FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC)
Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a citação. A citação deve ser textual, com indicação de fonte conforme abaixo.
FILHO, Edino Nazareth. Edino Nazareth Filho (depoimento, 2012). Rio de Janeiro - RJ - Brasil. 2013. 47 pg.
EDINO NAZARETH FILHO (depoimento, 2012)
Rio de Janeiro 2013
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Nome do Entrevistado: Edino Nazareth Filho (Edinho)
Local da entrevista: Rio de Janeiro - RJ - Brasil
Data da entrevista: 30 de maio de 2012
Nome do projeto: Futebol, Memória e Patrimônio: Projeto de constituição de um
acervo de entrevistas em História Oral
Entrevistadores: Carlos Eduardo Barbosa Sarmento e Daniela Afonsi
Câmera: Ítalo Rocha
Transcrição: Fernanda de Souza Antunes
Data da transcrição: 27 de junho de 2012
Conferência da Transcrição: Maíra Poleto Mielli
Data da Conferência: 8 de novembro de 2012 ** O texto abaixo reproduz na íntegra a entrevista concedida por Edino Nazareth Filho (Edinho) em
30/05/2012. As partes destacadas em vermelho correspondem aos trechos excluídos da edição
disponibilizada no portal CPDOC. A consulta à gravação integral da entrevista pode ser feita na sala de
consulta do CPDOC.
Carlos Sarmento – Edinho, inicialmente a gente gostaria de agradecer a tua
disponibilidade de nos atender e de prestar esse depoimento para o acervo dessa
instituição, das duas instituições, e como a Daniela tinha falado anteriormente, o nosso
interesse é cobrir, através do seu depoimento, a sua trajetória. Nós vamos falar de
Seleção Brasileira, mas a gente tem interesse da sua formação, como é que foi seu
processo de ingresso nos juvenis, e etc. Porque é importante, porque a cada época esse
processo se dá de forma diferente, as pessoas têm uma outra base. Então a gente queria
começar justamente, se você me permite... Você é de praia, não é?
Edinho Nazareth – É. Eu comecei na praia com 13 anos de idade. Antes disso eu
não me lembro de... Assim, lembrar de ter jogado futebol antes disso, 12 anos de idade.
Eu lembro sim que eu ingressei na praia com 12 anos...
C. S. – No Leme?
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E. N. – No Leme. E comecei... Meu primeiro clube, quando eu vim para
Copacabana, foi o Radar. Primeiro o Radar, depois eu fui para o Leme, morar no Leme
mesmo. Ai, eu comecei a jogar mesmo no Copa-Leme e dali muita pelada, dupla de
praia, futebol de salão; jogava tudo: futebol com chapinha, tudo. E um dia, um
domingo, a gente não tinha nada o que fazer, eu li no jornal que tinha uma experiência
no Fluminense. Eu estava com três garotos, morava lá perto das Laranjeiras, tinham três
amigos, dois amigos, e perguntei: “Vamos, vamos, vamos, vamos”. Ai, ”Vamos”, e
fomos. Nem meião eu tinha. O negócio era jogar descalço, na praia. E tinha uma
chuteira, nem sei como eu consegui aquela chuteira, aí fomos. No domingo, chegamos
lá, tinha mais de 200 crianças; garotos, entre treze/catorze anos, e eu me apresentei
como meio de campo. O treinador pergunta: “Quem é meio de campo?” Todo mundo
levanta a mão. -“Quem é zagueiro?“. Todo mundo levanta a mão. Ai fizeram um time
lá, eu entrei e eu já fui logo sendo escolhido. E passei logo para quarta-feira, que era o
treino dos que eram efetivos, do time mesmo. Na quarta-feira eu já entrei no treino, já
fui logo titular. Ai foi o processo natural, você vai sendo envolvido pelo futebol. E o
negócio era mais brincadeira, você vai tendo um pouquinho mais de tom de seriedade,
você vai entrando, era aquilo o que eu gostava de fazer e aquilo que eu sabia fazer.
Então, ingressei...
C. S. – Você tinha que idade quando você começou?
E. N. – Quando fui, eu tinha 13 anos de idade, foi em 69. Treze anos de idade e
dali começou a minha carreira, era “dente de leite” na época. Ai foi infantil, infantil-
juvenil. Ai juvenil e rapidamente profissional.
C. S. – Como era o vinculo com o clube? Tinha os horários certos de treinar, tinha
uma instituição, era federado? Como era isso, era mais informal?
E. N. – Não, no “dente de leite” era menos treinos, era duas vezes por semana, e
se jogava uma vez, eu não lembro agora, se jogava sempre torneios final de semana.
Sempre tinha um torneio final de semana, amistosos. Então a gente estava sempre em
atividade. Depois passamos para o infantil, ai você entra em um sentido de profissional
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já te preparando para as outras categorias que iriam vir adiante. Infantil já é,
praticamente, regime profissional. Ai você começa a ter uma ajuda de custo, que é
muito justo isso para você, passagem, escola. Ai você começa a entrar em todo processo
e vai evoluindo.
Daniela Alfonsi – E com a sua família? Como é que eles viam isso?
E. N. – Minha família... Eu não lembro de nenhum momento a minha família ter
ido contra. Porque eu sempre fui muito independente, fui criado assim, eu queria isso,
gostava disso e nunca... Na época também tinha menos problema, menos problemas na
rua, criança era um pouco mais solta, e eu era muito solto. Meus amigos também foram
criados assim, não tinha negócio de condomínio. Então a segurança era um pouquinho
melhor, não tinha insegurança. Então eu ia tranquilo pro treinamento, voltava, pegava
meu dinheiro com a minha mãe ou com meu avô e ia para os treinamentos. Nunca tive
nenhum problema com minha família. Ao contrário, meu avô me apoiava, meu avô ia
sempre aos jogos, aos treinos não, mas aos jogos. Eu também nunca fui muito de
comentar o que estava acontecendo. Eu fui muito de resolver os meus problemas
sozinho.
D. A. – Seus pais faziam o que? Trabalhavam com o quê?
E. N. – Minha mãe era separada. Eu morava com meu tio, com meu avô e com
minha mãe, e meus dois irmãos, e praticamente fui criado pela minha mãe e pelo meu
avô.
D. A. – Você frequentava escola ali na região?
E. N. – Frequentava escola, sempre frequentei escola, Anglo Copacabana na
época, minha mãe fazia muito sacrifício para pagar, e chegou uma hora que eu tive que
adaptar a escola ao meu horário de treino. Porque os treinos eram na parte da noite,
então era mais fácil de estudar, eu estudava na parte da manhã. Aí as coisas foram
ficando mais sérias, o treino passou para parte da tarde e eu tive que começar a estudar à
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noite. Mais a frente o Fluminense começou a pagar a escola também, e a escola era na
parte da noite. Então eu treinava na parte da manhã ou na parte da tarde, ou os dois
períodos, e frequentava a escola na parte de noite.
C. S. – Como é que foi a sua passagem, inicialmente, de meio campo para a zaga?
Como é que se deu?
E. N. – Na verdade eu não era meio de campo, eu era atacante.
C. S. – Você se declarou? [risos]
E. N. – Não, eu era atacante, atacante mesmo. Mas eu era muito versátil, aí jogava
também no meio de campo. Especificamente nesse momento do treinamento, eu pedi,
eu levantei o dedo no meio de campo, não sei nem por quê, porque eu era mais atacante,
e fui aprovado no meio de campo e fique no meio de campo. Coisa que também gostava
de jogar e sabia jogar. O processo para a defesa foi numa dessas seletivas...
Antigamente tinha muitos jogos entre seleções regionais. E tinha um torneio em São
Paulo, onde o treinador, que era treinador do Fluminense, era meu treinador, ele
escolheu a seleção, ele era treinador da seleção. E tinha a seleção A e a seleção B, e eu
estava na seleção B, e ele me colocou como zagueiro porque, como ele gostava muito
de mim e me conhecia, e era em São Paulo esse torneio, em São Paulo tinha algumas
premiações: melhor jogador, segundo e terceiro melhor jogador, e dava mais, esses
prêmios quem recebia mais eram os zagueiros. Então ele me colocou de zagueiro
pensando que eu fosse ganhar, realmente, o prêmio, e eu ganhei como terceiro lugar;
ganhei até uma bicicleta na época. E eu joguei muito bem, e no retorno eu passei logo
para outra categoria. E eu, naquela empolgação de posição nova e tal, fui ficando, fui
ficando... E eu não me lembro o momento que eu, realmente, me efetivei
definitivamente. Mas eu fui deixando e quando vi não dava mais para voltar.
C. S. – Quando você sobe para o profissional, você já está como zagueiro?
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E. N. – Não, no juvenil já era zagueiro. Antigamente não tinha juniores, era
juvenil. “Dente de leite”, infantil, juvenil e profissional.
C. S. – Com 18 você sobe, não é?
E. N. – Com 18 anos eu subi, eu subi profissional, mas também joguei ainda nas
categorias de base. Treinava em cima e jogava em baixo, de vez em quando. Frequentei
muito tempo a Seleção Brasileira olímpica. Não podia me profissionalizar, porque só
podia jogar amadores. Então eu tinha um contrato já assinado de gaveta, mas não
poderia ser registrado porque a CBF1, CBD2 na época, teria que me usar ainda para
esses jogos.
C. S. – Você foi Pan-americano, jogos Pan-americanos, campeão...
E. N. – Fui Pan-americano...
C. S. – Pré-olímpico também?
E. N. – É... Pan-americano, pré-olímpico e Olimpíada nós tiramos quarto lugar.
D. A. – Foi a sua primeira experiência de jogar no exterior ou pelo Fluminense
você já tinha jogado?
E. N. – Não, Fluminense eu já tinha ido, eu fui uma vez. Foi até um fato muito
engraçado, que na minha... Eu nunca nem revelei, mas não é nenhum problema. Na
minha certidão era cinco de junho e eu nasci, realmente, cinco de março. Eram dois
meses, se me perguntar por quê, na verdade eu acho estranho, mas depois que eu
comecei a me entender, ou entender essa situação, eu nunca questionei, nunca perguntei
aos meus pais, a minha mãe principalmente, porquê essa situação. Então eu imagino
certas coisas, mas na verdade eu nunca questionei, nunca perguntei. E teve um torneio
1 Confederação Brasileira de Futebol 2 Confederação Brasileira de Desportos
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que só poderia ir jogadores nascidos de junho em diante. E eu, na certidão estava em
junho, cinco de junho, mas eu comemorava o aniversario em cinco de março, e cinco de
junho passava despercebido. Então, quando eu cheguei em Paris...foi até em Paris, foi o
inicio, nós descemos em Paris cinco de junho, então todo mundo começou a bater
parabéns pra mim e eu bati também sem saber [risos]. Ai quando eu vi, era pra mim. Eu
falei: “Poxa, eu tenho que mudar. Tenho que começar agora a ficar atento a essa data...”
C. S. – Comemorar no dia cinco de junho...
E. N. – É. Ai eu esquecia cinco de março, ou comemorava as duas datas, até meus
amigos brincam comigo. E passei a efetivar e ficar mais atento em cinco de junho.
C. S. – E essa... Voltando a pergunta da Daniela, você via muita diferença entre o
ambiente do futebol, você muito novo, o ambiente do futebol fora do Brasil e no Brasil?
Assim, campo...
E. N. – Não, na época já se notava. Nós treinávamos no Fluminense, só tinha
grama nos corners, o resto tudo era...
C. S. – E todas as categorias treinavam no mesmo campo?
E. N. – Todas as categorias treinavam no mesmo campo. Todas as categorias. E o
profissional também, nas Laranjeiras, o profissional também. Então, era “dente de
leite”, treinava às quartas-feiras, no outro dia, não sei agora, acho que era sábado,
profissional treinava todo dia, talvez de manhã e à tarde, ou mais de manhã, juvenil e
infantil. Todos no mesmo campo.
C. S. – E o Fluminense ainda jogava partidas oficiais no...
E. N. – Não, oficiais algumas vezes, só quando o campo estava muito bom, no
começo da temporada. Mas o campo lá era horroroso, era terra, pura terra. Ai, quando se
jogava fora era uma delicia, porque os gramados te proporcionavam um futebol melhor.
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D. A. – E isso de jogar com outro coletivo que não do Fluminense, jogar com a
Seleção como é que foi o encontro com outros jogadores? Você já conhecia as pessoas?
E. N. – Da seleção? Da seleção é um processo natural, que você vai jogando no
seu clube e você vai almejando sempre participar de uma seleção. Então, eu comecei a
participar acho que com 18 anos da seleção, Pan-americano, e foi um processo natural.
Porque dali, da seleção olímpica você vai sendo visto pela seleção principal e, ai,
acontece...
C. S. – O treinador, também, subiu. Foi o Coutinho, não é?
E. N. – O Coutinho foi... O Coutinho já era... Já tinha participado em 70, da Copa
do Mundo...
C. S. – Preparação física?
E. N. – Preparação física. Então, ele tinha o contato com o profissional. E ele era,
em principio, ele era o gerente, a pessoa que ficava observando a Seleção. E,
consequentemente, depois que nós fomos para a Olimpíada, ele assumiu como
treinador, porque o nosso Zizinho, o treinador Zizinho, saiu, foi demitido, agora não
estou lembrado, ele pediu para sair, ou deu algum problema, e veio a ser efetivado
capitão Claudio Coutinho, que logo em sequência veio a ser treinador da Copa do
Mundo de 78.
C. S. – Antes de nós falarmos da Copa de 78, eu queria recuperar com você um
período, que é um período muito marcante da sua trajetória e da trajetória do
Fluminense, que é a construção da “máquina”, da “máquina tricolor”. Você é uma
presença constante nas diferentes formações que o Horta3 contratava, demitia, e tal.
Como é que você viu essa experiência?
3 Francisco Luiz Cavalcanti da Cunha Horta.
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E. N. – Eu vi, eu participei de tudo, eu vi tudo muito de perto e isso foi muito
importante para mim, particularm ente, porque eu era muito jovem vendo os jogadores
consagrados, aquilo ali era uma coisa excepcional para um jovem. Então tinham muitos
jogadores que ele contratou e aquilo foi excepcional, aquilo movimentou o futebol,
principalmente o futebol do Rio de Janeiro, que estava meio que parado. Então ele saiu
fazendo trocas e contratando jogadores. Então, foi um período forte do Fluminense,
onde eu tive a honra e a oportunidade de ter participado, que aquilo ali meu deu muita
experiência ao longo da minha carreira.
D. A. – E como é que era, por exemplo, o relacionamento com o clube, com o
Fluminense? Você começou lá muito jovem, você tinha acesso fácil à diretoria, os
jogadores tinham algum tipo de participação? Como é que era?
E. N. – Não. Antigamente, não tinha. O acesso à diretoria era muito... Para você
ter uma ideia, no Fluminense jogador ainda tinha que entrar pela porta dos fundos.
Então o presidente andava de terno e gravata, o presidente ficava na salinha dele lá em
cima, você nem via o presidente. E o contato com a diretoria era muito..., com o vice-
presidente era muito..., era pouco. Eu não lembro de, na época, de ter tido contato com...
Eu tive um pouco de contato com o presidente Horta, porque assinei o contrato com ele,
o tal contrato de gaveta. E ele, consequentemente, o Horta foi a pessoa que mudou um
pouquinho essa distância que tinha entre a presidência e os jogadores, ele se aproximou
mais dos jogadores. E foi ele que vendeu ou deu o passe, ou liberou o jogador, o Assis,
que era nosso quarto zagueiro, que era o melhor jogador... Melhor joga dor não, mas o
jogador líder da nossa equipe, era o capitão, jogador muito reconhecido pelo grupo, e eu
era da posição dele. Era jovem e estava vindo e querendo espaço, abrindo espaço. E foi
que o Horta vendeu esse jogador, porque ele teve um telefonema, uma conversa com o
pessoal da Seleção dizendo que se não me colocasse de titular, isso dito por ele, pelo
Horta, se não me colocasse de titular a Seleção iria me convocar mesmo na reserva e
que ia ficar uma situação chata para todo mundo e chata para o Fluminense. Como é que
o teu jogador serve para a seleção e não serve para o teu clube?! Então ele resolveu,
com esse telefonema, ele resolveu vender ou emprestar ou dar um prêmio para o Assis e
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negociou o jogador lá para o Norte. Ai eu assumi a titularidade e tive essa participação
na “máquina”.
C. S. – Pintinho é da tua geração, não é?
E. N. – Pintinho é da geração um pouquinho mais à frente.
C. S. – Mais velho?
E. N. – Mais velho, Pintinho é mais velho. Pintinho subiu antes de mim; o Cleber
também, falecido Cleber, subiu antes de mim. Na época, naquela época era muito difícil
um jogador subindo das categorias de base se efetivar na profissional era muito difícil
isso, ainda mais no Fluminense, apesar do Fluminense, na época, era a melhor categoria
de base que tinha no Brasil.
D. A. – Outros colegas que entraram com você nas categorias de base também...
Como é que era? Você teve uma trajetória no clube muito...
C. S. – Duradoura, não é?
D. A. – É, e orgânica, desde muito pequeno. Além de você, teve outros colegas
que chegou até o juvenil ou...?
E. N. – No juvenil?
D. A. – É, ou que conseguiu subir do juvenil para o profissional?
E. N. – Não, muitos subiram, até porque o Fluminense sempre teve uma categoria
de base muito forte. Mas poucos deram continuidade no clube como eu dei. Poucos
fizeram isso. Pintinho ficou muito tempo no profissional do Fluminense, mas depois
saiu e foi para o Vasco da Gama; Cleber; o Abel, a geração do Pintinho... e também não
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conseguiu se efetivar como titular do Fluminense; Nielsen. Tem vários jogadores, mas
nenhum conseguiu se efetivar, ficar muito tempo como eu fiquei.
D. A. – E você continuou vivendo perto das Laranjeiras e jogando futebol na
praia? Como era a sua rotina?
E. N. – Não, depois que você vira profissional, ai você é profissional. Você não
pode ficar brincando como amador mais, porque você não é amador...
C. S. – Não deve [risos]
E. N. – E não deve. Além de, antigamente tinha um rigor maior, mais forte.
Porque, antigamente, você tinha o passe preso ao clube, qualquer coisa que acontecesse
a você o clube que sairia prejudicado. Hoje não, hoje você está preso a um clube através
de um contrato, se você se machucar rescindi o contrato e você vai embora. Você é que
sofre. Antigamente não, antigamente tinha algumas restrições que o atleta não poderia
fazer e uma delas era essa: jogar bola, “pelada”, essas coisas que se fazia muito pouco.
Eu gostava muito de jogar “pelada”, mas depois que eu virei profissional, eu fui
perdendo o gosto, porque eu já fazia aquilo todo dia profissionalmente, era preparado
para aquilo. Eu ia jogar bola com pessoas que não eram preparadas? Quer dizer, eles
não iam se divertir. Eu ia me divertir mais do que eles. [risos]
C. S. – Edinho, eu queria começar a falar com você sobre a Copa de 78. Você já
tinha uma expectativa de ser convocado, não é?
E. N. – A expectativa era essa que eu falei. O Claudio Coutinho já tinha preparado
que eu ia ser convocado...
C. S. – Informa o Horta...
E. N. – É, já tinha mais ou menos uma informação.
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C. S. – Muitas pessoas, elas falam muito sobre a ambiência da Copa de 70, não é?
Agora, nós temos que lembrar assim, 78 o Coutinho era um militar, estava com o Geisel
na presidência, inclusive, recentemente a gente estava fazendo uma seleção de imagens
e tal e a despedida da Seleção no Brasil foi uma sessão solene com o Geisel, vocês tiram
uma foto todos impecavelmente vestidos, quase que perfilados em ordenamento
militar...
E. N. – Se eu não me engano era um terno verde, se eu não me engano...
C. S. – A foto era preta e branca, mas era um terno escuro. [risos] E vocês vão
disputar uma Copa do Mundo muito controversa, em um país em que tinha uma
repressão violentíssima, em que os principais jogadores da Holanda se recusaram a
viajar a Argentina. Isso chegava aos jogadores?
E. N. – Não. Nesse período eu tinha pouca noção das coisas. Não era que eu era
um alienado, mas eu era muito focado e não via... Essas informações chegavam pouco a
gente, ainda mais naquele período. E eu comecei mesmo a me preocupar..., preocupar
não é a palavra, a ver realmente o problema que era na Argentina, quando a gente vê
aquelas manifestações, e a pior delas foi o próprio jogo do...
C. S. – De Rosário?
E. N. – É, do...
C. S. – Ah! Depois do jogo da Argentina...
E. N. – Da Argentina com o Brasil, que o Brasil...
C. S. – O de Rosário, que foi zero a zero...
E. N. – Que foi zero a zero...
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C. S. – Que foi uma patada...
E. N. – Ali sim, aquela ali eu acho que não só nós jogadores, mas como a
diretoria, o treinador, não sabia, não tinha noção do que poderia acontecer, do que
estava acontecendo...
C. S. – Da pressão?
E. N. – Tanto é que eu, vendo hoje, aquele jogo do Brasil e a Argentina, era um
jogo para o Brasil ganhar, era um jogo decisivo e não foi tratado como decisão. Ou seja,
nós tínhamos que ganhar aquele jogo, porque poderia acontecer isso. Então ninguém
imaginou, ninguém teve a maldade ou a experiência de entender que isso poderia
acontecer. Aquele jogo era um jogo para a gente ganhar, nós tínhamos time pra ganhar,
jogamos bem. Mas na cabeça da gente o resultado de zero a zero estava bom. Não foi
assim uma coisa que nós saímos tristes, porque se preparou: “Oh, temos que ganhar de
qualquer maneira”...
C. S. – Decisão antecipada...
E. N. – Ninguém preparou os jogadores para essa decisão que, realmente, era
decisão, a gente vendo hoje, era uma decisão antecipada, onde o Brasil tinha que ganhar
o jogo e poderia ter ganho aquele jogo ,se jogasse de maneira diferente.
C. S. – Ai a Argentina vai e muda o horário do jogo...
E. N. – Ai muda o horário do jogo, a mesma coisa. Nós não tínhamos noção,
porque se imagina que você tem alguém à frente cuidando disso e se preocupando com
as coisas que podem acontecer. O jogador está ali para jogar futebol, se ficar
preocupado com isso também você inverte tudo.
C. S. – É uma Copa toda controversa, você jogou como titular a primeira partida
com a Suécia, no final daquela partida tem aquele gol de corner...
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E. N. – É.
C. S. – Que foi anulado de uma forma estranha. Vocês achavam todos esses
indícios, não é? Que tinha alguma coisa estranha acontecendo...
E. N. – É, mas eu volto a falar, quem deveria estar prestando atenção nisso era a
comissão, a diretoria e as pessoas envolvidas, ainda mais pertinho aqui, na Argentina,
pertinho do Brasil. Aquele gol foi um absurdo. Nós jogamos em um campo em que a
grama saia, era prejudicial somente aos jogadores que tinham habilidade, como a gente.
Tanto é que jogamos o primeiro jogo contra a Suécia e empatamos o jogo de um a um,
depois jogamos contra a Espanha, empatamos também...
C. S. – Zero a zero...
E. N. – Zero a zero, e podíamos ter perdido o jogo. A equipe não jogou, não
conseguiu jogar porque a grama...
C. S. – Amaral tira a bola do campo... [dúvida 24:08]
E. N. – É. A grama não permitia, a grama saia. E no jogo seguinte saiu o Zico do
time, saiu Reinaldo e saiu eu do time também. Ganhamos o outro jogo contra a Áustria
por um a zero, gol do Roberto Dinamite, que tinha entrado no lugar do Reinaldo, e
assim continuou.
C. S. – Muito se fala da pressão do Heleno Nunes na escalação do Roberto.
E. N. – Deve ter tido pressão. Eu tenho as informações que escuto, que escutei
depois, e que escuto até hoje alguém falar alguma coisa assim. Eu acho que não é ruim
isso, é uma pressão natural, eu gostaria que o jogador fosse colocado, você cede se
quiser, ou não. Só que naquela época você poderia ser preso se não cedesse. [risos]
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C. S. – As consequências...
E. N. – As consequências é. Acho que um jogador ou outro... O Roberto era um
grande jogador. Só que ele não estava sendo convocado porque tinha Reinaldo, tinha
outros jogadores de qualidade também. Antigamente tinha muitos, antigamente você
tinha muitas opções de convocação.
C. S. – Eu me lembro que na época tinha um temor muito grande do Brasil ser
eliminado na primeira fase, que seria uma coisa, assim... Os dois primeiros jogos tinham
sido empate, o resultado negativo com a Áustria, a combinação de resultados...
E. N. – Se aquele gol, por exemplo, se aquela bola que o Amaral tirou, uma
percepção que ele teve contra a Espanha, nós não estaríamos classificados.
C. S. – Eu acho que ali seria, realmente, um grande desastre o Brasil...
E. N. – Com certeza.
C. S. – Para o Regime, inclusive.
E. N. – Para o Regime, para tudo. Agora, a Seleção Brasileira era uma grande
seleção, tanto é que nós saímos de lá invictos. Depois disseram que era campeão moral.
Eu nunca assumi esse campeão moral para mim. Mas, campeão moral...
C. S. – Eu me lembro que no dia seguinte, ao final da Copa, acho que foi O
Globo, publicou como se o campeonato fosse de ponto corrido, o Brasil teria chegado
em primeiro lugar. [risos]
E. N. – É, mas ai vira choro de perdedor. [risos]
C. S. – Se fosse ponto corrido o Brasil estava na frente tanto de Holanda quanto
de...
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E. N. – O regulamento não é assim e muitas às vezes se joga pelo regulamento.
Até você... Em jogos que você pode perder você utiliza outros jogadores para
experimentar e às vezes perde o jogo e no final você não tem o maior número de pontos.
Não quer dizer que você não seja o campeão, porque você aproveitou o momento em
que você poderia testar outros jogadores, ou não ganhar a partida, você aproveitou até
podendo perder e perdeu, e perdeu os pontos, e isso não justifica que você não seja o
campeão.
D. A. – Você acompanhava futebol para além da sua... Você assistia jogos da
Seleção, você prestava atenção no jeito do outros jogadores jogarem, você tinha...?
E. N. – Eu sempre fui ligado em futebol. Sempre fui. Eu sempre copiava, era
moleque, copiava alguns jogadores. Eu gostava muito do Gerson jogando, meio de
campo canhoto, até me ajudou a treinar, a trabalhar bastante a minha esquerda, porque
eu gostava muito de ver o Gerson jogar, botava o calção embaixo, chutava com a
esquerda. E depois, até como jogador profissional, infantil, juvenil também. Isso me
ajudou bastante, porque eu tinha as duas pernas, isso valorizava bastante quem tinha as
duas pernas. Até hoje.
C. S. – Edinho, a gente estava até comentando, em 80 o Fluminense não é mais a
“máquina”, não são mais aqueles medalhões, é uma garotada. Para muitos é o momento
do teu apogeu, o inicio da década de 80 é o seu apogeu físico e técnico. Você vai para a
Seleção, você participa dos amistosos, participa da eliminatória, por que o Telê te
segurou?
E. N. – Isso é pergunta que eu não sei te responder...
C. S. – Você não sentiu nada de diferente não?
E. N. – Acho que ninguém sabe responder. O que pode ter acontecido é que o
Telê era muito turrão, então ele tinha que escolher e fazia as opções que ele achasse que
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é melhor para ele, para ele e para a equipe. Na época se bateu muito na tecla que eu
tinha que ser titular, e como ele tinha chamado o próprio Luizinho, que conhecia que
Luizinho era um bom jogador e fez toda a preparação antes da Copa, foi um grande
jogador, ajudou muito bem. Só que a competição é muito curta, uma Copa do Mundo,
não é o time que inicia que é o time que vai terminar, porque alguns jogadores podem
sentir o momento da Copa e você não tem muito tempo para você pensar, você tem que
decidir rapidamente. E o Telê não decidiu. Não decidiu e não teve a percepção ou até
teve, mas como todo mundo ficava falando para ele não ceder, ele não me escalou, não
me colocou. Essa é a única explicação que eu possa ter.
C. S. – O ambiente era bom entre os jogadores?
E. N. – O ambiente era bom, o ambiente era muito bom, porque a gente ficou
muito tempo a...
C. S. – A preparação...?
E. N. – É, a preparação era um mês, um mês e meio viajando juntos, então a gente
se conhecia muito bem. Agora, só que na Copa do Mundo todo mundo quer jogar, são
22 jogadores e você, infelizmente, você quer jogar. Você está ali torcendo, mas você
quer jogar. Desde o momento em que você entenda que algum jogador não está jogando
e que você possa ter uma oportunidade, você quer buscar o seu espaço, você quer jogar,
você quer ajudar. Agora, você não precisa... Alguns questionam o treinador, alguns vão
para a imprensa, e outros treinam. E eu treinava, treinava e mostrava que estava muito
bem e todo mundo via isso. Era a pressão que eu fazia. Agora, ficar rindo, ficar...
Ninguém fazia isso, o pessoal torcia no jogo como tem que torcer. Agora, durante o
treinamento eu queria jogar, eu achava que era o meu momento, e era sério, ficava sério,
treinava sério e mostrando que eu não estava satisfeito, eu queria jogar. Mas estava
satisfeito de estar na Copa do Mundo.
D. A. – Como que você demonstrava essa insatisfação?
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E. N. – Isso, treinando e você mostrando com gestos que você não está
confortável naquela situação.
D. A. – Não tinha uma possibilidade... Não tinha dialogo...
E. N. – Diálogo com o Telê...
D. A. – Não tinha conversa? Como era assim?
E. N. – Diálogo com o Telê não tinha. Diálogo com o Telê era... Ele não dava
nem espaço...
D. A. – Ninguém tinha?
E. N. – Ele nem te olhava para não te dar oportunidade de você abrir a boca e
querer alguma coisa. Antigamente era muito normal isso, essa falta de diálogo e a gente
entendia muito bem isso. Agora, tinha que buscar, mostrar de alguma forma. Eu
mostrava treinando muito. Eu treinava muito e mostrava que estava muito bem, muito
em forma, muito bem preparado e deixava as pessoas observarem aquilo, fazia meio que
um bate e volta. Mandava essa informação para a imprensa treinando e tudo, e a
imprensa... Agora, nunca questionei, sempre me perguntaram tentando que eu falasse
alguma coisa... Nunca... Só falava que estava preparado, que se ele quisesse me usar, eu
estava preparado e ele sabia disso.
C. S. – Antes do jogo da Itália teve alguma preleção especifica sobre... Ai é
diferente, não é? Ai é diferente pelo seguinte: em 78 vocês tinham consciência de que
precisavam vencer a Argentina e houve uma postura mais blasée em relação a isso. Ali
em 82 se focou muito no jogo da Argentina, ganhou Argentina, vai jogar com a Itália.
Você acha que houve certo menosprezo pela Itália, você que estava ali no grupo e tal?
E. N. – Eu não joguei. Nesse dia, até por coincidência, eu não estava nem no
banco, porque no dia anterior... Depois de muito tempo eu fiquei até sabendo através do
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preparador físico, que o Telê iria me colocar naquele jogo, só que naquele jogo eu tinha
me machucado no dia anterior, porque eu treinei muito e no final do treino eu me
machuquei e nem fui para o banco nesse dia. Mas tinha uma euforia que tomava conta
não só do grupo - do grupo um pouquinho menos - mas de todo o ambiente que estava
em torno da Seleção. E a diretoria também, o presidente era o GiuliteCoutinho, se não
me engano. Eu sei que na hora da preleção, eu fui o primeiro a chegar na preleção e
encontrei o presidente todo empolgado, todo contente, dizendo: “Pô, Edinho, nós
conseguimos aqui premiação, se ganhar é isso mais aquilo e tal”. E eu falei: “Presidente,
eu acho que não é momento para falar isso agora, na preleção. Nós estamos
preocupados agora em ganhar o jogo. Não estamos preocupados com premiação, depois
se fala nisso, ou se fala dois dias antes”. Isso era a minha cultura no Fluminense. Eu fui
preparado para isso, para dia de jogo, dia de preleção, não se falar em dinheiro, não se
falar em premiação. Muitos adotam isso até hoje, não é aconselhável falar em dinheiro,
em premiação, no dia do jogo, porque uns podem receber bem e outros não. Logo em
seguida veio chegando o Junior e o Zico e eu falei: “Oh Zico, está acontecendo isso e
isso. O presidente quer anunciar, o que você acha? Eu acho que não.”. - “Não, não.
Tudo bem”. Porque no Flamengo era meio que..., não tinha esse problema.
C. S. – É meio Flamengo?
E. N. – É meio Flamengo. Eu falei: “Olha, eu não vou jogar, não vou nem ficar no
banco...”. [ pausa 34:17 – 34:49]. Onde foi que eu parei mesmo?
C. S. – Você estava falando que você conversou com o Zico...
E. N. – É. Ai conversei com o Zico e com o Junior, que foram os primeiros a
chegar também, e não se incomodaram e eu falei: “Eu não vou nem ficar no banco, não
estou para o jogo, está bom”. E assim foi feito. O presidente chegou e falou da escolha
da moto, e era carro, era alguma coisa que tinham conseguido com os patrocinadores, as
pessoas iam ajudar, que isso e que aquilo. E eu senti um ambiente diferente. Eu,
particularmente, senti, porque eu não costumo...O Fluminense não costumava comentar
de dinheiro em dia de jogo. Então, como eu falei com o Zico, eu fique prestando
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atenção. E, realmente, alguns jogadores não receberam como tinham que receber.
Naturalmente deixar o negócio, vamos para o jogo e tal. Ficaram pensando naquela
premiação antes de conquistar. E aconteceu o que aconteceu no jogo. Agora, se teve um
efeito contrário, isso eu não sei dizer, eu sei que isso é um fato que aconteceu. Agora, o
Brasil jogava para frente. Muitos dizem: “Ah, mas o Brasil buscou ganhar o jogo, por
isso tomou o gol”. O Brasil tomou o gol, o terceiro gol, tinham 11 jogadores na área do
Brasil, 11jogadores. As pessoas falam por falar.
C. S. – Do corner, não é?
E. N. – É, as pessoas falam por falar. O Brasil, naquele momento especifico que
tomou o gol, tinham 11 jogadores dentro da nossa área, do Brasil. Ou seja, o Brasil
estava retrancado naquele momento. Ou seja, era para perder, não tinha como ganhar
aquele jogo. Se nós fizéssemos o gol, eles iam lá e iam fazer outro. O Brasil jogou
muito bem. Depois de muito tempo eu tomei a coragem de rever a partida. O Brasil
jogou muito bem, só que era o dia, era a tarde da Itália.
C. S. – Isso realmente... Essa geração ficou com um peso...
E. N. – É. Uns dizem que não, eu fiquei. Eu me sinto um pouco frustrado, na
geração do Brasil, praticamente ai oito anos, dez anos na Seleção Brasileira em três
Copas do Mundo, você não trazer um titulo para o Brasil. E todas as Copas que nós
fomos, fomos tidos como favoritos. Setenta e oito também, 78 a gente não perdeu, 82
melhor Seleção, 86 era a Seleção de 82 um pouquinho mais experiente. Oitenta e seis
também aconteceu o que aconteceu. Eu carrego esse... Quer dizer, não é um peso, mas
uma...
C. S. – Frustração?
E. N. – Uma frustração. Frustração que não me incomoda em nada, mas é uma
coisa não muito confortável.
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C. S. – E posteriormente teve aquele episódio das placas de publicidade, não é?
E. N. – Esse problema da placa de publicidade até depois o Serginho e o Éder
ficaram muito chateados comigo, porque um repórter foi me entrevistar, eu estava em
Udine, na Itália, depois da Copa do Mundo eu fui para Udine, na Itália, jogar no
Udinese. Eu fiquei cinco anos lá. Ai, o repórter foi me entrevistar e ficou três dias lá em
Udine fazendo uma entrevista grande comigo. Recebi na minha casa, minha esposa saiu
para fazer compras com ele, que o neném dele estava para nascer. Ele ficou lá, me
enrolando, me entrevistando e tal. Era a Revista Placar. E em um determinado momento
no ônibus, que nós estávamos indo para um jogo amistoso, ele me perguntou: “E ai,
Edinho?! E aquele negócio das placas?”. Eu falei: “Olha só, eu não sei. O negócio das
placas eu não sei”. Porque eu ouvi depois de um certo jogador que esse problema das
placas, tinham procurado ele. Depois da Copa do Mundo eu tinha ouvido isso, que
alguém tinha procurado ele e ele não aceitou, e que ele achava que alguém tinha
aceitado receber o dinheiro. Ponto e acabou. Ai, eu lá em Udine, quando vejo, saiu aqui
na revista, não sei quantas páginas, três dias de uma pergunta só, saiu como se eu
tivesse dito isso.
C. S. – Inclusive falado quem era, não é?
E. N. – Falado quem era. Ele falou na época...
C. S. – Ele tinha essa informação?
E. N. – Ele falou... Ele tinha a informação, mas não tinha...
C. S. – Mas não queria colocar a fonte?
E. N. – Mas não tinha a pessoa. E a fonte, ele... Serginho e o Éder ficaram muito
chateados comigo, e com razão, depois eu até tentei me desculpar, não aceitaram. Tudo
bem, eu tenho a minha consciência tranquila. Claro que as pessoas, na época, até os
próprios jogadores, o próprio ambiente, não é? Porque a informação que você bota no
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jornal, você não sabe até onde ela vai repercutir. Depois uma desculpa, também, você
vai muito mais perto do que a informação foi, então você não consegue. Mas eu tenho a
consciência tranquila. Eu nunca soube essa informação, e vendo os jogos dá para sentir
isso. Dizem até que teve uma época, um gol que o Zico chutou contra a Argentina,
bateu a falta, que a bola não entrou e que o Zico saiu para um lado e o pessoal saiu para
o outro. Eu, sinceramente, eu não consigo entender dessa maneira. Não consigo
entender que o jogador antes de fazer um gol, que tivesse preparado para ir para uma,
que ele possa se desconcentrar em uma Copa do Mundo, porque ele vai pensar... Eu não
consigo entender dessa maneira.
D. A. – Mas você pegou, na sua carreira, marcou esse período de mudança,
principalmente dessa coisa de os patrocinadores entrarem nas camisas, foi um pouco
nos anos 80 que isso fica mais forte, não é? Você, como jogador, recebia proposta de
empresa, você chegava a receber algum tipo de proposta para você fazer, agir de alguma
forma ou agir de outra ou como é que era isso? Como é que era na sua vida de jogador
esse relacionamento para além do...
E. N. – Especificamente no jogo ou fora...
D. A. – Pode ser no clube...
C. S. – Ações de marketing em geral.
D. A. – Ações de marketing em geral, participar de eventos, como é que era isso?
E. N. – Na época a gente participou de pouco... O [Inaudível – 41:32], o
patrocinador entrou pouco, entrava mais na Seleção Brasileira, alguma coisa assim. No
clube entrava muito pouco, o que tinha mais era marketing de material esportivo, que
nós jogadores, nós tínhamos contratos com as marcas de material esportivo,
principalmente para chuteira. Todo jogador tinha, mais jogador da Seleção Brasileira.
Hoje em dia não, as coisas já estão [Inaudível – 41:58], mais direto, mais forte e outros
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também. Todos os jogadores, praticamente, tem patrocínio com material esportivo. Na
época era mais material esportivo. Chuteira.
D. A. – Como é que era a recepção disso? Porque foi o começo um pouco do que
hoje a gente vê, o salário do jogador grande parte é paga pelo patrocinador.
E. N. – Nós não participamos. Foi o começo sim disso ai, ainda mais de Seleção
Brasileira. Você era patrocinado por chuteiras, principalmente, marcas de material
esportivo que queriam só usar a tua imagem na chuteira. E eu não peguei..., talvez eu
tenha pego um pouco lá na Itália de publicidade na camisa e eu fiz publicidade,
também, na Itália. Aqui no Brasil eu não fiz, eu como jogador não cheguei a fazer
nenhuma publicidade de algum patrocinador.
C. S. – Edinho, você já estava negociado antes da Copa?
E. N. – Estava “apalavrado”. “Apalavrado” e fechei negócio durante a Copa,
efetivou e depois da Copa eu nem cheguei a voltar para o Fluminense e já fui direto para
Udine.
C. S. – Nós já entrevistamos alguns jogadores em fases diferentes, por exemplo, o
Índio na década de 40, o Amarildo na década de 60, falando um pouco da dificuldade de
adaptação na Itália por alguns aspectos: clima, e Udine é uma cidade muito fria, e
segundo por conta das rivalidades locais que tornava os jogos muito intensos, muita
pressão nos jogos. Você sentiu isso na sua entrada no Campeonato Italiano, ou o
ambiente era outro?
E. N. – Comigo eu não senti, mas eu vi muitas pessoas sentindo isso. Não a
pressão do jogo, do campeonato, dos jogos, principalmente, das rivalidades, porque
você é preparado para isso...
C. S. – Maracanã cheio....
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E. N. – Você vive nesse ambiente de pressão, de rivalidade e de ter que ganhar as
partidas. Então eu não acredito que algum jogador possa sentir esse tipo de situação.
Agora, eu vejo sim, vi muitos, e até hoje existe, jogadores que não se preparam para ir
para fora. Você indo para fora é tudo diferente, você não vai ter teus amigos, você vai
ter a língua que você vai ter dificuldade de falar, você vai ter um ambiente que você vai
ter que rever teus conceitos, a cultura local, você tem que tentar se adaptar rapidamente.
Se você chega para morar no estrangeiro e que viver como Brasil, claramente você vai
ter problemas, você não vai conseguir se adaptar. Não vai ter adaptação, você vai ficar
triste, vai ficar solitário e vai querer voltar rapidamente. Então, eu já fui com essa
intenção, eu sempre quis jogar fora. Quando eu cheguei na Itália, a primeira coisa que
eu fui, foi tentar me adaptar ou tentar me enxergar como um jogador local, como uma
pessoa local. O que eles fazem eu tenho que fazer também, eu não posso fazer diferente.
E foi assim que foi feito. Eu levei, até engraçado que eu era muito garoto, era garoto de
Copacabana, Fluminense, ídolo, era muito na moda, então eu preparei a minha roupa,
minhas malas todas para ir para Udine, para a Itália. Chegando lá eu comecei a me
vestir como eu me vestia aqui. Ai eu comecei logo amizade com um jogador e comecei
logo a perguntar... Ai, falou: “Aqui, ninguém se veste assim não”. Eu usei a minha
roupa, o meu baú, as minhas roupas, lógico que eu não cheguei usar todas, uma semana
só. Depois eu fechei tudo e comprei tudo lá e comecei a me vestir como eles, eles
tinham que me ver como um deles...
C. S. – Para se integrar...
E. N. – Primeiro ano foi muito difícil o italiano, porque você fala muito errado,
você vai aprendendo e começa a falar “nós vai e nós fica” e tal. O segundo ano eu falei:
“Não, eles vão exigir mais de mim e eu também, eu não posso mais falar errado”. Ai eu
comecei a estudar italiano, estudei italiano para falar bem e comecei a falar melhor do
que eu falava e escrever também e ler. Nas viagens que eu fazia, eles me viam como
jogador, como uma pessoa integrada no ambiente. E isso é importante, eu acho.
D. A. – Você falou que sempre quis jogar fora. Por quê? O que te motivava?
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E. N. – Porque eu achava que o meu futebol era um futebol que poderia se dar
bem muito lá fora. Era um futebol mais europeu, que usava parte física, a força física e a
técnica. E eu tinha isso tudo.
D. A. – Você já acompanhava, esse momento?
E. N. – Já acompanhava. Na época, eu tive uma proposta para a França de um
milhão de dólares, na época, o Fluminense não quis me vender. Foi quando eu renovei o
meu contrato, como o Fluminense não tinha dinheiro para me pagar, aquilo que eu
achava que eu merecia, eu falei: “Tudo bem, se não tem como me pagar, vamos assinar
um documento com o fim do contrato. Eu não recebo o que eu acho que mereço agora, e
vocês não têm para pagar, e no final vocês me liberam por 500 mil dólares, na época”.
Ai foi assinado e tal, foi isso que depois, estava terminando o meu contrato, ai que eu
tratei com a Udinese diretamente.
D. A. – E era diretamente você que tratava com o clube?
E. N. – É.
D. A. – Não tinha alguém que te ajudava?
E. N. – Não.
C. S. – Não tinha uma procuradora?
E. N. – Não. Tinha só o meu ex-sogro, que intermediava isso, ele era advogado
também, e ficava mais fácil, porque não se envolvia certas coisas. Na época não tinha
muito esse hábito de se envolver com isso.
D. A. –E você foi para a Itália com a sua família?
E. N. – Isso.
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D. A. – Você era casado?
E. N. – Era casado.
D. A. – E tinha filhos?
E. N. – Tinha um filho, na época.
D. A. – E foi a família toda para lá?
E. N. – Ai foi todo mundo para lá.
C. S. – Como é que foi conviver com o Zico lá? Porque o Zico chega com um
status assim de jogador...
E. N. – O Zico veio com um status, a cidade era pequena para o Zico, para o
futebol do Zico. O Zico foi excepcional, jogou muito bem.
C. S. – Artilheiro do campeonato.
E. N. – O Zico é uma pessoa muito simples. A gente era amigos aqui,
praticamente fui eu que indiquei... Indiquei?! Eu que fiz ver ao clube que o Zico poderia
jogar em Udine. - “Mas como é que o Zico vai jogar em Udine?!” – “Ué, faz a proposta
para ele, conversa com ele”. Ai vieram aqui e fizeram a proposta e ele foi contratado.
C. S. – A minha avó sempre falava para não andar em má companhia, pois é...
[risos] Acaba seguindo. [risos]
E. N. – O Zico é gente boa demais.
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C. S. – É, mas depois foi passar um tempo lá na Gávea... [risos]. Você foi
seguindo...
E. N. – Eu levei ele para Udine e depois ele me trouxe para a Gávea...
D. A. – E como era é que era... Bom, nessa época o futebol do Brasil já tinha
muito renome fora da Seleção e tal. Como era a recepção dos italianos para além desse
futebol brasileiro, de ter um craque da Seleção... Tinha isso ou não tinha essa...?
E. N. – Nesse período que nós estamos conversando não. Porque a Itália foi um
país que foi campeão. Então...
D. A. – Mas tinha um reconhecimento?
E. N. – Tinha um reconhecimento, claro. Mas o italiano, ele se considera muito
melhor em tudo. É dificilmente que eles vão dizer que o Brasil é melhor. É normal lá.
Itália é um país maravilhoso, as pessoas, os italianos são... Adoro aquilo lá, adoro
italiano, adoro a Itália. E também acho que o futebol da Itália é muito bom. Agora, o
Brasil é cinco vezes campeão do mundo. Itália na época era três, são três agora não é?
C. S. – Era, 72...
D. A. – É, foi o tri. E você falou que achava que o seu jogo era um jogo europeu.
Você tinha algum ídolo no exterior, você acompanhava...?
E. N. – Não. Eu acho que eu tinha um que era o Krol4 na época ele era um libero,
um libero holandês, eu gostava muito de vê-lo jogar. E depois até ele foi... ele já estava
lá no Nápoles também, na Itália. Gostava muito de vê-lo jogar. E eu me inspirei um
pouco nele também, não era muito mais velho que eu, mas gostava de vê-lo jogar.
D. A. – E no Brasil, de gerações anteriores a sua, você tinha algum...? 4 Ruud Krol.
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E. N. – Era essa, o Gerson.
D. A. – Gerson.
E. N. – Eu gostava do Gerson.
D. A. – Da sua posição?
E. N. – Da minha posição, não. [risos]. Porque eu olhava para frente, sabe, eu
nunca fui zagueiro. Eu era um zagueiro que não olhava para zagueiro, olhava para
frente.
C. S. – Armava, não é?
E. N. – É. Eu gostava de me inspirar em outras pessoas, de meio de campo,
atacante. Porque no fundo, no fundo eu era atacante, sempre fui atacante. Eu pensava
como atacante e jogava como defensor. E isso me facilitou.
C. S. – Um zagueiro, zagueiro não faz aquele gol de 86.
E. N. – É.
C. S. – Não faz. [risos]
E. N. – Isso. Quer dizer, isso era mais fácil para mim, porque eu era zagueiro com
a cabeça de atacante. Então sabia, eu poderia imaginar o que o atacante estava pensando
em fazer.
C. S. – Quando o Careca prende aquela bola ninguém podia imaginar que o
Edinho fosse aparecer nas costas dele.
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E. N. – É. E era importante, eu como zagueiro tendo o Careca ali, sabendo o que o
zagueiro estava imaginando e eu passando: “Pô, lá vem essa cara aqui. Agora me
confundiu”. E foi o que aconteceu.
C. S. – Marca ou não marca, não é?
E. N. – É, marca, o que eu faço agora?
C. S. – Você só driblou ele... [risos]
E. N. – Não, eu fui só como opção para o Careca, dificultar o defensor. O Careca
já não sabia mais o que fazer com a bola, já tinha se perdido ali. Então ele preparou para
eu passar, quando eu passei, ele deu de calcanhar...
C. S. – Você vai e dribla...
E. N. – Ai eu ameacei chutar e cortei. Sabendo que o zagueiro ia no meu... Se
fosse eu zagueiro, eu não iria entrar naquele drible.
C. S. – Ia dar uma bicuda ali...
E. N. – Não, eu não iria entrar naquele drible, porque eu poderia imaginar,
também, que o atacante ou alguém que fosse, pudesse cortar. Que foi o que eu fiz., eu
ameacei chutar e cortei.
C. S. – Desculpa ter antecipado essa discussão já chegando a 86...
E. N. – Não, tranquilo.
C. S. – Mas uma das coisas que eu me lembro que eu li na Crônica Esportiva,
depois desse jogo do Brasil com a Polônia, dizia assim: “Um jogador veterano, Edinho,
tem o tipo de vibração que ele teve quando marcou um gol”. Mostrava a tua...
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E. N. – É. Eu tinha 32 anos na época, foi em 86, tinha feito 32 anos. É porque, na
verdade, eu sempre fui amador; profissional, mas com espírito amador. Todo mundo
dizia isso. No Fluminense, cansei de jogar, pós a “máquina”, cansei de jogar sem
receber salário, deixando os garotos receberem salário antes. O meu negócio era jogar.
Eu não iria deixar de jogar uma partida, porque eu não recebi um salário, porque não
recebi uma premiação, jamais iria fazer um negócio desses, jamais fiz isso. Até jogar
machucado, joguei várias vezes machucado, muitas vezes. Até me prejudiquei, teve até
sequelas depois, por causa de muitas contusões que eu tive de tornozelo e torção e
joguei assim mesmo. Então eu sempre vibrava, eu sempre gostei de jogar, ainda mais
em uma Seleção Brasileira, em uma Copa do Mundo, e sendo capitão e fazendo gol.
C. S. – Alguma coisa antes de a gente começar na Copa?
D. A. – Não, pode...
C. S. – A mesma imprensa que vai elogiar; você sabe como é que é...
E. N. – Claro...
C. S. – A imprensa à época reagiu muito mal ao fato da grande maioria dos
jogadores convocados estarem jogando no exterior, não é? Tinha um debate ali e tal.
Inclusive na convocação, me lembro perfeitamente, ninguém falava do Coutinho. Era
Confederação Brasileira de Futebol; Edinho, Confederação Brasileira de Futebol;
Junior, Confederação Brasileira de Futebol... E a imprensa falou: “Olha, nós temos
talentos aqui, não precisamos recorrer a esses caras, vendidos, que vão para fora.
E. N. – Não tinha essa cultura na época.
C. S. – Como é que você retornou a esse grupo? Telê, alguns dos seus
companheiros de 82... Como é que vocês se repactuaram ali para uma nova Copa do
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Mundo? Ai já com condições físicas, alguns jogadores com condições físicas em
decadência como o caso do Zico, o próprio caso do Sócrates...
E. N. – Isso ai eu não tenho noção. Talvez, a única explicação é que quando o
Telê voltou para a Seleção, eu já tinha sido convocado antes pelo Evaristo de Macedo,
só que não chegou a me chamar porque ele saiu antes da Seleção. Talvez, porque
quando o Telê voltou, ele entendeu que a melhor Seleção do Mundo, considerada a de
82, poderia ser a mesma de 86 e ganhar a Copa do Mundo. Acho que a única
explicação que tem, acho que é essa. Ele chamou os mesmos jogadores, um jogador a
mais que ele chamou ali, e alguns outros, claro, Miller, o Silas, ele quis levar a base. Foi
o...
E.N. – Ele quis levar a base...
C. S. – Julio Cesar, Branco...?
E. N. – Não, foi o - meu Deus do céu - o Leão. O Leão ele não levou. Acho que a
maior incoerência do Telê, no meu modo de ver, foi ter levado o Leão. Não que ele não
merecesse, já merecia ter ido lá em 82; ele não foi em 82, e passam quatro anos, ele está
bem mais.... Ele é uma geração bem acima da gente. E leva o Leão para ser o terceiro
reserva em 86. Eu não vi muita coerência em levar um jogador experiente, como o
Leão, para já ter participado de duas Copas do Mundo, e levar como reserva, terceiro
reserva. É criar um desconforto desnecessário. Ou o Leão iria como titular ou não iria.
Acho que ele tinha condições de ser titular.
C. S. – Jogadores experientes já, não precisava dizer que o cara... [Inaudível –
56:58].
E. N. – Claro. Essa foi a única incoerência mesmo que eu achei. Agora, esse
problema de jogar fora ou não, o Brasil não tinha essa cultura de convocar jogador de
fora e nem precisava também. A única explicação que eu posso dar é essa: o Telê, como
treinador, como foi a de 82, tida como a melhor Seleção do Mundo, ele quis levar os
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mesmos jogadores, pelo menos a base. E consertar, de repente, o erro que ele teria
cometido em 82 de não ter me colocado como titular.
C. S. – É e te coloca como capitão.
E. N. – Me coloca como capitão.
C. S. – O ambiente da Seleção era bom?
E. N. – O ambiente da Seleção sempre é bom, só que, às vezes... São 22
jogadores, antes de uma Copa do Mundo o ambiente sempre é bom, porque os
jogadores querem estar na lista de convocação da Copa do Mundo. Depois que você tem
aquela lista de convocação da Copa do Mundo, você já está na Copa do Mundo. Então
você começa a reivindicar, você começa a tirar as suas asinhas de fora, botar as asinhas
de fora, começa a querer buscar a titularidade, todo mundo está ali querendo ser titular.
É um ambiente normal e natural isso. É ambiente bom, mas todo mundo quer jogar. Eu,
por exemplo, eu como reserva nunca fui amigo dos zagueiros, porque eu achava que não
seria legal da minha parte lutar pela posição deles e ser amigo deles. Não que não eram
boas pessoas, claro que eram. Mas eu queria mostrar que estava lutando mesmo pela
posição, queria tira-los do time desde o momento que eu merecesse entrar, não por
machucado e nem nada. Não só a minha situação, mas de outros também. Então eu não
posso ser amigo do zagueiro se eu quero a posição dele. Agora, claro que tem que
torcer, torcer nos jogos tem que torcer.
D. A. – Agora na Seleção sempre teve figuras muito controversas, não é? O Leão
é um deles. O Leão é uma pessoa que se comenta que causava certa intriga e tal. Como
é que era, como é que foi em 86 com ele?
C. S. – Vamos só dar uma segurada na resposta para trocar o...
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[INTERRUPÇÃO DA GRAVAÇÃO]
D. A. – A gente estava falando do ambiente da Seleção, não é? E sempre teve
jogadores que traziam polêmica, pelo menos as polêmicas vazavam e iam para a
imprensa e tal. O Leão era uma pessoa bem polêmica e você participou do grupo de
vocês em 86. Como é que era? Ele era essa pessoa controversa, trazia inimizades?
E. N. – Em um ambiente de 22 jogadores, jogadores pensando diferente um do
outro, personalidade diferente, você tem que saber conviver com essas diversidades. E
desde criança a gente é preparado para isso, a gente convive com isso fora de casa, com
as pessoas, com os jogadores. Então isso não é problema, isso nunca foi problema, a não
ser que o jogador viesse, realmente, a prejudicar o ambiente. O cara reivindicar, o cara
ter uma personalidade um pouco mais forte ou ter personalidade e cobrar alguma coisa é
normal, é natural. O que não pode é prejudicar o grupo.
D. A. – Como que era nessa época que você participou da Seleção, questão de sair
à noite, participar de festa, o período de concentração. Isso se colocava, era
característica desses grupos?
C. S. – Teve um episódio marcante do Leandro...
E. N. – Leandro e Renato. É, eu vou ser sincero, eu sempre fui de um outro grupo.
O grupo que concentração era concentração, treinar sério era treinar sério. Então, eu...
Outro grupo que poderia sair, eu nunca tive essa informação, poderia ter informação
depois. Dentro do grupo essa informação não chegava a mim, primeiro porque eu não
estava perto dela, não frequentava o grupo que poderia ter esse tipo de atitude e depois a
informação não chegava, poderia vir a chegar muito tempo depois, como essa do
Leandro, do Renato. Veio a chegar, a própria do Romário que fala que levava mulher
para as...
C. S. – Para as eliminatórias...
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E. N. – É, levava mulher, e que sempre fez isso, ele fala isso. Agora, se aconteceu
isso durante a Copa, durante as Seleções, durante os grupos, eu não, nunca presenciei.
D. A. – Tinha algum tipo de proibição expressa? É proibido levar...
E. N. – Claro que tem.
D. A. – Namoradas, esposas?
E. N. – Dentro de um ambiente de concentração você não pode levar mulher,
namorada, esposa ou quem quer que seja...
D. A. – Você concorda com essa proibição?
E. N. – Eu não concordo e nem discordo. Acho que o regulamento é esse.Você
levar mulher para dentro do... Tira a concentração, porque você tem que dar atenção
para ela. Claro, não é? E ela, eu acho que a própria esposa, ou namorada, quem que seja
ela não vai se sentir bem naquele ambiente, entre jogadores, só homens ali, nenhum tipo
de preconceito, mas acho que não é ambiente para..., tem outros momentos em que você
pode ficar com ela.
D. A. – Você comentou, falando do episódio de 82, que isso de anunciar prêmios
no momento da preleção, isso desconcentra o jogador. Talvez, misturar as esposas, as
namoradas, as mulheres também desconcentraria e tal. O que mais você acha que
atrapalha a concentração do jogador? Você que sempre foi tão focado...
E. N. – Qualquer coisa que venha a ser diferente do próprio contexto é um motivo
para você se..., principalmente, depois que perde. Depois que perde tudo é motivo para
que você venha justificar. O importante é você fazer o que tem que ser feito, um
ambiente como tem que ser. Quando você está concentrado, você tem que estar
exclusivamente focado no treinamento, no descanso, no que tem que ser feito.
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D. A. – O que você fazia quando você não estava treinando ou jogando? Nesses
momentos de concentração?
E. N. – Concentração? Preparando para outro treino, eram vários treinos.Você está
descansando, está conversando, de repente está jogando uma carta, está no quarto de
alguém, escutando uma música. É normal do jogador saber lidar com essa situação;
você está concentrado, chega um momento em que você não tem nada para fazer, você
tem que buscar alguma coisa, você é preparado para aquilo.
C. S. – Muita gente, por exemplo, atribui, falando em ambiente de Copa do
Mundo, que é um ambiente, como você mesmo mencionou, ultra focado, torneio de tiro
curto, jogos só decisivos... Muitas pessoas atribuem a derrota da Holanda em 74 à
liberalidade do Rinus Michael com a concentração, os jogadores podiam levar as
namoradas e etc.
E. N. – Isso é cultural. Tem país que nem concentrar concentra. Porque vai muito
de como você lida com a tua profissão. E se você lida com tranquilidade, não precisa de
ninguém para ficar te vigiando, você vai fazer o que tem que ser feito para você depois
ou treinar e jogar, você não precisa de concentração, você se alimenta direitinho. Isso é
cultural, se o jogador é profissional, se o ambiente é profissional, você não precisa disso
tudo; até mulher na concentração, o que você imagina que a mulher vai fazer na
concentração, você vai para o quarto com a mulher e você vai ter relações sexuais com
ela, isso é o que se imagina. Agora uma pessoa profissional em véspera de jogo não vai
fazer, tem uns que podem até fazer, que uns que se sentem até bem fazendo e vai
continuar, eu acho até justo que seja assim, porque se a pessoa se sentir bem de certa
maneira, por que não vai fazer na concentração? Agora tem outros lugares que não, o
Brasil é um deles, que acha que concentração, em um certo nível, é importante.
C. S. – Não a motivação em si, como você falou, que estava longe da informação
e nem sabia que tinha certas liberalidades e tal. Mas o corte do Renato e a recusa do
Leandro em embarcar, pelo menos na imprensa, foi uma coisa assim, poucas horas
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antes, no aeroporto, de embarcar, caiu como, realmente, como uma coisa que tivesse
desarvorado a Seleção, o grupo saiu daqui...
E. N. – No grupo, no momento, se falou bastante, porque eu vi as coisas
acontecendo, mas não entrei muito porque eu não queria liderar aquele momento, que
eu não estava nem sabendo, que eu nem participei, não estava nem na Seleção nessa
época do acontecido. E eu lembro que foram alguns jogadores, primeiro tentaram ligar
muito para o Leandro no aeroporto, não conseguiram falar com ele e foram até a casa
dele, do aeroporto, foram lá tentar que ele mudasse de opinião e não conseguiram, e
embarcamos assim mesmo. Mas aquilo ali é um momento difícil, mas logo em seguida
você tem que superar. Você não pode e não deve ficar olhando para trás. Agora, o cara
não quis ir, motivo dele, a gente entendia que ele era um jogador importante para nossa
Seleção, não quis? Entramos no avião, descemos lá, bateu a porta, temos que olhar para
frente, ver outras opções. Não pode, em um ambiente de futebol, você não pode, senão
você vai arrumar isso. Qualquer coisa que vier a acontecer, qualquer derrota você vai
usar isso como justificativa e no futebol não te permite isso.
C. S. – Como você enxerga a função do capitão em um time e na Seleção
Brasileira?
E. N. – Eu acho muito importante, desde o momento em que ele tenha uma liderança.
Uma liderança e um certo domínio sobre o grupo, e que esse seja respeitado também.
Quando eu fui capitão em 86, eu não tinha nada disso. Porque primeiro vinha daquele
período, aquela situação da entrevista que foi dada na revista Placar e depois tinha uma
rivalidade muito grande entre os estados. Então era uma rivalidade muito grande,
tinham muitos jogadores de outros estados e muitos jogadores, experientes, mais
experientes do que eu até, que não estavam jogando. Então era difícil... E queriam jogar,
muitos foram barrados naquela Copa do Mundo. Liderar esse tipo de pessoas, de
jogadores, era muito difícil. Eu tive muita dificuldade em relação a liderar um grupo que
não estava jogando. Então eu tive muita dificuldade.
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D.A – E dentro de campo, o capitão... muda alguma coisa no seu jeito de jogar, você
fala mais dentro do campo?
E.N – Não, o capitão não tem que mudar nada, o capitão é o que é. Agora, o capitão vai
mudar quando ele não tem condições de ser capitão, ele não é um líder, ele não é
respeitado e o colocam como capitão. Ele vai ter que buscar isso tudo, claro que ele vai
ter que mudar e ele mudando, vai prejudicar até o seu jogo.
D.A – Você comentou que você era um zagueiro que pensava como um atacante. Como
era seu relacionamento com os outros zagueiros, que você jogou, que você atuou?
E.N – Era tranquilo...
D.A – Você dava algum toque, chamava atenção...
E.N – Isso sempre chama, os mais, os menos experientes sempre...está sempre um
orientando o outro, às vezes uma orientação você dá uma cutucada dizendo o que é que
tem que ser feito, o que fez de errado ou não, e assim você vai entendendo, e assim você
vai aprendendo, você vai ganhando experiência e conhecimento. E é assim que
acontece. Você passando para os outros e recebendo também.
D.A – Você se lembra de alguma ocasião em que você ouviu alguma coisa de um
jogador dentro de campo que mudou?
E.N. – Especificamente não, mas ouvi muito, o Carlos Alberto Torres, joguei com ele
no Fluminense, ele foi muito importante para mim, aprendi muita coisa com ele. O Luiz
Pereira também, aprendi muito com o Luiz Pereira, joguei com ele. No futebol você vai
aprendendo.
C.S. – Voltando à vida de clube, quando termina esse período seu na Udinese você a
princípio ensaiou um retorno ao Fluminense, mas não chegou a um acerto. Como é que
foi esse processo, como é que o Flamengo chegou até você?
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E.N. – Primeiro eu queria ir para o Fluminense, eu sempre externei isso, só que quando
eu voltei, o Presidente na época disse que não me queria porque tinha o Alexandre
Torres como zagueiro, ele me perguntou se eu poderia jogar de “cabeça de área”. Eu até
brinquei com ele “Presidente, eu sou zagueiro não sou “cabeça de área”. E nesse
momento eu já tinha tido um contato com o Fluminense onde a torcida do Fluminense
ficou sabendo. Então a torcida, que incentivou o presidente a me procurar, pressionou o
presidente do Fluminense a me procurar. O presidente falou isso. Aí eu voltei para casa
ai mesma coisa, os torcedores “E aí Edinho, como foi?” “O presidente não falou nada”
“Não falou nada?” “Não, não falou nada.” Então espera aí... Aí pressionaram o
presidente de novo, foram até o gabinete dele lá nas Laranjeiras, na sala dele,
pressionaram de novo. Ele me ligou e falou “Pô, Edinho, eu estou aqui sendo
pressionado pelos torcedores tal, poxa e você...” Eu falei “Presidente, eu estou indo
assinar um contrato com o Flamengo agora, o senhor sabe que eu queria voltar para o
Fluminense mas...” “Mas você não joga de cabeça de área!?”. Aí eu falei “Presidente,
boa sorte para o senhor, saudações tricolores, mas eu estou indo assinar o contrato com
o Flamengo, o senhor me liga para falar isso?!”. Aí assinei com o Flamengo, mas a
minha opção era o Fluminense. E claro que esse torcedor que é o Igor, ele veio falar
comigo agora, há um ano e meio atrás, passou esses anos todos sem falar comigo. Ele
era moleque, agora já é pai de família e tudo. Ele aproveitou uma homenagem que teve
nas Laranjeiras, se aproximou e foi o que mais batalhou para que eu voltasse para o
Fluminense. Aquele ali era tricolor roxo. Aí não foi possível. Depois,
consequentemente, eu voltei para o Fluminense um ano depois, um ano e meio depois.
D.A. – E você tinha algum tipo de relação com torcida organizada, não organizada?
E.N. – Não.
D.A. – Foi esse episódio que teve essa...
E.N. – Não, eu era ídolo.
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D.A. – Sim, mas uma coisa do torcedor chegar e falar com você diretamente.
E.N. – Não.
C.S. – Isso é o Fluminense.
E.N. – [Riso] Eu era ídolo do Fluminense.
D.A. – É que eu sempre tenho que fazer um parêntese, para ver se tinha.
C.S. – É que ela está acostumada com o Corinthians e o Flamengo.
E.N. – Na época não tinha isso, não sei...
C.S. – Tinha organizada, mas normalmente a pressão era outra.
D.A. – Poderíamos aproximar, tirando esse episódio bem marcante.
E.N. – É, quando eu voltei... O garoto dormia na porta do meu prédio. Depois ele disse
o seguinte - isso contado por ele, agora há um ano e meio –, que eu fui para o
Flamengo, para a Gávea assinar o contrato, ele conseguiu entrar na Gávea, ele foi
determinado a não deixar eu assinar...
C.S. – A rasgar. [riso]
E.N. – A rasgar. Ele foi até a antessala do presidente, mas acho que ele não conseguiu
entrar depois, isso contado por ele.
C.S. – Aí você também sai do Fluminense depois com uma briga na diretoria.
E.N. – Foi, foi uma briga na diretoria. Nós tínhamos alguns problemas internos lá
dentro e teve um jogo que nós perdemos. O Fluminense estava muito ruim, o treinador
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não tinha o comando do grupo e perdemos um jogo, não sei se foi quatro a zero para o
Flamengo. Aí eu tomei meu banho, saí, estava indo embora quando um diretor do
Fluminense, diretor financeiro, entrou no vestiário dizendo que todo mundo era
mercenário, só jogava por dinheiro. E essa informação chegou a mim lá fora aí eu
voltei, eu era o capitão da equipe e tinham só garotos na equipe. Eu voltei e o diretor
estava lá, eu me informei, perguntando se realmente ele tinha dito aquilo, ai eu falei
poxa, eu vou ter que ir segunda-feira no clube porque se ele quis dizer que alguns
jogadores são mercenários ele tinha que dizer quem são. Porque eu não sou mercenário,
nunca fui, ainda mais na minha história dentro do Fluminense. E ele não estava lá. Aí
daqui a pouco ele aparece. Eu queria só perguntar porque ele falou aquilo, se ele falou
de mim, aí ele me deu um empurrão, quando ele me deu um empurrão eu fui para cima
dele, eles separaram. No dia seguinte, quando eu cheguei no clube para treinar, fui
informado pelo supervisor que eles rescindiram o meu contrato. Então eu não poderia
mais frequentar o clube, aí eu retornei e fui embora, dali fui para o Grêmio.
C.S. – Você encerra sua carreira no Grêmio?
E.N. – Eu encerro minha carreira no Grêmio. Foi assim que aconteceu.
C.S. – Agora você, exatamente por essa posição de liderança e o tipo de jogador que
você era de dedicação tática etc, nesse momento em que você já percebe que está
chegando ao final do seu período como jogador, você já imaginava que continuaria
exercendo profissão no futebol, sonhava em ser técnico?
E.N. – Já, já imaginava, eu já estava me preparando para isso, para logo que
terminasse... Eu já era um treinador dentro do campo, praticamente. No Grêmio, no
último mês no Grêmio, eu estava até machucado e nós estávamos com problema de
treinador, mandaram o treinador embora e queriam que eu assumisse como treinador.
Mas o nosso ambiente era muito bom, nós jogadores éramos muito amigos então eu não
ia conseguir me ver treinador deles, ou seja, tendo que barrar alguns jogadores, porque
eu não entendia que alguns jogadores que eram meus amigos que eram para jogar, eram
para ser titulares e eu teria que barrar. Eu como amigo deles, eles não iriam receber bem
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aquilo. Então eu não aceitei ser treinador daquele time. Aí encerrou meu contrato, eu
vim embora. Isso foi em 1990, depois eu ainda fui para o Canadá jogar semiamador. No
Canadá fiz um contrato de três anos, mas só joguei um ano. A minha ideia era
justamente que meus filhos aprendessem o inglês e depois retornassem para a escola
Americana e foi assim que aconteceu. Porque não tinha como entrar na escola
Americana se você não tivesse algum vínculo com o país, ou o Canadá... algum país de
fora. Eu retornei e meus filhos ingressaram na escola Americana. Então meu objetivo
foi alcançado. Aí não voltei mais para lá e, no ano seguinte, eu me tornei treinador do
Fluminense, em 1991.
D.A. - No Canadá durante esse um ano, o Canadá não é um país que tenha tradição de
futebol.
E.N. – Não, mas no verão tem. São três meses, quatro meses de sol, de verão não, de
sol. Joguei semiprofissional, o que foi muito bacana. Conviver com eles foi muito
bacana.
D.A. – E os jogadores vinham de outros lugares?
E.N. – Não, eram mais canadenses e americanos. No período que não tinha futebol eles
jogavam em outros lugares.
D.A. – Outros esportes? Jogavam futebol, mas em outros países...
E.N. – Outros países.
D.A. – E você era o único brasileiro?
E.N. – Eu era o único brasileiro. Tinham muitos italianos, americanos.
D.A. – E esse contato com o Canadá surgiu...
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E.N. - Surgiu sim, teve um convite, eu aceitei. Minha ideia era colocar os meus filhos na
escola Americana vou e... foi muito bacana, experiência muito legal, aprendi muito lá.
D.A. – Um tempo antes, no final dos anos 1970, Pelé, teve uma leva de jogadores que
foram para os Estados Unidos.
E.N.- Estados Unidos, mas o Canadá tem pouca coisa de... E eu participei das
Olimpíadas foi em Montreal, foi no Canadá. Só que dessa vez eu fui para Toronto.
D. A. – Ai entra o futebol de areia, não é?
E. N. – É, futebol de areia.
D. A. – Eu quis retomar um pouco as suas origens, inclusive.
E. N. – É, futebol de areia, para mim, foi uma coisa mais do que normal. Quando
apareceu o convite, eu sempre joguei na areia, jogava antes, depois encerrando minha
carreira, jogava também direto. E o período que eu vinha da Itália para cá era sempre
areia, futevôlei direto, correr na praia, tudo meu foi areia. Recuperação, contusão, tudo
foi recuperação na areia. A minha musculatura precisava, necessitava da areia. Então o
meu contato com areia era quase que diário quando eu estava aqui, no Brasil.
D. A. – Quem te convidou para integrar...
E. N. – Foi o Junior. O Junior tinha esse projeto e já tinha participado, acho que
uma partida em, não sei se foi nos Estados Unidos ou foi em outro lugar. E veio com
esse projeto, chamou alguns outros jogadores e deu tudo certo. A gente se divertia na
praia.
D. A. – Eu posso imaginar. [risos]. Ai tem também a sua... Você falou que você já
estava se preparando para ser treinador, não é? Como que você, ainda tão focado, desde
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muito jovem jogando, você já reparava nos estilos dos técnicos? Como que você
desenvolveu essa habilidade de comandar equipes, um gestar tático?
E. N. – Porque eu sempre fui muito atento às coisas e muito critico também,
mesmo não externando isso, eu criticava comigo, o que era certo, aquilo que eu achava
que era errado, como o grupo recebia aquelas informações. Então eu fui amadurecendo
isso e tentando ajudar até os próprios treinadores nas equipes, porque ajudando os
treinadores eu estava me ajudando também. E muitas vezes, quando não conseguia ter
um acesso aos treinadores, eu fazia diretamente com os jogadores. Eu, como capitão e
líder das equipes, eu tentava, do meu jeito, consertar uma coisa que eu estava vendo que
não estava sendo bem recebida pelos atletas, que o caminho não era aquele. Então eu
consertava, muitas vezes o treinador não sabia, na maioria das vezes não sabia.
D. A. – Qual foi seu grande treinador, que te inspirou?
E. N. – Tive alguns, mas o mais importante foi na categoria de base, foi no
Fluminense, foi o Pinheiro, até falecido Pinheiro, e o Enzo Ferrari, que me ajudou
bastante na Itália quando eu..., foi meu treinador na Itália, lá no Udinese. Esses dois.
D. A. – E você era um frequentador de arquibancada? Antes...
E. N. – No começo era...
D. A. – É?
E. N. – Eu adorava futebol. Na época a gente podia ir sozinho. Eu lembro uma vez
que eu fui no Maracanã, era Brasil e Paraguai, tinha 200 mil pessoas, eu fui e não
consegui entrar. Retornei. Acho que foi 69 esse jogo, eu tinha 13 anos, de 13 para 14
anos.
D. A. – E depois que você deixou os gramados, você foi...?
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E. N. – Não, ai não. Eu nunca... Eu vou de vez em quando assim, mas não vou
mais com aquela motivação que eu tinha antes de torcedor. Porque você entra no meio,
você conhece o meio, sabe como é que é, você perde aquela...de torcedor.
D. A. – Na sua opinião o futebol mudou?
E. N. – Tudo muda. Tudo está mudando. E o futebol também mudou. O
Maracanã, não é mais o mesmo.
D. A. – Sobre que aspecto você acha que mudou?
E. N. – Eu acho que é a evolução natural das coisas, em todo o sentido. Agora o
físico principalmente, com a entrada, também, de patrocinadores, a cobrança um pouco
maior. Isso é a própria regra mudou; antigamente você podia atrasar a bola com o
goleiro, hoje em dia já não pode mais, o goleiro não pode mais ganhar a bola com as
mãos, futebol ficou muito mais dinâmico. A parte física entrou no futebol. Televisão
entrou. Hoje é mais fácil questionar o arbitro. Fica todo mundo exposto. Antes, você
podia dar uma cotovelada no jogador, brigar ou dar um soco ou alguma coisa assim.
C. S. – Ninguém vê, não é?
E. N. – Ninguém ia ver, hoje já vê. Se tivesse a televisão na época de decisão
Inglaterra e Alemanha, a Inglaterra não seria campeã, porque aquela bola não entrou,
bateu na trave da Inglaterra, e assim vai. Estão querendo entrar agora com...
C. S. – Chip...
E. N. – Chip na bola. Tudo é evolução, e o futebol não pode ficar para trás. Você
não pode decidir... Outro dia, até aconteceu o seguinte: o juiz deu um pênalti. Vocês
viram essa? O juiz deu um pênalti e, ao mesmo tempo, o auxiliar, ganhou um
pouquinho de tempo, o auxiliar escutou outra pessoa falando na televisão que não tinha
e anulou o pênalti. Ele foi lá e botou para fora, achando que tinha sido mão. Ou seja,
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você não pode dar um gol que não é gol; eu já vi várias vezes a bola entrar por trás e o
juiz dar gol. Não é justo isso. E o futebol tem isso, a bola não entra e você ganha o jogo
assim. Eu acho justo: a bola não entrou, não é gol; entrou é gol. É justo que pare um
minuto, 30 segundos. Não tem aquele tempo técnico? Por que o juiz não pode: -“Pára
ai!”.
C. S. – Tem um número de consultas, não é?
E. N. – É...
C. S. – O futebol americano é isso...
E. N. – Mas não tem aquele tempo do calor?
C. S. – Sim, pois é, o futebol americano, o treinador pode pedir duas consultas. E
em certos lances o próprio juiz pode pedir.
E. N. – No tênis também.
C. S. – É, o jogador pede.
E. N. – Eu acho justo isso, acho justo. Acho que tem que ser assim. Você, hoje,
tem muito dinheiro, muita coisa envolvida no futebol para você ficar preso a um árbitro,
a um erro de árbitro que pode errar, que deve errar. Que erra porque erra ou erra porque
está combinado para errar, não é? É isso ai.
D. A. – Mais alguma coisa que você gostaria de contar?
E. N. – Não, tranquilo. Vocês perguntaram tudo. [risos]. Pensei que fossem três
perguntinhas!
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D. A. – Então a gente encerra. Agradece mais uma vez a sua participação e
gentileza de conceder essa entrevista.
E. N. – Muito bacana. Espero que seja bem usado
D. A. – Aprendemos muito.
C. S. – Muito obrigado.
E. N. – Se vocês quiserem, estamos à disposição. E eu vou, em breve, assim que
eu estiver em São Paulo...
D. A. – Ah, por favor...
E. N. – Com certeza eu vou no Museu...
D. A. – Pode nos procurar que a gente faz uma...
C. S. – Agenda uma visita
E. N. – Eu vou te ligar, eu tenho o seu telefone aqui, vou te ligar.
D. A. – Mostra lá um pouco da exposição e um pouco dos bastidores também.
E. N. – Está ótimo.
C. S. – Tem uns trechos muito legais. Aquele da torcida...
D. A. – É.
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C. S. – É bacana. Você entra por trás da estrutura da arquibancada e tem
uma projeção da torcida gritando, então, um negócio abafado, parece que você está
mesmo...
D. A. – É que o Pacaembu, ele é assentado em um vale, ai quando a arquibancada
descola da fachada tem um vazio ali. Ai a gente aproveitou aquele espaço para fazer
uma sala. E aquele espaço, são as vigas do estádio na terra, úmido, tem cheiro, você vê a
terra embaixo, super...
E. N. – Bacana.
D. A. – Super bem sacado. Muito legal.
E. N. – Bacana. Está bom?
C. S. – Obrigado, Edinho.
D. A. – Obrigada, Edinho.
E. N. – Eu vou dar uma saidinha rapidinha, porque eu tenho médico agora.
D. A. – Claro. Posso pedir para você assinar aqui. [risos]
D. A. – Ah, sim. Você tem uma foto...
C. S. – Aqui é documento, aqui...
[FINAL DO DEPOIMENTO]