Dom Romualdo Seixas, Dom Alberto Ramos & a presença eclesiástica no Instituto Histórico e Geográfico do Pará.∗
José Maia Bezerra Neto Professor da Faculdade de História/UFPA.
Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará-IHGP.
Ao longo dessas páginas devo fazer o discurso de elogio de um dos patronos das
40 cadeiras do Instituto Histórico e Geográfico do Pará-IHGP, a saber, Dom Romualdo
Antônio de Seixas, patrono da cadeira 38; bem como de seu primeiro ocupante e
fundador que me antecedeu na mesma, a saber, Dom Alberto Gaudêncio Ramos. Assim
sendo, cumpro com um dos ritos que faz parte das tradições do IHGP, aproveitando,
porém, para falar de um aspecto da história dessa instituição que é justamente a presença
eclesiástica no Instituto ao longo de sua história. Portanto, este texto compreende três
momentos: um primeiro, no qual trato da presença eclesiástica no IHGP; um segundo, em
que discorro acerca do patrono da cadeira 38, Dom Romualdo Antônio de Seixas; e, um
terceiro, em que trato de Dom Alberto Gaudêncio Ramos, fundador e primeiro ocupante
da cadeira 38.
A presença eclesiástica no Instituto Histórico e Geográfico do Pará.
Em 3 de maio de 1900, quando da fundação do Instituto Histórico, Geográfico e
Etnográfico do Pará, entre os 59 fundadores constavam os cônegos João Ferreira de
Andrade Muniz e Domiciano Herculano Perdigão Cardoso e o monsenhor Domingo
Maltez. Inclusive, o Cônego Andrade Muniz fez parte da comissão encarregada da
incumbência de fundação desse Instituto, bem como de outra, após a sua fundação, para
redação dos seus estatutos. Todavia, a 6 de março de 1917, quando da fundação do
Instituto Histórico e Geográfico do Pará, entre os 44 fundadores não foi arrolado nenhum
pertencente ao clero, segundo relação publicada na Revista do IHGP, a exemplo, nos
volumes XI e XII publicados respectivamente em 1938 e 1951. Mas, entre os que
∗ Discurso de elogio do Patrono da Cadeira Número 38, Dom Romualdo Antônio de Seixas e de seu Fundador, primeiro e último ocupante, Dom Alberto Gaudêncio Ramos, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará-IHGP, na Sessão de Estudos realizada no dia 11 de abril de 2007, no Auditório da Academia Paraense de Letras.
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assinaram a ata de instalação do IHGP em 6 de março de 1917, constavam os nomes do
Padre Antônio Candido da Rocha e do Cônego Raymundo Ulysses de Pennafort, além da
presença do pastor protestante norte-americano Justus H. Nelson, conforme esse
documento publicado no volume I da Revista do IHGP. Já nas páginas do volume III,
publicado em 1920, os cônegos Ricardo da Rocha e Raymundo Ulysses de Pennafort, o
Padre Antonio Candido da Rocha e o Monsenhor Domiciano Perdigão ainda aparecem
como sócios do Instituto nas atas das sessões preparatórias do IHGP realizadas entre os
fins de março e início de julho de 1917, apesar de não arrolados como fundadores como
já indicado acima. Monsenhor Perdigão, aliás, já havia participado em 1900 da fundação
do Instituto. Fazendo a consulta do Livro de Registro dos Sócios e Termo de Recebimento
e Visita do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, cujo termo de abertura foi lavrado
em 1º de janeiro de 1918, pelo historiador João de Palma Muniz, 1º Secretario, o Padre
Antonio Candido da Rocha e os Cônegos Ricardo da Rocha e Raymundo Ulysses
Pennafort são listados como sócios fundadores; este último, aliás, igualmente fora listado
como sócio honorário com admissão datada em 1º de novembro de 1917, embora também
arrolado como correspondente com admissão em 8 de julho de 1918, sendo possível,
então, mudar de categoria ou talvez acumulá-las.
Ainda que pese o desencontro dessas informações, agora me importa apenas
chamar atenção que tanto em 1900, quanto em 1917, e de lá para cá, destacados membros
do clero católico estiveram presentes na história do Instituto Histórico e Geográfico do
Pará, seja como seus sócios fundadores, efetivos, honorários ou correspondentes.
Segundo dados coligidos no Livro de Registro dos Sócios e Termo de Recebimento e
Visitas do IHGP, o historiador Geraldo Mártires Coelho, sócio deste Instituto, na nota 1
da apresentação que fez da 2ª edição do livro Procissão dos Séculos do historiador
Ernesto Cruz, em 1999, nos informa que dentre os sócios do IHGP, ao longo dos anos de
1917 a 1990, foi possível contar entre outras categorias profissionais e sociais, 19
sacerdotes. No entanto, usando essa mesma fonte, bem como outras publicadas nos
diversos volumes da Revista do IHGP, tais como atas, relatórios e listas de sócios, o
número de eclesiásticos membros do Instituto é maior, somando 26 nomes, considerando
aí aqueles que participaram da primeira fundação, a 03 de maio de 1900. O Padre
Antonio Candido da Rocha, cuja admissão data de 6 de março de 1917, o Cônego
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Ricardo da Rocha, sócio em 6 de março de 1917, ambos fundadores; o Cônego José de
Andrade Pinheiro, sócio efetivo entre 06 de março de 1917 e 25 de fevereiro de 1918; o
Padre Leandro Nascimento Pinheiro, efetivo em 16 de abril de 1931; o Padre Florencio
Dubois, efetivo em 05 de março de 1932 e, posteriormente, sócio correspondente; o
Cônego Ápio Paes Campos Costa, efetivo desde 13 de maio de 1958; e Dom Alberto
Gaudêncio Ramos, efetivo em 29 de junho de 1967, aliás, o último sacerdote católico a
ser empossado como membro efetivo do IHGP; são alguns desses sacerdotes que foram
sócios efetivos, cujos nomes ficaram conhecidos à sua época e, em alguns casos, à
posteriori. Mas, entre aqueles que foram listados como sócios honorários, havia
eclesiásticos igualmente renomados tal como o Cônego Raymundo Ulysses Pennafort, já
citado; ou, então, os Arcebispos Dom Santino Maria da Silva Coutinho, empossado no
IHGP em 29 de outubro de 1920; e Dom Antônio de Almeida Lustosa, cuja posse data de
16 de novembro de 1932. No rol dos sócios correspondentes, cabe lembrar aquele que
ficou conhecido não só entre os historiadores e estudiosos da história da Igreja, mas entre
os que estudam a própria história brasileira, o Padre Serafim Leite, admitido em 11 de
outubro de 1941, uma vez que residia no Rio de Janeiro.
Obviamente, esses sacerdotes na condição de sócios fundadores, efetivos,
honorários e correspondentes do IHGP não faziam parte dessa agremiação cultural
apenas em função do domínio que possuíam da cultura letrada; ou porque tão-somente
exerciam funções ou cargos elevados na hierarquia eclesiástica, como se podem pensar a
partir da constatação que três arcebispos que governaram a Arquidiocese paraense se
tornaram sócios do Instituto, quer honorário ou efetivo, até porque os ingredientes
políticos e sociais muitas vezes temperavam a admissão de um ou outro candidato ao
Instituto, tornando-a palatável. Mas, sem descartar ingenuamente as opções apontadas,
prefiro pensar que esses sacerdotes, pelo menos os aqui citados, foram escolhidos como
sócios do IHGP na condição de homens da Igreja que exerciam além do sacerdócio
atividades no magistério como professores, tal como muitos outros sócios do Instituto
que advogados, médicos e engenheiros, por exemplo, igualmente nobilitavam-se na
carreira do magistério; sendo este o caso do Cônego João Alberto Crolet, sócio efetivo
falecido no início da década de 1930, que foi um “latinista notável” e professor do
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“Gymnásio Paraense”, segundo relatório do IHGP apresentado por seu Secretário
Perpétuo Dr. Paulo Eulhetério Álvares da Silva, em 1932.
Mas, creio ainda, alguns desses sacerdotes foram feitos ou se fizeram sócios do
Instituto porque eram homens de letras e estudiosos que iam além daquele conhecimento
necessário ao ofício sacerdotal, destacando-se no estudo das ciências sociais,
marcadamente da história e da geografia. Posso aqui, por exemplo, lembrar que no
primeiro ano do IHGP após sua “reinstalação” a 6 de março de 1917, realizaram-se 20
sessões de estudos e administrativas, segundo o Dr. Ignácio Baptista de Moura,
Presidente do Instituto, em seu relatório de 1918; dentre essas, Dr. Ignácio Moura
destacava a apresentação da Monographia sobre o ensino livre, creação de uma escola e
catechese para os índios do rio Gurupy, do Cônego Raymundo Ulysses Pennafort, ainda
que não publicada na Revista do IHGP. Esta apresentação ocorreu a 27 de março de
1917, aquando da 2ª sessão ordinária preparatória do IHGP, concomitantemente sessão
de estudos e administrativa. Nesta ocasião, o Cônego Ulysses Pennafort leu “um seu
trabalho sobre o ensino da língua Tupy-caray, na ilha de S. José de Gurupy, apresentando
um projecto de escola livre nesse sentido, sendo o orador muito applaudido”, de acordo
com o relato do Dr. Remigio Figueiras, redator dessa ata. O próprio Cônego Ulysses
Pennafort, inclusive, já havia antes expressado ao presidente do Instituto seu desejo de
“realisar a leitura de um seu trabalho sobre história paraense”, conforme as palavras
constantes da ata da 1ª sessão ordinária preparatória do IHGP realizada a 15 de março de
1917.
Aliás, muitos desses intelectuais de batina na qualidade de sócios do IHGP foram
colaboradores da Revista do Instituto, publicando em suas páginas seus estudos de
história e geografia. Este foi o caso do Cônego Andrade Pinheiro com o seu texto O
Município de Ourém, ou, então, o do Cônego Ricardo da Rocha, com seu trabalho
Ordens religiosas que contribuíram para a conquista e colonização do Grão-Pará,
ambos publicados no volume II da Revista do IHGP, de 1918. Ricardo Rocha, inclusive,
está entre os sócios que participaram do importante volume IV da Revista do IHGP
publicado em 1922, ano do centenário da independência brasileira, cujo volume foi
dedicado aos estudos acerca dessa temática. Neste, Ricardo Rocha publicou seu texto O
clero e a independência, que correspondia à tese XIX proposta pelo IHGP em seu
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concurso de teses acerca da Independência no Pará, num total de 30 temas. Alguns anos
depois, o Cônego Andrade Pinheiro, no volume VIII da Revista da IHGP, de 1933,
publicou o trabalho biográfico Cônego João Baptista Gonçalves Campos. No ano
seguinte, em 1934, no volume IX do periódico do Instituto, publicou Cultura Pátria.
Estes foram entre os sacerdotes membros do IHGP os que mais publicaram nas páginas
de seu periódico, mas outros também o fizeram. Lembro aqui o Cônego José Thomaz de
Aquino Menezes, sócio efetivo empossado em 27 de agosto de 1928, que no volume VI
da Revista do Instituto, de 1931, publicou Discursos. Em 1951, no volume XII, o Padre
Antônio Gomes de Brito, sócio honorário em 13 de fevereiro de 1941, publicou o texto
Independência ou Morte. Neste mesmo volume saiu publicado ainda Auto Biografia de
Dom Santino Maria da Silva Coutinho. Algumas décadas depois, nos volumes XVI e
XVII relativos aos anos de 1969 e 1970, reunidos em uma só publicação, o Cônego Ápio
Paes Campos Costa publicou Ministério da Amazônia. Na mesma revista, Dom Alberto
Gaudêncio Ramos, sócio efetivo do IHGP e Orador Oficial da Academia Paraense de
Letras, teve publicado o seu discurso proferido na sessão solene conjunta do IHGP e
APL, realizada no dia 04 de maio de 1970, na sede do Instituto, comemorativa dos 70
anos de fundação dessas agremiações culturais. História e Literatura foi o título do
referido discurso.
Vale lembrar também que alguns desses sacerdotes foram personagens destacadas
na vida institucional do IHGP. O Padre Antonio Candido da Rocha fez parte da comissão
de sócios encarregada do projeto dos Estatutos do Instituto, presidida pelo Dr. Ignácio
Moura após a “reinstalação” dessa agremiação em 6 de março de 1917. O Monsenhor
Domiciano Cardoso, por sua vez, esteve na Comissão escolhida para organizar o corpo
redacional da Revista do Instituto, conforme decisão aprovada em sessão ordinária
preparatória do IHGP, em 15 de março de 1917. Quando da eleição da primeira diretoria
do Instituto pós-reinstalação, ocorrida na 8ª sessão em 05 de julho de 1917, foram eleitos
entre os suplentes do Conselho Diretor o Cônego Ricardo da Rocha com 12 votos, o
Cônego Ulysses Pennafort com 10 votos e o Padre Antonio Candido da Rocha com 7
votos. Pelas leituras das atas das sessões ordinárias preparatórias do IHGP, a exemplo
daquela realizada a 23 de abril de 1917, percebe-se inclusive que o Padre Antonio
Candido da Rocha, o Monsenhor Domiciano Perdigão e os Cônegos Ricardo Rocha e
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Ulysses Pennafort faziam parte do quadro de sócios dessa agremiação à frente de sua
fundação ou “reinstalação” e conseqüente organização institucional. Ainda nesses
primeiros anos, fazendo parte de sua diretoria, como membro do Conselho
Administrativo e da Comissão de História e Archeologia esteve o Cônego Ricardo da
Rocha. Entre os anos finais da década de 1920 e inicio da seguinte, o Cônego José
Thomaz de Aquino Menezes, sócio efetivo desde 27 de agosto de 1928, foi o Orador
oficial do IHGP, ocupando esse cargo na direção do Instituto até quando teve que se
ausentar do Estado do Pará, sendo licenciado em sessão do silogeu realizada em 26 de
novembro de 1931.
Na diretoria para o biênio de 1932 a 1934, presidência do Desembargador e
Historiador Henrique Jorge Hurley, o Padre Clotario Araripe de Alencar, sócio efetivo
em 16 de abril de 1931, fez parte do Conselho Director na condição de membro da
Commissão de Philatelia e Numismática, ainda que pese dúvida acerca de uma
participação mais efetiva na vida institucional do silogeu por parte desse sacerdote, já que
consta no Livro de Registro dos Sócios e Termo de Recebimentos e Visitas do IHGP a
informação de que acabou sendo desligado por falta de pagamento da contribuição devida
por cada sócio ao silogeu; sendo aparentemente idêntico a este o caso do Padre Cupertino
Contente que também se tornou sócio efetivo em 16 de abril de 1931. Quando e se teriam
sido desligados, e não teriam sido os únicos a sê-los por essa razão, não é possível saber,
mas já nos anos de 1930, segundo relatório da diretoria para o biênio 1931-1932, o
quadro social do IHGP estava em baixa, com vários novos sócios eleitos nem sequer
tomando posse, ou quando muito apenas o fazendo e nada mais. Aliás, apesar dessa
informação de desligamento, o Padre Cupertino Contente ainda fazia parte do quadro
social de sócios efetivos do silogeu até o final da década de 1960, uma vez que era listado
como tal na relação publicada nos volumes XVI e XVII da Revista do IHGP, publicada
em 1970; bem como, em décadas atrás, na diretoria eleita para o período de 1937 e 1939,
ainda sob a presidência do Dr. Henrique Jorge Hurley, voltava a constar do Conselho
Diretor como membro da Commisão de Philatelia e Numismática o Dr. Clotario de
Alencar, crendo ser o Padre Clotario Araripe de Alencar.
Já no biênio anterior, isto é, entre 1935 e 1937, na administração igualmente
presidida pelo Dr. Henrique Jorge Hurley, constava do Conselho Diretor o Padre
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Florêncio Dubois. Este famoso sacerdote, inclusive, fez parte da redação da Revista do
IHGP quando de seu reaparecimento em 1951, trazendo à tona o seu volume XII
compreendendo o período de 1939 a 1951, anos em que a dita publicação deixou de
existir. Na condição de redator dessa revista, Padre Dubois integrava a Comissão de
Redação da Revista, bem como era membro e relator da Comissão de História e
Arqueologia, portanto, fazia parte do Conselho Diretor da administração do Instituto para
o triênio de 1951 a 1954, presidência do Major Dr. Josué Justiniano Freire. Nesta
diretoria, aliás, outro conhecido sacerdote católico tomava parte, na condição de 2º
Secretario, o Padre Dr. Leandro Nascimento Pinheiro, que veio falecer algum tempo
depois. Na esteira desses sacerdotes associados ao Instituto, o Cônego Ápio Paes Campos
Costa, que já havia sido candidato a funções ou cargos administrativos em escrutínios
anteriores na década de 1960, foi eleito em 14 de abril de 1969 com 10 votos para a
Comissão de Numismática e Filatelia, fazendo parte do corpo de diretores do IHGP para
o triênio de 1969 a 1972, sendo também membro deste o Arcebispo Dom Alberto
Gaudêncio Ramos, eleito com 19 votos para a Comissão de Redação da Revista.
No entanto, ao tratar da presença eclesiástica no Instituto Histórico e Geográfico
do Pará, deve-se atentar que entre esses sacerdotes não só intelectualizados, uma vez que
portadores de uma dada cultura letrada, mas intelectuais no sentido exato da palavra, não
havia apenas ou tão-somente se destacavam aqueles que publicavam seus trabalhos no
periódico do IHGP; ou, então, os que em dado momento faziam parte de seu corpo de
diretores. Penso aqui, por exemplo, em Dom Antonio de Almeida Lustosa, sócio
honorário do Instituto, que foi arcebispo entre os anos de 1931 a 1941. Dom Antonio
Lustosa, sócio honorário em 16 de novembro de 1932, foi autor de uma importante obra
de natureza histórica, no gênero biográfico, que é o livro Dom Macedo Costa: Bispo do
Pará, publicado no Rio de Janeiro pela Cruzada Boa Esperança nos idos de 1939; que,
décadas depois, dentro da Coleção Lendo o Pará, da Secretaria de Cultura do Estado, foi
reeditado. Quem já teve a oportunidade de ler esta obra, não duvida da seriedade da
pesquisa realizada e da importância e estofo dessa contribuição à historiografia não
apenas da Igreja Católica no Brasil, mas para a historiografia da Amazônia. Pode-se, é
verdade, não concordar com a tese do autor acerca do bispado de Dom Antonio Macedo
Costa, em sua defesa da legenda do famoso prelado e da instituição religiosa que dirigia,
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afinal fazia uma biografia, que também trilhava os caminhos de uma história
institucional, com todos os percalços dessa abordagem histórica tradicional; mas, mesmo
assim, nos fica muito desse aprendizado. Isto posso dizer por testemunho próprio, pois,
ainda graduando em história, na Universidade Federal do Pará, quando bolsista de
Iniciação Científica do CNPq sob a orientação do Prof. Dr. Raymundo Heraldo Maués,
sócio efetivo deste silogeu, li e muito aprendi com a biografia de Dom Macedo Costa
escrita por Dom Almeida Lustosa. Este autor também deixou-nos outra importante
contribuição literária; trato aqui do conjunto de suas anotações feitas aquando de suas
viagens pastorais pelos interiores da Amazônia ao longo de seu governo no episcopado
paraense, nas quais podem ser vistos os costumes e o linguajar do povo interiorano, bem
como ter conhecimento da geografia amazônica. Tais textos produzidos à margem das
visitas pastorais foram republicados no livro No estuário amazônico. À margem da visita
pastoral, pelo Conselho Estadual de Cultura em 1976, com prefácio de Dom Alberto
Ramos.
O exercício da atividade sacerdotal e pastoral coloca de fato a necessidade do
domínio de certa cultura letrada pelos eclesiásticos, mas somente alguns deles
conseguiram ir além daquilo que lhes era exigido no desempenho de suas funções.
Afinal, o rigor da crítica literária de José Veríssimo já havia duvidado das qualidades
literárias da oratória sacra brasileira, respondendo negativamente à indagação se os
sermões podiam ser ou não gênero literário? Não que o afamado crítico e intelectual
paraense, que ao longo deste ano completa 150 anos de nascimento (1857-2007),
ignorasse os méritos de um Padre Vieira e de outros oradores sacros do período colonial,
ou, então, de um Dom Antonio de Macedo Costa, a quem colocou lado a lado com outros
grandes oradores e publicistas do século XIX. Mas, no que importava à arte literária não
estava convencido de pensar como tal a oratória eclesiástica brasileira. É de fato, me
parece que entre aqueles religiosos que galgaram um lugar destacado como homens de
envergadura intelectual estão Padre Antônio Vieira e Dom Antônio de Macedo Costa, já
citados por José Veríssimo, e, acrescentaria aqui, Dom Romualdo Antonio de Seixas; não
sendo à toa que somando às suas qualidades literárias e intelectuais uma atuação
destacada na história de seu tempo, viessem a compor ao lado de outros sacerdotes e
leigos a galeria histórica e de paraenses ilustres organizada nos idos de 1917 e 1918 pelos
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que haviam “reinstalado” o IHGP. Nomeei esses três eclesiásticos porque foram eles
escolhidos décadas depois pelos membros do Instituto, nos anos 60 do século XX, como
patronos de 03 das 40 cadeiras do Instituto, uma para cada sócio efetivo. Dom Antonio de
Macedo Costa, patrono da cadeira 6, atualmente ocupada por seu fundador e primeiro
ocupante, Cônego Ápio Paes Campos Costa; O Padre Antônio Vieira, patrono da cadeira
7, fundada por seu primeiro ocupante Dr. Oswaldo de Souza Valle, sendo os Drs. Octávio
Mendonça e Benedito Wilson Corrêa de Sá, segundo e terceiro ocupantes,
respectivamente; e Dom Romualdo Antônio de Seixas, patrono da cadeira 38, fundada
por Dom Alberto Gaudêncio Ramos, seu primeiro ocupante desde 1965 até seu
falecimento em 1991, e, desde novembro de 1997, preenchida por seu segundo ocupante
que é o autor desta fala.
Cabe-me, então, tratar aqui do patrono da cadeira que ocupo, o qual ao lado de
Dom Macedo Costa e Padre Vieira também de certa forma fazem parte da história da
presença eclesiástica no Instituto Histórico e Geográfico do Pará, ainda que não o tenham
feito de corpo presente, mas como legendas não só da história da Igreja, mas, sobretudo,
como personagens destacadas de seu tempo, inclusive no campo intelectual, se
perfilhando a uma tradição de pensadores e homens letrados membros do clero católico,
alguns dos quais já citados aqui.
A “perola tocantina”: breves considerações sobre Dom Romualdo Seixas.
Nas páginas da Revista do IHGP, que felizmente voltará a ser publicada após 37
anos, é possível conhecermos um pouco mais acerca de Dom Romualdo Antonio de
Seixas (1787-1860). No volume VIII, de 1933, Manuel Buarque, sócio efetivo do
Instituto, publicou na seção reservada à Galeria de Paraenses Illustres, o esboço
biográfico Dom Romualdo de Seixas, marquez de Santa Cruz, ao longo das páginas 189 a
192. Neste artigo, Buarque trata da grandeza de Dom Romualdo de Seixas, que
interinamente exerceu o governo diocesano no Pará, na condição de Vigário Capitular,
face ausência de seu tio, Dom Romualdo Coelho de Sousa, que nomeado Bispo do Pará
viajou a Corte joanina, na cidade do Rio de Janeiro, para sua confirmação no cargo. Nesta
época, houve a “adesão” do Pará à Revolução Constitucionalista do Porto, em 1820,
tornando-se Dom Romualdo de Seixas presidente da junta governativa provisória da
Província, cargo que veio a ocupar mais uma vez quando da escolha de uma nova junta
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de governo em 1823. Diz-nos, ainda, Buarque que Dom Romualdo de Seixas foi eleito
deputado às Cortes em Lisboa, mas aqui se engana e toma o sobrinho pelo tio, pois quem
foi eleito Deputado às Cortes foi Dom Romualdo Coelho de Sousa, tal como nos conta o
próprio sobrinho, Marquez de Santa Cruz, em suas Memórias. Quando veio a
independência, foi eleito Deputado Geral para o Parlamento nacional na Corte. Data desta
época, todavia, a sua nomeação através de decreto imperial de 12 de outubro de 1826
como Arcebispo da Bahia e Metropolitano Primaz do Brasil. Durante seu episcopado de
34 anos, Dom Romualdo de Seixas foi eleito Deputado Geral pela província da Bahia
tomando parte em diversas legislaturas na Câmara temporária, datando de 1834 a sua
primeira eleição nessa condição (segundo Hurley, em 1828). Foi inclusive nomeado
Ministro do Império, mas se escusou de aceitar o convite por considerar o exercício desta
atividade política imprópria com a sua condição episcopal.
Como Deputado Geral pelas províncias do Grão-Pará e Bahia, atividade exercida
até 1841, Dom Romualdo notabilizou-se por ser um dos que primeiro propôs no
parlamento brasileiro a necessidade da navegação a vapor no Rio Amazonas, e da
importância da elevação da Comarca do Rio Negro, pertencente ao Grão-Pará, à condição
de Província, acontecimentos ocorridos anos mais tarde na década de 1850. Mas, foi,
sobretudo, a defesa dos interesses da Igreja Católica a principal marca de sua atuação
parlamentar, fazendo oposição ao Padre Feijó, Ministro da Justiça e depois Regente Uno,
devido ao galicanismo do famoso padre-regente. Foi ainda durante o seu arcebispado que
Dom Romualdo de Seixas vivenciou os conturbados dias da Cabanagem em sua
província natal, bem como o movimento da Sabinada na Bahia. Face esses movimentos,
dirigiu aos paraenses e baianos cartas pastorais, nas quais pedia o restabelecimento da
ordem.
Manuel Buarque, todavia, não queria enfatizar apenas a grandeza de Dom
Romualdo de Seixas a partir de seu lugar na história política brasileira, tanto que afirma
ter esse prelado abandonado a vida política partidária e parlamentar propriamente dita em
1841 a fim de tratar exclusivamente dos negócios eclesiásticos. Também não queria
apenas retratá-lo tão-somente como sacerdote da Igreja Católica, ainda que quadro
destacado dessa instituição. Buarque tratou de destacar justamente o perfil ilustrado de
Dom Romualdo de Seixas, o que evidentemente não pode ser dissociado de suas
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atividades eclesiásticas e políticas. Buarque assim o fez, enfatizando a capacidade
intelectual de Dom Romualdo de Seixas quando ainda freqüentava os bancos escolares
quer em Belém, quer em Lisboa, aonde foi mandado estudar por seu tio e preceptor Dom
Romualdo de Sousa. O dito autor destacou ainda que, tendo Dom Romualdo de Seixas
retornado ao Pará convicto da carreira religiosa reentrou no seminário, sendo em pouco
tempo “convidado para reger as cadeiras de grammatica latina, rethorica e poética, língua
franceza e theologia dogmática”. Buarque também chama atenção para o dom da oratória
de Dom Romualdo de Seixas, que associada à sua inteligência e espírito culto, havia de
notabilizá-lo como um dos grandes oradores sacros brasileiros; o que havia de lhe render
prestigio, tanto que enviado ainda como diácono ao Rio de Janeiro para saudar e dar boas
vindas a D. João, príncipe regente, foi agraciado com o Hábito de Cristo e nomeado
cônego da Sé paraense. Sendo Dom Romualdo ainda, posteriormente, nomeado Orador
da Capela Imperial e grande dignatário da Ordem da Rosa, por Dom Pedro I; e, por Dom
Pedro II, agraciado com a grancruz da Ordem de Cristo e com o título de Marques de
Santa Cruz.
A ênfase dada por Buarque ao espírito ilustrado de Dom Romualdo me parece
realmente dar a tônica em seu texto, tanto que não satisfeito em destacar a sua prodigiosa
capacidade intelectual como aluno, a sua atuação como professor e o brilhantismo de sua
oratória sacra e também parlamentar, Buarque nos informa que seu biografado era um
homem de vasta cultura reconhecido como tal não apenas por seus pares e concidadãos,
mas também por sábios e homens de ciência como os naturalistas e viajantes alemães
Spix e Martius, os quais se tornaram amigos e admiradores de Dom Romualdo quando
por volta de 1820 excursionaram pela Amazônia, tanto que de volta à Europa, conta-nos
Buarque, “enviaram ao cônego Romualdo de Seixas o diploma de sócio da Real
Academia de Munich”. Mas, se Martius chamava a Dom Romualdo de “Mestre” e o
Coronel Ignácio Accioly de Cerqueira, cronista-mor do Império, “o considerava como a
primeira intelligencia do paiz”, não seriam este os únicos testemunhos do caráter
ilustrado desse prelado paraense listados por Buarque ao final de seu texto. Dizia ainda
que o notável poeta português Feliciano de Castilho “rendia as mais altas homenagens
aos conhecimentos scientificos deste grande apostolo do christianismo”; e que Monte
Alverne, por sua vez, “chamava-o: o sábio arcebispo da Bahia”. Enfim, para Buarque,
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entre outros méritos, virtudes e qualidades que atribuía ao seu biografado e que esperava
ser próprio de um homem de devoção religiosa, dizia ser o distinto filho de Cametá
“Estadista, philosopho, escriptor fecundíssimo, orador de grande nomeada”, ou seja,
atributos que não exclusivos da condição eclesiástica, nem sequer seriam indispensáveis
ao exercício sacerdotal. Deixando de lado, as adjetivações e juízos de valor tão caros à
narrativa histórica tradicional, sem as quais parecia não ser possível a escrita da história
aos historiógrafos e historiadores ainda no século XX, afinal se pensava a utilidade ou o
valor da história a partir das lições e exemplos que podia oferecer às novas gerações;
enfatizo justamente a preocupação de Manoel Buarque em apresentar e corroborar a
imagem de Dom Romualdo Seixas como ilustrado homem de letras e de ciências, pois,
parecia ser necessário justificar a sua importância histórica entre os que figuravam na
Galeria de Paraenses Ilustres organizada pelo IHGP não só porque foi um importante
prelado católico ou figura política destacada do Império, mas, sobretudo, como
intelectual; ainda que Buarque não tenha feito referência a nenhuma obra literária, nem
sequer tratado delas em sua notícia biográfica.
Assim fez Manoel Buarque, assim parece também ter feito o historiador Henrique
Jorge Hurley quando tratou da figura de Dom Romualdo Antônio de Seixas em seu livro
Noções de História do Brasil e do Pará, publicado no volume XI da Revista do IHGP,
em 1938. Este autor se baseou no Compêndio das Eras de Baena e, principalmente, no
Anno Brasileiro de Joaquim Manuel de Macêdo, no qual me parece ter Manuel Buarque
igualmente se baseado dada as similitudes de informações e de estrutura narrativa entre
os textos de Buarque e Hurley, ainda que Buarque não tenha feito nenhuma citação de
suas fontes; até porque não era uma regra comum a todos os trabalhos históricos na
época. Assim acredito, inclusive, porque Jorge Hurley não cita o esboço biográfico de
Manoel Buarque publicado apenas quatro anos antes de seu livro na própria Revista do
Instituto, sendo aquele trabalho do conhecimento de Hurley já que presidiu o silogeu
desde os anos iniciais da década de 1930 e, por isso mesmo, era diretor da Revista.
Parece-me que não citou porque talvez tenha preferido ir buscar direto na fonte as
informações que desejava para feitura de seu capítulo sobre Dom Romualdo de Seixas;
citando e transcrevendo ainda o artigo Mutuacá publicado no jornal católico A Estrella
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do Norte, n. 29, de 1863, página 228, no qual se tratava da homenagem póstuma feita por
Dom Macedo Costa a Dom Romualdo de Seixas.
Jorge Hurley, de fato, nos apresenta uma narrativa mais precisa e contextualizada
da vida de seu biografado, a quem adjetivou como “perola tocantina de incalculável
valor”; como “o maior paraense de seu século”; ou, então, como o “maior bispo brasileiro
de sua epocha”. Mas, da mesma forma que Buarque, Hurley não fugiu à regra ou ao estilo
tradicional esperado em narrativas históricas de cunho biográfico escritas de forma oficial
ou oficiosa, na qual importava emitir juízos de valor em busca de dado aprendizado; ao
mesmo tempo em se que contava a vida do biografado desde seu nascimento e meninice
até sua morte, passando pela mocidade e vida adulta. Lendo, portanto, os textos citados
aqui, sendo possível pensar o mesmo para alguns outros de igual teor, se percebe a
presença de lugares comuns e de uma mesma linearidade narrativa quando se trata dos
traços biográficos de Dom Romualdo de Seixas; ou seja, o seu brilhantismo intelectual
desde criança que o fez se destacar nos estudos em Cametá, em Belém e em Lisboa; a sua
capacidade intelectual e de oratória como professor, parlamentar e pregador sacro,
notabilizando-se pelo uso da palavra, tanto escrita, quanto oral; e seu desempenho como
sacerdote e na vida política imperial, por exemplo.
No texto de Jorge Hurley, Dom Romualdo de Seixas também foi apresentado
como homem de letras e de ciências, sendo informado aquilo que já foi nos dado saber
antes por Manoel Buarque. Conta-nos Hurley, todavia, algo mais; que Dom Romualdo de
Seixas pertenceu “ao Instituto de África, em Pariz, ao Instituto Histórico Geográfico
Brasileiro e possuía o diploma de sócio honorário de muitas associações scientificas
nacionaes e extrangeiras”. Relata-nos também que a obra literária de Dom Romualdo foi
numerosa, ainda que não a cite, nem enumere, mas é possível que Hurley esteja incluindo
aí as pastorais produzidas ao longo de seu arcebispado, bem como as suas orações sacras,
cujo teor de uma e outra Hurley chegou a comentar, bem como a receptividade que
obtiveram, tal como a oração fúnebre que fez quando da morte de seu tio Dom Romualdo
Coelho de Sousa, que “foi impressa em Lisboa e teve larga circulação na Europa e no
Brasil, especialmente no Pará.” Lembrando, no entanto, a crítica literária de José
Veríssimo que não compreende as orações sacras ou sermões como um gênero literário,
14
fica-nos ainda a partir da leitura desses autores a ignorância acerca da produção literária
de Dom Romualdo de Seixas, ainda que dada como expressiva.
Chama atenção também o fato de que tanto Buarque, quanto Hurley, escrevendo
sobre a vida de Dom Romualdo de Seixas, aparentemente não tenha feito uso das
memórias do próprio biografado, afinal ambos não citaram e nem referenciaram essa
obra, ainda que publicada em 1861 pela Typographia Nacional, no Rio de Janeiro, no ano
seguinte ao falecimento de Dom Romualdo em 29 de dezembro de 1860, aos 73 anos
(Hurley, talvez por erro de revisão ou de provas, grafou erradamente a data de 29 de
setembro). Livro de memórias, por sinal, que Dom Romualdo começou a escrever em
1858, mas não conseguiu dar por terminado, morrendo antes, segundo nos conta o Padre
J. J. da Fonseca Lima, amigo do arcebispo, que fez a apresentação da referida publicação.
Aliás, lendo o texto de apresentação grafado pelo Padre Fonseca Lima, intitulado Ao
Leitor, no qual não pretendeu biografar Dom Romualdo, se percebe a imagem desse
eclesiástico como um homem de cultura letrada e de ciências, “Conhecedor profundo dos
tempos e dos homens, affeito aos certames da intelligencia e ás luctas do Direito”, nas
palavras do prefaciador; o qual, em outro momento, diz ter sido Dom Romualdo
“Vigoroso na intelligencia, ardente no estudo, formado na escola de grandes homens,
pratico nos negócios públicos, perfeito nas letras sagradas e profanas”, ou seja, um
homem da Igreja, mas, também do século das luzes e do pensamento cientifico. O Padre
Fonseca da Lima, inclusive, nos remete à Biographia impressa na Galeria dos
Contemporâneos Illustres do Sr. Sisson, caso o leitor queira conhecer os títulos da obra
literária do Marquez de Santa Cruz, se escusando de citá-las, embora comentando a
última pastoral de Dom Romualdo, pouco antes de sua morte, nos informe acerca de suas
qualidades literárias e de literato, já que no juízo do Padre Fonseca Lima a dita pastoral
ainda ostentava todo o “vigor de pensamento, belleza de imagens, elegância de phrase,
correcção de linguagem, encanto e amenidade de estylo, que enobrecem e perfumão
todos os seus escriptos”.
Enfim, nas palavras elogiosas do Padre Fonseca Lima, fiel à missão de
engrandecer a figura de Dom Romualdo e de consolidação de sua legenda como dirigente
da Igreja Católica no Brasil, importava expor a imagem de um homem ilustrado,
portanto, bem diferente e longe do estereotipo do religioso destituído da razão,
15
supersticioso e fanatizado pelas crendices, rótulo que os liberais buscavam aplicar aos
padres que lhe eram adversários, os quais viriam a ficar conhecidos como ultramontanos
ou romanizadores na defesa que estes faziam da ortodoxia católica e da autoridade papal.
Daí, dizer o Padre Fonseca Lima que Dom Romualdo embora tivesse sido um “Thesouro
já de variados e profundos conhecimentos, [estava] todavia entregue sempre á mais
assídua leitura, quanto lhe permittião as importantes occupações do officio pastoral e os
seus incommodos, [já que] buscava adquirir todo o dia uma nova idéa para o seu pecúlio,
como elle [Dom Romualdo] se exprimia”.
Lendo as Memórias do Marquez de Santa Cruz, se percebe que o próprio Dom
Romualdo tinha em grande conta a condição de homem ilustrado e de cultura letrada,
reconhecendo a importância da ciência, ainda que não tenha lhe sido permitido fazer seus
estudos na Universidade de Coimbra por interdição de seu tio, protetor e preceptor Dom
Romualdo de Sousa, que havia se tornado bacharel por essa instituição de ensino, pois
considerava Dom Romualdo de Seixas bastante moço para tal. A certa altura de suas
Memórias, por exemplo, conta-nos Dom Romualdo de sua paixão pelo estudo e pela
leitura; em outro lugar, já nos fala das delícias do magistério; mais adiante, nas páginas
18 e 19, nos inteira de sua amizade com os cientistas e naturalistas Spix e Martius, bem
como das correspondências que mantinha com Martius após o seu retorno à Europa, uma
vez que Spix acabou falecendo pouco tempo depois. Mas, através das palavras do
Marquez de Santa Cruz, também se percebe que se era um homem ilustrado, era
igualmente homem da Igreja, portanto, defensor da primazia da fé e de seus dogmas
religiosos sobre a razão e a ciência, daí a crítica à liberdade de imprensa que permitia
desautorizar a ordem instituída quer civil, quer eclesiástica, ou, então, a defesa que fazia
da necessidade da censura, pois não acreditava ser todo conhecimento válido como tal
caso fosse contrário à verdade dos evangelhos e dos dogmas, moral e costumes cristãos.
Nas Memórias do Marquez de Santa Cruz também ficamos conhecendo um pouco
melhor acerca da natureza de sua produção literária já indicada por seu prefaciador, Padre
Fonseca Lima, tanto quanto por Manoel Buarque e Jorge Hurley. Segundo Dom
Romualdo de Seixas, algumas de suas obras literárias constituíam-se na publicação em
livro de dois discursos de filosofia e de suas orações sacras ou sermões; no Jornal de
Coimbra, número 13, a publicação do relato dos pormenores de sua viagem ao Rio de
16
Janeiro quando enviado para saudar a chegada do príncipe-regente Dom João; além da
publicação de suas pastorais. O seu livro de memórias, obviamente, insere-se no rol dessa
produção literária, sendo a sua leitura importante contribuição aos que estudam não
somente as relações entre a Igreja Católica e o Estado Imperial na primeira metade do
século XIX, mas, também, aos que se interessam pela história institucional da Igreja ou,
no sentido mais amplo, pela história política imperial, por exemplo.
Neste sentido, aliás, lendo as memórias de Dom Romualdo de Seixas, obra escrita
como seu testemunho da história de sua época, percebe-se que possuía um claro sentido
político, qual seja a defesa que Dom Romualdo sentia necessário fazer de sua atuação
política; primeiro como presidente por duas vezes de juntas governativas na província
paraense, em 1821 e 1823, defendendo-se da acusação de que havia sido contrário à
independência brasileira, bem como de que os padres não eram preparados para o
governo, pois cria que os clérigos desde que bem intencionados e agindo de acordo com
os preceitos da Igreja haviam de serem bons governantes; segundo, como Deputado Geral
em diversas legislaturas e presidente por duas vezes da Câmara temporária no Parlamento
brasileiro na Corte, na qual defendia principalmente os interesses da Igreja Católica, na
defesa daquilo que considerava as prerrogativas da Igreja e do clero, indispondo-se com
os liberais; terceiro como Arcebispo da Bahia e Metropolitano Primaz do Brasil, mais
uma vez defendendo a ortodoxia católica e a autonomia da Igreja em relação ao Estado,
mas não a separação entre ambos, daí a sua crítica ao absolutismo como regime político,
bem como ao regime imperial constitucional brasileiro que buscava subtrair à Igreja sua
autonomia institucional.
Dom Romualdo de Seixas, então, marcou seu governo na Arquidiocese da Bahia e
como dirigente da Igreja Católica no Império de Santa Cruz como Metropolitano Primaz,
pela defesa da união trono e altar, garantindo-se a autonomia institucional da Igreja, bem
como do catolicismo romano como religião de Estado e oficial do Brasil Império. Daí,
por exemplo, ter no Parlamento combatido as propostas de introdução de missionários
protestantes no Brasil para a evangelização dos indígenas, sendo, inclusive, a sua atuação
parlamentar justificada pela necessidade de defender os interresses e prerrogativas da
Igreja e do clero, já que condenava a participação de clérigos em determinadas funções
ou cargos públicos por considerá-las incompatíveis com o sacerdócio, daí ter participado
17
da vida política parlamentar, mas ter recusado o cargo de Ministro dos Negócios do
Império a convite do Regente Uno Araújo Lima. Enfim, Dom Romualdo de Seixas foi se
é que posso dizê-lo assim um ultramontano ou romanizador, sendo um dos precursores da
reforma eclesiástica conhecida como romanização no Brasil e que, na segunda metade do
século XIX, viria a ganhar maior densidade com o episcopado de Dom Antônio de
Macedo Costa.
Não quero, todavia, estender-me mais acerca de Dom Romualdo Antônio de
Seixas, ainda que reconheça ser fascinante e importante esse estudo, pois, nos limites
deste texto creio que fica-nos claro a sua escolha para a Galeria de Paraenses Ilustres
organizada pelos sócios do IHGP no anos finais da década de 1910, bem como porque
nos idos da década de 1960 fora eleito como um dos quarenta patronos do Instituto, neste
caso a cadeira 38, que veio a ter como seu primeiro ocupante e, portanto, fundador outro
homem da Igreja, Dom Alberto Gaudêncio Ramos, Arcebispo de Belém.
Dom Alberto Ramos e o Instituto Histórico e Geográfico do Pará.
A 29 de junho de 1967, segundo ata publicada no volume XV da Revista do
IHGP, de 1968, foi aprovado por unanimidade o parecer da Comissão de Admissão de
Sócios composta pelos consócios Drs. Aloysio da Costa Chaves, Otávio Mendonça e
Arthur Napoleão Figueiredo, sendo, portanto, admitidos como sócios efetivos Dom
Alberto Gaudêncio Ramos, Arcebispo Metropolitano de Belém, e o jornalista Aylton
Quintiliano. Segundo a referida ata, os novos sócios efetivos haviam então de serem
empossados prestando “o compromisso estatutário”. Ainda neste volume da Revista do
Instituto consta a ata da sessão de posse do jornalista Aylton Quintiliano em 26 de janeiro
de 1968, mas não há notícias da posse de Dom Alberto Ramos. Nos volumes XVI e
XVII, compreendendo os anos de 1969 e 1970, também nada há publicado em relação à
posse de Dom Alberto, embora na ata da Assembléia Geral do IHGP, realizada em 14 de
abril de 1969, estivesse o referido eclesiástico presente na condição de sócio, sendo,
inclusive, eleito para a Comissão de Redação da Revista, fazendo parte do Conselho
Diretor da instituição para o triênio de 1969 a 1972. Ainda pela leitura dessa revista, fica-
se sabendo que a 04 de maio de 1970, quando pela segunda vez consecutiva o Instituto
Histórico e Geográfico do Pará e a Academia Paraense de Letras comemoravam
conjuntamente os aniversários de suas fundações, ambas a 03 de maio de 1900, tradição
18
iniciada em fins da década de 1960 que se mantém até hoje, Dom Alberto Ramos, na
qualidade de acadêmico e Orador oficial da APL discursou em nome dessa instituição,
embora igualmente fosse apresentado como sócio efetivo do IHGP, apresentando o texto
História e Literatura. Enfim, embora não se tenha notícia ou registro da sessão de posse
de Dom Alberto Ramos como sócio efetivo e de elogio de seu patrono nas atas
publicadas na Revista do silogeu, não resta dúvida que foi considerado como tal por seus
consócios, tanto que desde o volume XIV da Revista do IHGP, relativo aos anos de 1966
e 1967, mas somente lançada em 1968, já constava como fundador e primeiro ocupante
da cadeira 38.
No Livro de Registro dos Sócios e Termo de Recebimento e de Visitas do IHGP,
igualmente consta a admissão de Dom Alberto Ramos como sócio efetivo em 29 de junho
de 1967, sem constar, no entanto, a data de sua posse. Ainda sobre o ingresso de Dom
Alberto no Instituto, o Dr. Clóvis Moraes Rêgo, que foi sócio efetivo do silogeu, em seu
discurso sobre esse prelado paraense, quando da sessão especial de homenagem póstuma
a Dom Alberto Ramos realizada pelo Conselho Estadual de Cultura em 14 de janeiro de
1992, nos conta que no Instituto Histórico e Geográfico do Pará não sabia se Dom
Alberto “chegou a fazer o elogio póstumo de Dom Romualdo Antônio de Seixas, seu
patrono nesse Silogeu, como seu sócio efetivo e ocupante da cadeira n.º 38.” Creio, então,
que não chegou a fazê-lo, não sendo o único entre aqueles que já eram sócios ou haviam
de sê-lo na mesma época. O discurso de Moraes Rêgo encontra-se reproduzido na
biografia escrita pelo irmão de Dom Alberto Ramos, Sr. José Pereira Ramos, Dom
Alberto Ramos: o pastor da Amazônia, publicado em 2006 pela Fundação Cultural
Presidente Tancredo Neves, Governo do Estado Pará. Nesta, infelizmente, se trata com
certo destaque da presença de Dom Alberto Ramos no Conselho Estadual de Cultura, do
qual foi Presidente, e na Academia Paraense de Letras, onde foi empossado na cadeira
12, cujo patrono é Dom Antônio de Macedo Costa; mas pouco, mesmo que
indiretamente, é dito sobre sua passagem pelo IHGP. Fica-nos, portanto, quase que tão-
somente a informação de que recebeu a medalha condecorativa Pedro Teixeira do IHGP
em 25 de outubro de 1968, sem que fosse informado a sua filiação a essa agremiação,
nem informado quando foi empossado.
19
Vale, então, lembrar que a medalha condecorativa Pedro Teixeira foi instituída
em 16 de agosto de 1968 pelo IHGP, sendo desde então outorgada aos sócios efetivos do
silogeu, bem como a personagens outras com destaque na vida cultural e intelectual;
portanto, nem todos que recebem tal condecoração são necessariamente associados ao
Instituto, mas este não era o caso de Dom Alberto Ramos pelo que já sabemos. Mas, a
informação de que Dom Alberto havia recebido a medalha Pedro Teixeira em 25 de
outubro de 1968, tal como consta em sua biografia, não tem registro nas atas publicadas
na Revista do Instituto, sendo, inclusive, informado que a referida medalha foi entregue
aos agraciados em cerimônia realizada em 29 de outubro de 1968, em cuja ata não há
registro da presença desse prelado. Talvez o diploma da referida condecoração fosse
datado de 25 de outubro, mas, face tantas incertezas, basta sabermos que Dom Alberto foi
sócio efetivo e, portanto, portador da medalha Pedro Teixeira.
Pergunto então: cabia a admissão de Dom Alberto Ramos como sócio efetivo do
IHGP? Teria sido a mesma tão-somente uma honraria à sua pessoa como principal
autoridade eclesiástica paraense?
Para buscar respostas a essas indagações, torna-se necessário falar brevemente
que Dom Alberto Ramos, nascido em 1915 em Belém, falecido em 1991, foi ordenado
padre em 1º de outubro de 1939, nomeado e empossado Bispo de Manaus em 12 de
janeiro de 1949. Em 16 de fevereiro de 1952, tornou-se Arcebispo com a elevação da
diocese de Manaus à categoria de Arquidiocese pelo Papa Pio II. Alguns anos depois, no
entanto, assumiu o Arcebispado em Belém, em 03 de outubro de 1957, cargo que exerceu
até 04 de julho de 1990, recebendo o título de Arcebispo Emérito. Pois bem na época em
que residiu em Manaus, foi eleito membro efetivo da Academia Amazonense de Letras
em 21 de outubro de 1953, vindo posteriormente ser sócio correspondente do Instituto
Histórico e Geográfico do Amazonas em 26 de maio de 1957. Em Belém, já o dissemos,
foi membro efetivo da Academia Paraense de Letras desde a década de 1960, ocupando a
cadeira 12, cujo patrono é Dom Antônio de Macedo Costa, sendo o Orador oficial dessa
agremiação; bem como fez parte desde 1974 e foi presidente do Conselho Estadual de
Cultura do Pará, criado em 30 de dezembro de 1967 pela Lei N.º 4.073 e que inicialmente
funcionou nas dependências do IHGP, conforme informação publicada na Revista do
20
silogeu. Essas informações e outros pormenores podem ser consultados na biografia de
Dom Alberto Ramos aqui já citada.
Mas a resposta que busco ainda não é essa, embora o caminho o seja, afinal já é
possível ver em Dom Alberto Ramos não apenas o eclesiástico, mas pessoa de cultura
letrada que ao lado de suas funções sacerdotais desempenhou outras atividades em
agremiações e órgãos de natureza cultural; seja como dirigente, associado, orador ou
autor de trabalhos publicados nos periódicos dessas instituições. Foi igualmente
articulista na imprensa paraense, em particular no jornal católico A Voz de Nazaré, no
qual publicava a sua coluna Recanto do pastor. Nesta, Dom Alberto trazia à leitura do
público pequenos textos não apenas de natureza moral e religiosa, embora em grande
medida, mas outros de teor literário tais como reminiscências e memórias, bem como
textos versando sobre assuntos de natureza sociológica, histórica ou de geografia. A
atuação jornalística de Dom Alberto, inclusive, já havia ganhado certa notoriedade
quando participando do Concílio Vaticano II, fez e editou o jornal mural O Conciliábulo,
lá pelos idos de 1962/1965, afixando-o na portaria do Domus Marie, casa religiosa em
que estava hospedada a maioria dos prelados brasileiros. Aliás, o Padre Dr. José Oscar
Beozzo, um dos modernos historiadores de dentro da Igreja Católica, em sua tese de
doutorado junto a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de
São Paulo, denominada Padres conciliares brasileiros no Concílio Vaticano II,
participação e prosopografia, 1959-1965, ressaltou a atividade de Dom Alberto Ramos e
de seu jornal mural, usando-o como fonte e analisando o seu conteúdo, o que fez
inclusive em palestra quando aqui esteve, em Belém, este padre-historiador participando
de Encontro Internacional do CEHILA, alguns anos atrás.
Ainda sobre o jornal mural O Conciliábulo, o próprio Dom Alberto Ramos nos dá
uma deliciosa notícia do mesmo e de sua repercussão, nem sempre sendo bem aceito
entre parte do episcopado brasileiro participante do Concílio Vaticano II, na crônica de
teor histórico que publicou no jornal católico A Voz de Nazaré em 06 de março de 1988
de nome O Conciliábulo; na qual inclusive reproduziu alguns trechos do anedotário que
fazia publicar nesse jornal mural.
Homem da palavra, escrita ou oral, Dom Alberto compreendeu igualmente a
importância da pregação evangélica através das ondas do rádio, iniciando essa
21
experiência ainda seminarista em Fortaleza nos idos de 1937, na PRE-9; em Belém, já na
década de 1940, participou do programa de rádio Hora Católica, dirigido pelo Prof. José
Coutinho de Oliveira, sócio efetivo do IHGP, bem como fez suas transmissões
radiofônicas com os programas a Voz do Evangelho e A Voz do Pastor, pela Rádio Clube
do Pará, realizando aquilo que chamava de “apostolado radiofônico”; desempenhando
por algum tempo, inclusive, o papel de radialista comentando algumas vezes a procissão
do Círio de Nazaré de microfone na mão num jipe que ia contornando a multidão. Tais
recordações de Dom Alberto sobre a sua atuação no rádio paraense, reproduzido em sua
biografia, tal como outros textos de sua lavra, além de ser bem escrito, revela-nos uma
narrativa literária de agradável leitura.
Ao lado dessas atividades, preocupou-se em organizar a publicação em só volume
as anotações de viagem de Dom Antônio de Almeida Lustosa aquando de suas visitas
pastorais pelos sertões da Amazônia, antes publicadas no jornal católico A Palavra e
depois em quatro pequenos volumes ao longo da década de 1930. Foi assim organizador
e prefaciador dessa obra, publicada em 1976 pelo Conselho Estadual de Cultura,
atribuindo-lhe um novo título No Estuário Amazônico, mantendo sua denominação
original À margem da visita pastoral como subtítulo, pois lhe reconhecia seu caráter
etnográfico e de conteúdo histórico e geográfico, que o título original talvez não revelasse
de antemão. Mas, também, à imagem e semelhança de outros prelados cultos e letrados
que o antecederam na diocese ou arquidiocese paraense ao longo dos séculos XIX e XX,
Dom Alberto Ramos foi autor de diversas obras literárias, mas não vou me referir aqui à
publicação de suas pastorais ou orações sacras e discursos, nem aquelas de apelo
religioso ou sacro. Refiro-me, então, à publicação de seus dois livros que mais de perto
interessam aos pesquisadores e historiadores, a saber: Cronologia Eclesiástica da
Amazônia, compreendendo o período de 06/02/1608 a 06/07/1952, publicada em 1952
em Manaus; e Cronologia Eclesiástica do Pará, compreendendo o período de 06/02/1608
a 12/08/1984, publicado em 1985 em Belém.
Penso, portanto, que é preciso ver em Dom Alberto Ramos a sua contribuição
intelectual à história eclesiástica ou à história institucional da Igreja, para responder a
contento às indagações que fiz linhas atrás. Sobre a primeira Cronologia Eclesiástica que
publicou ainda em Manaus, em 1952, o próprio Dom Alberto em seu discurso História e
22
Literatura, já referenciado, nos disse não considerá-lo um trabalho de história, já que
reconhecia não ser possível fazer a história tão-somente enumerando acontecimentos,
alinhando datas ou registrando nomes; sendo a escrita da história um trabalho de
investigação que indo além fazia uma análise contextual desses acontecimentos, ainda
que homem da Igreja e intelectual de feição conservadora fosse avesso e crítico da
história de matriz agnóstica e marxista. Enfim, comparando sua Cronologia com a obra
do historiador Arthur Cézar Ferreira Reis, sócio correspondente do IHGP, denominada A
Conquista Espiritual da Amazônia, Dom Alberto dizia que mesmo sendo esta falta de
“riqueza de pormenores” e do “mesmo rigor de datas” presente em sua Cronologia, era
uma obra de análise, portanto histórica, ainda que sucinta, já que, nas palavras do
prelado, “compara atitudes, relaciona influências, descobre na trama dos sucessos, a
constante de uma evolução transcendental”, enquanto a Cronologia Eclesiástica da
Amazônia que havia publicado tratava-se de um instrumento de pesquisa, uma vez que,
na sua própria definição, limitou-se “à mera inserção de datas, no registro frio dos
acontecimentos”, por isso mesmo embora representasse “um trabalho de base, uma fonte
de pesquisa”, valia “apenas como instrumento de história”, não constituindo, portanto,
“obra perfeita de história, por não interpretar os fatos, por não relacionar os casos”, nos
dizeres de Dom Alberto.
Falsa modéstia, não creio; homem de visão crítica em relação ao seu trabalho,
acho que sim. Porém, ao que parece, convicto de que se não fazia uma autêntico livro de
história, não fazia por isso mesmo um trabalho de pesquisa menor ou desimportante.
Assim se pode pensar se lembrarmos que décadas depois lança em Belém, em 1985, com
prefácio da Professora Maria Annnunciada Chaves, sócio efetiva do IHGP, sua
Cronologia Eclesiástica do Pará. Ambas as Cronologias são de fato instrumentos de
pesquisa, aos quais podem recorrer os estudantes, pesquisadores e historiadores em busca
de informações acerca do clero e da vida institucional da Igreja na região norte do Brasil.
Lá estão toda uma base de dados para serem arrolados e analisados em futuras pesquisas.
Posso dizer de testemunho próprio que a consulta da Cronologia Eclesiástica da
Amazônia, bem como da Cronologia Eclesiástica do Pará, que fiz quando graduando em
História e depois iniciando os estudos de pós-graduação me foram úteis, guardando até
hoje os fichamentos dos dados que levantei nessas obras e aos quais recorro
23
eventualmente, como fiz na preparação deste texto. Enfim, os instrumentos de pesquisa,
tipo as Cronologias escritas por Dom Alberto Ramos, considero não apenas uma
contribuição importante à escrita da história, mas igualmente trabalho merecedor de
reconhecimento e respeito, pois implicou doses diárias de paciência e meticulosidade na
investigação dos dados e fatos e, posteriormente, na sua organização cronológica.
Dom Alberto Ramos, aliás, me parece ter sido não somente preocupado em coligir
dados acerca da presença institucional da Igreja Católica na Amazônia e publicá-los.
Quando iniciei a minha formação cientifica na pesquisa histórica pude consultar a
coleção do jornal católico A Boa Nova existente no acervo da Arquidiocese de Belém,
que havia pertencido a Dom Alberto Ramos, que assim também contribuiu para a
preservação de pelo menos uma parte da memória documental paraense, sempre tão
esquecida e desassistida.
Mas, isto não quer dizer que Dom Alberto Ramos tenha se escusado de escrever
sobre a história ou aspectos históricos da presença eclesiástica na região amazônica, ou
sobre outros temas históricos, além daqueles de natureza sociológica e geográfica.
Alguns de seus artigos publicados, por exemplo, na Revista do Conselho Estadual de
Cultura podem ser assim considerados. Da mesma forma, alguns outros dados à
publicação na sua coluna Recanto do pastor, no periódico A Voz de Nazaré. Neste lugar,
por exemplo, publicou em 19 de junho de 1988 Intelectualidade do Norte, trecho de um
discurso pronunciado na Academia Jundiaíense de Letras, São Paulo, em 10 de junho de
1986, no qual discorreu sobre a importância da vida intelectual na Amazônia, apesar de
sua pouca visibilidade nacional, nomeando vários desses intelectuais, entre os quais
alguns pertencentes ao clero, tais como Padre Vieira, Dom Romualdo de Seixas e Dom
Macedo Costa. Aliás, durante o ano de 1988, Dom Alberto não deixou de tratar de temas
relativos à escravidão, abolição e a presença negra na vida religiosa e institucional da
Igreja na Amazônia, até porque se vivia o ano da efeméride do centenário da abolição.
Publicou, então, nas páginas daquele jornal católico, Dom Romualdo de Seixas contra a
escravatura, em 12 de junho, no qual defendia a atuação desse prelado no Parlamento
nacional pela abolição da escravidão 60 anos de sua extinção; Sinceridade da conversão
dos negros, em 05 de junho, no qual reconhecendo a existência do sincretismo religioso
que permitia aos escravos africanos cultuarem seus orixás, criticava o risco de
24
generalização ao se escrever a história, pois demonstrava como havia muitos negros
livres, libertos e escravos que de fato haviam se convertido sinceramente ao catolicismo;
ou, então, Rosário dos Pretos, Rosário dos Brancos, em 22 de maio, no qual retornava à
discussão da vivência religiosa cristã por parte dos escravos e negros livres e libertos em
torno da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e de sua igreja no
bairro da Campina.
Outros textos que publicou na coluna Recanto do Pastor foram, a título de
exemplo, Limites dos Municípios do Salgado, em 27 de agosto de 1989, onde faz uma
digressão de teor geográfico; A Margem dos Rios Mau e Mocajuba, em 30 de julho de
1987; O Compadrio na Vida dos Brasileiros, em 04 de junho de 1989; A Presença
expressiva do Índio no povo brasileiro, em 24 de janeiro de 1988; e Paraenses
Mazombos?, em data não localizada, textos que passeiam pela sociologia, antropologia e
história. Ainda no campo da história, publicou Lavoisier, vítima da revolução, em 23 de
setembro de 1989, no qual lembra a morte na guilhotina do famoso químico e sábio
francês devido sua crença monarquista aquando da Revolução Francesa; ou, então,
Mercedários ou mercenários, em 31 de agosto de 1987, no qual comentando a
restauração do prédio da Alfândega que havia sido expropriado aos frades do Convento
de N. S. das Mercês, tratava sumariamente da presença dessa ordem na Amazônia
Colonial e a da perda de seus bens e do insucesso dos prelados da Igreja em recuperá-los.
Saindo das páginas de A Voz de Nazaré, encontramos Dom Alberto Ramos publicando
pequenos textos sobre a história eclesiástica da Amazônia noutros periódicos de Belém
ou de Manaus, tais como Centenário da anistia a D. Macedo Costa e D. Vital, em 17 de
setembro de 1975, ou Presença da Igreja na Amazônia, em 07 de março de 1985, no
periódico amazonense Questão Social.
Há quem possa lembrar, contudo, que tais textos são menos importantes por conta
de sua natureza jornalística, sendo apenas crônicas ou artigos de pequeno fôlego, o que é
verdade. Mas, por isso mesmo, se prestam ao papel de vulgarização de determinados
conhecimentos, residindo aí a importância de sua leitura, bem como no fato de que nos
permite conhecer um pouco mais a forma de pensar e escrever de Dom Alberto Ramos,
bem como sua concepção e a importância que dava à história eclesiástica. O que falo aqui
pode ser percebido pela leitura, por exemplo, de seu artigo de jornal intitulado
25
Compensações Divinas na História Humana, publicado em 09 de agosto de 1967, época
que ingressava no Instituto Histórico e Geográfico do Pará. Neste texto, Dom Alberto
demonstrava como era importante para o estudo da história eclesiástica, bem como para o
entendimento da história como um todo, da consideração da presença divina no curso da
história, o que procurava demonstrar através de várias exemplificações.
Penso, é verdade, de forma bem distinta a história em seu curso, uma vez que
Dom Alberto Ramos escrevia e pensava a história a partir de uma perspectiva
conservadora e dogmática, no sentido de fidelidade aos princípios da ortodoxia católica,
como é possível compreender em seus escritos, pronunciamentos e entrevistas à
imprensa, quando disse, por exemplo, aos jornalistas Luiz Paulo Freitas, Frank Siqueira e
Océlio Moraes, em matéria publicada em 16 de fevereiro de 1982 no jornal O Liberal,
que aceitava “os dogmas como aceito os axiomas na matemática. A matemática tem,
também, seus dogmas e ninguém se levanta contra eles”. Mas, aqui quero apenas
compreender um pouco que seja a percepção de Dom Alberto Ramos, que pode ser
pensado como um intelectual orgânico da Igreja Católica, que acessando a sua
documentação, podia fazer uma história eclesiástica a partir de dentro da instituição,
fazendo parte de uma tradição de intelectuais e pensadores membros do clero
tradicionalista ou conservador, alguns dos quais citados neste texto, já que, em algum
momento, eles fizeram parte do IHGP.
Desejando, no entanto, encerrar este texto que já vai longo, quero apenas lembrar
que se Dom Alberto Ramos quando se tornou sócio efetivo do IHGP não fez o elogio de
seu patrono, Dom Romualdo de Seixas, creio que a escolha do referido patrono não foi
aleatória, até porque outra possível opção que era a cadeira número 6, cujo patrono é
Dom Antônio de Macedo Costa, já estava ocupada pelo Cônego Ápio Campos. Digo que
seria uma possibilidade visto que Dom Alberto Ramos nessa época já ocupava a cadeira
12 da APL, cujo patrono era justamente Dom Macedo Costa, acerca de quem tratou
quando fez seu discurso de posse nessa agremiação. Penso assim, inclusive, levando em
conta o fato de que esses prelados da Igreja, cada um ao seu tempo, foram homens fiéis à
ortodoxia católica e aos cânones da Igreja, sendo, por isso mesmo, muito provavelmente
personagens da história eclesiástica brasileira caras a Dom Alberto Ramos. Por outro
lado, como ia dizendo, se Dom Alberto Ramos não tratou de fazer o elogio de Dom
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Romualdo de Seixas no IHGP, não descuidou dos dados biográficos dessa personagem
em sua Cronologia Eclesiástica da Amazônia e também do Pará, bem como escreveu
sobre o mesmo quando do ano do centenário da abolição, em 1988, quando questionava a
tese de que a Igreja Católica fora passiva e conivente com a escravidão discorrendo sobre
Dom Romualdo de Seixas e a escravidão, afirmando ter Dom Romualdo combatido como
parlamentar o tráfico de escravos e a escravidão, tomando como referência a obra O
Clero no Parlamento Brasileiro, publicado pelo Congresso Federal e Fundação Casa de
Rui Barbosa em 1986. Creio, então, que lendo esses trabalhos, Dom Alberto Ramos à sua
maneira e de certa forma fazia sua homenagem ao seu patrono, ainda que não tenha ao
que parece feito o rito de elogio de seu patrono no Instituto, que faço ao longo dessas
páginas. Quanto a mim, no entanto, dou por encerrado meu elogio.
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Relação de eclesiásticos sócios do IHGP.
Nome Categoria Data de Admissão
Observações
Cônego Domiciano Herculano Perdigão Cardoso
Fundador 03/05/1900 Participou da primeira fundação. Participou da segunda
fundação em 06/03/1917. Monsenhor Domingo Maltez Fundador 03/05/1900 Participou da primeira
fundação. Cônego João Ferreira de Azevedo
Muniz Fundador 06/03/1917 Há um Cônego João Ferreira de
Andrade Muniz como Fundador em 03/05/1900. Seria o mesmo?
Padre Antônio Cândido da Rocha Fundador 06/03/1917 Participou da segunda fundação. Cônego Ricardo da Rocha Fundador 06/03/1917 Participou da segunda fundação.
Cônego Raymundo Ulysses Pennafort
Fundador Honorário
Correspondente
06/03/1917 02/11/1917 08/06/1918
Sócio fundador consta como honorário e correspondente
Cônego José de Andrade Pinheiro Efetivo Não está claro
Admissão entre 06/03/1917 e 25/02/1918.
Dom Santino Maria da Silva Coutinho
Honorário 29/10/1920 Arcebispo de Belém.
Padre Estevam da Costa Teixeira Efetivo 10/11/1920 XXXXXXXXXXXXXX Monsenhor Antônio L. de Araújo Correspondente 25/08/1921 Residente no Rio de Janeiro Cônego José Thomaz de Aquino
Menezes Efetivo 27/08/1928 Licenciado do IHGP em
26/11/1931 por sair do Estado. Frei Antônio de Salá Correspondente 20/02/1929 Frei domiciano do Estado de
Goyaz.. Padre Clotário Araripe de Alencar Efetivo 16/04/1931 Consta ter sido eliminado por
falta de pagamento. Padre José Cupertino Contente Efetivo 16/04/1931 Consta ter sido eliminado por
falta de pagamento, mas não é certo.
Padre Leandro do Nascimento Pinheiro
Efetivo 16/04/1931 XXXXXXXXXXXXXXX
Cônego João Alberto Crolet Efetivo Não está claro
Em 1931 aparece como sócio.
Padre Florêncio Dubois Efetivo 05/03/1932 Consta ter se tornado Correspondente.
Dom Antônio de Almeida Lustosa Honorário 16/11/1932 Arcebispo de Belém. Dom Benedicto Paulo Alves de
Souza Correspondente 06/03/1933 Rio de Janeiro, bispo titular de
Griza. Dom Manuel Gomes de Oliveira Correspondente 06/03/1939 Goyaz.
Frei José Maria Correspondente 25/03/1939 Rio de Janeiro. Padre Antônio Gomes de Brito Honorário 13/02/1941 XXXXXXXXXXXXXXXX
Padre Serafim Leite Correspondente 11/10/1941 Rio de Janeiro. Cônego Ápio Paes Campos Costa Efetivo 13/05/1958 XXXXXXXXXXXXXXXX
Dom Jaime de Barros Câmara Honorário Não está claro
Cardeal do Rio de Janeiro, não consta data de admissão. Entre
1966/68 (?). Dom Alberto Gaudêncio Ramos Efetivo 29/06/1967 Arcebispo de Belém.