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I ' K
oticas & PharmaciasA HISTRIA ILUSTRADA DA FARMCIA NO BRASIL
SA D A l a P A L A V R A
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ticas & Pharmacias
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Boticas & PharmaciasU M A H I S T R I A I L U S T R A D A D A F A R M C I A N O B R A S I L
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Copyright 2006 desta edio Casa da PalavraCopyright 2006 do texto Flavio Coelho EdlerCopyrights individuais de fotografias asseguradosem conformidade com a Lei 9.610, dc 19.02.1988.E proibida a reproduo total ou parcialsem a expressa anuncia da editora.
C a s a d a Pa l a v r aRua Joaquim Silva, 98, 4'- andar. Rio de Janeiro RJ20241-11021.2222*3167 21.2224-7461www.casadapaiavra.com.br
Cl P-BRASI L. CATALOGAO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
E25,b
Edler. Flavio Coelho, 1960-Boticas e pharmcias : uma histria ilustrada da
farmcia no Brasil / Flavio Coelho Edler - Rio deJaneiro : Casa da Palavra, 2006
i6op.: il.
Inclui bibliografiaISBN 8 $-7 7 3 4-0 0 4 -X
1. Farmcia - Brasil Histria Obras ilustradas.2. Farmacuticos Brasil - Histr ia. 3. Industriafarmacutica Brasil Histr ia. 4. Medicamento sBrasil Histr ia. I. Ttulo.
06-1292. CD D 613.0981CDU 615.1(09)
13.04.06 18.04.06 014169
m
Pr o f a r m aIIIDli\o NmoA
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Este livro dedicado ao mdico que, antes de tornar-se
psiquiatra e pai do autor, fora, por curto perodo,
representante de um laboratrio farmacutico ingls.Nessa ocasio, em meados da dcada de 1950, ele formulou
um remdio - descongestionante nasal - 0 qual,
comercializado pelo mesmo laboratrio, ganhou largo pblico
pas afora. Alas a maior faanha do doutor Nikodem Edler
fo i a de manter-se fiel aos seus ideais democrticos
e igualitrios, li assim tem sido, como mdico e cidado,
apesar de todos os pesares.
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Sumrio
8 Apresentao
PARTE 1 .)
B O T I C A S E B O T I C R I O S N O B R A S I L C O L O N I A L
14 A sociedade luso-brasileira, suas doenas e condies sanitrias
24 A mata a botica dos ndios
30 As ordens religiosas: a assistncia mdica como caridade
34 Sob o imprio de Galeno: as doenas e seus tratamentos
na tradio mdica europia
42 As farmacopias portuguesas e os tratados de naturalistas,
mdicos e cirurgies do Brasil colonial
48 O cozinheiro do mdico e sua botica
F A R M C I A S E F A R M A C U T I C O S N O O I T O C E N T O S
56 Panorama da medicina e da farmcia no sculo xix
62 A formao mdica e farmacutica
66 Boticrios ou farmacuticos?
68 Velhas boticas: comrcio e segredos
72 Da fase herica ao ceticismo teraputico
76 Farmacopias, medicamentos, remdios e plantas medicinais brasileiras
80 Remdios da moda e distino social
82 Associaes farmacuticas na cidade imperial do Rio de Janeiro
86 Da matria mdica farmacologia
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D E S E N V O L V I M E N T O S D A F A R M C I A C O N T E M P O R N E A
94 O crepsculo da farmcia oficinal e da arte de formular
too Os sucessos da nova teraputica
Origens e evoluo dos medicamentos industrializados no Brasil
110 A formao do farmacutico na Repblica
114 Farmcias e prticas farmacuticas
120 rgos de classe e sociedades farmacuticas
]2 1 Novas respostas aos antigos desafios: tendncias atuais
122 Referncias bibliogrficas
12 ~ Referncias iconogrficos
12 s Englis/i Version ' \
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P A R T E
Boticas e boticrios
no Brasil Colonial A sociedade luso-brasileira,
suas doenas e a
legislao sanitria
>) Medicamentos e teraputica
entre ndios e escravosM j
As ordens religiosas e a
assistncia mdica na Colnia
)) Tratados mdicos e
farmacopias portuguesas
>) O boticrio: suas origens e seu
ofcio; sua relao com os
demais terapeutas; as diferentesformas de insero social e
sua atuao poltica antes da
vinda da corte portuguesa
>) A medicina jesutica e a
triaga braslica
)) As doenas e seus tratamentos
na tradio medica europia
e em Portugal
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1.)
A sociedade luso-brasileiraSUAS d o e n a s e c o n d i e s s a n i t r i a s
i RIBEIRO, Lourival. Medicina ,
no Brasil colonial.Rio de Janeiro: PP- 74-89 -
Com os seus saberes sobre a natureza, os ndios indiearam aos
colonizadores as novas plantas que poderiam servir para alimento e remdio.
Como afirmou Srgio Buarque dc Holanda, o conhecimento de quase todos
esses produtos foi apropriado pelos bandeirantes paulistas.6Jesutas e
bandeirantes foram, assim, os primeiros grupos que aprenderam o valor
teraputico de ervas indgenas. Com o avano da colonizao, mdicos,
mezinheiros, jesutas, barbeiros sahgradores, cirurgies e boticrios
incorporaram dos amerndios o uso da botica da
natureza : Dava-se a fruta do caj aos doentes com febre.
O sumo do caju era usado nas febres e fazia bem ao _
estmago. Da imbaba, o leo era cicatrizante e as folhas
agiam como purgante, tal como a noz do and. Com o
mesmo fim, porm mais popular, era empregado o leo
de copaba. A parreira-brava e o malvisco eramantipeonhentos. No caso de chagas ou doenas de pele,
a lngua de vaca e o camar eram indicados. A casca e
b suco da maaranduba, as folhas do camar e os olhos
da salsaparrilha, eram usados para as boubas, mas
tinham bons resultados para os corrimentos, diarrias
c doenas venreas. O anans dissolvia as pedras, o
Ing teria virtude para o ligado, o maracuj, por ser fruta
fria, era boa para as febres. A erva santa ou tabaco
servia para os doentes de cabea, estmago e asmticos.
O sumo matava os vermes tal como a erva de santa maria ou mastruo.
A fruta do jenipapo e a ipecacuanha ou poaia eram excelentes mezinhas
para deter as cmaras (diarrias).
Esses remdios s lentamcnte foram se incorporando s boticas.
Eram inicialmente remdios de pobres ou mesmo de desbravadores como os
bandeirantes paulistas e os mineradores, no contexto do ciclo do ouro na
regio das Gerais, que aprendiam com os carijs a localizar ervas e improvisar
mezinhas. Como relatou, em 1735, o cirurgio Lus Gomes Ferreira, autor do
famoso Errio mineral,
7ApudDIAS, Maria Odila
da Silva Dias. Sertes doRio das Velhas e das Gerais:
vida social numa frente de
povoamento - 1710-1733 .
In: FERREIRA, Luis Gomes,
Errio mineral(Org. Jnia
Ferreira Furtado). Belo
Horizonte: Fundao Joo
Pinheiro; Rio de Janeiro:
Fundao Oswaldo Cruz,
2002. p. 53.
os homens bons preocupavam-se em conservar os matos prximos dos
arraiais, onde muitos eram vistos e experimentados cm raizes, ervas, plantas, rvores e frutos, por andarem pelos sertes anos e anos, no se
curando de suas enfermidades, (sic) seno com as tais coisas e por terem
muita comunicao com os carijs, de quem tm se alcanado coisas boas.7
O naturalista Von Martius (1794-1868), que esteve no Brasil no
perodo joanino e interessou-se vivamente pela medicina c teraputica
indgenas, comentou o efeito dc certas ervas frescas que um paj empregou
numa lcera maligna no p de um escravo negro de sua comitiva, que se
a c i m a : Na imagem de Chambcrlan
nota-se o mtodo do emplastroaplicado perna no negro que andaapoiado por um cajal. Trata-se de
imagem rara que mostra um escravo
machucado com curativo.
PCINA a o l a d o : A imagem de Hans
Staden descreve a preparao e o usodo cauim. bebida feita a partir da
fermentao de alimentos, de carter
entorpecente. Poucos mtodos de curados indgenas foram incorporados
s boticas da cidade.
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B O T I C A S B B O T I C R I O S N O B R A S I L C O L O N I A L 1 *7
achava invlido h meses, e havia resistido a muitos medicamentos .Alexandre Rodrigues Ferreira (1 756-1 815 ), em sua Viagem filosfica,recolhia
e descrevia tudo o que achasse interessante sobre a natureza do Brasil;
desenhou e nomeou diversas plantas, e freiVeloso (17421811), com o
mesmo propsito, escrevia:
Animais que curam
Nestas Minas h uns macacos a que chamam
de barbados, outros lhe chamam bugios, e so
uns que tm papo e so pretos pelo corpo, e
pelo fio do lombo tm 0 seu cabelo a modo de
ruivo e so conhecidos pelo nome de barbados,
e pelo papo, de muita gente: destes, estando
ainda vivos, se lhes tira aquela noz redonda a
modo de bolazinha, que encaixa no quadril na
cova onde joga a perna e h de ser 0 da perna
esquerda: esta bolazinha, chamada por
algumas pessoas "conta de macaco", (sic) se
aperfeioa efura para trazer atada no brao
esquerdo, de modo que toque na carne:
bastante para se acabarem as queixas de quem
for perseguido de almorreimas; a mim me
certificou um parente meu. amante da verdade,
que s de trazer na algibeira uma conta das ditas acima que lhe deram por ele dizer que
padecia suas queixas do tal achaque e a no
atara no brao por no ter queixa naquela
ocasio, mas que, correndo os tempos, nunca
mais sentira molstia alguma: c indo em
uma ocasio dita algibeira, dera nela com a
tal conta efeara na certeza de que estava livre
das graves molstias (...)
Errio mineral.
FERREIRA. Lufs Comes (org. Jnia
Ferreira Furtado). Errio mineral. Belo
Horizonte: Fundao Joo Pinheiro: Rio de
Janeiro: Fundao Oswaldo Cruz, 2002
No h vegetal algum que no merea ocupar a ateno de um
verdadeiro sbio; nenhum h, por mais desprezvel que parea, de que se
no possa esperar alguma utilidade. Eles so estimveis por suas virtudes
medicinais e requerem um particular estudo de todos os que se destinem
ao curativo dos enfermos; eles fazem que no haja terreno algum que se
possa verdadeiramente chamar estril, ou incapaz de se aproveitar;
fornecem uma grande parte dos nossos alimentos, servem-nos em infinitos
usos econmicos e merecem por conseguinte de ser estudados
relativamente agricultura e comrcio.
Bernardino Antnio G omes (176 8-18 23), notvel mdico
portugus, residente na Bahia, aprovou o emprego de emplastros de mastruo y Q N m a r t IUS, Karl
no tratamento de hrnias.8 Friedr. Phil., op.cit. p. 234.
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B O T I C A S & P H A R M A C I A S2 8
Calundus e curandeiros africanos
o o O
Apesar de todo o controle e submisso cultural impostos pelas leis cexercidos pelas autoridades civis e eclesisticas contra suas crenas e ritos,
era talvez na rea das curas que as tradies das diversas etnias negras se
mantinham com maior intensidade, sobretudo quando se tratava de curar
outros negros. Entre os brancos das camadas populares, gozavam os
curandeiros negros de grande prestgio, os quais eram procurados sem
hesitao. Qsjxmdios das boticas disputavam com
([benzeduras. relquias e amuletos. A angolana Luzia PintE
muito conhecida na freguesia de Sabar no incio do
sculo xviii, era bem-sucedida como calunduzeira,
curandeira e adivinheira. Isso significa que, alm deoficiar cultos religiosos, ela sabia preparar tisanas,
cataplasmas c ungentos que aliviavam as dores e
curavam doenas, usando como recursos ervas e
encantamentos. No Maranho, um escravo foi chamado
para curar a mulher de um barqueiro que se encontrava
muito doente. O Diabo foi vencido por meio de' i.
invocaes em lngua natal e portugus, alm do uso de
poes com gua, ervas e uma pedra que se achava na
cabea de um peixe. Na regio mineradora, alguns
escravos foram denunciados Inquisio por praticar a
feitiaria. Um deles tirava ossos e outras drogas doscorpos daqueles a quem curava, chupando-os pela boca.
Os brancos atribuam aos africanos grande
conhecimento dos venenos c seus antidotos. Tambm
sabiam curar distrbios mentais e espirituais. No interior
da Bahia, o Santo Oficio identificou um senhor que
pagou caro por duas escravas curandeiras: com elas
montou uma espcie de clnica, onde se praticavam vrios tipos de cura.
Uma das formas de aculturar o escravo consistia em enquadr-lo na religio
vigente, por meio dos sacramentos do batismo, casamento e extrema-uno.
Por intermdio das irmandades, como a de Nossa Senhora do Rosrio,puderam os negros recriar suas crenas e tingir o culto aos santos catlicos
de significados profanos emprestados dos calundus.
qm a incorporao das culturas ioruba, nag, daometana, jeje,
mina, mal e banto no meio urbano e rural da Colnia, as prticas mgicas e
certas noes de doena e cura encontraram fcil assimilao no repertrio
sobrenatural popular de origem lusitana. preciso ter em mente que a
populao de origem africana que alcanara grande concentrao em torno
do Brasil aucareiro, no sculo xvn, atingiu o mximo de intensidade por voltr
de 1750, com a expanso do Rio de Janeiro e o povoamento das Minas, graa
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B O T I C A S E B O T I C R I O S N O B R A S I L C O L O N I A L 2 P
minerao. Personagem fundamental na perpetuao de tradies
teraputicas africanas, o barbeiro, geralmente mulato ou negro, escravo ou
livre, munia-se de uma trouxa ou pequeno ba onde acondicionava osapetrechos indispensveis ao seu mister: navalha, pente, tesoura, lanceta,
ventosa de chifre, sanguessugas, ungentos, sabo e bacia de eobre.
A influncia dos curandeiros perante a populao se estendeu a ponto de
o fisico-mor do Reino, numa proviso de 1744, ter proibido aos boticrios
aviar suas receitas, ordenando que seus delegados no Brasil fiscalizassem
periodicamente essa prtica. A relao dos boticrios com os remdios da
terra no era, porm, das melhores. Em 1796, o vice-rei, conde de Resende
enviou s autoridades metropolitanas uma carta na qual reclamava dos
boticrios, afirmando que, embora
houvesse nesta terra infinidade de ervas e raizes conhecidas pelo mesmo
nome e atributos das que mandam vir de fora, des so os primeiros em
desacredit-las, no porque assim seja, como todos persuadem, mas
porque acham grande conta em fazer misteriosa a sua ocupao, c muito
maior em reputar a vinda de ervas importadas, que ver-se-iam obrigados
a vender por baixo preo, havendo outras do mesmo pas, no deixando,
porm, de as plantar, e comprar quase de graa, para as tornarem a
vender na estimao das que de fora lhe so remetidas,9
MARQUES, Vera Regina Beltro.
Natureza em boies; medicinas e boticrios no
Brasil setecentista.Campinas: Editora da
Unicamp/ Centro de Memria-Unicamp,
1999, P- 197-
PGINA AO LADO, ACIMA: Os africanos PGINA AO LADO, ABAIXO:tinham grande conhecimento de Amuleto africano.venenos e seus antdotos e exerciam nacolnia muitas vezes o papel decurandeiro, lanando mo de suastradies, principalmente para curaroutros negros. Na imagem, um escravosofre de bouba.
a c i m a : Na rara imagem do sculoxvn v-se um ritual de calundu.Atravs da religio e tambm dosritos de cura, os negros mantinhamvivas, do lado de c do Atlntico,as crenas africanas.
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3 .)
As ordens religiosasA A S S I S T N C I A M D I C A C O M O C A R I D A D E
i^utra poderosa tradio que atuou na conformao da cultura mdica
heterclita que marcou o perodo colonial proveio do catolicismo portugus,
por intermdio do clero regular e das ordens e confrarias religiosas.
Como j observamos, no eram poucas as doenas e epidemias que
atacavam os colonos e o restante da populao indgena e negra. Varola,disenteria, malria, febres tifides e paratifides, boubas, maculo (fstula anal),
sfilis, lepra, elefantase-dos-rabes (filariose) e opilao (ancilostomase) eram
as mais presentes. A imensa maioria dos doentes recebia tratamento em casa.
Assim, os que caam doentes e seus familiares mantinham o controle da
situao, ao contrrio do que aconteceria num hospital. Em suas casas, eles
podiam decidir sobre o tipo de terapia que estariam dispostos a pagar e
escolher livremente dentre os vrios tipos de agentes teraputicos. No eram
apenas os pobres que faziam tal opo; as pessoas de posse cuidavam de suas
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B O T I C A S E B O T I C R I O S N O B R A S I L C O L O N I A L 3 1
doenas em casa, com mdicos e cirurgies, ou ento com
curiosos c curandeiros, ao passo que as ordens religiosas
ou laicas tratavam de seus prprios irmos. Os brancos
pobres, a gente dc cor, escrava ou forra, soldados,
marinheiros, forasteiros em geral, quando em estado dc
indigncia, recebiam assistncia espiritual e mdica nos
hospitais da Ordem da Misericrdia.
A Igreja catlica era o suporte da vida cultural
da Colnia, e as ordens religiosas constituam a ponta dc
lana da Igreja na propagao da f e da cultura crists,
para as quais o bem-estar fsico era secundrio em face da
salvao espiritual. Alm do mais, a doena podia ser
percebida alternadamente como uma expresso do
pecado ou da graa divina. O corpo como o repositrio
da alma imortal permaneceu como um legtimo objeto de
cuidado. Os ensinamentos bblicos e o exemplo de Jesus apontavam a devoo
aos doentes como uma bno divina, no restrita apenas a praticantestreinados. A f crist enfatizava que o cuidado e a cura deveriam ser uma
vocao popular, um ato de humildade consciente, portanto, um componente
vital da caritascrist. A evangelizao e a catequese sistemticas iniciaram-se
em 1549 com a vinda do primeiro governador-geral, Tom de Sousa
(4503-79),e de um pequeno grupo de jesutas. Nos finais do sculo xvi, foi a
IMlho -ItflE I D E A S NCI.V !>KIJ> IIENIA lNAM Omni/ E 1(00 K ?60TADll IA DE";vr lh rSiT KNW .' DEVIDA roM AC iIL ME A DEMEMCO F. VTU.Klii / e l e u i t -
FJMV HVM/> MF-IV* l)t'Dn'CEK)v! ALANIAr/.,HX/NlVv \T(OA IW\ lio"' t 5TAKlCC05/K C.l L K MlUlGRO?/- M*1 K5CAPOV O/MORTE PH
tuast/SP* SvW-TtANO N h * IIEI.HEUAH VA if f E R m . Hi r 17I V -
Botica de ordem religiosa
O boticrio ser um religioso sacerdote demuita caridade e curiosidade, e que tenha
alguma cincia da botica ou experincia dela.ao qual se dar religiosos, ou seculares que o
ajudem; procurando sempre haver pessoa quesaiba bem da botica pelo que importa sade
dos religiosos, credito e bom servio da botica, e
assim deve estar o boticrio presente visita
pela manh, e tarde, para notar bem as
mezinhas que se mandem dar a cada um, no
se fiando nun ca na sua mem ria, pois coisa
de tanta importncia a sade dos enfermos,
procurando sempre estar a botica muito provida
dos simplices, e mais mezinhas necessrias s
necessidades c enfermidades que sobrevivem aos
religiosos, fazendo e m andando fazer as guas
destiladas, xaropes, plulas e mais compostos de
que se usa, pedindo para isso ao Prelado quem
o saiba bem fazer, quando em casa o no
houver para tudo ser perfeito; e pedir aoPrelado todo o acar necessrio, que ter por
rol para dele dar conta por inteiro. No dar
para fora Mezinha alguma sem licena do
Prelado, excepto ps comuns, unguentos, e
outras coisas semelhantes, de pouco porte, mas
nunca xaropes, nem purga, sem o Prelado
assinar as receitas do mdico constando ser de
pobres. No comprar drogas, nem outras
mezinhas sem licena do Prelado, nem sem as
ver quem disso bem entenda, assim para a
bondade delas, como para o preo. Dc todosossimplices. c compostos da botica ter muito
cuidado, para que no se corrompam, e quando
houver de faze r algum as coisas daquelas, que se
costumam fazer de noite, dar conta sempredisso ao Prelado para que saiba a ocasio de
sua falta e o que passa naquelas horas, e
tempo, e procurar sempre assistir nessa oficina.
Cdice existente no Arquivo Nacional daTorre do Tombo, intitulado Uzos das
Ceremonias e Louvveis costumes do Ordem de
Christo reformados no anno de rjoz.
p g i n a a o l a d o : A fora da influnciado catolicismo portugus na culturamdica do perodo colonial ficaexpressa no uso dos ex-votos, emagradecimento cura de enfermidadegrave, como este dedicado NossaSenhora do Carmo.
a c i m a : Ex-voto em nome de milagredo Bom Jesus do Matosinhos aCipnano Ribeiro Dias. Em 1745, estedoente sangrou pelo nariz durantehoras seguidas c ficou curadomilagrosamente com a f.
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3 2 B O T I C A S &1 HA KM A C IA S
vez de os beneditinos, carmelitas e franciscanos se
estabelecerem no Brasil. Alm dos seminrios e das
pastorais, o trabalho caritativo, em especial otratamento dos doentes, era parte essencial de suas
aes. Q culto dos santos servia tambm de escude
contra os perigos da vida ou proteo contratos
demnios. Muitos eram invocados pela sua
.qualidade de'curar. Nas procisses organizadas
pelas confrarias, nas igrejas ou no refgio do lar,
oraes e preces solicitavam a interveno dos santos.
ada qual segundo sua especialidade. So Sebastio era
invocado para proteger das epidemias. Santa I aicia, contra as
dores dllnies. Contra a peste e quebradura, santo Adrio. Contra
possesses, santo Alberto. Santa Agueda, contra dores dos peitos e Santo
Amaro, contra os achaques das pernas e braos. Santa Ana, contra a
esterilidade e santo Anastcio, contra qualquer doena. Uma procisso diria
nas cidades coloniais era a do vitico levado aos moribundos e doentes. Um
-sem-nmero de devotos compunha o cortejo, entoando ladainhas. Todas as
.igrejas repicavam sinos sua passagem.
Perante as dificuldades e precariedade da vida, a Igreja incentivou
os fiis brasileiros a agrupar-se em confrarias, formadas segundo categorias
sociais, para encontrar solues que abrissem as portas salvao eterna.
Refgio na vida, segurana em face da morte, gosto da ostentao e exibio
de uma posio social numa sociedade rigidamente estratificada, asconfrarias foram tambm garantia de cuidados aos doentes e missas
pstumas para o conforto da alma. A confraria mais antiga do Brasil era
a da Misericrdia, que, inspirada nos compromissos corporais, realizava
obras voltadas alimentao dos presos e famintos, remia os cativos, curava
os doentes, cobria os nus, dava repouso aos peregrinos e enterrava os
mortos. Mantida por figures de grande prestgio social, a ordem se
beneficiava dos legados deixados por seus associados e de eventuais recursos
diretos da Coroa. Os quatro hospitais abertos no sculo x v i i i pelas ordens
terceiras de So Francisco e do Carmo voltavam-se ao acolhimento
exclusivo dos confrades. Os hospitais da Santa Casa da Misericrdia,
quase todos modestos e em permanente estado de penria, assistiam
a uma populao de indigentes e moribundos, desde o sculo xvi, em
quinze cidades brasileiras.
Como a Misericrdia gastava menos com seus hospitais do que corr
as festividades religiosas, a instituio vivia na pobreza. Isso pode ser estimado
pelo exemplo da mais importante dentre as Santas Casas do sculo xvn, a
da Bahia, onde, durante uma epidemia ocorrida em 1694, 180 doentes foram
internados nas seguintes enfermarias: enfermaria das febres, dispondo de
16 catres com colches rotos, 18 camas de esteira no cho, sem travesseiros,
es q u e r d a , a c i m a : Santa Casa de
Misericrdia do Rio de Janeiro,inaugurada em 1582 pela mais antiga
confraria do Brasil, era mantida por
figures de grande prestgio social e
eventuais recursos da Coroa.
e sq u e r d a , a b a i x o : Pote de teriaga 01
triaga. A triaga braslica era um remdiccomposto de extratos, gomas, leos
e sais qumicos extrados de 78 tipos
de plantas, e que se tornou objeto de
cobia no imprio portugus e
a segunda maior fonte de renda da
Companhia de Jesus no Brasil.
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B O T I C A S E B O T I C R I O S NO B R A S I L C O L O N I A L 3 3
sem colcho c com lenol; enfermaria de a/ougue, com seis catres para os
que estavam em tratamento com unturas; enfermaria das chagas, com vinte
catres e 23 camas de esteira no cho, sem travesseiro e sem colcho, com um
lenol; enfermaria dos convalescentes, com 18 catres c 24 camas de esteira
no cho; enfermaria das mulheres, com 17 catres com colches velhos;
enfermaria dos incurveis, com vinte catres sem colches.10A teraputica
se resumia a uma alimentao base de canja de galinha, sangrias e purgas
realizadas por barbeiros, sangradores e, quando em aperto financeiro,
por escravos. Um mdico e um cirurgio davam conta do trabalho,
comparecendo pela manh e tarde.
i< RIBEIRO, Lourival.
Medicina no lirasil colonial,
Rio de Janeiro: Editora Sul-
americana, 1971, pp. 40-1.
As boticas dos jesutas c a triaga braslica
A medicina em Portugal, nos sculos xn e xni, era exercida pelos eclesisticos.
Os jesutas, ao chegarem no Brasil, mantiveram essa tradio de aliar a
assistncia espiritual e corporal ao trabalho de catequese. Alm de receitar,
sangrar, operar e partejar, criaram enfermarias e farmcias. Como as drogas
de origem europia e asitica eram raras e tinham um preo exorbitante,
valeram-se dos recursos medicinais dos indgenas. Foi assim que a Europa
conheceu as virtudes da quina, proveniente do Peru e da ipecacuanha, que
tambm encontrou enorme sucesso. As boticas dos jesutas eram, quase
sempre, as nicas existentes em cidades ou vilas.Treze boticrios jesutas se
instalaram no Brasil nos anos 1600 e outros trinta no sculo xvin. As
farmcias dos conventos teriam contribudo para a penria dos boticrios1 alaicos. A botica dos jesutas do Rio de Janeiro, que funcionava no morro do
Castelo, provia as boticas da cidade.
A triaga braslica, produzida na botica que os inacianos mantinham
em Salvador, alcanou enorme prestgio em todo o Imprio portugus e
era a segunda fonte de renda da Companhia de Jesus no Brasil. Tal como a
triaga optimado Colgio Romano, era um antdoto universal e uma panacia
para todos os males. Antes de entrar em decadncia, no sculo xix, esse
remdio, composto de extratos, gomas, leos e sais qumicos extrados de
78 tipos diferentes de plantas encontradas nas mais diferentes regies
do Imprio luso-brasileiro, foi objeto da cobia das autoridades pombalinas.
Durante o seqestro dos bens dos jesutas da Bahia, em 1760, o
desembargador responsvel afirmou que haveria na cidade quem desse trs
ou quatro mil cruzados por ela.
Se a histria da medicina colonial, e da sua farmcia em particular,
no pode ser contada sem referncia s religies indgenas e africanas e s
instituies catlicas, na cultura mdica europia, em especial na longa
uadio legada pela medicina hipocrtica c galnica, que devemos encontrar
seu lastro principal.
Frmulas secretas
No Arquivo da Companhia de Jesus, em
Roma, h um documento que j no prlogo
revela a conscincia que os jesutas possuam
do valor simblico dos remdios secretos.
Amigo e c arssim o leitor, no fi z esta Coleo de
Receitas particulares de nossa Boticas, seno
para que se no perdessem to bons segredos, e
estes no andassem espalhados por todas as
mos; pois bem sabes, que revelados estes,
ainda que seja de uma Botica para outra,
perdem toda a estimao: e que pelo contrrio
0 mesmo estar em segredo qualquer Receita
experimentada, que faze rem dela todos um
grande apreo, e estima com fa ma, e lucro
considervel da Botica a que pertence. Pelo
que peo-te, que sejas muito acautelado e
escrupuloso em no revelar algum destes
segredos: pois em conscincia se no pode
fazer, advertindo que so cousas estas da
Religio, e no tuas.
Manuscrito Coleo de vrias receitas
particulares das principais boticas da nossa
Companhia de Portugal, da India, de Macau, e
do Brasil...de autor desconhecido, datado de
1766, apud Lourival Ribeiro, op. cit., pp. 174-5.
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Sob o imprio de GalenoA S D O E N A S E S E U S T R A T A M E N T O S
N A T R A D I A O M E D I C A E U R O P E I A vO
Galeno (130-20 0 d .C.) foi, juntamente com Hipcrates (460-? a .C.), a m
figura da medicina antiga. Sua imensa obra exerceu uma influncia
considervel at o sculo xvu, tanto no mundo rabe quando no Ocidente
cristo. De acordo com a tradio hipocrtico-galnica, transformada em
dogma pelo ensino escolstico professado nas universidades medievais des
o sculo xiii, o corpo humanoseria constitudo por sangue, pituta, bile
amarela tTbile negra. Existiria sade quando esses princpios estivessem en
justa relao de equilibrio (crase), de fora e de quantidade, em perfeita
mistura. Existiria a doena quando um desses princpios estivesse, seja em
menor quantidade, seja em excesso, ou, isolando-se no corpo por uma esp
de obstruo, no se combinasse harmonicamente com o resto.
Eis o grande princpio hipcrtico que os jovens doutores cm
medicina, formados nas universidades europias, deviam ter em mente
enquanto examinavam seus doentes. As doenas seriam causadas por falta
(caquexia), excesso (pletora) ou corrupo de um ou mais humores.
'Tratava-se, ento, de restaurar o dficit ou, ao contrrio, suprimir o excedipodiam taml
A febremo seria nem um sintoma nem uma doena em si, mas a
expresso do esforo curativo da natureza (vix medicatnx miturae).Provenk
do corao, o calor atuaria no cozimento dos humores corrompidos. A
capacidade de discriminar entre os diferentes tipos de febre e atuar no mon
certo em auxlio da natureza distinguiriam o talento dos mdicos. Em caso 1
febre maligna ou pestilencial, o que compreendia a varola, a rubola, a prj
c a peste - todas causadas por humores corrompidos que exalavam um fort
odor -, impunha-se, alm do recurso das ventosas e vesicatrios, o emprege
principais drogas: a triaga, o mitridato ou a pedra de bezoar. A varola, com
peste, matava no estado endmico. O mdico nada podia contra esses lagel
O melhor era deixar a natureza fazer o seu trabalho. Suas sangrias, purgas t
clisteres apenas faziam agravar o estado de sade do enfermo. 1
O crebro tambm tinha suas doenas. O resfriado, considerado
afeco cerebral, devia-se ao excesso de frio ou de calor. O mdico usava ci
a coriza toda uma estratgia. Primeiramente era preciso retirar toda a pitut
com a ajuda de poes e plulas doces. Isso feito, usavam-se os purgativos.!
igualmente recomendvel o uso de purgantes, seguidos de ventosas, vesicat
Mas convinha, antes, evacuar os maus humores. Os humor
se desviar, sendo fundamental rep-los em seus caminhos.
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Nos casos em que dores estomacais eram seguidas por vmitos com sangue,
anunciados pelas cleras midas, acalmava-se a dor com extrato de opiatos,
As cleras secas , assinaladas pelas flatulncias, eram tratadas com a ajuda
de extratos de cochonilha. O intestino era menos secreto. O exame das fezes,
de visu et odoram,permitia um diagnstico mais seguro, pois se determinava
mais facilmente o humor em causa.
Teorias mdicas
Iatroquimica Doutrina mdica originada da alquimia
Paracelso (1493-1541) foi contemporneo de Coprnico, Martinho Lutero,
Leonardo da Vinci e outras figuras associadas com a crtica ao pensamento
medieval e o nascimento do mundo moderno. Seguindo a tradio hermtica,
ele propunha estudar o homem - o microcosmo - por meio do estudo do
macrocosmo, j que o primeiro era a perfeita representao do segundo.
Alguns mdicos entenderam que ali estava uma nova chave para o seu
trabalho. O apelo a novas observaes foi entendido como um ato dc devoo.
0 cristo no deveria mais se limitar a estudar as Sagradas Escrituras, mas
tambm 0 livro da natureza, repleto de revelaes divinas. Na tradio
alqumica, o trabalho de purificao dos metais era entendido como uma ajuda
natureza no seu processo natural de aperfeioamento. Transposto para o
plano do microcosmo (o homem), o trabalho do mdico seria o de recuperar a
sade, buscando substncias medicinais existentes na natureza que agiriam por
simpatiasobre os rgos e humores afetados. Paracelso, que queimou em praa
pblica os livros de Galeno, rejeitava os humores e em seu lugar ps trs novos
p g i n a a o l a d o , a c i m a : Farmacutico p g i n a a o l a d o . ABAIXO: Pinturada Basilea macera ervas. Esta era a a leo representando a figuraetapa inicia l do processo de produo de Hipocrates .de muitos remdios. Aqui, odesenvolvimento de artefatosmecnicos se combinava muitas vezescom mtodos mais tradicionais.
n o a l t o : Paracelso props o estudo domacrocosmo como forma de entendero homem (microcosmo). Grandedefensor dos remdios mineraise metlicos, sua nova leiturada medicina influenciou diversosmdicos da poca.
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3 8 B O T I C A S & I ' H A RM A CI A S
elementos: o enxofre, o mercrio e o sal. Cada doena teria uma teraputica
especifica. ParaVan Helmont (1577-1644), seu seguidor, os processos
qumicos seriam dirigidos por um espirito denominado blas,equivalente aoarcheusde Paracelso. Para essa e outras vertentes da iatroqumica, os estados
patolgicos deveriam ser tratados quimicamente, valorizando os remdios
qumicos. Podemos citar: o trtaro sdico potssico (sal de Rochelle), com
propriedades laxantes; o sulfato sdico e o sulfato de amnio; o sulfato de
potssio (sal policrcsto); o sulfato de magnsio; o carbonato de magnsio (ps
do conde de Palma). Os iatroqumicos encontraram rpida acolhida entre os
prticos sem diplomas. Nos tempos em que o teatro de Molicre ridicularizava
os mdicos hipocrticos, cresceu fortemente seu prestgio nas cortes inglesa e
francesa, entre reis, nobres e burgueses, a despeito da forte oposio da
Faculdade de Medicina de Paris e do Real Colgio Mdico de Londres.
Iatromecnica ou iatrofisica - O organismo equiparado a uma mquina
A revoluo cientfica do sculo xvn no se limitou a acrescentar novos
fenmenos ainda no observados - mudou o quadro do pensamento. O
Universo seria, ento, concebido como o modelo do relgio, em que as partes
que compem o todo esto submetidas s mesmas leis do movimento. Tal
noo pressupe a concepo de uma matria-puramente passiva c composta
de corpsculos submetidos apenas s leis do movimento. A fsica das
qualidades cede lugar a uma viso puramente quantitativa da matria, e a
explicao dos fenmenos fsicos fica restrita causa eficiente. A natureza
seria submetida s mesmas leis, uniformes. Na Frana, Descartes(1596-1650) denunciava a ineficcia da medicina contempornea, propondo
um conhecimento causal do corpo com base em princpios mecanicistas.
Excluiu os princpios oufaculdades (vegetativa, sensitiva, motora) e passou a
explicai-mecanicamente todas as funes do corpo. Ele acreditava na
possibilidade de eliminar todas as doenas do corpo e da mente e at as
enfermidades da idade, investigando-se suas causas mecnicas. Tal concepo
favorecia as pesquisas anatmicas. Posto que tudo era feito de formas
geomtricas e movimentos, tornou-se essencial conhecer a forma dos rgos,
e os,anatomistas se maravilhavam de reconhecer a cada instante no corpo
humano algumas dessas mquinas semelhantes s que os homens fabricavam.
Para Boerhaave (1668-1738), o mais prestigioso dos iatromecnicos, o
organismo seria formado por apoios, colunas, traves, vigas, bastes,
-tegumentos, ngulos, alavancas, roldanas, cordas, lagares [tanques para
espremer sucos], foles, peneiras, filtros, canais, reservatrios .Tud o se faz
mecanicamente nos corpos vivos, e a fisiologia, utilizando e ultrapassando as
descobertas anatmicas, percebe na digesto um fenmeno de triturao, e na
secreo glandular, a peneirao de partculas. Mesmo quando a fisiologia faz
apelo qumica, ela permanece mecnica, posto que interpreta os fenmenos
qumicos como conseqncia do mecanismo dos corpsculos.
e sq u e r d a , a c i m a : Na segundametade do sculo xvm, surgiu ahomeopatia, um sistema teraputicode inspirao vitalista criado porSamuel Hahnemann.
e sq u e r d a , a b a i x o : O naturalistaAlexandre Rodrigues Ferreira, cm suaviajem Filosfica amricaPortuguesa do sculo xvm, registrauma ndia inalando paric, num ritual.
P c i N A a o l a d o : Um laboratriomoderno: nesta cena vemos o avanoda diviso de trabalho no processo deproduo de remdios na EuropaModerna. Enquanto o mestrese atm receita da farmacopia,ajudantes e aprendizes utilizamdiferentes tcnicas.
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A partir do sculo xvni, exceo tios alquimistas, cada vez maisraros, dos sbios galnicos, ainda influentes, e de alguns precursores do
vitalismo, a hegemonia era dos adeptos do mecanicismo.
VitalismoPrincipio vital distinto das foras fisico-quitnicas
Georg Ernest Stahl ( 16 6 o -1 734), qumico e professor de medicina, props .
que os fenmenos da vida seriam irredutveis s leis da fsica. Para ele haveria
lim princpio vital que explicaria os fenmenos orgnicos o animaseria
responsvel por todas as funes vitais. Alm de defender uma fisiologia
vitalista, cr iou a influente teoria do flogsticq para explicar a combusto,
combatida posteriormente por Lavoisier (1743-94).
Na segunda metade do sculo xvm, surgiu a homeopatia, um
sistema teraputico de inspirao vitalista, criado por Samuel Hahnemann .
(1755-1843), que ainda goza de amplo prestgio em muitos pases. Para
"Hahnemann, toda substncia que originasse no organismo sinais semelhantes
aos sintomas de uma doena era suscetvel de cur-la. Trata-se de antiga
concepo hermtica, j presente em Paracelso: a cura pelo semelhante - _
similia siinilibtts curantnr. A idia de que o tratamento se alcanaria pela
administrao de doses nfimas de substncias que, de outro modo,
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causariam os sintomas patolgicos, tornou-sc a base de sua teraputica.
Assim , se a qina (chinchona) - remdio usado contra algumas febres -
provocava sintomas das doenas contra as quais.agia, ela teria,comprovadamente, propriedades teraputicas. \
A superao da medicina humoral
e as inovaes teraputicas
Durante o perodo da chamada revoluo cientfica, em que se destacam os
avanos na astronomia, na fsica e nas cincias naturais, a medicina tambm
conheceu grandes inovaes tericas e prticas. Andr Veslio (151 4-64 ), em
seu excelente livro De hmnani corporis fabrica,de 1543, deplorava a separao
entre a cirurgia - na poca uma tradio artesanal e a medicina. Veslio teria
descoberto mais de duzentos erros nos escritos de Galeno. Em seu De moto
cordis et sanguinis (1628), Willam Harvey (157 8- 16 57 ) descreveu a circulao
sangunea. Seria de esperar que o sucesso dessa e outras descobertas
associadas s novas correntes do pensamento mdico, como a iatroqumica, a
iatrofisica e o vitalismo, acarretassem um colapso no sistema galnico de
teraputica, que era intimamente ligado 'fisiologia humoral, mas isso no
aconteceu. O sistema galnico de teraputica, em razo de seu sucesso prtico
no tratamento das doenas ( preciso ter em mente que vinha proporcionando
uma boa vida aos clnicos havia sculos), sofreu seu maior revs com a
introduo dos remdios de origem qumica.Numa poca em que todos os remdios eram smplices, isto ,
derivados de plantas, o rebelde Paracelso (1493-1541) foi um defensor dos
remdios minerais e metlicos, pregando a doutrina dos remdios especficos
para cada doena - o mercrio tornou-se um especfico para a sfilis ou mal
glico. Sydenham (1624-89), o chamado Hipcrates ingls, tambm defendia
a idia dc que toda doena teria seu medicamento especfico. Com a
descoberta do Novo Mundo, uma droga utilizada pelos indios, a cinchona -
tambm conhecida como casca peruana ou casca dos jesutas - foi
incorporada teraputica mdica como antdoto para as maleitas. No sculo
x v i i i , o reverendo Edmund Stone anunciou a casca do salgueiro como um
poderoso febrfugo (remdio contra a febre), o que foi um primeiro passo
no caminho para a aspirina.
A exceo de algumas drogas, os medicamentos que os doutores de
Coimbra usavam no se distinguiam muito da farmacopeia galnica, ainda
que eles possussem um punhado de especficos e tpicos. Aos mdicos no
faltavam respostas para os diferentes casos que se apresentavam no curso de
suas consultas. Convm lembrar que na medicina humoral no se esperava
que as drogas desempenhassem um papel decisivo na cura. O que se esperava
de uma boa droga no era tanto que curasse diretamente uma doena, mas
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r2ftu*& gad/ni mt c/ni rjarso im r ourij inrrffT pc 'rcrflKfrn yOtg
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que, por meio de sua ao ou faculdade vomitiva, purgativa ou sudorfera,
ajudasse a natureza a restaurar o equilbrio entre os humores. Entretanto, com
a fixao de qumicos e destiladores provenientes do estrangeiro que
comercializavam medicamentos qumicos e, principalmente, com a publicao
da farmacopeia elaborada pelo mdico Joo Curvo Semedo (1635-1719),
Polianteia medicinal(1695) - tornado uma espcie de evangelho dos mdicos
portugueses a comunidade mdica incorporou a nova teraputica. Outra
obra influente, a Pharmacopeia ulyssiponense, escrita pelo francs Jean Vigier(1662-1723), comerciante de drogas estabelecido em Portugal, foi a primeira
farmacopia escrita em portugus a tratar organizadamente a preparao de
medicamentos qumicos."
Com a incluso das obras de Paracelso no Index, a Inquisio
portuguesa perseguiu os remdios alquimicos. Do ponto de vista doutrinal,
a farmcia galnica se opunha s drogas secretas de ampla difuso, pois estas
ignoravam as particularidades do paciente: sua constituio, seu
temperamento, sua idade e seus hbitos alimentares e higinicos. O fsico
galenista, tendo de escolher freqentemente entre vrias indicaes
teraputicas, devia levar em conta no apenas a causa da doena, mas
tambm todos os aspectos do paciente e de seu meio. Em Portugal, as
medicinas (mezinhas) da farmcia galnica, caracterizada pela produo
pelo boticrio, mediante a receita do fsico, e indicadas para determinado
Uocnte, iam de encontro aos remdios secretos e s panacias, vendidos
em larga escala e consumidos como automedicao (gua da Inglaterra,
gua celeste). Condenados pela Reforma pombalina do ensino mdico, em
1772, os remdios secretos foram mais perseguidos a partir da criao da
Junta do Protomedicato, em 1782.
1 1 As principais referencias
histria da farmcia em
Portugal foram extradas de
PITA, Joo Rui. Histria da
farmcia,Coimbra: Minerva
Editora, 2 ed., 2000.
p g i n a a o l a d o : Andr Veslioapontou mais de duzentos erroscontidos nos escritos de Galenoe deplorou em sua obra Dc humanicorporisfabrica (1543) a separaoentre cirurgia e medicina.
a c i m a : Para a latroqumica. cada rgohumano mantinha uma correspondnciacom um signo zodiacal. Isto explicava apreponderncia dc certas doenas emdeterminadas estaes. Para realizarsangrias era preciso reconhecer, emcada ponto, sua relao zodiacal.
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5 .)
As farmacopias portuguesasH O S T R A T A D O S D E N A T U R A L I S T A S , M D I C O SE C I R U R G I E S D O B R A S I L C O L O N I A L
12 SHAPIN, Steven./) revoluo cientifica. Lisboa:Difel, 1999.
A medicina domstica, com o a profissional, baseava-se,
principalmente, em folhas, razes, sementes ou
cascas, denominados simples.As ervas eram modas,
maceradas e diludas em infuses. Entre os antigos,
Celso (sculo 1 d.C .), Dioscrides (sculo 1 d.C.) e
Galeno (sculo 11, d.C.) compilaram receitas sobre ervasem tratados de matria mdica. Suas obras, muito
apreciadas desde a Idade Mdia, divulgavam o emprego
medicinal de substncias aromticas como o aafro, alm
de leos e ungentos. A medicina rabe acrescentou
novos preparados de origem persa, indiana e oriental.
Dentre as drogas desconhecidas pelos autores gregos
que foram absorvidas pela medicina medieval
destacam-se a cnfora, a cssia, a sena, a noz-moscada,
o tamarindo, a canela e o cravo.
O impulso humanista para a observao direta,
valorizando a experincia individual com o forma de
conferir a autenticidade de textos antigos, teve sua
expresso mais impressionante na histria natural do sculo xvi. Nesse
dominio do conhecimento, entendia-se que as cpias dos textos anteriormente
referidos tinham um carter duvidoso. Admitindo-se que as formas das
plantas e animais no se alteraram ao longo do tempo, a observao podia
ajudar a decidir quais haviam sido, na verdade, as descries originais. Dessa
forma, os autores humanistas seguiam as recomendaes prescritas pelos
antigos. Galeno recomendara aos praticantes da medicina que se tornassem
especialistas em toda a matria mdica, examinando pessoalmente a ao
teraputica dos remdios. Tendo realizado a observao direta, mdicos,boticrios e cirurgies aproxim avam-se de suas fontes antigas mais bem
preparados.12A busca pelo realismo em ilustraes botnicas, em oposio
ao significado alegrico e funo decorativa, reforava a mensagem, explcita
nos textos, de que a experincia pessoal era um guia mais confivel que
a autoridade.
Outro impulso em direo ao livro da natureza veio das tradies
hermtica e alqumica j mencionadas. Subjacente a essas crenas havia a
convico de que todas as criaturas tinham uma infinidade de significados e
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B O T I C A S E B O T I C R I O S N O B R A S I L C O L O N I AL 4 }
p c i N A a o l a d o : Na imagem, v-se
a preparao de uma teriaga.Esta panacia universal contra todosos venenos e diversos males eraelaborada por boticrios sobsuperviso mdica.
a c i m a : A aplicao de clisteres era
usual na teraputica galmca. Nestaimagem, que integra o conjunto depainis de azulejos oitocentistas daReitoria da Universidade Federal daBahia, percebe-se a ambiguidade deintenes dos personagens.
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4 4 B O T I C A S & P H A R M A C I A S
I HENRY, John.A revoluo
cientifica. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1998.
I -I Sobre a farmcia nos
perodos do barroco, do
iluminismo e do romantismo,
servimo-nos de PITA, Joo Rui,
op. cit.
Transformaes no sculo da RazoNo sculo da Razo, cuja obra mais famosa,a Enciclopdia de Diderot e D'Alembert, louvaas cincias e a tcnica, dois campos do saber
sofreram profundas transformaes comimplicaes diretas para a arte farmacutica:a histria natural e a qumica. Cari Lineu(1707-78), em Systema naturae (1735),apresentou uma classificao binominalbaseada nos rgos reprodutores de animaisou vegetais, que tornou possvel organizarum catlogo coerente do gigantescoinventrio de ambos os reinos. No campo da
qumica, Lavoisier (1743-94) o nome maisnotvel de toda uma gerao que, ao criar o
a c i m a : Cari Lineu criou a base declassificao binomial usada aindahoje na sistemtica.
incontveis conexes de simpatia c antipatia com outras coisas, fossem
animais, plantas, corpos celestes, nmeros ou artefatos humanos, como
amuletos e moedas. Isso explicava a ao curativa de certas plantas. Aqui ahistria natural era vista como um meio de exibir as maravilhosas sabedorias,
arte e benevolncia do Criador.13
A descrio de espcies botnicas engendrou uma vasta rede de
cooperao internacional. No Novo Mundo, mdicos, farmacuticos,
botnicos, diplomatas, viajantes, com ertiantcs c clrigos foram em busca de
ouro e prata, mas tambm de novas drogas. A matria mdica j tinha os
novos produtos exticos vindos da ndia. Garcia da Orta (1501 -68), autor do
-Colquio dos simples e drogas c cousas medicinais da ndia,editado em Goa, em
1563, era fiel ao esprito da tradio renascentista. Ao contradizer os antigos e
manifestar sua predileo pelos rabes, ele afirmava ter sido testemunha direta
de tudo o que relata, ao contrrio de Galeno, que se utilizava muitas vezes de
informaes de segunda mo. Escrito em portugus, cada um dos 58
colquios, ou partes em que se divide sua obra, se dedica a uma ou mais
drogas, partindo de uma apresentao etimolgica, antes de passar sua
aparncia, origens, preparao e uso teraputico. Dentre suas descries
encontram-se as da cnfora, da palma, do sndalo, da assa-ftida, do gengibre
e da babosa (aloe vera).Como continuao ao trabalho de Orta, deve-se
mencionar o de Cristvo da Costa, com seu tratado sobre as drogas orientais.
Tratado de las drogas e medicinas de las ndias Orientais (1568). A prioridade na
descrio de vrios simples da Amrica coube aos portugueses. Basta citarmos
os viajantes Pero de Magalhes Gandavo (?-i57), Gabriel Soares de Sousa,autor do famoso Tratado descritivo do Brasil,os missionrios Jos de Anchieta
( I534- 97) e Ferno Cardim (1549-1625), que do notcias sobre doenas,
rvores e ervas medicinais do Brasil.Todos participam do mesmo influxo
cultural. Com exceo da obra dos fsicos holandeses vindos com Maurcio de
Nassau (160 4-75), Guilherme Piso (1611 -78) e George Marcgraf
(1611-48), Histria natural e mdica da ndia Ocidental,os primeiros tratados
novo conceito de elemento qumico, ajudariaa enterrar a milenar teoria dos quatro
elementos fundamentais da natureza: terra,fogo, gua e ar. Como salienta o historiador
joo Rui Pita,Mum momento crucial de todaessa revoluo foi quando Cavendish(1731-1810) combinou o ar inflamvel" como ar desflogisticado para obter gua. Apsse debruar sobre o problema da combustoe apresentar o oxignio, como elementofundamental nas reaes de combusto,afastando a teoria do flogisto, Lavoisier abriu
espao para a reviso de toda a
nomenclatura qumica. Com Fourcroy(1755-1809) e Bertholet (1748-1822), as
denominaes antigas, como o cidovitrilico" e as "flores de zinco", setransformaram em cido sulfrico e xido dezinco sublimado, respectivamente.
No final do sculo xviu e no seguinte, a novanomenclatura qumica freqentaria todo o
saber farmacolgico. Contudo, os trabalhosqumicos no seriam, inicialmente, toanimadores, j que no dariam respostasmais adequadas que aquelas alcanadas pelafarmcia galnica. O isolamento de
princpios ativos a partir de drogas vegetaiscomea no incio do Oitocentos.
PGINA AO LADO, AChMA: Em SCUErrio mineral,publicado cm 1735,o cirurgio portugus Luis ComesFerreira faz um relato de 35 anosde experincia teraputica na regiodas Minas, sintetizando os sabereserudito e popular.
PGINA AO LADO, ABAIXO: Em I772,Marqus de Pombal promoveuimportantes reformas na Universidadede Coimbra.
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B O T I C A S E B O T I C R I O S NO B R A S I L C O L O N I A L 4 5
M I N L R A Ld i v i d i d o e m d o z e
T K A I' A D O S.DLDlCMHr. f. OFFERECIOO
A PURSSIMA, E SERENSSIMA VIRGEM
N O SS A S E N H O R A ^DA CONCEYCAO.a u t o r
L i : i s G O M H S F E R R F Y R A ,Gntrgh apprcrjado, ruturalJa VilU de S. Tcdro dc
Jiu lc, e j/fittentc rut iWinjl dccuro pjrdijcurj' dc vinte jtwCjI.
" E R R I O
L I S B O A O C C I D E N T A L .N Ciiu d c M I C U E L R O D R I G U E S , } '
ImpfclTof doSenhor Parares . '
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tcd.uj iicenASlucefiaridi' J
mdicos em lngua verncula sobre as patologias que afligiam os habitantes
locais datam dc fins do sculo xvn e incio do xvin. Simo Pinheiro Mouro,
mdico c cristo-novo, escreveu o Tratado nico das bexigas e do sarampo
'(t 68J) . Joo Ferreira da Rosa descreveu uma epidemia de febre amarela - a
qual denominou bexigas - no Tratado nico da constituio pestilencial de
Pernambuco(1794). Miguel Dias Pimenta, cirurgio e mascate, estudou uma
patologia ento muito disseminada e hoje desaparecida, o maculo ou mal deiv . t Wculo,na obra Noticia do que o achaque do bicho (1707).
Os boticrios compulsaram, no Brasil colonial, alm de um grande
nmero de transcries manuscritas de receiturios diversos, a obra impressa
de Garcia da Orta e as j referidas Polianteia medicinalc Farmacopeia
Ulissiponense,galnica e qumica. Outras farmacopias importantes, antes da
Reforma pombalina, foram a Farmacopeia lusitana(1704), do cnego Don
Caetano de Santo Antnio, que teve outras trs edies, ainda no sculo xvni,
e a farmacopia Tubalense quimico-galncia (1736), do boticrio Manuel
Rodrigues Coelho (1687-?). No sculo xvni, o verdadeiro sculo das
farmacopias, o cirurgio portugus Lus Gomes Ferreira participou da
grande corrente migratria que se dirigiu s Minas. Em sua obra, Erriomineral, publicada em 1735, rene, num estilo muito prximo ao de Curvo
Semedo, o relato de todos os segredos dc sua longa experincia teraputica dc
quase 35 anos, em que aparece vivamente uma sntese dos saberes popular e
erudito. Em todas essas farmacopias encontramos inmeras frmulas
medicamentosas, mais ou menos mgicas: ps de mmia, ps de vbora, pedra
de bezoar (concreo extrada do estmago de certos animais), raspadura de
unicrnio, triaga de esmeraldas. Todos tidos como poderosos remdios que
O uso das galinhas no tratamento
de doenas
O Marquez de Pombal, do Conselho de Estado.
Fao saber Junto de Administrao da Real
Fazenda da Capitan ia do Rio de Janeiro que
havendo assentado em conferncia dc Mdicos
e Cirurgies no Hospital Militar desta Corte na
conformidade do que se achava determinado no
Hospital Real desta Cidade a respeito do
alimento que se deve ministrar aos Enfermos
depois de ser conhecido por srias reflexes e
multiplicadas experincias e pela prtica de
todas as naes civilizadas, que 0 uso das
Callin hos para aquelle feito era huma
preocupao quimrica insubsistente e ath
contraditrio dos princpios cm que se fundava
Pois que confessando-se que os enfermos e os
febricitantes devio sustentar-se em
mantimentos tnues e de digestam fcil se lhes
ministrava na substancia mesma dagallinha 0
fomento da me sma febre.
El Rei Meo Senhor 0 mandou etc. Lisboa.19 de julh o de 1775.
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P H A R M A C O P E A
LUSITANAA U G M E N T A D A
MTHODO PRATICOf
D E P R E P A R A R OS M E D I C A M E N T O Sna fornia Galcnica, e Chimica
*
P O R
D. CAETANO DE S.ANTONIO,C O N EG O R E G U L A R D E S. A G O S T IN H O ,
Adminijlraorda Botica do Real Mo/lelro
de S. VicentedeFra.
Q U A R T A E D I A .
A
LISBOA: M.DC.LIV.
No Moteiro de S. Vicente de FraCamara B.eal deSua Mageilade Fideliffima
C o i T l t o d a s a s c e n r n s np rp .iT /irr/i o 0 T?
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obro por virtudes c qualidades ocultas e que obro por simpatia e
antipatia. Nas caixas de botica do viajante naturalista Alexandre Rodrigues
Ferreira (1756-1815), em misso cientfica ao Brasil, inclua-se o sal de
vboras. Isto , j cm fins do sculo xviu se empregavam ps-viperinos obtidoscortando em pedaos midos, corpos, coraes, ligados de vboras, que
depois eram secos e reduzidos a p sutil. Delas contavam tambm olhos de
caranguejo, almscar oriental e triaga.
No contexto da chamada ilustrao portuguesa, reforada com a
chegada de d. Jos 1 (1 714 -7 7 ) ao trono c pela reforma da Universidade de
Coimbra de 1772, promovida pelo marqus de Pombal (1699-1782), houve
uma reviravolta na orientao dos estudos mdicos em Portugal. O galenismo
cede terreno iatromecnica de Boerhaave c influncia do mdico ingls
Tliomas Sydenham, partidrio do uso de ferro, quina, antimnio, mercrio,
aafro, jalapa, assa-ftida, entre outros purgantes e diurticos. Em 1794,
foi publicada a primeira farmacopia oficial portuguesa, denominada
Pharmacopcia geral para 0 reino e domnios de Portugal. Dona Maria 1a
promulgou em alvar que tornava obrigatrio haver um exemplar em cada
botica ou drogaria. Seu autor, professor de matria mdica e farmcia
Francisco Tavares (1750-1812), posteriormente fsico-mor, redigiu vrias
obras cientficas. Manuel Joaquim Henriques de Paiva (1752-1828),
boticrio, com carta desde 1770 e mdico pela Universidade de Coimbra,
em 1781, um dos maiores divulgadores da cincia moderna em Portugal,
membro da Sociedade Literria do Rio de Janeiro, publicou a Farmacopia
lisbonense ou coleo dos smplices, preparaes e composies mais eficazes, e de
maior uso (1785). Outra obra do perodo foi publicada pelo mesmoHenrique de Paiva, a partir das anotaes deixadas pelo primeiro professor
de matria mdica e farmcia da faculdade de medicina de Coimbra aps
a reforma, Francisco Leal (1744-86), denominava-se Instituies ou
elementos de farmcia (1792).
Bernardino Antnio G omes (176 8-18 23) , mdico e cirurgio da
Armada Real, embarcou em Lisboa, para o Brasil, em 1797, onde permaneceu
durante quatro anos e meio. Destacou-se por suas atividades em diversos
ramos da medicina. Em farmacologia pesquisou no domnio da qumica
analtica da poca. So exemplos de suas investigaes: a ao da romeira-
brava e de outras plantas verm fugas e; a descoberta da cinchonina, o primeiro
alcalide extrado da casca da quina. Ele comeou a dedicar-se ao estudo dabotnica em sua primeira estada no Brasil, onde realizou observaes
teraputicas sobre 16 espcies de plantas brasileiras. Desses estudos
resultaram as memrias Sobre a ipecacuanha fusca do Brasil(1801), Sobre a
canella do Rio de Janeiro (1798) e Sobre a virtude tenifuga da romeira.
\ - ' ' '
A F A R M A C O P A. . L I S B O N E N S E
o u
n o t s i: \* MOLS TIAS EM OVE * \ o E MPR CO ADO*.
AS PLANTAS MCDICIXAE6 INDGENAS DO RASIL.
AS AOCAS MINERA BS.
A ESCOLHA DAS MELHORES PORUCLAS,
o STMPTOUA E O TRATAMENTO RESUMIDO DAS MOLSTIAS,
i : MUITAS INSTRCCESPETEM*
* P'R . *
PEDRO LUIZ \ APOLE.tO BflERNOVIZI - " J1 j . El i Um Kl * . . 1 - ' * ; 1>' -* ' E l r u i . a . cas i .t a
m 1883, que, ao contrrio dos homens louros e de olhos azuis, os
egros e mestios no se queixavam nem do fgado, nem do bao, nem
os pulmes, nem morriam dos nervos, nem de histeria. Com o
brandamento da escravido, alm do uso do rap e de outros hbitos de
rancos, acabaram se transferindo para as camadas populares e gente de
or o direito dc ostentar doenas consideradas privativas da elite, como o
direito de ser anm icos , o direito de sofrer de reumatismo , o direito
e morrer do corao e de febre amarela . Direitos considerados biolgica
u naturalmente superiores.
Gilberto Freyre21 observou, ainda, que foram vrios os remdios
c negro, de caboclo, de matuto, de caipira, ou sertanejo desprezados pelos
civilizados como indignos de gente fina ou delicada. Nas reas mais
equintadas em cultura europia, alimentos, bebidas e remdios caros,
mportados da Europa, constituiam indcios que expressavam a ostentao
enhorial. Para essa gente superior de raa fina , os remdios rsticos
areciam produzir maior dano que as prprias doenas. Nos anncios de
ornais eram freqentcs os remdios recomendados para pessoas delicadas , D *fidalgas ou nobres . Isso explica por que a dinmica da moda se instalou
a teraputica, afetando o comrcio, o consumo e o preo dos remdios.
O Elixir tnico anti-cholrico de Guilhi, o remdio Le Roy, indicados
nicialmente para as senhoras e os fidalgos, acabariam, depois de certo tempo,
esprezados por ambos e vendidos em garrafas s para as roas e para os
egros . J em 1835, Xavier Sigaud (17 96 -18 56 ), no artigo A moda dos
emdios ou os remdios da moda, publicado no Dirio de sade, comentava
obre o trmino do longo reinado das sanguessugas, que chegaram a ser
mportadas aos milhares por ano, e poca j no gozavam de ampla adeso.
No apenas os remdios e drogas entravam e saam de moda. O famoso
ormulrio e guia mdicodo doutor Chernoviz, que gozou de amplo prestgio
as farmcias do Imprio e era apreciado pelos mdicos dc ento, j na
rimeira Repblica foi duramente criticado como repositrio de crendices
ntegrado ao universo popular de cura.
O I T A V A E D I O'fora-UufinAi oix>r>M.r) fiuKTli) dIW, Nutlirartlnsit
PAIUZE M C A S A D O A U T O R
RU A RA T NO U A A I , t i
a* a rM t|
1808
FREY RE, Gilberto.Sobradose mticambos: decadncia do
patriarcado rural cdesenvolvimento urbano. Rio deJaneiro: Livraria Jos Olympio,
I977>PP-379' 420-
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8 .)
Associaes farmacuticasNA C I D A D E I M P E R I A L D O R I O DE J A N E I R O
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i l l i PERlODICO DA SOCIKDADi: PHARMACEUT1CA
UIUS1LKIR.I
Redigido j*lo ocio contribuinte iIj omnu
IGNACIO JOS MALTA
Plurnuccutko pela Phjricatura Mr do Reino, Gvalleiro1 da liM|xriil Ordem da nos, Membro do Instituto ,j llon.mopatl.ico do Prasil, da Sociedade Ycliosiana, da (
Sociedade AusiKadora da Industria Nacional,J da Socicdadedo Mcdicba-Homoeopatliica dc Paris, dl Scciedadc Auiilii dora da Agricultura, Commcrcio e 'v Artes da Proriocia dc S. Paulo,J d CoogregaJo Medica-lIomceopatLica Flumiacnse.
clc., etc., etc.
2/ Addo. % \. 1.
E.RIO DE JAAEIRO
TTPOGRAPniA - PAULA UBITOTRAA DA CO.XSTtTCIO
186S
Em 1861, era formalizado o acordo entre a congregao da Faculdade de
Medicina do Rio dc Janeiro e o presidente Ezequiel Correia dos Santos para
cesso do laboratrio qumico-farmacutico de sua propriedade, onde era
ministrada a cadeira de farmcia prtica. A reivindicao dc criao de uma
cadeira de farmcia prtica nas faculdades de medicina, dirigida pela
associao Sua Majestade Imperial em abril de 1852 e prevista pela reformado ensino de 1854, agora se concretizava tendo frente da cadeira Ezequiel
Corra dos Santos Jnior. Todavia, essas conquistas foram provisrias, pois
dependiam de acertos polticos.
O Instituto Farmacutico do Rio de Janeiro, criado estrategicamente
no dia do aniversrio da princesa Isabel, em 29 de julho de 1858, conseguiria
alguns patrocnios do governo por intermdio das figuras do imperador e da
princesa. Ele mobilizou a elite farmacutica e mdica em torno de suas
iniciativas, principalmente as voltadas para o ensino farmacutico. A partir
dos anos 1870, terminada a Guerra do Paraguai, sobressaiam, entre seus
scios, alguns farmacuticos militares, como o alferes Augusto Csar Diogo,
que a partir de 1877 ficaria encarregado do Laboratrio Qumico-
farmacutico, rgo do Servio de Sade do Exrcito. Como na Sociedade
Farmacutica, cujo perodo ureo correspondeu gesto do boticrio
Ezequiel, que a presidiu at o seu falecimento, em 1864, a histria do Instituto
foi marcada pela trajetria de seus dois mais importantes gestores (ver
anncios dos seus estabelecimentos - Almanaque Laemmeri).
O primeiro, que exerceu o cargo durante 24 anos, o francs
Eduardo Jlio Janvrot, veio ainda criana para o Brasil, diplomando-se
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S 4 B O T I C A S St P H A R MA C I A S
Dulcamara: personagem e remdio
Em 1844, a pera italiana Elixir de amor, de
Caetano Donizetti (1797-1848), estreava nacapital do Imprio, no teatro So Pedro da
Alcntara, localizado na praa da
Constituio, atual praa Tiradentes. O
libreto da pera de autoria de Felice Romani
(1788-1865) contava uma histria de amor
cujo principal personagem Dulcamara. Ele
vendedor de um elixir do amor e convence
o apaixonado Nemorino a compr-lo para
conquistar a mulher amada, Adina. Crdulo
nas propriedades milagrosas da poo,
Nemorino no desconfia que a herana que
recebera era a verdadeira causa da sbita
ateno de Adina. Essa stira figura do
charlato foi explorada pela elite
farmacutica e mdica reunida na Academia
Imperial de Medicina, em suas denncias
prtica dos homeopatas.
farmacutico em 1854 pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.
Proprietrio de botica, depois transformada em farmcia e drogaria, preparava
e importava diversas especialidades farmacuticas. Eugnio Marques de
Holanda, natural do Piau, ocupou a presidncia do Instituto de 1882 at seu
trmino, em 1887. Era farmacutico, tambm formado pela Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro em 1860, e proprietrio de botica emTeresina e
no Rio de Janeiro, sendo que em 1881 inaugurou o Laboratrio da Flora
Brasileira com a presena do imperador Pedro 11. Ambos foram farmacuticos
da Casa Imperial e pertenceram Academia Imperial de Adedicina e a vrias
associaes nacionais e estrangeiras.
Entre 1858 e 1874, as aes do Instituto Farmacutico, tal como
as da Sociedade Farmacutica Brasileira que o precedeu, voltaram-se,
principalmente, para a elaborao de representaes dirigidas ao governo
imperial, denunciando as irregularidades cometidas no exerccio da
farmcia na corte. Nessas iniciativas agiam juntamente com os mdicos
filiados Academia.
Durante o ano de 1874, quando a cidade carioca foi acometida
novamente por uma epidemia de febre amarela, o Instituto conseguiu criar
uma escola preparatria para o ingresso no curso de farmcia das faculdades
de medicina - a Escola de Humanidades e Cincias Farmacuticas. Quando
escasseavam as verbas provindas do Instituto e do governo imperial, lanava-
se mo do beneficio teatral que consistia na apresentao de peas, cujo valor
recolhido era revertido para a Escola. Embora de curta durao, a Escola
chegou a reunir 193 alunos em 1875 no seu curso de humanidades, tendoincio no ano seguinte o curso de cincias farmacuticas.
O Congresso Farmacutico de 1877
Entre maio e junho de 1877, a Tribuna Phamiaceulicae alguns jornais de
maior circulao noticiavam o 1 Congresso Farm acutico realizado no Brasil,
nos dias 17 e 27 de maio. Entre os motivos apresentados pelo Instituto
Farmacutico para a sua realizao, destacavam-se:
O desnimo a que essa infeliz classe se tem deixado chegar, em
detrimento de seus prprios interesses, de cincia e de sade pblica; a facilidade
com que se contrariam direitos adquiridos; a opresso que leva essa mesma classe
a abandonar seus arraiais para filiar-se em outras profisses. (Jornal do commercio,
Rio de Janeiro, 21/05/1877)
Os farmacuticos do Instituto depositavam naquele evento a
esperana de alcanar os seus propsitos de conquistar a autonomia
profissional do farmacutico principalmente com relao aos mdicos. Estes
tinham exclusividade no ensino farmacutico ministrado pelas faculdades de
medicina e eram apontados como infratores das leis, pois compravam
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9.)
Da matria mdica farmacologia
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a c i m a : Farmcia homeoptica dosculo xix. montada com frascos cinstrumentos de poca, no MuseuHistrico Nacional.
dc drogas industrializadas foi resultadodireto da aproximao entre afarmcia e a qumica no ambienteuniversitrio europeu.
PCINA AO LADO. ACIMAPropaganda da Agua de Scltz, dolaboratrio Fritz. Mack &. cia, mostraum produto feito de maneiraindustrializada O desenvolvimento
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conseqente proliferao de farmcias homeopticas por todo o territrio
nacional. Entre seus divulgadores destacam-se Domingos Azeredo Coutinho
Duque Estrada (1812-1900) e Emlio Gerson, autor de um Manual
homeoptico.O prestgio da homeopatia cresceu com a chegada da lebre
amarela ao Brasil. A populao via com desconfiana e medo a medicao
aloptiea. Mais barata, a terapia hahnemaniana foi muito usada no tratamento
dos escravos. Desde o incio, ocorreram cises entre os homeopatas.
Os puros, seguidores da doutrina original, se opuseram s modificaes
que os evolucionistas realizavam, ao incorporar certos princpios alopticos.
Em fins do sculo xix, muitos mdiuns espritas, formados ou no cm
medicina, praticaram a homeopatia. Muitos manuais e boticas homeopticos
foram anunciados nos jornais da Corte e das provncias. Na Santa Casa da
Misericrdia do Rio de Janeiro uma enfermaria homeoptica funcionou sob
a direo de Saturnino Soares de Meirelles.
A dosim etria era um mtodo teraputico criado por Adolphe
Burggraeve (1806-96), mdico belga.Tinha em comum com a homeopatia a 'crena vitalista. Para ele, a matria orgnica seria regulada pelas leis das
O 1 Congresso de Farmacuticos
Anuncia-se um congresso farmacutico.
Esta notcia, dissimulada entre os pedidos
doJo rn al do com mc rcio , fez-me tremer e
desmaiar. Porque motivos um congresso de
farmacuticos a reunirem seus pensamentos
e vontades? Curiosidade e mistrio!
Os congressos geralmente causam-me
susto. Quando os mercadores de batatas,
por exemplo, ou de azeite ou de qualqueroutro produto, anunciam que vo reunir-se
e fazer um convnio de mercadores no ,
se destina a favorecer o adversrio. Ora, o
comprador o adversrio irreconcilivel,
eterno, eternissimo, do vendedor. No
certamente a mesma coisa um congresso de
farmacuticos. Seus fins so indiferentes
do preo das drogas. So intuitos cientficos.
Ah! Se no fossem intuitos cientficos!
Na medicina, cirurgia e farmcia, o que faz
medo a parte cientfica. As outras partes
no valem nada. Um bisturi, por exemplo,
no tem nada que faa tremer a passarinha:
um instrumento especial, liso, bonito.
Nas mos do cirurgio em contato com
o nosso plo, quase uma viso da
eternidade. Por isso tremo da cincia.
A cincia objeto especial e nico do
prximo congresso. Vai tratar-se dos efeitosdo quinino e da pomada mercurial. Vamos
saber em que dose o arsnico, feito em
plulas, pode dar sade ou matar. Enquanto
essas coisas ficam nos gabinetes interiores
das farmcias, a gente vive feliz, recebe as
plulas, absorve-as, passeia, cria foras, sara.
Mas tratadas luz do dia a coisa muda
muito de figura. Depois de um longo debate
do congresso, se o meu mdico me receitar
arsnico em plulas, com que cara as olharei
eu? Que trazes tu, plula? Direi em forma
de monlogo: a mo do farmacutico
escorregou no arsnico? Trazes a vida ou a
morte? Vou passear at a esquina ou at o
Caju? Plula, s tu plula ou comparsa da
Empresa Funerria? It is the rub... Sc a voz
de um cliente pode ter algum peso no
nimo dos cirurgies e dos farmacuticos,
nada de congressos, ou, se houvercongressos, nada de discusso pblica.
Dizem que cozinha e poltica no devem
ser feitas s claras, porque faz perder o
gosto... do jantar. Penso que a mesma
coisa na farmcia. F dos padrinhos:
a ltima palavra da experincia humana.
(Crnica de Machado de Assis, na Ilustrao
Brasileira, sob o pseudnimo "Manasses",
Iode junho de 1877)
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Iixenciautipeis aspevtkT* eral aonygtfao noiuiperioao ts:.'.zii.
P R E M J O JN A C I O N A I -
i , 16,600 tr .G r n rv d c M e d a l h a d e O U R O
sax.ESijB, v i casrofaoE n c e r ra n d o t o do s o s p r i n c p i o s da s 3 q u i n a s
APEMTI VO. TONICOo ElXiUEUGOAnri(h>i'it*!rr.o 0 de ?ui*rionmutc
fi; 0 mesmoFSRRUGINQSOj r Recoinr.:_-:nb
l io SANO Ul-J CO N SE Q U EP
filado C*t:rJ0DnPAUPEUAtlEHTOu r . ,x C H L O a O A V E M I A , e &8
C O N S E Q U N C I A S D O P A T t 7 0 e lC .
rt< JO rn.x Pmarl nna orfthll** rioMaot
vibraes moleculares5', especficas dos seres vivos. Nas molstias,
os organismos perdem sua vitalidade, podendo chegar morte depois de
passar por qua"o fases ou perodos consecutivos: o dinmico, o preparatrio,
o constitutivo (de reparao ou de desorganizao) e o de convalescena.
A chave da teraputica era a administrao de medicamentos, sob a forma
de grnulos, contendo o princpio ativo das substncias medicinais em doses
precisas de acordo com os diferentes sintomas apresentados pelo paciente.
Teve adeptos no Brasil e, em 1883, quando o hospital da Beneficncia
Portuguesa abriu uma enfermaria para a medicina dosimtrica, Machado
de Assis ridicularizou o que chamou de nova religio .
A revoluo pasteuriana* *1 V
Com o sucesso da aplicao da vacina anti-rbica, criada por Louis Pasteur
em 1885, no pequeno Meister, que fora mordido por um co raivoso, inicia-se
a histria da imunologia e da soroterapia contra a ao deletria de bactrias
e vrus. No mundo todo, apareceram os caadores de micrbios . Ficaram
famosas as experincias realizadas pelo mdico carioca, professor de qumica
da Faculdade de Medicina da Corte, Domingos Freire (1843-99), que
produziu solues originais visando profilaxia e cura da febre amarela.
A preocupao com a escalada mortfera da febre amarela levou o imperador
d. Pedro 11 a convidar Pasteur para vir ao Brasil. Este s desistiu quando
soube que no poderia empregar prisioneiros condenados morte em suas
experincias. No Brasil, explicou-lhe o imperador, fora abolida a pena de
morte. Isso abriu espao para Domingos Freire, que pretendia matar o
Cryptococus xanthogenicus,suposto microrganismo causador da febre amarela,
com aplicaes de injees hipodrmicas de salicilato de sdio. Em seguida,
props e produziu em larga escala uma vacina preventiva. Entretanto,
somente no sculo xx, com a descoberta da vacina antitifide (Vincent, 1913)
e com a vacina b c g (Calmette e Gurin, 1922), contra a tuberculose,
iniciou-se de fato a produo de medicao contra as doenas infecciosas.
D E
| PRODUCTOS VEGETAES
Molstias Cap ilares
im irt in o v\ 3*
fpaasia iaBJS
p g i n a a o l a d o : Produto nacional:xarope de abacaxi, feito em
Pernambuco, em duas verses de
rtulos, com diferentes idiomas, 1888.
n o a l t o : Anncio do tnico medicinalQuina Laroche - Elixir Vinoso, de 1888.
a c i m a , d i r e i t a : Anncio de tnicofeito com extratos vegetais para
combater molstias capilares. 1888.
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P A R T H
Desenvolvimentos da
farmcia contemporneaO crepsculo da farmcia Novas prticas farmacuticas
oficina/ e da arte de formular
A propaganda dirigida aos
Os avanos na cincia mdicos e ao grande pblico
farmacutica e o sucesso da
nova teraputica Das farmcias s drogarias
>) Origens e evoluo dos
medicamentos industrializados
no Brasil
)) As transformaes da indstria
farmacutica nacional
>) A formao do farmacutico no
contexto republicano
)) Os rgos de classe e
sociedades fa rmacut icas
>) Desafios e tendncias atuais
-\y
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1 . )
O crepsculo da farmcia oficinalE D A A R T E D E F O R M U L A R
No final do sculo xix, as farmcias ainda mantinham boa
parte do instrumental tecnolgico herdado das boticas.
Na sala da frente, prateleiras repletas de frascos de loua,
brancos ou negros, de tamanho uniforme e inscries
douradas gravadas a fogo, onde eram guardadas as
substncias postas venda. Nas dependncias dos
fundos, vedadas aos clientes, boies, frascos de vidro e
grandes potes de loua ou de barro encerravam o material
slido ou em p. L tambm ficavam os instrumentos:
almofariz para a macerao, cortador de razes, tachos
de bronze e coadores diversos; utenslios fundamentais
para o preparo das receitas solicitadas pelos mdicos,
ou muitas vezes indicadas pelos prprios farmacuticos.
Estas ainda tinham como base os purgativos, supurativos
e tnicos reconstituintes que, em sua maior parte,
eram preparados com diferentes substncias vegetais,
animais e minerais.
No decorrer do sculo xx, esses tradicionais
estabelecimentos passariam por um longo processo de transformao, que
acabaria por excluir do seu perfil as atividades artesanais de preparo de
substncias empregadas na arte de curar, confiando sua responsabilidade
a comercializao de medicamentos industrializados, agora utilizados pelas
cincias da sade. Esse processo se relacionou, principalmente,
ao desenvolvimento da produo de medicamentos e s conseqentes
modificaes nas suas formas de distribuio e comercializao ocorridas nas
ltimas dcadas do sculo xix. At ento, a medicina tinha como suas
principais armas teraputicas um pequeno nmero de medicamentos eficazescontra algumas doenas e uma grande quantidade de misturas, de efeito
duvidoso, muitas vezes usadas de forma irrestrita contra diversas doenas.
O advento da microbiologia, as investidas da teraputica no campo da quimica
e o distanciamento do pensamento mdico das concepes hipocrticas que
atribuam uma fora curativa natureza transformariam esse cenrio,
possibilitando o desenvolvimento de um grande nmero de novos
medicamentos, cada vez mais eficazes na proteo e no combate a doenas
especficas. No entanto, a produo desses novos compostos muitas vezes
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d e s e n v o l v i m e n t o s d a f a r m c i a c o n t e m p o r n e a 9 5
Carlos da Silva Araujjo & C. WRual deMonjo 15e RuaZeferina20lfTodosos5anios>
PIO c* JANEIRO.Cnn .' T?r. B101AB0 i4u*n/: HloHtf 50
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A Farmcia Silva Arajo
Luiz Eduardo Silva Arajo, o fundador da
Farmcia Silva Arajo, era sobrinho do
boticrio Francisco Manoel, antigo dono da
botica que, mais tarde, se transformaria na
famosa Drogaria Granado. Nela trabalhou
durante algum tempo. Em 1870 criou sua
prpria farmcia, na mesma rua Direita, em
frente antiga. Com o passar dos anos, a
Farmcia Silva Arajo se transformou num
estabelecimento muito bem conceituado,
sendo ponto de encontro dos mdicos,
estudantes e professores de medicina da
corte que ali iam debater seus casos clnicos
e encomendar suas receitas.
Em 1891, Luiz Eduardo, junto com seu irmo,
o tambm farmacutico Francisco Manuel,
montou um laboratrio farmacutico no
ento distante subrbio do Rocha, para
fabricar extratos vegetais da flora brasileira.
Logo comeou a editar uma revista com o roldos produtos que fabricava, que em 1908
ganhou o nome de Boletim Farmacutico.
Com a morte de Luiz Eduardo, seus filhos
passaram ao comando da empresa. Em 1910,
Paulo Silva Arajo a ela agregou um
laboratrio clnico para a elaborao de
diagnsticos, o qual obteve uma forte
expanso a partir da dcada de 1920.
p g i n a a o l a d o , a c i m a Imagem dcMarc Ferrez documenta o laboratriode histologia da Faculdade de Medicinado Rio de janeiro, aps reforma daInstituio, ocorrida em 1880. Com o
laboratrio de bromatologia etoxicologra o ensino dc farmciaalcana novo patamar.
p g i n a a o l a d o . a b a i x o . Farmcia deum posto de profilaxia rural doDepartamento de Sade Pblica noincio do perodo republicano.
a c i m a . Anncio do Laboratrio ClnicoSilva Arajo, montado no subrbio doRocha, cm 1891. Com a morte de LuizEduardo Silva Arajo, fundador doempreendimento, seus Filhos criaram,em 1910. um laboratrio clinico paraelaborao de diagnsticos.
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9 6 B OT I CA S & PHA R M A CIA S
Mdicos, farmacuticos e
mdicos de farmcias
Se a botica do sculo xix foi um espao
social de convvio, as farmcias dasprimeiras dcadas do sculo xx foram
muitas vezes espaos de prtica mdica,
abrigando consultrios onde jovens clnicos,
ainda sem uma clientela consolidada,
davam consultas populao local. Estes
muitas vezes trabalhavam em troca de
porcentagem sobre o que receitavam, ou
recebiam dos donos das farmcias pelo
nmero de consultas efetuadas. Alm de se
mostrarem como uma forma de iniciar na
carreira os mdicos recm-formados que
tinham menos recursos, esses consultrios
mantidos em vrias farmcias eram, muitasvezes, a nica maneira de levar os servios
mdicos s regies mais distantes dos
centros urbanos. (Vieira, 1962)
requeria conhecimentos especificos, distantes do dominio do farmacutico,
ou demandava laboratrios e instrumentais sofisticados, impossveis de seren
instalados nas farmcias.Nesse contexto, algumas farmcias brasileiras conseguiriam
ampliar sua capacidade de produo, transformando-se em laboratrios
farmacuticos, produtores em maior escala das primeiras especialidades
farmacuticas que comeavam a surgir. Bons exemplos d