fato do primeiro caso ser a maioria absoluta, tomamos como procedimento-padrão
do órgão só registrar os dados dos documentos que o trabalhador possuía.
61
provavelmente é bem mais heterogêneo quanto à formação e ocupação que os
anteriores.
A “Tabela 2 – Dados de Profissão/Ocupação/Condição”, revela, de acordo com
as informações prestadas pelas fichas do DOPS-GO a realidade trabalhista dos
trabalhadores sindicalizados. Se eram trabalhadores rurais assalariados13
ou não14
, ou se
eram pequenos proprietários, ou ainda se exerciam alguma profissão técnica, como
engenheiro agrônomo, contabilista, entre outras.
A “Tabela 3 – Participação em outras organizações de classe” expõe dados
importantes para a compreensão da composição política, no que diz respeito à
consciência de classe e ao engajamento, dos trabalhadores sindicalistas. O fato de um
trabalhador, além de ser membro da diretoria do sindicato de sua cidade, ainda pertencer
a outras entidades, quando relacionado com o tempo de exercício declarado da
profissão/ocupação declarada/condição e o seu cargo dentro do sindicato de origem,
pode esclarecer muito a respeito da motivação do trabalhador em lutar por sua classe em
um período adverso. Da mesma forma que a Tabela 1, esta também se encontra
subdividida em partes subseqüentes, as quais chamamos de “3a”, “3b” e “3c”.
A “Tabela 4 – Média de idade dos sindicalistas” é a mais simples dentre as
trabalhadas, pois cumpre a função de nos dar um panorama faixa etária média dos
trabalhadores em cada cidade, além de nos mostrar a média geral de idade entre todos os
115 sindicalistas das 10 cidades pesquisadas.
13
Considera-se trabalhador rural assalariado aquele que possuía um regime regular de pagamento
financeiro pelos serviços prestados. Inclui-se nesta categoria o Diarista, o Mensalista e o Vaqueiro.
14
Considera-se trabalhador rural não assalariado aquele que trabalha na terra sem receber compensação
financeira pré-estabelecida por isto. Nestes casos, o que existe é uma relação de cessão de uma parte de
terras por parte do proprietário, para que o trabalhador cultive nelas o bastante para sua subsistência e
para o pagamento da parte da produção que servirá de pagamento pela permanência na terra pelo período
determinado antes da safra. Inclui-se neste grupo o Parceiro, o Meeiro, o Arrendatário e o Usufrutuário.
62
A tabela 4 nos mostra que em geral, os trabalhadores sindicalistas, possuíam 43
anos, sendo que Goiânia possui os trabalhadores mais velhos, com 56 anos em média.
Por outro lado, os mais jovens figuram entre os trabalhadores de cidades pequenas:
Aragoiânia e Nazário, ambas com trabalhadores com média de 37 anos de idade.
Analisando a tabela 2, notamos também que Goiânia é a cidade que mais apresenta
sindicalistas rurais que declararam também exercer outra função além das atividades
rurais, entre eles, comerciantes e até um médico. Estes trabalhadores, portanto, além de
serem mais experientes, possuíam outra fonte de renda além de seu trabalho na zona
rural. Os trabalhadores de Goiânia possuíam também uma formação educacional mais
elevada, como podemos comprovar pelos dados fornecidos pela tabela “1c”, todos
possuem grafia legível, e a grande maioria possuiu todos os documentos exigidos.
Outro fato que mereceu nossa atenção foi a grande quantidade de trabalhadores
nascidos em outros estados, sobretudo em Minas Gerais que vieram residir e trabalhar
aqui possuindo família. Isto pode ser observando analisando os dados de nascimento,
residência e estado civil das tabelas 1. Na tabela “1e”, vemos que 41% dos
trabalhadores rurais não eram nascidos em Goiás. Em termos absolutos, de um total de
115 sindicalistas, 47 eram migrantes, entre os quais 37 eram originários de Minas
Gerais, o que nos leva a concluir que, de acordo com a média geral de idade, que no na
primeira metade do século XX, sobretudo a partir da década de 1940, houve uma grande
afluência de mineiros para o estado de Goiás em busca de terras e de trabalho.
As informações sobre os dados de residência nos mostram que praticamente
todos os trabalhadores moram no mesmo município em que trabalham, eliminando
assim a hipótese de uma possível migração pendular entre cidades vizinhas motivada
por trabalho. O único caso observado nesse sentido foi em Goiânia, o que pode ser
facilmente compreendido pelo fato de ser a capital do Estado e pelo grande número de
63
cidades que se situam bem próximas à sua periferia, na chamada região metropolitana.
Esta proximidade facilitaria tal relação de mobilidade. Já quando nos atentamos aos
dados sobre a residência anterior, vemos que a mobilidade recente não era muito
comum entre aqueles trabalhadores, pois 53% deles já estavam fixos na mesma cidade
há pelo menos cinco anos, conforme as fichas do DOPS-GO apontavam.
Através das informações sobre o estado civil, concluímos, ao relacionarmos com
o fator idade, que os solteiros eram, em sua maioria absoluta, mais jovens que os
casados, tendo uma média de idade por volta dos 28 anos. Porém, este desprendimento
ocasionado pela eventual ausência de um compromisso formal de matrimônio, e
porventura, da não existência de uma família que dependesse do trabalhador, não era
fator determinante para que o mesmo decidisse ingressar para as fileiras da frente no
movimento sindical, já que os casados eram maioria esmagadora, totalizando 90% dos
trabalhadores.
Os dados de documentação mostram que a grande maioria dos trabalhadores
possuíam os documentos básicos para poder usufruir e ter acesso aos serviços
oferecidos pelo Estado, ou seja, por terem a carteira de identidade e o CPF, além de um
número de matrícula social, entende-se que a maior parte dos trabalhadores sindicalistas
eram reconhecidos como cidadãos brasileiros pelo Estado e tinham um nível
consciência desta condição que não era próprio dos colegas que não possuíam esta
documentação básica. Entretanto, de todos os documentos, a Carteira de Trabalho
(CTPS), que é o símbolo desta consciência de valorização do cidadão como trabalhador
e instrumento garantidor de muitos direitos do trabalhador junto ao empregador e ao
Estado, foi o documento com o menor número de trabalhadores possuidores (apenas
48%). Este dado revela uma situação que nos causou certo espanto, pois esperava-se
que, pelo menos entre os líderes sindicais, que representam todos os anseios de seus
64
colegas de classe, houvesse uma consciência da importância de tal documento para a
cidadania plena e para que o respeito aos direitos do trabalhador se tornasse uma
realidade também no campo.
De posse dos dados a respeito das assinaturas dos trabalhadores, notamos que os
ínfimos 5% daqueles que assinam com rubrica, são formados majoritariamente por
sindicalistas que declararam exercer outra profissão além de agricultor. A partir do
estudo dos dados, concluímos também, que 78% possuem uma caligrafia que denota um
nível de alfabetização, no mínimo razoável. Já 17%, conforme analisamos, não sabem
escrever de forma aceitável para a leitura nem o próprio nome, nos levando a intuir, que
se tratava de trabalhadores praticamente analfabetos.
Ao estudar os dados da tabela 2, nos deparamos com a informação de que, entre
as profissões/ocupações citadas nas fichas dos DOPS-GO, a que possui o maior número
de ocorrências é a de “meeiro” (34%). Segundo o Ministério do Trabalho em sua
“Classificação Brasileira de Ocupações”, meeiro é aquele trabalhador rural que,
comprovadamente, tem contrato com o proprietário da terra, exerce atividade agrícola,
pastoril ou hortifrutigranjeira, dividindo os rendimentos obtidos, conforme tratado
previamente entre as partes. É importante ressaltar, portanto, que o meeiro não é um
trabalhador assalariado, como é o caso da segunda ocupação mais recorrente entre os
sindicalistas goianos: diarista (15%). O diarista era, naquele momento a condição mais
instável entre todas, pois o trabalhador, recebendo apenas pelos rendimentos do dia
trabalhado estava sujeito a uma exploração muito maior do que se estivesse de alguma
forma vinculado ao proprietário da fazenda, fosse por contrato, fosse pelas leis
trabalhistas ou simplesmente por estar fixado à propriedade como no caso do meeiro, do
usufrutuário, do parceiro e etc. Justamente por ter mais segurança, o mensalista, que
figurava entre o quadro de empregados da fazenda estava em uma posição um pouco
65
mais confortável. É interessante ressaltar a quantidade significativa de trabalhadores que
se declararam como pequenos proprietários (11,4%), caracterizando assim uma
condição que lhes garantiam muito mais autonomia que os demais, mas não menos
trabalho, já que geralmente, o pequeno proprietário depende de seu próprio trabalho e
de sua família.
Os parceiros (6%,) os arrendatários (também 6%) e os usufrutuários (2,6%)
completam o quadro de ocupações relações de trabalho não assalariadas. Ainda segundo
a “Classificação Brasileira de Ocupações”, o parceiro é aquele que, comprovadamente,
tem contrato de parceria com o proprietário da terra, desenvolve atividade agrícola,
pastoril ou hortifrutigranjeira, partilhando os lucros, conforme pactuado em uma
atividade muito semelhante à do meeiro. O arrendatário é aquele que,
comprovadamente, utiliza a terra, mediante pagamento de aluguel ao proprietário do
imóvel rural, para desenvolver atividade agrícola, pastoril ou hortifrutigranjeira. Já os
usufrutuários são aqueles que se utilizam da terra sem possuírem a documentação
comprobatória da posse, pois, geralmente já estão instalados dentro de uma propriedade
maior certificada, em uma espécie de “regime feudal”. O proprietário “permite”,
mediante acordo a permanência do trabalhador na terra em que está fixado.
A tabela 3 mede o nível de envolvimento do trabalhador sindicalista em outras
entidades representativas de classe. A constatação foi de que a maioria absoluta dos
trabalhadores pesquisados não participa, mantendo-se apenas no sindicato para o qual
foi eleito. Já 26% deles participam ou são membros de associações como a FETAEG. A
maior parte destes trabalhadores filiados a outras entidades ocupam, em seus respectivos
sindicatos, cargos centrais na direção, como o secretariado, a tesouraria ou até mesmo a
presidência, demonstrando que não só seu nível de engajamento sindical é elevado,
66
como também a proximidade com o poder a que o trabalhador está exposto também
deve ser levada em consideração neste tipo de análise.
67
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao estudar os dados dos trabalhadores rurais que tinham suas fichas no DOPS-
GO, concluímos que, apesar de controlar e acompanhar de perto tudo o que se passava
nas entidades sindicais do Estado, o período estudado (1979-1982) representava um
período em que os ânimos já se encontravam mais arrefecidos, pois, para os militares, o
perigo da subversão sempre existia, porém a fase dos anos de chumbo e do combate de
guerrilha da década de 1970 já havia sido, em grande parte, superada.
Por outro, pelo que foi observado nos documentos estudados, os trabalhadores
rurais goianos almejavam apenas as melhorias que toda classe deseja no campo
trabalhista, e não uma possível tomada do poder, ou uma “revolução camponês-
operária”, pelo que pudemos constatar.
O trabalhador rural sindicalizado no Estado de Goiás no período histórico
estudado era, portanto, nascido em outro Estado da federação, morava e trabalhava no
mesmo município, no qual, aliás, já estava fixado a alguns anos. Era casado e possuía
um bom nível de noções de cidadania, representando-se perante a sociedade com os
documentos básicos necessários para tanto, porém, este trabalhador não possuía
consciência da importância do estabelecimento de relações de trabalho mediante a
assinatura da Carteira de Trabalho, por mais incrível que isso possa parecer, por se tratar
de um sindicalista. Possuía ainda um nível educacional no mínimo satisfatório, pois era
pelo menos alfabetizado. Além disso, o trabalhador rural sindicalista em Goiás, não se
interessava muito pela participação simultânea em outras entidades de classe.
Geralmente exercia atividades rurais não assalariadas, baseadas em relações
rudimentares de trabalho, como contratos ou acordos de pagamento de tributos em
espécie. Este trabalhador, que ingressava na vida sindical, neste momento da ditadura
68
militar, era relativamente jovem, possuindo 43 anos em média. Este é, portanto, o perfil
do sindicalismo de trabalhadores rurais no Estado de Goiás, bem como um perfil dos
trabalhadores rurais que dirigiam estas instituições na época tratada pelos documentos
do DOPS-GO que foram utilizados para esta pesquisa.
69
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